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Com a incorporação do conceito de “comunidade de segurança” nos discursos de

defesa na America do Sul, o papel das Forças Armadas começa a ser mais passível de
debates e questionamentos. Embora não haja consenso de que a região corresponda a
essa descrição, de que os países não lutarão entre si, na prática, a maioria dos países não
veem seus vizinhos como ameaças iminentes. Quando a perspectiva de uma guerra é
altamente improvável, aparece uma ideia tentadora, porque não limitar os gastos em defesa
e utilizar os recursos em necessidades mais evidentes? Não há dúvidas de que maiores
investimentos em saúde, educação e luta contra a pobreza são necessários na região. Do
mesmo modo, os autores que escreveram em relação a esse tópico apresentaram os
problemas de eliminar ou diminuir as Forças Armadas: interesses corporativos, o poder que
os militares ainda têm e falta de vontade política, depois de tudo, políticos com receita extra
à sua disposição, não necessariamente gastam essa receita com sabedoria quando
cercados por interesses poderosos (Pion-Berlin, 2016). Portanto, suprimir as forças
armadas não é uma ideia correntemente cogitada.

Nesse contexto, os governos devem decidir quais serão as missões atribuídas aos
militares. A escolha das missões pode ser escrita nas constituições e a decisão de fazer uso
dos militares é do comandante em chefe (presidente eleito), frequentemente com aprovação
do Congresso Nacional. Isto é, numa democracia, os tomadores de decisões são lideres
políticos civis, e os executores dessas decisões são os militares. Esta afirmação se baseia
no conceito de que os militares profissionais são apolíticos, mas como já foi dito, existe o
problema de que as Forças Armadas também têm seus interesses corporativos e muitas
vezes podem ir contra os interesses dos políticos.

Ao respeito dos processos democráticos na America Latina, muitos autores ainda


duvidam de que as democracias estejam completamente consolidadas. A presença dos
militares na vida política Latino Americana se remonta aos momentos de independência das
nações, que passaram de ser colônias a incipientes repúblicas, que viram seus primeiros
anos de existência marcados pelas guerras e controlados por governos militares. Essa foi a
constante durante o século XIX. Quando as guerras internas, pela independência e o
controle dos países, acabaram, foram sucedidas por guerras internacionais, desencadeadas
por conflitos de interesses, ou que demarcariam as fronteiras disputadas. No século XX
houve uma queda radical no número de conflitos internacionais no continente, mas isso não
significou uma menor relevância dos militares nos governos, também houve uma notável
restauração ou até mitificação de antigos “heróis” de guerras passadas. E na segunda
metade do século, no contexto da Guerra Fria, os militares tomaram o poder em toda
America Latina, com regimes brutais e totalitários, mas apoiados por uma parte da
população civil.

Com o final da Guerra Fria os militares perderam a aceitação ou o apoio


internacional para continuar no poder. Ainda que com transições diferentes, todos os países
da America Latina foram pelo caminho da democracia, e as Forças Armadas aceitaram seu
novo papel nos governos civis. Mas há dúvidas de quão consolidadas são nossas
democracias e o uso das Forças Armadas é geralmente visto com suspeita.

Entender quais são as missões das Forças Armadas é fundamental, já que, só com
uma clara visão dos seus propósitos e metas, é possível fazer uma avaliação objetiva das
vantagens e os riscos do emprego das Forças Armadas. Avaliar quais missões são as mais
adequadas, e considerar o possível grau de autonomia que poderiam desencadear também
será importante, pois ainda que haja muito a ganhar com o emprego dos militares, é
possível que também tenhamos muito a perder.

Citação -> Por um motivo ou por outro e ainda narcotizados pelo embriagante sonho
de uma noite de democracia, deixamos de pensar em todos os desdobramentos, de estudar
e de nos preocupar com a impertinente participação militar nas decisões eminentemente
políticas. Como se o fato formal da eleição dos representantes das maiorias fosse suficiente
antídoto à participação, intromissão, tutela e ao deslocamento de funções dos militares
dentro do Estado (SAINT-PIERRE, 2001-2002).

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