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UNIVERSIDADE FEDERAL DE VIÇOSA

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS LETRAS E ARTES


DEPARTAMENTO DE DIREITO

TERESA CHAVES SILVA

DA PRECARIZAÇÃO À ESCRAVIDÃO:
os reflexos da terceirização no combate ao trabalho em condições análogas a
de escravo no Brasil contemporâneo

VIÇOSA (MG)
2017
TERESA CHAVES SILVA

DA PRECARIZAÇÃO À ESCRAVIDÃO:
os reflexos da terceirização no combate ao trabalho em condições análogas a
de escravo no Brasil contemporâneo

Monografia apresentada ao Departamento de


Direito da Universidade Federal de Viçosa,
como parte das exigências da disciplina 499-
Monografia II e obtenção do título de Bacharela
em Direito.

Orientadora: Profª. Drª Roberta Freitas Guerra

VIÇOSA (MG)
2017
AGRADECIMENTOS

Ao Departamento de Direito da UFV, com todos seus professores e funcionários, por


me acolherem do jeito que sou, e me mostrarem uma perspectiva diferente de ver a
vida;

À Casa das Mulheres e à Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares (ITCP-


UFV), por, enquanto Projetos de Extensão, fazerem jus ao papel de desconstrução e
militância que uma universidade se propõe, me permitindo crescer enquanto ser
humano e estagiária;

À 1ª Vara Criminal de Ponte Nova, por todo o aprendizado, mesmo no curto período
de tempo em que laborei.

À minha orientadora, Roberta, pela confiança e apoio às minhas ideias, e pelas


sugestões, dicas, livros, elogios, conselhos...

Ao Professor Luciano Rodrigues Costa (DER-UFV) e à professora e advogada


Raquel Pinto Coelho Perrota, por abrirem minha mente ao tema-problema do
trabalho escravo contemporâneo, e me emprestarem materiais para o
desenvolvimento da pesquisa.

Aos amigos e família, por não me deixarem esquecer que “é preciso ter força, é
preciso ter raça, é preciso ter gana, SEMPRE!”

À Franciane Esther e Alba Lucilvânia, pelas dicas acadêmicas.

À vida e a Deus, por mais uma oportunidade de aprender.


Ou os estudantes se identificam com o
destino do seu povo, com ele sofrendo a
mesma luta, ou se dissociam do seu povo, e
nesse caso, serão aliados daqueles que
exploram o povo. (FERNANDES, Florestan)
RESUMO

Falar em trabalho escravo no Brasil em pleno século XXI pode soar a algumas
pessoas como uma realidade distante ou como um episódio de nossa história que já
ficou no passado. Entretanto, não é o que acusam os dados e denúncias de
organizações não governamentais (ONG’s), e até mesmo de entidades do governo,
como o Ministério do Trabalho e o Ministério Público do Trabalho (MPT), referentes
ao trabalho escravo contemporâneo em território brasileiro. Diante de uma
conjuntura política em que o Congresso Nacional, com respaldo do Poder Executivo,
vem aprovando reformas na legislação trabalhista, dentre outras leis pertinentes aos
direitos sociais de sua população, é prudente que sejam analisados os possíveis
reflexos dessas mudanças no enfrentamento ao crime de trabalho em condições
análogas à de escravo no Brasil. O presente trabalho busca investigar o fenômeno
da terceirização bem como o trabalho escravo contemporâneo no Brasil, com vistas
a delinear a relação existente entre os mesmos e, ainda, comprovar a hipótese de
que o fenômeno terceirizante dificulta o combate ao crime previsto no artigo 149 do
Código Penal Brasileiro. Para tanto, foi feita pesquisa bibliográfica e documental
acerca dos temas, com análise de livros, artigos, leis e imagens que ilustrem o
passado e a atualidade brasileiros referentes à terceirização e ao trabalho escravo.
Utilizou-se o método sistêmico e histórico, por serem os institutos estudados
elementos de um sistema econômico e jurídico complexos. Para entender os
possíveis reflexos da ampliação da terceirização no combate à forma mais vil de
exploração da mão-de-obra humana, foram analisadas as condições análogas à
escravidão no setor têxtil brasileiro, cuja cadeia produtiva comumente faz uso da
terceirização, concluindo-se que a mesma precariza os direitos trabalhistas, além de
ser um instrumento para as empresas desviarem-se da responsabilidade de arcar
com as ilegalidades.

Palavras-chaves: Crime de trabalho em condições análogas à de escravo.


Terceirização trabalhista. Setor têxtil. Lei 13.429/2017. Lei 13.467/2017.
LISTA DE SIGLAS

ABRAINC- Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias


ADIn- Ação Direta de Inconstitucionalidade
CLT- Consolidação das Leis Trabalhistas
CPB- Código Penal Brasileiro
DIEESE -Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos
EC- Emenda Constitucional
ETT- Empresa de Trabalho Temporário
GEFM- Grupo Especial de Fiscalização Móvel
MTPS- Ministério do Trabalho e Previdência Social
MPT- Ministério Público do Trabalho
OAB- Ordem dos Advogados do Brasil
OIT- Organização Internacional do Trabalho
ONG- Organização Não-Governamental
ONU- Organizações das Nações Unidas
PEC- Proposta de Emenda Constitucional
PL- Projeto de Lei
PLC- Projeto de Lei da Câmara
PNETE- Plano Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo
RO- Recurso Ordinário
STF- Supremo Tribunal Federal
TAC- Termo de Ajustamento de Conduta
TST- Tribunal Superior do Trabalho
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 7

2 O FENÔMENO TERCEIRIZANTE NA PERSPECTIVA DO ESTADO POIÉTICO ... 9


2.1 Contexto de surgimento da terceirização no Brasil ....................................... 10
2.2 A Súmula 331, do TST e a responsabilidade do tomador de serviços ......... 12
2.3 A “nova lei da terceirização” (Lei 13.429/2017) .............................................. 13
2.4 Reforma Trabalhista (Lei 13.467/17) e a Terceirização................................... 17
2.5 Terceirização e precarização dos direitos trabalhistas ................................. 19

3 TRABALHO ESCRAVO CONTEMPORÂNEO ...................................................... 21


3.1. O artigo 149 do Código Penal e o conceito contemporâneo de trabalho
escravo ..................................................................................................................... 23
3.1.1. Trabalho forçado ............................................................................................. 25
3.1.2 Servidão por dívida .......................................................................................... 26
3.1.3 Jornada exaustiva ............................................................................................ 28
3.1.4 Trabalho em condições degradantes ............................................................... 30
3.2 Combate ao trabalho escravo contemporâneo no Brasil: avanços e
retrocessos .............................................................................................................. 31
3.2.1 A “Lista Suja”: Portaria Interministerial n °4 do Ministério do Trabalho, de 11 de
maio de 2016............................................................................................................. 33
3.2.2 A PEC do Trabalho Escravo: Emenda Constitucional n° 81/2014 .................... 35
3.2.3 A Portaria 1.129 do Ministério do Trabalho, de 13 de outubro de 2017 ........... 37

4 DA PRECARIZAÇÃO À ESCRAVIDÃO: ANÁLISE DA TERCEIRIZAÇÃO NA


CADEIA PRODUTIVA DO SETOR TÊXTIL BRASILEIRO....................................... 40
4.1 Superação aos limites do assalariamento na indústria têxtil........................ 42
4.2 Dupla subordinação e responsabilidade na cadeia produtiva têxtil brasileira
.................................................................................................................................. 44

5 CONCLUSÃO ........................................................................................................ 47
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 49
7

1 INTRODUÇÃO

O Brasil possui uma dívida histórica com sua população indígena e negra,
cuja mão-de-obra foi legalmente escravizada em diferentes épocas e proporções,
sendo os negros traficados do continente africano e escravizados durante quase 4
séculos em território brasileiro. A escravidão era o alicerce das relações de trabalho
no Brasil Colônia e Império, e a liberdade daqueles que eram escravizados era
suprimida para servir de instrumento de lucro do mercantilismo, principalmente
através da extração de riquezas naturais.
Em 13 de maio de 1888, após a decretação de várias medidas e leis
antiescravistas anteriores, que compuseram o processo de abolição formal – e tardia
– da escravidão no Brasil, como a Lei Eusébio de Queirós (1850), a Lei do Ventre
Livre (1871) e a Lei dos Sexagenários (1885), foi promulgada a Lei Áurea 1, que
declarou extinta a utilização do trabalho escravo em todo o território brasileiro. No
entanto, apesar do governo brasileiro abolir formalmente a escravidão, o trabalho de
muitos permaneceu após 1888 em condições semelhantes, quiçá piores, àquelas
anteriores à Lei Áurea, apesar desses trabalhadores não possuírem mais o status de
escravos.
Aproximadamente 100 anos após a abolição da escravatura, a existência de
trabalho análogo ao de escravo foi reconhecida no Brasil, no governo de Fernando
Henrique Cardoso (1995), após pressão internacional em decorrência do caso Zé
Pereira2, revelando o paradoxo entre a construção do direito ao trabalho digno pela
ordem jurídica brasileira e a realidade cruel de muitos trabalhadores.
O trabalho escravo contemporâneo tem relação direta com a ideologia
neoliberalista e com o chamado Estado Poiético, que sobrepõe o “fazer econômico”
em detrimento do direito fundamental ao trabalho digno, dentre outros direitos
sociais, propondo novas práticas para o capitalismo contemporâneo, com destaque
para a flexibilização das normas jurídicas e desregulamentação das relações de
trabalho.

1Lei Imperial n° 3.353, de 13 de maio de 1888, cujo texto possui apenas 2 artigos. (BRASIL, 1888)
2
José Pereira Ferreira nasceu em Goiás e, aos 08 anos foi com o pai para o Pará, onde trabalhou
em uma fazenda em condições semelhantes às de escravidão. Em 1989, ao tentar fugir, foi baleado e
quase morto, mas conseguiu sobreviver e denunciou suas condições de trabalho na fazenda à Polícia
Federal. Não obtendo respostas, Zé Pereira apresentou seu caso às ONG’s, que, por sua vez,
apresentaram denúncia à OEA (Organização dos Estados Americanos). Em 2003, 14 anos após fugir,
o ex-escravo recebeu do Estado Brasileiro uma indenização no valor de R$ 52.000,00. (BRASIL, 20-)
8

No dia 22 de março de 2017, a Câmara de Deputados aprovou o Projeto de


Lei (PL) 4.302/98, que, dentre outras medidas, libera a terceirização para todas as
atividades da empresa e da Administração Pública, inclusive a atividade-fim, aquela
para qual a empresa foi criada. Ademais, em julho do mesmo ano, também foi
aprovada a Reforma Trabalhista, a qual ratificou a ampliação do fenômeno
terceirizante no Brasil. Tais aprovações têm sido duramente rechaçadas por vários
setores da sociedade civil que consideram a terceirização uma forma de precarizar a
regulamentação do trabalho, trazendo efeitos deletérios aos direitos trabalhistas.
Segundo a ONG Repórter Brasil [201-], por exemplo, eram terceirizados, entre 2010
e 2014, cerca de 90% dos trabalhadores resgatados nos dez maiores flagrantes de
trabalho escravo contemporâneo, o que só confirma os efeitos prejudiciais da
terceirização aos trabalhadores.
Nesse contexto, a problemática que vem à tona tem como cerne a relação
entre o trabalho escravo contemporâneo e a terceirização, através do seguinte
questionamento: quais os possíveis reflexos da legalização do fenômeno da
terceirização para atividade-fim no enfrentamento ao crime de trabalho em
condições análogas à de escravo no Brasil?
Por meio de pesquisa exploratória, do tipo bibliográfica e documental, o
presente trabalho primeiramente averigua as recentes mudanças na lei trabalhista,
especialmente no que tange à terceirização, com a aprovação das leis 13.429/2017
e 13.467/2017 (Reforma Trabalhista), as quais legalizam o fenômeno da
terceirização para atividade-fim, além da terceirização em cascata, ou
quarteirização.
No segundo capítulo, busca-se explorar, do ponto de vista histórico, o
contexto de proteção do trabalho no Brasil a partir da Lei Áurea, e diferenciar a
escravidão contemporânea da escravidão colonial, identificando os instrumentos
legais já existentes no sentido de erradicar a mão-de-obra escrava no século XXI.
E, finalmente, no derradeiro capítulo, relaciona-se a terceirização à
escravidão contemporânea, utilizando o setor têxtil como pano de fundo do
fenômeno terceirizante, no intuito de demonstrar a hipótese de que a terceirização
reflete na precarização das relações trabalhistas e, ainda, dificulta a determinação
das responsabilidades no âmbito de uma cadeia produtiva diante das ilegalidades
que comumente ocorrem.
9

2 O FENÔMENO TERCEIRIZANTE NA PERSPECTIVA DO ESTADO POIÉTICO

Quem governa o nosso país é quem tem dinheiro, quem não sabe o que é
fome, a dor, a aflição do pobre. Se a maioria revoltar-se, o que pode fazer a
minoria? Eu estou do lado do pobre, que é o braço. Braço desnutrido.
Precisamos livrar o país dos políticos açambarcadores.
Trecho de "Quarto de Despejo: diário de uma favelada", de Carolina Maria
de Jesus

A terceirização é uma das muitas formas de relação entre capitalistas e


trabalhadores. Consiste na transferência das atividades de uma empresa para
outrem, de forma a criar uma relação trilateral em contraponto à bilateralidade já
conhecida no Direito do Trabalho. (FILGUEIRAS, 2016, p.429)
Esse novo mecanismo de relação interempresarial possibilitou a redução do
número e dos custos das contratações formais pelas empresas, já que permitiu a
descentralização das etapas periféricas do processo produtivo, que foram
transferidas para empresas de pequeno e médio portes. (NEVES DELGADO, 2006,
p.177)
Para Neves Delgado (2006, p.186), o fenômeno terceirizante pode ser
dividido em terceirização de serviços, que ocorre para dentro da empresa, e em
terceirização de atividades, que ocorre para fora da empresa. A terceirização de
serviços ou interna seria aquela em que a empresa traz trabalhadores alheios para
dentro de si, para trabalhar em atividades de limpeza e conservação, por exemplo.
Já na terceirização externa ou de atividades, a empresa externaliza etapas de seu
processo produtivo, como comumente ocorre na indústria de automóveis. 3 Mas, em
todas as suas múltiplas facetas, o processo de terceirização, se realizado sob o
comando do capital, precariza a força de trabalho e otimiza as forças produtivas.
Segundo a autora, a terceirização reflete a lógica do Estado Poiético 4 na medida em
que intensifica a exploração do trabalho e a instrumentalização do homem.

3 Importante ressaltar que, embora exista a divisão em “interna” e “externa”, nem sempre os
trabalhadores terceirizados de uma empresa que faz uso da terceirização de serviços trabalham em
seu interior, e da mesma forma, não é incomum que as parceiras de empresas que descartam etapas
de sua produção se encontrem na mesma planta que a principal. ( VIANA,2017)
4 O Estado Poiético, em contraposição ao Estado Ético, valoriza o “fazer econômico” em detrimento

do político, jurídico e social, deixando-se guiar pelos ideais neoliberais. (SALGADO, 1998, p.56)
10

Essa desproporcionalidade em favor do capital e em detrimento do trabalho


coloca a terceirização em confronto direto com diversos princípios do Direito
do Trabalho, o que a torna um instrumento absolutamente incoerente com a
Ciência do Direito. (NEVES DELGADO, 2006, p. 189)

Diante disso e das reformas pelas quais a legislação brasileira tem passado
no ano de 2017 no que tange à terceirização, no sentido de ampliar sua utilização,
faz-se necessário analisar o contexto de surgimento do instituto no Brasil e sua
evolução até os dias atuais.

2.1 Contexto de surgimento da terceirização no Brasil

O surgimento do fenômeno terceirizante no universo trabalhista brasileiro


acompanha o processo mundial de descentralização das etapas produtivas das
grandes empresas, as quais, a partir da década de 1970, concentraram suas
atividades em seu núcleo central de produção, com a transferência de outras etapas
para empresas periféricas. Tal modelo de gestão e organização do trabalho é
denominado de toyotismo5 pela doutrina. Por meio desse modelo, as fábricas
passam a se horizontalizar, num fenômeno conhecido por downsizing, o qual “talvez
tenha sido o termo mais utilizado em tempos neoliberais, significando a diminuição
do tamanho da empresa, que passa a centralizar-se em sua atividade-fim.”
(MIRAGLIA, 2008, p.52).
Da mesma forma, o toyotismo prioriza contratos de trabalho mais flexíveis,
permitindo a coexistência de dois eixos de contratações e, consequentemente, de
dois tipos de trabalhadores: um grupo seleto e diminuto formado por empregados
altamente qualificados, que compõem o quadro do grupo central das empresas, e
outro grupo de trabalhadores que compõem o grupo periférico das empresas,
formado tanto por empregados em tempo integral quanto por empregados em tempo
parcial, como no caso dos contratos por tempo determinado, temporários e
subcontratações. (NEVES DELGADO, 2006, p.180).

5 Esse modelo de produção recebeu o nome de toyotismo devido ao sistema propagado pelas
empresas japonesas, tal como a Toyota, a partir da década de 1980, em contraposição ao
taylorismo/fordismo, que se ocupavam da produção em série e em massa. O toyotismo, por sua vez,
se preocupa com a comercialização de produtos restritos e elaborados em pequenas séries, para
atender aos diversos tipos de consumidores. (NEVES DELGADO, 2006, p.178).
11

Concomitantemente ao processo de descentralização das etapas periféricas


de produção, criado pelas grandes empresas, surgem as empresas de
pequeno e médio portes, instituídas para subsidiar as de grande potencial,
mediante a produção de atividades-meio, o que possibilita a
complementação do ciclo do processo produtivo. (NEVES DELGADO, 2006,
p. 182).

Foi nesse contexto mundial que surgiu a terceirização, a qual se generalizou


desordenadamente no Brasil a partir da década de 1970 sem, no entanto, uma
legislação que protegesse efetivamente os direitos trabalhistas dos terceirizados. 6
A terceirização compõe, em outros termos, o processo de pulverização da
produção, que se dá pelas subcontratações sucessivas, e que, apesar de gerar a
redução dos custos para a empresa, acarreta uma precarização dos direitos
fundamentais dos trabalhadores. Isso porque o fenômeno insere o trabalhador no
processo produtivo de um tomador de serviços, dissociando do mesmo os laços
justrabalhistas, que se preservam com uma entidade interveniente. Tal dissociação
“traz graves desajustes em contraponto aos clássicos objetivos tutelares e
redistributivos que sempre caracterizaram o Direito do Trabalho ao longo de sua
história.” (DELGADO, 2013, p.436).
Fato é que a terceirização é um fenômeno que apresentou sua evolução à
margem da normatividade no Brasil, e que, segundo Delgado (2013, p. 439), “trata-
se de um exemplo marcante de divórcio da ordem jurídica perante os novos fatos
sociais”, o que é bastante perceptível no Direito do Trabalho, ramo jurídico no qual
as chamadas fontes extra legislativas se manifestam com maior evidência.
(BOBBIO, 2007)
Diante dessa realidade, Miraglia (2008, p.136) afirma que “a questão está
acima da negação da existência do fenômeno ou da tentativa de retirá-lo do cenário
atual.” Para a autora, a terceirização deve ser reconhecida e regulamentada, sempre
se atentando aos princípios e à finalidade teleológica e deontológica do ramo
justrabalhista, qual seja, a proteção e valorização do trabalho digno.

6
O fenômeno não foi abordado na CLT, apesar de alguns autores indicarem os arts. 455 e 652, III,
que tratam da subempreitada e da pequena empreitada, como um prenúncio da terceirização.
(MIRAGLIA, 2008, p.143).
12

2.2 A Súmula 331 do TST e a responsabilidade do tomador de serviços

Na tentativa de suprir a ausência de legislação acerca do fenômeno


terceirizante, surgiu a Súmula 331, de dezembro de 1993, do Tribunal Superior do
Trabalho (TST). Anteriormente a ela, já existia um esforço da jurisprudência em
regulamentar a situação. A Súmula 256, do TST, de 19867, por exemplo,
considerava lícita apenas a terceirização prevista nas Leis 6.019/74 e 7.102/83, ou
seja, para o trabalho temporário e de vigilância bancária. Ressalvadas essas
hipóteses, determinava-se o vínculo empregatício com o tomador de serviços.
Diante de tamanha restrição, que não correspondia à realidade (já ocorria e
era regulamentada pela Lei 5.645/70 a terceirização na Administração Pública para
atividades-meio e de conservação e limpeza), a Súmula 256 foi revisada pela 331,
em resposta a algumas críticas ao texto da Súmula anterior. (DELGADO, 2013, p.
448).
Posiciona-se a Súmula 331, do TST, no sentido de que as terceirizações
ocorridas fora de determinadas hipóteses não são lícitas, sendo quatro as hipóteses
em que a terceirização é considerada válida, quais sejam: trabalho temporário (Lei
6.019/74); serviços de vigilância especializada (Lei 7.012/83); serviços de
conservação e limpeza; e aqueles serviços ligados à atividade-meio do tomador.
Tal diferenciação entre atividades-fim e atividades-meio do tomador de
serviços já podia ser percebida nos diplomas legais anteriores à Súmula 331 do
TST, como no Decreto-lei n.200/67 e na Lei n. 5.645/70, que tratavam da
terceirização no âmbito da Administração Pública, proibindo que esta terceirizasse
suas atividades nucleares. A Súmula 331 adotou o mesmo entendimento de que é
ilícita a terceirização das atividades-fim, ou seja, das “atividades nucleares e
definitórias da essência da dinâmica empresarial do tomador de serviços”
(DELGADO, 2013, p.452), com os consequentes efeitos jurídicos decorrentes da
ilicitude dessa terceirização.

7
Súmula nº 256 do TST
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE (cancelada) - Res. 121/2003, DJ 19,
20 e 21.11.2003
Salvo os casos de trabalho temporário e de serviço de vigilância, previstos nas Leis nºs 6.019, de
03.01.1974, e 7.102, de 20.06.1983, é ilegal a contratação de trabalhadores por empresa interposta,
formando-se o vínculo empregatício diretamente com o tomador dos serviços.
13

Dessa forma, a licitude ou não de determinada prática terceirizante


encontrava-se prevista por essa súmula, que, em consonância com a anterior
Súmula 256, determina que, configurada a terceirização ilícita, forma-se o vínculo de
emprego do trabalhador com o tomador de serviços, cuja responsabilidade deixa de
ser subsidiária perante as obrigações trabalhistas decorrentes do período de
prestação laboral.
A Súmula 331 do TST, portanto, apesar de não corresponder às expectativas
de normatização do fenômeno terceirizante pelo legislador brasileiro, pôde
estabelecer limites à prática da terceirização, garantindo relativo respeito ao
princípio justrabalhista da proteção ao trabalho, e aos princípios constitucionais da
dignidade da pessoa humana (art.1°, III), da valorização do trabalho e especialmente
do emprego (art. 1°, III combinado com art. 170, caput), dentre outros. (DELGADO,
2013, p. 447).

Para a Constituição, em consequência, a terceirização sem peias, sem


limites, não é compatível com a ordem jurídica brasileira. As fronteiras
encontradas pela experiência jurisprudencial cuidadosa e equilibrada para a
prática empresarial terceirizante, mantendo esse processo disruptivo dentro
de situações manifestamente delimitadas, atende, desse modo, o piso
intransponível do comando normativo constitucional. (DELGADO, 2013,
p.447)

Entretanto, em março de 2017, a terceirização foi novamente regulamentada,


gerando modificações no entendimento consolidado pela Súmula 331 do TST, além
de um enorme debate acerca do controle civilizatório da terceirização trabalhista no
Brasil.

2.3 A “nova lei da terceirização” (Lei 13.429/2017)

Decorrente do PL 4.302/98, o qual foi apresentado pelo Poder Executivo no


governo de Fernando Henrique Cardoso, tendo sido retirado de pauta no governo
Lula, e retomada a discussão no fim do ano de 20168, a Lei 13.429 foi promulgada
em 31 de março de 2017. Ficou conhecida popularmente como a “nova lei da
terceirização” por incluir na Lei do Trabalho Temporário (Lei 6.019/74) dispositivos
acerca das relações de trabalho na empresa de prestação de serviços a terceiros.

8
O andamento completo do PL 4.302/98 pode ser acompanhado no site da Câmara dos Deputados.
(BRASIL, 2017a)
14

Todavia, o trabalho temporário e o terceirizado não podem ser considerados


institutos idênticos, tornando-se necessária a investigação acerca da pressa do
legislador em regular a terceirização dessa maneira, ressuscitando um projeto de lei
de 1998, que, coincidentemente ou não, ficou paralisado num período político da
história brasileira em que mais houve conquistas com relação aos direitos sociais da
população.
Na verdade, a denominada “nova lei da terceirização” incluiu quatro artigos
na Lei 6.019/74 a respeito do fenômeno terceirizante, mais especificamente, os
artigos 4°-A, 4°-B, 5°-A e 5°-B. (BRASIL, 2017b)
Originariamente, a Lei 6.019/74 dispunha apenas sobre o trabalho temporário,
o qual, apesar de considerado uma espécie de terceirização, guarda suas
particularidades. Pode-se considerar que a Lei 6.019/74, a qual regularizou o
trabalho temporário, juntamente com o trabalho de vigilância bancária (Lei 7.012/83)
marcaram o início da regulação normativa da terceirização no mercado privado
brasileiro. (DELGADO, 2013, p. 441)
O trabalhador temporário é contratado por uma empresa especializada nesse
tipo de trabalho, que o coloca à disposição de uma tomadora de serviços, para
atender substituição transitória de pessoal permanente ou demanda complementar
de serviços, não podendo ocorrer a contratação de trabalhador temporário caso os
trabalhadores da tomadora de serviço estejam em greve.
De fato, a doutrina entende o trabalho temporário como uma espécie de
terceirização, na medida em que

A Lei 6.019/74 criou relação justrabalhista trilateral, que se repete, mutatis


mutandis, nas demais situações de terceirização: a) empresa de trabalho
temporário (ETT) ou empresa tercerizante; b) trabalhador temporário; c)
empresa tomadora de serviços ou empresa cliente. (DELGADO, 2013,
p.461/462)

Da mesma forma, a Súmula 331 do TST trata o trabalho temporário enquanto


uma espécie de terceirização lícita ao considerar em seu inciso I que “a contratação
de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente
com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário.” (BRASIL,1993)
Entretanto, apesar de ambos os casos tratarem de relações trilaterais, a
lógica do trabalho temporário se difere da lógica do trabalho terceirizado,
15

principalmente porque “o trabalho temporário não autoriza a terceirização


permanente, produzindo efeitos transitórios no tempo”. (DELGADO, 2013, p. 441)
Atualmente, a mais significativa diferença entre o trabalho temporário e o
terceirizado é a existência de um prazo máximo de 180 dias para o primeiro,
podendo ser prorrogado por mais 90 dias, conforme o atual artigo 10, §§1°e 2°, da
Lei 6.019/74.9 Já para o trabalho terceirizado, não há a previsão de qualquer tipo de
prazo. Tal diferenciação entre os dois tipos de contrato permite concluir que é mais
vantajoso para o tomador de serviços contratar um trabalhador terceirizado que um
temporário, após a alteração dessas regras.
Uma das diferenças existentes anteriormente à Lei 13.429/17 é que o trabalho
terceirizado, diferentemente do trabalho temporário, não poderia ocorrer para
qualquer atividade, mas apenas para os serviços de vigilância, de conservação e
limpeza, e para as atividades-meio do tomador de serviços, conforme visto
anteriormente. É o que pode se inferir da redação do inciso III da Súmula 331 do
TST:

Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de


vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem
como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador,
desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.

Com as alterações da Lei 13.429/17, entretanto, o trabalho terceirizado se


equiparou ao temporário nesse sentido, podendo ocorrer em qualquer ramo ou
atividade.10
Segundo os defensores dessa alteração, a terceirização é um fenômeno
inexorável e os conceitos de atividades-fim e atividades-meio são muito amplos, o
que abre espaço para mais de uma interpretação. (REDE, 2016)
Inclusive autores com pensamento crítico e visão mais negativa com relação
à terceirização, como Lívia Mendes Moreira Miraglia, entendem que atualmente a
distinção entre atividades-meio e atividades-fim de determinado ramo empresarial é
dificultada pela variedade de atividades que uma empresa pode oferecer:

9
O prazo de 180 dias foi uma das alterações provocadas pela Lei 13.429/2017. Anteriormente a essa
lei, o prazo era de 3 meses, apenas podendo ser prorrogado com autorização do Ministério do
Trabalho e Previdência Social.
10 É o que se pode concluir da leitura do Art. 4°-A, §2°, da Lei 6019/74, incluído pela Lei 13.429/17,

que, apesar de não ser claro, dispõe: “§ 2o Não se configura vínculo empregatício entre os
trabalhadores, ou sócios das empresas prestadoras de serviços, qualquer que seja o seu ramo, e a
empresa contratante.” (BRASIL, 2017b)
16

Na prática, devido à dinâmica empresarial, altamente mutável, por vezes,


será difícil distinguir claramente as atividades-meio das atividades-fim. Até
porque, com a tecnologia e o desenvolvimento do mundo moderno, uma
atividade que ontem era essencial pode tornar-se hoje meramente
acessória. (MIRAGLIA, 2008, p.161)

Apesar dessa ressalva, tal expansão da prática terceirizante gerou inúmeras


críticas à Lei aprovada em 2017, a qual não se coaduna com a ideia de “controle
civilizatório” da terceirização e do padrão bilateral da relação de emprego, protegido
pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
Outra diferença entre o trabalho temporário e a prestação de serviços a
terceiros se relaciona à subordinação. No trabalho temporário, o trabalhador está
subordinado à tomadora de serviços11, a qual será solidariamente responsável pelas
obrigações trabalhistas em caso de falência da empresa de trabalho temporário,
conforme redação atual do artigo 16 da Lei 6.019/74. Já o trabalhador terceirizado é
subordinado à empresa prestadora de serviços a terceiros, não ao tomador de
serviços, de forma que, qualquer que seja o ramo, não se configura vínculo
empregatício entre os trabalhadores terceirizados e a empresa contratante, a qual
permanece subsidiariamente responsável pelas obrigações trabalhistas decorrentes
da prestação de serviços.
Entretanto, na prática, ainda ocorre a chamada dupla subordinação, na qual o
poder diretivo não se restringe à empresa prestadora de serviços, mas também a
empresa tomadora impõe aos terceirizados sua dinâmica de organização e
funcionamento (MIRAGLIA, 2008), tema que será tratado no capítulo 4 do presente
trabalho.
Outra inovação trazida pela Lei 13.429/17 é a possibilidade de se ocorrer a
denominada “quarteirização”:

Art. 4°-A § 1o A empresa prestadora de serviços contrata, remunera e dirige


o trabalho realizado por seus trabalhadores, ou subcontrata outras
empresas para realização desses serviços.

Tal ponto da referida lei tem sido duramente criticado por poder “levar à
fragmentação excessiva dos processos produtivos, dificultando a fiscalização, pelos

11 Segundo Delgado (2013, p. 453), o trabalho temporário consiste na única situação de terceirização
lícita em que se permite a pessoalidade e subordinação do trabalhador perante o tomador de
serviços.
17

órgãos governamentais, do cumprimento de obrigações...” (DEPARTAMENTO,


2017b, p. 10)
E ainda, a nova lei trata da responsabilidade da empresa tomadora de
serviços, dispondo em seu artigo 5°-A, § 3°, que a contratante é responsável por
garantir segurança, higiene e salubridade dos trabalhadores terceirizados, “quando o
trabalho for realizado em suas dependências ou local previamente convencionado
em contrato.” (BRASIL, 2017b)
Além dessas alterações, a Lei 6.019/74 também foi modificada por outro
diploma legal do ano 2017, que ficou conhecido como “Reforma Trabalhista”.

2.4 Reforma Trabalhista (Lei 13.467/17) e a Terceirização

Menos de quatro meses após a aprovação da Lei 13.429/17, cuja redação,


apesar de não muito clara, permite que se amplie as possibilidades de terceirização,
foi aprovada a Lei 13.467, de 13 de julho de 2017, apelidada de Reforma
Trabalhista, a qual, além de alterar vários dispositivos da CLT, também alterou a Lei
6.019/74, referente ao trabalho temporário e terceirizado.
Tal reforma modificou o recente artigo 4°-A da Lei 6.019/74, conferindo-lhe a
seguinte redação:

Art. 4º-A. Considera-se prestação de serviços a terceiros a transferência


feita pela contratante da execução de quaisquer de suas atividades,
inclusive sua atividade principal, à pessoa jurídica de direito privado
prestadora de serviços que possua capacidade econômica compatível com
a sua execução. (BRASIL, 2017b, grifo nosso)

Ressalta-se que a nova redação desse artigo ratifica o entendimento de que


qualquer atividade da empresa tomadora de serviços poderá ser terceirizada,
inclusive sua atividade-fim, ou atividade principal, na letra da lei. A Reforma
Trabalhista, portanto, definiu essa questão que não ficara bem delimitada apenas
através da Lei 13.429/17, anterior a ela.
Também houve alteração do recém-aprovado artigo 5°-A da Lei 6.019/74,
que, assim como o 4°-A, não deixa dúvidas sobre as atividades que poderão ser
terceirizadas:
18

Art. 5º-A. Contratante é a pessoa física ou jurídica que celebra contrato


com empresa de prestação de serviços relacionados a quaisquer de suas
atividades, inclusive sua atividade principal. (BRASIL, 2017, grifo nosso)

Houve, ainda, o acréscimo dos artigos 4°-C, 5°-C e 5°-D à Lei 6.019/74,
igualando os empregados terceirizados aos efetivamente contratados quanto às
condições sanitárias e relativas à alimentação, atendimento médico e treinamento
adequado, quando a atividade for executada nas dependências da tomadora.
(BRASIL, 2017b)
Ressalta-se que o artigo 5°-C busca evitar a prática da “pejotização”,
estabelecendo que uma empresa não pode contratar outra pessoa jurídica cujos
titulares ou sócios tenham trabalhado para a contratante nos dezoito meses
anteriores, exceto se estes estiverem aposentados:

Art. 5º-C. Não pode figurar como contratada, nos termos do art. 4º-A desta
Lei, a pessoa jurídica cujos titulares ou sócios tenham, nos últimos dezoito
meses, prestado serviços à contratante na qualidade de empregado ou
trabalhador sem vínculo empregatício, exceto se os referidos titulares ou
sócios forem aposentados. (BRASIL, 2017)

Da mesma forma, o artigo 5°-D impede que o empregado que for demitido
seja contratado como terceirizado pelo prazo de dezoito meses a contar da
demissão, já que isso gera fraude ao vínculo de emprego, o que não se admite,
conforme artigo 9°, da CLT: “Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o
objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na
presente Consolidação.” (BRASIL, 1943)
A análise pormenorizada e contextualizada da Leis 13.429/17 e 13.467/17 no
que tange à terceirização, portanto, remete à reflexão acerca da necessidade já
mencionada de se regulamentar o fenômeno terceirizante, de forma a se respeitar
os princípios basilares do Direito do Trabalho:

Considera-se, todavia, que as mudanças jurídicas a serem implementadas


devem fundamentar-se na lógica finalística originária do Direito do Trabalho.
Ou seja, qualquer mudança legislativa deverá propor a melhoria das
condições de trabalho em favor do obreiro, e não a precarização da
prestação de serviços, desenvolvida conforme interesse privado e egoístico
do mercado. Além disso, também deverá alargar a proteção jurídica aos
trabalhadores não empregados, com base numa visão humanitária e
universal do Direito do Trabalho. (NEVES DELGADO, 2006, p. 241)
19

Diante dessas alterações, cumpre verificar se a “nova lei da terceirização” e a


Reforma Trabalhista serão capazes de garantir a dignidade do labor efetuado pelos
atingidos diretamente por essas alterações, o que será feito por meio de premissas
acerca do fenômeno terceirizante, tendo em vista o curto espaço de tempo existente
entre a aprovação das leis e a realização da pesquisa.

2.5 Terceirização e precarização dos direitos trabalhistas

Com a evidente ampliação das hipóteses de terceirização lícita no Brasil


através da Lei 13.429/17 e da Reforma Trabalhista (Lei 13.467/17), é pertinente que
se analise as vantagens e desvantagens da terceirização à classe trabalhadora e
empresarial.
Para os defensores da terceirização, a transferência de parte da atividade de
uma empresa para outra mais especializada faz com que os empresários consigam
um menor grau de insubordinação dos trabalhadores, que temem ser dispensados,
além de uma maior produtividade e desempenho empresarial, com a redução de
custos e ganhos em competitividade. (FILGUEIRAS, 2016, p.429).
Contudo, tal visão apenas abrange os benefícios aos empresários que
contratam trabalhadores terceirizados, nada tratando dos benefícios aos
trabalhadores que são contratados conforme essa lógica.
Segundo Lívia Mendes Moreira Miraglia,

Ao se avançar na pesquisa sobre o assunto, conclui-se que as vantagens


para o trabalhador são ínfimas, ou até mesmo inexistentes, diante do atual
processo terceirizante, enquanto para os empresários parece ser a solução
para o alcance da tão desejada empresa enxuta, exigida pelo modelo de
produção atual. (MIRAGLIA, 2008, p. 133)

Além disso, haveria uma suposta geração de empregos com a ampliação da


terceirização, o que se demonstra ser uma falácia, tendo em vista que não há
comprovação de que flexibilização da proteção trabalhista seja capaz de gerar
empregos em qualquer país. (ADASCALITEI; MORANO, 2016 apud
DEPARTAMENTO, 2017b, p.11).

A terceirização, per si, não cria nenhum emprego. Se fosse extinta hoje, a
única consequência em termos de emprego seria a formalização de todos
os contratos com os tomadores de serviço. Ocorre que, na verdade, a
20

terceirização diminui o número de empregos, pois há evidências de que os


terceirizados têm jornada mais longa que os empregados contratados
diretamente. (CUT/DIEESE, 2011 apud FILGUEIRAS, 2016, p. 429).

Segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos


Socioeconômicos (DIEESE), em nota técnica de março de 2017, a precarização das
condições de trabalho se manifesta na terceirização trabalhista em vários aspectos,
seja gerando maior rotatividade, menores salários ou uma ocorrência maior de
acidentes de trabalho. (DEPARTAMENTO, 2017a, p. 23).
E, ainda, nas atividades onde a terceirização desponta notoriamente, como
na construção civil e na confecção de roupas, há maior ocorrência de casos de
trabalho escravo contemporâneo, o que corrobora com a hipótese de que existe uma
séria relação entre a terceirização e o trabalho escravo. (FILGUEIRAS, 2016)

Isso porque o trabalho análogo ao escravo no Brasil é limite da relação de


emprego, e a terceirização é uma estratégia de gestão do trabalho que
objetiva justamente driblar esses limites (seja ele representado por
sindicato, direito do trabalho, etc.) impostos ao assalariamento. É essa
relação que explica a ampla prevalência de trabalhadores terceirizados
entre aqueles submetidos a condições análogas à de escravos.
(FILGUEIRAS, 2016, p.425)

Nas palavras de Márcio Túlio Viana,

[...] esse fenômeno trouxe de volta um passado que parecia, realmente, ter-
se passado – pelo menos em grande escala e nos países centrais – como é
o caso do trabalho escravo ou infantil; e pôs em contato, em relação de
simbiose, empresas de ponta com fazendas ou oficinas clandestinas.
(VIANA, 2017, p.53)

Os efeitos deletérios do fenômeno terceirizante, portanto, extrapolam os


limites do assalariamento, permitindo o sucateamento da liberdade e da dignidade
de inúmeros trabalhadores e trabalhadoras que ainda são, literalmente,
escravizados no país.
21

3 TRABALHO ESCRAVO CONTEMPORÂNEO

Hoje amanheceu chovendo. É um dia simpático para mim. É o dia da


Abolição. Dia que comemoramos a libertação dos escravos. [...] A Vera
começou a pedir comida. E eu não tinha. Era a reprise do espetáculo. [...] E
assim, no dia 13 de maio eu lutava contra a escravidão atual – a fome!
Trecho de "O Quarto de Despejo", de Carolina Maria de Jesus.

O trabalho escravo contemporâneo é juridicamente chamado no Brasil de


trabalho em condições análogas à de escravo, por não mais haver o instituto da
escravidão legalizada como anteriormente havia. A dificuldade em se conceituar e
entender a contemporaneidade da escravidão muito se deve ao imaginário da “figura
do antigo escravo negro, acorrentado a uma bola de ferro e morando em senzala.”
(OIT, 2007, p. 62)
Entretanto, a escravidão contemporânea não implica necessariamente em
restrição do direito da liberdade, e atualmente considera-se que o trabalho forçado é
apenas uma das espécies de trabalho em condições análogas à de escravo. É
preciso atentar-se para o fato de que as condições de trabalho consideradas como
inseridas no conceito de escravidão contemporânea possuem configurações
diversas daquela escravidão anterior a 1888. Na escravidão contemporânea, o
direito à liberdade não se encontra limitado apenas pelo trancafiamento físico, mas
antes pela vulnerabilidade social, pela necessidade decorrente de uma condição de
extrema pobreza, ou ainda, por aspectos morais, como na servidão por dívida, como
será tratado adiante. Nessas relações há um desrespeito ao princípio constitucional
da dignidade da pessoa humana, quando se verifica, por exemplo, as condições
degradantes às quais são submetidas o trabalhador. (SEVERO, 2016, p. 245).

Acontece que, em nossa sociedade, em regra, as pessoas não precisam ser


coagidas fisicamente por um indivíduo determinado para laborar, já que,
com exceção dos proprietários, o restante da população é obrigado a
vender sua força de trabalho para se reproduzir física e socialmente.
Associado a essa estrutura, o capital, por natureza (compulsão pela
reprodução da riqueza abstrata), não obedece a nenhum limite inerente no
tratamento dispensado à força de trabalho – pelo contrário, tende a
desconhecer limites de qualquer ordem, inclusive o limite físico do próprio
elemento que o sustenta. Por isso, os trabalhadores, mesmo destinatários
de liberdades individuais, podem ter que se submeter a qualquer tipo de
condição de trabalho, inclusive idênticas, quando não piores, àquelas da
escravidão vigente no Brasil até o século XIX. (FILGUEIRAS, 2016, p.426)
22

Kevin Bales, sociólogo norte-americano considerado um dos maiores


especialistas no tema, faz uma comparação entre a escravidão colonial e a
contemporânea em seu livro “Disposable People: New Slavery in the Global
Economy” (Gente Descartável: A Nova Escravidão na Economia Mundial),
comparação essa que foi adaptada para a realidade brasileira pela ONG Repórter
Brasil:

Tabela 1: Comparação entre a antiga escravidão e a escravidão atual


Brasil Antiga escravidão Nova escravidão

Propriedade legal Permitida Proibida

Custo de aquisição de Alto. A riqueza de uma pessoa Muito baixo. Não há compra e, muitas vezes,
mão-de-obra podia ser medida pela gasta-se apenas o transporte
quantidade de escravos

Lucros Baixos. Havia custos com a Altos. Se alguém fica doente pode ser
manutenção dos escravos mandado embora, sem nenhum direito

Mão-de-obra Escassa. Dependia de tráfico Descartável. Um grande contingente de


negreiro, prisão de índios ou trabalhadores desempregados. Um homem
reprodução. Bales afirma que, foi levado por um gato12 por R$ 150,00 em
em 1850, um escravo era Eldorado dos Carajás, sul do Pará
vendido por uma quantia
equivalente a R$ 120 mil

Relacionamento Longo período. A vida inteira do Curto período. Terminado o serviço, não é
escravo e até de seus mais necessário prover o sustento
descendentes

Diferenças étnicas Relevantes para a escravização Pouco relevantes. Qualquer pessoa pobre e
miserável são os que se tornam escravos,
independentemente da cor da pele

Manutenção da ordem Ameaças, violência psicológica, Ameaças, violência psicológica, coerção


coerção física, punições física, punições exemplares e até
exemplares e até assassinatos assassinatos

Fonte: ONG, 2017.

Estudos comprovam que, mesmo após a alforria conquistada pelos escravos,


a liberdade que eles adquiriram era tão precária que sua condição se assemelhava à
do conceito trazido pelo tipo penal do artigo 149 do Código Penal Brasileiro:
“estavam sujeitos a trabalhos sem limitação de jornada, sem pagamento (além de
algumas mudas de roupas por alguns anos e talvez alguma comida), em condições
sub-humanas.” (FINELLI, 2016, p. 27)
12A figura do “gato”, turmeiro ou preposto cumpre a função de intermediador entre o trabalhador e o
empregador, e utiliza de ameaças físicas e terror psicológico para aliciar os trabalhadores e manter a
ordem.
23

...a comparação entre a escravidão contemporânea e aquela do século XIX


se dá muito mais em relação ao trabalho livre precário do que à própria
prática escravagista. Assim, o que hoje se denomina trabalho em condições
análogas às de escravo em muito se assemelha ao trabalho desenvolvido
pelos libertos. O fim do sistema escravagista não interrompeu o tratamento
desumano ou indigno. Este passou a ser apenas o que hoje é conhecido
como trabalho precário, revelando um traço de continuidade e não de
quebra. (FINELLI, 2016, p.29)

Destarte, o fim da escravidão juridicamente permitida não garantiu aos


libertos o pleno direito da liberdade e dignidade, representando para muitos ex-
escravos uma continuidade da situação de exploração. À época do Fórum Social
Mundial, que ocorrera em Porto Alegre, entre os dias 23 e 28 de janeiro de 2003,
Roberto Figueira Caldas representou a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), e
em seu discurso, ao tratar sobre o trabalho escravo contemporâneo, proferiu: “se for
colocar uma placa em uma determinada fazenda oferecendo trabalho escravo,
podem ter certeza de que, infelizmente, haverá candidatos.” (CALDAS, 2003, p. 41)
Conceituar o trabalho em condições análogas à de escravo, portanto, é tratar
de um limite que deve ser imposto pelo Estado ao assalariamento, à coerção do
mercado de trabalho, de modo a assinalar até onde o assalariamento é legítimo ou
não. (FILGUEIRAS, 2016, p. 428).

3.1. O artigo 149 do Código Penal e o conceito contemporâneo de trabalho


escravo

O artigo 149 do Código Penal Brasileiro (CPB), em sua redação original, já


tratava do trabalho em condições análogas à de escravo dentro do capítulo “Dos
crimes contra a liberdade individual”.13 Apesar de outros artigos considerados como
acessórios no combate ao trabalho escravo e ao tráfico de pessoas terem sido
14
incorporados ao Código Penal, por meio da Lei 9.777/98 , a redação original do
artigo 149, tida como genérica, incumbiu a doutrina e a jurisprudência de definirem o
tipo penal prescrito no mesmo.

13
Art. 149 - Reduzir alguém a condição análoga à de escravo:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos. (BRASIL, 1940)
14
Considera-se que os artigos 132, 203, 206 e 207, do CPB, incluídos e/ou alterados pela Lei
9.777/98 são acessórios no combate ao trabalho escravo e ao tráfico de pessoas. (FINELLI, 2016)
24

Devido a esse fato, o Ministério Público do Trabalho produziu a “Carta de


Belém” durante o “Seminário Internacional sobre Trabalho Forçado – Realidade a
ser combatida”, realizado em 2000, na qual se esforça para conceituar o trabalho
escravo contemporâneo:

I.4) Assim, o trabalho forçado, em seu conceito mais amplo, deve ser
entendido como aquele que contempla, dentre outras, as seguintes
situações:
•Utilização de trabalhadores, através de intermediação de mão-de-obra
pelos chamados “gatos” e pelas Cooperativas fraudulentas;
•Utilização de trabalhadores aliciados em outros Municípios ou Estados,
pelos próprios tomadores de serviços ou através de interposta pessoa, com
promessas enganosas e não cumpridas;
•Servidão de trabalhadores por dívida, com o cerceamento de sua liberdade
de ir e vir e o uso de coação moral ou física, para mantê-los no trabalho;
•Submissão de trabalhadores a condições precárias de trabalho, pela falta
ou inadequado fornecimento de alimentação sadia e farta e de água
potável; •Fornecimento aos trabalhadores de alojamentos sem condição de
habitabilidade e sem instalações sanitárias adequadas;
•Falta de fornecimento gratuito aos trabalhadores de instrumentos para
prestação de serviços, de equipamentos de proteção individual e de
materiais de primeiros socorros;
•Não utilização de transporte seguro e adequado aos trabalhadores;
•Não cumprimento da legislação trabalhista, desde o registro do contrato na
carteira de trabalho, passando pela falta de cumprimento das normas de
proteção à saúde e segurança dos trabalhadores, até a ausência de
pagamento da remuneração a eles devida;
•Coagir ou induzir trabalhador a se utilizar de armazéns ou serviços
mantidos pelos empregadores ou seus prepostos. (FINELLI, 2016, p. 46/47)

Esse conceito de trabalho forçado, que atualmente é uma das espécies de


trabalho em condições análogas à de escravo no Brasil, serviu de base para a Lei
10.803/2003, a qual modificou o artigo 149 do CPB, conduzindo-o para a sua
redação atual:

Art. 149- Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer


submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-
o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer
meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou
preposto:
Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente
à violência.
§ 1o Nas mesmas penas incorre quem:
I – cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador,
com o fim de retê-lo no local de trabalho;
II – mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de
documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no
local de trabalho.
§ 2o A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido:
I – contra criança ou adolescente;
25

II – por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem.


(BRASIL, 2003)

Perceba que a alteração legislativa provocada pela Lei 10.803/2003 substituiu


o conceito amplo da redação original do artigo 149 do Código Penal por um
enunciado exaustivo, que, embora não tenha alterado o núcleo da conduta – reduzir
alguém à condição análoga à de escravo –, especificou os atos usualmente
verificados na superexploração da mão-de-obra. Quanto às sanções previstas, a
alteração agravou a pena para imputar ao criminoso além da reclusão de dois a oito
anos, uma multa cumulativa, antes não prevista. Além disso, houve “expressa
indicação de que a violência praticada para submeter alguém a condição análoga à
de escravo será considerada em separado, não sendo absorvida pelo crime do
artigo 149.” (OIT, 2007, p. 110)
Da redação do atual artigo 149 do CPB pode-se inferir quatro espécies do
gênero “trabalho análogo ao de escravo”, quais sejam: trabalho forçado, jornada
exaustiva, condições degradantes, e servidão por dívida, as quais serão brevemente
analisadas a seguir.

3.1.1. Trabalho forçado

A Convenção n. 29 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), art. 2°, §


1°, com vigência interna15, estabelece que:

Para fins da presente Convenção, a expressão ‘trabalho forçado ou


obrigatório’ designará todo trabalho ou serviço exigido de um indivíduo sob
ameaça de qualquer penalidade e para o qual ele não se ofereceu de
espontânea vontade. (OIT, 1930)

O trabalho forçado geralmente encontra-se associado à ideia de propriedade


de uma pessoa diante de outra, que a obriga a trabalhar, ofendendo o direito
fundamental à liberdade previsto no artigo 5° da Constituição Federal. Todavia, a
sujeição de um trabalhador nem sempre tem relação com a posse e com a ofensa à
liberdade de locomoção. Muitas das vezes, o empregado se oferece
espontaneamente, desconhecendo as condições em que irá trabalhar ou, ainda,

15
A Convenção n. 29 da OIT, de 1930, reconheceu a existência de trabalho forçado no mundo e
determinou a adoção de medidas para a extinção dessa prática. Tal Convenção foi ratificada pelo
Brasil em 1957, mesmo ano em que a Convenção n. 29 foi complementada pela Convenção n. 105,
esta última ratificada pelo Brasil em 1965. (MIRAGLIA; ARRUDA, 2016, p. 38)
26

conhece tais condições mas as aceita, pois sua liberdade de escolha é condicionada
a uma situação de grande vulnerabilidade e miserabilidade sociais.

A submissão a tais condições possui requinte de crueldade pois, dadas a


liberdade individual do titular da força de trabalho e a necessidade
compulsória de vendê-la, há normalmente o consentimento imediato do
trabalhador explorado à sua situação (o que torna desnecessário mantê-lo
preso ou amarrado a uma corrente). (FILGUEIRAS, 2016, p. 427)

Dessa forma, o trabalho forçado, enquanto uma espécie de trabalho em


condições análogas à de escravo, não ofende apenas o direito fundamental à
liberdade, mas também a dignidade da pessoa humana e o princípio da
irrenunciabilidade de direitos trabalhistas, segundo o qual o empregado não poderia,
via de regra, renunciar a seus direitos. No caso do trabalho forçado, entretanto, essa
“renúncia” não é espontânea, sendo o empregado coagido devido a “condições
externas, como pobreza, ausência de educação, falta de conhecimentos e de
políticas públicas.” (FINELLI, 2016, p. 66)

Tal coação pode se dar, assim, de diversas formas, atingindo aspectos


morais (como o caso em que o trabalhador se vê com vergonha de retornar
para casa sem uma quantia suficiente ou se sente humilhado pela própria
situação), psicológicos (por ameaça ao obreiro ou à sua família) e físicos
(através de castigos que inclusive podem levar à morte). (FINELLI, 2016,
p.64)

Pode-se considerar, ainda, que o §1º do artigo 149 do Código Penal abrange
outras maneiras de se manter o trabalho forçado, restringindo o direito de ir e vir do
trabalhador. Nesses casos, a retenção no local de trabalho ocorre pelo cerceamento
dos meios de transporte, pela vigilância ostensiva do local ou ainda pelo
apoderamento de documentos e objetos pessoais do trabalhador, com o fim de
mantê-lo forçadamente no local de trabalho.
Outra maneira de restringir a liberdade de locomoção do trabalhador ocorre
através de dívida contraída com o empregador ou com o preposto, o que é chamado
de servidão por dívida, que será tratada a seguir.

3.1.2 Servidão por dívida

A servidão por dívida é uma das formas mais comuns de escravidão


contemporânea no Brasil, ocorrendo em todo o território brasileiro, mas sobretudo
27

nas regiões rurais, onde aproveita-se do isolamento entre a propriedade e a cidade


para endividar o trabalhador e mantê-lo preso àquela situação.

A vítima, aliciada mediante promessas enganosas, é recrutada para


trabalhar em regiões distantes do seu domicílio ou residência, trazendo
consigo a dívida contraída com o “gato”, seja pelo transporte ou pelo
adiantamento de salário concedido ao trabalhador para deixar guarnecida
sua família. (OIT, 2007, p.63)

O sistema de servidão por dívidas também é chamado de “truck system” ou


sistema de barracão, e é caracterizado pela pressão que o empregador exerce
sobre os trabalhadores para que consumam os produtos oferecidos nas lojas
instaladas nos locais de trabalho. Tal prática é expressamente proibida pelo artigo
462, §2° da CLT.16 (MIRAGLIA; ARRUDA, 2016, p. 49)

Note-se, esse mecanismo de dominação alia-se à ética dos trabalhadores,


os quais sentem-se impingidos a saldar suas dívidas, uma vez que a
honestidade é considerada, no meio rural, um valor fundamental. Mas, a
partir do momento em que essa forma de chantagem moral mostra-se
insuficiente, as vítimas passam a sofrer coação física, mediante agressões
perpetradas pelos próprios “gatos”, capatazes ou vigilantes. Instaura-se, a
partir de então, um regime de medo, em que o restante do grupo se sente
intimidado pelas “reprimendas exemplares” aplicadas pelos exploradores.
(OIT, 2007, p. 64)

Em um paralelo à escravidão antiga, o “gato” pode ser comparado à figura do


“capataz” e o fazendeiro ou empregador, à do senhor de engenho. Conforme
Santos, “a descrição do trabalho escravo contemporâneo se assemelha em muito ao
trabalho escravo da época colonial. [...] As similaridades são gritantes.” (SANTOS,
2004, apud OLIVEIRA; GOMES; GERMANI, 2016, p.327)
Outra prática bastante comum é incentivar o vício dos trabalhadores, através
da venda de bebidas alcoólicas e cigarros, como forma de manter a vítima presa na
cadeia de exploração, já que, além de aumentar a servidão por dívida, escraviza o
trabalhador por dependência, diminuindo as chances de fuga e denúncias. (OIT,
2007, p. 65)

16
Art. 462 - Ao empregador é vedado efetuar qualquer desconto nos salários do empregado, salvo
quando este resultar de adiantamentos, de dispositivos de lei ou de contrato coletivo.
§ 2º - É vedado à empresa que mantiver armazém para venda de mercadorias aos empregados ou
serviços estimados a proporcionar-lhes prestações " in natura " exercer qualquer coação ou
induzimento no sentido de que os empregados se utilizem do armazém ou dos serviços. (BRASIL,
1943)
28

Prova viva das condições em que muitos trabalhadores vivem e laboram no


território brasileiro é o testemunho de Ricardo Rezende Figueira, padre, militante e
estudioso do trabalho escravo contemporâneo no Brasil, especialmente na
modalidade “servidão por dívida”. Entre julho de 2000 e agosto de 2002, Ricardo
visitou grotões do Piauí, Mato Grosso e Pará, entrevistando 105 pessoas e gravando
67 depoimentos, numa tentativa de explicar o porquê da manutenção dessa forma
de exploração do trabalho humano em pleno século XXI. (GRUPO, 20-).
Nas palavras de Ricardo Rezende Figueira,

A escravidão contemporânea no Brasil não se respalda mais em


justificativas religiosas, em noções científicas elaboradas por sábios
naturalistas, nem no direito de reembolso dos custos de uma guerra justa e
declarada entre príncipes. Ela se justifica pela existência de uma dívida,
contraída pela vítima por transporte até o local do trabalho e gastos na
compra de alimentos e ferramentas de trabalho na cantina do próprio
empreiteiro, de um seu preposto, ou da própria fazenda. Contudo, esse é o
lado aparente. O lado visível, que muitas vezes convence não só a
sociedade circundante, próxima ao fato, mas até mesmo sindicalistas ou as
próprias vítimas. (FIGUEIRA, 2000)

Além do trabalho forçado e da servidão por dívida, o artigo 149 do CPB prevê
outras espécies de trabalho em condições análogas à de escravo, com o objetivo de
tutelar a dignidade da pessoa humana e o direito ao trabalho digno, “seja em sua
intensidade e duração – jornada exaustiva –, seja em termos mais abrangentes,
como as condições do local de trabalho, o trato e o descumprimento de normas
básicas de saúde e higiene – condições degradantes.” (FINELLI, 2016, p. 79)
Essas outras formas de escravidão contemporânea serão tratadas nos
próximos itens.

3.1.3 Jornada exaustiva

A jornada de trabalho considerada normal tanto pela CLT (art. 58) quanto pela
Constituição de 1988 (art. 7º, XIII, CR/88) tem como limite máximo a duração de oito
horas diárias e quarenta e quatro semanais, com a possibilidade de prestar horas
extras mediante um adicional no valor de, no mínimo 50% do que é pago pelo
trabalho em hora normal. A CLT estabelece ainda os períodos de descanso, que
devem ser respeitados, tanto dentro da mesma jornada (intervalos intrajornadas de
no mínimo uma hora), quanto entre uma jornada e outra (intervalos interjornadas de
29

no mínimo 11 horas), conforme os artigos 66, 67 e 71 da CLT, além de um descanso


semanal de 24 horas, preferencialmente aos domingos. (BRASIL, 1943).
Caracteriza-se como jornada exaustiva não apenas aquela jornada que
ultrapassa tais limites legais, até porque a inobservância dos direitos trabalhistas
relativos à jornada não necessariamente conduz ao tipo penal. Considera-se
exaustivo aquele trabalho cuja intensidade exaure o empregado, causando prejuízos
à sua saúde física e mental, ainda que a jornada não extrapole esses limites. Isso
pode ser percebido principalmente nos contratos que envolvam remuneração por
produção, como no caso dos trabalhadores de corte de cana-de-açúcar. (FINELLI,
2016, p. 72).

Se a pecuária era o setor com um número maior de casos conhecidos, ele


começou a ser substituído pelo setor canavieiro. Justamente o setor que
concentra riqueza e terra, obtém elogios por parte do governo, tem
expressivo sucesso econômico em função da produção e comercialização
do etanol e do açúcar. O ritmo de trabalho tem se intensificado. Se em 1970
a média para cada trabalhador (...) era cortar 3,5 toneladas de cana por dia;
em 1980 aumentou para 4,5; em 1990, 6,10; na década de 2000 atinge
entre 9 e 10 toneladas. ( FIGUEIRA; PRADO, 2008, p. 95)

A crescente mortandade dos trabalhadores e trabalhadoras no setor


canavieiro é um exemplo de como a exaustão no trabalho pode ser prejudicial à
saúde, ferindo a dignidade de quem labora nessas condições. Alguns trabalhadores,
inclusive, tornam-se dependentes do crack para suportar a jornada exaustiva,
aumentando o ciclo da servidão por dívida e os níveis de morte precoce no setor.
(SOARES, 2016, p. 224).
Figura 1

Mão de trabalhador machucada pelo trabalho e a água que ele consumia. Fonte: ONG, [201-]
30

3.1.4 Trabalho em condições degradantes

As condições degradantes se relacionam com as normas de saúde e


segurança do Ministério do Trabalho, denominadas Normas Regulamentadoras
(NRs), além das regras previstas na CLT. Referem-se às condições dos alojamentos
fornecidos, ao saneamento básico, à remuneração, e aos maus tratos e violência
dispensada aos trabalhadores. (FINELLI, 2016 p.73).
Segundo a OIT:

Cresce a cada ano o número de brasileiros que vivem e trabalham em


condições subumanas, amontoados em alojamentos pequenos, sem
ventilação, sujos e sem o mínimo de higiene, onde falta tudo: água potável,
instalações sanitárias, alimentação adequada, remédios e assistência
médica. (OIT, 2007, p. 65)

Figura 2

Barraca onde os trabalhadores estavam alojados. Fonte: ONG, [201-].

Ao lado da definição de jornada exaustiva, o conceito de trabalho em


condições degradantes tem sido objeto de críticas, por serem, ambos os conceitos,
complexos, que se relacionam à dignidade do ser humano, combinando o
descumprimento dos direitos trabalhistas com a afronta ao meio ambiente de
trabalho. Entretanto, o fato de serem complexos não os torna conceitos vagos ou
imprecisos, sendo importante ressaltar que o mero descumprimento das normas de
31

segurança e saúde não configuram necessariamente as condições degradantes.


(FINELLI, 2016, p. 76).
As críticas à complexidade dos conceitos das modalidades de trabalho
escravo que ferem a dignidade da pessoa humana tem servido de justificativa para
projetos de lei como o PL 432/201317, que tentam reduzir as figuras típicas do crime
de “trabalho em condições análogas à escravidão”, previstas no artigo 149 do
Código Penal. A ideia é excluir a jornada exaustiva e as condições degradantes do
tipo penal, o que desconsidera que a escravidão contemporânea não
necessariamente tem relação com a coerção direta, mas também ocorre por outras
formas intrínsecas ao capitalismo. (SAKAMOTO, 2014).
Como se não bastasse, no dia 16 de outubro de 2017, o Ministro do Trabalho
do governo Temer, Ronaldo Nogueira de Oliveira, publicou a Portaria n° 1.129 do
Ministério do Trabalho, modificando os conceitos de trabalho forçado, jornada
exaustiva, condições degradantes e de condição análoga à de escravo, além de
determinar que a divulgação da Lista Suja apenas ocorrerá por “determinação
expressa do Ministro do Trabalho”, o que poderá comprometer sua efetivação.
(BRASIL, 2017c).
A seguir, será feita uma análise dos principais avanços e retrocessos
ocorridos nos últimos anos no que tange ao combate ao trabalho em condições
análogas à de escravo no Brasil.

3.2 Combate ao trabalho escravo contemporâneo no Brasil: avanços e


retrocessos

A partir das hipóteses previstas no artigo 149 do Código Penal Brasileiro,


verifica-se que as condições de trabalho consideradas como inseridas no conceito
de escravidão contemporânea possuem configurações diversas daquela escravidão
anterior a 1888, ou pelo menos do imaginário existente com relação à mesma, o
qual elenca a privação da liberdade física como principal característica.

17
Tal Projeto de Lei visa à regulamentação da EC 81/2014 na tentativa de reduzir as figuras típicas
do crime de “trabalho em condições análogas à escravidão”, previstas no artigo 149 do CPB,
excluindo a jornada exaustiva e as condições degradantes de trabalho do conceito. A tramitação atual
do referido PL será tratada posteriormente.
32

A tutela da dignidade da pessoa humana e do direito ao trabalho digno


propiciada pela Lei 10.803/2003, que ampliou a redação do artigo 149 do Código
Penal foi uma das conquistas contra a superexploração da mão-de-obra humana.
Luís Antônio Camargo de Melo defende:

[...] não é à toa que o art. 149 do Código Penal traz hoje uma
impossibilidade, uma identificação como verdadeiro abuso de se manterem
trabalhadores em condições degradantes. Não é possível que se admita
uma resistência em relação a essa situação. É como se observássemos o
crime previsto no art. 149, apenas e tão-somente, pelo viés da liberdade.
Ora, é claro que a liberdade é importante. Mas, ainda sobre esse viés, é
importante dizer. Não é só a liberdade de ir e vir. É a liberdade de contratar.
Em determinados momentos, o trabalhador pode sair do local onde está
prestando serviços. Pode sair andando. Nem sempre há corrente, nem
sempre há capangas armados. Mas, na maior parte das vezes, há uma
dívida. Na maior parte das vezes, há uma humilhação a que é submetido o
trabalhador, e essa situação faz com que ele, trabalhador honesto,
trabalhador orgulhoso, permaneça para pagar a dívida e não saia. E se ele
não consegue sair, vai permanecer submetido a essas condições. Então, é
preciso observar a liberdade sim. Mas não é só aquela liberdade de ir e vir,
aquela liberdade de ambular porque, em determinados momentos isso pode
ser observado. Mas, principalmente, não deixem de pensar nisso, a
liberdade de contratar, a liberdade de assumir uma obrigação de prestar
serviços, mas a liberdade também de abandonar aquele local em todos os
momentos, em todas as situações em que o trabalhador estiver sendo
absurdamente explorado. (MELO, 2009, p. 98)

Atualmente, o Brasil é considerado pela OIT como referência no combate ao


trabalho análogo ao de escravo (BRASIL, 2014) por, após reconhecer a existência
do crime em seu território em 1995, implantar estratégias de combate ao mesmo,
como o Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo.18
Na esteira de acordos e convenções internacionais, nos últimos anos o
governo brasileiro, além de aumentar a fiscalização através de entidades como o
Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM), possibilitando a punição dos
infratores que se utilizam da mão-de-obra escrava em seus negócios, também
adotou medidas de prevenção ao crime, como a previsão de seguro-desemprego
aos trabalhadores resgatados, por meio da Medida Provisória 74/2002, além da
publicação da “Lista Suja”, cadastro de empregadores previsto na Portaria
Interministerial 4, do Ministério do Trabalho para tornar pública a relação daqueles
que exploram o trabalho em condições análogas à escravidão.

18
O Plano Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo (PNETE) foi lançado em 11 de março de
2003, no início do governo Lula, com medidas a serem implementadas pelos poderes Executivo,
Legislativo e Judiciário, além do Ministério Público e entidades da sociedade civil, para o combate às
formas contemporâneas de escravidão. Em 2008, foi aprovado um 2° PNETE. (ONG, 2008)
33

Ademais, em 2014, foi aprovada a Proposta de Emenda Constitucional (PEC)


n°438/01, também chamada de PEC do Trabalho Escravo, o que gerou a Emenda
Constitucional (EC) n° 81/2014, acrescentando ao artigo 243 da Constituição
Federal a expropriação de terras onde seja constatada a ocorrência de trabalho
escravo, e sua destinação à reforma agrária e ao uso habitacional urbano, sem
indenização aos proprietários.

3.2.1 A “Lista Suja”: Portaria Interministerial n °4 do Ministério do Trabalho, de 11 de


maio de 2016

O Cadastro de Empregadores que mantém trabalhadores em condições


análogas à de escravo é uma lista considerada pela Organizações das Nações
Unidas (ONU) como um dos principais instrumentos de combate ao trabalho escravo
no Brasil. Criada em 2003, através da Portaria 1.234 do antigo Ministério do
Trabalho e Emprego (MTE), e posteriormente pela Portaria 540/2004, a ideia da
chamada “Lista Suja” foi criar uma relação pública dos empregadores que
submetessem seus trabalhadores em alguma das condições análogas à de escravos
tipificadas no artigo 149 do CPB, para que estas empresas tivessem seus direitos
restritos perante os subsídios do governo federal ou de outros investidores e
parceiros comerciais.
No final de 2014, a divulgação da Lista Suja do Trabalho Escravo foi
suspensa liminarmente pelo Supremo Tribunal Federal (STF) a pedido da
Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (ABRAINC), da qual fazem
parte 26 empresas de construtoras do país. A ABRAINC questionou à época a
constitucionalidade da Lista Suja, através da Ação Direta de Inconstitucionalidade
(ADIn 5.209), com o argumento de que tal cadastro deveria ser regulamentado por
uma lei, não por uma portaria interministerial. Também considerou que o Cadastro
viola o devido processo legal, porque não previa instâncias de defesa para aqueles
que tivessem seus nomes incluídos na Lista. Entretanto, em maio de 2016, o STF
entendeu que a ADIn 5.209 perdeu seu objeto, já que posteriormente foram
publicadas duas portarias19 que responderam seus questionamentos. (SAKAMOTO,
2017)

19Após o questionamento da ABRAINC de que o Cadastro de Empregadores (Lista Suja) violava o


devido processo legal, foi publicada a Portaria Interministerial 2/2015, que colocou à disposição das
34

Segundo Leonardo Sakamoto, coordenador geral da ONG Repórter Brasil:

Transparência é fundamental para que o mercado funcione a contento. Se


uma empresa não informa seus passivos trabalhistas, sociais e ambientais,
sonega informação relevante que pode ser ponderada por um investidor, um
financiador ou um parceiro comercial na hora de fazer negócios.
Desde 2003, esse cadastro público que reúne empregadores flagrados
nesse crime pelo Ministério do Trabalho e Previdência Social, tem sido uma
das maiores ferramentas para o combate à escravidão. Ele garante ao
mercado transparência e informações para que empresas nacionais e
internacionais possam gerenciar os riscos de seu negócio. E,
consequentemente, proteger o trabalhador. (SAKAMOTO, 2016, p.18)

Atualmente, está em vigência a Portaria Interministerial 4/2016, que


estabelece o Cadastro de Empregadores no âmbito do Ministério do Trabalho e
dispõe regras acerca da inclusão das pessoas físicas e jurídicas que forem flagradas
explorando o trabalho em condições análogas à escravidão. Destaca-se que a
inclusão do empregador na lista ocorre somente após decisão administrativa
irrecorrível de procedência do auto de infração lavrado em razão da constatação
de trabalho em condições análogas à de escravo em suas atividades, conforme
artigo 2°, § 1°, da Portaria Interministerial n°4, do então Ministério do Trabalho e
Previdência Social (MTPS). Dessa forma, o argumento de que a Lista Suja feriria
a ampla defesa e o devido processo legal foi jogado por terra, já que as
empresas cadastradas têm a chance de se defender anteriormente à sua
inserção no Cadastro.
Outra inovação refere-se à oportunidade das empresas firmarem um
Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) ou acordo judicial com a União,
comprometendo-se a sanar as irregularidades encontradas e adotar medidas de
prevenção, passando estas empresas a integrarem uma segunda relação,
localizada abaixo da primeira.20

Art. 5º A União poderá, com a necessária participação e anuência da


Secretaria de Inspeção do Trabalho do Ministério do Trabalho e Previdência
Social, e observada a imprescindível autorização, participação e
representação da Advocacia-Geral da União para a prática do ato, celebrar

empresas instâncias de recursos administrativos, e posteriormente, a Portaria Interministerial 4/2016,


que revogou a anterior e aprimorou os critérios de entrada e saída dos empregadores da Lista Suja.
(SAKAMOTO, 2017)
20
No último cadastro divulgado pelo Ministério do Trabalho, atualizado até o dia 27 de julho de 2017,
consta apenas um empregador nessa segunda relação, ou seja, que se comprometera perante o
governo a reverter as condições de seus trabalhadores. (ANEXO I)
35

Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) ou acordo judicial com o


administrado sujeito a constar no Cadastro de Empregadores, com objetivo
de reparação dos danos causados, saneamento das irregularidades e
adoção de medidas preventivas e promocionais para evitar a futura
ocorrência de novos casos de trabalho em condições análogas à de
escravo, tanto no âmbito de atuação do administrado quanto no mercado de
trabalho em geral. (BRASIL, 2016)

3.2.2 A PEC do Trabalho Escravo: Emenda Constitucional n° 81/2014

A PEC 57-A/1999 ou PEC 438/01 (número na Câmara dos Deputados) foi


aprovada no dia 05 de junho de 2014, gerando a EC 81/2014 que conferiu nova
redação ao artigo 243 da Constituição Federal de 1988, qual seja:

Art. 243. As propriedades rurais e urbanas de qualquer região do País onde


forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas ou a exploração
de trabalho escravo na forma da lei serão expropriadas e destinadas à
reforma agrária e a programas de habitação popular, sem qualquer
indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em
lei, observado, no que couber, o disposto no art. 5º.
Parágrafo único. Todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em
decorrência do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e da
exploração de trabalho escravo será confiscado e reverterá a fundo especial
com destinação específica, na forma da lei. (BRASIL, 2014, grifo nosso)

Dessa forma, a EC 81/14 ampliou as hipóteses de desapropriação-sanção ou


desapropriação-confisco21 para além das propriedades onde forem encontradas
plantas psicotrópicas sendo cultivadas ilegalmente, prevendo também a
expropriação das propriedades urbanas ou rurais em que for flagrada a exploração
de trabalho escravo contemporâneo, sendo estas destinadas à reforma agrária e a
programas de habitação popular.
Tal aprovação foi aplaudida nacional e internacionalmente, por impor uma
sanção a nível constitucional àqueles que se utilizam da mão-de-obra escrava em
suas propriedades. Para muitos, a PEC representou uma “espécie de Segunda
Abolição da Escravatura por assegurar a liberdade e dignidade do trabalhador.”
(SOARES, 2016, p. 296).

21 A desapropriação-sanção ou desapropriação-confisco é “um procedimento administrativo através


do qual o Estado retira de alguém a propriedade de seu bem, adquirindo-o originariamente, e gera
alguns efeitos administrativos e civis, como a extinção dos direitos reais de garantia, a
impossibilidade de reivindicação posterior, dentre outros”. (BORTOLETO, 2015 apud FINELLI, 2016,
p. 85)
36

A aprovação da PEC do Trabalho Escravo demonstra que, ao menos na


seara legislativa, o Brasil tem acompanhado e cumprido os acordos internacionais,
já que o que a EC 81/14 determina vai de encontro ao que dispõe o Protocolo
Adicional para combater as formas contemporâneas de escravidão, e a
Recomendação nº 20322, ambos aprovados pela OIT no ano de 2014. (FINELLI,
2016, p. 86)
Entretanto, existe uma discussão quanto à eficácia dessa emenda, que para
alguns seria limitada pela definição do que consiste o trabalho escravo, o que traz à
baila projetos de lei que pretendem regulamentar o que é “trabalho escravo” para
fins do artigo 243 da Constituição Federal, como o já mencionado PL 432/2013.
Pode-se argumentar que o conceito de trabalho escravo já se encontra
consolidado e definido pelo artigo 149 do Código Penal. Todavia, a alteração do
artigo 243 da Constituição Federal nasceu sob o signo de uma impropriedade, pois,
conforme se nota, a EC 81/14 introduziu a expressão “trabalho escravo” na
disposição constitucional, e não “trabalho em condições análogas à de escravo”
como dispõe o artigo 149 do CPB. Para Brito Filho, tal impropriedade legislativa abre
a possibilidade para se restringir a caracterização do trabalho escravo
contemporâneo, causando confusão e insegurança:

É que a menção à “exploração de trabalho escravo na forma da lei” – que,


em perspectiva lógica, só poderia ser o artigo 149 do Código Penal –, na
verdade reflete a tentativa de haver regulamentação que restrinja as
hipóteses em que se reconhece o trabalho em condições análogas à de
escravo [...]. O que se quer é retirar duas hipóteses que configuram, sim,
trabalho em condições análogas à de escravo (ou, coloquialmente, trabalho
escravo), mas incomodam os representantes dos setores em que há mais
ocorrência desse ilícito: a jornada exaustiva e o trabalho em condições
degradantes. (BRITO FILHO, 2016, p. 61/62)

Atualmente, o projeto encontra-se aguardando inclusão na Ordem do Dia do


Requerimento nº 213, de 2017, do Senador Romero Jucá, que solicita a tramitação

22Tanto o Protocolo quanto a Recomendação 203 ratificam a Convenção n°29 da OIT, com enfoque
nas formas de enfrentamento do trabalho escravo contemporâneo. Dentre as recomendações está a
imposição de outras sanções, além das sanções penais, “como o confisco dos benefícios derivados
do trabalho forçado ou obrigatório e outros ativos, em conformidade com a legislação nacional;” (OIT,
2014)
37

conjunta do Projeto de Lei da Câmara (PLC) nº 169, de 200923, com o PLS nº 432,
de 2013. (BRASIL, 2017)
Fato é que tal tentativa de remover do artigo 149 do CPB as modalidades de
condições análogas à de escravo que afetem principalmente a dignidade do trabalho
humano representa um verdadeiro retrocesso social diante de toda a retrospectiva
histórica e jurídica de combate ao trabalho escravo contemporâneo, combate esse
que tem o dia 13 de maio de 1888 apenas como um marco inicial, ainda havendo
muito no que se avançar. (FINELLI, 2016, p. 135)

Se se julgar – como feito por muitos atualmente – que apenas com a


existência de restrição na liberdade de locomoção se efetiva o tipo penal,
nem mesmo a melhor das legislações, possuída atualmente pelo Brasil, fará
diminuir a prática de precarizar as relações de trabalho, atingindo
ferozmente a dignidade. (FINELLI, 2016, p. 30)

3.2.3 A Portaria 1.129 do Ministério do Trabalho, de 13 de outubro de 2017

Embora todos os avanços já conquistados no sentido de erradicar o trabalho


em condições análogas à de escravo no Brasil, ainda persistem no país interesses
políticos na intenção de minorar o conceito do artigo 149 do CPB, e ainda, dificultar
a punição ao crime.
No dia 16 de outubro de 2017, foi publicada a Portaria 1.129 do Ministério do
Trabalho, que dispõe sobre os conceitos de trabalho forçado, jornada exaustiva,
condições degradantes e condições análogas à de escravo para fins de concessão
de seguro-desemprego ao trabalhador que vier a ser resgatado em fiscalização do
Ministério do Trabalho, bem como altera dispositivos da já mencionada Portaria
Interministerial nº 4, de 11 de maio de 2016.
De acordo com a portaria de 2017, a jornada exaustiva e as condições
degradantes, para ficarem caracterizadas, devem envolver a privação do direito de ir
e vir, o que restringe o conceito do artigo 149 do CPB e o entendimento até então
prevalecente, para o qual a anuência ou não do empregado sobre suas condições é
irrelevante. Nos termos da portaria:

23O PLC 169, de 2009, dispõe sobre a proibição de entidades ou empresas brasileiras ou sediadas
em território nacional estabelecerem contratos com empresas que explorem trabalho degradante em
outros países. (BRASIL, 2017)
38

I - trabalho forçado: aquele exercido sem o consentimento por parte do


trabalhador e que lhe retire a possibilidade de expressar sua vontade;
II - jornada exaustiva: a submissão do trabalhador, contra a sua vontade e
com privação do direito de ir e vir, a trabalho fora dos ditames legais
aplicáveis a sua categoria;
III - condição degradante: caracterizada por atos comissivos de violação dos
direitos fundamentais da pessoa do trabalhador, consubstanciados no
cerceamento da liberdade de ir e vir, seja por meios morais ou físicos, e que
impliquem na privação da sua dignidade;
IV - condição análoga à de escravo:
a) a submissão do trabalhador a trabalho exigido sob ameaça de punição,
com uso de coação, realizado de maneira involuntária;
b) o cerceamento do uso de qualquer meio de transporte por parte do
trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho em razão de dívida
contraída com o empregador ou preposto, caracterizando isolamento
geográfico;
c) a manutenção de segurança armada com o fim de reter o trabalhador no
local de trabalho em razão de dívida contraída com o empregador ou
preposto;
d) a retenção de documentação pessoal do trabalhador, com o fim de reter
o trabalhador no local de trabalho; (BRASIL, 2017c, grifo nosso)

Ressalta-se que o conceito de condição análoga à de escravo encontra-se


separado dos anteriores, o que significa que, para a portaria, as espécies “trabalho
forçado”, “jornada exaustiva” e “condições degradantes” não estão incluídas no
gênero “trabalho em condições análogas à de escravo”, o que contradiz o
entendimento predominante do artigo 149 do CPB.
Ademais, a portaria determina que a inscrição do empregador condenado no
Cadastro de Empregadores que submetem trabalhadores à condição análoga às de
escravo (Lista Suja) será determinada pelo Ministro do Trabalho, e ainda, que a
divulgação da mesma apenas ocorrerá por determinação expressa deste, o que
poderá comprometer sua efetivação.
Tiago Muniz Cavalcanti, coordenador da Coordenadoria Nacional de
Erradicação do Trabalho Escravo (CONAETE), do MPT, considera que “a portaria
viola tanto a legislação nacional quanto compromissos internacionais firmados pelo
Brasil.” (MPT, 2017)

O governo está de mãos dadas com quem escraviza. Não bastasse a não
publicação da lista suja, a falta de recursos para as fiscalizações, a
demissão do chefe da Divisão de Fiscalização para Erradicação do
Trabalho Escravo (Detrae), agora o ministério edita uma portaria que afronta
a legislação vigente e as convenções da OIT. (CAVALCANTI, 2017 apud
MPT, 2017)

A mais recente das alterações legislativas aprovadas pelo Congresso


Brasileiro, dentre todas as que podem representar um gigantesco retrocesso social,
39

diz respeito à ampliação da terceirização trabalhista através das Leis 13.429/17 e


13.467/17, analisadas no capítulo 2 deste trabalho. Conforme visto, a terceirização
pode ser uma grande aliada do trabalho escravo contemporâneo se não forem
estabelecidos limites à sua utilização.
A fragmentação de uma cadeia produtiva a partir da terceirização apresenta,
com frequência “o propósito único, ou principal, de se livrar de custos”, o que pode
ser porta de entrada para a precarização de direitos, cuja responsabilidade fica
diluída pelo caminho. (VIANA, 2017, p.80).
O setor têxtil, por ser “um setor altamente competitivo, terceirizado e de alta
mobilidade na contratação de fornecedores” é um exemplo claro de como uma
cadeia produtiva fragmentada pode causar efeitos prejudiciais às condições de
trabalho, gerando um espaço produtivo precário e próximo da ilegalidade. No Brasil,
a partir da década de 1990, principalmente, os trabalhos que antes ocorriam em
grandes empresas de confecção de roupas deram lugar aos trabalhos em pequenas
oficinas, às quais, em geral, empregam estrangeiros que imigram no país em busca
de melhorar suas condições de vida. (VEIGA; GALHERA, 2016, p. 119-120)

Nas cidades, isso [a terceirização] facilita e muito a manutenção de oficinas


de costura que contratam trabalhadores de forma precária ou os submetem
a condições análogas às de escravo, muitos deles imigrantes latino-
americanos pobres. Oficinas que, não raro, surgem apenas para que a
responsabilidade dos custos trabalhistas saiam das costas de confecções
maiores e de grandes magazines. Você não vê o escravo em sua roupa,
mas ele está lá. (SAKAMOTO, 2016, p. 20)

O combate ao trabalho escravo nesse setor é dificultado pelo próprio “modelo


de negócios”, cuja lógica é “produzir roupa barata com práticas que tangenciam a
ilegalidade e a precarização”. Dessa forma, qualquer elevação no custo da produção
significa perder espaço para outros agentes que estejam dispostos a correr o risco
de sofrer a sanção penal, multas e perda da reputação pelas ilegalidades
trabalhistas que promoverem. (VEIGA; GALHERA, 2016, p. 130)
No próximo capítulo, portanto, será analisada a relação entre o fenômeno
terceirizante e o trabalho escravo contemporâneo, utilizando o setor têxtil para
exemplificar como a terceirização pode refletir na precarização das relações
trabalhistas e, ainda, dificultar a determinação das responsabilidades no âmbito de
uma cadeia produtiva diante das ilegalidades que ocorrem.
40

4 DA PRECARIZAÇÃO À ESCRAVIDÃO: ANÁLISE DA TERCEIRIZAÇÃO NA


CADEIA PRODUTIVA DO SETOR TÊXTIL BRASILEIRO

Entre os fortes e fracos, entre ricos e pobres, entre senhor e servo é a


liberdade que oprime e a lei que liberta. (LACORDAIRE, 1848)

Conforme visto, pode existir uma séria relação entre a terceirização e a


escravidão contemporânea, principalmente se for considerado que o conceito de
trabalho em condições análogas à de escravo também abrange a ofensa à
dignidade da pessoa humana e não apenas à liberdade do trabalhador. 24
O setor têxtil compõe, ao lado da construção civil, a maior parcela de registros
de trabalho em condições análogas à de escravo na zona urbana brasileira.
Concomitantemente, na década de 1990, esse setor apresentou uma queda de 20%
na produção em empresas médias e grandes, o que o caracteriza como buyer-
driven, ou seja, formado por grandes compradores num universo produtivo
desprovido de fábricas. Ademais, é um setor cuja mão-de-obra mais vulnerável é
feminina, a qual já sofre discriminação de gênero. (ANNER, 2011 apud VEIGA;
GALHERA, 2016, p.120)
Grandes marcas da moda, tais como Zara, Renner, M. Officer e Marisa, já
foram flagradas explorando trabalhadores em condições análogas à de escravo no
Brasil, principalmente em São Paulo. De acordo com a ONG Repórter Brasil, que
reuniu as informações coletadas pelas fiscalizações de trabalho escravo nas
confecções desde 200925, o crime ocorre “em pequenas confecções terceirizadas, a
maioria com funcionários imigrantes.” (ONG, 2012)
Ao utilizar-se dos imigrantes, em sua maioria clandestinos, a discriminação é
usada racionalmente, pois a irregularidade da situação garante lucro extra aos que
exploram, os quais lhes pagam menos do que pagariam aos regulares. (VIANA,
2017, p. 48)
Segundo o pesquisador Vitor Filgueiras, há dois motivos pelos quais a
terceirização potencializa a possibilidade de superexploração da mão-de-obra:
primeiramente porque na relação privada o trabalhador terceirizado encontra-se em
24 Merece destaque a audiência pública realizada em dezembro de 2015, no Senado Federal, que
debateu ambos os temas – terceirização e escravidão contemporânea – ressaltando a correlação
entre os projetos que querem reduzir o conceito de trabalho análogo ao de escravo e aqueles que
almejam permitir a utilização irrestrita da terceirização. (FINELLI, 2016, p. 172)
25 Nesse ano, foi lançado o Pacto Municipal Tripartite Contra a Fraude e a Precarização, e pelo

Emprego e Trabalho Decentes em São Paulo. (ONG, 2012)


41

condições de inferioridade, o que engendra elementos acidentogênicos e aumenta o


risco de existirem condições de exploração extrema. Por outro lado, sob a ótica da
regulação exógena, que surge para colocar limites à exploração do capital, a
empresa externaliza os riscos e a responsabilidade, fazendo com que, se houver um
acidente fatal ou resgate de trabalhador, a culpa recaia sobre o ente interposto.
(FILGUEIRAS, 2014)

Ou seja, a adoção da terceirização pelas empresas potencializa a


capacidade de exploração do trabalho e reduz a probabilidade de atuação
dos agentes que poderiam impor limites a esse processo. É exatamente
nessa combinação de fatores que reside a relação entre terceirização e
trabalho análogo ao escravo. (FILGUEIRAS, 2016, p. 433)

Para corroborar tal relação, a tabela a seguir apresenta dados relativos aos
10 maiores resgates de trabalhadores em condições análogas à de escravo no país
nos anos de 2010, 2011, 2012, 2013 e 2014, revelando que quase 90% desses
trabalhadores compunham uma relação de emprego terceirizada:

Tabela 2: Trabalhadores em condição análoga à de escravos no Brasil


(Informações concernentes aos dez maiores resgates em cada ano)

Ano Dos 10 casos, quantos Terceirizados Contratados diretos TOTAL de


envolveram terceirizados? resgatados resgatados resgatados
2010 9 891 47 938
2011 9 554 368 922
2012 10 947 0 947
2013 8 606 140 746
2014 8 384 246 630
TOTAL 44 3382 801 4183
Fonte: DETRAE (Departamento de Erradicação do Trabalho Escravo) apud FILGUEIRAS,2017

A seguir, serão analisados esses dois motivos que tornam a terceirização


uma porta de entrada ao trabalho escravo contemporâneo, com ênfase no trabalho
em condições análogas à de escravo no setor têxtil brasileiro, para demonstrar que
as empresas utilizam-se da terceirização como argumento para não assumirem a
responsabilidade pelas condições de trabalho às quais muitos trabalhadores estão
submetidos.
42

4.1 Superação aos limites do assalariamento na indústria têxtil

A existência do trabalho escravo na cadeia produtiva da indústria têxtil


brasileira é viabilizada pela imigração, geralmente ilegal, de pessoas provenientes
de países latino-americanos, que buscam nas grandes cidades brasileiras uma
oportunidade de sair da situação de miserabilidade e vulnerabilidade a que eram
submetidos em seus países de origem. Antes de começarem o trabalho nas oficinas
de costura, esses imigrantes ficam endividados, caracterizando a servidão por
dívida, modalidade de trabalho em condições análogas à de escravo do artigo 149
do Código Penal. (VEIGA; GALHERA, 2016, p. 124)

Figura 3

Fonte: ONG, 2012.

Destaca-se, ainda, as condições precárias das oficinas de costura, as quais


comumente servem de residência a esses imigrantes e sua família, que devem
trabalhar exaustivamente para pagar o aluguel, além das outras despesas.

As oficinas, segundo contam os imigrantes, funcionam em porões ou em


locais escondidos, porque a maior parte delas é ilegal e não tem permissão
para funcionar regularmente. Por isso, para que os vizinhos não percebam,
para não levantar suspeitas da polícia, para evitar que a confecção seja
descoberta e denunciada, as máquinas funcionam em lugares fechados,
onde o ar não circula e a luz do dia não entra. Para camuflar o barulho dos
motores, música boliviana toca o tempo todo. (ROSSI, 2005, p. 23, apud
ALENCAR; DIÉGUEZ, 2015).
43

Entretanto, não apenas nas cidades há superexploração da mão-de-obra em


oficinas de costura, tendo sido constatado que gigantes da indústria têxtil e
varejistas, como Hering e Riachuelo, transferem parte da produção para pequenas
oficinas de costura terceirizadas do sertão do Rio Grande do Norte, com funcionários
que recebem abaixo do salário mínimo e trabalham longas jornadas. (CAMPOS,
2015)
Uma prática empresarial bastante comum neste setor é a adoção dos
chamados contratos de facção, através dos quais uma indústria entrega peças em
estado bruto a outra empresa, a qual é contratada para lhe fornecer produtos
prontos e acabados, sem que aquela exerça qualquer ingerência na produção. Essa
prática, apesar de não se confundir com a terceirização de serviços, pode servir de
mecanismo de fraude às obrigações trabalhistas, como pode ser visualizado no
Recurso Ordinário (RO) nº 01702-2008-075-03-00-2. (BRASIL, 2009).

CONTRATO DE FACÇÃO. NÃO-COMPROVAÇÃO. TERCEIRIZAÇÃO


ILÍCITA. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DAS TOMADORAS DO
SERVIÇO. Entende-se por contrato de facção aquele contrato de natureza
civil, em que a indústria contrata empresa para o fornecimento de produtos
prontos e acabados, sem qualquer ingerência na produção, não tendo
como objetivo, portanto, o fornecimento de mão-de-obra mediante a
intermediação de empresa prestadora de serviços. Contudo, demonstrado
nos autos que a primeira reclamada é uma verdadeira extensão da
segunda e terceira rés, que lhe enviam os tecidos já cortados para a
produção de roupas, com prazo determinado para entrega, estando os
misteres desempenhados pela autora enquadrados na atividade-fim
destas demandadas, impõe-se a declaração da ilicitude da terceirização
levada a efeito e a condenação solidária da segunda e terceira rés pelo
cumprimento do acordo firmado com a primeira, com base no disposto no
artigo 942 do CCB.

Numa hipótese como esta, o contrato de facção é utilizado para mascarar a


verdadeira relação entre as rés do processo, qual seja, uma terceirização de
atividade-fim da tomadora de serviços, o que, à época do julgado, era ilegal.
Atualmente, com o advento das Leis 13.429/2017 e 13.467/17 (Reforma
Trabalhista), é possível que uma empresa terceirize sua atividade principal, sem que
se torne solidariamente responsável pelas ilegalidades que ocorrerem, conforme
estudado no presente trabalho.
Tal ampliação da prática terceirizante dificulta a responsabilização das
grandes empresas, tomadoras de serviços, diante de eventuais situações em que
normas trabalhistas venham a ser descumpridas em sua cadeia produtiva, o que
44

avaliza a continuidade de situações irregulares, dentre as quais merece destaque o


trabalho em condições análogas à de escravo, que geralmente é constatado em
empresas subcontratadas.

4.2 Dupla subordinação e responsabilidade na cadeia produtiva têxtil brasileira

Ao terceirizar uma determinada atividade, uma empresa busca, além de


diminuir os custos da produção, transferir responsabilidades, pois os empregados
terceirizados não são subordinados diretamente à tomadora de serviços. Entretanto,
a prática tem demonstrado que na terceirização “o tomador de serviços que
terceiriza, longe de transferir a atividade continua a ter controle sobre ela”.
(FILGUEIRAS, 2016, p. 430). Ou seja, os empregados terceirizados, além de
possuírem condições de trabalho inferiores aos contratados diretamente, são
duplamente subordinados sem receberem por tal. (MIRAGLIA, 2008, p. 69)
Reconhecer essa dupla subordinação provocada pelas mudanças na cadeia
de produção neoliberalista é um processo necessário para que não apenas a
camada mais imediata da estrutura escravizadora seja punida, mas também todos
aqueles que lucram com a mesma:

É incontestável que o pequeno agenciador – o "gato", nas atividades rurais;


o oficinista, na indústria têxtil ou o arregimentador de turmas, na construção
civil – não é o principal obtentor de lucro no contexto da submissão de
trabalhadores à condição análoga à de escravo. Por consequência, não
deve ser o único a responder pelo fato, seja com a imposição de obrigações
de fazer ou não fazer e/ou pagamento de indenizações, no caso do plano
civil-trabalhista, seja com a pena criminal. Para além dessa primeira
camada, há um encadeamento de exploração nesses modelos produtivos
que envolve pecuaristas e frigoríficos, carvoeiros e siderúrgicas, confecções
e grifes, construtoras terceirizadas e grandes empreiteiras. Então, sob pena
de reprodução das estruturas excludentes e desiguais da nossa sociedade,
punir apenas a camada mais imediata não é suficiente sequer para
questionar o sistema laboral que reduz trabalhadores à situação de
escravos. Necessário chegar aos maiores beneficiados e aos que auferem
grandes lucros a partir dessa estrutura perversa. (SEGATTI; NOVAES,
NOGUEIRA, SABINO; FORTES, 2016, p. 99)

Para compreensão dessa dupla subordinação, utiliza-se o conceito de


subordinação jurídica estrutural, segundo o qual não apenas o empregado que
recebe ordens diretas do empregador é considerado subordinado. Mas todo aquele
que compõe a cadeia produtiva de um bem, e que deve obedecer os moldes
exigidos pela empresa tomadora. (DELGADO, 2013, p. 296)
45

A subordinação estrutural pode ser constatada no setor têxtil quando a “grife”,


ou seja, a empresa que detém a marca comercial reconhecida pelos consumidores,
determina diversas especificações e exigências a serem cumpridas pelos
fornecedores contratados, os quais, na verdade, subcontratam oficinas de costuras
cujos trabalhadores submetem-se às diretrizes da empresa tomadora. (SEGATTI;
NOVAES; NOGUEIRA; SABINO; FORTES, 2016)
Apesar de não existir a transferência do controle dessas atividades na prática,
o tomador de serviços externaliza os custos, como os direitos trabalhistas, e os
riscos da atividade. Ademais, a empresa que terceiriza suas atividades afasta a
regulação limitadora estatal, transferindo ao ente interposto a responsabilidade pela
precarização da mão-de-obra.

Elas (as empresas) refutam a relação entre terceirização e a precarização,


mas buscam desesperadamente transferir responsabilidades. Entretanto, se
a terceirização não engendra precarização, nenhuma diferença faz para o
tomador de serviços responder solidariamente pelo adimplemento dos
direitos trabalhistas. (FILGUEIRAS, 2016, p. 437)

No dia 11 de abril de 2014, uma sentença da 3ª Vara do Trabalho de São


Paulo considerou a empresa Zara responsável pela submissão de trabalhadores em
condições análogas à de escravidão em oficinas de costura terceirizadas. No
processo, Zara Brasil Ltda. requereu a anulação dos autos de infração decorrentes
do relatório de fiscalização que concluiu por sua responsabilidade nas condições
análogas à de escravo a que 15 empregados da empresa Aha (Aha Indústria e
Comércio Ltda.) estavam submetidos. Postulou ainda que seu nome não fosse
incluído na Lista Suja do antigo MTE, além de outros pedidos que não são
pertinentes a esse trabalho.
Conforme sentença prolatada:

A fiscalização verificou, outrossim, que as oficinas onde foram encontrados


trabalhadores em condição análoga à de escravidão labutavam
exclusivamente na fabricação de produtos da Zara, atendendo a critérios e
especificações apresentados pela empresa, recebendo seu escasso salário
de repasse oriundo, também exclusivamente, ou quase exclusivamente, da
Zara. A fraude da intermediação é escancarada, pois, na verdade, houve
prestação em favor da vindicante com pessoalidade, não eventualidade,
remuneração e subordinação econômica, requisitos alinhados no art. 3º do
texto celetário, e, repita-se, a subordinação, embora camuflada sob a
aparência de terceirização, era direta aos desígnios da comerciante das
confecções. (BRASIL, 2014, p.5)
46

Constata-se, portanto, que a sentença do juiz vislumbra a possibilidade de a


empresa (grife) fraudar os direitos trabalhistas através de suposta terceirização e em
prejuízo da dignidade dos trabalhadores.
Conforme visto no capítulo 2 do presente trabalho, a ideia principal da
terceirização não era fragmentar a classe trabalhadora ou precarizar os direitos
trabalhistas. Segundo Márcio Túlio Viana,

A terceirização externa era, assim, não um modo de dividir e precarizar (ou


dividir para precarizar), mas uma necessidade imposta pela complexidade
crescente do produto e pelas exigências também maiores do consumo.
(VIANA, 2017, p.52)

Entretanto, com o avanço do neoliberalismo e o retorno da ideia de


acumulação sem limites, as empresas passam a utilizar a terceirização como forma
de extrair mais-valia. Ou seja, muitas empresas se aproveitam dos motivos técnicos
do fenômeno terceirizante “para atender ao objetivo (não confessado) de precarizar
salários e condições de trabalho, além de dividir a classe operária”. (VIANA, 2017,
p.55)

É que, para a grande empresa, não é fácil sonegar direitos abertamente.


Se, por exemplo, não registra empregados ou reduz salários, além de se
arriscar às multas pode provocar um escândalo, arranhando sua imagem.
Já a pequena empresa, a par de ser menos visível, não tem as mesmas
preocupações, até porque prefere viver nas sombras. Assim, a primeira usa
a segunda para extrair mais-valia. (VIANA, 2017, p. 53)

Dessa forma, com a terceirização, “por vias travessas, a grande empresa se


faz cúmplice das precarizações da pequena”. (VIANA, 2017, p. 53)
47

5 CONCLUSÃO

O direito ao trabalho e o Direito do Trabalho enquanto ramo jurídico autônomo


surgem da consciência do valor-trabalho prestado em condições de dignidade, em
oposição à exploração da mão-de-obra humana, e a forma mais eficiente de se
garantir tal dignidade se dá inicialmente por meio da regulamentação jurídica.
O presente trabalho, conforme proposto, analisou as novidades na legislação
brasileira acerca da terceirização e do trabalho escravo contemporâneo, de forma a
delinear as relações entre eles e, ainda, investigar os possíveis reflexos dessas
mudanças no combate ao crime de trabalho em condições análogas à de escravo,
previsto no artigo 149 do CPB.
Diante tudo o que fora exposto, pode-se afirmar que o processo de
consolidação jurídica do direito fundamental ao trabalho digno nunca está pleno e
acabado, podendo, inclusive, sofrer retrocessos, apesar de todas as conquistas já
efetivadas. O combate ao trabalho escravo contemporâneo é prova cabal de que
uma mera redução conceitual promovida pelo legislativo ou, ainda, uma ampliação
de um instituto como a terceirização, que precariza direitos trabalhistas, pode jogar
por terra uma luta de anos contra a indignidade do trabalhador.
Tanto a terceirização quanto o trabalho escravo contemporâneo refletem,
cada qual em sua medida, a lógica advinda do Estado Poiético, em que há a
sobreposição dos interesses econômicos sobre a dignidade e ética humanas, já que
em ambos os institutos jurídicos pode ser percebido um retorno à ideia de
“coisificação” do ser humano; de transformação da mão-de-obra humana em
mercadoria.
Pode-se concluir que as condições análogas à de escravo não
necessariamente existem em todas as cadeias produtivas que fazem uso da
terceirização. Entretanto, quanto mais uma indústria subcontrata sua produção, mais
aumentam as possibilidades de ocorrerem ilegalidades trabalhistas, precarizando as
condições do ambiente de trabalho e, paralelamente, reduzindo as chances de
agentes estatais imporem limites a esse processo, o que confirma a hipótese
proposta no início da pesquisa.
Conclui-se, ainda, que a relação direta entre a terceirização e o trabalho
escravo contemporâneo pode ser percebida com a quarteirização, ou terceirização
em cascata, legalizada pela Lei 13.429/17, permitindo a transferência da
48

responsabilidade de uma empresa pelas condições aviltantes em que laboram os


trabalhadores em sua cadeia produtiva.
Sendo assim, a ampliação do fenômeno terceirizante, por meio da Lei
13.429/17 (e reforçada pela Reforma Trabalhista), juntamente à tentativa de redução
do conceito de trabalho em condições análogas à de escravo intentada pela Portaria
n° 1.129 do Ministério do Trabalho, representa o maior retrocesso social dos últimos
22 anos (desde 1995, quando o governo brasileiro reconheceu a existência de
trabalho escravo em seu território), quando o assunto é combater a superexploração
do trabalho.
Segundo a já citada frase de Henri Dominique Lacordaire, “entre os fortes e
fracos, entre ricos e pobres, entre senhor e servo é a liberdade que oprime e a lei
que liberta.” Certamente, o pensador não estava se referindo a leis que favorecem à
liberdade de atuação do mercado capitalista, sem barreiras, numa fórmula que
conduz à perda da dignidade de vida no exercício do labor. A terceirização
indiscriminada, conforme proposta pelas recentes reformas na legislação trabalhista
brasileira, não apenas pode ser considerada uma opressão aos trabalhadores, como
também contraria o direito já existente, inclusive a Constituição da República de
1988, que tanto valoriza a pessoa humana e sua dignidade, além da justiça social e
do valor social do trabalho.
Da mesma forma, deve-se reconhecer que apenas a criação ou a simples
existência de leis, ou de regulamentação jurídica, não são suficientes para o
enfrentamento de um problema tão enraizado na história brasileira, que é a
escravidão. Torna-se imprescindível a fiscalização pelo Poder Público e ainda, por
toda a sociedade civil, para que este crime tenha fim nas sociedades brasileira e
internacional.
49

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