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“ Masculinidade tóxica na vivência


emocional de homens: uma ótica a partir
do Filme Moonlight

Anderson Alexandre de Araújo Sá

Jonathas da Silva Rodrigues

Pedro Cabral de Oliveira Júnior

Ruan Phablo da Silva Oliveira

Lúcia Maria Temóteo

10.37885/210303613
RESUMO

Objetivo: Explanar sobre os impactos da masculinidade tóxica na vivência emocional do


homem levando em conta as experiências do personagem Chiron, no filme Moonlight: sob
a luz do luar. Método: Trata-se de uma pesquisa de abordagem qualitativa e explorató-
ria que buscou destacar os efeitos da masculinidade tóxica infligida nos homens e suas
consequências, se baseando na análise de cada etapa do desenvolvimento, infância,
adolescência e fase adulta, do personagem Chiron do filme. Resultados: Na infância
Chiron sofreu com o bullying devido ao desvio da sua masculinidade. Em sua adolescên-
cia, Kevin e Chiron vivenciaram um momento de experiência sexual no qual se beijaram.
Posteriormente, assume o papel de agressor e de homem esperado por todos. Em sua
fase adulta, Chiron assume um comportamento de ostentação e poder e se envolve
no tráfico. Depois de muito tempo, se reencontra com Kevin e mais uma vez resgata
lembranças e sentimentos em seu encontro, na cidade em que viviam. Conclusão:
Depreende-se que a masculinidade de Chiron foi questionada inúmeros momentos no
decorrer da sua vida, impactando a sua saúde mental, reprimindo-o. Ademais, esta per-
cepção da masculinidade que envolve o gênero permite transformar a prática e visão de
ser de diversos profissionais e indivíduos para além das concepções apreendidas em
suas formações e experiências.

Palavras-chave: Masculinidade, Homens, Saúde Mental.

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A Psicologia e Suas Interfaces na Saúde, Educação e Sociedade
INTRODUÇÃO

A obra cinematográfica Moonlight: sob a luz do luar (2017), do diretor Barry Jenkins, é
um longa-metragem ganhador do Oscar na categoria de melhor filme, premiado pela AMAPS
– Academia de Artes e Ciências Cinematográficas. Trata-se da história de um garoto negro
chamado Chiron que enfrenta abusos psicológicos e físicos em seu cotidiano. No enredo
do filme, é perceptível uma representatividade através da identidade do Chiron, pelo fato
de ser um indivíduo negro e pela representatividade LGBTQIA+, expressa pelo seu desejo
homossexual que é questionado e negado perante a demanda advinda do modelo hege-
mônico de masculinidade.
Chiron, uma criança moradora de uma comunidade pobre de Miami, é perseguido
pelos colegas da escola por julgarem-no diferente, sofre bullying de praticamente todos a
sua volta, até mesmo de sua própria mãe, Paula. Certo dia, enquanto se refugiava, após
ser perseguido por garotos, foi encontrado por um homem chamado Juan, que simpatizou
rapidamente pelo garoto e tentou ajudá-lo, levando-o para a sua casa. Lá, a criança conhe-
ceu Tereza, a namorada do Juan, e ambos estabeleceram um forte vínculo mesmo após a
morte de seu companheiro, Juan, e era para onde recorria sempre quando se desentendia
com sua mãe que era usuária de drogas e com a qual tinha um relacionamento muito con-
turbado. Na escola, ele tinha apenas um único amigo, chamado Kevin, que gostava dele e
o defendia. Em um determinado momento, agora não mais criança, mas um jovem, Chiron
vive uma experiência sexual com Kevin.
Algum tempo depois, enquanto estavam na escola, o seu amigo Kevin foi desafiado
por um colega a agredir Chiron. Chiron é esmurrado pelo amigo, enquanto todos obser-
vam a situação, em simultâneo, Chiron lembra de um dia quando era criança em que foi
desafiado/ensinado por seu amigo Kevin a não baixar a cabeça diante de outros garotos
e se mostrar forte diante daqueles que o queriam mal. Assim, ele permaneceu firme e de
cabeça erguida até o último momento da agressão, sendo completamente encurralado e
machucado pelos garotos.
Kevin e todos ao redor esperavam que Chiron revidasse contra aquele que o ma-
chucava, até mesmo a diretora esperava isso ao afirmar que “se você fosse homem, teria
outros quatro rapazes ao seu lado”, esperando que o garoto revidasse e ainda entregasse
quem o feriu. Chiron foi tomado por uma raiva e finalmente tomou uma atitude que todos
esperavam de um homem: agrediu o rapaz que provocou a violência contra ele, o que acar-
retou sua prisão.
Após sair da prisão, entrou para o tráfico, seguindo o exemplo do único referencial de
homem que teve, o Juan, se tornando uma verdadeira réplica, ao menos na aparência. Um dia

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ao voltar à cidade que desde sua adolescência não voltara, reviveu grandes lembranças da
infância. Lá reencontrou com Kevin e voltaram a se relacionar.
Masculinidade tóxica é um termo recente utilizado para se referir ao comportamento
machista impregnado na sociedade. Nesse sentido, pelo fato de ser recente esta temática,
existem muitas nomenclaturas para esse assunto, com conteúdo semelhante. Lehnen (2015)
evidencia que a masculinidade tradicional que se naturalizou na sociedade é um domínio
masculino garantido pelos modelos de virilidade, no qual consta a força física e potência
sexual, assim, causando episódios de violência e acarretando danos morais e psicológicos
às vítimas que são justamente os homens.
Diante disso, a masculinidade tradicional é um parâmetro para entender a masculinida-
de tóxica, pois ambas se relacionam em seu viés de dominação masculina sobre o gênero
feminino ou sobre qualquer masculinidade que não contemple o seu modelo hegemônico,
uma vez que possuem a mesma ideologia (LEHNEN, 2015).
Há dificuldade em quebrar esses padrões comportamentais, visto que expressões de
masculinidade impõem regras tão intrínsecas e naturalizadas na sociedade que não são
percebidas e, por consequência, são repetidas. Há uma exigência de coerência total entre um
sexo, um gênero e um desejo/prática. Estas envolvem, por exemplo, os nossos ambientes
sociais e políticos, visto que, em nossa sociedade, essas normas, estabelecidas e seguidas
de maneira quase automática, são repassadas por meios como a cultura (BUTLER, 2019).
Simone de Beauvoir (1967) discute, no século XX, papéis femininos e de gêne-
ro, destacando que:

Ninguém nasce mulher: torna-se mulher. Nenhum destino biológico, psíquico,


econômico define a forma que a fêmea humana assume no seio da sociedade;
é o conjunto da civilização que elabora esse produto intermediário entre o
macho e o castrado que qualificam de feminino (p.9).

Dessa forma, quando atribuídos papéis sociais ao feminino e ao masculino, inibe-se a


possibilidade de novos paradigmas ‘de ser homem’, visto que estes já são preestabelecidos
socialmente, tanto na forma de comportar-se, quanto de vivenciar emoções. Ainda assim,
nessa afirmativa aparece o gênero como construto, uma vez que os padrões heteronorma-
tivos que regem a sociedade contemporânea estabelecem o conceito de gênero a partir do
binarismo entre masculino e feminino, no qual é entendido, também, seguindo a relação
binária de homem e mulher, associada ao sexo. Butler (2019) discorre sobre a construção
binária, quando o corpo de ‘homens’ se aplica exclusivamente aos corpos masculinos, ou
que o termo ‘mulheres’ interprete somente corpos ‘femininos’. Logo, nota-se que de maneira
intrínseca ‘o homem’ tem uma forma e um modo de agir e aquilo que diverge é tratado de
forma a ‘não ser homem’.

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HOMEM LIDAR COM
SAÚDE-DOENÇA

Diante disso, Silva et al. (2012) aponta que os modelos de masculinidade que perpe-
tuam na nossa sociedade, determinam que os homens lidem com o processo saúde-doença
e os comportamentos nos quais repercutem em uma maior predisposição a desenvolver
riscos de doenças e mortes. Tal fato se relaciona ao modo como a socialização masculina
se processa, podendo fragilizá-los ou mesmo afastá-los da preocupação com o autocuidado
e com a busca pelos serviços de saúde.
Este autor também menciona que os valores da cultura masculina como: as tendências
à exposição a riscos, associação da masculinidade com a fragilidade e também a própria
educação familiar que o orienta para um papel social de provedor e protetor, produzem,
consequentemente, modelos masculinos que estão pouco interessados a aderir às práti-
cas de autocuidado, podendo estimular o comportamento agressivo violento e de descui-
do consigo mesmo. MASCULINIDADE
RÍGIDA
Considerando o contexto histórico, o homem sempre recebeu estímulos para poder
conter as suas emoções e, por vezes, emoções inapropriadas para o gênero, e foram poucos
os eventos em que as emoções apropriadas para o gênero fizeram parte de sua educação
sobre como ser homem. A emoção positiva está relacionada às emoções como êxtase,
satisfação, alegria, esperança, etc. Enquanto anseios negativos dizem respeito às emo-
ções como ódio e raiva, o indivíduo não se sente mal por experimentá-las. Neste sentido, o
sentimento positivo seria experimentado em momentos em que ele pode se reafirmar como
macho dominador, não sendo os únicos momentos, mas que supostamente são os que mais
se repetem (PAULA; ROCHA, 2019; SELIGMAN, 2011).
Portanto, este artigo objetiva explanar sobre os impactos da masculinidade tóxica na
vivência emocional do homem levando em conta as experiências do personagem Chiron, do
filme “Moonlight: sob a luz do luar”. Sendo assim, esta temática proporciona a ressignificação
dos conceitos de ‘masculinidade’ que estão enraizados em nossa cultura, apontando para a
reestruturação de discursos preconceituosos e discriminatórios que se encontram em nossas
relações intra e interpessoais em contextos profissional, familiar, entre amigos e entre outros.

MÉTODO

Trata-se de uma pesquisa de abordagem qualitativa e exploratória, visto que, segundo


Gil (2009), este modelo de pesquisa possibilita uma visão geral acerca de determinado fato,
de tipo aproximativo, e também de desenvolver, esclarecer e modificar conceitos e ideias.
Assim, situações e atitudes do personagem principal do filme foram analisadas e discutidas,
destacando os efeitos da masculinidade tóxica infligida nos homens e suas consequências,
por meio do referencial necessário através de momentos específicos que marcaram a sua
vida, seja na infância, adolescência e na fase adulta.

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RESULTADOS E DISCUSSÕES

Fase da infância de Chiron

Chiron é um garoto negro que na infância passa por sérias dificuldades, como a pobreza,
a má relação com a mãe e ainda lida com o bullying. Neste sentido, a cena que evidencia sua
história problemática é em uma conversa delicada entre Juan e Teresa acerca do bullying
que vinha sofrendo de outros garotos da escola.
Diante disso, a cena mostra a cautela que Juan e Teresa têm de conversar com Chiron
sobre suas vivências, visto que ambos não são os pais dele. Chiron faz vários questiona-
mentos a respeito do preconceito que vinha sofrendo. Uma dessas perguntas é sobre a sua
sexualidade, pois os garotos insinuavam que ele fosse homossexual, entretanto, ele não
parece entender essa insinuação.
Na cena, Juan explica a Chiron sobre o bullying que ele estava enfrentando, e ainda
o advertiu para que ele não se reprimisse diante dos insultos, deixando evidente que não
tinha nada de errado em ser homossexual. Assim, a cena ainda mostra que Chiron e Juan
tinham algo em comum, uma vez que ambos tinham uma relação ruim com a mãe.
Dessa maneira, Teresa mediou a fala de Juan para que ele construísse um diálogo
mais confortável com Chiron. Isso é sugerido nas trocas de olhares entre ambos no decorrer
da cena. Ademais, Teresa amenizou a cobrança de Chiron em querer respostas sobre sua
sexualidade, esclarecendo que esses questionamentos iriam ser respondidos com o tempo,
logo ele não precisava se preocupar com essa questão no momento.
Diante do que foi exposto, é possível destacar que Chiron passava por conflitos inter-
nos, entretanto buscava respostas a respeito dos questionamentos que o rodeavam com
pessoas que ele se identificava. Portanto, era possível observar a relação do bullying que
estava sofrendo com a imposição social advinda da masculinidade.

“Eu sou uma bicha?”

Nessa pergunta feita por Chiron, nota-se como o bullying homofóbico o impactou de
forma conflituosa. De acordo com Elipe, Munoz e Del Rey (2018), o bullying homofóbico é
uma violência sofrida através de provocações, discriminação e outras categorias devido à
sexualidade da vítima. Neste contexto, o bullying é observado na palavra “bicha”, visto que
é um termo pejorativo usado no intuito de discriminar os homossexuais.
Ademais, a violência contra quem não se encaixa nos padrões normativos de gênero e
sexualidade, está associada com os valores relacionados à homofobia, sexismo e heteros-
sexismo, e devido a isso, a violência tende a ser contínua. Desse modo, é possível perceber

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MASCULINIDADE DECORRENTE
DE UM PROCESSO HISTÓRICO

que o bullying que Chiron sofre é devido a não seguir os padrões normativos, pois esses
valores tendem a reprimir as vítimas (GRAVE; OLIVEIRA; BOGUEIRA, 2016).
Neste contexto, o conceito do que seria a masculinidade na contemporaneidade é
decorrente de um processo histórico. Segundo Engels (1986), com o domínio do homem
sobre a natureza e a origem da propriedade privada, surge a necessidade da formação de
uma família, assim, originando a família patriarcal, na qual é fundamentada na supremacia
do homem, tornando os filhos e a mulher submissos às vontades deste indivíduo.
Outrossim, a heteronormatividade demarca, conforme Mello (2012), a criação de cor-
pos sexuados e heterossexuais, corpos que são tatuados pela natureza e que ditam como
devemos habitá-los, constituindo símbolo principal que se encontra nas genitálias. As con-
sequências são demarcações pautadas na diferenciação dos corpos, sendo o feminino
perfeito à maternagem, portanto ao privado, e o masculino perfeito à guerra, portanto ao
público. A normalidade se encontra na união perfeita entre um homem com uma mulher e
a heterossexualidade como um modelo a ser seguido.
De acordo com Butler (2019), as expressões da masculinidade impõem regras de forma
imiscuídas, por isso, é mais dificultosa a quebra desses padrões comportamentais que são
impostos cautelosamente aos indivíduos, consequentemente, repetindo-se. Dessa maneira,
através dos insultos que Chiron sofria, os garotos estavam impondo esses padrões.
Além disso, é notável também o racismo que Chiron sofria advindo dos padrões com-
portamentais consolidados na sociedade. Foucault (1999) evidencia uma passagem da
guerra das raças para um racismo institucionalizado, chamado de racismo de Estado, sendo
considerada letal e agressiva. Em decorrência disso, Chiron é vítima de mais de um precon-
ceito, visto que a cor da sua pele e sexualidade são discriminadas.
Por essa conjuntura, conclui-se que o bullying mostrado no filme e a masculinidade
se relacionam, pois, como dito anteriormente, sua imposição de forma incisiva reprime
quem foge dos padrões, consequentemente gerando a perseguição daqueles que não se
adequam a essas regras como vivenciado pelo Chiron. Por este motivo, o homem negro e
homossexual está mais sujeito a sofrer de forma letal, devido ao racismo que está consoli-
dado na sociedade.

Fase da adolescência de Chiron

Em sua segunda fase no filme, agora Chiron adolescente, mostra um jovem sendo
totalmente indesejado pela sua comunidade, demonstrando o preconceito que a população
negra, LGBTQIA+ e periféricos vivenciam em sua comunidade, se encontrando em diversas
categorias de violência tanto escolar como em seu grupo, tendo apenas a companhia do
seu melhor amigo de infância Kevin.

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Desta forma, os impactos à vivência emocional de Chiron compactuam com a pro-
dução cultural acerca da categoria masculina enquanto fator social. O indivíduo ao nascer
é determinado a partir do seu sexo biológico e isso acaba determinando a maneira como
será tratado pela família, comunidade das quais pertencem. Este fato, é compreensível a
partir da adolescência de Chiron, cuja masculinidade foi questionada inúmeros momentos,
colocando-o como objeto não-inteligível, isto é, como minoria e não integrado aos demais
por não fazer parte de uma sociedade heteronormativa (BUTLER, 2019).
Chiron, ainda precisa lidar com muitas situações em sua adolescência, como o fato
de morar em uma periferia dominada pelo tráfico. Nesse sentido, a obra revisita um este-
reótipo e preconceito de masculinidade negra, como traficantes e homens marginalizados.
Martins (2012) destaca que o processo de construção dos estereótipos permite a criação
de uma identidade social grupal, tanto para o grupo a que o indivíduo pertence quanto para
os outros grupos. IDENTIDADE GRUPAL HETEROSSEXUALIDA
DE COMO PADRÃO
Em diversas cenas é mostrado momentos de alegria que acontecem apenas na presen-
ça do seu amigo de infância Kevin. Em um de seus encontros com Kevin, eles se beijam, em
que Kevin expressa seu desejo a Chiron. Chiron, a princípio, não entende muito bem esta
situação e acaba tentando descobrir mais sobre ele. Durante muito tempo, os estudos sobre
gênero enxergaram a heterossexualidade como algo essencial, determinado biologicamen-
te. Assim, a concepção de alguns comportamentos tipicamente colocados como femininos
ou masculinos se baseiam, por exemplo, na possibilidade da procriação, amparada por um
conjunto de valores e pela moral, construídos social e historicamente (MARTINS, 2012).
Outra cena que merece destaque é no momento em que Chiron assume o papel de
agressor e de homem esperado por todos. Neste sentido, tal conduta pode ser refletida
conforme Soares e Belo (2015) apontam, as identidades de gênero são formadas a partir de
uma cultura machista, sendo necessário que ocorra o processo de reafirmação da maneira
violenta com que frequentemente o homem reage, diante da ameaça de perder a disputa pela
virilidade que é duramente conquistada. Assim, é pela via do psiquismo em que o desejo de
ser apassivado é tão inconsciente que é inadmissível, improvável para que o homem o exerça.
A cena em que o jovem age de forma agressiva, sob uma ótica psicanalítica, caracteriza
o homem e o seu sofrimento diante da angústia e do desprazer em relação à passividade
originária, bem como do retorno do recalcado daquilo que o é impedido e interditado pela
produção cultural e imposição social (SOARES; BELLO, 2015). IDENTIDADE DE
GENÊRO MACHISTA

Fase adulta de Chiron

O reencontro com Kevin proporcionou aos dois diálogos descontraídos. Por um mo-
mento, o rapaz decide questionar sobre o homem que Chiron tinha se tornado, com dentes

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exoticamente adornados, carro chamativo e com marra de durão. Assim, o vestir, o andar,
o comportar-se, a entonação de voz, bem como a supervalorização das formas físicas, as
qualidades como agilidades, coragem, bravura, heroísmo, constituem aspectos que são
exigidos pela sociedade em torno do modelo masculino. O homem contemporâneo inicia
sua trajetória, incorporando a sua construção pessoal e social comportamentos que antes
pertenciam ao universo feminino, como admitir sua fraqueza, fragilidade, assim como a
sensibilidade (IVALDO, ITAMAR, VARGAS, 2019). HOMEM CONTEMPORÂNEO

O protagonista parece ganhar espaço, e como na infância, meio sem jeito, tenta expli-
cá-lo que ainda era o mesmo rapaz de sempre. Ainda meio tímido, começa a falar sobre o
quanto foi difícil crescer, se fortalecer e sobreviver diante de tantos conflitos vivenciados na
juventude. Simultaneamente, buscou entender como foi esse processo de desenvolvimento
para Kevin, que expôs quanto tempo passou apenas aceitando ser o que queriam que ele
fosse e nunca o que seria de verdade. Então, no meio de outra inquietude, que parece trazer
tantos sentimentos, Chiron expõe sobre o significado que Kevin havia ganhado na sua vida,
como o único homem que havia lhe tocado.
Essa é uma das cenas que representa a influência e predominância da masculinidade
tóxica sobre a vida e a personalidade do Chiron. Foi o momento exato no qual seu amigo
Kevin (que na juventude Chiron tinha uma atração platônica confusa), o questiona de forma
direta “Quem ele seria?”, pergunta essa que parece carregar um certo conflito, pois o prota-
gonista apresenta uma certa ambiguidade, já que o mesmo não era mais aquele amigo de
infância, porém, simultaneamente apresentava características daquele tempo.
Desde a infância, os seres humanos são ensinados a responder às exigências que a
sociedade impõe, sobre como devem ser e se posicionar, dando continuidade ao padrão
de sociedade regida pelas relações desiguais entre os gêneros e uma hierarquia funda-
mentada em questões sexuais biológicas. Isso é evidente no comportamento dos jovens
que repetem determinados padrões dessa mesma sociedade (OLIVEIRA, 2011; WIESE;
SALDANHA, 2011). REPETIÇÃO DE PADRÕES PELOS
JOVENS
A adolescência é uma fase que apresenta intensos processos de transformações,
sendo estes, anatômicas, fisiológicas, psicológicas e sociais, para o desenvolvimento da
identidade. O indivíduo vive novas experiências de descoberta no campo da sexualidade,
das quais influenciam as relações sociais que influenciam as relações de gênero construídas
desde quando esse indivíduo ainda é uma criança (HEILBORN, 2012).
Seguindo o desenrolar do enredo, Chiron reafirma que ao ser preso foi necessário
crescer e se reinventar, em um ambiente desprezado pela sociedade, sendo necessário fazer
amizades com traficantes para crescer na vida, considerando a ausência de oportunidades
para a comunidade negra. Neste sentido, a realidade retratada no filme funciona como uma

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denúncia da perversão de uma sociedade que condena as pessoas negras e mais ainda a
sua sexualidade divergente do modelo social da época.

CONCLUSÃO

Este estudo possibilitou informações em torno da masculinidade tóxica e como esta


impacta negativamente a saúde mental dos homens a partir da análise da vivência de Chiron.
Depreende-se que o fenômeno da masculinidade tóxica ocorre em diversos homens, impe-
dindo-os de se expressarem de outros modos e exerçam o seu gênero para além daquilo
que foi atribuído.
Além disso, vale ressaltar que esta percepção de gênero que demarca cada indivíduo,
permite que profissionais e indivíduos em geral, direta ou indiretamente, consigam transcen-
der suas percepções de ‘ser’, transformem suas maneiras de atuação e discursos para além
das concepções apreendidas ao longo de suas formações e experiências acerca do gênero.
Outro aspecto importante a ser levantado é que esta temática contribui para a educa-
ção, uma vez que permite a diminuição do preconceito e discriminação atrelados a posicio-
namentos baseados em uma visão de masculinidade rígida e estática que dita aquilo que
é enquadrado como algo ‘de ser ou não de homem’, sejam modos de falar, de se compor-
tar, de se vestir, de se expressar sobre seus sentimentos, de se atrair por alguém, entre
outros contextos.

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A Psicologia e Suas Interfaces na Saúde, Educação e Sociedade

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