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ANTIGO TESTAMENTO II – OS LIVROS HISTÓRICOS

A RELIGIÃO DE ISRAEL, A POLÍTICA E OS PROFETAS

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A RELIGIÃO DE ISRAEL NO PERÍODO DA MONARQUIA

I. A RELIGIÃO DO PRÓXIMO ORIENTE

No "Crescente Fértil", essa estreita mas fecunda faixa de terra que se estende com a forma de uma
ferradura do Golfo Pérsico à Palestina e continua do outro lado do deserto egípcio, os sistemas
religiosos correspondentes ao período do Velho Testamento têm muito em comum. Eram, sem dúvida,
muito diferentes no pormenor e nos aspectos acentuados, mas todos constituíam essencialmente uma
expressão mitológica do constante ciclo anual da natureza. As deidades eram uma personificação das
forças da natureza ou, mais exatamente, do aspecto espiritual da natureza que lhe dava vida. Num tal
sistema, as deidades deviam ser parte da natureza e, por conseqüência e duma maneira geral, sujeitas a
ela; embora muito acima da fragilidade humana, essas deidades são ainda essencialmente naturais e o
que exigem do homem harmoniza-se com a concepção que este possui do natural. Assim como os
fenômenos da natureza estão relacionados entre si, embora, por vezes, aparentem opor-se, também os
deuses se supunham, de certo modo, membros da mesma família que de quando em quando
guerreassem entre si.

Na Babilônia, Assíria, Síria e Canaã, a linha que dividia a segurança do desastre, a prosperidade da
fome, era tão tênue e tão imprecisa que a permanente contingência da natureza e da vida, a despeito da
regularidade do seu ciclo, explicava-se pela existência de um esforço contínuo, da parte dos poderes
demoníacos e destruidores que haviam sido contidos e cujo objetivo era voltar a implantar o caos. A
religião era, sobretudo, uma aliança do homem com os deuses por meio da qual lhe era dado ajudá-los a
preservar a ordem estabelecida.

A grande festa do Ano Novo (que em Canaã se celebrava no Outono) era de grande importância. Cria-se
que, recitando o mito da criação e da destruição do caos, assim como praticando outros atos de valor
simbólico, se mantinha, girando, o grande ciclo do ano ordenado e constante. Em todas as religiões mais
primitivas, acredita-se que é possível promover qualquer resultado desejado executando, ritualmente, o
movimento ou ação que lhe corresponde; era, portanto, deste gênero, uma grande parte do ritual.

Em Canaã, o mistério da fertilidade no homem, nos animais e na terra explicava-se mitologicamente por
uma coabitação divina; assim, a prostituição sagrada, tanto do macho como da fêmea, era considerada o
meio de promover a fertilidade e tornou-se uma parte integrante da religião. A natureza bissexual da
divindade era proclamada em todos os santuários cananeus pela presença do mazebá e do ascra (ver
#1Rs 14.23 nota) os quais representavam, respectivamente, o aspecto viril e o aspecto feminino da
divindade (a mudança de gênero em #Jr 2.27 é provavelmente irônica). É de somenos importância saber
se a última representava Asera, a deusa mãe dos cananeus (cfr. #1Rs 15.13 nota) e o primeiro algum
deus especifico do sexo masculino ou se ambos representavam o reconhecimento geral da
universalidade do sexo.

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II. O "REI DIVINO"

A julgar pelos dados que possuímos da Mesopotâmia, o homem mais importante do estado era o rei.
Não era um deus, como no Egito, mas era, de maneira especial, o representante dos deuses e podia
guindar-se à divindade; o título que hoje lhe dá-o de "rei divino" -não é, portanto, inadequado. Não era
apenas a mais alta autoridade civil do estado mas também o seu chefe religioso. Nos grandes festivais,
havia certos ritos que só ele podia executar ou só na sua presença eram executáveis; embora, de uma
maneira geral não reclamasse, para si, poderes proféticos, ele era, em última análise, aquele a quem os
deuses tornavam conhecida a sua vontade.

As muitas sobrevivências de um passado mais remoto, como, por exemplo, o apaziguamento de


demônios (cfr. #2Cr 11.15 nota), o culto dos mortos etc. eram de importância secundária e não merecem
aqui menção especial.

III. A UNICIDADE DA RELIGIÃO DE ISRAEL

Jeová, que Se revelou no Sinai, não era um deus da natureza. Situava-se para lá dela e era seu Criador.
A constância da natureza não era uma necessidade que lhe fosse imposta, antes dependia da Sua
vontade (#Gn 8.22). Era supra-natural e por isso não havia imagens ou concepções humanas capazes
de o expressar. O tributo que exigia dos homens, embora racional, jamais poderia ter sido deduzido pelo
homem natural. Ele de nada precisava, nada os homens Lhe podiam oferecer; a religião e o culto de
Israel eram não tanto ofertas do povo a Deus ou meios pelos quais ele colaborava na Sua obra, como
dádivas de Deus ao seu povo.

O poder sobrenatural de Jeová revelou-se no êxodo. Aí Se revelou como Senhor da história e da


natureza. A experiência humana não é, pois, para a Bíblia, um ciclo infindo e desprovido de significado
mas um progresso e um caminho cujo objetivo é fixado, pelo próprio Jeová.

Esta nova concepção do mundo reafirmou-se na transferência da festa do Ano Novo para a Primavera. A
Páscoa não marcava, em primeiro lugar, qualquer aspecto do ano agrícola mas comemorava, sim, a
prova suprema de que Jeová era o Senhor da história. Em Canaã, o período natural para a festa do Ano
Novo, era o Outono (a festa dos tabernáculos), altura em que estavam terminadas todas as colheitas e
em que, com as primeiras chuvas, aparecia a primeira manifestação de vida nova. O fato explica a razão
por que se conservou especialmente a Páscoa quando das grandes reformas efetuadas por Ezequias e
Josias.

IV. A "CANANEIZAÇÃO" DO CULTO DE JEOVÁ

O pai de Abrão participara da religião natural da sua época (#Js 24.2) e nada leva a crer que nos círculos
patriarcais a memória do passado tivesse desaparecido por completo. O bezerro de ouro (#Êx 32.4)

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encontra melhor explicação no pensamento semita, como o demonstram as tábuas de Ras Shamra, do
que no culto egípcio do touro. Depois, os festivais israelitas estavam tão ligados ao ano agrícola como os
cananeus. Como o demonstram as tábuas de Ras Shamra e as inscrições sacrificiais de Marselha e
Cartago, os métodos sacrificiais apresentavam notáveis semelhanças. Era, portanto, fatalmente fácil ao
israelita comum dar a Jeová uma interpretação cananéia tomá-Lo como o maior dos deuses e não como
Deus único, fazê-Lo descer ao nível da, natureza e, por conseqüência, considerá-Lo natural e, num
plano igualmente natural, interpretar os Seus mandamentos.

É difícil saber-e muitas são as controvérsias que à volta deste assunto se têm levantado-até que ponto
Israel foi influenciado pelo culto cananeu no tempo dos juízes a até que ponto esse culto foi erradicado
no período que vai de Samuel a Salomão. A impressão que nos causam #Ez 20; #Jr 2.1-13; #Os 2 etc.,
é a de que o veneno não cessou de atuar. Salomão muito contribuiu para criar uma atmosfera favorável
a essa religião "cananeizada", revestindo de suntuoso esplendor um templo que, para o homem simples,
era a própria habitação de Jeová e, sobretudo, facilitando a adoração de outros deuses (#1Rs 11.1-8). A
elaboração do ritual do templo obedecia às mesmas diretrizes como o provam as freqüentes denúncias
dos profetas. Quaisquer que tenham sido as suas intenções, Jeroboão, aceitando o princípio de "realeza
divina", tornando a festa do Outono a mais importante não só no conceito do povo mas, por direito e
sobretudo, escolhendo o touro para pedestal de Jeová e símbolo da Sua presença (#1Rs 12.28 nota),
consumou a progressiva cananeização da religião de Israel.

Até que ponto se deu essa cananeização da religião tanto em Israel como em Judá, não é possível dizer.
Não há dúvida de que, de uma maneira geral, a sua religião era muito superior à dos povos vizinhos.
Não há provas de que se tivesse feito qualquer imagem de Jeová -nunca a arqueologia o comprovou. A
freqüente descoberta em todos ou quase todos os centros Israelitas de pequenas figuras de deusas-
mães e a freqüente alusão a Asera, como símbolo e como deusa, dão-nos praticamente a certeza de
que a mente popular atribuía uma esposa a Jeová, embora nada faça supor que se Lhe atribuíssem
filhos. Os papiros elefantinos provam indiscutivelmente esta corrupção do culto e dado que os que o
prestavam não deixavam de se considerar bons israelitas, é evidente que se tratava de uma corrupção
largamente aceita.

Em épocas de apostasia, como nos tempos de Jorão, Acazias, Acaz e Manassés, a situação agravou-se.
Praticava-se a prostituição ritual (Oséias parece sugerir que ela se tornara um aspecto normal da vida
religiosa do norte), existiam muitos outros deuses a par de Jeová e introduziram-se abominações como
os sacrifícios humanos. Como, quaisquer que fossem os deuses que se adoravam, Jeová permanecia
Deus de Israel, mesmo quando, nos reinados de Acaz e Manassés os deuses da Assíria eram
considerados relativamente mais poderosos que Ele, conclui-se que tais abominações eram praticadas
em Seu nome (ver #2Rs 16.3 nota).

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Os santuários locais ou "altos" (#1Rs 3.2-3 nota; 15.14 nota) eram de dois tipos. Uns representavam a
continuação ou ressurgimento dos velhos santuários cananeus, nos quais, se perpetuavam as tradições
cananéias. Estes desapareceram com a reforma de Asa (#2Cr 14.3 nota), mas tudo indica que
ressurgissem no reinado de Jorão. Outros eram santuários de Jeová, legítimos ou ilegítimos de acordo
com a interpretação que se der à legislação do livro do Deuteronômio. Mas como na maior parte
representavam idéias religiosas de caráter popular, tornavam-se um perigo cada vez maior; foi o
reconhecimento deste fato que levou Ezequias e Josias a considerarem necessária a sua destruição.

V. A INTERPRETAÇÃO PROFÉTICA DA RELIGIÃO POPULAR

A história de Israel foi escrita ou por profetas ou pelos discípulos destes. Os escritores recusaram-se a
descrever pormenorizadamente o culto pagão que os rodeava, designando todos os deuses pelo nome
de Baal, o mais popular dos deuses cananeus e as deusas pelo nome de Astarote (Ishtar, Astarte) e,
ocasionalmente, Asera.

O que sobretudo interessa fixar é que eles consideravam Jeová reduzido à estatura de um deus da
natureza, como deus da natureza e não como o Deus que os trouxera do Egito e fizera o concerto do
Sinai. Por isso viram o culto popular de Jeová como sendo simplesmente o culto de Baal. Eis uma das
razões por que não surgem como reformadores. Não estava em causa a verdadeira religião, nalguns
pontos corrompida, mas uma religião fundamentalmente falsa por mais que a sua linguagem se
assemelhasse à verdadeira. Foi a certeza de que reis como Ezequias e Josias não haviam
compreendido este fato que determinou que profetas da estatura de Isaías e Jeremias se mantivessem
afastados das grandes reformas do seu tempo.

VI. O REI DE ISRAEL

Saul não fora ungido "rei divino" mas capitão (#1Sm 9.16; #1Sm 10.1 -heb. naghidg), isto é, chefe
secular do estado. Ao atribuir-se funções sacerdotais (#1Sm 13.9-10) e ao reclamar um conhecimento da
vontade de Jeová superior ao de Samuel (#1Sm 15.20-21) Saul pretendeu ser "rei divino" e a pretensão
custou-lhe o trono. Verificou-se depois e sempre a forte tentação de seguir o seu exemplo. Salomão, ao
depor Abiatar substituindo-o por Zadoque estabeleceu a superioridade da realeza sobre o sacerdócio,
superioridade que não parece ter sido posta em causa nem desafiada enquanto a monarquia durou.

Foi indiscutivelmente Salomão quem tomou a iniciativa de construir o templo e de inaugurar as suas
cerimônias. Todas as alterações posteriores, tanto reformas como apostasia, são atribuídas ao rei. Não
só Uzias mas Acaz (#2Rs 16.12-13) nos são claramente apresentados como atuando de acordo com o
conceito de "reis divinos" e o mesmo se poderia, sem dúvida, dizer de todos os outros reis que adotaram
a religião cananeizada; a alta dignidade que esta lhes conferia seria, até, uma das suas atrações.

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No norte, o que não passava de tendência em Judá tornou-se logo um princípio, se bem que talvez não
atingisse as proporções, que atingiu nas terras vizinhas. Jeroboão I, com a sua política religiosa (#1Rs
12.25-33 nota) arrogou-se, indiscutivelmente, direitos de "rei divino" e nada faz supor que os seus
sucessores se afastassem muito da linha de ação por ele traçada. A sua atitude fazia parte do "pecado
que Jeroboão, filho de Nebate, fez pecar a Israel" (#1Rs 14.16).

É muito provável que uma das razões por que Deus não restaurou a monarquia em Israel, após o exílio,
fosse querer libertar a religião da indevida interferência do Estado. Note-se, todavia, que a atitude
independente dos profetas terá evitado que até o pior dos reis atingisse as culminância do paganismo a
que haviam chegado os seus contemporâneos dos países vizinhos.

H. L. Ellison.

APÊNDICE II-AS IMPLICAÇÕES DAS ALIANÇAS POLÍTICAS

No mundo antigo nada havia de puramente secular e consideravam-se os deuses dos diferentes países
tão envolvidos nas questões internacionais como os próprios cidadãos desses países. É o que se verifica
claramente no discurso do Rabsaqué (#2Rs 18.33 e segs.) em que a conquista de cidades equivale a
uma conquista dos respectivos deuses. Nos tratados egípcios e heteus ainda existentes, os deuses dos
países são invocados como testemunhas. Segue-se, pois, que ao entrar Israel em alianças
internacionais, Jeová, na concepção popular, entrava também em negociações com os deuses dos
países em questão. No tipo de aliança feita entre Salomão e Hirão de Tiro ou entre Asa e Ben-Hadade
de Damasco, Jeová era essencialmente colocado ao mesmo nível dos deuses destes países. A situação
acarretava, por seu turno, o tipo de religião descrito no Apêndice I.

Ao entrar em alianças políticas com a Assíria e o Egito, Israel desempenhava o papel do aliado mais
novo, o que implicava, na esfera religiosa, uma posição igualmente inferior para Jeová. No primeiro tipo
de aliança, as implicações religiosas poderiam passar despercebidas a todos, exceto aos profetas; mas
no último, eram por demasiado óbvias. Considerar Jeová como mera deidade da natureza era simples
lógica religiosa para Acaz e Manassés; e não a deidade mais importante, antes uma das muitas
existentes na vasta família de deuses e inferior às deidades da Assíria. Seria necessária a visão de
Isaías (#Is 10.5-27) para reconciliar a vassalagem de Judá com a deidade única de Jeová. Outras
possíveis implicações de alianças políticas são as que nos demonstram os resultados do casamento
político de Acabe e Jezabel. Esse casamento legalizou o culto do Baal Tírio em terras de Israel. Tais
casamentos políticos eram particularmente indesejáveis pela influência exercida pela rainha mãe sobre o
filho.

H. L. Ellison.

APÊNDICE III-OS GRANDES IMPÉRIOS DURANTE O PERÍODO DA MONARQUIA

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I. ANTECEDENTES DA MONARQUIA UNIDA

Nos princípios do século doze A. C., com a morte de Ramessés III, desapareceu rapidamente a
influência egípcia em Canaã e o Egito entrou num longo período de enfraquecimento interno. Tiglate-
Pileser I (1112-1074) da Assíria destruiu o poder dos heteus e da Babilônia e passou ao Mediterrâneo,
onde se impôs pela força das armas; mas pouco depois da sua morte também o poderio da Assíria
declinou. Como resultado, Davi e Salomão não encontram, no Próximo Oriente, nenhum poderoso
adversário que se oponha ao fortalecimento de Israel. A única força vizinha de Israel era a das cidades
costeiras da Fenícia, cujo principal interesse era mercantil e se situava além-mar.

II. O PANORAMA POLÍTICO ATÉ À MORTE DE JEÚ

A XXII dinastia egípcia com Sisaque ou Sheshenk (c 946) marca o princípio de uma nova era. O
ressurgimento do poder egípcio nunca bastou para tornar prováveis quaisquer conquistas duradouras do
Egito na Ásia, mas foi suficiente para quebrar a força de Roboão depois do que os reinos israelitas
nunca deixaram de ser enfraquecidos pelos ataques ou intrigas egípcios.

A Assíria despertou da sua letargia com Adade-Nirari II (909-889) e foi, a partir de então, até à sua
queda, a maior potência do Oriente Próximo. O avanço relativamente lento da Assíria até ao tempo de
Tiglate-Pileser III foi principalmente devido à ausência de um sistema que lhe permitisse a manutenção
do território conquistado. De qualquer modo, a partir do reinado de Assurnasirpal II (883-859) a Assíria
apoiou-se na sua crueldade. "O seu procedimento habitual após a captura de uma cidade inimiga era
queimá-la e em seguida mutilar todos os prisioneiros adultos do sexo masculino cortando-lhes as mãos e
as orelhas e vasando-lhes os olhos; depois do que, eram amontoados uns sobre os outros, num
gigantesco montão, e abandonados à tortura do sol, das moscas, das feridas e da sufocação; as
crianças, de ambos os sexos, eram amarradas a postes e queimadas vivas; e o chefe era levado para a
Assíria onde era esfolado vivo para deleite do rei". Embora os seus sucessores não chegassem a atingir
tais requintes de crueldade, o ódio que despertavam era tal (cfr. #Na 3) que o valor da política seguida
era apenas de curta duração. Todos os pretextos serviam para a revolta e sempre que subiam ao trono
os reis assírios eram obrigados a debater-se com as rebeliões dos estados vassalos.

Assurnasirpal submeteu, no Mediterrâneo Hamate e as cidades fenícias. Salmaneser III (858-824)


avançou para o sul e defrontou-se com uma grande confederação síria em Carcar (853). Segundo a
descrição assíria, Acabe participou nela com 2000 carros (o maior contingente) e 10.000 soldados de
infantaria (um contingente só excedido pelo de Damasco). Embora Salmaneser pretendesse ter saldo
vitorioso, a seqüência dos acontecimentos sugere antes uma batalha de resultados indeterminados ou
mesmo a derrota. Falharam os subseqüentes ataques a Damasco de 848 e 845, mas as cidades fenícias
voltaram a ser submetidas em 842. Em 841 Damasco sofreu uma séria derrota e ficou muito
enfraquecida. Entre outros, Jeú passou a pagar tributo. A Babilônia tornou-se igualmente tributária.

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III. TIGLATE-PILESER III

Na velhice de Salmaneser eclodiu na Assíria a guerra civil e o ocidente pôde, enfim, respirar. No reinado
de Adade-Nirari III (810-783) Hamate, as cidades fenícias, Jeoacaz de Israel, os filisteus, Edom e
Damasco foram tributários (803). Em meados do séc. nono A. C. surgira na fronteira nordeste da Assíria
um novo poder- Urartu. Era uma ameaça que se dirigia ao coração da Assíria e que muito a
enfraqueceu. Na primeira metade do século oitavo A. C. o poder da Assíria entrou em rápido declínio;
por fim pouco lhe restava do seu império além do território nacional. Foi este o período do ressurgimento
do poder de Israel no reinado de Jeroboão II. Depois, em 745, o general Pulu apoderou-se do trono e
sob o nome de Tiglate-Pileser (III) reinou até 727.

Introduziu o método de conservar e dominar o território conquistado deportando o escol da população


(cfr. seção XXVIII d do comentário). Embora este recurso não diminuísse antes intensificasse o ódio à
Assíria, é inegável a sua eficácia. A Assíria prosperou, fortaleceu-se cada vez mais até que se exauriu e
se deu o grande colapso.

Depois de estabilizar as fronteiras do nordeste e do sul, avançou para o Ocidente que submeteu em 742.
Foi por esta altura que Menaém pagou tributo (#2Rs 15.19-20). Seguiu-se a ameaça de Urartu. Rezim de
Damasco e Peca de Israel, vendo a multiplicidade de inimigos que rodeavam Tiglate-Pileser, julgando-o
incapaz de se defender de todos, formaram uma confederação contra ele e atacaram Acaz de Judá que
se recusou a juntar-se a eles (ver seções XXVII c, d, do comentário). O fato acarretou sobre eles a ira do
rei da Assíria. Os filisteus de Israel caíram em 734 e a Galiléia e a Transjordânia foram deportadas (#2Rs
15.29); em 732 Damasco foi tomada e todos os seus habitantes deportados. Seguiu-se a submissão de
todas as terras em volta de Israel. Acaz tornara-se, evidentemente, tributário, quando pediu o auxilio da
Assíria. Tiglate-Pileser viu terminada a sua obra quando se tornou rei da Babilônia.

IV. A ASSÍRIA NO APOGEU DO SEU PODER

Salmaneser V (726-722) teve de fazer face a uma situação inteiramente nova. O Egito estava sob o
poder da XXV dinastia (nubiana ou etíope) e alarmado pela presença dos assírios na fronteira, começou
a intrigar junto da Palestina. O fato teve como conseqüência a revolta de Oséias e a queda de Samaria
(723-2) (ver seção XXVIII a do comentário). Sargon (721-705) teve de fazer face à revolta da Babilônia
no princípio do seu reinado e foi seriamente derrotado por Elã, aliado de Merodaque-Baladã. Daqui
resultou uma revolta geral do Ocidente apoiada pelo Egito. Uma forte campanha em 720 restaurou o
poder assírio e conduziu a uma esmagadora derrota do exército egípcio no sul da Palestina. Foi
necessário subornar Sargon, para que este não invadisse o Egito. Registaram-se outras revoltas na
Palestina em 715 (cfr. #Is 20.1) e 711. Não se pode determinar até que ponto Ezequias esteve envolvido
nestes movimentos e se pôde agir a tempo de evitar as mais sérias conseqüências. Por altura da morte

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de Sargon o Império Assírio estendia-se do Golfo Pérsico à Cilícia e até à fronteira egípcia; até Chipre
pagava tributo.

O reinado de Senaqueribe (704-681) foi acolhido com uma revolta geral. Os territórios da Média
recentemente conquistados perderam-se para sempre mas a Babilônia, a despeito dos esforços de
Merodaque-Baladã, em breve foi retomada. Ao voltar-se para o Ocidente, Senaqueribe venceu
rapidamente toda a oposição, apesar da resistência egípcia (cfr. seção XXIX c do comentário).
Desforrou-se de uma das últimas revoltas da Babilônia e de uma derrota provável por parte de um
exército elamita que a apoiava, destruindo a Babilônia em 689. Nos anos que se seguiram (ou talvez em
701; ver seções XXIX f, h do comentário) as suas tropas foram vítimas de uma grande calamidade no sul
da Palestina ou na fronteira do Egito (#2Rs 19.35). Não muito tempo depois foi assassinado por dois dos
seus filhos. Já no seu reinado se divisa o princípio daquela perda de potencial humano que conduziria à
queda do Império.

Esar-Hadom (680-669) foi um dos maiores reis assírios. Uma das suas principais medidas foi a
construção da Babilônia e a sua política geral parece ter criado um inusitado clima de paz. Nas fronteiras
do norte fazia-se sentir a indesejável presença de novos povos mas não se consideravam ainda
inquietantes os seus movimentos. A única fonte de preocupação no Ocidente parece terem sido as
revoltas fenícias fomentadas pelo Egito; Manassés de Judá aparece-nos como um rei servilmente leal.
Esar-Hadom conquistou o Egito entre 674 e 671 mas mal saiu do país, Tiraca, que se retirara para a
Etiópia, voltou e provocou a revolta.

Coube a Assurbanípal (668-633) a reconquista do Egito, tarefa que lhe foi fácil. A tentativa de
reconquista do Egito por parte dos etíopes, tentativa a princípio coroada de êxito, teve como
conseqüência a invasão e a assolação de Tebas (Noa-mom, #Na 3.8 e segs.) em 663 pelos assírios.
Entre 663 e 646 Elã foi selvagemente atacada e destruída, enquanto a Assíria parecia estar no apogeu
do seu poder. Mas a violenta luta que se travara no Egito e em Elã representara um esforço demasiado
grande para as já frágeis reservas de potencial humano da Assíria. Por 650 a guarnição assíria teria já
sido retirada do Egito e Psamético, vice-rei do Egito, era já praticamente, embora não oficialmente,
independente. A Assíria esgotara o seu poderio e quando os citas invadiram o país, pouco antes da
morte de Assurbanípal, pouca resistência se lhes opôs.

V. A ASCENSÃO DA BABILÔNIA

A Assíria perdera já grande parte do Ocidente quando Assurbanípal morreu (cfr. seção XXXII) e
imediatamente depois seguiu-se a perda da Babilônia com Nabopolassar (625). Os medos, em franco
desenvolvimento sob a chefia de Ciaxares fizeram uma aliança com os citas e a Babilônia. Embora
Psamético enviasse um exército egípcio em auxílio da Assíria em 616, poucos resultados obteve; em
612 após um duro cerco, Nínive caía sob o ataque conjunto dos medos e dos babilônios, para não mais

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se erguer. Por volta de 609 desapareciam os últimos vestígios da Assíria. Os medos e os babilônios
dividiram entre si o Império Assírio e formaram, com o novo estado da Lídia, na Ásia Menor, uma tripla
aliança lealmente respeitada até que, por seu turno, caíram vencidos por Ciro da Pérsia.

Neco, filho de Psamético subiu ao trono do Egito em 609 e prontamente marchou nominalmente em
defesa da Assíria, nessa altura já irremediavelmente perdida, senão já inexistente, mas na realidade
disposto a conquistar todo o território a que pudesse lançar mão. De caminho derrotou Josias em Megido
(ver seção XXXII j do comentário) e saqueou a Síria até ao Eufrates. Mas quando Nabucodonosor, filho e
general de Nabopolassar, se defrontou com ele em Carquemis (605) a vitória foi rápida e a Babilônia
estendeu o seu reino até à fronteira egípcia. O Egito passou então a intrigar com Judá, para cujo destino
gostosamente contribuiu, tal como fizera com Israel, mais de um século antes. O principal apoio do Egito
vinha-lhe das cidades fenícias; Tiro resistiu a Nabucodonosor treze anos antes de depor as armas (cfr.
#Ez 29.17-18). É incerto que os triunfos babilônios ultrapassassem as fronteiras egípcias. A
Nabucodonosor (604-562) interessavam mais as empresas pacíficas e celebrizou-se pela reconstrução
da Babilônia. Os seus sucessores foram fracos e mostraram-se incapazes de fazer fa-ce à nova potência
que subitamente se ergueu.

Ciro, príncipe de Ansã, do sul da Pérsia, atacou Astíages da Média e destronou-o em 550. Em 547-6
coube-lhe o reino de Cresus da Lídia. Os três anos seguintes foram dedicados à tomada das cidades
jônicas da Ásia Menor. Finalmente, em 539, a Babilônia foi atacada e a cidade caiu em 538, após uma
campanha de seis meses. Quando Cambises, filho de Ciro, conquistou o Egito em 525, os países do
"Crescente Fértil" haviam-se fundido num império que se estendia de Cirene e da primeira catarata do
Nilo até aos Dardanelos e para oriente até às fronteiras da Índia. A nova fase da história espiritual
introduzida pelo regresso judaico do exílio coincidiu com o princípio de uma nova era na história do
mundo.

i
Extraído de DAVIDSON, Francis, O Novo Comentário da Bíblia, Ed. Vida Nova, 2ª Edição, 1980.**,
Reeditado e doado por “Consejero Del Amor”, Versão Completa.

Nota do Professor: Este texto não pode ser reproduzido para fins comerciais. Caso queira dispor da obra
completa, favor adquirir nas editoras e livrarias disponíveis. Honre sempre os direitos autorais através da
citação de origem das fontes de seu trabalho acadêmico. A Deus toda a glória

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