Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
O surgimento da bolsa de valores como um prática regular de negócios resulta não somente da existência de
um clima econômico favorável, fruto da expansão das atividades comerciais que se multiplicam a partir do fim
da Idade Média, como também diz respeito a dois instintos humanos que manifestam-se em qualquer latitude,
seja em que hemisfério da Terra for: a propensão humana à troca, ao escambo de uma mercadoria ou produto
por outro, e a forte tentação de adivinhar o que irá ocorrer no futuro. Portanto, a permuta e a premonição são
as raízes psicológicas mais profundas da atividade que sedimenta um mercado de ações.
"o dinheiro é o nervo da vida numa República e aqueles que amam o dinheiro constituem os alicerces mesmo
da própria República."
Poggio Bracciolini - "Da avareza e do luxo", 1428
Num zás, o cenário muda. Todos os presentes, ombro a ombro, como uma onda
humana, circulam frenéticos e aloprados, ao redor de si mesmos, como num daqueles
primitivos rituais de iniciação dos aborígenes da Nova Guiné. Na tribo, um grupo de
homens dançando cultuam o totem do ancestral sagrado. Na bolsa de valores,
investido-se ou especulando-se, cultiva-se o dinheiro.
Como qualquer outra atividade econômica e social, a bolsa de valores forjou os seus tipos humanos.
Figuras, personagens que lhe são próprias, reconhecidas como tal. Entre elas, duas se destacam: a do
investidor e a do especulador. Porém, todos concordam, foi sempre difícil traçar uma linha divisória
entre ambas as atividades, visto que a todo o momento um invade a seara do outro.
De uma maneira simplificada pode-se dizer que o investidor tem um espírito empreendedor, ele quer ter
uma rentabilidade estável para o seu dinheiro empregado, reagindo com desconfiança às aventuras
financeiras. Assemelha-se a um capitão de navio que se compraz em levar as mercadorias de um porto
ao outro, sabendo antecipadamente quais serão os seu proventos. Já o especulador (do latim speculare,
vigiar, ficar atento) assemelha-se a um pirata, a um flibusteiro, sempre pronto a alterar a rota para
poder ir saquear e pilhar uma cidade qualquer à beira-mar que ele percebe estar desprotegida.
O investidor prioriza preservar o seu capital, o seu patrimônio; o especulador quer aumentá-lo ao
máximo possível num só lance de audácia e suspicácia. Conspirando muitas vezes para que isso
aconteça. William Holbrook Beard, um pintor norte-americano do século XIX, captou na sua tela
intitulada The bulls and beards in the market (Touros e ursos no mercado, 1879) a existência selvagem
desse conflito, do fato da bolsa de valores ser uma praça de guerra
entre as potências animais titânicas que compõem o moderno mundo
das finanças.
O seguro e o incerto
Lugar que hoje é ocupado, ainda que de forma bem mais branda, pelo megaespeculador George Soros.
Eles são pessoas capazes de levar à ruína milhares de investidores miúdos, ou de aviltar a moeda de um
país inteiro, sem nenhum remorso, sem nem piscar os olhos. Além disso, avolumam-se sobre eles as
evidências sobre o seu potencial corruptor, carregando malas de dinheiro para seduzir politicos,
legisladores, juristas e policiais, suscetíveis de serem amaciados.
Foi para abrandar os temores e as suspeitas mais arraigadas que os alemães, seus
conterrâneos, demonstraram frente ao comércio das ações e títulos - negócio em
ascensão no II Reich (1871-1918), época em que a Alemanha Imperial rapidamente
se industrializava - que fez com que Max Weber, o fundador da sociologia moderna,
se decidisse a publicar uma síntese a respeito: Die Börsen, (A bolsa, 1896). O
pequeno livro procurou mostrar a lógica e o funcionamento do mercado de ações e
títulos para afastar os temores do povo e os receios dos setores mais esclarecidos.