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A baixa adesão ao programa de ginástica

laboral: buscando elementos do trabalho


Raquel Guimarães Soares2 para entender o problema1
Ada Ávila Assunção3
Francisco de Paula Antunes Lima4 Searching for elements at work that
could explain the low attendance to a
labor gymnastics program

1
Este artigo é uma versão amplia- Resumo
da do que foi apresentado no XII
Congresso Brasileiro de Ergono- Este artigo discute a implantação da ginástica laboral em uma central de telea-
mia, Fortaleza, 2002.
tendimento e evidencia os efeitos da organização do trabalho sobre a atividade
2
Mestre em Engenharia de laborativa de atendimento. Buscou-se reunir elementos para analisar a baixa
Produção, Psicóloga do Traba- adesão ao Programa de Ginástica Laboral que foi implantado pelo Comitê de
lho, Pesquisadora associada ao
Ergonomia da empresa após a solicitação dos teleatendentes.
Laboratório de Ergonomia do
Departamento de Engenharia de Os dados obtidos por meio de observação da atividade, entrevistas abertas e
Produção da Escola de Engenharia aplicação de questionário são aparentemente contraditórios, pois, apesar do
da Universidade Federal de Minas reconhecimento da importância dos objetivos do programa pela maioria de-
Gerais, Brasil.
les, o comparecimento às sessões de ginástica laboral (GL) sempre foi baixo.
3
Doutora em Ergonomia, Médica Viu-se que a implantação da GL sem reorganização do trabalho pode provocar
do Trabalho, Professora do Progra- constrangimentos aos trabalhadores. Os autores discutem as interações entre
ma de Pós-Graduação em Saúde
espaço físico e espaços social e organizacional no ambiente de trabalho e, ao
Pública da Faculdade de Medicina
final, apresentam parâmetros para o planejamento e seguimento dos progra-
da Universidade Federal de Minas
Gerais. Pesquisadora do CNPq, mas de GL.
Brasil. Palavras-chaves: atividade, ginástica laboral, organização do trabalho, Comitê
4
Doutor em Ergonomia, Engenhei- de Ergonomia.
ro Mecânico/Produção, Professor
do Programa de Pós-Graduação
em Engenharia de Produção da Abstract
Universidade Federal de Minas
Gerais, Brasil. This article discusses a labor gymnastics program implementation at a call cent-
er, evidencing the effects of labor organization on telemarketing work practices.
It aims at understanding the reasons for the low participation in the program,
which was implemented after the workers’ request, by the company ergonomics
committee.
The data obtained through field observation and semi-structured interviews
were apparently contradictory, as attendance to the labor gymnastics sessions
kept low, although most workers expressed very favorable opinions about the
program. It was observed that the implementation of a gymnastic program with-
out work reorganization might cause workers’ hindrance. The authors discuss
the interactions between physical ambiance, as well as social and organiza-
tional space. Finally, aiming at a more effective planning, other parameters for
a gymnastic program are suggested.
Keywords: activity, labor gymnastics, work organization, ergonomic com-
mittee.

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Introdução: histórico do setor antes da implantação
do programa de ginástica
O objetivo deste artigo é apresentar as de vídeo, equipamentos que poderiam aju-
dificuldades enfrentadas pelo Comitê de dá-los a manter uma postura menos este-
Ergonomia de uma empresa do setor pú- reotipada. A organização do trabalho será
blico, por ocasião da implantação da GL detalhada mais adiante (item 3) devido a
no serviço de teleatendimento. A proposta sua importância para explicar a não adesão
surgiu no bojo da discussão dos resultados ao programa de GL.
de um estudo ergonômico realizado na em-
Resultados da análise ergonômica
presa com a finalidade de estabelecer re-
comendações de melhorias das condições Por ocasião do estudo ergonômico, a
ambientais e ergonômicas e de definir pro- atividade era caracterizada por uma so-
cedimentos operacionais coerentes com o brecarga muscular devido ao excesso de
intuito de preservar a saúde dos trabalha- transcrições manuais, ao volume de dados
dores do setor. O estudo ergonômico foi re- digitados, às posturas desconfortáveis ori-
alizado em 1999; as recomendações descri- ginadas pelas inadequações do posto de
tas abaixo começaram a ser implementadas trabalho, à organização do trabalho (ritmo,
em 2000 e o programa de ginástica foi im- pausas, jornada, hierarquia, falta de comu-
plantado em 2001 e avaliado naquele mes- nicação entre áreas de interface), gerando
mo ano, quando se constatou a não adesão adoecimentos manifestados em sua maio-
dos trabalhadores. ria pelo estresse e pelas Lesões por Esfor-
Descrição da função do teleatendente e do ços Repetitivos/Doenças Osteomusculares
posto de trabalho Relacionadas ao Trabalho (LER/DORT).

O objetivo do serviço de teleatendimen- O leiaute (em fileiras verticais, como


to é o registro das demandas, depois trans- em sala de aula) não facilitava a interação
mitidas às áreas comercial e operacional, entre os atendentes, que se comunicavam
bem como prestar informações solicitadas com freqüência solicitando informações
pelos clientes, disponibilizadas no sistema uns dos outros para agilizar o atendimen-
informatizado. São informações a respeito to.
de contas e vazamentos de água, esgoto, re- A central de teleatendimento tem uma
composição de calçamento e asfalto, pedi- interface direta com a área operacional e
dos de ligações de água e esgoto, instalação a área comercial pela própria natureza do
de hidrômetro e leitura de contas da região trabalho, pois todos os serviços solicita-
metropolitana. O recurso técnico utilizado dos pelos clientes à central são efetuados
é o microcomputador, que está interligado por um destes setores. Mas a comunicação
em rede aos distritos operacionais e à área entre os setores não acontece. Durante as
comercial da empresa. O teleatendente, observações pôde-se verificar a insatisfa-
portanto, tem pouco controle sobre o con- ção dos teleatendentes quanto ao funcio-
teúdo das chamadas e sobre o momento em namento dos serviços, tanto operacionais
que elas acontecem, respondendo às de- quanto comerciais, cuja ineficiência com-
mandas espontâneas variadas e variáveis prometia os resultados do trabalho do aten-
ao longo do dia. dimento.
Os postos de trabalho, à época da análi- Outro fator que começava a ser estuda-
se ergonômica, não apresentavam qualquer do à época era a implantação do software
possibilidade de regulação. As mesas não (único para as três áreas), que precisava
possuíam regulagem de altura e o espaço de alterações, já que não estava atendendo
da superfície de trabalho era insuficiente satisfatoriamente às necessidades das três
para alocar os materiais utilizados duran-
áreas.
te o trabalho, como, por exemplo: DAC
(Distribuidor Automático de Chamadas), No momento de devolução e valida-
aparelho de som do fone de ouvido, tecla- ção dos resultados da análise ergonômica
do, mouse, documentos para consulta etc. do trabalho, os trabalhadores expressaram
Não havia ainda apoio para os antebraços. o desejo de ter um programa de ginástica
As cadeiras não permitiam nenhum tipo laboral aproveitando um dos intervalos de
de regulagem As teclas exigiam força dos dez minutos, destinados às pausas implan-
dedos para a sua manipulação. Inexistiam tadas após orientação do Comitê de Ergo-
apoios para os pés e suporte para monitor nomia.

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A GL foi incluída após sugestão dos tra- que solicitaram a implantação do progra-
balhadores, pois não constava do conjunto ma já não se encontravam no setor. Diante
das recomendações iniciais. Os benefícios da mudança dos efetivos, uma nova con-
da implantação da GL dizem respeito à me- sulta foi realizada à época do treinamento
lhoria do funcionamento geral do aparelho introdutório dos trabalhadores, por so-
musculoesquelético, sendo útil em situa- licitação dos coordenadores do setor, na
ções de esforço postural estático exacer- expectativa de que a implementação da
bado. No entanto, as análises do trabalho ginástica diminuiria as queixas de dores
no teleatendimento evidenciaram outros registradas. Em nenhum momento o cor-
constrangimentos (visuais, pressão de tem- po gerencial tolhia a participação dos te-
po, software, dimensões dos postos etc.) e leatendentes ou influenciava a decisão da
formas específicas de adoecimentos causa- não adesão. Assim, pelo menos no âmbito
dos pela repetitividade dos movimentos. intersubjetivo, a chefia não criava obstá-
Entendendo que a postura de trabalho é culos para que a pausa fosse aproveitada
um meio e suporte da atividade, de modo e, conseqüentemente, que fosse ocupada
geral, a ginástica tem efeito apenas paliati- com a ginástica.
vo, pois as múltiplas exigências da situação
O Comitê de Ergonomia adota como
de trabalho influenciam na dinâmica dos
princípio garantir a cada trabalhador a livre
arranjos posturais (ver item 2 do presente
adesão ao programa proposto, entendendo
artigo). Sob esses preceitos, a intervenção
que o uso do corpo é uma decisão que cabe
ergonômica não indicou a GL por enten-
a cada trabalhador individualmente. O tra-
der que, no caso de teleatendimento, não
balhador tinha direito à pausa, mas não a
teria grandes efeitos preventivos em face à
obrigatoriedade de ocupar este tempo com
complexidade da exposição aos riscos de
a ginástica.
adoecimento.
As mudanças materiais e organizacio-
Por outro lado, diante das demandas
nais em processo de implementação não
dos trabalhadores e como as recomenda-
dispensavam a introdução do programa de
ções propostas ao final da análise ergonô-
GL, em voga no momento de realização do
mica prévia à introdução da ginástica (mu-
estudo ergonômico. Além disso, as melho-
danças de mobiliário, introdução de novo
rias ergonômicas (novo software, leiaute e
software, mudança de leiaute e de espaço
mobiliário, pausas e treinamento introdu-
físico, reuniões periódicas entre as áreas de
tório), com efeitos sensíveis na carga de
interface, introdução de treinamento volta-
trabalho imediata, ainda não deixavam
do à realidade do atendimento) estavam
gerentes e trabalhadores completamente
em fase de implementação, entendeu-se
seguros de que os efeitos de longo prazo se-
que o programa de ginástica não seria algo
riam evitados. Alguns teleatendentes já ti-
isolado nem solução para “todos os males”.
nham a experiência da GL nos locais onde
Além do mais, mesmo que os efeitos be-
trabalhavam anteriormente e a julgavam
néficos da ginástica não estejam compro-
benéfica, outros aderiram à idéia conside-
vados para prevenção das LER/DORT, sua
rando-a adequada, já que sabiam dos afas-
adoção traz benefícios secundários, o que
tamentos dos colegas que os antecederam.
justifica, per se, sua adoção. O Comitê de
Globalmente, a tarefa permanecia a mes-
Ergonomia apresentava também argumen-
ma, sobretudo pelo fato da gerência não ter
tos quanto aos limites de medidas como
relaxado os constrangimentos de tempo, os
a ginástica laboral ou educação postural,
quais, acreditava-se, seriam amenizados
reunindo elementos para afirmar que essas
pelas melhorias do software.
medidas não seriam suficientes para preve-
nir as LER/DORT, as depressões, as crises A questão que se coloca é a seguinte:
de ansiedade, as dores no pescoço, coluna, por que pessoas que voluntariamente so-
ombros, braços e mãos. licitam ou aceitam participar de um pro-
grama de GL, quando lhes é oferecida essa
O programa de ginástica laboral
possibilidade, não realizam os exercícios?
A proposta de ginástica na empresa foi Não se trata, aqui, de discutir se a GL é de
implementada por uma empresa contrata- fato útil ou não para prevenir LER/DORT
da, dois anos após a análise ergonômica ou se as outras mudanças ergonômicas
do setor. A demora se deu em virtude do a tornam dispensável, mas sim as razões
contexto político vivenciado pela empre- da não adesão dos trabalhadores, quando,
sa à época e, quando ele foi efetivamente aparentemente, havia condições favoráveis
implantado, a maioria dos trabalhadores para que o programa desse certo.

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A prática da ginástica laboral e a ergonomia

A GL aparece na literatura como uma mo, tarefas fragmentadas, monotonia etc.)


das medidas para o enfrentamento de dis- (ZILLI, 2002; MENDES & LEITE, 2004;
túrbios físicos e emocionais na saúde do SESI, 2002; MILITÃO, 2001), mas, quando
trabalhador, tais como: LER/DORT, estres- elaboram os programas ou descrevem seus
se, lombalgias etc. Tem como objetivo “a resultados, parecem não levar em conside-
prevenção e reabilitação das doenças que o ração tais fatores e a aplicam independen-
trabalho repetitivo e monótono pode acar- temente de uma análise mais aprofundada
retar aos trabalhadores” (MENDES & LEI- do problema e do contexto em que ele se
TE, 2004, p. 3). coloca.
Os autores divergem quanto à origem da De modo geral, o que se verificou, tan-
GL. Alguns acreditam que sua procedência to na literatura quanto no caso analisado,
é japonesa, outros defendem que nasceu na foram exercícios justificados de acordo
Suécia (ZILLI, 2002). No Brasil, sua difu- com a saúde geral, sem os relacionar com
são ocorreu na segunda metade da década as exigências específicas do trabalho que
de 1980, com uma adesão ainda maior nos as pessoas realizam. É verdade, enquan-
anos 1990, coincidindo com a “epidemia” to princípio geral, que “a musculatura do
das LER/DORT e com as práticas da quali- abdômen precisa ser forte, pois tem a res-
dade total adotadas em inúmeras empresas, ponsabilidade de estabilização do quadril
inclusive na estudada. A GL, naquela épo- para garantir uma boa postura” (MILITÃO,
ca, foi introduzida com finalidades diver- 2001, p. 15). No entanto, a situação de tra-
sas: prevenção de doenças ocupacionais, balho oferece condições para se adotar essa
diminuição dos acidentes de trabalho, au- “boa postura”?
mento da produtividade, melhora do bem- A dificuldade de implantação da GL,
estar geral dos trabalhadores (ZILLI, 2002; segundo alguns autores (CAÑETE, 1996,
MENDES & LEITE, 2004; SESI, 2002; MILI- apud MILITÃO, 2001), é de responsabili-
TÃO, 2001). É uma atividade coletiva que dade dos profissionais que não a planejam
deve levar em consideração as característi- como deveriam: “a GL pode fornecer todos
cas individuais do trabalhador. esses benefícios, dependendo da compe-
A GL pode ser de três tipos, conforme tência, grau de conscientização e postu-
os momentos em que acontece e seus ob- ra ética adotada pelos profissionais que a
jetivos: (1) preparatória (no início do expe- conduzem” (MILITÃO, 2001, p. 34). Ou
diente): visa ao aquecimento, à preparação também da influência negativa dos traba-
da musculatura e das articulações que se- lhadores, quando são “descomprometidos”
rão utilizadas no trabalho, prevenindo aci- e não aceitam a “melhoria”, não entendem
dentes, distensões musculares e doenças a importância da GL (MENDES & LEITE,
ocupacionais; (2) compensatória (no meio 2004). Quando os resultados esperados
do expediente): previne a fadiga naqueles não se concretizam, surgem especulações
que realizam movimentos repetitivos, ati- a partir dessas pré-concepções e não se in-
vidades com sobrecarga muscular ou, se o vestigam as causas reais.
ambiente é estressante, tem o objetivo de Como já foi dito, os distúrbios da saúde
diminuir as tensões musculares provoca- estão vinculados ao trabalho, portanto, os
das pelo trabalho; e (3) relaxante (no fim programas de prevenção precisam priori-
do expediente): é mais indicada para quem zar esse aspecto e atuar levando em consi-
atende ao público, para extravasar as ten- deração as especificidades da atividade de
sões acumuladas nas diversas regiões do trabalho. Para a ergonomia, os problemas
corpo (MENDES & LEITE, 2004). osteomusculares, a melhoria da produção,
o conteúdo das tarefas e o ambiente de tra-
Durante a pesquisa bibliográfica, não se
balho não podem ter seus efeitos resumi-
encontrou nenhum estudo epidemiológico
dos a uma única forma de prevenção, pois
comprovando os efeitos da GL na preven-
essa abordagem reducionista da situação
ção de doenças relacionadas ao trabalho
de trabalho, pontual e diretiva, não consi-
nem fundamentação teórica sobre os seus
dera o comportamento, as reais posturas no
alcances e limitações. Os teóricos que pes-
trabalho, bem como os determinantes das
quisam e implementam a ginástica laboral
situações em que as pessoas trabalham.
são unânimes em afirmar que os distúrbios
de saúde dos trabalhadores ocasionam-se A análise ergonômica do trabalho
na organização do trabalho (pressão, rit- (AET), metodologia francesa de interven-

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ção e estudo das situações de trabalho, tem em situações de trabalho, a postura não
como centro a análise da atividade do ho- é um fim em si mesmo, como faz supor a
mem e integra conhecimentos psicofisioló- prática de “educação postural”. Durante a
gicos para recomendar melhorias e identi- realização de um trabalho, as exigências
da tarefa e a atividade em curso tendem
ficando elementos críticos sobre a saúde
a prevalecer sobre a “consciência corpo-
do trabalhador.
ral”. De certa forma, estar envolvido com
A AET ultrapassa as relações simplis- um trabalho que exige atenção ou pressa
tas de causa e efeito. A principal diferen- requer que esqueçamos do corpo pró-
ça entre a abordagem ergonômica e a GL é prio, fixando a consciência no trabalho,
seus instrumentos e objetos. O corpo e a
que a primeira propõe medidas de preven-
postura se tornam meios de uma ativida-
ção a partir do que fazem os trabalhadores
de finalizada, que entra em conflito e se
para proteger a sua própria saúde contra sobrepõe à autoconsciência ou mesmo
os riscos presentes nos locais de trabalho às percepções do corpo próprio. (LIMA,
(ASSUNÇÃO, 2001) e a segunda apresenta 2000)
uma gama de exercícios físicos que prepa-
ram o trabalhador: Evidenciou-se, com a revisão biblio-
gráfica e diante da prática da ergonomia,
para as atividades laborais diárias, ati-
que a prevenção necessita de medidas
vando a circulação geral e o aparelho res-
piratório, além de preparar as estruturas complexas e que medidas isoladas e de-
musculoligamentares de forma que os sarticuladas são inócuas para evitar doen-
funcionários fiquem menos propensos a ças relacionadas ao trabalho.
problemas de saúde. (MILITÃO, 2001)
Ao revelar as relações da postura e do
No primeiro caso, o foco é a relação en- uso do corpo com o contexto organizacio-
tre o trabalhador e a situação de trabalho, nal, torna-se necessário estabelecer um
espaço onde se desenvolve uma atividade espaço de negociação entre trabalhadores,
orientada por objetivos específicos, cuja re- empresários e profissionais que estudam o
alização se serve do corpo como um meio. trabalho para definir critérios de ação em
O ponto forte dessa abordagem é a análise todos os aspectos relevantes para explicar
minuciosa do comportamento dos homens essas relações, viabilizando, assim, uma
em situações de trabalho, que permite alternativa efetiva de prevenção, inclusive
identificar e eliminar as causas mediatas a GL, mas não exclusivamente:
de acidentes, de doenças e de sobrecarga
de trabalho que geram situações penosas. A centralização no homem, que caracteri-
(LIMA, 2000) za a prática de programas de exercícios la-
borais, não atende aos princípios básicos
Na GL, o corpo aparece como um fim da ergonomia, dentro do contexto mais
em si mesmo e objeto direto da intervenção amplo de adaptação do meio ao homem.
do especialista. No entanto: (LONGEN, 2003)

As características da organização do trabalho


na central de teleatendimento5
5
Este item faz alusão à monografia
Os processos de organização do traba- pausa, caso a última chamada não se resol- de conclusão do curso de Análise
Ergonômica do Trabalho elabora-
lho na central de teleatendimento, onde os va em tempo hábil. Tanto a pausa quanto da por Leal & Soares, 1999.
empregados se sentem pressionados pelo o tempo destinado a cada chamada são
ritmo do cliente (que quer condicioná-los a controlados pela gerência, que divulga, na
um tempo maior de atendimento, com ca- intranet e nos quadros de avisos, gráficos
racterísticas personalizadas) em contrapo- mostrando o desempenho individual dos
sição à empresa (que “exige” deles um tem- trabalhadores. Esse tipo de monitoramento
po padrão de atendimento, já que “a boa” é fonte de pressão e causa constrangimen-
produtividade é determinada pelo número tos extras para os atendentes (MASCIA &
de ligações/atendente), além de pressões SZNELWAR, 2000). O bom desempenho,
advindas de suas próprias exigências pes- tal como definido pelos gestores – tempo
soais e de seu grupo de trabalho, colocam o de atendimento máximo de dois minutos
trabalhador sob exigências contraditórias.
–, é valorizado por meio de vantagens indi-
Os atendentes, após 50 minutos de tra- retas, como prioridade na escolha de datas
balho, fazem uma pausa de 10 minutos. É para gozo de férias, preferência na escolha
prevista uma compensação do período de dos feriados e dos fins de semana de folga.

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A variabilidade das demandas de ser- As pressões inerentes às exigências
viço desse processo de trabalho contribui do atendimento ao público são caracterís-
para a não utilização de uma fraseologia ticas da atividade de atendimento. A car-
rígida, obrigatória, mas se espera que o ga de trabalho advinda da interação com
atendimento seja objetivo. Essa exigên- o cliente, a necessidade de se estabelecer
cia de objetividade desconsidera a varia- um diálogo compreensivo, o confronto de
bilidade do conteúdo de cada chamada e situações conflitantes com as normas da
a amabilidade e a cordialidade que cada empresa e a tentativa de convencimento
usuário espera do atendente. A exemplo mútuo exigem um esforço psíquico subs-
das afirmativas de diversos autores (VILE- tancial (SOARES, 2005).
LA & ASSUNÇÃO, 2004; MARINHO, 2004; Trata-se de uma atividade que exige
MASCIA & SZNELWAR, 2000), as metas uma construção constante dos problemas
de quantidade se sobrepõem ao objetivo de tratados em função da grande quantidade
qualidade do atendimento e satisfação do de informações e dos processos cognitivos
cliente. envolvidos, tais como: atenção, memoriza-
Existem variados instrumentos de con- ção, antecipação, tratamento e elaboração
trole da produtividade: o instrumento de de informações, resolução de problemas
trabalho (distribuidor automático de cha- e tomada de decisão. Isso vem ao encon-
tro dos resultados obtidos na pesquisa de
madas), que emite um alarme luminoso du-
Echternacht (1998), em que foi verificado
rante a maior parte do tempo, sinalizando
que essa atividade de comunicação media-
as chamadas que estão na espera; o cliente
da pelo meio técnico (informatizado) e o
que busca prolongar o tempo da ligação até
meio social (cliente) aumenta as exigências
garantir a execução do serviço solicitado;
psicocognitivas.
o atendente que procura resolver o proble-
ma do cliente ou “se livrar” dele; e as bases Nesse contexto, a atenção às condições
quantitativas sobre as quais são estabele- postas pelas políticas de gestão e estruturas
cidos os critérios de eficiência e eficácia organizacionais de um lado e as impossibi-
do atendimento ao cliente. No geral, con- lidades reais de regulação da carga de tra-
figura-se um quadro já exposto por Wisner balho do outro trazem pressões no trabalho
(1994): a solicitação da memória imediata, que se transvestem em queixas, dores e fa-
as microdecisões, as exigências conflitan- diga, tanto na esfera física quanto na men-
tes, as pressões temporais e o contato com tal. As condições materiais inadequadas
o público, às vezes agressivo, como fatores de trabalho (equipamentos de informática,
que levam à auto-aceleração. mobiliário e espaço físico) somadas a fato-
res organizacionais e psíquicos (a não exe-
A exigência de rapidez é um fator que cução do trabalho operacional, a falta de
torna difícil a relação com os clientes, dei- privacidade, a ausência de credibilidade e
xando o atendente tenso e ansioso, o que confiabilidade no setor de teleatendimento
faz com que suas respostas fiquem cada por parte dos usuários, a falta de resposta
vez mais rápidas e mais secas. Foi observa- para o cliente, a desvalorização do trabalho
do em algumas situações que o cliente não do atendente e a conseqüente desvaloriza-
se satisfaz com a informação dada e volta ção pessoal por parte da hierarquia) podem
a ligar ou ainda exige na mesma ligação ser consideradas como causas do adoeci-
respostas mais claras, aumentando assim o mento do atendente, causando estresse,
número e o tempo dos atendimentos. crises nervosas, alterações de humor, insô-
nia, angústia, falta de apetite, dificuldades
De fato, os trabalhadores sociais que fa-
zem corretamente seu trabalho não raro no trabalho intelectual, isolamento, com
têm uma carga cognitiva alta em razão interferência nas relações sociais e sinto-
das dificuldades de compreensão das re- mas de LER/DORT. É freqüente atenderem
clamações do público, freqüentemente ao telefone de casa com expressões cotidia-
ignorante do jargão e das categorias admi- nas do trabalho, quadro clínico semelhante
nistrativas. (WISNER, 1994) ao descrito por Le Guillant et al. (1984), a
respeito da neurose das telefonistas. Para
A natureza do trabalho não permite a
melhor ilustrar esta afirmação, algumas fa-
comunicação constante. Existe clara im-
las dos trabalhadores são exemplares:
possibilidade de conversas durante as ati-
vidades, restringindo as possibilidades de “Em casa não consigo desacelerar.”
contato entre os trabalhadores para troca “Não consigo dormir, à noite fico rolando
de informações úteis, como também desta- de um lado para o outro, durmo pouco e
cado por Veras (2006). acordo toda hora.”

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“Isto aqui é fábrica de fazer louco.” acima podem estar associados aos proble-
mas musculoesqueléticos. De acordo com
No que tange ao distúrbio físico, as LER/
Theorell (1996), os fatores psicossociais
DORT ocupam o primeiro lugar em termos podem estar associados a problemas osteo-
de prevalência. Além dos fatores biomecâ- musculares, pois já foi observado que tanto
nicos já mencionados, como a inadequação exigências físicas quanto psicológicas inte-
do mobiliário e das condições de trabalho, ragem de várias formas, contribuindo para
os fatores técnico-organizacionais descritos o aumento na atividade elétrica muscular.

Procedimentos de avaliação do programa de ginástica laboral

Planejado por profissionais especiali- perguntas (ver Quadro 1) cujos resultados


zados em educação física, o programa de serão descritos abaixo. O turno da manhã
ginástica introduz a prática de atividades foi escolhido para obter uma resposta rá-
físicas em grupo durante a jornada de tra- pida, pois se tentava melhorar o programa
balho, com duração média de 10 minutos, em tempo real e esta amostragem garantia
em um pátio externo, ao lado da sala onde representatividade estatística (59% dos tra-
eles trabalham diariamente. O programa balhadores incluídos no programa piloto).
prevê o envolvimento de alguns trabalha-
dores do setor, treinados especificamente O questionário foi entregue aos aten-
para agir como facilitadores na execução dentes durante uma das pausas. Alguns
da ginástica. Os técnicos treinam e super- responderam no mesmo momento e outros
visionam os facilitadores dos grupos de gi- pediram para entregar no dia seguinte (o
nástica uma vez por semana. Também uma que foi permitido). O percentual de respos-
vez por semana, o técnico acompanha os tas da amostra foi de 100%.
exercícios realizados pelos atendentes. Es- Esse instrumento padrão, elaborado
ses exercícios são modificados uma vez por pela própria empresa que fornece os ser-
mês, ou de 15 em 15 dias, caso necessário. viços de GL, é utilizado para avaliação
Foi estabelecido pelos coordenadores do sistemática do programa junto aos partici-
setor que o programa (projeto piloto) seria pantes. Além desse procedimento padrão
realizado nos turnos diurnos (manhã e tar- adotado pela empresa, o Comitê de Ergono-
de), nos quais trabalha a maioria dos telea- mia realizou sua própria avaliação por con-
tendentes (87%). siderar inconclusivas as respostas forneci-
Após quatro meses de implantação, o das pelo questionário. Foram realizadas
programa não havia conseguido a adesão visitas in loco, observações sistemáticas e
dos trabalhadores que atuam na central entrevistas abertas com os trabalhadores
de teleatendimento. Tentando entender do turno diurno, o encarregado do setor e o
suas razões, os idealizadores optaram por supervisor da área com o objetivo de obter
fazer uma pesquisa utilizando-se de um dados qualitativos que esclarecessem a não
questionário auto-aplicado contendo cinco adesão ao programa.

Resultados da avaliação do programa de ginástica laboral

Quarenta e seis teleatendentes ocupa- Várias justificativas foram arroladas pe-


vam a central de teleatendimento no mo- los trabalhadores para não freqüentarem o
mento da pesquisa (turnos: manhã, tarde, programa:
noite e madrugada). Foi escolhido pela “Só temos ajuda quando os técnicos da
empresa prestadora do serviço o turno da prestadora de serviços ou da Ergonomia
manhã para realização da pesquisa por estão por aqui.”
concentrar o maior número de trabalhado-
“O horário que eu consigo desligar o tele-
res: 23 atendentes. Embora todos tenham
fone muitas vezes não coincide com o ho-
respondido que a ginástica é necessária, e rário que os colegas iniciam a ginástica.”
22 teleatendentes (96%) tenham afirmado
acreditar nos benefícios do programa, a “Nunca há pessoas fazendo ginástica no
meu horário de pausa.”
maioria (19 – 83%) respondeu não partici-
par das sessões de ginástica. “Eu já faço constantemente na academia.”

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Quadro 1 Questionário de avaliação da ginástica laboral utilizado pela empresa res-
ponsável pelo programa.

Avaliação do Programa Ginástica na Empresa


Questões:
1. Você participa da ginástica?
( ) sim ( ) não
2. A ginástica para você é:
( ) necessária ( ) desnecessária
3. Você pratica alguma atividade física regulamente?
( ) sim ( ) não
4. Você acredita que o Programa pode proporcionar benefícios?
( ) sim ( ) não
5. A ginástica significa para você:
( ) Lazer
( ) Relaxamento
( ) Prazer
( ) Tarefa
( ) União com colegas
( ) Obrigação
( ) Estímulo
( ) Prevenção
Sugestões:

“Pouco tempo de ginástica. Acho que o Esses trabalhadores, pessoalmente moti-


benefício é mínimo.” vados para fazer atividades em academias,
Quando questionados a respeito da não estavam convencidos de que a GL po-
prática de ginástica fora do horário de tra- deria trazer algum benefício.
balho, 13 (57%) entrevistados afirmaram
Por outro lado, foram feitas várias su-
realizar uma atividade física regularmente,
gestões para melhorar o programa, o que
o que pode explicar parte das ausências,
reafirma o interesse dos trabalhadores em
sobretudo quando se consideram algumas
das falas acima (“Eu já faço constantemen- fazer com que a ginástica funcione. Os tra-
te na academia”; “Pouco tempo de ginás- balhadores comentaram e/ou propuseram:
tica. Acho que o benefício é mínimo”). “Fazer ginástica com música.”
Quem se exercita regularmente não per-
“Cobrar junto aos escolhidos para instruir-
cebe os supostos benefícios da GL, o que
nos, já que não há como vocês estarem
revela uma falha do programa, que não
sempre presentes, aliás, nem sei quais são
conseguiu mostrar a diferença específica eles.”
da GL em relação aos exercícios físicos de
academia (musculação etc.), que podem “Acompanhamento com as instrutoras
ser escolhidos e direcionados para o fim diariamente.”
que deseja quem os pratica, cujos objeti- “Mais intensidade e mais alongamentos.”
vos são diversificados: perda de peso e da
“Tem que ser diariamente, mais vezes e
porcentagem de gordura corporal, redução
mais horários, até a turma acostumar, nos
da pressão arterial em repouso, melhora do
primeiros meses precisa de um acompa-
diabetes, diminuição do colesterol total,
nhamento, ou seja, um empurrãozinho.”
melhora da flexibilidade, fortalecimento
dos ossos e das articulações, estética etc. “Um horário fixo para que todos possam
Essa diferença não foi abordada explicita- fazer juntos.”
mente nas preleções feitas no início do pro- “Ter pessoa efetivamente responsável
grama pelos instrutores aos trabalhadores, para coordenar a ginástica já que se tor-
que, assim, fazem inferências a partir uni- na quase inconstante, digo, fica esquecida
camente de sua experiência, nem sempre quando fica por conta dos divulgadores
embasadas em conhecimentos técnicos. do teleatendimento.”

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“Precisa ter uma pessoa responsável para A maioria dos trabalhadores (21) evo-
o bom funcionamento e desenvolvimento cou o relaxamento quando perguntados so-
desta atividade que nos beneficia.”
bre o significado da ginástica.
“É preciso ser obrigatório.”
Para sete trabalhadores, a ginástica
“Acho que é pouco tempo de ginástica significa lazer, para oito, prazer; apenas
para apresentar um bom resultado.” um deles disse que significa tarefa, outro
A maior parte dessas sugestões remete funcionário afirmou se tratar de uma obri-
à necessidade de motivar as pessoas (músi- gação. Seis trabalhadores disseram haver
ca, grupo, orientação, acompanhamento...) união com os colegas, sete evocaram estí-
e de vencer as resistências iniciais, desen- mulo, e 16 disseram que a ginástica signi-
volvendo o hábito da atividade física. fica prevenção.

Discussão

Uma primeira explicação a ser avaliada 2) falta de orientação e acompanha-


para a recusa da ginástica refere-se à expo- mento dos instrutores;
sição pública quando se faz uma atividade
3) falta de emulação social (dos instru-
física. A ginástica laboral é um momento
tores e dos colegas);
de intimidade. Alguns trabalhadores, por
razões e sentimentos pessoais, sentem-se 4) não percepção dos benefícios da GL;
demasiadamente expostos quando come-
çam a fletir o tronco, estirar as pernas, mas- 5) constrangimentos temporais decor-
sagear os dedos frente aos colegas de tra- rentes da natureza da atividade.
balho. Em outras empresas, sobretudo em Atualmente, o setor vive um momen-
setores de atendimento ao público externo, to de mudanças na gestão de pessoal: a
o programa de GL foi inviabilizado porque contratação de trabalhadores concursados
os trabalhadores julgaram ser moralmente para trabalhar junto aos estagiários con-
condenável interromper sua atividade para tratados por tempo determinado. O grupo
fazer a “pausa para ginástica” enquanto os de trabalhadores que hoje integra o quadro
clientes aguardavam na fila. Essa “pressão funcional da área de teleatendimento não
social” acontece com as pausas em geral. é o mesmo quando do início do estudo er-
Alguns trabalhadores de atendimento pre- gonômico, modificado por diferentes mo-
ferem não usar seu direito de repouso du- tivos: alto índice de turn over ocorrido no
rante a jornada de trabalho. Embora essa período, término do contrato temporário
seja uma explicação plausível, revelada de trabalho, remanejamentos para outras
por outros estudos (LIMA, 1997; SOARES, áreas ou promoções ocorridas na empresa
2005), não foi manifestada neste caso, tal- e, ainda, afastamentos ou demissões. Todas
vez pelo fato da ginástica ser realizada em essas mudanças trazem uma sensação de
espaço não exposto a público externo. instabilidade que conflita com a motivação
As respostas ao questionário e às en- para participar de uma atividade cujo maior
trevistas abertas mostram que as razões da benefício é de longo prazo. Os teleatenden-
recusa da GL, embora comuns, são hierar- tes/estagiários se sentem inseguros diante
quizadas segundo a singularidade de cada das transformações que poderão culminar
indivíduo. O fato de ter sido realizada a no seu desligamento da empresa. Sendo
pesquisa com uma amostragem (teleaten- assim, estão preocupados e menos mobili-
dentes do turno da manhã) impossibilita zados para qualquer atividade coletiva cuja
associar a cada um o que pesou em sua de- perspectiva é de longo termo. No entanto,
cisão, mas oferece uma apreciação global quando questionados a respeito da GL, ain-
da situação. Assim, apoiando-nos exclusi- da assim manifestaram seu interesse, o que
vamente nos resultados das observações, sugere que essa causa estrutural não seja
das entrevistas abertas e do questionário, suficiente para explicar a desmobilização.
algumas pistas investigativas podem ser
Apesar da maioria dos atendentes te-
descartadas (falta de motivação e resistên-
rem respondido que consideram necessá-
cia à mudança) e outras explicações para
ria a ginástica, na realidade ela só acontece
a baixa adesão ao programa podem ser su-
quando a educadora física ou um integran-
geridas:
te do Comitê de Ergonomia vai ao local. E,
1) instabilidade no emprego; para isso, é preciso passar mais de uma vez

Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 31 (114): 149-160, 2006 157
no setor para lembrá-los da atividade cole- Se o grupo estudado considera a ginástica
tiva. Os facilitadores voluntários não incor- necessária e cerca da metade pratica regu-
poraram o papel a eles destinado, ou seja, larmente alguma atividade física extra-tra-
a proposta do grupo externo, responsável balho, como explicar a baixa adesão?
pela ginástica, de nomear um instrutor da
Analisando o conteúdo das falas, vê-se
empresa para divulgar, estimular e acom-
que os trabalhadores parecem reproduzir o
panhar os exercícios diariamente não vem
discurso dos defensores do programa, mas
surtindo os efeitos esperados. Segundo os
não estão convictos dos seus propósitos,
instrutores, eles se sentem pouco à vontade
uma vez que mencionam o caráter de ta-
ou com baixa capacidade para incentivar
a ativa participação dos colegas, fazendo refa e obrigação do mesmo. Trata-se aqui
com que a atividade seja dependente da de uma ambivalência que guardaria uma
presença do instrutor. Não se trata apenas relação com o objetivo imperativo do te-
de exercer um papel de fiscalização (lem- leatendente de cumprir a sua missão. Ou
bre-se de que a adesão é voluntária), mas seja, entre realizar o seu trabalho e fazer
também de emulação e de acompanhamen- a ginástica, os trabalhadores optariam pelo
to técnico, como transparece nas seguintes primeiro, mesmo considerando possíveis
falas: “Cobrar junto aos escolhidos para benefícios da ginástica. Isso remete à dis-
instruir-nos”; “Acompanhamento com as cussão fundamental dos ergonomistas
instrutoras diariamente”; “Tem que ser dia- (GUÉRIN et al., 2001, DANIELLOU et al.,
riamente, mais vezes e mais horários, até a 1989), segundo os quais parte das dificul-
turma acostumar, nos primeiros meses pre- dades para realizar os procedimentos pre-
cisa de um acompanhamento, ou seja, um vistos é conseqüência da maneira como o
empurrãozinho”; “Um horário fixo para trabalho é organizado, da distância entre o
que todos possam fazer juntos”. prescrito e o real.

Outra situação que poderia explicar a A implantação da ginástica no local de


baixa adesão seria a natureza das tarefas trabalho sem reorganizar o trabalho pode
realizadas, pois em situações de forte soli- provocar constrangimentos aos trabalhado-
citação musculoesquelética, como é o caso res. O caso das pausas diante dos tempos
do setor analisado, com movimentos repe- de atendimento é significativo: apesar do
titivos e posturas estáticas prolongadas, a horário definido para todos os trabalhado-
pausa pode ser mais desejada que a con- res deixarem os postos, isso não acontece,
tinuação dos exercícios, mesmo que sejam pois os horários de término real da chama-
de outra natureza (alongamento, por exem- da não coincidem entre os trabalhadores,
plo). Não podemos esquecer dos efeitos do podendo acontecer com minutos de dife-
trabalho repetitivo sobre a saúde mental. rença. Ou seja, se o teleatendente estiver
Os estudos colocam em evidência que si- recebendo uma chamada, o momento de
tuações de sobrecarga manual/sobrecarga deixar o posto será adiado em alguns mi-
cognitiva (volume de informações a serem nutos. Para o programa, isso acarreta uma
tratadas sob pressão temporal) podem ge- heterogeneidade no que se refere ao horá-
rar fadiga mental e que os trabalhadores rio da ginástica, pois, na maioria das vezes,
preferem ter maior controle sobre o tempo os teleatendentes não se integram ao grupo
da pausa (ASSUNÇÃO, 2001). A pausa não depois dos exercícios iniciados, reduzindo
exerce apenas a função de regulação da fa- o número de adesões. A variabilidade da
diga fisiológica, mas também de regulação atividade de atendimento entra em conflito
das cargas cognitiva e psíquica. com a ginástica, que deve ser uma ativida-
de coletiva e sincronizada: não é fácil se in-
Como discutido anteriormente, vários tegrar ao grupo a qualquer momento, sem
trabalhadores não estavam convencidos da passar pelas fases iniciais.
utilidade da GL, sobretudo em função de
sua experiência com atividades físicas em Considerando a globalidade da inser-
academias. Além disso, o fato do setor estar ção do ser humano na situação de traba-
implementando as recomendações ergonô- lho, é possível pensar que o corpo, em suas
micas contribui para o menor interesse pelo dimensões física, cognitiva e psíquica, pre-
programa, como havia sido demonstrado cisa desejar movimentar-se e descobrir-se
em outra época, pois ficam mais fortes as para obter os ganhos da ginástica. Melhor,
medidas preventivas de caráter coletivo. então, perguntar-se, antes de programar a
A ginástica, ainda que seja realizada em ginástica, se há espaço físico e espaço so-
grupo, é, na verdade, uma prevenção indi- cial e organizacional no ambiente de traba-
vidual que exige uma motivação pessoal. lho para essas formas de expressão.

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Conclusões

As hipóteses e explicações aqui apre- trabalhadores, a começar pela crença de que


sentadas poderão contribuir para orientar a GL possa trazer algum efeito útil. Desse
melhor os programas de ginástica laboral modo, o incentivo de colegas, instrutores
e aumentar a adesão voluntária dos traba- e gerentes ganha uma base mais concreta e
lhadores. São inegáveis os ganhos quando efetiva, deixando de ser puramente verbal
se permite ao trabalhador tomar consci- ou moral. É necessário reconhecer aqui a
ência de seu corpo. Porém, a consciência contradição fundamental dessa forma de
do corpo passa por uma aprendizagem, na organização e do cálculo de produtividade
qual algumas crenças e condutas são re-vi- baseado exclusivamente no critério “tem-
sitadas para serem des-construídas. E isso po de atendimento”, que leva os gerentes
juntamente (imperativamente) com a cor- a otimizarem o tempo, preenchendo todos
reção da situação que provocou a postura os poros da jornada de trabalho, tornando
estereotipada. Até o momento, devido às meramente formal o incentivo para se fazer
circunstâncias políticas e materiais, não ginástica.
foi possível implementar todas as medidas
propostas ao final do estudo realizado no Baseados na evidência de campo, que
setor (LEAL & SOARES, 1999). Cumpre mostra ocorrer uma invasão do tempo da
lembrar que, por ocasião do I Seminário ginástica pela última chamada atendida,
Interno de Ergonomia, destacou-se a rele- perguntaríamos se o aparente paradoxo da
vância da continuidade da implantação do totalidade de respostas afirmativas quanto
conjunto das recomendações para a me- à necessidade da ginástica e do dado real
lhoria nos processos de trabalho e, conse- que mostra a baixa adesão não seria eluci-
qüentemente, para a prevenção de doenças dado ao levar-se em conta o trabalho real.
físicas e mentais dos trabalhadores. Ou seja, parece que o trabalho não permite
Diante de todos os dados resultantes e, às vezes, impede a adesão ao programa,
desta avaliação do programa de GL, suge- mesmo que este seja formalmente estimu-
re-se que a última chamada a ser atendida lado pelos organizadores da produção. A
antes da pausa destinada à ginástica se dê ginástica, como qualquer outra recomen-
três minutos antes da mesma, tempo mé- dação ergonômica, deve nascer da análise
dio dos atendimentos. Essa “simples” reco- detalhada dos constrangimentos e da va-
mendação cria uma possibilidade real para riabilidade das situações reais de trabalho.
realização da ginástica e manutenção do Assim como um Equipamento de Proteção
programa como é de interesse dos geren- Individual (EPI) será deixado de lado se en-
tes e dos trabalhadores. Essa possibilidade, trar em conflito com exigências do trabalho
ainda que real, não é condição suficiente (qualidade, ritmo, eficiência...), a ginástica
para assegurar a adesão, que, como vimos, deve ser compatibilizada com as exigências
depende de uma mobilização subjetiva dos do trabalho que gerou sua recomendação.

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