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Recalque – a fase do processo que

pode definir a qualidade do produto


As peças que você produz apresentam rechupes? E quanto a
mau acabamento superficial ou dimensional fora de especificação?
Talvez você já tenha tido problemas com peças quebrando,
empenadas (distorcidas) ou abaixo do peso esperado.

Todos estes problemas podem estar relacionados à mesma


causa. Um dos parâmetros de processo que mais vi gerar
controvérsia em todos os meus anos na indústria do plástico: o
Recalque.

Já o vi acusado de levar os tempos de ciclo às alturas, de


fazer com que as peças fiquem presas ao molde, de fragilizar o
material devido à supercompactação, de danificar o molde etc,
etc... Por este motivo, talvez, também o vi negligenciado, quando
não definitivamente abolido das fichas de processo.

Durante muitos anos trabalhei e ainda trabalho no sentido de


transmitir aos meus clientes a importância dessa fase do processo.
Especialmente quando se tratam de polímeros semi-cristalinos, o
recalque pode ser a diferença entre uma peça de alta qualidade ou
um possível recall...

Exemplo de sucesso
Há cerca de 2 anos atrás, tive um caso exemplar de como o
recalque bem ajustado pode resolver problemas de processo:

Estava conduzindo um desenvolvimento de uma peça


automotiva no sul do país. O material era uma PA 66 com 35 % de
fibras de vidro. Depois dos primeiros testes em que o cliente decidiu
realizar a portas fechadas, fui chamado até sua fábrica para ajudá-
los a solucionar um problema sério, que impedia o início da
comercialização.

A peça, que pesava aproximadamente 1,3 kg, não podia ser


completada adequadamente. No final do fluxo sempre havia uma
área incompleta. Quando se conseguia preencher aquela área o
acabamento superficial era horrível. Para piorar as coisas, o
dimensional da peça estava fora da especificação (mais tarde
descobrimos que, na verdade, a peça estava empenada).

Minha primeira ação, como de costume, foi checar todos os


parâmetros básicos, tempos, temperaturas, pressões etc. Logo
identifiquei que a temperatura do molde estava baixa para o
material (60 ºC, quando o recomendado é acima dos 90 ºC). Feita a
correção, não houve melhora significativa.

Todos os outros parâmetros estavam aparentemente ok e o


molde foi parado brevemente para que fossem construídas saídas
de gases na região do molde que não preenchia adequadamente. A
suspeita era que os gases aprisionados estivessem impedindo o
fluxo do material.

Esta hipótese era bastante coerente, já vi isso acontecer


algumas vezes, mas ainda havia algo que não tinha ajustado e que
me dizia que só aquela correção no molde não iria resolver todos os
problemas. De fato, após reiniciarmos o processo, vimos que houve
uma pequena melhora no fluxo porém ainda permaneciam os
mesmos problemas.

Foi quando resolvi dar minha cartada. O tempo e pressão de


recalque me pareciam baixos para o cenário em minha frente. Após
discutir brevemente com o engenheiro de processo sobre a
segurança em se mexer nesses parâmetros (para preservar a
integridade das gavetas do molde) fiz o primeiro ajuste.
Mexi inicialmente no tempo de recalque aumentando até o
valor que eu acreditava ser o ideal. Por se tratar de um polímero
semi cristalino, os Nylons não necessitam de resfriamento, uma vez
que o recalque deve ser aplicado até que todo o material esteja
sólido, em teoria, após esta fase do processo pode-se abrir o molde
e extrair a peça.

Sendo assim, eliminei do tempo de resfriamento, o que foi


aumentado no tempo de recalque. O ciclo, então, ficou inalterado. O
tempo de resfriamento restante, foi mantido por necessidade
prática – é o tempo de dosagem de material para o próximo ciclo.

Agora conseguimos uma melhora significativa. Peça quase


cheia porém com a má aparência superficial que ainda incomodava.
O dimensional também melhorou mas ainda precisava de mais
ajuste. Finalmente detectamos que num dos detalhes da peça,
próximo à área de problema, também tinha um vazio interno
(visível quando cortamos a peça).

Meu próximo movimento foi o de ajustar a pressão de


recalque. Idealmente, para os Nylons essa pressão deve estar por
volta dos 90 MPa na resina dentro da cavidade. Uma avaliação
rápida me mostrou que estávamos bem longe disso. Feito o
primeiro ajuste...bum. Agora tinha dois problemas.

Preenchemos a peça, mas ainda com uma má aparência


superficial e para completar uma rebarba gigantesca. O vazio
interno também ainda estava lá, menor, mas presente. Depois de
alguns ciclos a examinar e refletir qual poderia ser minha próxima
ação, tive uma lembrança de algo similar do passado e de como foi
resolvido.

Dividi o tempo de recalque em 3 partes iguais, a princípio. Na


primeira parte usei uma pressão baixa – para iniciar o recalque e
criar uma lâmina de material solidificado. Na segunda parte
aumentei a pressão em metade da diferença de onde estava para
onde queria chegar. E na terceira e última parte, elevei a pressão
até o limite que me daria os 90 MPa desejados.

Como um passe de mágica todos....TODOS....os problemas


foram resolvidos. Ainda tinha uma rebarba que foi eliminada
ajustando a proporção entre os tempos das 3 fases de recalque.
Mas a peça estava completa, com ótima aparência superficial, livre
de vazios internos e o dimensional perfeito.

Qual a teoria por trás desse caso? Como fazer para aplicar
esta metodologia? É exatamente o que te mostro agora.

O que é o recalque afinal?


A fase de recalque tem a função de finalizar o preenchimento
da cavidade. A fase de injeção é controlada por velocidade, pressão
é uma consequência para manter a velocidade. Já a fase de
recalque é controla da por pressão, assim, idealmente, se finaliza o
preenchimento da cavidade (os últimos 5 % em volume
tipicamente) com recalque para evitar picos de pressão que possam
danificar o molde.

Outra função do recalque é impedir que o material fundido


sob pressão no interior da cavidade retorne pelo canal de
alimentação no caso de uma retirada brusca de pressão ao fim da
fase de injeção. Isto poderia levar a rechupes e vazios na peça
causados pela falta do material que retornou.

Em materiais amorfos, esta é a principal função do recalque,


manter o material na cavidade até que o ponto de injeção se
solidifique. Uma vez fechado o ponto de injeção, não há mais
possibilidade de retorno de material e o recalque pode ser finalizado
dando início ao longo tempo de resfriamento para que a peça possa
ser extraída.

Já para materiais semi cristalinos, conforme a cristalização


avança, as moléculas se aproximam muito mais do que nos
materiais amorfos. Com isso, a contração volumétrica nesses
materiais é muito maior e, se não compensada, gera por si mesma,
vazios internos nas peças.

A compensação da alta contração volumétrica dos materiais


semi cristalinos é feita exatamente pelo recalque. Para estes
materiais, mais do que manter o material na cavidade, o recalque
também ”joga” mais material para dentro, preenchendo os espaços
vazios criados pela cristalização.

Este processo, nos materiais semi cristalinos, deve ser


mantido até que a cristalização (e por consequência a contração
volumétrica) se complete. Com a cristalização completa, o material
está sólido, então o recalque deve ser aplicado durante todo o
tempo que houver material fundido dentro da cavidade.

Como definir o tempo e a pressão?


A pressão de recalque geralmente é definida em função do
material que se está injetando. Os guias técnicos geralmente
trazem esta informação. Para materiais amorfos, em geral, a
pressão de recalque deve ser decrescente.

Os materiais amorfos são suscetíveis à supercompactação


(devido ao maior espaço intermolecular e à menor contração
volumétrica). Assim, uma pressão de recalque que inicie a uns 80
% da pressão de injeção e vá reduzindo com o tempo dá conta do
recado.

Ajuste fino da pressão de recalque assim como o tempo de


aplicação da pressão será dado pela aparência da peça – ausência
de vazios e rechupes, sem distorção (pode ser indício de
supercompactação), boa transparência (pouca transparência
também pode estar ligada à supercompactação), sem
tensionamento interno etc.

Nos materiais semi cristalinos a pressão de recalque deve ser


constante durante todo o tempo de aplicação. Isto garante que a
contração volumétrica foi adequadamente compensada e todos os
vazios eliminados. Estes materiais não são suscetíveis à
supercompactação (ou são muito menos suscetíveis à ela), assim
não deve ser uma preocupação.

Já o tempo de aplicação da pressão para os semi cristalinos


deve ser definido em função da obtenção do peso máximo da peça.
Um gráfico como ilustrado na Figura 1 pode ser facilmente criado ao
pé da máquina para encontrar o tempo ideal. Inicia-se com um
tempo baixo e, aumentando pouco a pouco, registra-se o peso da
peça em todas as condições. Quando for obtido o peso máximo,
tem-se o tempo ideal de recalque.

Figura 1 - Determinação do tempo de recalque ideal para materiais semi cristalinos


Cuidados
Alguns cuidados, especialmente no projeto e contrução do
molde, devem ser observados para permitir a aplicação adequada
do recalque.

O sistema de alimentação das cavidades para materiais


amorfos deve favorecer o rápido fechamento do ponto de injeção.
Já para materiais semi cristalinos, é o contrário, o ponto de injeção
e todo o sistema de alimentação devem permanecer abertos
durante todo o tempo de recalque para permitir a entrada de mais
material.

Ainda para materiais semi cristalinos, como a demanda por


pressão nestes casos é maior, os moldes devem possuir uma
estrutura que suporte tais pressões sem se deformar. Já tive casos
em que não foi possível corrigir os defeitos nas peças antes de
reforçar o molde para suportar as pressões de recalque necessárias.

Obviamente com maior aplicação de pressão nas cavidades,


há a tendência de as peças aderirem mais ao molde. Isto é
minimizado com ângulos de saída adequadamente projetados,
texturização de superfícies onde possível e uso de sistema de
extração generoso (diâmetro dos pinos, uso de placas extratoras
etc).

Conclusão
Esta é, sem dúvida, uma das fases do processo mais
importantes. Este artigo ainda está longe de esgotar o assunto e
em nossos treinamentos de moldagem exploro em profundidade os
aspectos do recalque.

Me conte como este assunto foi importante para seu dia a dia
e quais experiências interessantes você tem com o recalque. Fico
curioso para saber quais problemas você resolveu com este recurso.
Até a próxima.

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