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História da Bolsa de Valores

A bolsa de valores: nervo do capitalismo

O surgimento da bolsa de valores como um prática regular de negócios resulta não somente da existência de
um clima econômico favorável, fruto da expansão das atividades comerciais que se multiplicam a partir do fim
da Idade Média, como também diz respeito a dois instintos humanos que manifestam-se em qualquer latitude,
seja em que hemisfério da Terra for: a propensão humana à troca, ao escambo de uma mercadoria ou produto
por outro, e a forte tentação de adivinhar o que irá ocorrer no futuro. Portanto, a permuta e a premonição são
as raízes psicológicas mais profundas da atividade que sedimenta um mercado de ações.

Uma dança tribal

"o dinheiro é o nervo da vida numa República e aqueles que amam o dinheiro constituem os alicerces mesmo
da própria República."
Poggio Bracciolini - "Da avareza e do luxo", 1428

Suba-se na galeria de uma bolsa de valores em qualquer grande cidade do mundo e


comprima-se os ouvidos. Olhando para baixo o espetáculo visto lá do alto do balcão
lembra o de um pátio de um asilo de alienados na hora do recreio. Bocas em espasmos,
olhos esbugalhados, mãos convulsivas em gestos extravagantes, caretas de espanto e
de desespero que, num repente, viram puro entusiasmo.

Num zás, o cenário muda. Todos os presentes, ombro a ombro, como uma onda
humana, circulam frenéticos e aloprados, ao redor de si mesmos, como num daqueles
primitivos rituais de iniciação dos aborígenes da Nova Guiné. Na tribo, um grupo de
homens dançando cultuam o totem do ancestral sagrado. Na bolsa de valores,
investido-se ou especulando-se, cultiva-se o dinheiro.

Os meninos da Wall Street

A maior predominância de gente jovem nesse negócio, os operadores - a


infantaria ligeira da especulação - deve-se a motivos singulares. Quando os
brockers, os corretores em Nova Iork, reuniam-se ao redor de uma árvore,
em frente ao nº 68 na Wall Street, costumavam levar seus filhos.
Socorriam-se das crianças e dos adolescentes como mensageiros ou para
atrair um investidor puxando-lhe pela manga do casaco.

Os garotos eram mais ágeis em ir e vir em meio aquela multidão de


adultos, passando-lhes, por vezes, pelo meio das pernas, em louca
estabanada. Por isso, até hoje, as bolsas ainda mantém um clima de farra e
de demência estudantil, fazendo com que muitos deles se afastem,
escandalizados, por não entenderem sua aparente irracionalidade.
A bolsa de valores: o investidor e o especulador

Como qualquer outra atividade econômica e social, a bolsa de valores forjou os seus tipos humanos.
Figuras, personagens que lhe são próprias, reconhecidas como tal. Entre elas, duas se destacam: a do
investidor e a do especulador. Porém, todos concordam, foi sempre difícil traçar uma linha divisória
entre ambas as atividades, visto que a todo o momento um invade a seara do outro.

De uma maneira simplificada pode-se dizer que o investidor tem um espírito empreendedor, ele quer ter
uma rentabilidade estável para o seu dinheiro empregado, reagindo com desconfiança às aventuras
financeiras. Assemelha-se a um capitão de navio que se compraz em levar as mercadorias de um porto
ao outro, sabendo antecipadamente quais serão os seu proventos. Já o especulador (do latim speculare,
vigiar, ficar atento) assemelha-se a um pirata, a um flibusteiro, sempre pronto a alterar a rota para
poder ir saquear e pilhar uma cidade qualquer à beira-mar que ele percebe estar desprotegida.

O investidor prioriza preservar o seu capital, o seu patrimônio; o especulador quer aumentá-lo ao
máximo possível num só lance de audácia e suspicácia. Conspirando muitas vezes para que isso
aconteça. William Holbrook Beard, um pintor norte-americano do século XIX, captou na sua tela
intitulada The bulls and beards in the market (Touros e ursos no mercado, 1879) a existência selvagem
desse conflito, do fato da bolsa de valores ser uma praça de guerra
entre as potências animais titânicas que compõem o moderno mundo
das finanças.

O seguro e o incerto

Também seus temperamentos diferem: o investidor inclina-se pela


segurança do negócio, põe suas fichas no que parece-lhe ser o mais
certo, o de retorno mais garantido, sem atrever-se aos sustos do
inesperado, exatamente ao contrário do especulador, que, como a
abelha zumbidora ao redor do fruto doce, zanzeia em torno do incerto,
atraído pelo arriscado, pelo temerário. Tanto um como outro são as
duas faces da mesma atividade.
Jay Gould escapando dos arruinados
Ocorre, entretanto, que nenhum especulador consegue afastar de si a no pânico de 1869
imagem de ser um predador, alguém nocivo ao restante da sociedade,
uma espécie de tubarão ou lobo ermitão perigoso, fama que no passado alcançou Jason Jay Gould, um
especulador de Wall Street - o homem mais odiado dos Estados Unidos do século XIX (não é casual que
o seu primeiro nome Jason, seja o mesmo de um hediondo personagem, assassino em série de filmes de
terror).

Lugar que hoje é ocupado, ainda que de forma bem mais branda, pelo megaespeculador George Soros.
Eles são pessoas capazes de levar à ruína milhares de investidores miúdos, ou de aviltar a moeda de um
país inteiro, sem nenhum remorso, sem nem piscar os olhos. Além disso, avolumam-se sobre eles as
evidências sobre o seu potencial corruptor, carregando malas de dinheiro para seduzir politicos,
legisladores, juristas e policiais, suscetíveis de serem amaciados.

Max Weber explica a bolsa

Foi para abrandar os temores e as suspeitas mais arraigadas que os alemães, seus
conterrâneos, demonstraram frente ao comércio das ações e títulos - negócio em
ascensão no II Reich (1871-1918), época em que a Alemanha Imperial rapidamente
se industrializava - que fez com que Max Weber, o fundador da sociologia moderna,
se decidisse a publicar uma síntese a respeito: Die Börsen, (A bolsa, 1896). O
pequeno livro procurou mostrar a lógica e o funcionamento do mercado de ações e
títulos para afastar os temores do povo e os receios dos setores mais esclarecidos.

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