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ee ee eee Debates e Propostas O Manifesto dos Pioneiros da Educagao Nova Na oportunidade do 40° ano de circu- lacdo da Revista Brasileira de Estudos Pe- dagégicos, vem o INEP, através deste mi- ‘mero comemorativo, levantando questOes go Nova, realizada em 13 de marco proxi- ‘mo pasado, cujo objetivo foi o de susct tar a reflexéo sobre a influéncia das idéias educacional discutir sua atualidade em relagio & polt- tica vigente na drea da Educaeéo, divulga- ‘mos, a seguir, em sua integra, 0 documen- to original, conservando, inclusive, a orto- sgrafia entdo em uso. A RECONSTRUCCAO EDUCACIONAL NO BRASIL — AO POVO E AO GOVERNO Na hierai.hia dos problemas nacio- nnaes, nenhum sobreleva em importancia € gravidade ao da educagio, Nem mesmo os de caracter economico the pédem dispu- ms cotta 6 opus opens ‘economicas, é impossi- forgas economicas ou de producgo, sem 0 preparo intensivo das forgas culturaes e o desenvolvimento das aptid0es 4 invengfo e 4 iniciativa que ase ni so 0s factores fundamentaes do accresci- ‘mo de riqueza de uma sociedade. No en- tanto, se depois de 43 annos de regimen republicano, se dér um balango ao estado actual da educagio publica, no Brasil, se verificaré que, dissociadas sempre as re- formas economicas e educacionaes, que seu isso Gobeciapa eam dirigindo-as no mesmo sentido, todos os nossos esforgos, sem unidade de plano e sem espirito de continuidade, nfo logra- ram ainda crear um systema de organiza- , & altura das necessidades mo- fe das necessidades do paiz. Tudo fragmentario e desarticulado. A situagio actual, creada pela successio periodica de reformas parciaes e frequentemente ar- bitrarias, langadas sem solidez economica € sem uma visio global do problema, em todos 08 seus aspectos, nos deixa antes a impressio desoladora de construcgdes isoladas, algumas j4 em ruina, outras abandonadas em seus alicerces, ¢ as me- ‘Onde se tem de procurar a causa prin- cipal desse estado antes de inorganizacio do que de desorganizag%o do apparelho escolar, é na falta, em quasi todos os de educagio. Ou, em poucas palavras, na falta de espirito philosophico e scientifi- €0, na resoluco dos problemas da admi- nistrago escolar. Esse empirismo grossei- R. bras. Est. pedag., Brasilia, 65(150):407-25, maio/ago. 1984 ro, que tem presidido ao estudo dos pro- blemas pedagogicos, postos e discutidos numa atmosphera de horizontes estreitos, tem as suas origens na ausencia total de uma cultura universitaria ¢ na formacdo meramente literaria de nossa cultura. Nunca chegamos a possuir uma “cultura propria”, nem mesmo uma “cultura ge- ral” que nos convencesse da “existencia de um problema sobre objectivos e fins da educagio”. N&o se podia encontrar, por isto, unidade e continuidade de pensa- mento em planos de reformas, nos quaes as instituigdes escolares, esparsas, no tra- ziam, para attrahil-as ¢ oriental-as.p: uma direc¢o, © polo magnetico de uma concep¢io da vida, nem se submettiam, na sua organizagfo ¢ no seu funcciona- ‘mento, a medidas objectivas com que 0 tratamento scientifico dos problemas da administracdo escolar nos ajuda a desco- brir, 4 luz dos fins estabelecidos, os pro- cessos mais efficazes para a realizagio da obra educacional. Certo, um educador pode bem ser um philosopho deve ter_a sua philosophia de educago; mas, ando scientifi- camente nesse terreno, elle deve estar to interessado na determinago dos fins de educagao, quanto tambem dos meios de realizal-os. O physico e 0 chimico nfo terdo necessidade de saber 0 que esti ¢ se passa além da janella do seu laborato- rio. Mas 0 educador, como 0 sociologo, tem necessidade de uma cultura multi- pla e bem diversa; as alturas as profun- didades da vida humana e da vida social ndo devem estender-se além do seu raio visual; elle deve ter 0 conhecimento dos homens e da sociedade em cada uma de suas phases, para poreeber, elm do appe- rente € do poderoso das grandes, cous donalanss 8. eva fo social”, ea Anlt que tem a escola, € a funcedo que representa, na diversi- dade e pluralidade das foreas sociaes que cooperam na obra da civilizago. Se tem essa cultura geral, que Ihe permite orga- 408, nizar uma doutrina de vida ¢ ampliar 0 seu horizonte mental, poderd ver 0 pro- blema educacional em conjuncto, de um ponto de vista mais largo, para subordinar © problema pedagogico ou dos methodos sma philosophico ou dos fins da edudidh; se tem um espirito scientific, ‘empregard os methodos communs a todo genero de investigaco scientifica, poden- do recorrer a technicas mais ou menos elaboradas ¢ dominar a situacdo, realizan- do experiencias ¢ medindo os resultados de toda e qualquer modificago nos pro ‘cessos e nas technicas, que se desenvolve- ram sob o impulso dos trabalhos scienti- ficos na administragio dos servigos esco- lares. Movimento de renovacao educacional AY luz dessas verdades ¢ sob a inspi- rago de novos ideaes de educagdo, é que se gerou, no Brasil, o movimento de re- Jo educacional, com que, rea- Sd conte o empidino. dominante, pretendeu um grupo de educadores, nes- tes ultimos doze annos, transferir do ter- reno administrativo para os planos politi- co-sociaes a solucdo dos problemas esco- ares. Nao foram ataques injustos que aba- laram o prestigio das instituigdes antigas; foram essas instituigdes creagdes artificiaes ‘ou deformadas pelo egoismo e pela rotina, 4 que serviram de abrigo, que tornaram inevitaveis os ataques contra ellas. De fac- to, porque os nossos methodos de educa- 40 haviam de continuar a ser t40 prodi- giosamente rotineiros, emquanto no Me- xico, no Uruguay, na Argentina e no Chi- le, para s6 falar na America hespanhola, jd se operavam transformagées profundas ‘no apparelho educacional, reorganizado ‘em novas bases e em ordem a finalidades lucidamente descortinadas? Porque os nossos programms se haviam ainda de fixar nos quadros de segregacZo social, em que 08 encerrou a republica, ha 43 annos, ‘emquanto nossos meios de locomogio ¢ os processos de industria centuplicaram de ee efficacia, em pouco mais de um quartel de seculo? Porque a escola havia de per- manecer, entre nds, isolada do ambiente, ‘como uma instituiggo enkystada no meio social, sem meios de influir sobre elle, quando, por toda a parte, rompendo a barreira das tradigdes, a acgo educativa jd desbordava a escola, articulando-se com as outras instituigdes sociaes, para esten- der o seu raio de influencia e de aceio? Embéra, a principio, sem directrizes definidas, esse movimento francamente renovador inaugurou uma serie fecunda de combates de idéas, agitando o ambien- te para as primeiras reformas impellidas para uma nova direcedo. Multiplicaram-se as associag6es e iniciativas escolares, em que esses debates testemunhavam a curio- sidade dos espiritos, pondo em circulagao novas idéas e transmittindo aspiragdes novas com um caloroso enthusiasmo. Jé se despertava a consciencia de que, para dominar a obra educacional, em toda a sua extensio, 6 preciso possuir, em alto grio, 0 habito de se prender, sobre bases solidas e largas, a um conjuncto de idéas abstractas e de principios geraes, com que possamos armar um angulo de observa- Go, para vermos mais claro e mais longe € desvendarmos, atravez da complexidade tremenda dos problemas sociaes, horizon- tes mais vastos. Os trabalhos scientificos no ramo da educagio jé nos faziam sen- tir, em toda a sua forga reconstructora, ‘© axioma de que se péde ser to scienti- fico no estudo na resolugao dos proble- mas educativos, como nos da engenharia ¢ das finangas. Nao tardaram a surgir, no Districto Federal ¢ em tres ou quatro Es- tados as reformas e, com ellas, as realiza- ges, com espirito scientifico, e inspiradas por um ideal que, modelado 4 imagem da vida, j4 Ihe reflectia a complexidade. Con- tra ou a favor, todo 0 mundo se agitou. Esse movimento é hoje uma idéa em mar- cha, apoiando-se sobre duas forgas que se completan5] forca das idéas e a irra dingo dos fact®s. Directrizes que se esclarecem Mas, com essa campanha, de que tive- ‘mos a iniciativa e assumimos a responsabi- lidade, ¢ com a qual se incutira, por todas as formas, no magisterio, o espirito novo, (© gosto da critica e do debate ¢ a cons: ciencia da necessidade de um aperfeigoa- mento constante, ainda no se podia con- siderar inteiramente aberto 0 caminho 4s grandes reformas educacionaes. E’ certo ‘que, com a effervescencia intellectual que produziu no professorado, se abriu, de uma vez, a escola a esses ares, a Cujo Oxy genio se forma a nova geracio de educa- dores ¢ se vivificou 0 espirito nesse fecun- do movimento renovador no campo da educagdo publica, nos ultimos annos. A maioria dos espiritos, tanto da velha como da nova geraco ainda se arrastam, porém, sem convicedes, atravez de um la- birintho de idéas vagas, fora de seu alcan- ce, € certagspte, acima de sua experien- cia; €, por jam palavras, com que jf se familiarizaram, imaginam muitos que possuem as idéas claras, que Ihes tira 0 desejo de adquiri-as... Era preciso, pois, imprimir uma direcgfo cada vez mais firme a esse movimento ja agora nacional, que arrastou comsigo os educadores de mais destaque, ¢ leval-o a seu ponto cul- minante com uma nogio clara e definida de suas aspiragdes ¢ suas responsabilida- des, Aos que tomaram posigdo na van- guarda da campanha de renovacao educa clonal, cabia o dever de formular, em do- cumento publico, as bases e directrizes do movimento que souberam provocar, defi- nindo, perante 0 publico e © govemo, a posi¢o que conquistaram e vém manten- do desde 0 inicio das hostilidades contra a escola tradicional. Reformas e a Reforma Se no ha paiz “onde a opinisi se divi- da em maior numero de céres, ¢ se no se 409 encontra theoria que entre nés néo tenha adeptos”, segundo jé observou Alberto Torres, principios e idéas nao passam, en- tre n6s, de “bandeira de discussio, ornatos de polemica ou simples meio de exito pes- soal ou politico”. Ilustrados, és vezes, ¢ eruditos, mas raramente cultos, no assi- milamos bastante -}déas para se torna- rem um nucleo de-convicedes ou um sys- tema de doutrina, capaz de nos impellir 4 acgo em que costumam desencadear-se aquelles “que pensaram sua vida e vive- ram seu pensamento”. A interpenetracio profunda que jé se estabeleceu, em esfor- G08 constantes, entre as nossas idéas ¢ conviegSes e a nossa vida de educadores, em qualquer sector ou linha de ataque em que tivemos de desenvolver a nossa activi- dade ja denuncia, porém, a fidelidade e 0 vigor com que caminhamos para a obra de reconstrucedo educacional, sem estadear a seguranca de um triumpho facil, mas com serena confianga na victoria definitiva de nossos ideaes de educacdo. Em logar dessas reformas parciaes, que se succede- ram, na sua quasi totalidade, na estreiteza chronica de tentativas empiricas, © nosso concretiza uma nova politica educacional, que nos preparard, por eta- pas, a grande reforma, em que palpitara, com 0 rythmo accelerado dos organismos novos, o musculo central da estructura politica e social da nagao. Em cada uma das reformas anteriores, ‘em que impressiona vivamente a falta de uma visio global do problema educativo, a forga inspiradora ou a energia estimu- lantemudou apenas de forma, dando solugdes differentes aos problemas parti- culares. Nenhuma antes desse movimento renovador penetrou o amago da questio, alterando os caracteres geraes ¢ 0S tragos salientes das reformas que o precederam. Nés assistiamos (esyrora de uma verdadei- 1a renovagdo ed¥eétional, quando a revo- lug&o estalou. Ja tinhamos chegado entio, na campanha escolar, a0 ponto decisivo ¢ climaterico, ou se o quizerdes, & linha de 410 divisio das aguas. Mas, a educagio que, no final de contas, se resume logicamente numa reforma social, ndo pode, ao menos em grande proporcio, realizar-se senio pela acedo extensa e intensiva da escola sobre 0 individuo e deste sobre si mesmo nem produzir-se, do ponto de vista das influencias exteriores, sengo por uma evo- lugdo continua, favorecida e estimulada por todas as forgas organizadas de cultura € de educaco. As surprezas e os golpes de theatro sfo impotentes para modifica rem 0 estado psychologic e moral de um povo. E” preciso, porém, atacar essa obra, por um plano integral, para que ella nfo se arrisque um dia a ficar no estado frag- mentario, semelhante a essas_muralhas pelasgicas, inacabadas, cujos blécos enor- ‘mes, esparsos ao longe sobre 0 solo, tes- temunham gigantes que os levantaram, ¢ que a morte surprehendeu antes do corda- mento de seus esforgos... Finalidades da educacao a educaggo varia sempre em uma “concepso da vida”, re- flectindo, em cada época, a philosophia predominante que é determinada, a seu turno, pela estructura da sociedade. E” evi- dente que as differentes camadas e grupos (classes) de uma sociedade dada terio res pectivamente opiniGes differentes sobre a “concepgo do mundo”, que convem fa- zer adoptar 20 educando e sobre 0 que é necessario considerar como “qualidade socialmente util”. O fim da educacao no 6, como bem observoufs} Davy, “desen- volver de maneira anarcifiea as tendencias dominantes do educando; se o mestre in- tervem para transformar, isto implica nelle a representaco de um certo ideal imagem do qual se esforga por modelar 0s jovens espiritos”. Esse ideal ¢ aspira- 40 dos adultos tomna-se mesmo mais facil de aprehender exactamente quando assis- timos 4 sua transmisso pela obra educa- ional, isto é, pelo trabalho a que a socie- ee ey dade se entrega para educar 0s seus filhos. _rigir 0 aaeaielaas natural ¢ integral ‘A. questo primordial das finalidades da educago gyra, pois, em tomo de uma concepeo da vida, de um ideal, a que de- ‘vem conformar-se os educandos, e que uns consideram abstracto ¢ absoluto, ¢ outros, concreto ¢ relativo, variavel no tempo e no espago. Mas, 0 exame, num longo olhar para 0 passado, da evolucio da educagio atravez das differentes civi- lizagdes, nos ensina que o “‘conteudo real desse ideal” variou sempre de accordo com a estructura ¢ as tendencias sociaes da época, extrahindo a sua vitalidade, como a sua forea inspiradora, da propria natureza da realidade social. Ora, se a educago estd intimamente vinculada 4 philosophia da cada época, que Ihe define 0 caracter, rasgando sem- Pre novas perspectivas ao pensamento pe- dagogico, a educago nova nfo péde dei- xar de ser uma reacedo categorica, inten- cional e systematica contra a velha estruc- tura do servico educacional, artificial verbalista, montada para uma concepcio vencida. Desprendendo-se dos interesses de classes, a que ella tem servido, a educa- io perde 0 “sentido aristologico”, para usar a expressiio de Emesto Nelson, deixa de constituir um privilegio determinado pela condigio economica e social do in- dividuo, para um “caracter biolo- gico”, com que se organiza para a collectividade em geral, reconhecendo a todo o individuo o direito a ser educado até onde o permittam as suas aptiddes na- turaes, independente de razdes de ordem nova, alar- gando a sua finalidade :m dos limi- tes das classes, assume, com uma feico mais humana, a sua verdadeira func¢io social, preparando-se para formar “a hie- rarchia democratica” pela “hierarchia das capacidades”, recrutadas em todos os gru- pos sociaes, a que se abrem as mesmas opportunidades de educacdo. Ella tem, por objecto, organizar ¢ desenvolver os meios de ac¢o duravel com o fim de “di- do ser humano em cada uma das etapas de seu crescimento”, de accdrdo com ‘uma certa concepeo do mundo. AA diversidade de conceitos da vida pro- vém, em parte, das differencas de classes ¢, em parte, da variedade de contetido na nogio de “qualidade socialmente util”, conforme o angulo visual de cada uma das classes ou grupos sociaes. A educagio no- va que, certament itica, se pro- pode a0 fim de servifndo aos interesses de classes, mas aos interesses do indivi- duo, ¢ que se funda sobre o principio da vinculago da escola com © meio social, tem o seu ideal condicionado pela vida so- cial actual, mas profundamente humano, de soli de servigo social € cooperadJ A escola tradicional, installa- da para uma concep¢io burgueza, vinha mantendo 0 individuo na sua autonomia isolada e esteril, resultante da doutrina do individualismo libertario, que teve aligs 0 seu papel na formagdo das demo- cracias ¢ sem cujo assalto nio se teriam quebrado 0s quadros rijidos da vida so- cial. A escola socializada, reconstituida sobre a base da actividade e da producedo, em que se considera o trabalho como a melhor maneiza de estudar a realidade em geral (acquifiJp activa da cultura) ea melhor maneira de estudar o trabalho em si mesmo, como fundamento da socieda- de humana, se organizou para remontar a corrente ¢ restabelecer, entre os ho- ‘mens, 0 espirito de disciplina, solidarieda- de e cooperaco, por uma profunda obra social que ultrapassa largamente o quadro estreito dos interesses de classes. ‘Valores mutaveis e valores permanentes Mas, por menos que parega, nessa con- cepcio educacional, cujo embryio ji se disse ter-se gerado no seio das usinas e de ‘que se impregnam a came e o sangue de tudo que seja objecto da acedo educativa, no se rompeu nem esti a pique de rom- 41 per-se 0 equilibrio entre os valores muta- veis ¢ os valores permanentes da vida hu- mana. Onde, a0 contrario, se melhor esse equilibrio é no novo systema de educaco, que, longe de se propor a fins particulares de determinados grupos sociaes, ds tendencias ou preoccupacdes de classes, os subordina aos fins funda- mentaes ¢ geraes que assignala a nature- za nas suas funcedes biol E' certo que é preciso fazer homens, antes de fa- zer instrumentos de producc%o. Mas, trabalho que foi sempre a maior escola de formagéo da personalidade moral, no é apenas o methodo que realiza 0 accrescimo da produc¢io social, é 0 unico methodo susceptivel de fazer homens cultivados € uteis sob todos os aspectos. © trabalho, a solidariedade social ¢ a cooperagdo, em que repousa a ampla uti- lidade das experiencias; a consciencia so- cial que nos leva a comprehender as ne- cessidades do individuo atravez das da come munidade, e 0 espirito de justica, de renuncia e de disciplina, no sio, alids, grandes “valores permanentes” que ele- vam a alma, ennobrecem 0 coragio e for- tificam a vontade, dando expressio e va- lor 4 vida humana? Um vicio das escolas espiritualistas, j4 0 ponderou Jules Si- mon, é 0 “desdém pela multiddo”. Quer- se raciocinar entre si e reflectir entre si. Evitae de experimentar a sorte de todas as aristocracias que se estiolam no isolamen- to. Se se ir 4 humanidade, é pre- ciso estar em wunhdo com ella... Certo, a doutrina de educagio, que se apoia no respeito da personalidade huma- na, considerada no mais como meio, mas como fim em si mesmo, no poderia ser accusada de tentar, com a escola do traba- Iho, fazer do homem uma machina, um instrumento exclusivamente apropriado a ganhar 0 salario ¢ a produzir um resultado ‘material num tempo dado. “A alma tem uma potencia de milhdes de cavallos, que levanta mais peso do que o vapor. Se todas as verdades mathematicas se perdes- 412 sem, escreveu Lamartine, defendendo a causa da educagfo integral, o mundo in- dustrial, 0 mundo material, soffreria sem duvida_um detrimento immenso e¢ um damno irreparavel; mas, se © homem per- dese uma $6 das suas verdades mores, seria 0 proprio homem, seria a humanida- transferir do plano da abstrac¢io a0 da vida escolar em todas as suas manifes- tages, vivendo-as intensamente, essas vir- tudes e verdades moraes, que contribuem para harmonizar os interesses individuaes € 05 interesses collectivos. “Nés nio so- mos antes homens e depois seres sociaes, lembra-nos a voz insuspeita de Paul Bu- eau; somos seres sociaes, por isto mes- ‘mo que somos homens, e a verdade esti antes em que no ha acto, pensamento, desejo, attitude, resoluego, que tenham em nés s6s seu principio ¢ seu termo € que realizem em nés sémente a totalida- de de seus efeitos”. O Estado em face da educagio: a) A educagao, uma funcgao essencial- mente publica Mas, do direito de cada individuo 4 sua educag3o integral, decorre logicamente para 0 Estado que o reconhece e 0 procla- ma, o devery a educacio, na variedade “akake pcr ¢ manifestagdes, como uma funcedo social e eminentemen- te publica, que elle é chamado a realizar, com a cooperagio de todas as instituigdes sociaes. A educagio que é uma das func- Ges de que a familia se vem despojando em proveito da sociedade politica, rom- peu os quadros do communismo familial € dos grupos especificos ges pri- vadas), para se incorporar definitivamente entre as funceSes essenciaes e primordiaes do Estado. Esta restric¢do progressiva das attribuigdes da familia, — que tambem deixou de ser “um centro de producgio” para ser apenas um “centro de consumo”, fem face da nova concurrencia dos grupos profissionaes, nascidos precisamente em vista da proteceio de interesses especiali- zados”, — fazendo-a perder constante: mente em extensio, nfo the tirou a “funceo especifica”, dentro do “f6co in- terior”, embora cada vez mais estreito, fem que ella se confinou. Ella é ainda o “quadro natural que sustenta socialmente © individuo, como o meio moral em que se disciplinam as tendencias, onde nas- cem, comegam a desenvolver-se e conti- ‘nuam a entreter-se as suas aspirag6es para 0 ideal”. Por isto, 0 Estado, longe de pres- cindir da familia, deve assentar 0 trabalho da educacsio io que ella dé 4 escola € na collab effectiva entre paes professores, entre os quaes, nessa obra profundamente social, tem o dever de res- tabelecer a confianca e estreitar as rela- ‘ges, associando e pondo a servico da obra commum essas duas forgas sociaes — a familia € a escola, que operavam de todo indifferentes, sendo em direcgdes di- versas ¢ ds vezes oppostas. b) A questo da escola unica Assentado 0 principio do direito biolo- gico de cada individuo & sua educagio in- tegral, cabe evidentemente a0 Estado a organizagio dos meios de 0 tomar effecti- vo, por um plano geral de educago, de estructura organica, que tome a escola accessivel, em todos 0s seus grios, aos ci- dadios a quem a estructura social do paiz mantém em condigdes de inferioridade economica para obter o maximo de desen- volvimento de accdrdo com as suas apti- does vitaes. Chega-se, por esta forma, a0 Principio da escola para todos, “escola commum ou unica”, que, tomado a rigor, 86 no ficaré na contingencia de soffrer quaesquer restricgdes, em paizes em que as reformas pedagogicas esto intimamen- te ligadas com a reconstrucedo fundamen- tal das relagdes sociaes. Em nosso regi- men politico, 0 Estado nfo poderi, de certo, impedir que, gracas 4 organizacio de escolas privadas de typos differentes, as classes mais privilegiadas assegurem a seus filhos uma educagao de classe deter- minada; mas esta no dever indeclinavel de no admittir, dentro do systema escolar do Estado, quaesquer classes ou escolas, @ que 86 tenha accesso uma minoria, por um privilegio exclusivamente economico. Afastada a idéa do monopolio da educa- Go pelo Estado num paiz, em que o Es- tado, pela sua situagdo financeira no esta em que, por- estimular, sob sua vigilancia as instituigGes privadas ido- neas, a “escola unica” se entenderd, entre 1n6s, no como “uma conscripgio preco- ce”, arrolando, da escola infantil 4 uni- versidade, todos os brasileiros, e submet- tendo-os durante 0 maior tempo possivel a uma formaco identica, para ramificagdes posteriores em vista de destinos diversos, ‘mas antes como a escola official, unica, em que todas as creangas, de 7 a 15, to- das a0 menos que, nessa edade, sejam confiadas pelos paes 4 escola publica, tenham uma educac%o commum, egual para todos. ©) A laicidade, gratuitidade, obrigatorie- dade e coeducagao A laicids) gratuitidade, obrigatorie- dade e coeducagdo so outros tantos prin- cipios em que assenta a escola unificada € que decorrem tanto da subordinagao 4 finalidade biologica da educagio de todos os fins particulares e parciaes (de classes, grupos ou creneas), como do reconheci- mento do direito biologico que cada ser humano tem 4 educagdo. A laicidade, que colloca o ambiente escolar acima de cren- gas ¢ disputas religiosas, alheio a todo o dogmatismo sectario, subtrée 0 educando, respeitando-Ihe a integridade da personali- 413 dade em formago, 4 pressio perturbado- ra da escola quando utilisada como instru- mento de propaganda de seitas e doutri- nas, A gratuidade extensiva a todas as ins- tituigdes officiaes de educagao ¢ um prin- cipio egualitario que torna a educagdo, em qualquer de seus grios, accessivel no 2 uma minoria, por um privilegio econo- mico, mas a todos 0s cidadios que te- nham vontade ¢ estejam em condigdes de recebela. Alids o Estado nao pode tornar © ensino obrigatorio, sem tomal-o gratui- to. A obrigatoriedade que, por falta de escolas, ainda nfo passou do papel, nem em relagio a0 ensino primario, e se deve estender progressivamente até uma edade conciliavel com 0 trabalho productor, isto 6, até a0s 18 anos, é mais necessaria ainda “na sociedade moderna em que o indus- trialismo e o desejo de explorago huma- na sacrificam e violentam a creanga ¢ 0 jo- ven”, cuja educagio € frequentemente impedida ou mutilada pela ignorancia dos paes ou responsaveis e pelas contingencias economicas. A escola unificada nao per- miitte ainda, entre alumnos de um e outro sexo outras separagGes que ndo sejam as que aconselham as suas aptiddes psycho- logicas € profissionaes, estabelecendo em todas as instituigdes “a educagdo em com- mum” ou coeducago, que, pondo-os no mesmo pé de egualdade ¢ envolvendo todo 0 proceso educacional, toma mais economica a organizagio da obra escolar mais facil a sua graduacdo. A funceao educacional a) A unidade da funcedo educacional ‘A consciencia desses principios funda- mentaes da laicidade, gratuidade e obriga- toriedade, consagrados na legislagdo uni- versal, jé penetrou profundamente os es- piritos, como condigdes essenciaes 4 orga- nizagfo de um regimen escolar, langado, em harmonia com 0s direitos do indivi- duo, sobre as bases da unificagdo do ens 414 no, com todas as suas consequencias. De facto, se a educagdo se propée, antes de tudo, a desenvolver ao maximo a capaci- dade vital do ser humano, deve ser con- siderada “uma s6” a funceio educacio nal, cujos differentes grios estio desti- nados a servir as differentes phases de seu crescimento, “que so partes organi- cas de um todo que biologicamente deve ser levado 4 sua completa formacio”. Nenhum outro principio poderia offere- cer a0 panorama das instituigdes escolares perspectivas mais largas, mais salutares e mais fecundas em consequencias do que esse que decorre logicamente da finalida- de biologica da educagio. A seleceio dos alumnos nas suas aptiddes naturaes, a suppressio de instituigdes creadoras de differengas sobre base economica, a incor- poragio dos estudos do magisterio 4 uni- versidade, a equiparaco de mestres ¢ pro- fessores em remuneragio e trabalho, a correlago ¢ a continuidade do ensino em todos os seus grios ¢ a reacgo contra tu- do que the quebra a coherencia interna € a unidade vital, constituem 0 programma de uma politica educacional, fundada sobre a applicagio do principio unificador que modifica profundamente a estructura intima e a organizag3o dos elementos constitutivos do ensino e dos systemas es- colares. dA ry: da funcedio educacional Mas, subordinada a educagdo publica a interesses transitorios, caprichos pessoaes ou appetites de partidos, serd impossivel ao Estado realizar a immensa tarefa que se propde da formagio integral das novas geragbes. Nao ha systema escolar cuja uni- dade ¢ efficacia no estejam constante- mente ameagadas, sendo reduzidas ¢ annuladas, quando o Estado no 0 soube ‘ou no 0 quiz acautelar contra 0 assalto de poderes estranhos, capazes de impor 4 educagdo fins inteiramente contrarios aos fins geraes que assignala a natureza em suas funcg6es biologicas, Toda a impo- tencia manifesta do systema escolar actual e a insufficiencia das solugdes da- das ds questdes de caracter educativo nao provam senfo o desastre irreparavel que resulta, para a educagio publica, de in- fluencias e intervengSes estranhas que conseguiram sujeital-a a seus ideaes secun- darios ¢ interesses subaltemos. Dahi de- corre a necessidade de uma ampla autono- mia technica, administrativa e economica, com que os technicos ¢ educadores, que tém a responsabilidade ¢ devem ter, por isto, a direcco e administragio da func- go educacional, tenham assegurados os se ds verbas que, nos orgamentos, so con- signadas a esse servico publico e, por isto, sujeitas ds crises dos erarios do Estado ou 4s oscillagGes do interesse dos governos pela educaga A autonomia economica nfo se alizar, a ndo ser pela ins- tituigéo de um “fundo especial ou esco- lar”, que, constituido de patrimonios, im- postos e rendas proprias, seja administra- do e applicado exclusivamente no desen- volvimento da obra educacional, pelos proprios orgios do ensino, incumbidos de sua direcefo. ©) A descentralizagi0 A organizagio da educacio brasileira unitaria sobre a base ¢ os principios do Estado, no espirito da verdadeira commu- nidade popular e no cuidado da unidade nacional, nfo implica um centralismo esteril e odioso, a0 qual se oppem as condigdes geographicas do paiz e a neces- sidade de adaptacao crescente da escola 08 interesses ds exigencias regionaes. Unidade no significa uniformidade. A unidade presuppe multiplicidade. Por ‘menos que pareca, 4 primeira vista, no é, pois, na centralizacdo, mas na applicagio da doutrina federativa ¢ descentralizado- ra, que teremos de buscar o meio de levar a cabo, em toda a Republica, uma obra methodica ¢ coordenada, de accdrdo com um plano commum, de completa efficien- cia, tanto em intensidade como em exten- slo. A’ Unio, na capital, e aos estados, ‘os seus respectivos territorios, é que de- ve competir a educaco em todos os grios, dentro dos principios geraes fixados na nova constitui¢go, que deve conter, com a definigio de attribuigdes e deveres, os fundamentos da educagio nacional. Ao governo central, pelo Ministerio da Edu- cago, caberd vigiar sobre a obediencia a esses principios, fazendo executar as orientagdes € os rumos geraes da funcedo educacional, estabelecidos na carta cons- titucional ¢ em leis ordinarias, soccorren- do onde haja deficiencia de meios, facili tando 0 intercambio pedagogico e cultu- ral dos Estados e intensificando por todas as formas as suas relacdes espirituaes. A unidade educativa, — essa obra immensa que a Unifio teri de realizar sob pena de perecer como nacionalidade, se manifes- tard entio como uma forca viva, um espi- rito commum, um estado de animo nacio- nal, nesse regimen livre de intercambio, ‘€ cooperagio que, levando os Estados a evitar todo desperdicio nas suas despezas escolares afim de produzir (0s majores resultados com as menores despezas, abriré margem a uma successio ininterrupta de esforgos fecundos em creagbes ¢ iniciativas. 0 processo educativo Occonceito ¢ os fundamentos da educacio nova © desenvolvimento das sciencias lan- ou as bases das doutrinas da nova educa- G40, ajustando 4 finalidade fundamental e aos ideaes que ella deve proseguir os pro- cessos apropriados para realizal-os. A ex- tenso e a riqueza que actualmente alcan- 68 por toda a parte o estudo scientifico e experimental da educaco, a libertaram 41s do empirismo, dandothe um caracter € um espirito nitidamente scientifico ¢ or- ganizando, em corpo de doutrina, numa série fecunda de pesquizas e experien- cias, os principios da educagio nova, pressentidos e ds vezes formulados fem rasgos de synthese, pela intuigdo lu- minosa de seus precursores. A nova dou- trina, que no considera a funceao educa cional como uma funcgio de superposi- go ou de accrescimo, segundo a qual o educando é “modelado exteriormente” (escola tradicional), mas uma funceio complexa de acgOes ¢ reacgdes em que 0 espirito cresce de “dentro para fora”, substitue 0 mecanismo pela dade funccional) e transfere pi ga € para o respeito de sua per © eixo da escola ¢ 0 centro de gravidade do problema da educagao. Considerando 0S processos mentaes, como “funcgSes vitaes” endo como “ ‘em si mes- mos”, ella os subordina 4 vida, como meio de utilizal-a ¢ de satisfazer as suas ‘nultiplas necessidades materiaes e espiri- tuaes. A escola, vista desse angulo novo que nos di 0 conceito funccional da edu- cago, deve offerecer 4 creanga um meio vivo e natural, “favoravel ao intercambio de reacgdes e experiencias”, em que ella, vivendo a sua vida propria, generosa ¢ bella de creanga, seja levada “ao trabalho € 4 acco por meios naturaes que a vida suscita quando 0 trabalho e a acgo con- vem 208 seus interesses e és suas necessi- Nessa nova concepco da escola, que 6 uma reacgo contra as tendencias exclu- sivamente passivas, intellectualistas ¢ ver- balistas da escola tradicional, a actividade que esti na base de todos os seus traba- Ihos, € a actividade espontanea, alegre ¢ fecunda, dirigida 4 satisfaccdo das neces- sidades do proprio individu. Na verda- deira educaco funcional deve estar, pois, sempre presente, como elemento essencial ¢ inherente 4 sua propria nature- za, 0 problema no s6 da corresponden- 416 cia entre os gréos do ensino e as etapas da evolugdo intellectual fixadas sobre a ‘base dos interesses, como tambem da adaptagdo da actividade educativa és necessidades psychobiologicas do momen- to. O que distingue da escola tradicional a escola nova, no é, de facto, a predo- minancia dos trabalhos de base manual ¢ corporal, mas a presenga, em todas as suas actividades, do factor psychobiologico do interesse, que € a primeira condigo de uma actividade espontanea e o estimulo constante ao educando (creanga, adoles- cente ou joven) a buscar todos 08 recursos ao seu alcance, “gracas 4 fora de attracgdo das necessidades profundamen- te sentidas”. E° certo que, deslocandose por esta forma, para a creanga ¢ para 08 seus interesses, moveis e transitorios, a fonte de inspiragio das actividades esco- ares, quebra-se a ordem que apresenta- vam 0S programmas tradicionaes, do ponto de vista da logica formal dos adul- tos, para os por de accOrdo com a “logica psychologica”, isto é, com a logica que se baseia na natureza e no funccionamento do espirito infantil. Mas, para que a escola possa fornecer 0s “impulsos interiores a occasifo ¢ 0 meio de realizar-se, e abrir a0 educando 4 sua energia de observar, experimentar ¢ crear todas as actividades capazes de sa- tisfazel-a, é preciso que ella seja reorgani- zada como um “mundo natural € social embrionario”, um ambiente dynamicoem intima connexio com a regio € a come munidade. A escola que tem sido um apparelho formal ¢ rijido, sem differen ciago regional, inteiramente desintegrado em relagio ao meio social, passard a ser ‘um organismo vivo, com uma estructura social, organizada 4 maneira de uma communidade palpitante pelas solugSes de seus problemas. Mas, se a escola deve ‘ser uma communidade em miniatura, ¢ se em toda a communidade as actividades manuaes, motoras ou constructoras “constituem as funcedes predominantes da vida”, é natural que ella inicie os alum- nos nessas actividades, pondo-os em con- tacto com o ambiente e com a vida activa que os rodeia, para que elles possam, des- ta forma, possuil-a, aprecial-a e sentil de accdrdo com as aptiddes possibil des. “A vida da sociedade, observou Paul- sen, se modifica em funceo da sua eco- nomia, ¢ a energia individual e collectiva se manifesta pela sua producco material": Aeescola nova, que tem de obedecer a esta lei, deve ser reorganizada de maneira que © trabalho seja seu elemento formador, favorecendo a expansio das energias crea- doras do educando, procurando estimu- larthe 0 proprio esforgo como o elemen- to mais efficiente em sua educacdo e pre- parando-o, com o trabalho em grupos ¢ todas as actividades pedagogicas e sociaes, para fazel-o penetrar na corrente do pro- gresso material e espiritual da sociedade de que proveiu eem que vae viver e luctar. Plano de reconstrucrio educacional a) As linhas geraes do plano Ora, assentada a finalidade da educa- ‘do ¢ definidos os meios de acgio ou pro- cessos de que necessita o individuo para o seu desenvolvimento integral, ficam fixa- dos os principios scientificos sobre os quaes se pdde apoiar solidamente um systema de educagZo. A applicago desses Principios importa, como se vé, numa ra- dical transformagdo da educagdo publica em todos 0s seus grios, tanto 4 luz do no- vo conceito de educagio, tomo 4 vista das necessidades nacionaes. No plano de re- construcgo educacional, de que se esbo- am aqui apenas as suas grandes linhas ge- aes, procuramos, antes de tudo, corrigir © erro capital que apresenta 0 actual sys- tema (se é que se pode chamar systema), caracterizado pela falta de continuidade ¢ articulagio do ensino, em seus diversos grdos, como se nJo fossem etapas de um mesmo processo, e cada um dos quaes deve ter 0 seu “fim particular”, proprio, dentro da “unidade do fim geral da edu- cago” ¢ dos principios e methodos com- muns a todos 0s grios e instituigdes edu- cativas. De facto, 0 divorcio entre as enti- dades que mantém o ensino primario ¢ profissional e as que mantém o ensino secundario e superior, vae concorrendo insensivelmente, como j4 observou um dos signatarios deste manifesto, “para que se estabelecam no Brasil, dois systemas es- colares parallelos, fechados em comparti- mentos estanques € incommunicaveis, differentes nos seus objectivos culturaes € sociaes, e, por isto mesmo, instrumentos de estratificagao social”. A escola primaria que se estende sobre as instituigdes das escolas matemaes ¢ dos jardins de infancia ¢ constitue o problema fundamental das democracias, deve, pois, articular-se rigorosamente com a educa- ‘¢40 secundaria unificada, que Ihe succede, em terceiro plano, para abrir accesso 4s escolas ou institutos superiores de espe- cializagao profissional ou de altos estu- dos. Ao espirito novo que ji se apoderou do ensino primario ndo se poderia, po- rém, subtrahir a escola secundaria, em que se apresentam, collocadas no mesmo nivel, a educagio chamada “profissional” (de preferencia manual ou mecanica) ¢ a educago humanistica ou scientifica (de preponderancia intellectual), sobre uma base commum de tres annos. A escola se- cundaria deixard de ser assim a velha es- cola de “um grupo social”, destinada a adaptar todas as intelligencias a uma for- ma rijida de educagao, para ser um appa- relho flexivel ¢ vivo, organizado para mi- nistrar a cultura geral e satisfazer 4s neces- sidades praticas de adaptaco 4 variedade dos grupos sociaes. E’ 0 mesmo principio que faz alargar 0 campo educativo das Universidades, em que, a0 lado das esco- las destinadas a0 preparo para as profis- ‘Ges chamadas “liberais”, se devem intro- duzir, no systema, as escolas de cultura especializada, para as profisses indus- 47 triaes e mercantis, propulsoras de nossa riqueza economica e industrial. Mas esse principio, dilatando o campo das univer- sidades, para adaptal-as 4 variedade ¢ is necessidades dos grupos sociaes, to lon- ge esté de thes restringir a funcedo cultu- ral que tende a elevar constantemente as escolas de formagio profissional, ache- gando-as 4s suas proprias fontes de reno- vacio ¢ agrupando-as em tomo dos gran- des nucleos de creacao livre, de pesquiza scientifica e de cultura desinteressada. AA instruceao publica ndo tem sido, en- tre nés, na justa observagio de Alberto Torres, sendo um “systema de canaes de exodo da mocidade do campo para as ci- dades e da producgdo para o parasitismo": E’ preciso, para reagir contra esses males, j4 to lucidamente apontados, por em via de solugdo 0 problema educacional das massas ruraes e do elemento trabalha- dor da cidade e dos centros industriaes jé pela extensiio da escola do trabalho educativo e da escola do trabalho profis- sional, baseada no exercicio normal do tra- balho em cooperago, j4 pela adaptagio crescente dessas escolas (primaria e secun- daria profissional) as necessidades regio- naes € 4s profissdes ¢ industrias dominan- tes no meio. A nova politica educacional rompendo, de um lado, contra a forma- 40 excessivamente literaria de nossa cul- tura, para the dar um caracter scientifico ¢€ technico, ¢ contra esse espirito de desin- tegraco da escola, em relacio ao meio social, impoe reformas profundas, orien- tadas no sentido da produceao e procura reforgar, por todos os meios, a intengo © valor social da escola, sem negar a arte, a literatura e os valoresculturaes. Aarte ea literatura tem effectivamente uma ficagdo social, profunda e multipla; a approximago dos homens, a sua organi- zagio em uma collectividade unanime, a diffusio de taes ou quaes idéas sociaes, e, portan- to, efficaz, a extensio do raio visual do homem e 0 valor moral ¢ educativo con- 418 ferem certamente 4 arte uma enorme im- portancia social. Mas, se, 4 medida que a riqueza do homem augmenta, o alimento ‘occupa um logar cada vez mais fraco, os productores intellectuaes no passam para © primeiro plano sendo quando as socie- dades se organizam em solidas bases eco- nomicas. b) O ponto nevralgico da questo A estructura do plano educacional cor- responde, na hierarchia de suas institui- es escolares (escola infantil ou pre-pri- ‘maria; primaria; secundaria e superior ou universitaria) aos quatro grandes periodos que apresenta o desenvolvimento natural do ser humano. E uma reforma integral da organizagio e dos methodos de toda a educagio nacional, dentro do mesmo es- pirito que substitue © conceito estatico do ensino por um conceito dynamico, fazendo um appello, dos jardins de infan- cia 4 Universidade, no 4 receptividade mas 4 actividade creadora do alumno. A partir da escola infantil (4 a 6 annos) até 4 Universidade, com escala pela educagio primaria (7 a 12) pela secundaria (12 a 18 annos), a “continuagio ininterrupta de esforgos creadores” deve levar 4 formagdo da personalidade integral do alumno ¢ 20 desenvolvimento de sua faculdade pro- ductora e de seu poder creador, pela applicagio, na escola, para a acquisigfo activa de conhecimentos, dos mesmos me- thodos (observacdo, pesquiza, © expe- riencia), que segue o espirito maduro, nas investigacdes scientificas. A escola secun- daria, unificada para se evitar 0 divorcio entre 0s trabalhadores manuaes ¢ intellec- tuaes, terd uma solida base commum de cultura geral (3 annos), para a posterior bifurcagao (dos 15 aos 18), em secedo de preponderancia intellectual (com os 3 cyclos de humanidades modemas; scien- cias physicas e mathematicas; e sciencias chimicas e biologicas), ¢ em secefo de referencia manual, ramificada por sua ainda nesse campo educativo que se levan- ta a controversia sobre o sentido de cultu- ta geral ¢ se p6e o problema relativo 4 es- colha do momento em que a materia do ensino deve diversificar-se em ramos ini- ciaes de especializagio. Nio admira, por tradicional 4 interpenetrag3o das classes sociaes, se inspira na necessidade de adap- tar essa educagio 4 diversidade nascente ta nos adolescentes e que “representam as unicas forcas capazes de arrastar 0 espi- rito dos jovens 4 cultura superior”. A es- cola do pasado, com seu esforgo inutil de abarcar a somma geral de conhecimentos, descurou a propria formagio do espirito € a funcs%o que Ihe cabia de conduzir 0 adolescente 20 limiar das profissoes e da vida. Sobre a base de uma cultura geral commum, em que importaré menos a quantidade ou qualidade das materias do que 0 “methodo de sua acquisicio”, escola modema estabelece para isto, de- pois dos 15 annos, o ponto em que o ensi- no se diversifica, para se adaptar ja 4 di- versidade crescente de aptiddes e de gos- tos, jé 4 variedade de formas de actividade social. ©) O conceito modemo de Universidade e © problema universitario no Brasil A educagio superior que tem estado, no Brasil, exclusivamente a servigo das profissOes “liberaes” (engenharia, medici- na ¢ direito), no péde evidentemente eri- girse 4 altura de uma educago université- ria, sem alargar para horizontes scientificos e culturaes a sua finalidade estrictamente profissional e sem abrir os seus quadros ri- jidos 4 formaco de todas as profissies que exijam conhecimentos scientificos, elevando-as a todas a nivel superior e tor- nando-se, pela flexibilidade de sua organi- Zao, accessivel a todas. Ao lado das fa- culdades profissionaes existentes, reorga- nizadas em novas bases, impOe-se a crea- fo simultanea ou successiva, em cada quadro universitario, de faculdades de sciencias sociaes ¢ economicas; de scien- cias mathematicas, physicas ¢ naturaes, ¢ de philosophia ¢ letras que, attendendod variedade de typos mentaes e das necessi- dades sociaes, deverdo abrir ds universida- des que se crearem ou se reorganizarem, ‘um campo cada vez mais vasto de investi- gacbes scientificas. A educacdo superior ou universitaria, a partir dos 18 annos, inteiramente gratuita como as demais, deve tender, de facto, no somente 4 for- magio profissional ¢ technica, no seu ma- ximo desenvolvimento, como formago de pesquizadores, em todos os ramos de conhecimentos humanos. Ella deve ser or- ganizada de maneira que possa desempe- nhar a triplice funceio que the cabe de elaboradora ou creadora de sciencia (in- vestigacSo), docente ou transmissora de conhecimentos (sciencia feita) de vulga- rizadora ou popularizadora, pelas institui- des de extensio universitaria, das scien- cias ¢ das artes. 419 No entanto, com ser a pesquiza, na ex- pressio de Coulter, o “systema nervoso da Universidade”, que estimula ¢ domina ‘qualquer outra funceo; com ser esse espi- ito de profundidade e universalidade, que imprime 4 educaco superior um ca- racter universitario, pondo-a em condi- g0es de contribuir para o aperfeigoamen- to constante do saber humano, a nossa educago superior nunca ultrapassou os limites e as ambig6es de formagio profis- sional, a que se propdem as escolas de en- genharia, de medicina e direito. Nessas instituig6es, organizadas antes para uma funcedo docente, a sciencia esté inteira- mente subordinada 4 arte ou 4 technica da profissio a que servem, com o cuida- do da applicagio immediata e proxima, de uma direc¢do utilitaria em vista de ‘uma funcg%o publica ou de uma carreira privada. Ora, se, entre nds, vingam facilmente todas as formulas ¢ phrases feitas; se a nossa illustrago, mais variada € mais vasta do que no imperio, é hoje, na phrase de Alberto Torres, “mais vaga, fluida, sem assento, incapaz de habilitar 08 espiritos a formar juizos e incapaz de Ihes inspirar actos”, € porque a nossa ge- ago, além de perder a base de uma edu- cago secundaria solida, posto que exclu- sivamente literaria, se deixou infiltrar des- se espirito encyclopedico em que o pensa- mento ganha em extensio 0 que perde em profundidade; em que da observacio ¢ da experiencia, em que devia exercitar- se, se deslocou 0 pensamento para o he- donismo intellectual e para a sciencia fei- ta, e em que, finalmente, 0 periodo crea dor cede © logar 4 erudigao, ¢ essa mes- ma quasi sempre, entre nos, apparente ¢ sem substancia, dissimulando sob a su- perficie, 4s vezes brilhante, a absoluta falta de solidez de conhecimentos. ‘Nessa superficialidade de cultura, facil € apressada, de autodidactas, cujas opi- nides se mantém prisioneiras de systemas ou se matizam das tonalidades das mais variadas doutrinas, se tem de buscar as 420 causas profundas da estreiteza ¢ da flu- ctuagio dos espiritos e da indisciplina mental, quase anarchica, que revelamos ‘em face de todos os problemas. Nem a primeira geragio nascida com a republica, no seu esforgo heroico para adquirit a posse de si mesma, elevando-se acima de seu meio, conseguiu libertar-se de todos (08 males educativos de que se viciou a sua formagfio. A organizagdo de Universidades 6, pois, tanto mais necessaria e urgente quanto mais pensarmos que 56 com essas instituigdes, a que cabe crear e diffundir ideaes politicos, sociaes, moraes ¢ esthe- ticos, ¢ que podemos obter esse intensivo espirito commum, nas aspiragSes, nos ideaes e nas luctas, esse “estado de animo nacional”, capaz de dar forga, efficacia € coherencia 4 acco dos homens, sejam quaes forem as divergencias que possa estabelecer entre elles a diversidade de pontos de vista na solugdo dos problemas brasileiros. E’ a universidade, no conjun- cto de suas instituigdes de alta cultura, prepostas ao estudo scientifico dos gran- des problemas nacionaes, que nos dari ‘0s meios de combater a facilidade de tudo admittir; 0 scepticismo de nada escolher nem julgar; a falta de critica, por falta de espirito de synthese; a indifferenga ou a neutralidade no terreno das idéas; a ig- norancia “da mais humana de todas as operacdes intellectuaes, que é a de tomar partido”, e a tendencia e o espirito facil de substituir os principios (ainda que pro- visorios) pelo paradoxo e pelo humor, esses recursos desesperados. 4) 0 problema dos melhores De facto, a Universidade, que se en- contra no apice de todas as instituigdes educativas, esti destinada, nas sociedades modemas ‘a desenvolver um papel cada vez mais importante na formagio das eli- tes de pensadores, sabios, scientistas, tech- nicos, e educadores, de que ellas precisam para 0 estudo e solugdo de suas questdes scientificas, moraes, intellectuaes, politi- cas € economicas. Se o problema funda- mental das democracias é a educagio das massas populares, 0s melhores ¢ os capazes, por seleo¢o, devem formar 0 vertice de uma pyramide de base immen- sa. Certamente, 0 novo conceito de edu- aco repelle as elites formadas artificial- mente “por differenciagio economica” ‘ou sob 0 criterio da independencia eco- nomica, que nfo & nem péde ser hoje ele- ‘mento necessario para fazer parte dellas. A primeira condig%0 para que uma elite desempenhe a sua missdo e cumpra o seu dever é de ser “inteiramente aberta” e ndo sOmente de admittir todas as capaci- dades novas, como tambem de rejeitar implacavelmente de seu seio todos os in- dividuos que nfo desempenham a funceio social que Ihes é attribuida no interesse da collectividade. Mas, no ha sociedade al- guma que possa prescindir desse orgio es- pecial e tanto mais perfeitas serfio as so- ciedades quanto mais pesquizada e selec- cionada for a sua elite, quanto maior for a riqueza e a variedade de homens, de valor cultural substantivo, necessarios para enfrentar a variedade dos problemas que poe a complexidade das sociedades modernas. Essa selecco que se deve pro- cessar nio “por differenciag0 economi- ca”, mas “pela differenciagfo de todas as capacidades”, favorecida pela educagao, mediante a ac¢io biologica e funccional, no pode, nio diremos completar-se, mas nem sequer realizar-se senfo pela obra universitaria que, elevando a0 maximo 0 desenvolvimento dos individuos dentro de suas aptid6es naturaes ¢ seleccionando 0s mais capazes, thes dé bastante forga para exercer influencia effectiva na socie- dade ¢ affectar, dessa forma, a conscien- ccia social. A unidade de formaciio de professores ¢ a ‘unidade de espirito Ora, dessa elite deve fazer parte evi- dentemente 0 professorado de todos os que e deve receber. A maior parte delle, entre nds, é recrutada em todas as carreiras, sem qualquer pre- paragio profissional, como os professo- es do ensino secundario ¢ os do ensino superior (engenharia, medicina, direito, etc.), entre os profissionaes dessas carrei- ‘fa, nesses estabelecimentos, de nivel se- cundario, nem uma solida preparagdo pe- dagogica, nem a educagSo geral em que ella deve basear-se. A preparago dos pro- fessores, como se vé, é tratada entre nés, de maneira differente, quando no é in- teiramente descuidada, como se a funceso educacional, de todas as funcgSes publi- cas a mais importante, fosse a unica para cujo exercicio nfo houvesse necessidade de qualquer preparagio profissional. To- dos os professores, de todos os gréos, ccuja preparagdo geral se adquirird nos es- tabelecimentos de ensino secundario, de- ‘vem, no entanto, formar o seu espirito pe- dagogico, conjunctamente, nos cursos universitarios, em faculdades ou escolas normaes, elevadas 20 nivel superior e in- corporadas as universidades. A tradigSo das hierarchias docentes, baseadas na dif: ferenciagi0 dos grios de ensino, e que a linguagem fixou em denominacdes diffe- rentes (mestre, professor ¢ cathedratico), € inteiramente contraria ao principio da unidade da funceSo educacional, que, applicado, 4s funcedes docentes, importa na incorporagdo dos estudos do magis terio ds universidades, e, portanto, na li- bertagdo espiritual e economica do pro- fessor, mediante uma formacdo e remune- 421 rectrizes 4 formaco da mocidade, nfo se poderi no quando se creou esse “espirito”, para todos os grios do ensino, da forma- lecimentos de educagSo secundaria, nfo fariam sengo um s6 corpo com os do en- sino superior, preparando a fusio sincera ¢ cordial de todas as forgas vivas do ma- gisterio. Entre os diversos grios do ensi- no, que guardariam a sua funceo especi- fica, Se estabeleceriam contactos estreitos que permittiriam as passagens de um a0 outro nos momentos precisos, descobrin- do as superioridades em germen, pondo- ‘as em destaque ¢ assegurando, de um pon- to a outro dos estudos, a unidade do es- pirito sobre a base da unidade de forma- ‘go dos professores. 422 © papel da escola na vida e a sua funcsio social Mas, a0 mesmo tempo que os progres- sos da’ psychologia 4 creanga comegaram a dar 4 educagdo bases scien- tificas, os estudos sociologicos, definindo a posigo da escola em face da vida, nos de seu circulo de ace0. Comprehende-se, 4 luz desses estudos, que a escola, campo especifico de educagiio, nfo é um elemen- to estranho 4 sociedade humana, um ele- mento separado, mas “uma instituig#o social”, um orgio feliz ¢ vivo, no conjun- cto das instituigdes necessarias 4 vida, o logar onde vivem a creanga, a adolescen- cia e a mocidade, de conformidade com 08 interesses e as alegrias profundas de sua natureza. A educaco, porém, no se faz sémente pela escola, cuja acco é favorecida ou contrariada, ampliada ou reduzida pelo jogo de forcas innumeraveis que concorrem ao movimento das socie- dades modernas. Numerosas ¢ variadissi- mas, so, de facto, as influencias que for mam o homem atravez da existencia. “Ha a heranga que a escola da especie, como ja se escreveu; a familia que 6 aes- cola dos paes; o ambiente social que é a escola da communidade, e a maior de to- das as escolas, a vida, com todos os seus imponderaveis © forgas incalculaveis”. ‘Comprehender-se-4, ento, para empregar ‘a imagem de C. Bouglé, que, na socieda- de, a “zona luminosa é singularmente mais estreita que a zona de sombra; 0s pe- quenos focos de acgo consciente que so as escolas, nfo sto senfo pontos na noite, € a noite que as cerca nfo é vasia, mas cheia ¢ tanto mais inquietante; nfo é 0 silencio ¢ a immobilidade do deserto, mas © fremito de uma floresta povoada”. Dessa concepeo positiva da escola, como uma institui¢So social, limitada, na sua acco educativa, pela pluralidade € diversidade das forgas que concorrem lares, de caracter educativo ou de assis- tencia social, devem ser incorporadas em todos Gs systemas de organizacio es- colar para corrigirem essa insufficiencia social, cada vez maior, das instituigdes educacionaes. Essas instituig6es de educa- fo e cultura, dos jardins de infancia és escolas superiores, no exercem a acco intensa, larga e fecunda que sio chamadas a desenvolver € nfo podem exercer senéo Por esse conjuncto systematico de medi- das de projecc0 social da obra educativa além dos muros escolares. Cada escola, seja qual for © seu gréo, dos jardins és universidades, deve, pois, reunir em tomo de si as familias dos alumnos, estimulan- do e aproveitando as iniciativas dos paes ‘em favor da educagao; constituindo socie- dades de ex-alumnos que mantenham relago constante com as escolas; utilizan- do, em seu proveito, os valiosos e multi- plos elementos materiaes e espirituaes da collectividade e despertando e desenvol- vendo o poder de iniciativa e 0 espirito de cooperago social entre os paes, os professores, a imprensa e todas as demais instituig6es directamente interessadas na obra da educacio. Pois, é impossivel realizar-se em inten- sidade ¢ extensfo, uma solida obra edu- € sem se multiplicarem os pontos de apoio de que ella precisa, para se desen- volver, recorrendo a communidade como 4 fonte que thes ha de proporcionar todos os elementos necessarios para elevar as condigies materiaes espirituaes das es- colas. A consciencia do verdadeiro papel da escola na sociedade impde 0 dever de concentrar a offensiva educacional sobre 0s nucleos sociaes, como a familia, os agrupamentos profissionaes ¢ a imprensa, para que o esforco da escola se possa rea- lizar em convergencia, numa obra solida- ria, com as outras instituigdes da commu- nidade. Mas, além de attrahir para a obra commum as instituig6es que so destina- das, no systema social geral, a fortificar-se mutuamente, a escola deve utilizar, em seu proveito, com a maior amplitude pos- sivel, todos os recursos formidaveis, como a imprensa, 0 disco, o cinema ¢ 0 radio, com que a sciencia, multiplicando-lhe a efficacia, acudiu 4 obra de educacio € cultura e que assumem, em face das con- dices geographicas © da extensio terri- torial do paiz, uma importancia capital. A’ escola antiga, presumida da importan- cia do seu papel e fechada no seu exclu- sivismo acanhado e esteril, sem o indis- pensavel complemento e concurso de to- das as outras instituicdes sociaes, se suc- cederi a escola moderna apparelhada de todos os recursos para estender ¢ fecun- dar a sua ac¢fo na solidariedade com 0 meio social, em que entio, e s6 entio, se tomaré capaz de influir, transfor mando-se num centro poderoso de crea- ¢fo, attraccio e irradiago de todas as forcas e actividades educativas. A democracia, — um programma de lon- ‘g0 deveres Nao alimentamos, de certo, illusdes sobre as difficuldades de toda a ordem ‘que apresenta um plano de reconstrucgio educacional de to grande alcance e de to vastas proporgdes. Mas, temos, com a consciencia profunda de uma por uma dessas difficuldades, a disposigio obsti- nada de enfretal-as, dispostos, como esta- mos, na defeza de nossos ideaes educacio- hnaes, para as existencias mais agitadas, mais rudes ¢ mais fecundas em realida- des, que um homem tenha vivido desde que ha homens, aspiragdes e luctas. O proprio espirito que o informa de uma nova politica educacional, com sentido 423 unitario ¢ de bases scientificas, ¢ que se- ria, em outros paizes, a maior fonte de seu prestigio, tornard esse plano suspeito aos olhos dos que, sob o pretexto © em nome do nacionalismo, persistem em manter a educagdo, no terreno de uma politica empirica, 4 margem das correntes renovadoras de seu tempo. De mais, se 0s problemas de educacio devem ser solvidos de maneira scientifica, e se a sciencia niio tem patria, nem varia, nos seus principios, com os climas ¢ as lati- tudes, a obra de educagio deve ter, em toda a parte, uma “unidade fundamen- tal”, dentro da variedade de systemas re- sultantes da adaptag%o a novos ambien- tes dessas idéas © aspiragdes que, sendo estructuralmente scientificas e humanas, tém um caracter universal. E* preciso, certamente, tempo para que as camadas mais profundas do magisterio e da socie- dade em geral sejam tocadas pelas dou- trinas novas ¢ seja esse contacto bastan- te penetrante ¢ fecundo para lhe modi- ficar os pontos de vista ¢ as attitudes em face do problema educacional, ¢ para nos permittir as conquistas em glo- bo ou por partes de todas as grandes as- piragdes que constituem a substancia de uma nova politica de educaco. Os obstaculos accumulados, porém, no nos abateram ainda nem podero aba- ter-nos a resoluglio firme de trabalhar pe- Ja reconstruc educacional no Brasil. 'Nés temos uma missio a cumprir: insen- siveis 4 indifferenga ¢ 4 hostilidade, em lu- ta aberta contra preconceitos ¢ preven- ‘goes enraizadas, caminharemos progressi- vamente para o termo de nossa tarefa, sem abandonarmos o terreno das realida- des, mas sem perdermos de vista os nos- $08 ideaes de reconstrucc3o do Brasil, na base de uma educacfo inteiramente nova. A hora critica decisiva que vive- ‘mos, nio nos permite hesitar um mo- mento deante da tremenda tarefa que nos impde a consciencia, cada vez mais viva da necessidade de nos prepararmos para 44 enfrentarmos com o evangelho da nova geracio, a complexidade tragica dos pro- blemas postos pelas sociedades moder- nas. “Nao devemos submetter 0 nosso espirito. Devemos, antes de tudo pro- porcionar-nos um espirito firme ¢ segu- 10; chegar a ser serios em todas as cousas, ¢ no continuar a viver frivolamente e co- ‘mo envoltos em bruma; devemos formar- nos principios fixos ¢ inabalaveis que sir- vam para regular, de um modo firme, todos os nossos pensamentos ¢ todas as nossas acces; vida e pensamento devem ser em nds outros de uma s6 peca e for- mar um todo penetrante e solido. Deve- mos, em uma palavra, adquirir um carac- ter, e reflectir, pelo movimento de nos- sas proprias idéas, sobre os grandes acon- les. E” preciso formar uma opinigo clara € penetrante e responder a esses proble- mas sim ou no de um modo decidido ¢ inabalavel”. Essas _palavras tho opportunas, que lembramos, escreveu-as Fichte ha de um seculo, apontando 4 Allema- da derrota de lena, 0 cami- sua salvacio pela obra educa- |, em um daquelles famosos “dis- cursos 4 nagdo allem”, pronunciados de sua cathedra, emquanto sob as janellas da Universidade, pelas ruas de Berlim, resoa- vam 08 tambores francezes... N&o sfo, de facto, senio as fortes convicgSes e a plena posse de si mesmos que fazem os grandes homens e os grandes povos. To- da a profunda renovacio dos principios que orientam a marcha dos povos precisa acompanhar-se de fundas transformag6es no regimen educacional: as unicas revolu- g0es fecundas so as que se fazem ou se consolidam pela educago, e é $6 pela educagdo que a doutrina democratica, uti- lizada como um principio de desaggrega- 80 moral ¢ de indisciplina, poderd trans- formar-se numa fonte de esforgo moral, de energia creadora, de solidariedade so- a pet Gil ¢ de eapiito de cooperagto.“Oidel da democracia que, — escrevia Gustave Belot em 1919, — parecia mecanismo po- litico, torna-se principio de vida moral ¢ social, e 0 que parecia cousa feita e reali- zada revelou-se como um caminho a se- guir e como um programma de longos de- veres”, Mas, de todos os deveres que in- cumbem ao Estado, o que exige maior ca- pacidade de dedicagio e justifica maior somma de sacrificios; aquelle com que ngo é possivel transigir sem a perda irre- paravel de algumas geracdes; aquelle em cujo cumprimento 0s erros praticados se projectam mais longe nas suas consequen- cias, aggravando-se 4 medida que recuam no tempo; o dever mais alto, mais penoso e mais grave é, de certo, o da educagdo que, dando ao povo a consciencia de si mesmo ¢ de seus destinos e a forga para affirmar-se ¢ realizal-os, entretém, culti- A. de Sampaio Doria Anisio Spinola Teixeira M. Bergstrom Lourenco Filho Roquette Pinto J.G, Frota Pessoa Julio de Mesquita Filho Raul Briquet Mario Casasanta C. Delgado de Carvalho A. Ferreira de Almeida Jr. J.P. Fontenelle Roldio Lopes de Barros ‘Noemy M. da Silveira Hermes Lima Attilio Vivacqua Francisco Venancio Filho Paulo Maranhio Cecilia Meirelles Edgar Sussekind de Mendonca

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