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26/12/2020 A política de quartel na Saúde e o silêncio dos médicos | Ruth de Aquino - O Globo

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A política de quartel na Saúde e o silêncio dos médicos


Por Ruth de Aquino • 11/12/2020 06:00

Não mexe com os brios dos médicos ver um general subserviente e despreparado no comando da Saúde? | Reprodução

Desconheço exemplo parecido no mundo. Ministro errado no lugar errado na hora


errada. O ministro da Saúde, Pazuello, é um general da ativa que nada entende de
vírus ou pandemia. A política de quartel na Saúde está disseminada. Um manda,
outros obedecem. Militares dirigem hospitais federais. Médicos bolsonaristas
dirigem conselhos regionais. Tem médico conselheiro contra aborto de feto
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anencéfalo! Ou contra uso obrigatório de máscaras. E isso explica o silêncio da


categoria neste trágico 2020.

Conversei com Celso Ferreira Ramos Filho, o infectologista que assumiu em


outubro a presidência da Sociedade de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro. Após
a morte do cirurgião Ricardo Cruz por Covid, Celso redigiu nota oficial chamando
de “homicidas” os governantes que desprezaram a vida. Negaram a ciência.

Encorajaram tratamento precoce, cloroquina e remédios para piolho e sarna.


Condenaram máscaras. Incentivaram aglomerações. Não se prepararam para a
vacinação. Confundiram o povo sobre a necessidade da vacina. Crime.

No meio do ano, escrevi a médicos e perguntei: “Por que vocês não reagem?”
Depois de dois ministros médicos, o brilhante Mandetta e o mudo Teich, não mexe
com os brios ver um general ignaro e subserviente no comando da Saúde?
Resposta: a categoria está dividida e há muitos bolsonaristas. Votaram em peso
contra o PT, porque Dilma pagava mais a médicos cubanos do que a brasileiros e
aceitava diplomas de Medicina em universidades de reputação discutível.

Com o ministro general genérico, acabaram as coletivas, adiou-se divulgação dos


números, mudou a contagem oficial. A manipulação da verdade só não venceu
porque existe imprensa profissional. Assistam ao documentário “Cercados” no
Globoplay, que reconstitui os bastidores de uma guerra de nervos. Jornalistas,
enfermeiros e médicos na linha de frente arriscam a vida e a sanidade. E choram
trabalhando. Em “Cercados” – nome com duplo sentido, os cercadinhos do
Planalto e o cerceamento da informação –, revemos heresias e ofensas proclamadas
por Bolsonaro.

“Gripezinha”. “País de maricas”. “Enfrenta o vírus como homem, porra”. “Histeria”.


“Vamos todos morrer um dia”. “Não sou coveiro”. “Sou Messias mas não faço
milagre”. “O Brasil deveria voltar à normalidade” (março de 2020). “Máscara é
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coisa de viado”. “Meios de comunicação espalharam o pavor”. “Da China nós não
compraremos a vacina. Decisão minha”. “Cala a boca” (para repórteres).

Justiça seja feita. A Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) e a Fiocruz não se


calaram. Desde março. O presidente da SBI, Clovis Arns, sofreu ameaças por uma
nota. Ele refutava, com argumentos científicos, o posicionamento de Bolsonaro
diante da Covid. Marcus Lacerda, da Fiocruz do Amazonas, foi ameaçado de morte

em abril após pesquisa sobre efeitos tóxicos da cloroquina. Passou a andar com
escolta. Agora, o Ministério Público interpelou a Sociedade de Infectologia em carta
assinada pelo procurador da República! O MP exige que a Sociedade comprove o
benefício de analgésicos e justifique a ineficácia da cloroquina. Retaliação
inoportuna. É assim. Quem não bate continência sofre assédio.

“O Brasil não faz ideia do nível de violência dirigido a médicos que ousam desafiar
a visão oficial. A missão é ficar quieto, calado e fazer exatamente o que mandam o
ministro da Saúde e o chefe dele”, disse Celso. O vice-presidente, general da reserva
Mourão, afirmou que “a política não pode entrar no quartel”. É o contrário,
Mourão. O quartel entrou na política.

(atualizando: a Academia Nacional de Medicina, em nota hoje, reprova "com


enorme indignação" o "descaso, descuido e negligência das autoridades",
"menosprezando a vida dos cidadãos". Critica "o negacionismo irresponsável" e
diz que "a falsidade vai continuar matando" brasileiros. Admite que "estamos
muito atrasados" em relação às vacinas. E diz que "a testagem em massa é
imprescindível". Algo que o mundo todo civilizado já sabe há tempos. Foi preciso
a Sociedade de Medicina e de Cirurgia do Rio quebrar a inércia para que a
Academia Nacional, com 191 anos de existência, se pronunciasse. Tem algo muito
errado aí, não acham?)

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