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Faculdades de Campinas

Curso de Ciências Econômicas

GUSTAVO GODINHO

OS DETERMINANTES DA REDUÇÃO DA
DESIGUALDADE DE RENDA NO BRASIL: UM
ESTUDO SOBRE A CONTRIBUIÇÃO DAS
POLÍTICAS PÚBLICAS QUE VIGORARAM
ENTRE 2003 E 2010.

Campinas
2020
Faculdades de Campinas
Curso de Ciências Econômicas

GUSTAVO GODINHO

OS DETERMINANTES DA REDUÇÃO DA
DESIGUALDADE DE RENDA NO BRASIL: UM
ESTUDO SOBRE A CONTRIBUIÇÃO DAS
POLÍTICAS PÚBLICAS QUE VIGORARAM
ENTRE 2003 E 2010.

Monografia apresentada às Faculdades


de Campinas como requisito parcial para
a obtenção do título de Bacharel em
Ciências Econômicas.

Orientador:
Prof.Dr.Lício da Costa Raimundo

Campinas 2020
Faculdades de Campinas
Curso de Ciências Econômicas

Monografia intitulada “Os determinantes da redução da desigualdade de renda no


brasil: um estudo sobre a contribuição das políticas públicas que vigoraram entre
2003 e 2010” de autoria do graduando Gustavo Henrique de Oliveira Godinho,
aprovada pela banca examinadora constituída pelos seguintes professores:

_______________________________________________
Prof. Dr. Lício da Costa Raimundo - Orientador

_______________________________________________
Profa. Dra. Juliana Pinto de Moura Cajueiro

Campinas, 21 de outubro de 2020


Godinho, Gustavo Henrique de Oliveira.
G544d Os determinantes da redução da desigualdade de renda no Brasil: um
estudo sobre a contribuição das políticas públicas que vigoraram entre
2003 e 2010 / Gustavo Henrique de Oliveira Godinho. – Campinas: [s.n.],
2020.
52 f.

Orientador: Licio da Costa Raimundo.


Monografia (Graduação em Ciências Econômicas) - Faculdades de
Campinas.

1. Pobreza. 2. Desigualdade de renda. 3. Programas sociais. 4.


Transferências governamentais. I. Raimundo, Licio da Costa. II. Faculdades
de Campinas, Graduação em Ciências Econômicas. III. Título.

CDD: 330
RESUMO

O objetivo central do trabalho é demonstrar a importância das políticas públicas, que


foram ou criadas no começo dos anos 2000 ou fortificadas nesse período, na redução
da desigualdade de renda entre 2003 e 2010. É realizada uma revisão histórica da
Previdência Social (RGPS), do Benefício de Prestação Continuada, do Bolsa Família
e, por fim, da Política de Valorização do Salário Mínimo, com o propósito de entender
o que são, quando foram criadas, em qual contexto histórico eles surgiram e, também,
indicar trajetórias comuns e importantes. Com isso, o texto, primeiro, anuncia os
fatores elementares da discussão, depois avança demonstrando com dados que o
problema da desigualdade de renda é presente no Brasil e que, de fato, houve sua
redução entre 2003 e 2010. A partir disso, tomando a ideia de que é a inequidade de
renda que causa impactos sobre o nível de pobreza, e não ao contrário, é visto como
a pobreza em geral e, o acesso a bens e serviços públicos básicos, em específico, se
comportaram durante o período analisado, para mostrarmos o que isso significou ás
famílias. Visto isso, a produção parte para a exploração, na prática, dos determinantes
da redução da inequidade de renda e comprova, a partir de estudos com metodologias
um tanto distintas, a relevância da Previdência Social (RGPS), do Benefício de
Prestação Continuada, do Bolsa Família e da Política de valorização do Salário
Mínimo. Na conclusão, o trabalho retoma e costura a revisão histórica contida no
primeiro capítulo ao restante do texto. É aqui que é explorado o quanto parte das
trajetórias das políticas foi importante para a criação de uma estrutura de seguridade
social como vemos nos dias de hoje e que, consequentemente, possibilitou a redução
da desigualdade de renda nos anos 2000.
ABSTRACT

The main objective of the study is to demonstrate the importance of public policies,
which were either created in the early 2000s or strengthened in that period, directed to
reduce income inequality between 2003 and 2010. Firstly, this performs a historical
review of Previdência Social (RGPS), Benefício de Prestação Continuada, Bolsa
Família and, finally, Política de Valorização do Salário Mínimo, in order to investigate
what they are, when they were created, in what historical context they arose and also
to indicate common and important trajectories. With this, the text, announces the
discussion’s factors, then focuses on demonstrating with data that the problem of
income inequality is present in Brazil and it also proves its reduction between 2003
and 2010. Taking this into account, accepting the idea that income inequality impacts
directly on the level of poverty, and not the opposite instead, it is observed how the
poverty in general and, access to basic public goods and services, in particular,
behaved during the period analyzed, showing what this meant for Brazilian families.
Having stated this, the study starts exploring, in practice, the determinants of income
inequality reduction and proves, based on studies with slightly different methodologies,
the relevance of the Previdência Social (RGPS), Benefício de Prestação Continuada,
Bolsa Família and Política de Valorização do Salário Mínimo. In conclusion, this paper
resumes and merges the historical review contained in the first chapter to the
remaining text. Here it explores how important part of their policy trajectories was
towards the creation of a social security structure as it can be seen nowadays and how
that, consequently, made it possible to reduce income inequality in the 2000s.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Gráfico 1 - Evolução do coeficiente de Gini entre 2003 e 2010............................... 23


Gráfico 2 - Participação dos 50% mais pobres na renda total x Participação do 1%
mais rico na renda total - Brasil entre 2003 e 2010. ................................................ 24
Gráfico 3 - Participação dos 50% mais pobres na renda total x Participação do 1%
mais rico na renda total - Brasil entre 2003 e 2010. ................................................ 24
Gráfico 4 - Razão entre os 20% mais ricos e os 20% mais pobres no Brasil - 2003 a
2010. ....................................................................................................................... 25
Gráfico 5 - Evolução da quantidade de pessoas situadas abaixo da linha de pobreza
e abaixo da linha de extrema pobreza entre 2003 e 2010, em milhões de pessoas.26
Gráfico 6 - Função de Bem Estar Social. ................................................................ 29
LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Evolução dos Benefícios Concedidos e total de Beneficiários do Regime


Geral da Previdência Social entre 2003 a 2010. ....................................................... 4
Tabela 2 - Evolução dos Benefícios rurais e urbanos concedidos entre 1990 e 1994.
.................................................................................................................................. 9
Tabela 3 - Famílias beneficiadas, totais transferidos e benefício médio entre 2004 e
2010. ....................................................................................................................... 17
Tabela 4 - Reajuste do Salário Mínimo 2003 – 2010. ............................................. 21
Tabela 5 - Conjunto Básico de Bens. ...................................................................... 28
Tabela 6 - Conjunto Básico de Serviços. ................................................................ 29
Tabela 7 - Contribuição dos fatores determinantes para a queda na desigualdade
entre 2003 e 2007. .................................................................................................. 32
Tabela 8 - Parcelas do rendimento familiar e respectiva decomposição do índice de
Gini da distribuição da RFPC no Brasil. .................................................................. 35
Tabela 9 - Participação de cada uma das dez parcelas na renda total declarada, no
Brasil, em (%). ......................................................................................................... 36
Tabela 10 - Contribuição de cada uma das dez parcelas para a redução do índice de
Gini da distribuição da RDPC. ................................................................................. 37
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO. ................................................................................................................................. 1

CAPÍTULO 1 – O COMBATE À DESIGUALDADE DE RENDA. ..................................... 2

1.1 – CONSTITUIÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS. ........................................... 3

1.1.1 – PREVIDÊNCIA SOCIAL ............................................................................. 3

1.1.2 – O BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA (BPC). ......................... 10

1.1.3 – O PROGRAMA BOLSA-FAMÍLIA. ........................................................... 13

1.1.4 – A POLÍTICA DE VALORIZAÇÃO DO SALÁRIO MÍNIMO. ....................... 17

CAPÍTULO 2 - IMPACTOS DAS POLÍTICAS PÚBLICAS SOBRE A


REDISTRIBUIÇÃO DE RENDA E A POBREZA. ................................................................ 22

2.1 – IMPACTOS DA RECENTE QUEDA DA DESIGUALDADE DE RENDA SOBRE


A POBREZA E A POBREZA EXTREMA.* ........................................................... 26

2.2 - DETERMINANTES DA REDUÇÃO DA DESIGUALDADE DE RENDA ENTRE


2003 A 2010*. ...................................................................................................... 30

CONCLUSÃO. ................................................................................................................................ 38

BIBLIOGRAFIA. ............................................................................................................................. 41
INTRODUÇÃO.

O estudo da desigualdade de renda se faz importante pois não só está


associado à distribuição da riqueza de um país e aos impactos no emprego, na renda
e no consumo de sua população, mas também ao acesso a bens e serviços e ao maior
bem-estar social. Mais precisamente, a desigualdade de renda se manifesta, com
mais força, por meio do acesso às oportunidades. Isso porque somente as classes
sociais mais favorecidas têm garantia de uma educação e saúde de qualidade, direito
à moradia digna e, portanto, de empregos e salários melhores. Além disso, essa
inequidade gera um contraste econômico e social entre a população, que, mais tarde,
poderá provocar tensões sociais e políticas.
De fato, a desigualdade de renda assombra os mais diversos países ao redor
do mundo, alguns mais, outros menos. E é exatamente nesse contexto que o Brasil
está inserido, no caso, entre os países mais devastados por ela. Entretanto, por mais
que historicamente o país tenha uma concentração de renda muito alta, nem toda sua
memória foi marcada pelo aprofundamento ou pela manutenção de tal
irresponsabilidade política e econômica. Sendo assim, o trabalho deverá olhar para o
período mais recente no qual houve certo direcionamento de políticas públicas à
redução da inequidade de renda. Portanto, a produção estudará o período de 2003 a
2010, pois os esforços do Governo estavam, em parte, alinhados à melhoria na
redistribuição de renda.
Além disso, a hipótese adotada é que os principais determinantes da recente
queda da desigualdade de renda são a política de aumento do salário mínimo e as
transferências governamentais. Determinantes esses, que já foram estudados e
comprovados sua importância por autores como Soares (2006), Barros et al (2006),
Cacciamali et al (2015) e Hoffman (2013 e 2017), pois são justamente essas políticas
que mais contribuíram para a redução da desigualdade de rendimentos em suas
visões. Mais especificamente, dentre as transferências governamentais, o trabalho
focará na Previdência Social, Programa Bolsa Família e no Benefício de Prestação
Continuada.
Partindo de um estudo do tipo teórico-histórico, seu primeiro capítulo: “O
combate à desigualdade de renda”, terá a pretensão de entender o que são, quais são
os objetivos e em qual contexto os principais elementos da recente redução da

1
desigualdade, isto é, Previdência Social, Benefício de Prestação Continuada,
Programa Bolsa Família e política de valorização do salário mínimo foram criados. O
segundo capítulo, chamado “Impactos das políticas públicas sobre a redistribuição de
renda e a pobreza” objetivará mostrar, em sua primeira parte, a redução da
desigualdade de renda com dados e os impactos dela sobre a pobreza e a pobreza
extrema. Mais tarde, no segundo tópico do segundo capítulo, chamado
“Determinantes da redução da desigualdade de renda entre 2003 a 2010”, a produção
visa construir um discurso de como uma diversidade de variáveis, na visão de
diferentes autores, determinaram a redução da desigualdade de renda entre 2003 e
2010, com um olhar especial para os itens chave já evidenciados aqui.

CAPÍTULO 1 – O COMBATE À DESIGUALDADE DE RENDA.

O final dos anos 80 e o advento da Constituição de 1988 foram muito


importantes para a transformação da visão de assistência social em política pública e,
assim, criou-se as bases necessárias para a inauguração de mecanismos que
operaram em direção a salvaguarda de certo bem-estar da população. Esse
movimento somente foi possível graças ao deslocamento do assistencialismo para o
campo da seguridade social e do direito do cidadão. Isso ocorreu em um contexto de
fim da ditadura em que havia clamor pela democracia participativa e por um estado
de bem-estar, demandas impossíveis em um período repressivo e de grande violação
dos direitos humanos em que o país se situava até meados de 1980.
Nesse contexto histórico, de não só uma nova Constituinte, mas de um texto
que passa a tratar e a zelar a seguridade social, a cidadania e, fundamentalmente, a
democracia, deu-se início as bases ao combate da pobreza e da desigualdade de
renda. Além disso, Flores (2017) pontua que a Constituinte de 88 também alterou a
lógica de administração do salário mínimo. Isso aconteceu, pois o fim da ditadura
livrou o sindicalismo de seu estrito controle e, dessa forma, as centrais sindicais junto
aos trabalhadores puderam se relacionar com partidos políticos e, assim, pressionar
os seus representantes em direção a valorização do salário mínimo, que vinha sendo
desvalorizado constantemente nos governos militares.
Dessa forma, a primeira parte do capítulo esclarecerá os principais programas
e políticas que só puderam existir graças a nova configuração do papel do Estado,
2
salvo o caso da Previdência Social, que já existia antes de 1988 – embora tenha
tomado seu caráter atual somente após 88.
Esses programas e políticas são a Previdência Social, o Benefício de Prestação
Continuada, o Programa Bolsa Família e a Política de Valorização do Salário Mínimo.
De forma mais específica, será explicado o que são esses elementos, quais são seus
objetivos e quais seus contextos de elaboração, ou seja, um pouco dos motivos que
os levaram a ser constituídos.

1.1 – CONSTITUIÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS.

Tendo a consciência dos principais elementos do trabalho, partirei pela


explicação da Previdência Social logo em seguida passo pelo Benefício de Prestação
Continuada, depois para o Programa Bolsa Família e, por fim, a Política de
Valorização do Salário Mínimo. O primeiro item tem essa configuração e ordem, pois
levaremos como critério o ano de sua criação/constituição.

1.1.1 – PREVIDÊNCIA SOCIAL

A previdência social pode ser caracterizada como um fluxo continuado de


pagamentos que são financiados através de contribuições. Esses pagamentos, de
acordo com Afonso (2003, p. 4), “são fruto da redução ou da perda de capacidade
laboral, usualmente decorrentes da velhice”, e seu objetivo é justamente dar suporte
financeiro para essa parcela da população que está afastada do trabalho.
Entretanto, mesmo para esse pedaço da população que se encontra dentre
aqueles que, por algum motivo, não mais consegue fazer parte do mercado de
trabalho, eles devem cumprir com certos requerimentos para obter o benefício, como
a contribuição compulsória durante a vida ativa. Na verdade, desde sua criação, a
previdência social tem passado por várias mudanças, que vem reformulando as bases
contributivas, os benefícios e os requerimentos mínimos para obtê-la – ainda mais
quando ela começou a disputar uma maior parcela no orçamento público.

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Tabela 1 - Evolução dos Benefícios Concedidos e total de Beneficiários do
Regime Geral da Previdência Social entre 2003 a 2010.

Valor Total Total de Valor Total dos


Benefícios Var
Concedido (Bilhões Beneficiários Benefícios (Bilhões Var (%)
Concedidos (Mi) (%)
R$) (Milhões) R$)

2003 3,55 1,60 21,52 8,66


2004 3,99 1,88 22,69 5,45% 9,84 13,72%
2005 3,96 2,08 23,45 3,33% 11,19 13,65%
2006 4,24 2,45 24,36 3,90% 12,72 13,73%
2007 4,17 2,57 25,01 2,65% 13,79 8,34%
2008 4,46 2,94 25,98 3,88% 15,36 11,39%
2009 4,47 3,18 26,83 3,29% 17,22 12,17%
2010 5,39 4,20 28,00 4,35% 20,91 21,41%

Fonte: Anuário Estatístico da Previdência Social (2014).

Na tabela 1, vemos bem como a Previdência Social (RGPS) toma corpo durante
os anos 2000, seja em volume de benefícios concedidos ou em valor total transferido.
Dessa forma, se esclarece um dos maiores fatores que levou o texto da Previdência
Social a ser modificado várias vezes desde sua constituição, isto é, o crescimento do
consumo de recursos ao longo dos anos.
Nesse contexto, Afonso (2003) discute exatamente as mudanças que houve
desde os primeiros indícios de existência de organizações de caráter assistencial
como a Previdência Social que vemos nos dias de hoje. EPGE/FGV (1992 apud
AFONSO, LUIZ 2003, p. 6) revela que no início do período colonial já havia instituições
assistencialistas, como a Casa de Misericórdia de Santos em 1543 e a Montepio Geral
de Economia dos Servidores do Estado (Mongeral) fundada em 1835, que de acordo
com Faro (1993 apud AFONSO, LUIZ 2003, p. 6), se tratava da primeira organização
previdenciária do Brasil.
No entanto, é no final do século 19 que essas instituições previdenciárias se
generalizam, tendo como característica a centralidade nas empresas e organizações
ligadas ao governo. Além disso, essa vasta expansão significou aumento contínuo na
criação de benefícios e incorporação de atributos assistenciais significativos. Esses
novos benefícios eram financiados pela contribuição periódica dos trabalhadores e
consistiam em uma gama de benefícios bem gorda para época: assistência médica e
auxílio em caso de desemprego, invalidez ou morte.

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Para se ter uma ideia da quantidade e velocidade de criação de instituições,
caixas e/ou apenas aumento dos benefícios Afonso (2003, p. 7) destaca:
“Em março de 1888, um decreto definiu os critérios de
aposentadoria para os funcionários dos Correios. Os
trabalhadores deveriam ter no mínimo 30 anos de serviço e 60
anos de idade. No mesmo ano foram criadas Caixas de
Socorros nas estradas de ferro. No ano seguinte foi criado o
Fundo de Pensões dos trabalhadores da Imprensa Nacional.
Em 1890, somam-se à nascente rede de proteção social os
funcionários da Central do Brasil e do Ministério da Fazenda.
Dois anos depois, os operários do Arsenal da Marinha do Rio
de Janeiro passam a contar com aposentadoria por invalidez e
pensão por morte. Já no século XX, em 1911, é criada a Caixa
de Pensões da Casa da Moeda e em 1912 os beneficiados são
os funcionários da Alfândega do Rio de Janeiro”.

Brasil (2002 apud AFONSO, LUIZ 2003, p. 7) ressalta que esses primeiros
benefícios previdenciários somente poderiam ser dados para os empregados das
empresas ou instituições ligadas ao Estado, exatamente, devido ao contexto da
época. Isso porque, afirma o autor, estávamos em um período histórico de ínfimo
desenvolvimento econômico e urbano, e acabávamos de sair de um período
escravocrata. Isso quer dizer que as categorias de trabalho no setor privado estavam
bastante desorganizadas e, portanto, somente os profissionais responsáveis pela
formação do Estado, pelo seu gerenciamento burocrático e pela sustentação do poder
militar, poderiam ser favorecidos pelos benefícios previdenciários nascentes, pois
suas atividades estavam mais claramente delimitadas.
Entretanto, já no século XX, a lei Eloy Chaves (de 24 de janeiro de 1923)
habilitava a criação das Caixas de Aposentadoria e Pensões (CAPs) para o setor
ferroviário. As CAPs contavam com vários benefícios, como aposentadoria normal ou
por invalidez, assistência médica, descontos em medicamentos e um tipo de seguro
de vida. Além disso, as CAPs eram organizadas nas firmas por representantes do
próprio quadro de funcionários ou empregadores, e funcionava de acordo com o
regime de capitalização – que mais tarde foi alterada.

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De acordo com Afonso (2003), as CAPs foram generalizadas para outras áreas
de atuação no setor privado, em 1926, estendendo-se para os portuários e marítimos.
Essa generalização veio com o aumento de benefícios e aumento nas alíquotas de
contribuição por parte das empresas.
Por mais que houvera certo aumento no número setores beneficiários no
sistema previdenciário privado, Carvalho (1995 apud AFONSO, LUIZ 2003, p. 9)
aponta como uma generalização “limitada e elitista”. Isso porque, afirmam eles: “Os
ferroviários, portuários e marítimos foram beneficiados por estarem vinculados aos
setores mais dinâmicos da economia, ligados ao processo de expansão econômica
induzida pelas exportações de café”. Ademais, essa “generalização”, pontua os
autores, foi conduzida por empresários da Railway Company, com o objetivo de barrar
o aumento e universalização dos benefícios trabalhistas e manter a estrutura vigente.
No entanto, nos anos 30, com Vargas no poder e depois de várias
transformações causadas pela crise de 29 sobre o setor cafeeiro, somado a expansão
da produção doméstica e expressão do setor interno na economia, as forças relativas
se alteraram no país. Nesse sentido, os trabalhadores assalariados de todas as
categorias do setor privado passam a ter maior relevância no cenário político e,
portanto, o Estado os inclui sob seu cuidado.
Dessa forma, em novembro de 1930, através do decreto 19433, o Estado cria
os Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs), com o objetivo de universalizar os
benefícios da previdência em âmbito nacional, ficando sob gerência do próprio Estado.
Além disso, logo em 1931, há outro decreto (N° 20465) que altera a legislação das
Caixas e flexibiliza o regime da Lei Eloy Chaves, que passa a cobrir os profissionais
dos demais serviços públicos. De acordo com Afonso (2003), as medidas no começo
dos anos 30 foram tantas que o número de Caixas pulou, de uma quantidade
insignificante, para 140 em 1932. Ademais, de acordo com Pires (1995 apud
AFONSO, LUIZ 2003, p. 13), entre 1930 e 1945, o número de favorecidos aumentou
de 8.009 para 124.401 no país.
Junto a expansão de favorecidos e o aumento crescente de Caixas e Institutos
que proviam uma certa gama de auxílios aos trabalhadores, o Estado passou a limitar,
paulatinamente, esses auxílios. Desse modo, as Caixas e os Institutos tiveram, ao
longo dos anos, que se especializar somente na previdência social.
Durante o período de 1945 a 1966, houve várias tentativas de uniformização
das regras do sistema previdenciário por parte do governo. Nesse sentido, em 1945
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é criado o Instituto de Serviços Sociais do Brasil (ISSB) – que somente foi concretizado
em 1966 – com a função de suceder a todos os IAPs, para acabar com as distinções
entre eles e impor regras únicas ao sistema. Ademais, devido a insuficiência de
recursos, uma vez que as despesas aumentaram mais do que as receitas – algo
esperado ao se criar vários benefícios e expandi-lo ao longo do tempo, Afonso (2003)
diz que houve a necessidade da mudança do regime de capitalização para repartição.
Mais adiante, em 1960, a medida mais importante até aqui, rumo a
uniformização do sistema foi aprovada, isto é, a Lei Orgânica da Previdência Social
(LOPS). A LOPS padronizou as normas entre os institutos e, junto a isso, ela também
assegurava, de forma compulsória, os trabalhadores autônomos e profissionais e os
empregadores. Beltrão, Pinheiro e Oliveira (2002 apud AFONSO, LUIZ 2003, p. 16).
Entretanto, embora LOPS seja bastante abrangente, os trabalhadores rurais somente
foram colocados sob proteção do sistema em 1963, após a aprovação do Estatuto do
Trabalhador Rural.
A unificação do sistema que se iniciou com a LOPS foi efetuada somente em
1966 com o Decreto-Lei 66, que fez algumas determinações do lado dos benefícios,
e o Decreto-Lei 72, que foi responsável pela unificação dos institutos, assim, criando
o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS). Dessa forma, de acordo com Afonso
(2003), o Estado desejava diminuir os custos, padronizar a qualidade da assistência
e evitar que os institutos virassem currais eleitorais e, portanto, artífices de corrupção
por parte dos políticos – é nesse momento que o Estado passa a assumir o controle
da previdência social.
Nesse sentido, com a centralização do sistema, formou-se uma estrutura dual
com dois sistemas previdenciários simultaneamente, desde então. O primeiro, sendo
referente aos funcionários públicos não vinculados à CLT como beneficiários. Já o
segundo, administrado pela INPS, os trabalhadores do setor privado. Afonso (2003,
p. 17) pontua que: “A estrutura pós-unificação, ao separar definitivamente funcionários
públicos e privados, consolidou as desigualdades, característica sempre presente em
nossa previdência”.
Esse movimento de unificação, conforme Afonso (2003), não se trata de um
fluxo normal no desenvolvimento e evolução das instituições, mas é devido a um
período em que a população não tinha espaço para o debate e, por isso, não tiveram
a oportunidade para discussão das modificações. Ademais, o período militar foi
marcado por inquietação e muitas dificuldades, como novas legislações, modificação
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nos benefícios e beneficiários, aumento na base das contribuições para o
financiamento, novos requerimentos, mais instituições e, mais tarde, já nos anos 80,
crise e falta de recursos.
Para Draibe (1998 apud AFONSO, LUIZ 2003, p. 23), o desenvolvimento da
Previdência Social, até o período, é bastante problemático. Isso porque, o sistema é
ineficiente na incorporação dos grupos mais pobres e na redução da pobreza e
desigualdade. Além disso, ela pontua que é um sistema que cria privilégios e sustenta
distorções.
Outro período histórico muito significativo foi o que seguia após 1988, com a
nova Constituição – chamada de Constituição cidadã. Conforme Afonso (2003), essa
fase foi marcada por uma alteração da visão das legislações em relação as questões
sociais, consolidando a preocupação na cobertura de toda a população dentro de um
conjunto de direitos sociais, criando, assim, a seguridade social.
Por um lado, os benefícios provenientes dessa nova postura, aumentou
largamente o bem estar da população em geral. Entretanto, a falta de capacidade em
criar benefícios, ao mesmo tempo, em que a base de financiamento fosse expandida,
por outro lado, aprofundou os desequilíbrios orçamentários nos INPs. Dessa forma,
no final dos anos 80, foi necessário criar várias medidas para que houvesse uma
diversificação nas fontes de financiamento da Previdência Social.
Para Carbone (1994, apud AFONSO, LUIZ 2003, p. 24), isso indica um
distanciamento da forma “otimista” em que a previdência foi escrita, em termos de
direitos e, o que de fato, ela poderia prover, dado as fontes de financiamento
existentes. Sendo assim, afirma o autor: “o modelo de proteção social dá uma
expectativa de direitos sociais aos indivíduos. Porém, pouco vale essa suposta
expectativa se não forem gerados recursos adequados para sua concretização”.
Portanto, a partir de 1988, há a criação e o aumento das bases de contribuição
da previdência, como a criação da Contribuição Sobre o Lucro Líquido (CSLL), por
meio da Lei 7689, aumento da Contribuição Patronal de 18,2% para 20%, além da
sobre alíquota de 2% sobre instituições financeiras. Já no governo de Sarney, a
alíquota do Finsocial foi elevada de 0,5% para 1% na receita bruta das empresas.
Nos próximos anos, durante o governo de Collor, houve uma reestruturação
ministerial e uma reformulação do INPS e da IAPAS. A previdência, como secretaria,
passou a fazer parte do Ministério do Trabalho e da Previdência Social, a área médica
e a área assistencial foram para o Ministério da Saúde e Ministério da Ação Social,
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consecutivamente. Ainda mais, o INPS e a IAPAS foram incorporadas, dando origem,
ao INSS. Por fim, no ano seguinte, foi criado o Cofins, através da Lei Complementar
70 (AFONSO 2003).
No entanto, todas essas reformulações somente foram chanceladas em 1991
com a Lei 8112, que, também, instaurou o regime único dos servidores da União, as
autarquias, fundações federais e estabeleceu o plano de custeio do Regime Geral da
Previdência Social. Finalmente, a Lei 8213, decretada na mesma data, estabelecia
uma série de benefícios para a Previdência Social.
Com essas mudanças, a partir de 1988, a previdência toma uma nova face,
mais universal e, portanto, altera a situação da vida das pessoas mais pobres, tanto
no meio rural quanto no urbano. Afonso (2003) destaca que a melhor condição das
vidas das pessoas no meio rural está relacionada a três mudanças fundamentais na
previdência rural, destaca ele:
“A primeira é o aumento do piso de benefício, que
dobrou, passando de 0,5 para 1 salário mínimo. Com isso
aumentaram-se os valores das aposentadorias e
pensões, estas últimas antes limitadas a 30% do
benefício principal. A segunda mudança é que ambos os
cônjuges passaram a ter direito ao benefício,
possibilidade anteriormente limitada a somente um deles,
usualmente o marido. A terceira alteração é a redução em
cinco anos nas idades mínimas para aposentadoria por
idade, que passaram a ser de 60 anos para os homens e
55 anos para as mulheres” (AFONSO 2003; p. 26).

Ademais, Afonso (2003) traz um gráfico que nos mostra a evolução da


concessão desses benefícios urbanos e rurais pós 88.

Tabela 2 - Evolução dos Benefícios rurais e urbanos concedidos entre 1990 e


1994.
Benefícios rurais novos Benefícios urbanos novos
1990 414.847 975.846
1991 280.703 1.079.195
1992 797.185 1.189.945

Continua.

9
Cont. Tabela 2

1993 1.124.682 1.320.883


1994 618.430 1.462.723
Fonte: MPAS (2001) apud Afonso (2003).

Com esses dados, podemos ver que a Previdência Social cresceu como
componente importante na renda das pessoas à medida que ela foi se expandindo
após a Constituição de 88 e, assim, seu papel social em direção a redução da pobreza
foi se consolidando ao longo do tempo.
Durante os anos 90 e 2000, a Previdência Social sofreu com mais
restruturações ministeriais, tanto no governo Itamar quanto no FHC. O RGPS e o
RPPS também foram reformulados, com implementação de fator previdenciário – no
caso do RGPS -, novas alíquotas e novas regulamentações. Ainda mais, elas
continuaram e se aprofundaram, com reformas, novos requerimentos e mais
regulamentações até os dias de hoje.
Desse modo, por mais que tenha sido feito vários esforços rumo a
uniformização, unificação e extensão, seja com a criação do INPS, que agrupava os
trabalhadores privados, seja com a Constituição de 88, que tentou expandir e
uniformizar ainda mais o sistema, ou até com todas as outras mudanças e reformas
feitas ao longo de sua história, isso ainda é um processo inacabado. Isso porque,
ainda existe muita diferença entre a previdência do regime geral em relação a
previdência dos servidores públicos. Assim sendo, por mais que a Previdência Social
seja um mecanismo essencial para o combate à pobreza – através da transferência
de renda direta – sua história e estrutura é permeada por desigualdades.

1.1.2 – O BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA (BPC).

De acordo com Medeiros et al (2006), o BPC é um tipo de transferência de


renda que não está ligado às contribuições prévias ao sistema de seguridade social,
voltado para idosos e pessoas com deficiência, cuja renda per capta familiar é inferior
a 1/4 do salário mínimo. Em adição a isso, todas as pessoas que são classificadas
como muito pobres acima de 65 anos ou cuja deficiência incapacite-o ao trabalho e à
vida independente, é elegível ao BPC. Terra (2012) pontua que esse benefício é
10
individual, não vitalício e intransferível e que integra a Política Nacional de Assistência
Social. Ademais, para que essa transferência esteja em conformidade com a lei, há
avaliações sistemáticas, para identificar a persistência das condições.
Medeiros et al (2006) também traz algumas especificidades do programa. De
acordo com os autores, o BPC é transferido para as famílias mensalmente através do
sistema bancário. E para que o saque do benefício seja mais acessível, alguns bancos
operam em correios, agências lotéricas e até em estabelecimento comerciais. Além
disso, embora o BPC diga respeito a um benefício individualizado e, legalmente,
poderia haver certos tipos de barreiras em relação ao acúmulo de auxílios
governamentais pelas famílias devido à renda já adquirida pelo BPC, isso não ocorre.
Após 2003, com a aprovação do Estatuto do Idoso, o valor das transferências de
assistência social recebidos por outros membros idosos da família não são
consideradas no cálculo per capta para o BPC para aqueles que, na mesma família,
são elegíveis ao programa.
Por mais que o benefício seja bem estruturado e configurado, o programa
também tem características que vão de encontro com seu primeiro propósito. Isso
porque, argumenta Medeiros et al (2006), o BPC somente considera uma única linha
de pobreza, que deixa de considerar diferentes particularidades das famílias e,
portanto, é uma medida bastante inadequada. As famílias têm necessidades
diferentes e essa metodologia não é sensível em relação à disponibilidade de serviços
públicos as pessoas que, para essa parcela da população, se mostra tão determinante
no nível de bem-estar e no acesso a oportunidades. Mais à frente, eles dirão que:
“Além disso, o envelhecimento e a deficiência impõem vários
custos adicionais às famílias e esses custos variam de pessoa
para pessoa, mas o método atual de definição do patamar
mínimo de renda de elegibilidade simplesmente ignora esse
fato” (MEDEIROS et al 2006, pág. 12).

Entretanto, por mais que não existam soluções definitivas para esses
problemas, o objetivo do programa ainda continua claro: atingir indivíduos em famílias
que vivem em situações de pobreza severa e que, por isso, não têm acesso ao
trabalho com uma renda. Isso provém proteção às famílias, amparo às crianças e
adolescentes carentes, habilitação e reabilitação de pessoas com algum tipo de
deficiência e a promoção de sua integração na vida comunitária. Esse é o ponto
11
central do programa, o qual tem obtido grande adesão desde sua concepção, em
1993, detendo mais de 4,4 milhões de beneficiários em todo o país no ano de 2016,
de acordo com o Ministério do Desenvolvimento Social.
Partindo agora para seu contexto de formulação, Terra (2012) dirá que o
processo de ampliação de direitos construídos no âmbito de avanço democrático,
posterior ao período de repressão vivido no país, culminou na Constituição Cidadã
(Constituição de 1988) – que mais tarde será essencial para entender a criação do
Benefício de Prestação Continuada. A Constituição de 1988 foi chamada assim pois
o objetivo era demonstrar as bases pelas quais seu texto havia sido elaborado, isto é,
uma visão de cidadania ampliada, de democracia participativa e o fim de um período
repressivo e de grande violação dos direitos humanos.
Essa nova fase incorporou princípios de seguridade social, universalização de
direitos e controle democrático, desenhando um período novo e diferenciado para a
política social no Brasil.
Nesse sentido, Terra (2012) afirma que a promulgação da Constituição de 1988
é considerada um marco histórico para a política social do país. Ainda mais, sublinha
que a partir desse símbolo o país começa a considerar a assistência social como
política pública integrante a Seguridade Social e, também, aquela passa a ser vista
no campo do direito e não mais do assistencialismo. Esse movimento só foi possível
graças ao novo cenário político social brasileiro, representado e imputado através dos
movimentos sociais urbanos e rurais, do forte sindicalismo e dos partidos políticos que
lutavam em direção à ampliação dos direitos sociais e ao estabelecimento de
garantias constitucionais – o que parece estar em risco nos dias de hoje.
Fruto dessa mudança de visão sobre assistencialismo, surge em 1993, embora
já em um cenário totalmente adverso àquele visto pós constituição de 1988, a Lei
Orgânica da Assistência Social (LOAS).
A Lei Orgânica de Assistência Social (Lei nº 8.742) foi uma lei promulgada em
1993. Ela concedia os mínimos sociais para a população, por meio de uma variedade
de ações de iniciativa pública e da sociedade, com o objetivo de suprir as
necessidades básicas das pessoas (BRASIL, 1993).
O LOAS chancela a visão de assistência social no Brasil como política pública,
universalizando os direitos sociais e impondo responsabilização por parte do Estado.
A lei foi formulada nos princípios de descentralização político-administrativa e na
participação popular. Ademais, ela pôde estabelecer um conjunto de benefícios,
12
programas e serviços públicos, como os Benefícios Eventuais, Serviços Assistenciais,
Programas de Assistência Social, projetos de enfrentamento da pobreza e o Benefício
de Prestação Continuada (TERRA, 2012). Embora a LOAS tenha sido formulado em
1993, aportando diversos programas, dentre eles o BPC, o benefício só começa a ser
concedido às famílias a partir de 1996.
Ainda de acordo com Terra (2012) o LOAS inaugurou um novo período na
história da assistência social no Brasil, a partir do momento em que tornou sensível e
incluiu, no patamar do direito, o atendimento às necessidades da população mais
empobrecida.
Nesse momento, gostaria de reafirmar a importância da Constituição de 1988
em relação à criação das bases democráticas e sociais no país que, mais tarde, gerou
o alicerce para a criação do LOAS e seus benefícios sociais. Esse movimento, por
sua vez, nas últimas décadas, mostrou-se muito progressivo em termos de
transferências de renda, com grandes impactos sobre a redução da desigualdade de
renda. Isso porque, por mais que a população deficiente e idosos se distribuam em
todos os estratos de renda, os grupos pertencentes às parcelas mais baixas de renda
acabam sendo os maiores beneficiários do BPC e do LOAS (JACCOUD et al 2017).

1.1.3 – O PROGRAMA BOLSA-FAMÍLIA.

Outro programa muito representativo no total de redução de concentração de


renda durante os anos 2000 foi o Programa Bolsa-Família (PBF), criado em 2003.
Esse programa, de acordo com Campello (2013), refere-se a uma política pública
nacional voltada ao enfrentamento direto da pobreza, visando garantir o acesso de
todas as famílias pobres não apenas a uma renda mensal, mas também o acesso aos
direitos sociais. Além disso, o programa é muito mais do que uma estratégia integrada
de inclusão social, ele também é uma ferramenta para a estratégia de
desenvolvimento econômico.
Para Campello (2013), seu objetivo é incluir milhões de famílias brasileiras que
subsistem em condições de miséria, com o alívio imediato dessa situação assombrosa
a partir de uma renda mensal. Em adição a isso, a Cartilha do programa Bolsa Família
publicada pelo Governo Federal, diz ainda que seu objetivo parte da ampliação ao
acesso a serviços públicos que representam direitos básicos nas áreas de Saúde,

13
Educação e Assistência social. Isso é feito por meio de condicionalidades de
participação no programa, contribuindo para que as famílias rompam o ciclo
intergeracional de reprodução da pobreza (BRASIL, 2015).
A trajetória até a criação do Bolsa-Família se beneficia de boa parte dos
motivos e elementos que contribuíram para a criação do Benefício de Prestação
Continuada. Entretanto, na verdade, o BPC passa a fazer parte das variáveis que
colaboraram para o desenvolvimento do PBF. Isso porque, a Constituição de 1988
também foi importante, pelos mesmos motivos e, de acordo com Soares (2009), a
criação do BPC retirou o véu que cobria a existência de pobreza enquanto risco social.
Isso quer dizer que após o programa, a pobreza pôde começar a ser vista como risco
social e, também, se apresentou aos olhos da sociedade e da lei.
Soares (2009) diz ainda que outro passo que está nos primórdios da criação do
PBF foi a aprovação de um projeto de lei, de autoria do Senador Eduardo Suplicy, que
propunha um Programa de Garantia de Renda Mínima (PGRM), em roupagem de
imposto de renda negativo. Esse projeto de lei assegurava uma certa renda a todos
os brasileiros com mais de 25 anos que detivessem um salário por volta de R$158,45
(a preços de janeiro de 2007). Entretanto, ele nunca foi votado pela Câmara, mas foi
significativo, pois um programa substitutivo – que detinha a mesma ideia de
transferência de renda – foi aprovado pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva,
mais tarde. Isso foi importantíssimo, afirma Soares (2009, p. 12), pois: “Instalava-se
no Congresso Nacional, pela primeira vez, a pretensão de criar um sistema de
proteção social baseado na solidariedade nacional. A partir deste momento, o debate
político já não mais podia ignorar tal possibilidade”.
Os primeiros indícios do desenvolvimento desse pensamento, foram três
experiências locais de renda mínima que surgiram ao mesmo tempo: O programa de
Garantia de Renda Familiar Mínima, em Campinas, a Bolsa Familiar para Educação,
no Distrito Federal e o Programa de Garantia de Renda Familiar Mínima em Ribeirão
Preto, que surgiu ao longo de 1995. (SOUZA e FONSECA, 1997; SILVA; GIOVANNI;
YASBECK, 2004; apud SOARES 2009, p. 9). A característica mais importante deles,
que vai perdurar no Bolsa Família, é a existência de condicionalidades. Isso significa
que, enquanto as transferências de renda não condicionadas não exigem nenhum tipo
de contrapartida, os programas condicionados podem pedir vários – e o Bolsa Família
exigirá. Essas contrapartidas obrigam as famílias à tomada de ações que, por

14
definição, vão em direção aos seus próprios benefícios e direitos, como a
obrigatoriedade de matrícula dos filhos na escola.
Do início dos anos 90 até a definitiva criação do PBF, em 2003, foram criados
quatro programas que depois, conjuntamente, formaram o Programa Bolsa Família.
O primeiro foi o PETI, Programa de Erradicação do Trabalho Infantil. Como o próprio
nome diz, seu objetivo era erradicar o trabalho infantil, focalizando em crianças de 7
a 10 anos de idade que trabalhavam em locais insalubres e perigosos. Era previsto
R$ 25,00 para as residentes no meio rural e R$ 40,00 para aquelas que viviam na
cidade. Como o programa se referia a uma assistência condicional, havia
contrapartidas. Dessa forma, crianças menores que 16 não deveriam trabalhar e
teriam que ter, no mínimo, 75% de frequência no ano letivo (SOARES 2009).
Outro programa de transferência de renda condicional que, mais tarde, formou
o PBF, foi o Programa Bolsa Escola Federal, criado em 2001. O programa previa uma
bolsa de R$15,00 para cada criança de 6 até 15 anos, uma vez que as famílias
detivessem uma renda per capta menor que R$ 90,00 mensais. Sua condicionalidade
era uma frequência mínima de 85% na escola.
Em 2001, no mesmo ano de criação do Programa Bolsa Escola Federal, surge
o Bolsa Alimentação. Para que as famílias pudessem se candidatar ao programa,
elas teriam que manter a carteirinha de vacinação de seus filhos em dia, deveriam
fazer o exame de pré-natal em caso de gravidez e, se tivessem filhos recém-nascidos,
eram obrigados a fazer o aleitamento materno – salvo em casos de impossibilidade
relacionado à saúde. Também era prevista uma quantia para aquelas famílias que se
enquadrassem nas condicionalidades.
Por fim, o quarto elemento da constituição do PBF, chamado de Cartão
Alimentação de 2003, favorecia famílias cuja renda per capta não fosse, pelo menos,
metade do salário mínimo, com R$ 50,00.
Por mais que esses programas foram fatores-chave em direção a constituição de um
Estado encarregado da promoção e defesa social, eles não lograram maiores
sucessos por sua própria constituição. Autores como Soares (2009, p. 10) dizem até
que eles não se assemelhavam com um sistema de proteção social: “Era um
emaranhado de iniciativas isoladas, com objetivos diferentes, porém sobrepostos, e
para públicos diferentes, mas também sobrepostos. Nenhum desses programas era
universal ou sequer tinha a pretensão de vir a ser.”

15
A crítica foi em relação à falta de coordenação entre os programas,
característica de uma administração fragmentada por várias agências diferentes. Os
autores seguem: “Os sistemas de informação desses quatros programas eram
separados e não se comunicavam entre si, de modo que uma família poderia receber
todos os quatro benefícios, enquanto, outra, vivendo em condições iguais, poderia
não receber transferência alguma” (SOARES 2009, pág. 10).
Nesse sentido, o PBF só pôde ser sintetizado uma vez que todos os programas
anteriores eram caracterizados por reconhecerem os determinantes que colocam as
pessoas em estado de risco social. Além disso, também, por olhar aos pobres como
o público alvo e, por último, devido ao pressuposto da generalização máxima dentre
a população pobre (SOARES 2009).
Mais tarde, em 2003, após ser feita a fusão dos quatro programas já
mencionados anteriormente e, ainda, absorvendo o Vale Gás, surge o Bolsa Família.
O novo sistema assistencial nasceu centralizado, universal e abrangente, uma vez
que o Cadastro Único – que reunia informações sobre os beneficiários dos programas
sociais – foi incorporado ao PBF. Isso significa, a solução ou, pelo menos a
minimização, do problema de falta de coordenação entre os diferentes programas. Ele
é um programa de orçamento definido, isto é, um gasto previsto por lei, com regras
para concessão que inclui estratificação de renda e condicionalidades para o
candidato.
Basicamente, existem dois tipos de linhas de pobreza – que vão gozar de
benefícios diferentes. O primeiro deles são as famílias cuja renda per capta superem
o nível de pobreza extrema1, mas são inferiores ao nível de pobreza. Essas famílias
recebem um benefício variável de acordo com o número de crianças de até 14 anos.
Já a segunda estratificação de renda, diz respeito àquelas famílias que situam na linha
de extrema pobreza2. Esses obtêm direito a um benefício fixo, independentemente do
número de pessoas na família (SOARES 2009).

1
Benefício Variável: Destinado às famílias em situação de pobreza que tenham em sua composição
gestantes, nutrizes (mães que amamentam), crianças e adolescentes de 0 a 15 anos. O valor de
cada benefício é de R$ 41,00 e cada família pode acumular até 5 benefícios por mês, chegando a R$
205,00.

2
Benefício Básico: Concedido às famílias em situação de extrema pobreza (com renda mensal de
até R$ 89,00 por pessoa). O auxílio é de R$ 89,00 mensais.

16
Em relação as condicionalidades, isto é, as contrapartidas, a LEI n° 10.8363,
diz que as famílias só irão receber o benefício caso enviem todos seus filhos à escola,
façam exames de pré-natal, haja acompanhamento nutricional, tenham um
acompanhamento médico e, finalmente, todos da família estejam com a vacinação em
dia.

Tabela 3 - Famílias beneficiadas, totais transferidos e benefício médio entre 2004


e 2010.
Número de famílias beneficiadas Valor do benefício
Anos (milhões) Totais Transferidos (milhões) médio (R$)
2004 6,57 3.791,79 576,97
2005 8,70 5.691,67 654,18
2006 10,97 7.524,66 686,19
2007 10,96 5.656,02 516,22
2008 10,56 10.606,50 1.004,59
2009 12,37 12.454,70 1.006,77
2010 12,78 14.372,70 1.124,78
Fonte: Ministério do Desenvolvimento Social (MDS).

Levando em conta a quantidade de pessoas abrangidas e, também, o volume


de recursos disponibilizados pelo programa, de acordo com a tabela 3, podemos
entender um pouco da dimensão que o PBF tomou e quanto ele pôde contribuir para
diminuição da desigualdade de renda e, mais do que tudo, para diminuição da
desigualdade social no país.

1.1.4 – A POLÍTICA DE VALORIZAÇÃO DO SALÁRIO MÍNIMO.

O salário mínimo é o valor mais baixo que se pode ser pago, legalmente, aos
trabalhadores. Em seu primórdio, tinha como objetivo satisfazer, conforme as
condições de cada região e as necessidades básicas dos trabalhadores, para que
eles pudessem subsistir. A primeira renda básica do trabalho foi instituída pelo
presidente Antônio Carlos através da Constituição Federal de 1934, que ainda
promulgou outras legislações dedicadas ao trabalho. Essas legislações foram
constituídas já enfraquecidas, como pontua Moreira (2010, p. 1): “Infelizmente,

3
Lei nº 10.836 de 09 de janeiro de 2004 - Cria o Programa Bolsa Família e dá outras providências.
17
naquela época, a legislação dedicada às relações do trabalho eram muito acanhada,
simples, incompleta, até capenga, fazendo com que um valor mínimo a ser pago aos
trabalhadores a título de remuneração pelo trabalho, isto é, salário mínimo, não
existisse na prática.
No entanto, foi somente em 1940 que Getúlio Vargas decreta a instituição do
Salário Mínimo para todo trabalhador e trabalhadora em idade ativa, em todo o país.
A partir desse movimento, cada região brasileira possuía um valor de salário mínimo
que era concedido de acordo com as especificidades de cada região. Para se ter ideia,
em 1963, tivemos cerca de 38 salários mínimos diferentes no país que, até 1988,
sofreram desvalorizações e valorizações de forma individual, de acordo com a
necessidade regional.
Essa configuração somente se altera em 1988, com a Constituição de 1988,
como pode ser visto em seu artigo 7°, inciso IV:
“São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros
que visem à melhoria de sua condição social: salário mínimo,
fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender às
suas necessidades vitais básicas e às de sua família com
moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário,
higiene, transporte e previdência social, com reajustes
periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada
sua vinculação para qualquer fim” (BRASIL, 1988)

Dessa forma, além de unificar a renda em todo o país, o artigo também detalha
com maior cuidado quais são as necessidades que o salário mínimo deve ser capaz
de atender, adicionando a educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e
previdência social entre elas. Ademais, o texto institui a obrigatoriedade de reajustes
periódicos que sejam capazes de preservar o poder aquisitivo.
Durante a ditadura, o movimento sindical era fortemente controlado e
benevolente ao Estado militar, entretanto, após 1988, o sindicalismo brasileiro ganha
espaço para representar um grupo politicamente posicionado, como já discutido
anteriormente. Esses sindicatos, ao longo dos anos, passam a se relacionar com
partidos políticos e a pressionar os representantes na política brasileira por demandas
relacionadas ao trabalho, como o aumento do salário mínimo, em especial (FLORES,
2017).

18
Entretanto, não foi com o primeiro governo eleito que houve um movimento de
valorização do salário mínimo, apenas foi visto alguma tendência nesse sentido a
partir de 1995, graças a estabilização da moeda e a baixa inflação do período. Na
verdade, somente após 2003 o país entra em um período de verdadeiro zelo pela
valorização do salário mínimo.
Isso ocorreu devido algumas decisões que foram feitas. A primeira foi a relação
do governo eleito com as demandas sociais. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva
detinha ligações fortes e estreitas junto ao movimento sindical e era mais aberto ao
diálogo e às reivindicações dos trabalhadores. Além disso, em 2004, o país se situava
em um quadro melhor do que nos anos 90, em que a inflação estava relativamente
controlada e havia uma certa reativação da economia. Esses dois fatores,
fundamentalmente, foram condições essenciais para que se pudesse conduzir a
questão do salário mínimo de outra forma (SOUEN, 2013).
Desse modo, além do Governo ter iniciativa de antecipar a definição do novo
nível de salário mínimo que entraria em vigor em maio de 2005 para o final de 2004,
a presidência também indicou que iria criar uma Comissão Tripartite que apresentaria
diretrizes para uma política de valorização do salário mínimo. Em verdade, nenhuma
das duas iniciativas foram encaminhadas ao Congresso. Entretanto, devido a esse
movimento, afirma Dedecca (2005, p. 17), “[...] é inegável uma mudança na postura
do Governo em relação ao tema salário mínimo.”
Por outro lado, mesmo que o cenário econômico nos anos 2000 estivesse
melhor do que aquele visto nas décadas anteriores, na posse do Governo Lula, na
prática, havia grandes dificuldades a serem tratadas: alto passivo externo,
instabilidade cambial, aumento da inflação, crescimento baixo, imensa dívida pública
e juros altos.
Como consequência desse cenário ruim e por motivo do governo recém-eleito
estar enfrentando um ambiente de incerteza e de desconfiança dos agentes
econômicos, ele foi obrigado a tomar medidas à direita para melhorar a confiança dos
agentes econômicos. Essas medidas foram: continuidade do Tripé Macroeconômico
– a saber, regimes de meta de inflação, superávits primários e câmbio flexível -,
aumentou a taxa de juros básica da economia, reformou a Previdência, reformou em
partes o Sistema Tributário e instituiu uma nova Lei de Falências (SOUEN, 2013).
Além disso, o período pós eleição demonstrava ainda um forte discurso
neoliberal, que se mostravam contrários aos mecanismos de proteção do trabalho e,
19
portanto, de uma suposta política de valorização do salário mínimo. Nesse sentido,
eles argumentavam que a proposta detinha algumas restrições, como o impacto nos
custos das pequenas e médias empresas Dedecca (2005), nas contas públicas,
especialmente a Previdência Social e contas municipais. Ademais, diziam que um
aumento consecutivo no salário mínimo traria um possível efeito inflacionário, devido
a maior folha de pagamentos e o aumento da demanda agregada (SOUEN 2013).
No entanto, outro discurso crescente no período dizia que o pífio crescimento
econômico era um dos maiores entraves a recuperação do poder de compra do salário
mínimo (SANTOS e GARRIDO, 2006, apud SOUEN, 2013, p. 105).
Nesse sentido, o país deveria tomar um rumo diferente daquele que havia
trilhado de meados dos anos 80 até os anos 90, isto é, de uma política econômica que
priorizava a austeridade fiscal. Portanto, afirmam os autores:
“Apontava-se forte necessidade de se criar condições para a
retomada do crescimento da economia, do emprego e da renda,
modificando a estratégia de condução da política
macroeconômica, de forma a abrir caminho para uma maior
formalização do mercado de trabalho, aumento da massa
salarial e, consequentemente, maior arrecadação previdenciária
e das contribuições sociais, reduzindo assim os possíveis
constrangimentos de uma política consistente de recuperação
do piso mínimo nacional” (SANTOS e GIMENEZ, 2005; apud
SOUEN, 2013, p. 105).

Isso porque, esse crescente discurso do período via que com o crescimento
econômico os possíveis efeitos negativos de uma política de valorização do salário
mínimo seriam mais bem absorvidos, devido o consequente aumento da receita do
Governo e das empresas.
Esse pensamento também era compartilhado pelas centrais sindicais que, no
momento, gozavam de grande força nas relações políticas – talvez, historicamente,
esse período foi o ápice. Essas centrais sindicais organizaram-se em um movimento
concentrado no final de 2004, para lutarem em favor da instituição de uma política
permanente de aumento do poder de compra do salário mínimo. O movimento enviou
uma carta ao presidente da República repleta de propostas objetivas que diziam

20
respeito a instituição de uma política de longo prazo que regulamentasse um método
de reajuste anual e contínuo do salário mínimo (DIEESE 2010).
Como consequência dessa organização sindical e de toda uma pressão por
parte da sociedade, o valor do salário mínimo passou a ser reajustado ano a ano. De
acordo com o Dieese (2010) e Tabela 4.
“[...] o salário mínimo, em maio de 2005, passou de R$
260,00 para R$ 300,00. No mês de abril de 2006, foi elevado
para R$ 350,00, e, em abril de 2007, corrigido para R$ 380,00.
Já para março de 2008, o salário mínimo foi alterado para R$
415,00 e, em fevereiro de 2009, o valor foi fixado em R$ 465,00.
Em janeiro de 2010, o piso salarial do país passou a R$ 510,00,
resultando em aumento real de 6,02%” (DIEESE 2010, p. 2).

Tabela 4 - Reajuste do Salário Mínimo 2003 – 2010.

Reajuste
Salário Aumento
Período Nominal INPC
Mínimo R$ Real %
%
Abril de 2002 200,00
Abril de 2003 240,00 20,00 18,54 1,23
Maio de 2004 260,00 8,33 7,06 1,19
Maio de 2005 300,00 15,38 6,61 8,23
Abril de 2006 350,00 16,67 3,21 13,04
Abril de 2007 380,00 8,57 3,30 5,10
Março de 2008 415,00 9,21 4,98 4,03
Fevereiro de 2009 465,00 12,05 5,92 5,79
Janeiro de 2010 510,00 9,68 3,45 6,02
Total período - 154,99% 65,93% 53,68%
Fonte: Elaboração própria a partir do DIEESE.

Além disso, em 2007 foi acordado uma política de constante valorização do


salário mínimo até o ano de 2023 – o que, na verdade, se encerrou anos antes. Dessa
forma, durante esse intervalo fica o Governo Federal obrigado a, no mínimo, reajustar
o salário de acordo com a inflação do ano anterior. Por fim, Dieese (2010) diz que
essa nova configuração do salário mínimo se mostrou muito eficiente a respeito do
aumento da renda da população mais pobre e, por isso, a luta pela instituição de uma

21
política desse caráter ficou marcada por promover o maior acordo salarial da história
do país.

CAPÍTULO 2 - IMPACTOS DAS POLÍTICAS PÚBLICAS SOBRE A


REDISTRIBUIÇÃO DE RENDA E A POBREZA.

A desigualdade de distribuição de renda no Brasil é assunto de uma infinidade


de pesquisas, artigos científicos e dissertações e, graças aos dados estatísticos, que
vem aumentando em quantidade e qualidade há mais de quatro décadas, temos cada
vez mais recursos quantitativos que nos habilitam a analisar o que ocorreu com a
distribuição de renda ao longo do tempo.
Dessa forma, através desses recursos, vários estudos puderam ser feitos em
busca do entendimento sobre os principais condicionantes e evidências da herança
da inequidade brasileira. Certos pesquisadores4 alegaram que o grande crescimento
da desigualdade de renda no Brasil se desenvolveu, mais fortemente, entre 1960 e
1970 (IPEA, 2006).
Contudo, foi a partir dos anos 2000 que o Brasil passou por importantes
transformações e, talvez, uma das mais significativas no sentido contrário ao que foi
visto durante as décadas de 1960 e 1970, demonstrando um declínio acentuado e
contínuo na desigualdade de renda – que pôde alcançar seus menores índices em 30
anos (IPEA, 2012).
No entanto, Barros et al (2010) afirma que mesmo após essa acentuada
redução, a concentração de renda brasileira ainda é muito alta, com cerca de 90%
dos países apresentando distribuições menos desiguais que a do Brasil. Portanto, ele
diz que o sucesso recente deveria ser visto somente como um primeiro passo, dentre
tantos que devem ser dados, para uma redução mais significativa.
Nos primeiros anos da década de 2000 o crescimento econômico e da renda
se mostrava muito tênue, no entanto, os mais pobres puderam ver a sua renda crescer
substancialmente em relação aos outros percentis de rendas mais altas. Essa
dinâmica ocorreu, mais especificamente entre 2000 e 2004, quando o coeficiente de
Gini caiu 1,32%, passando de 0,593 para 0,572 (IPEA 2006). Vemos que essa

4
Hoffman e Duarte (1972)
22
diminuição foi substantiva, pois dos 75 países na qual existe informações sobre a
redução do índice de Gini, somente ¼ deles puderam desfrutar de uma redução na
desigualdade mais veloz que a do Brasil entre 2000 e 2004.
Antes de tudo, o coeficiente de Gini é um instrumento matemático usado para
mensuração da distribuição de renda de um país, estado ou município com escala de
0 a 1. Quando seu índice é igual a 1 há uma extrema desigualdade, isto é,
teoricamente somente uma pessoa deteria toda a riqueza do país ou do território de
análise. Entretanto, quando seu índice é zero, a redistribuição de renda é exatamente
igual para todos. É claro que as duas situações são meramente teóricas, pois é
impossível haver tanto esse nível de desigualdade quanto de igualdade total.

Gráfico 1 - Evolução do coeficiente de Gini entre 2003 e 2010.

0,590 0,00%

0,580

0,570 -0,50%

0,560
-1,00%
0,550

0,540
-1,50%
0,530

0,520 -2,00%
0,510

0,500 -2,50%
2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010

Coeficiente de Gini Variação do Coeficiente de Gini


Fonte: Desenvolvimento próprio a partir dos dados do IPEADATA

O gráfico 1 mostra a evolução do Gini entre 2003 e 2010, trazendo também, a


variação anual do índice. Claramente, não é nem preciso de dados exatos anuais para
ter uma ideia sobre seu movimento, pois fica evidente seu deslocamento no sentido
decrescente. As maiores variações foram nos anos de 2004 e 2010 – salvo o período
anterior de 2000 a 2004 – com -1,81% e -2,25%, respectivamente.
Além desse indicador, também há outros que evidenciam a queda de
desigualdade de renda no Brasil durante o período analisado. Nesse sentido, a
evolução da fatia de renda total apropriada pelos 50% mais pobres em comparação

23
com aquela parte de renda que 1% da população detém, nos informa sobre a mesma
tendência.
O Gráfico 2 ilustra uma queda na participação do 1% mais rico na renda total e
um aumento, não no mesmo patamar, da renda apropriada pela parcela 50% mais
pobre da população. Isso significa a redistribuição de 5 pontos percentuais que antes
estavam sob o 1% da população mais rica do país em oposição as outras faixas.
Nesse movimento, a faixa dos 50% mais pobres puderam auferir um aumento de
aproximadamente 3 pontos percentuais no total de renda apropriada.

Gráfico 2 - Participação dos 50% mais pobres na renda total x Participação do


1% mais rico na renda total - Brasil entre 2003 e 2010, em %.

48% 18%

47% 16%

46% 14%

45% 12%

44% 10%

43% 8%

42% 6%

41% 4%

40% 2%
Fonte: Desenvolvimento próprio a partir dos dados do IPEADATA.
39% 0%
2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011

Proporção 1% mais ricos Proporção 50% mais pobres


Fonte: Desenvolvimento próprio a partir dos dados do IPEADATA.

Os dois gráficos abaixo, Gráfico 3 e 4 mostram a medida do grau de


desigualdade existente na distribuição de indivíduos segundo a renda domiciliar per
capita. O primeiro deles, compara a renda média dos indivíduos pertencentes ao
décimo mais rico da distribuição com a renda média dos indivíduos pertencentes aos
quatro décimos mais pobres da mesma distribuição. Já o segundo, faz a mesma
razão, entretanto, com os dois décimos mais ricos e os dois décimos mais pobres. As
duas séries são calculadas a partir das respostas à Pesquisa Nacional por Amostra
de Domicílios (Pnad/IBGE).

24
Gráfico 3 - Razão entre o 10% mais ricos e os 40% mais pobres no Brasil - 2003
a 2010.

25 0%

-1%
20
-2%

15 -3%

-4%
10 -5%

-6%
5
-7%

0 -8%
2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011

Razão Variação da Razão


Fonte: Desenvolvimento próprio a partir dos dados do IPEADATA.

Quando o índice diminui, significa que a razão da renda média dos mais
pobres em relação a renda média da parcela mais rica também reduziu, assim, se
configurando uma diminuição na renda média da parcela mais rica em detrimento ao
aumento da renda média da porção mais pobre.

Gráfico 4 - Razão entre os 20% mais ricos e os 20% mais pobres no Brasil -
2003 a 2010.

30 0%
-1%
25
-2%
-3%
20
-4%
15 -5%
-6%
10
-7%
-8%
5
-9%
0 -10%
2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010

Razão Variação da Razão


Fonte: Desenvolvimento próprio a partir dos dados do IPEADATA.
25
Nesse sentido, nesses dois outros casos também é possível ver o movimento
que o trabalho tem tentado desenhar até então: o de queda da desigualdade de renda
em suas mais variadas óticas. Portanto, é observado a queda da desigualdade de
renda de, aproximadamente, 6 pontos percentuais tanto para a razão de renda média
apropriada pelos 10% mais ricos em relação aos 40% mais pobres quanto para a
razão da renda média dos 20% mais ricos comparados aos 20% mais pobres.

2.1 – IMPACTOS DA RECENTE QUEDA DA DESIGUALDADE DE


RENDA SOBRE A POBREZA E A POBREZA EXTREMA.*

Os primeiros impactos e, mais diretos, da redução da desigualdade de renda,


foram sobre os níveis de pobreza e extrema pobreza, trazendo rapidamente melhores
condições de vida, através da ampliação do acesso a bens e serviços que antes essa
parcela não tinha, sequer, expectativas de acesso. De acordo com Barros et al (2010,
p. 7) “a redução [...] foi três vezes mais rápida do que necessário para o país atingir a
primeira Meta de Desenvolvimento do Milênio em 20155”. Ainda mais, Ipea (2006, p.
13) diz que “mesmo com o ritmo acelerado com que vem caindo, seriam necessários
mais 20 anos para que o país atingisse uma desigualdade similar a média dos países
com mesmo grau de desenvolvimento”
O Gráfico 5 mostra exatamente os primeiros impactos da redução da
desigualdade de renda sobre a população mais pobre do país. Esse gráfico diz
respeito a evolução da diminuição do número de pessoas situadas abaixo da linha de
pobreza e abaixo da linha de pobreza extrema. Ela é calculada através de uma
estimativa do valor de uma cesta de alimentos com o mínimo de calorias necessárias
para suprir adequadamente uma pessoa, com base em recomendações da
Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura e da Organização
Mundial da Saúde.

5
Se trata de uma das metas que integram os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio estabelecido
pela Cúpula do Milênio das Nações Unidas em 2000.
* Dados referentes aos bens e serviços básicos de 2010 não estão disponíveis no IPEADATA. Por
isso, a série foi até 2011. Entretanto, acreditamos que não haverá distorções muito grandes na
exposição.
26
Gráfico 5 - Evolução da quantidade de pessoas situadas abaixo da linha de
pobreza e abaixo da linha de extrema pobreza entre 2003 e 2010, em milhões
de pessoas.

70

60

50

40

30

20

10

0
2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010

Inferior á linha da extrema pobreza Inferior á linha da pobreza

Fonte: Desenvolvimento próprio a partir dos dados do IPEADATA.

Como é visto, durante a década de 2000, o número de pessoas que situam


nessas faixas de renda sofre uma forte queda. Mais detalhadamente, as variações
nesse período são de 51,66% para a linha abaixo da pobreza extrema e 39,80% de
queda para a linha abaixo da pobreza. Isso significa, que 13,56 milhões de pessoas
deixam de integrar a proporção da população que vive com rendimentos abaixo da
linha de pobreza extrema e cerca de 24,60 milhões de pessoas abaixo da linha de
pobreza.
Como já dito anteriormente, a queda nos níveis de pobreza e de pobreza
extrema fizeram com que as pessoas tivessem mais qualidade de vida, por meio de
acesso a novos serviços e bens que anteriormente essa parcela da população não
detinha. Desse modo, partindo dessa lógica, o trabalho observará a evolução do
número de domicílios com acesso a um Conjunto de Bens6 e a um conjunto de
Serviços Públicos7 para que seja possível quantificar, pelo menos, parte dos efeitos e
impactos que a redução da desigualdade de renda trouxe as famílias.

6
Conjunto Básico de Bens: Televisão em cores, Fogão, Geladeira, Rádio, Máquina de Lavar, Filtro de
água e Freezer.
7 Conjunto Básico de Serviços: Energia elétrica, Coleta de lixo, Esgotamento sanitário e Rede de

abastecimento de água.
27
Tabela 5 - Conjunto Básico de Bens, em unidades domiciliares.

Total Total Var (%) Até 3 salários Até 3 salários Var (%)
2003 2011 2003 - 2011 mínimos 2003 mínimos 2011 2003 - 2011
Fogão 48.877 61.264 25,34% 23.466 30.814 31,31%
Filtro de água 26.371 33.055 25,35% 11.411 15.056 31,94%
Rádio 43.980 51.846 17,89% 20.016 24.782 23,81%
Televisão 45.087 60.181 33,48% 20.335 29.945 47,26%
Geladeira 43.719 59.481 36,05% 18.959 29.263 54,35%
Freezer 8.829 10.210 15,64% 1.778 3.065 72,38%
Máquina de 17.199 31.683 84,21% 3.345 9.840 194,17%
lavar roupa
Fonte: Desenvolvimento próprio a partir dos dados da PNAD.

Em um primeiro momento, entre 2003 e 2011 é visto um aumento absoluto


muito grande de domicílios que passam a deter bens duráveis. Esse movimento é
tanto explicado por um período em que o crescimento econômico foi baseado,
majoritariamente, sob o consumo, através da expansão do crédito, como também é
explicado por um aumento, mais que proporcional, do poder de compra da parcela de
pessoas que se enquadram na renda familiar de até 3 salários mínimos.
Como pode ser visto na tabela acima, a variação total de domicílios que
obtiveram os bens duráveis listados, em certos casos, quase que dobraram, vide o
item máquina de lavar roupa que variou 84% entre 2003 e 2011. Além disso, para as
parcelas mais pobres – no caso aqueles que se enquadram na renda domiciliar de até
3 salários mínimos –, para o mesmo item, teve a quantidade de domicílios quase que
triplicada.
Nesse contexto, fica claro o impacto que a redução da desigualdade de renda
trouxe sobre as famílias em termos de poder de compra. Isso é muito mais que simples
dados estatísticos, uma vez que o acesso a esses bens está relacionado aos direitos
mais básicos que todo indivíduo deveria ter, como alimentação saudável, lazer e
saúde. Ademais, não foi somente no âmbito dos bens básicos que os mais pobres
tiveram sua posição absoluta favorecida.
No caso do acesso aos serviços públicos essenciais, também houve uma vasta
melhora durante a comparação de 2003 e 2011.

Conjunto Básico de Serviços: Energia elétrica, Coleta de lixo, Esgotamento sanitário e Rede de
abastecimento de água.
28
Tabela 6 - Conjunto Básico de Serviços, em unidades domiciliares.

Total Total Var (%) Até 3 salários Até 3 salários Var (%)
2003 2011 2003 - 2011 mínimos 2003 mínimos 2011 2003 - 2011
Abastecimento de Água 84.587 110.451 30,58% 37.046 52.747 42,38%
Coleta de Lixo (Direto) 39.107 51.957 32,86% 16.747 24.076 43,76%
Esgotamento Sanitário 34.487 47.948 39,03% 13.310 21.325 60,22%
Iluminação Elétrica 48.573 61.700 27,03% 23.172 31.133 34,36%
Fonte: Desenvolvimento próprio a partir dos dados da PNAD.

Fonte: Desenvolvimento próprio a partir dos dados da PNAD.


É claro que os dados acima refletem muito mais efeitos de outras políticas
públicas em direção à extensão do acesso aos serviços essenciais, em comparação
ao aumento da renda familiar. Embora isso seja verdade, ainda não podemos
afirmar que os elementos aqui estudados não tenham contribuído, tanto direto como
indiretamente. Além disso, não poderíamos deixar de considerar a evolução desses
indicadores, uma vez que eles estão estritamente relacionados ao nível de bem
estar de uma população.
Nesse contexto, 30,58% mais famílias passam a gozar de abastecimento de
água em 2011, ao mesmo tempo que aumenta em mais de 30% o acesso a coleta
de lixo, 39% ao esgotamento sanitário e 27% a energia elétrica. Como nos bens
básicos, a parcela da população com até 3 salários mínimos agrupa as mais altas
variações. Portanto, além das pessoas consumirem mais bens, elas também obtêm
acesso a serviços essenciais que elevam o patamar do nível de bem-estar.

Gráfico 6 - Função de Bem Estar Social.

440,00
420,00 418,05
400,00 400,48
383,22
(1-Gini)*Renda média

380,00
370,74
360,00
345,69
340,00
331,47
320,00
300,00 298,41
280,00 280,19
267,05
260,00
240,00
2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011
Fonte: Desenvolvimento próprio a partir do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
(IPEA). 29

Figura 1 - Função de Bem Estar Social.Fonte: Desenvolvimento próprio a


partir do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA).
Ainda mais, de forma a tentar fornecer uma síntese dos avanços na redução
da desigualdade de renda e seus impactos sobre as famílias, o trabalho traz uma
função de bem-estar social, através do Gráfico 6, que foi proposta por Sen (1992
apud IPEA 2012, p. 18). Esse indicador multiplica a renda média pela medida de
equidade, dada por 1 menos o índice de Gini. Dessa forma, a desigualdade de
renda atua como um redutor de bem-estar.
Sendo assim, é possível ver que ao longo da década de 2000, a função de
bem-estar social cresceu a taxas crescentes variando, no período, cerca de 56,54%.
Isso foi devido ao crescimento do período e a um conjunto de políticas públicas
implantadas antes e durante o governo vigente que, não só, diminuiu a desigualdade,
mas também aumentou a renda média do país.

2.2 - DETERMINANTES DA REDUÇÃO DA DESIGUALDADE DE


RENDA ENTRE 2003 A 2010*.

A queda da desigualdade de renda observada ao longo dos anos 2000,


entusiasmou vários pesquisadores da área a entender seus determinantes e, dentre
várias metodologias de cálculo da desigualdade de renda e de decomposição dos
elementos, uma parte considerável deles chegaram à conclusão que, como ponto de
partida, devemos olhar para dois grandes grupos: a) as variações de renda do
trabalho; e b) as transferências governamentais.
A partir daí, não é consenso na literatura sobre os componentes mais
específicos desses grupos que são estudados conjuntamente, seja por objetivos ou
metodologias diferentes. Para se ter uma ideia, Cacciamali (2015) além de considerar
a variação da renda total, também entende as desigualdades de renda por cor, sexo
e escolaridade membros importantes para discussão. Além disso, dentro das
transferências governamentais, ela também incluiu as aposentadorias e pensões
públicas no grupo junto aos programas Bolsa Família e Benefício de Prestação
Continuada. Em outro caso, não estudado aqui, como no Ipea (2006), os autores
entenderam, através de seus modelos e decomposições, que o Programa de
Erradicação do Trabalho infantil (Peti) e o Bolsa Escola também deveriam estar dentro
das transferências governamentais como elementos essenciais para a análise.

30
Entretanto, nesses trabalhos, como em outros, vide Barros et al (2006),
Cacciamali et al (2015) Hoffmann (2013), fica claro que os mais importantes, dentro
desses dois grandes grupos, são o Programa Bolsa Família, o Benefício de Prestação
Continuada, a Política de valorização de salário mínimo e as aposentadorias e
pensões (Previdência Social).
Assim sendo, durante essa década, a renda dos mais pobres foi acrescida por
uma política de salário mínimo crescente que, de um lado, foi possível expandir a
renda média das famílias dos decis inferiores e, de outro, foi capaz de tornar as
aposentadorias mais relevantes. Ademais, do lado das transferências públicas, além
das aposentadorias, há o Programa Bolsa Família com grande cobertura e o Benefício
de Prestação Continuada, que mesmo contando com menor cobertura, goza de
maiores valores.
A literatura que tem estudado os determinantes e, mais tarde, os pesos de cada
um sobre a redução da desigualdade de renda apresenta um conjunto de evidências
que dão base ao seu argumento. (SOARES, 2006; BARROS et al, 2006; IPEA, 2006;
CACCIAMALI et al, 2009; HOFFMANN, 2006 e 2013 apud CACCIAMALI et al 2015,
p. 258) aponta que na primeira parte de 2000, todas as produções entenderam a renda
do trabalho como o principal motivo da redução da desigualdade de renda do período,
sendo que o PBF e as aposentadorias viriam em segundo plano, em termos de
importância. Entretanto, esses trabalhos não trazem resultados exatamente iguais,
isto é, há várias distinções nos pesos de cada variável.
Com isso em mente, um dos primeiros trabalhos introduzidos aqui será de
Barros et al (2010), que analisa os determinantes da redução da desigualdade de
renda durante 2001 a 2007. Embora o período não cubra todos os anos de análise
dessa produção, ele ainda é muito valoroso, pois traz uma metodologia de análise
bastante interessante – além disso, outras produções irão compor o período total para
que tenhamos uma investigação completa.
Nesse contexto, no trabalho de Barros et al (2010) eles acreditam que, pelo
fato de que entre 2001 e 2003 não houve crescimento econômico, e, também, porque
este só se manifestou depois desse período, o intervalo entre 2001 a 2007
proporciona uma grande oportunidade para apuração dos determinantes da redução
da desigualdade de renda, da pobreza e da pobreza extrema. Isso porque, eles
desejam investigar sobre em que medida os fatores mais relevantes na explicação
das mudanças em favor dos mais pobres são os mesmo em cenários com e sem
31
crescimento econômico. No entanto, como o objetivo aqui é analisar o pós 2003, não
vamos nos atentar à essa comparação de períodos e, por isso, vamos focar na análise
de 2003 até 2007.
Como arcabouço analítico, Barros et al (2010) utilizaram dados do crescimento
da renda familiar per capita como base e, a partir de seus determinantes mais
próximos, eles apresentaram as variáveis a serem utilizadas. Sendo assim, os fatores
utilizados são: i) As transformações demográficas (proporção de adultos nas famílias);
ii) As mudanças na distribuição de renda não derivada do trabalho (transferências
governamentais); iii) mudanças no mercado de trabalho, sejam decorrentes de maior
massa de ocupados ou de maior distribuição de remuneração entre eles; e iv) A renda
do trabalho por trabalhador.
Através de análises feitas por Barros et al (2010), a evolução da renda familiar
per capita entre 2001 e 2007 não pode ser explicada pelas transformações
demográficas e, no caso das rendas não derivadas do trabalho, as evidências
mostram que, se dependesse somente dela, afirma Barros et al (2010, p. 27) “a renda
familiar per capita dos mais pobres e também da classe média teria crescido bem mais
no período 2001-2007.” Ademais, para os autores, a proporção de adultos ocupados
também não consegue justificar o aumento na renda familiar per capita. Finalmente,
a contribuição da renda do trabalho por trabalhador, foi ínfima aos mais pobres em
relação aos mais ricos.
Para uma análise mais aprofundada, Barros et al (2010) constrói uma matriz de
simulações contrafactuais para tornar possível a mensuração da contribuição de cada
determinante.
O objetivo da tabela abaixo é criar simulações contrafactuais comparando
cenários de 2007 e 2003 e, a partir delas, mostrar a contribuição para a redução da
desigualdade de renda dado os determinantes encontrados à direita.
Nesse sentido, através do estudo de Barros et al (2010), podemos concluir, de
um lado, que não houve nenhuma contribuição para redução da desigualdade de
renda por maior massa de ocupados e/ou maior renda distribuídas entre eles. Além
disso, pouco houve para o fator demográfico (7%). De outro lado, 38% da contribuição
da redução do Gini fica a cargo das rendas não derivadas do trabalho e 51% de
contribuição para a renda derivada do trabalho por trabalhador.

32
Tabela 7 - Contribuição dos fatores determinantes para a queda na
desigualdade entre 2003 e 2007.

Contribuição dos fatores determinantes para a queda na desigualdade entre 2003 e 2007
Contribuição
Grau de Contribuição
Grau de para a
desigualdade para a redução
Simulações desigualdade redução na Determinantes
(coeficiente na desigualdade
(Razão 20+/20-) desigualdade
de Gini) (%)
(%)

Situação em 2003 0,581 24,3

Se as distribuições de
Associação entre a
renda familiar por adultos
porcentagem de
e da porcentagem de 0,581 0 24,3 1
adultos e a renda
adultos de 2007 fossem
familiar por adultos.
iguais às de 2003.

Se a distribuição de renda
Distribuição da
familiar por adultos de
0,579 7 23,9 10 porcentagem de
2007 fosse igual à de
adultos.
2003.
Se as distribuições de Associação entre
renda derivada do renda derivada do
trabalho por adultos e trabalho por adulto
renda não derivados do 0,576 9 23,8 3 e renda não
trabalho por adultos de derivada do
2007 fossem iguais às de trabalho por
2003. adultos.
Distribuição de
Se a distribuição de renda
renda
derivada do trabalho por
0,565 38 21,6 51 não derivada do
adultos de 2007 fosse
trabalho por
igual à de 2003.
adultos.
Se as distribuições de
Associação entre a
renda derivada do
porcentagem de
trabalho por trabalhador
adultos ocupados e
e da porcentagem 0,568 -10 22,3 -15
a renda derivada do
de adultos ocupados de
trabalho por
2007 fossem iguais às de
trabalhador.
2003.
Se a distribuição de renda
derivada do trabalho por Porcentagem de
0,567 5 22 7
trabalhador de 2007 adultos ocupados.
fosse igual à de 2003.
Distribuição da
renda
Situação em 2007 0,552 51 20,2 44 derivada do
trabalho
por trabalhador

Fonte: Barros et al (2010).


33
Ademais, a medida de desigualdade de renda de razão entre a renda média
dos 20% mais ricos e a dos 20% mais pobres, que está incluída na tabela 7, é um
ponto a se ter atenção. Sendo ela uma medida mais sensível, Barros et al (2010, p.
9) afirma “note-se que, ao se considerar uma medida mais sensível à renda dos mais
pobres, a importância dos fatores determinantes se inverte, aumentando a
importância das transformações na renda não derivada do trabalho, responsáveis por
metade da queda na desigualdade (51%)”.
Na visão de outro autor, em uma análise mais ampla no sentido do período de
estudo, Hoffman (2013) também parte da determinação da renda familiar per capita
para definir as variáveis a serem consideradas. Entretanto, diferentemente de Barros
et al (2010), não é utilizado um método de simulações contrafactuais. Nesse trabalho,
Hoffman (2013) decompõe o Índice de Gini de acordo com as parcelas do rendimento.
Em um primeiro momento, ele se atenta em esclarecer quais são os elementos das
parcelas da renda familiar per capita que são progressivas e regressivas à sua
variação, em uma análise sobre os dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares
(2008 – 2009).
Nesse contexto, o que chama atenção na Tabela 8, para começar, é a parcela
de rendimento “Aposentadoria e pensões” como regressiva, de magnitude -0,0422.
Entretanto, o que ocorre, de fato, é que dois de seus componentes são
verdadeiramente regressivos, vide Regime Próprio da Previdência Social (RPPS) e a
Previdência Privada, enquanto, somente o Regime Geral da Previdência Social
(RGPS) é progressivo.
Além disso, a tabela nos mostra também a parcela Rendimento do trabalho
como regressiva. Nesse caso, o rendimento do Empregador é tão regressivo que,
embora tenha outras variáveis progressivas no subgrupo, ele torna o grupo inteiro
regressivo

34
Tabela 8 - Parcelas do rendimento familiar e respectiva decomposição do
índice de Gini da distribuição da RFPC no Brasil. 8

Razão de Parcela de G
Participação Progressividade
Parcela do rendimento concentração
( 𝝋𝒉 ) % (G – 𝑪𝒉 )
( 𝑪𝒉 )
Rendimento do Trabalho 0,6108 0,5662 0,34580 61,69 -0,0056
Empregado 0,4317 0,5525 0,23850 42,54 0,0081
Empregador 0,0557 0,8287 0,04610 8,23 -0,2681
Conta Própria 0,1235 0,4959 0,06120 10,92 0,0647
Aposentadorias e pensões 0,1562 0,6028 0,09420 16,80 -0,0422
RGPS (INSS) 0,1020 0,4800 0,04900 8,73 0,0806
RPPS (Func. Público) 0,0471 0,8215 0,03870 6,91 -0,2609
Previdência Privada 0,0071 0,9152 0,00650 1,16 -0,3546
Programas sociais federais 0,0071 -0,3644 -0,00260 -0,46 0,9251
Bolsa Família 0,0040 -0,5624 0,00230 -0,40 1,1230
BPC 0,0030 -0,1042 0,00030 -0,06 0,6649
Peti e outros 0,0010 -0,1348 - 0,00 0,6954
Pensão alimentícia,
0,0147 0,5017 0,00740 1,32 0,0590
mesada ou doação
Outras transferências 0,0070 0,3729 0,00260 0,46 0,1877
Rendimento de aluguel 0,0168 0,8191 0,01380 2,46 -0,2585
Outras rendas 0,0156 0,7733 0,01210 2,15 -0,2127
Rendimento não monetário 0,1277 0,3975 0,05080 9,05 0,1631
Variação patrimonial 0,0441 0,8291 0,03660 6,52 -0,2685

Total 1,0000 0,5606 0,5606 100,00


Fonte: Hoffmann (2010) apud Hoffman (2013).

Fonte: Hoffmann (2010) apud Hoffman (2013).


Por outro lado, temos os Programas sociais federais com um índice muito alto
de progressividade, ultrapassando o índice de Gini. Dentre eles, de acordo com a
tabela, a parcela que mais distribui renda as pessoas é o Bolsa Família – muito
provavelmente explicado por sua maior abrangência.
Para estimação da contribuição na redução da desigualdade de renda, Hoffman
(2013) decompõem a renda domiciliar per capital – disponibilizada pela PNAD – em
10 parcelas diferentes, segue a composição:9

1) EMP: rendimento de todos os trabalhos de empregados do setor privado.


2) MIPU: rendimento de todos os trabalhos de pessoas cujo trabalho principal
é como militar ou funcionário público estatutário.
3) AUT: rendimento de todos os trabalhos de trabalhadores por conta própria

8 Conforme dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares – POF (2008-2009)


9 Para se chegar nessa composição, Hoffman (2010) fez algumas deduções e estimativas.
35
(a denominação consiste nas três primeiras letras de “autônomos”).
4) PAT: rendimento de todos os trabalhos de empregadores.
5) AP1: rendimento de aposentadorias e pensões pagas pelo sistema da
previdência “oficial” (do INSS ou do regime especial para funcionários
públicos).
6) AP2: rendimento de aposentadorias e pensões da previdência privada.
7) DOA: doações recebidas de outros domicílios.
8) ALU: rendimento de aluguéis.
9) JUR1: estimativa do rendimento de transferências do governo federal,
incluindo Bolsa Família e Benefício de Prestação Continuada (BPC).
10) JUR2: estimativa de juros, dividendos e outros rendimentos.

Tabela 9 - Participação de cada uma das dez parcelas na renda total declarada,
no Brasil, em (%).

Parcela 2003 2007 2011

1) EMP 39,15 40,51 42,85


2) MIPU 10,04 10,93 10,95
3) AUT 15,82 15,44 15,25
4) PAT 11,66 10,08 8,30
5) AP1 18,48 17,98 18,19
6) AP2 1,35 1,45 1,22
7) DOA 0,07 0,55 0,26
8) ALU 1,74 1,49 1,08
9) JUR1 0,40 0,99 1,28
10) JUR2 0,65 0,59 0,64
Fonte: Hoffman (2010).
Nota: Exclusive área rural da antiga região Norte.

Em seus primeiros resultados, numa matriz que nos informa a participação de


cada uma das parcelas dentre o total da renda declarada nos anos de análise, as
transferências governamentais (JUR1) se destacam. Isso porque, sua participação na
renda total declarada vem aumentando desde 2003, saindo de 0,40% para 1,28% em
2011, um crescimento de 220% no período. Isso, somado a sua razão de
concentração, reforça argumentos sobre sua importância na redução da desigualdade
de renda, pois por um lado, vemos que as transferências são de fato progressivas e,
por outro, que elas vêm ganhando maior protagonismo na renda total das famílias.
36
Outra análise feita por Hoffman (2013), indica a contribuição de cada uma das
parcelas da Renda Domiciliar Per Capita na redução do índice de Gini brasileiro.

Tabela 10 - Contribuição de cada uma das dez parcelas para a redução do índice
de Gini da distribuição da RDPC, em %.

Parcela 2003-2011
1) EMP 40,90
2) MIPU - 5,60
3) AUT - 0,50
4) PAT 20,60
5) AP1 21,60
6) AP2 2,00
7) DOA - 1,10
8) ALU 3,60
9) JUR1 16,90
10) JUR2 1,60
Var(G) - 0,0536
Fonte: Hoffman (2010).
Nota: Exclusive área rural da antiga região Norte.

No quadro acima, podemos ver o quanto é gritante a diferença de contribuições


de certas parcelas de rendimento em relação a outras. Os rendimentos dos
trabalhadores do setor privado, por exemplo, somado aos rendimentos dos trabalhos
de empregadores – não se trata de executivos, mas de “patrões” que trabalham na
sua própria empresa, ou seja, pequenas empresas – contribuíram com 62,20% da
redução do índice de Gini no período. Entretanto, cabe mencionar que,
conjuntamente, eles são mais de 50% da renda total das famílias e, assim sendo,
mesmo não sendo tão progressivos, eles têm muito potencial para diminuir o índice
de Gini com pequenas doses de redistribuição.
Ademais, os rendimentos pagos pelas aposentadorias e pensões públicas –
nesse caso não discriminando em RGPS e RPPS – também contribuiu bastante para
a redução da concentração de renda, como já tínhamos analisado no trabalho de
Barros et al (2010).
Por fim, outro fator de interesse no trabalho de Hoffman (2013), porém que já
vinha de acordo com o de Barros et al (2010), é o fato de que, embora as
transferências governamentais tenham uma participação na renda média total menor
que 1%, sua contribuição na redução da desigualdade de renda é muito alta,
37
comparativamente aos outros, com quase 17% de contribuição. Bem como explicado
no caso dos rendimentos do trabalho, esse resultado também é devido a capacidade
de redistribuição da parcela, ou seja, sua progressividade – nesse caso,
particularmente a do PBF.

CONCLUSÃO.

Decerto que o país pôde usufruir de um período de redução de concentração


de renda durante os anos 2000, indo em direção totalmente contrária àquela vista nos
anos 60 e 70 – considerado uma das fases que o capitalismo mais concentrou riqueza
no Brasil –, alcançando seus menores níveis em 30 anos.
Para essa quantificação, trouxemos o Índice de Gini, que saiu de 0,583 em
2003, para 0,530 em 2010, assim, diminuindo cerca de 9,1% no período. Além do
Índice de Gini, também pudemos ver a queda da concentração através de algumas
razões de participação de renda. Isso foi visto comparando a participação dos 50%
mais pobres na renda total em relação ao 1% mais rico na renda total, evidenciando
uma redução da concentração de 5 pontos percentuais que, em 2003, estava sob
domínio do 1% mais rico e, em 2010, foi distribuído entre as demais parcelas – sendo
que os 50% mais pobres puderam auferir, nesse período, de um aumento de 3 pontos
percentuais na participação da renda total.
Como consequência desse período, as famílias foram diretamente afetadas.
Em um primeiro momento, o trabalho evidencia os impactos sobre os níveis de
pobreza e extrema pobreza que, por sua natureza, desencadeou melhores condições
de vida através do acesso a bens e serviços que antes eram inacessíveis à essa
população. Dessa forma, através de dados da evolução desses níveis, vimos que mais
de 13 milhões saíram da linha de extrema pobreza e 24 milhões de pessoas saíram
da linha de pobreza.
Em seguida, para uma análise um pouco mais específica do que período pôde
significar para as famílias, o trabalho observou a evolução do número de domicílios
com acesso a um Conjunto de Bens e a um conjunto de Serviços Públicos
considerados básicos. Isso porque, eles estão diretamente conectados com o nível de
bem estar da população, uma vez que dizem respeito as necessidades básicas de
uma família.

38
Desse modo, os resultados, em relação a quantidade de novos bens e novos
serviços que puderem ser consumidos ao longo da década de 2000, foram bastante
positivos. Isso porque, houve uma alta considerável na quantidade de famílias com
acesso a itens como fogão, geladeira, acesso a abastecimento de água e coleta de
lixo, por exemplo. Além disso, nota-se que os resultados são ainda melhores para as
famílias com renda domiciliar de até 3 salários mínimos, evidenciando, assim, os
efeitos sobre os mais pobres.
De fato, esse movimento é tanto explicado por um período em que o
crescimento econômico foi baseado, majoritariamente, sob o consumo, através da
expansão do crédito, como também foi explicado por um aumento, mais que
proporcional, do poder de compra da parcela dos mais pobres, já mencionado
anteriormente. Isso em razão de que o país pode crescer e não distribuir renda e, se
fosse o caso, não teríamos resultados tão positivos durante o intervalo de 2003 a
2010.
Sendo assim, de acordo com várias pesquisas que se desenrolaram depois dos
anos 2000, como Barros et al (2010), e Hoffmann (2013 e 2017) os principais
contribuintes, em grandes grupos, foram: a) as variações de renda do trabalho; e b)
as transferências governamentais. Assim sendo, embora o trabalho tenha trazido dois
autores diferentes com abordagens distintas, os resultados mais específicos, tanto
para uma análise de 2003 até 2007, quanto para o período todo 10, são bastante
semelhantes.
Portanto, Barros et al (2010) conclui que o principal fator da redução do Índice
de Gini foi a renda derivada do trabalho por trabalhador, contribuindo com 51%,
depois, viria as transferências governamentais, colaborando com 38% da redução do
índice11. Entretanto, no mesmo trabalho, os autores mostram que se considerarmos
uma medida mais sensível à renda, como a razão dos 20% mais pobres em relação
aos 20% mais ricos, teríamos uma inversão nesse quadro, com 51% de contribuição
das transferências governamentais e 44% para a renda derivada do trabalho por
trabalhador.

10 Dados de 2010 não estavam disponíveis nos trabalhos, portanto, a análise irá até 2011, pois
acredita-se que o impacto não seja significativo.
11 Lembrando que Barros et al (2010), também, considera Aposentadorias e pensões públicas, o

Programa Bolsa Família e a Benefício de Prestação Continuada como Transferências


governamentais.
39
Mais à frente, Hoffman (2013) traz resultados um pouco mais fragmentados e
para todo o período de análise. Ele conclui que 40,90% da redução do Índice de Gini
foi devido aos rendimentos do trabalho, em seguida, 21,60% para as aposentadorias
e pensões, 20,60% para rendimentos do trabalho do empregador e, por fim, dentre os
maiores contribuintes, 16,90% para as transferências governamentais12. Ainda mais,
o autor chama a atenção para o fato de que essas transferências não são nem 1% da
renda total declarada e, mesmo assim, estão entre os fatores que mais contribuíram
para redução da concentração de renda.
Assim sendo, o leitor, nesse momento, já tem recursos para ver a Previdência
Social, o Benefício de Prestação Continuada, o Programa Bolsa Família e a Política
de Valorização do Salário mínimo, como fatores muito relevantes para redução da
desigualdade de renda durante 2003 a 201013. Além disso, também já devem ser
vistos como pontos chaves para redução da pobreza e extrema pobreza e, por
conseguinte, do aumento do bem estar social do país.
Por outro lado, essa estrutura de apoio social somente foi possível ser criada
por alguns elementos históricos que acabou participando da constituição de cada
programa e política estudados aqui, vide o fim da Ditadura e a Constituição de 88.
Isso, pelo motivo de que esses movimentos significaram muito para formação
dos programas, uma vez que, no caso da Constituinte, o país adquiriu recursos para
considerar a assistência social como política pública integrante da Seguridade Social
e, também, como direito comum e, não mais como puro assistencialismo – um dos
frutos dessa nova posição foi o LOAS. Esse movimento, também afetou a Previdência
Social, alterando as legislações em relação as questões sociais e, também,
expandindo os direitos a toda uma população, criando, assim, a seguridade social.
Ainda mais, do lado do Programa Bolsa Família – só criado em 2003 – a
Constituição e o BPC puderam contribuir para que a pobreza fosse vista como risco
social e, a partir daí, criou-se as bases para que o PBF fosse construído. Não menos
importante, o fim da ditadura e os direitos ampliados, livrou e permitiu que as centrais
sindicais pudessem se relacionar com partidos políticos e, assim, pressionar o
governo em direção a valorização do salário mínimo.

12 Lembrando que o BPC e PBF são os maiores atores dentre as Transferências Governamentais de
acordo com Hoffman (2013).
13 Nota-se que a Valorização do Salário Mínimo entra tanto nos rendimentos do trabalho por

trabalhador, como nas Aposentadorias e Pensões, pois ele contribui para o aumento da quantia de
ambos.

40
Portanto, esses programas e políticas são frutos de um período que se
aclamava pela democracia participativa e por um estado de bem-estar, demandas que
eram impossíveis em um período repressivo e de grande violação dos direitos
humanos em que o país se situava até meados de 1980. Além disso, esses
programas, por natureza, têm como principais princípios a seguridade social,
universalização de direitos e controle democrático. Assim, eles tiveram recursos para
desenhar um período novo e diferenciado para a política social no Brasil.
Finalmente, vale citar que a desigualdade de renda não só está relacionada
com a distribuição de riqueza e o acesso a bens e serviços de uma população menos
abastada, mas também, com impactos diretos no emprego e na renda e, portanto, no
crescimento econômico. Ainda mais, níveis altos de concentração de renda podem
significar muito para um país em relação a estabilidade social e econômica, uma vez
que ela cria – criou e tem criado – tensões profundas na sociedade.

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