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Educar é uma festa

Hosaná Dantas

(Ao amigo e mestre Jorge Bóris,


que foi o primeiro a apontar-me essa referência para a Educação)

Sempre que penso no tema, vêm-me à lembrança aquelas imagens de


rituais praticados por comunidades não contaminadas pelos vícios da civilização.
Essa, a minha idéia de festa: um processo ritualístico, comunitário, em que todos
os envolvidos estejam preocupados em uma variante de iniciação qualquer. Pense,
se você já viu uma dessas celebrações ritualísticas, que não há tristezas ali, nem
conflitos psicológicos, nem exercício descabido de autoridade, nem processos
avaliativos incoerentes, nem tensões de quem têm medo de não saber a lição, nem
desrespeito aos limites individuais.

É a partir desse prisma que entendo a Educação como uma festa.


Idealmente, ela existe para constituir-se um ritual. Congrega pessoas de interesses
comuns, em torno dos quais deveriam encaminhar-se propostas de trabalhos que
visem, assim como nos ritos de iniciação, ao desenvolvimento do ser humano,
segundo etapas cuidadosamente alcançadas.

Penso, baseado nessa premissa, que os educadores poderiam buscar uma


forma de conduzir seus propósitos de forma a se sentirem integrantes de uma
grande festa. Claro que essa idéia só pode ser levada em consideração quando a
consciência de que a ação pedagógica pretende a promoção do desenvolvimento
humano estiver muito bem sedimentada.

Se a idéia ritualística de uma festa pode suscitar dificuldade de compreensão


ou um certo ranço pejorativo diante daquilo que não parece lógico, proponho então
uma reformulação dessa referência: vejamos como nos comportamos diante da
idéia trivial de organização de uma festa comum, como por exemplo uma de
aniversário – claro que a variável ritualística não se perde, logo voltaremos a ela.

Perceba que há, envoltos na organização de uma festa, pressupostos que


dariam verdadeiros tratados de gestão organizacional. O primeiro deles, e o mais
importante, diz respeito ao planejamento. Qualquer festa que se pretenda de
sucesso, sempre é planejada com bastante antecedência. E é um planejamento que
é muito sério – prevêem-se a lista de convidados, a distribuição dos convites, o
roteiro da festa, os momentos de cada intervenção, as músicas, os comes e bebes,
as alternativas para eventuais falhas e outras quejandas.

A fase de planejamento é a garantia do sucesso. Por isso, ela é executada


com bastante antecedência. Desenvolvem-se simulações, efetivam-se contatos,
barganham-se orçamentos e, sobretudo, encaminham-se todos os esforços para a
preparação. Não se pode admitir, aqui, falta de preparo.

Outra variável bastante comum na organização de uma festa é a motivação


para a busca de alternativas frente a obstáculos que surgirem. Impressiona, na
concepção e desenvolvimento de uma festa, o quanto de aspecto motivacional é
encontrado no responsável pelo evento. Qualquer referência que necessite de
correções e/ou reparos é imediatamente revista. Essa mesma motivação vai
responder por uma série de ações que denotam dinamismo e entrega incondicional
para a celebração.

O gerenciamento de conflitos vai representar mais um desses pressupostos.


O organizador da festa prevê as possibilidades de conflitos com antecedência. E
reveste-se do espírito conciliador necessário para as demandas que surgirem. E se,
eventualmente, o conflito surgido não tenha sido previsto, certamente ele não
colocará em risco o sucesso da festa, posto que uma solução eficaz e conciliatória
estará na manga do responsável, dada a eficiência e disposição que serão
constantemente notadas.

Por fim, mas não que se conclua, o organizador da festa é um sujeito que
tem a visão do todo. Com a percepção dos detalhes que compõem as variáveis de
uma festa, ele sabe, quando necessário, distanciar–se e buscar o macrocosmo. Ou
seja, o detalhe e o todo se consolidam na competência de enxergar os horizontes
de sua ação: quando precisa, aproxima-se para deter-se em alguma variável que
mereça maior atenção; quando necessário, afasta-se para que observe esse
detalhe no todo, a fim de mensurar as implicações no âmbito geral.

Perceba, meu caro amigo, que a metáfora da festa não é um absurdo.


Planejamento, preparação, motivação, dinamismo, gerenciamento de conflitos,
visão do todo, e outras que surgirem na sua análise, são características precípuas
na composição de uma personalidade profissional que pretenda um alcance positivo
e significativo de ações.

A importância de se estar preparado, de fato, diferencia os profissionais. E


não é só o preparo técnico – esse nem se discute! -, há o preparo emocional, físico,
intelectual, cultural, social, espiritual etc. Imagine-se, na sala de aula, com a
missão de ensinar o seu conteúdo, mas também com a possibilidade de fornecer
subsídios, instrumentos, para que seus alunos se fortaleçam – intelectual, cultural,
socialmente. Decerto esse preparo vai ser exigido nas situações tanto
convencionais quanto nas mais esdrúxulas e será a partir das alternativas de
resolução que propuser para elas que você será destacado e passará a ser
referência para seus colegas e alunos. Aqui cabe um parêntese. Na maioria das
vezes, os alunos não querem só o professor que domine o seu conhecimento
técnico; eles também querem enxergar a pessoa que fale sobre o mundo; que
demonstre um conhecimento sobre cultura, arte e filosofia – mesmo que não sejam
professores dessas disciplinas -; que demonstre conhecimento sobre a realidade
social de sua região, de sua cidade, de seu país e do universo; que saiba ser gentil;
que tenha sensibilidade para perceber quando e como dar bronca; que tenha um
discurso condizente com a postura. Fechemos o parêntese, sem que se entenda a
conclusão disso; decerto, caro colega, você vai refletir sobre essas idéias e buscar
ampliá-las.

Quando usei a metáfora da festa para dizer do planejamento, fiquei


pensando em quantos de nós pisamos nas salas de aula com um planejamento
efetuado. É cultural que o professor tenha uma certa ojeriza aos procedimentos
burocráticos, o que justifica a ausência quase sempre da elaboração de um
planejamento. Ainda mais, se pensarmos que a maioria dos materiais didáticos já
traz essa variável adiantada – na maioria das vezes, apenas a copiamos. Se
pudéssemos perceber que o planejamento deveria ser compreendido como um
caminho de condução a partir de estratégias pensadas para que as ações tenham
alcance, talvez não tivéssemos tanto distanciamento assim dessa fase. E é fato que
poucos de nós nos dediquemos ao planejamento com responsabilidade e afinco.
Aqueles tópicos que constam dos planejamentos prontos, os que encontramos nos
materiais didáticos, até são verdadeiros referenciais. Falta-nos apoiarmos em tais
referenciais para, de fato, perfazer nosso compromisso de ação.

Não vou me deter, caro amigo, em fazer analogias quanto aos outros
pressupostos apontados acima – dinamismo, gerenciamento de conflitos e visão do
todo – para que a leitura não fique cansativa. Entenda, apenas, que a cada um
deles, caberia aproximação crítica à realidade educacional; assim, teríamos mais
elementos para uma leitura mais particularizada. Enfim, talvez você possa encarar
essa tarefa como um exercício de reflexão da prática e levar adiante a empreitada.

Pensei em retomar a variável ritualística da festa. Mesmo correndo o risco


de parecer romântico (ou lunático), declaro, em ênfase: educar deveria ser uma
festa! Ou pelo menos o professor deveria transformar o seu espaço de ação
pedagógica em uma festa. Imagino-o como organizador de uma celebração, em
que todos saiam acrescidos de alguma coisa. E que, sobretudo, todos tenham a
mesma sensação ao fim do trabalho: a de que passaram por uma experiência.
Quando se vivencia uma experiência, a possibilidade de esquecimento do que se
passou ali é nula. Esse deveria ser o propósito maior da Educação: criar situações
de aprendizagem em que o aluno esteja consciente de seu desenvolvimento e o
encare como uma experiência, algo que marcou.

Lembrei-me de mais um detalhe relacionado às celebrações ritualísticas, que


cabe mencionar aqui. Em cada uma dessas festas, normalmente o mais velho do
grupo é quem detém algum tipo de primazia e a quem o grupo reporta-se como
mestre. E o que é curioso é que esse “mestre” não precisa se impor ante os demais
– sua autoridade é reconhecida simplesmente pela vivência que ele tem, e em
momento algum ele precisa ser autoritário para a condução dos seus
ensinamentos. Pensei que, ao aceitarmos a metáfora da festa para conduzir os
nossos trabalhos em Educação, basta-nos aprendermos um pouco sobre essa
autoridade dos mestres daquelas celebrações para que a nossa ação pedagógica
tenha alcance notadamente positivo.

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