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Revelando Os Mundos Contidos No Mundo
Revelando Os Mundos Contidos No Mundo
Quando se diz ordinário se refere ao que é comum, habitual, que se repete com regularidade.
A vida é ordinária. Pelo menos para a maioria de nós, pessoas comuns que vivem atrelados a
um mundo já construído que nos limita de diversas formas. Reduz-nos principalmente pela
linguagem: basicamente gesto, fala e pensamento. Assim, repetimos dia a dia os mesmos
gestos, pensamos sempre muito restritamente nas mesmas coisas, falamos com as mesmas
palavras decodificadas há muitos e muitos anos (na verdade, falamos até com menos palavras
do que antes). Da mesma forma que expandimos, historicamente, pela linguagem, passamos
agora por uma estagnação devida, também, a linguagem. Muitos foram os que tentaram,
extrapolando a linguagem já construída e posta, libertar a si e os outros. Libertar-nos como
seres além humanos. Ou então como seres de fato humano, com toda a potencialidade que
ser humano contém.
É que olhando para a realidade como ela é, fazendo os gestos necessários no dia-dia,
pensando o que é justo para cumprir as tarefas, falando somente para comunicar o já sabido,
vamos fortalecendo um mundo. Um único mundo que já existe e que está aí, construído. Um
mundo que foi feito para servir a si próprio, descartando nossas reais necessidades de
libertação, expansão e transcendência. Nesse mundo, há um outro mundo. Ou outros
mundos? Realidades por trás da realidade?
Há momentos em que, por motivos diversos, outras realidades são instauradas. Um outro
mundo de revela, naquele mesmo mundo de sempre. Do que não se imagina que possa extrair
nada, o invisível se faz visto. Ou sentido. Ou vivido. Momentos como esses estão cada vez mais
incomuns e é preciso muita atenção, muita astúcia e muita sutileza para se alcançar lugares
assim. Pontos discretos de transcendência. Momentos de realização do indizível. Atos de
transcendência da linguagem.
Carulli, Carcassi, Sor, Giuliani, Coste, Aguado, Bach, Mozart, Powell, Paulinho da Viola. Entre
eles o Chagas, com suas pausas únicas, sua respiração concentrada, os dedos dançantes, o
olhar que acompanha cada variação rítmica. Um jeito todo particular. Uma performance
especial. O que mais tocante em um recital assim é poder - além de ouvir a música em seu
estado mais puro, saída direto do instrumento que lhe dá vida – ver os detalhes de cada gesto
do músico, cada pequeno movimento de sobrancelhas, dedos, ombro, pé. É ver a arte saindo
da vida, do corpo-alma do artista em estado de pulsão.
Quanto ao público restava abrir-se para a sensibilidade que lhe era possível e ver surgir, diante
de si, os outros mundos escondidos naquele mundo. Através das notas que se organizavam no
tempo e espaço os mundos iam se construindo sem limitações, sem barreiras, sem
constrangimentos. Mundos que nos fazem ir além da linguagem, ir além do pensamento
habitual, da fala habitual, do gesto habitual. Mundos que nos fazem perceber o que
normalmente está escondido. Nos perceber. Mundos de transcendência.