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CONSTITUIÇÃO E PODER

Liberalismo não pode ser reduzido apenas


à dimensão econômica Twitter
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19 de agosto de 2019, 8h00 Imprimir Enviar

Por Marco Aurélio Marrafon Linkedin RSS

 Ouvir: de ser reduzido apenas à dimensão econômica 0:00

Tema que vem dominando a agenda


política brasileira, o pensamento liberal
tem sido vítima de reducionismos que o
restringem à esfera econômica, em tese
permitindo que ele seja vinculado a pautas
conservadoras e mesmo intervencionistas
na liberdade das pessoas, que
representam, em essência, violação a
firmes postulados liberais.

Contudo, as premissas políticas do


liberalismo envolvem forte rejeição a
qualquer forma de concentração de poderes, implicando em
consistente defesa das Instituições em um sistema de controles
recíprocos ue possam evitar arroubos e decisões políticas
personalistas. Nessa esteira, possibilitam maior segurança jurídica
para o livre desenvolvimento das pessoas e da economia na esfera
privada.

Assim, considerando que não há tradição de pensamento liberal


pleno e genuíno na história brasileira, a Coluna de hoje apresenta
as diferentes faces do liberalismo enquanto movimento teórico
europeu de origem difusa, de distintas acepções e erguido sobre
uma grande diversidade de ideias, com incursões no campo do
direito, da economia, da política, na teoria da moral e na teoria da
sociedade.

Ao final, constata-se que elas são conectadas e indissociáveis, sob


pena de uma contrapor a outra e, desse modo, desnaturar as bases
teóricas dessa importante vertente do pensamento moderno.

Apesar de haver menções ainda no período medieval, é comum


considerar a Revolução Gloriosa inglesa (final do século XVII)
como um dos principais pontos de partida para a reflexão liberal.

O liberalismo se desenvolveu nos séculos XVIII e XIX em oposição


ao despotismo e se apresentou de formas diferentes, servindo
para indicar desde um partido político, uma ideologia política ou
metapolítica (uma ética) e até uma estrutura institucional
específica, conforme explica Nicola Matteuci [1].

De qualquer modo, é possível encontrar uma base comum,


assentada, segundo Olivier Nay, na seguinte intuição principal: “a
sociedade é tanto mais justa e harmoniosa porque reconhece uma
extensão importante à autonomia e à liberdade do indivíduo” [2].

Seguindo o itinerário proposto por Nay, essa base comum


prescreve a primazia do indivíduo enquanto fundamento das
relações de poder e revela três importantes bandeiras do
pensamento liberal:

i) preferência do princípio da liberdade sobre o da autoridade, isto


é o direito fundamental à autonomia, à segurança e à livre escolha
do modo de vida e livre expressão de opiniões e pensamentos.
Essa preferência se assenta em uma ética da responsabilidade (o
indivíduo tem aptidão natural para decidir o que é racionalmente
bom para si e para os demais) e na concepção de que a ordem
jurídica tem o papel fundamental de garantir essa liberdade;

ii) a esfera privada tem valor superior à comunitária, devendo as


instituições coletivas, como o Estado, realizar a função primordial
de proteger o indivíduo;

iii) os poderes estatais devem ser controlados e limitados, de modo


a evitar abusos de autoridade pelos agentes públicos [3].

Essas premissas levam a, ao menos, cinco grandes princípios do


liberalismo:

i) a recusa ao absolutismo e, logo, ao totalitarismo,

ii) a defesa das liberdades individuais e políticas, o que pressupõe


a crença no racionalismo humano, na perspectiva progressista (o
amanhã será melhor que o hoje) e a exigência de garantia dos
direitos fundamentais;

iii) pluralismo, que serve de garantia à livre expressão das formas


de vida;
iv) soberania do povo e as questões de governo, vistas como
assunto propriamente humano e não religioso e;

v) defesa da democracia representativa como forma de assegurar


um governo estável e moderado, verdadeiro antídoto contra
personalismos autoritários e populismos [4].

Autores críticos, como Antonio Carlos Wolkmer, enxergam o


liberalismo como uma ideologia global instituinte de uma nova
visão de mundo comprometida com uma ética individualista que
marcou a luta da burguesia histórica contra o feudalismo
autoritário [5].

Todavia, mesmo eles reconhecem a repercussão do liberalismo em


diferentes aspectos da realidade. Esses aspectos perpassam e vão
muito além da mera dimensão econômica, tendo incursões
especialmente no campo político, moral e jurídico. Invocando Roy
Magridis, Wolkmer apresenta três núcleos enquanto elementos
caracterizadores do liberalismo [6].

Nessa perspectiva, o núcleo moral, ou liberalismo filosófico,


propõe a afirmação dos valores assentados nos princípios da
liberdade pessoal, do racionalismo, da tolerância, da dignidade e
da crença na vida, formando uma cosmovisão global de proteção
ao indivíduo [7].

Por sua vez, o liberalismo econômico está relacionado,


especialmente, “aos direitos econômicos, à defesa da propriedade
privada, ao sistema de livre empresa e à economia de mercado
livre do controle estatal” [8].

Daí o direito de propriedade, direito à herança, direito de


acumular riqueza e capital, bem como a liberdade de produzir,
comprar e vender [9].

Já o núcleo do liberalismo político se refere, principalmente, “aos


direitos políticos, ou seja, ao direito ao voto, direito de participar e
de decidir que tipo de governo eleger e que espécie de política
seguir” [10], direito de participar da Administração pública,
dentre outros.

Seus princípios básicos são o consentimento individual, a teoria da


separação dos poderes e a prevalência da soberania popular [11].

Esses princípios são combinados com os pilares do primeiro


constitucionalismo, enquanto expressão do que pode ser
considerado o liberalismo jurídico: defesa do Estado de Direito, do
império da lei, da supremacia da Constituição e dos direitos e
garantias individuais.

Enfim, é possível concluir que esses núcleos e/ou postulados do


liberalismo são indissociáveis, de modo que os fins do liberalismo
apenas se efetivam quando considerados em conjunto.
É impossível se pensar em liberalismo econômico sem pensar em
liberdade individual e sem a segurança jurídica oriunda do
sistema constitucional de controle e limitação do poder estatal.

Em suma, defender liberalismo econômico combinado com


intervenção na seara moral ou dos costumes dos cidadãos ou
mesmo com personalismo e concentração de poder contra as
instituições, significa apoiar o sistema capitalista em regime
politicamente autoritário, de forte viés antiliberal.

[1] MATTEUCI, Nicola. Liberalismo. In: BOBBIO, Norberto.


MATTEUCCI, Nicola. PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política.
2vols. Brasília: UNB.

[2] NAY, Olivier. História das ideia’spoliticas. Trad. Jaime A. Clasen.


Petrópolis: Vozes, 2007. p. 195.

[3] Idem.

[4] Ibidem, p. 196.

[5] WOLKMER, Antonio Carlos. Ideologia, Estado e Direito. 4 ed.


São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 121.

[6] Ibidem, p. 122.

[7] Idem

[8] Idem

[9] Idem

[10] Idem

[11] Idem

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Marco Aurélio Marrafon é advogado, professor de Direito e Pensamento
Político na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), doutor e mestre em
Direito do Estado pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), com estudos
doutorais na Università degli Studi Roma Tre (Itália). É membro da Academia
Brasileira de Direito Constitucional (ABDConst).

Revista Consultor Jurídico, 19 de agosto de 2019, 8h00

COMENTÁRIOS DE LEITORES
3 comentários

BOM RESUMO, CONCLUSÃO NEM TANTO


Flávio Ramos (Advogado Sócio de Escritório - Empresarial)
20 de agosto de 2019, 18h36

Professor, desculpe-me a crítica apressada (infelizmente, as minhas ou


são apressadas ou são inexistentes), mas a suma do artigo - o último
parágrafo do texto - me pareceu esquisita. Veja só:
"Em suma, defender liberalismo econômico combinado com
intervenção na seara moral ou dos costumes dos cidadãos ou mesmo
com personalismo e concentração de poder contra as instituições,
significa apoiar o sistema capitalista em regime politicamente
autoritário, de forte viés antiliberal".
Aqui está desenhada uma identificação de "liberalismo econômico"
com "sistema capitalista", até então não abordada no texto. O problema
é que há vários capitalismos, nem todos liberalizantes.
Por outro lado, para problematizar - eu entendo e concordo que o
momento é de preocupação com posturas personalistas e moralizantes
- é que, a partir da premissa de liberalismo único, a crítica poderia ser
perfeitamente invertida: defender o relaxamento de costumes sem
defender o sistema capitalista significaria apoiar o sistema socialista
em regime politicamente autoritário, de forte viés antiliberal.
Enfim, concordo quanto a uma unidade do pensamento liberal, mas
não em uma exigência de pureza que fundamente a acusação de
incoerência.

LIBERALISMO
O IDEÓLOGO (Cartorário)
19 de agosto de 2019, 11h12

O liberalismo é o totalitarismo individual. Você enfraquece os corpos


intermediários, o Estado, as instituições, e valoriza a expansão da
liberdade individual, onde cada um é "um tirano de si mesmo".
Para o pleno exercício do Liberalismo, inclusive no campo dos
costumes, é necessário que você tenha um povo, em determinado
território, consciente de seus direitos e deveres. Deve possuir
discernimento de suas "potestades".

ANTÍDOTO CONTRA O TOTALITARISMO


Rivadávia Rosa (Advogado Autônomo)
19 de agosto de 2019, 10h46

Oportunas considerações
No liberalismo a liberdade não é mera abstração; e aí a questão não é
controlar os mais “fortes”, mas o Estado. Cada ser humano com sua
natureza; nele o Estado de Direito – distingue sociedade civil e Estado,
com uma arquitetura constitucional [constitucionalismo] garantidora
do princípio da separação e equilíbrio dos poderes
Pero, é tripudiado e atacados impiedosamente pelos estatistas. Cunhou-
se o termo socialismo expressamente como oposição ao individualismo
e ao liberalismo.
Ademais, em seus princípios e valores elimina qualquer ideia
totalitária. É o antídoto contra o totalitarismo e seu subproduto: a
barbárie. Daí os ataques desapiedados e perversos que sofre dos
militantes socialistas, vulgarmente conhecido como comunismo.
Assim é que
"Se você não é um liberal aos 25, você não tem coração; se você não é
um conservador aos 35, você não tem cérebro". WINSTON CHURCHILL
(Sir Winston Leonard Spencer-Churchill -1874-1965)

Comentários encerrados em 27/08/2019.


A seção de comentários de cada texto é encerrada 7 dias após a data da sua
publicação.

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