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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS


EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

SÉRGIO AGUIAR MONTALVÃO

O PRIMEIRO TEMPLO DE JERUSALÉM SEGUNDO O


IMAGINÁRIO PÓS-EXÍLICO
Um Estudo de sua Relevância, Função Social e seus Aspectos

SÃO PAULO
2015
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS
EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

O PRIMEIRO TEMPLO DE JERUSALÉM SEGUNDO O


IMAGINÁRIO PÓS-EXÍLICO
Um Estudo de sua Relevância, Função Social e seus Aspectos

Sérgio Aguiar Montalvão

Tese de Doutorado apresentada ao


Programa de Estudos Pós-Graduados
em Ciências da Religião para a área
de concentração Fundamentos das
Ciências da Religião da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo,
para obtenção do título de Doutor em
Ciências da Religião.

Orientador: Prof. Dr. João Décio Passos

SÃO PAULO
2015

2
Montalvão, Sérgio Aguiar.
O PRIMEIRO TEMPLO DE JERUSALÉM SEGUNDO O IMAGINÁRIO PÓS-
EXÍLICO – Um Estudo de sua Relevância, Função Social e seus Aspectos /
Sérgio Aguiar Montalvão. – São Paulo, SP: [s.n.], 2015.

Orientador: Prof. Dr. João Décio Passos.


Tese (Doutorado) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
Bibliografia. 219 f.

1. Primeiro Templo. 2. Jerusalém. 3. História Antiga. 4. Idade do


Bronze e do Ferro. 5. Período Neobabilônico. 6. Período Persa. I. Passos,
João Décio. II. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

3
Banca Examinadora:

_____________________________________________

_____________________________________________

_____________________________________________

_____________________________________________

_____________________________________________

4
À minha mãe e aos meus amigos...
companheiros de todas as horas...

5
Em memória e honra do grande e generoso intelectual
Prof. Dr. Milton Schwantes

6
AGRADECIMENTOS

Ao Prof. Dr. João Décio Passos pela orientação durante a tese de doutorado,
pela instrução à monitoria e pelo ensino à condução das aulas de Introdução ao
Pensamento Teológico para os cursos de graduação da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo.
Ao Prof. Dr. José Queiróz, braço amigo de todas as etapas desta pesquisa.
Ao Prof. Dr. Pedro Lima Vasconcelos, grande colaborador da minha tese e do
meu ingresso no programa de doutorado em Ciências da Religião da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, o qual neste momento encontra-se em uma
encruzilhada na sua vida, e se espera que, em algum momento, a luz brilhe em seu
caminho.
Ao Prof. Dr. Milton Schwantes (in memorian), por me transmitir a confiança
necessária para prosseguir no strito sensu na área de Bíblia Hebraica.
Ao Prof. Dr. Fernando Torres Lodoño e ao Prof. Dr. João Edênio, pela
contribuição e pelo estímulo na ingressão no curso de doutorado na Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo.
Ao departamento de Ciências da Religião da Pontifícia Universidade Católica
por no momento de fato me darem novas esperanças na continuidade da minha
pesquisa e da minha vida acadêmica.
Ao Prof. Dr. Silas Guerriero e à Profª Drª Maria José Rosado pelas valiosas
informações que contribuíram para a realização deste trabalho.
Ao Prof. Dr. Matthias Grenzer e à Profª Drª Maria Antônia Marques por darem
novo rumo à minha tese de doutorado, a qual, se fosse analisada por mãos erradas, já
ao ser defendida estaria ultrapassada e defasada.
Especificamente ao departamento financiador da CAPES-PROSUP pela minha
bolsa integral de estudos, que fundamentalmente mudou a minha vida e o meu modo
de pensar.
À minha mãe, por tudo que ela tem feito por mim até hoje, pelo seu carinho,
confiança e motivação.
Aos verdadeiros amigos, colegas e fãs da minha pesquisa, pela força e pela
vibração em relação a esta jornada.
Aos professores do Departamento de Ciências da Religião e aos colegas de

7
curso strito sensu e de disciplinas das Ciências da Religião da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, pois juntos trilhamos uma etapa importante de nossas vidas.

À secretária do Departamento de pós-graduação em Ciências da Religião,


Andréia Bisuli de Souza, pelo incentivo à minha tese, pelo árduo trabalho e pela
paciência na organização burocrática em geral.
Aos bibliotecários, pela concessão de informações valiosas para a realização
deste estudo.
A todos que, com boa intenção, colaboraram para a realização e finalização
deste trabalho.

8
“Mais vale um burro vivo do que um doutor morto”

Provérbio Italiano

9
MONTALVÃO, Sérgio Aguiar. O PRIMEIRO TEMPLO DE JERUSALÉM
SEGUNDO O IMAGINÁRIO PÓS-EXÍLICO – Um Estudo de sua Relevância, Função
Social e seus Aspectos, 2015. Tese (Doutorado em Ciências da Religião) – Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo.

RESUMO

A presente tese de doutorado visa apresentar o que veio a ser construído através
do imaginário sobre o “Primeiro Templo” de Salomão, o qual muitas pessoas ainda
acreditam nos dias de hoje que seja factual. Entretanto, o Templo, conforme o
apresentado na Bíblia Hebraica, jamais existiu, pois não passava de um anexo do
palácio do rei; tão pouco são factuais os mitos que circulam em torno dos reis Davi e
Salomão, que não foram tão grandiosos quanto a Bíblia Hebraica aponta. Apesar
disso, em dois momentos da História de Judá, na Revolução Deuteronomista e no
Retorno do Cativeiro, o Templo teve uma função centralizadora e necessitava de
diversos mitos fundantes para ser legitimado. Com tais mitos, o povo que estava
próximo ao Templo sentia-se mais parte da “Casa de Yahweh” por acreditar fazer
parte de um plano estabelecido pelo “Criador do Universo” e todas as histórias
inventadas e elaboradas pelo Deuteronomista e pelo Sacerdotal lhes davam maior
alegria e esperança. O que houve, de fato, foi a legitimação do poder do rei, no
contexto da Reforma Deuteronomista, e do poder do Sacerdote, no retorno do
Cativeiro, no começo do Período Persa. No pós-exílio, por ser um período mais
recente, encontra-se maior quantidade de elementos que caracterizam o estímulo do
imaginário popular sobre o “Primeiro Templo” do que no período da Reforma
Deuteronomista, apesar deste último ser um período de prosperidade para o Reino de
Judá.

Palavras-chave: Primeiro Templo; Jerusalém; História Antiga; Idade do


Bronze e do Ferro; Período Neobabilônico; Período Persa.

E-mail: montalvao_griphollium@yahoo.com.br

10
MONTALVÃO, Sérgio Aguiar. O PRIMEIRO TEMPLO DE JERUSALÉM
SEGUNDO O IMAGINÁRIO PÓS-EXÍLICO – Um Estudo de sua Relevância, Função
Social e seus Aspectos, 2015. Tese (Doutorado em Ciências da Religião) – Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo.

ABSTRACT

This doctoral thesis aims to present what came to be built through the
“Solomon’s First Temple” Imaginary, which many people still believe in the
nowadays that it is factual. However, the Temple as presented in the Hebrew Bible
never existed, because no more than an annex king’s palace; it’s also not factual the
myths circulating the kings David and Solomon, which were not as grand as the
Hebrew Bible points. Nevertheless, on two occasions in the history of Judah, the
Deuteronomist Revolution and the Return of the Captivity, the Temple had a
centralizating function and required many founding myths to legitimize it. With such
myths, the people who were near the Temple felt more part of the “House of Yahweh”
for believing participate of a plan established by the “Creator of the Universe” and all
the stories invented and developed by the Deuteronomist and the Priestly gave them
greatest joy and hope. What happened in fact was the king’s power legitimacy in the
context of Deuteronomist Reform and the priest’s power in the return of the Captivity
in the early Persian period. As for the post-exile, for being a more recent period, is
greater amount of elements that characterize the stimulation of popular imaginary
regarding the “First Temple” than in the period of the Deuteronomist Reform, despite
the latter being period of prosperity for the Kingdom of Judah.

Keywords: First Temple; Jerusalem; Ancient History; Bronze and Iron Age;
Neo-Babylonian Period; Persian Period.

E-mail: montalvao_griphollium@yahoo.com.br

11
ÍNDICE

Introdução ...................................................................................................................................... 14
Capitulo I – A Questão Deuteronomista........................................................................................ 23
1. O Desenvolvimento da Hipótese Documental Clássica ........................................................ 26
1.1 Os Primeiros Trabalhos Críticos ................................................................................. 27
1.2 Os Movimentos das Ideias do Século XIX ................................................................. 31
1.3 Os Estudos de De Wette .............................................................................................. 34
1.4 O Desenvolvimento dos Estudos de De Wette e seus continuadores ......................... 36
1.5 A Hipótese em Matéria de Fato e os estudos de Wellhausen...................................... 38
2. Origens da Teoria Deuteronomista .................................................................................... 45
2.1 A História Deuteronomista nos Livros de Reis ............................................................... 49
2.2 A Questão da Coerência da Redação dos Livros de Deuteronômio a Reis ..................... 54
2.3 A Discussão mais Recente do Estudo da Fonte Deuteronomista .................................... 60
2.4 Definição dos Autores “Deuteronomistas”...................................................................... 63
2.5 A Escola Deuteronomista: “Encontro do Livro” e Reforma Cúltica............................... 69
Capítulo II – O Senso Crítico sobre o Primeiro Templo ............................................................... 77
1. O Senso Comum sobre o Primeiro Templo ....................................................................... 78
2. História Deuteronomista e Historiografia ......................................................................... 80
3. Perspectiva Literária de Mario Liverani........................................................................... 82
3.1 A Fundação Mítica: A Unidade como Arquétipo ............................................................ 83
3.2 A Continuidade Dinástica e a História da Sucessão ........................................................ 87
3.3 Sabedoria e Justiça........................................................................................................... 90
3.4 Do Messianismo Régio ao Messianismo Escatológico ................................................... 93
4. Perspectiva Arqueológica de Finkelstein e Silberman ..................................................... 98
4.1 As “Memórias de uma Era de Ouro” ............................................................................... 99
4.2 A Formação Ideológica da Dinastia Real para Israel .................................................... 101
4.3 Uma Nova Perspectiva sobre o Reino de Davi.............................................................. 105
4.4 As “Conquistas de Davi” ............................................................................................... 108
4.5 O “Legado de Davi” ...................................................................................................... 109
Capítulo III – Teorias sobre o Primeiro Templo ......................................................................... 115
1. Teoria de Finkelstein e Silberman ................................................................................... 117
1.1 Os Mitos de Davi e de Salomão em Face ao Primeiro Templo ..................................... 118
12
1.2 Em Busca da Jerusalém do Templo ............................................................................... 121
1.3 Os Estábulos, Cidades e Portões do Rei Salomão ......................................................... 123
1.4 A Questão das Datas ...................................................................................................... 127
2. Teoria de Mario Liverani.................................................................................................. 129
2.1 Templos do Território de Israel e Templos Babilônicos ............................................... 130
2.2 O Mito do “Primeiro Templo”....................................................................................... 133
3. Discussão das teorias sobre o Templo monárquico ........................................................ 138
Capítulo IV – Balanço Crítico ..................................................................................................... 140
1. Os Autores Trabalhados ................................................................................................... 141
2. A Elaboração da Tese ........................................................................................................ 143
3. As Origens dos Reinos de Israel e de Judá ...................................................................... 144
4. A Figura do Rei Davi ......................................................................................................... 144
5. A Estruturação do Poder através da Literatura............................................................. 147
6. A Estruturação Ideológica da História de Israel e o Deuteronomista .......................... 147
7. A Arca da Aliança.............................................................................................................. 148
8. A Estruturação da Ideologia do Templo no Pós-Exílio .................................................. 149
9. Como a História do Templo deve ser contada ................................................................ 150
Capítulo V – Relevância da Memória do Primeiro Templo ........................................................ 157
1. O Programa Ideológico do Hexateuco ............................................................................. 158
2. O Programa Ideológico do Pentateuco ............................................................................ 164
3. A Teoria de Burger-Temple-Gescinde e o Pentateuco..................................................... 167
4. O Imaginário Radical ........................................................................................................ 170
5. A Estrutura do Primeiro Templo a partir do Imaginário Instituído............................ 173
6. A Função do Imaginário do Primeiro Templo ................................................................ 186
Conclusão .................................................................................................................................... 197
Referências .................................................................................................................................. 204

13
Introdução

Na presente pesquisa será estudada a questão do imaginário do Primeiro Templo de


Jerusalém no Pós-Exílio. O motivo para a escolha do estudo do Templo cuja construção é
atribuída a Salomão em Jerusalém, de acordo com o Imaginário Pós-Exílico, é o fato curioso de
boa parte dos seminários de Teologia contemporâneos ainda ensinarem o Templo pré-exílico de
acordo com o imaginário bíblico da construção do rei Salomão como fato histórico, sem
questionamento algum. Isso, por um lado, é uma defazagem teórica, pois os Estudos Bíblicos
contemporâneos já não defendem a hipótese de um Templo considerado original construído por
Salomão, pois os dados que se tem de medida do referido Templo são do Segundo Templo, e
originalmente, se houve um Templo em Jerusalém, não era tão grande quanto o apresentado na
Bíblia Hebraica. Por outro lado, há diversos elementos dos estudos bíblicos, tais como o estudo
da Teoria das Fontes de Julius Wellhausen, que por sua vez passou por diversas revisões desde o
século XIX até os dias de hoje, ao ponto de questionarem as fontes Javista e Eloísta e ao mesmo
tempo acompanharem os estudos contemporâneos de crítica literária e de arqueologia, que por
sua vez precisa ser ensinado de forma integral para não confundir os estudantes de teologia, pois
já é um choque para muitos deles saírem bruscamente da crença religiosa para o estudo material,
e não se pode avançar com tais alunos para não lhes trazer grandes problemas psicológicos.
Para que houvesse uma construção do imaginário do Templo Salomônico, houve dois
momentos na história de Judá: o primeiro, durante a reforma josiânica de aproximadamente 622
a.C., e o segundo, após o retorno do exílio na Babilônia em aproximadamente 457 a.C., que
foram apoiados pela propaganda literária dos escribas de sua época (o deuteronomista por volta
de 622 a.C. e o sacerdotal por volta de 457 a.C.).
Tal literatura teve o propósito de legitimar o Templo, Jerusalém e Judá como os centros
políticos e religiosos; ela, porém, produziu orgulho naqueles que estavam em volta do Templo.
14
Conforme o conceito de imaginário radical apresentado por Cornelius Castoriadis, pode-se
afirmar que não apenas os escribas tiveram enorme função na aceitação do Templo como
elemento central do povo de Judá, mas também o próprio povo que veio a aceitar tal divulgação.
Os escribas estavam imbuídos pela sua função de ensinar ao povo sobre os seus símbolos, assim
como o povo estava disposto a aceitá-los para a manutenção da sua própria identidade.
Dessa forma, cada indivíduo do povo de Judá, ou da Judeia, envolvido pelo ensinamento
dos escribas e pela crença de seus compatriotas, veio a firmar a sua identidade baseada na crença
dos mitos fundantes que sustentam a existência do Templo em sua ancestralidade epônima do
Templo considerado original construído por Salomão. Mesmo que os dados arqueológicos
desacreditem a existência factual do Templo monárquico de Judá, para o povo de Judá e da
Judeia em sua época, o Templo de Salomão de fato existiu e corresponde a uma vivência
legitimada por eles e pela sua identidade como povo.
De acordo com alguns autores, originalmente, não existiu um Templo pré-exílico conforme
a magnitude dos relatos bíblicos. Na perspectiva de Mario Liverani1, até pode ter havido a
construção de um Templo, mas não de acordo com o que é apresentado no 1º Livro de Reis.
Filkenstein e Silberman2 concluem pelos dados arqueológicos e históricos que a existência dos
reis Davi e Salomão não se deu de acordo com os relatos bíblicos, chegando a consequente não
existência de um Templo imenso construído na época, o que poderia produzir interferência
naquele ambiente, e não produziu, pois os povos cananeus, de acordo com as pesquisas dos
autores, ainda continuaram a viver suas vidas sem serem afetados pelo “Grande Império Israelita
da Bíblia Hebraica”.
Por um lado, Jean Louis Ska3, mediante teoria de Burger-Temple-Gescinde, aponta para o
apoio dos dominantes persas na manutenção ideológica do “Segundo Templo” (aproximadamente
no ano de 457 a.C.) com lendas e tradições que afirmam um “Primeiro Templo”. Mas, por outro
lado, Mario Liverani4 e Thomas Romer5 ressaltam as narrativas de Salomão como o grande
construtor do Templo datadas por volta dos séculos VII e V a.C., que podem ser anteriores ao
exílio. Devido ao conhecido, são levantadas duas questões:

1
LIVERANI, M. Para além da Bíblia: História antiga de Israel. São Paulo: Loyola/Paulus, 2008, pp. 393-403.
2
FINKELSTEIN, I.; SILBERMAN, N.A. A Bíblia não tinha razão. São Paulo: A Girafa, 2003, pp. 180-185.
3
SKA, J.L. Introdução à leitura do Pentateuco. São Paulo: Loyola, 2003, pp. 241-242.
4
LIVERANI, M. op. cit., pp. 393-403.
5
RÖMER, T. A chamada história deuteronomista: Introdução sociológica, histórica e literária. Petrópolis: Vozes,
2008, pp. 100-105.
15
1º) Se os escritos referentes ao rei Salomão como o grande construtor do Templo são
datados conforme Liverani e Romer, por volta dos séculos VII e V a.C., como se deu a
legitimação do Templo como pós-exílica? Ela pode ter sido anterior ao exílio? Ou pode ter
tomado parte da Reforma Deuteronomista de Josias?
2º) Há um relato de Neemias 8,8 no qual Esdras promove uma leitura na pública que foi
“traduzida”. De acordo com Chaim Rabin6, há duas interpretações: a leitura pública teria sido
feita em aramaico para agradar aos persas, pois a língua franca do Império Persa era o aramaico;
ou os exilados não poderiam compreender o hebraico lido da leitura pública. A questão é se tal
relato bíblico é verdadeiro ou inventado, e qual era de fato a língua falada pelos exilados após
retornar da Babilônia, se era o hebraico ou o aramaico. Acreditava-se que o hebraico havia
perdido a sua força como língua falada coloquialmente neste contexto, mas se isso for verdade, o
trabalho de legitimação da ideologia do Templo poderia ter sido maior do que o imaginado.
Referente à questão da divulgação pós-exílica da ideologia do templo, a princípio optar-se-
á pela leitura dos textos em aramaico, se o relato de Neemias 8,8 for verdadeiro, pois Jean Louis
Ska também aponta para um apoio do império persa para a divulgação da ideologia do Templo.
Quanto à utilização dos textos de Salomão datados por volta dos séculos VII e V a.C. para a
ideologia do Templo, pode-se levantar a hipótese de eles terem sido utilizados durante a reforma
de Josias (por volta de 622 a.C.). Entretanto, de acordo com Filkenstein e Silberman7, houve de
fato uma reforma de Josias, mas conforme os dados arqueológicos, não nas dimensões radicais
dos relatos bíblicos, pois foram encontradas imagens da deusa Asherah datadas do seu reinado,
por volta do século VI a.C. Portanto, não se deve abandonar a hipótese da legitimação da
construção do Templo pelo rei Salomão durante a reforma deuteronomista ou josiânica, sendo os
mesmos textos utilizados novamente na construção do “Segundo Templo” para nova legitimação
do referido.
A tese a ser defendida é que para legitimar a existência do Templo houve a elaboração da
literatura deuteronomista durante a reforma de Josias, que ocorreu por volta de 622 a.C., e da
fonte sacerdotal no retorno do exílio durante o período de Esdras, por volta de 457 a.C. As fontes
conhecidas, a deuteronomista e a sacerdotal, serviram como instrumento de centralização do
Templo, e todas as elaborações literárias relacionadas ao “Primeiro Templo” criadas por ambas

6
RABIN, C. Pequena história da língua hebraica. São Paulo: Summus, 1973, p. 47.
7
FINKELSTEIN, I.; SILBERMAN, N.A. op. cit., pp. 180-185.
16
as fontes serviram para legitimar e centralizar o “Primeiro Templo” e o “Segundo Templo com
histórias do Primeiro” como objetos de vontade divina e inquestionável. Como todos os Estados
precisam de uma capital, a legitimação do Templo através das fontes deuteronomista e sacerdotal
também serviu para legitimar a cidade de Jerusalém como capital, e cidade principal de Judá, no
período de Josias e no período do Exílio.
No Templo Monárquico de Judá, as três teorias utilizadas serão a de Mário Liverani8, a de
Israel Filkenstein, com seu parceiro de livro Neil Asher Silberman9, e de Burger-Temple-
Gescinde apresentada por Jean Louis Ska10.
Mario Liverani11 questiona a dimensão do Templo pré-exílico de Jerusalém apresentada na
Bíblia Hebraica. Em sua perspectiva, ele acredita de fato que houve uma construção do Templo
monárquico do Reino de Judá, mas nas condições de época, e não como uma obra magnífica de
acordo com o relato bíblico, até mesmo a destruição do referido Templo cuja construção é
atribuída a Salomão datada por volta de 586 a.C., que se limitava a saques e incêndios, pois um
Templo da magnitude apontada da Bíblia Hebraica não seria destruído tão facilmente conforme
os relatos das Escrituras Sagradas. Desta forma, o autor conclui que o Templo pré-exílico de
Jerusalém apresentado na Bíblia Hebraica foi baseado nos templos da Babilônia das cidades de
Borsipa, Nippur e Uruk que eram organizações bem complexas, dotadas de um poder econômico
e político relevante, com estruturas arquitetônicas imponentes, e o palácio real, cujo templo era
anexo conforme relata a Bíblia Hebraica, é um projeto de palácio em estilo persa, com data entre
os séculos VI e V a.C., semelhante na estrutura aos de Susa e Persépolis.
Filkenstein e Silberman12 se baseiam absolutamente nas provas arqueológicas e históricas,
pois para eles é questionável a existência dos reis Davi e Salomão por eles não serem citados nas
fontes egípcias e mesopotâmicas, ainda que levem em conta a possibilidade de tal ausência de
citações ocorrer devido à decadência das civilizações egípcia e mesopotâmica. Ressaltam, porém,
que nos dados arqueológicos não há evidência para as conquistas de Davi ou para o seu império;
nos vales, a cultura canaanita se mantém, ininterrupta, e sobre as construções salomônicas, não há
sinal de arquitetura monumental ou cidade importante em Jerusalém, ou de construções em larga

8
LIVERANI, M. op. cit.
9
FINKELSTEIN, I.; SILBERMAN, N.A. op. cit.
10
SKA, J. L. op. cit.
11
LIVERANI, M. op. cit., pp. 393-403.
12
FINKELSTEIN, I.; SILBERMAN, N.A. op. cit., pp. 180-185.
17
escala nas cidades de Meggido, Hazor e Gezer; no norte, continua a cultura material de Canaã.
Ou seja, não há vestígios de um poderoso império israelita interferindo na cultura cananeia ou
canaanita, do que pode se deduzir a inexistência, não apenas dos reis Davi e Salomão, mas
também do Templo cuja construção é atribuída ao rei Salomão.
Jean Louis Ska13 levanta a teoria de Burger-Temple-Gescinde relacionada à importância do
Templo no pós-exílio, consistente na comunidade dos cidadãos unidos em torno do templo, pois
para que houvesse um Templo em Jerusalém no pós-exílio, o governo persa precisaria reconhecer
os direitos e os privilégios do templo e da comunidade ligada a ele, o que foi emitido pelo rei
Ciro de acordo com o Livro de Esdras 1,1-4, e, consequentemente, seria desenvolvida uma
literatura inteira para legitimá-lo, que é a conhecida como Sacerdotal, que, a princípio, não tem a
intenção de ser desdobrada na tese em prol da literatura Deuteronomista, considerada anterior à
Sacerdotal.
Em seguida, será tratado o conceito de imaginário, no qual imaginário é aquilo que só
existe na imaginação, ou que apenas a imaginação pode alcançar. Mas o imaginário também pode
ser o fabricante de imagens, ou aquele que faz ou manufatura imagens, que poderia ser o redator
da literatura bíblica. Contudo, será trabalhada a construção da imagem do tempo, na qual o tempo
da construção do Templo pré-exílico típico é considerado como um tempo “infinito”
representado como um tempo de progresso, de crescimento ilimitado, de acumulação, de
racionalização, de conquista da natureza, de aproximação cada vez maior de um saber exato total,
de realização de fantasia de onipotência, expresso pela imagem do rei Salomão, tido como o
grande construtor do Templo. Tal magnífica obra existe em e por esta instituição explicita de seu
tempo identitário e de seu tempo imaginário, visivelmente indissociáveis, pois para o judeu
religioso e para o cristão, o Templo construído pelo rei Salomão sempre existiu e faz parte da sua
identidade ao ponto de sua negação ser tida como um abandono da sua religião.
Dessa forma, o Templo pré-exílico como imagem social instituída foi resultado tanto dos
escribas que produziram a sua literatura como de sua sociedade que acatou tal literatura em prol
da manutenção de sua identidade. O Templo cuja construção é atribuída ao rei Salomão em sua
sociedade se torna a imagem de um povo por representar o tesouro e o orgulho de uma
coletividade que é definido pelos outros em relação a um “nós”, ao representar uma imagem
denominada “Templo”. Ou seja, o Templo considerado original é um dos símbolos da

13
SKA, J.L. op. cit., pp. 241-242.
18
coletividade e da sociedade que o instituiu, pois representa o seu tesouro e o seu orgulho, ao
ponto de a descrença na existência da referida construção religiosa tornar o indivíduo
consequentemente desvinculado de sua identidade, seja ela judia pós-exílica, judia rabínica ou
cristã em todas as suas vertentes.
Todas as teorias baseadas nas evidências arqueológicas e históricas apontam que
factualmente não houve um rei Davi de acordo com a narrativa bíblica, tampouco um rei
Salomão conforme a mesma, e muito menos um Templo original gigantesco factual construído
por ele, e que houve motivações oriundas da construção do “Segundo Templo” que legitimaram
ideologicamente o “Segundo” a fundamentar nas lendas e mitos do “Primeiro Templo”.
Percebe-se, porém, que há autores14 que ainda tomam os relatos da Bíblia Hebraica como
fatos históricos, o que já foi vencido há muito tempo, e precisam ser mais questionados do que
aplicados devido a sua defasagem teórica.
Desta forma, os autores a serem trabalhados15 não apenas tomam o luxo dos relatos bíblicos
como meras invenções, mas também se fundamentam nos dados históricos e arqueológicos, pois,
para eles, não se menciona a veracidade bíblica sem comprovação histórica e arqueológica, o que
dá um tom de imensa seriedade no trabalho dos referidos acadêmicos.
Será utilizado o método histórico-crítico em diálogo com Bost e Pestana16. Esse método de
estudo e pesquisa bíblica leva em conta o contexto histórico que envolve o texto, e faz uma
avaliação acurada (crítica) de todas as fontes de informação, ao considerar a época e a situação na
qual o texto foi escrito. Segundo Fitzmyer17, o método histórico-crítico tem como principal
objetivo o acesso às circunstâncias históricas que compõem o texto bíblico. Para o autor, este
enfoque histórico, na realidade, não comporta vários métodos distintos, mas somente um, que se
desenvolve em várias etapas, as quais, por sua vez, mantêm estreita relação entre si. Fitzmyer
enfatiza que a exegese histórico-crítica tem por princípio a construção de uma arqueologia
literária, que possibilita a constituição de textos tendo em vista a forma que os autores utilizaram
para expressar sua mensagem. Esse método recorre a critérios científicos tão objetivos quanto

14
BRIGHT, J. História de Israel. 7ª ed. Revista e Ampliada. São Paulo: Paulus, 2003; FOHRER, G. História da
religião de Israel. São Paulo: Paulinas, 1982.
15
LIVERANI, M. op. cit.; FINKELSTEIN, I.; SILBERMAN, N.A. op. cit.
16
BOST, B.J.; PESTANA, A.C. Introdução ao estudo bíblico. Disponível em:
<http://www.hermeneutica.com/principios/introducao.htm>. Acesso em: 14/08/2011.
17
FITZMYER, A.; JOSEPH, S.J. Escritura, a alma da teologia. São Paulo: Loyola, 1994.

19
possíveis. Fitzmyer afirma que o instrumental histórico-crítico inclui diversas etapas: crítica
textual, crítica das fontes, crítica dos gêneros literários, crítica da redação, história da tradição, e a
reconstrução do ambiente histórico em que foi produzido o texto e sua interferência naquele
ambiente.
Em questões práticas, o método histórico-crítico referido por Fitzmyer pode ser aplicado às
questões relacionadas ao imaginário do Templo cuja construção é atribuída ao rei Salomão, pois
houve uma motivação para que fossem elaborados textos que legitimassem o “Segundo Templo”
relacionando-o aos mitos do “Primeiro Templo”, pois, de acordo com Jean Louis Ska18, houve
um apoio persa para que fosse produzida uma literatura legitimadora do Templo de Jerusalém
construído após o exílio, e tal fato interferiu não apenas na comunidade, mas também nos
moradores que se localizavam em torno do Templo.
A pesquisa se divide em cinco capítulos. O primeiro capítulo refere-se à questão
deuteronomista; o segundo capítulo discorre sobre a crítica ao senso comum sobre o Templo pré-
exílico; o terceiro capítulo faz alusão às teorias acadêmicas relacionadas ao Templo monárquico
do reino de Judá; o quarto capítulo faz um balanço crítico relacionado ao presente estudo; o
quinto e último capítulo, aproxima-se do título do referido trabalho, ao se apresentar a relevância
da memória do Templo cuja construção é atribuída ao rei Salomão.
O primeiro capítulo, que trata da questão deuteronomista, divide-se em dois subcapítulos: o
primeiro sobre o desenvolvimento da teoria das fontes até chegar ao seu “criador”, Julius
Wellhausen, e o segundo, sobre o desenvolvimento da fonte deuteronomista.
O segundo capítulo, cujo tema é a crítica ao senso comum sobre o Templo pré-exílico,
possui quatro subcapítulos: o primeiro, sobre as formas de hermenêutica não acadêmicas da
leitura bíblica que não enfocam no questionamento à existência do Templo monárquico do reino
de Judá conforme a narrativa bíblica; o segundo, sobre a diferença entre história deuteronomista e
historiografia; o terceiro, sobre a abordagem literária de Mário Liverani; e o quarto e último,
sobre a abordagem arqueológica dos autores Finkelstein e Silberman.
O terceiro capítulo trata-se de um balanço geral no qual o autor da tese traz algumas
considerações relacionadas à pesquisa que trouxeram algum aprendizado para o pesquisador e
contribuem para facilitar a leitura do presente documento de uma forma geral.

18
SKA, J.L. op. cit., p. 241-242.
20
O quarto capítulo traz as duas principais teorias sobre o templo: de Mario Liverani e de
Finkelstein-Silberman. Mario Liverani traz uma teoria mais voltada para o pós-exílio, ao passo
que Finkelstein e Silberman trazem outra teoria contextualizada na Reforma de Josias, porém,
ambas as teorias são válidas, o que se deve levar em conta é o campo forte de cada uma das
teorias.
O quinto e último capítulo, que é sobre a relevância da memória do templo, possui a
terceira teoria, que é apresentada por Jean Louis Ska, denominada como Burger-Temple-
Gescinde e relacionada à importância do Templo no pós-exílio, consistente na comunidade dos
cidadãos unidos em torno do templo, pois para que houvesse um Templo em Jerusalém no pós-
exílio, que é uma teoria mais cabível à relevância da memória do Templo considerado original,
cuja construção é atribuída a Salomão. No final do capítulo, há o fechamento com a teoria do
imaginário radical de Cornelius Castoriadis, na qual o Templo pré-exílico possui um significado
de união para aqueles que se orgulhavam deste como símbolo de seu povo por possuir uma
história que provoca determinada comoção social.
Percebe-se que a ideia socialmente instituída do Templo considerado como original
constrói o passado e legitima o presente, pois para que o seu presente seja reconhecido, necessita
de um passado glorioso no qual o Templo cuja construção é atribuída ao rei Salomão era tido
como inigualável, não apenas pela presença de Yahweh como materialmente como as paredes e o
teto sendo, conforme a narrativa bíblica, completamente revestidos de ouro (1 Reis 6,15/18/21-
22/29). Da mesma forma, há a construção do passado não apenas no Templo pré-exílico, mas da
mesma forma na fábula do Tabernáculo que legitima as práticas religiosas na época de Moisés no
deserto, pois o Tabernáculo possui as mesmas medidas do Templo cuja construção é atribuída ao
Rei Salomão (Êxodo 26). A legitimação do Templo através do Tabernáculo dá uma
ancestralidade bem anterior a de Salomão, originária no deserto, anterior à suposta entrada dos
hebreus em Canaã (pois, historicamente, os hebreus nunca saíram de Canaã).
Através da construção desta ancestralidade epônima como ideia socialmente instituída do
Templo pré-exílico, os escribas produziram o orgulho em seu povo por possuírem um Templo
que tinha uma história, que para eles não era algo que foi instituído no pós-exílio, mas foi
instituído em épocas anteriores. Há, inclusive, mais um símbolo que legitima a anterioridade

21
epônima do templo; segundo Karen Armstrong19, havia a crença de que o Templo judaico fora
construído no local em que Abraão atara Isaque para imolá-lo, o que dá uma anterioridade
patriarcal ao Templo cuja construção é atribuída ao rei Salomão.
Desta forma, tal Templo se torna a imagem de um povo, do “nós”, pois representa o tesouro
e o orgulho de uma coletividade que é definida pelos outros em relação a um “nós”, ao
representar um ‘nome’, pois o Templo monárquico do reino de Judá possui uma história que vai
desde o período dos patriarcas epônimos do povo de Israel, passa pela sua construção atribuída ao
rei Salomão e acaba com a sua destruição pelas mãos de Nabucodonosor em aproximadamente
586 a.C., e representa a história de um povo, do “nós”, do “nosso orgulho”, ao ponto de
indissociar a imagem do Templo considerado como o original do povo judeu. Caso haja a
negação do referido Templo, há a automática negação da identidade do povo judeu. Tal negação
hoje em dia transfere-se para a identidade das religiões judaico-cristãs, pois os seus religiosos não
negam a existência do Templo, visto que tal negação acarretaria a negação das referidas religiões.
.

19
ARMSTRONG, K. Jerusalém, uma cidade, três religiões. São Paulo: Companhia das Letras, 2000, pp.
72-81.
22
Capitulo I – A Questão Deuteronomista

Este capítulo desdobrar-se-á sobre a questão deuteronomista relacionada ao Templo cuja


construção é atribuída ao rei Salomão. A construção do Templo pré-exílico, conforme a narrativa
bíblica, encontra-se em duas versões: a Deuteronomista, de 1 Reis 5,15 – 9,25, e a Cronista, de 2
Crônicas 1,18 – 8,16. Mas a edição cronista, cuja composição se fundamenta nos livros de
Crônicas, Esdras e Neemias, é bem posterior a deuteronimista, pois é datada por volta do ano 300
a.C., período do começo da era helenística, ao passo que a edição deuteronomista abrange uma
composição vai desde a reforma josiânica, fundamentada nas propagandas de Josué, nas leis
deuteronomistas e nos reis que legitimaram Josias, até o final do período babilônico. Pelo motivo
da edição deuteronomista ser a mais antiga e mais próxima às origens do imaginário do Templo
monárquico do reino de Judá e da redação cronista ser uma versão mais positivada e menos
negativada de Salomão e de sua construção, dar-se-á preferência para a análise da questão
deuteronomista.
Mas há dois momentos na história material de Judá nos quais o Templo considerado como
original é enfatizado: na Reforma Deuteronomista do Rei Josias e no retorno do exílio da
Babilônia.
Porém, a necessidade aqui é de se saber em primeiro lugar quem é o Deuteronomista, em
qual contexto ele surgiu, e como ele foi descoberto pelos estudiosos da Bíblia Hebraica.
Primeiramente, há a introdução de Jean Louis Ska sobre as fontes documentais Bíblicas que serão
explanadas na sequência.

23
De acordo com Jean Louis Ska20, as quatro grandes fontes documentais são do Javismo
davídico-salomônico, do Eloismo do reino do Norte, do Deuteronomismo resultante da reforma
de Josias do por volta do ano de 622 a.C., e, por fim, a fonte Sacerdotal, exílica ou pós-exílica.
O assunto da teoria da hipótese documental das quatro fontes será retomado posteriormente
no decorrer da presente pesquisa, pois cada uma das fontes, conforme as conclusões de Julius
Wellhausen, através das pesquisas de seus antecessores, possui características distintas, que são
as seguintes:
1) Javista – foi uma das primeiras fontes documentais juntamente com a fonte eloísta
a ser deduzida no começo do século XVII, em um contexto no qual se acreditava na existência
histórica da figura epônima de Moisés. Da mesma forma, havia a crença na qual os livros do
Pentateuco foram escritos em exata ordem cronológica, na qual o termo “Yahweh” surge em
Êxodo 3,14 e em Êxodo 6,13. Wellhausen, por volta de 1833, ao estabelecer a fonte Javista como
uma das quatro fontes, data-a por volta do período da monarquia unida, no século X a.C. Gerhard
von Rad, ainda fundamentado na crença da existência do Templo de Salomão como fato
histórico, em 1938, data a fonte Javista em aproximadamente 950 a.C. como iniciativa dos
escribas de Salomão para justificar o Reino Unificado criado por Davi. Devido às conclusões das
pesquisas arqueológicas recentes, tal datação não é mais aceita. A datação atribuída atualmente à
fonte Javista varia desde a queda do Reino do Norte, por volta do século VII a.C., até o pós-
exílio, datada aproximadamente no século V a.C.;
2) Eloísta – outra das primeiras fontes documentais a ser deduzida no começo do
século XVII. A princípio, devido à crença na qual os livros do Pentateuco foram escritos em
exata ordem cronológica, acreditava-se que o termo “elohim” em maior incidência encontrava-se
de Gênesis 1 até a revelação do nome de Yahweh em Êxodo 3,14 e em Êxodo 6,13. Entretanto,
houve posteriormente pesquisas mais apuradas que chegaram à conclusão de que existiu dois
redatores eloístas conforme Karl David Ilgen em 1798: E1 – o eloísta mais antigo; E2 – o eloísta
mais recente, que posteriormente se tornaria o Sacerdotal da teoria de Julius Wellhausen.
Inicialmente, acreditava-se que a fonte Eloísta fosse datada entre aproximadamente o século IX
a.C. e o começo do século VIII a.C. por fazer alusões às tradições do Reino do Norte.
Atualmente, data-se a fonte eloísta a partir do final do século VIII a.C., após a queda do Reino do

20
SKA, J.L. op. cit., p. 11.
24
Norte pelo motivo de se acreditar que a prod
produção
ução literária tenha surgido no Reino do Sul durante
a Reforma de Josias;
3) Deuteronomista – considerada a fonte mais antiga das quatro, cujo primeiro
teorizador foi Wilhelm Martin Leberecht De Wette, em 1805, que a fazer uma comparação entre
as narrativas dee Reis e de Crônicas percebe que em Crônicas havia o reconhecimento das
instituições sacerdotais fundadas por Moisés, algo que não existia nos livros dos Reis. De Wette
sugere a origem da fonte deuteronomista no mito fundante da descoberta do livro da lei
deuteronomista no Templo pré
pré-exílico
exílico de acordo com o relato de 2 Reis 22, por volta do ano 622
a.C. Tal fonte foi assumida pela teoria de Julius Wellhausen por volta de 1833. Martin Noth, em
1943, argumentou que na base da fonte deuteronomista havia os livros
liv históricos de Josué,
Juízes, Samuel e Reis, contemporâneos ao livro do Deuteronômio, escritos durante a reforma
josiânica. Porém, apesar do pensamento de Noth sobre a fonte deuteronomista ter sido
consagrado, a partir da década de 90 do século XX entrou
entrou em descrédito, a considerar a edição
final do Deuteronômio no começo do período persa, por volta de 539 a.C.
4) Sacerdotal – era a fonte denominada como E2, ou eloísta tardia, por Karl David
Ilgen, por volta de 1798, e renomeada como Sacerdotal por Julius Wellhausen
W em 1833.
Aparentemente, a fonte Sacerdotal tem sido a menos questionada, pois desde os estudos de De
Wette, havia o conhecimento das instituições sacerdotais através da redação cronista, e a sua
composição é datada por volta de 571 a 486 a.C.
A grande
rande fonte Deuteronomista foi considerada até a década de 1970 como fruto da
Reforma de Josias datada de aproximadamente 622 a.C. como uma das quatro grandes fontes
referidas do Pentateuco ou Torah (tôrâ – hr"(At),, que corresponde aos cinco primeiros livros
livr da

Bíblia Hebraica e da Bíblia Cristã cuja tradição atribui a sua autoria epônima à figura de
Moisés21, que são o Gênesis (Bürë´šît – tyviÞarEB.), o Êxodo (šümôt – tAmv.), o Levítico

(wayyiqrä´ – ar"Þq.YIw:), os Números (BümidBar – rB:ïd>miB.) e o Deuteronômio (Dübärîm –

~yrIªb'D>).

21
O nome Moisés, em hieróglifo egípcio, mo-sés:
mo , significa “filho de”, que era um título dos reis egípcios para
apontar a sua filiação a alguma das divindades egípcias como Ramsés (Rá (Rá-mo-sés – “filho de Rá”) e Tutmosés (Tut-
(Tut
mo-sés – “filho de Tut”). A origem do nome Moisés seria uma negação às divindades egípcias, por até mesmo seu
mito fundante ter sido criado pela família real egípcia. Mas nenhum faraó poderia se chamar apenas “filho de”,
deveria ser fiho de alguma divindade
divindad egípcia, conforme os exemplos referidos.
25
Porém, para Ska, nos dias atuais há várias críticas sobre a teoria das fontes e o autor
questiona se a teoria das fontes de fato sobreviveu a tais críticas ou não, pois para Ska22, é
impossível ler o Pentateuco hoje sem recorrer ao método histórico-crítico, pois ainda hoje
existem problemas demais, e problemas muito complexos, que não podem ser tratados com
ingenuidade, como no caso do objeto de estudo deste trabalho.
De acordo com o exposto, ainda se ensina a teoria das fontes nos seminários de Teologia,
porém tal ensinamento, mesmo por ser ultrapassado e obsoleto em alguns aspectos, ainda pode
causar choque no graduando em Teologia por acreditar que a Bíblia é a inspiração divina e não
foi composta e elaborada por homens que possuem vontade própria e em determinado contexto.
Mas para o que lê a tese, talvez a teoria das fontes seja uma novidade e precise ser colocada para
o seu respectivo conhecimento conforme foi apontado acima.
Na sequência, será realizada a explanação sobre a hipótese documental clássica das fontes,
na qual se originou o Deuteronomista e a fonte na qual lhe é atribuída à autoria.

1. O Desenvolvimento da Hipótese Documental Clássica

Aqui serão desdobradas as origens da hipótese documental clássica, que é oriunda do


pensamento iluminista, de acordo com Rudolf Bultmann23 e Zabatiero24. Conforme ambos os
autores, foi com o protestantismo, por força do contato com o texto da Bíblia que necessitava ser
traduzido e interpretado, que houve abertura para o novo e o inovador, no ambiente do
Iluminismo. Percebe-se que o Iluminismo faz emergir a libertação das Ciências das amarras do
pensamento religioso eclesiástico, a possibilitar o uso deste instrumental em proveito próprio e,
especialmente, ao lidar com o Texto Sagrado. Ao mesmo tempo, o contato dos estudos
acadêmicos com os estudos da Bíblia neste contexto era mais refletido em seu estudo que, ao

22
SKA, J.L. op. cit., p. 13.
23
BULTMANN, R. Jesus Cristo e mitologia. São Paulo: Novo Século, 2005, p. 15.
24
ZABATIERO, J.P.T. Novos rumos na pesquisa bíblica. Estudos Teológicos. São Leopoldo: EST, v. 46, n. 1, 2006,
p. 23.

26
abandonar a simplicidade da literalidade do texto, começa a submetê-lo ao crivo da ciência no
intuito de afirmá-lo como prova acadêmica.
A partir do século XIX, com a afirmação de novos paradigmas, a pesquisa bíblica entrou
em um período de transição, caracterizado pela consolidação do liberalismo teológico que, ao
rejeitar o literalismo e a dialogar com novas teorias naturais, abandona uma visão mitológica e
dogmática do cristianismo e passa a separar os valores morais da Bíblia das suas concepções
mitológicas do mundo. Por exemplo, para Bultmann, os mitos e representações encontrados na
Bíblia já foram superados e carecem de valor. Desta forma, precisariam ser estudados de acordo
com o instrumental acadêmico, e não simplesmente acreditados sem nenhum questionamento.
Tal instrumental, iniciado através do uso da filologia e da historiografia, faz surgir o método
histórico-crítico, no qual o exegeta bíblico se concentra na presença literária de um texto, como
um todo, e no mundo da narrativa que o autor construiu; ou seja, a crença na literalidade do texto
e as visões dogmáticas e mitológicas do cristianismo são insatisfatórias para a academia, fazendo-
se necessário um estudo semântico da literatura bíblica e de seus autores para que haja uma
seriedade acadêmica e científica.
No próximo subitem, serão apresentados os primeiros trabalhos críticos sobre os estudos
bíblicos, nos quais os seus autores, na tentativa de se aprofundarem nos referidos (estudos), não
se desvinculavam da crença religiosa bíblica, como a existência de Moisés, pelo motivo de as
pesquisas disponíveis em sua época não os fazerem chegar às conclusões que temos hoje.

1.1 Os Primeiros Trabalhos Críticos

Conforme as pesquisas de Jean Louis Ska25, em 1711 um jovem pastor protestante de


Hildesheim, Henning Bernhard Witter (1683-1715), publicou um estudo sobre Gênesis 1–3 que
comentava a diferença entre os apelativos divinos Elohim (1,1 – 2,4a) e Yahweh Elohim (2,4b –
3,24). Relata Ska que, de acordo com Witter, Moisés utilizou várias fontes para compor o
Pentateuco. Mas o livro de Witter ficará no esquecimento até 1925.
Para Henning Bernhard Witter, e neste contexto de época, era inegável a crença de que
Moisés havia escrito todo o Pentateuco, mas hoje se sabe que Moisés não passa de uma figura

25
SKA, J.L. op. cit., p. 117.
27
epônima de um mito fundante. Na referida época de Witter (1683-1715), nem se cogitava a
hipótese de Moisés ter sido apenas um mito fundante, pois se acreditava que ele fosse de fato o
autor de todo o Pentateuco. O curioso, independentemente da não existência factual de Moisés, é
que já no século XVIII há uma primeira tentativa de se separar as fontes do Gênesis 1–3 por meio
da diferença entre os apelativos divinos Elohim (1,1 – 2,4a ) e Yahweh Elohim (2,4b – 3,24).
De acordo com Ska26, para muitos exegetas o pai da hipótese documental é Jean Astruc
(1684-1766), médico de Luís XV, filho de um pastor protestante convertido ao catolicismo e
biblista amador. Relata Ska que, a partir dos apelativos divinos Elohim e Yahweh, Astruc
construiu, assim como Witter, a sua teoria sobre a origem do Pentateuco. Astruc defendia que
Moisés, de acordo com as suas explicações, serviu-se de três fontes ou documentos – na verdade,
Astruc, de acordo com Ska, fala de Mémoires – que ele chama simplesmente de A, B e C. No
raciocínio de Astruc, apontado por Ska, as duas primeiras (A e B) caracterizam-se pelo uso de um
apelativo divino e a terceira (C) contém os textos independentes das outras duas. Nas conclusões
de Astruc, segundo Ska, Moisés dispôs de três fontes numa sinopse, mas, no processo de
transmissão, alterou-se a ordem das páginas. E assim, conclui Jean Louis Ska, explicar-se-iam os
problemas atuais da leitura do Pentateuco.
Ressalta Ska que Astruc limitou o seu trabalho ao livro de Gênesis e de Êxodo 1 – 2 pela
simples razão de que, após a revelação do nome divino Yahweh, em Êxodo 3,14 (conferir Êxodo
6,13), torna-se mais difícil usar o critério dos apelativos divinos27.
Jean Astruc é outro que viveu de acordo com a sua época, na qual havia a crença de Moisés
ter existido e ser o autor factual do Pentateuco sem o mínimo questionamento. Deve-se
compreender que nem Witter, nem Astruc dispunham do conhecimento que há hoje sobre os
estudos bíblicos, e eles viveram conforme as limitações de sua época. Por exemplo, Astruc se
baseia na organização de Gênesis a Êxodo 1 – 2 como se realmente se tratasse de um texto
corrido de “fora a fora”, e não como diversos textos fragmentados, cada um conforme a sua
época. Isso sem contar que o nome Yahweh possui o registro extrabíblico mais antigo datado por
volta de 840 a.C., na estela moabita do rei Mesha, em que há a primeira ocorrência do nome
Yahweh fora da Bíblia em um período bem posterior ao atribuído à figura epônima de Moisés.

26
Ibidem, p. 117.
27
Ibidem, p. 117. Jean Louis Ska sugere a leitura do original: ASTRUC, J. Conjectures sur les mémoires originaux
dont il parait que Moyse s’est servi pour composer le récit de la Genese. Bruxelles, 1753. Impressa em Paris,
infelizmente não há edição brasileira desta obra de Astruc.
28
Porém, são estudiosos que raciocinam de acordo com o seu contexto de época, e não se pode
desejar que eles possuam um raciocínio conforme o contemporâneo, mas tais estudos são válidos
como pioneiros da teoria das fontes.
Ainda segundo as pesquisas de Ska, o esforço de Astruc foi retomado e aperfeiçoado na
Alemanha, por Johann Gottfried Eichhorn, primeiro autor de uma Introdução ao Antigo
Testamento (escrita entre 1780-1783), na qual ainda defendia a autoria mosaica do Pentateuco.
Após conhecer as descobertas de Wette, Eichhorn mudou de opinião.
Tal mudança de opinião de Eichhorn traz determinado alívio acadêmico, pois faz parte do
aprendizado acadêmico ser maleável aos progressos e desenvolvimentos das suas áreas de
concentração, sejam elas quais forem, pois o estudioso não pode defender a tese na qual a lua é
feita de queijo suíço pelo motivo de hoje ser conhecida à composição material da lua, pois é
necessária a honestidade acadêmica.
Foi a essa altura, segundo Ska, que os especialistas se dividiram em três grupos e propôs-se
três teorias principais sobre a origem do Pentateuco: a hipótese dos documentos, a hipótese dos
fragmentos e a hipótese dos complementos.
Enfatiza Ska28 que, segundo a hipótese dos documentos, que retoma as ideias de Astruc e
de Eichhorn, na origem do Pentateuco atual, há vários documentos paralelos, completos e
independentes.
A hipótese dos fragmentos, de acordo com Ska, foi levantada, primeiramente, por um
sacerdote católico escocês, Alexander Geddes (1737-1802), que estudou alemão para
acompanhar o desenvolvimento da exegese na Alemanha, e supôs que houvesse, originalmente,
muitas fontes formadas por pequenas unidades narrativas e por textos esparsos e incompletos,
reunidos muito tempo após a morte de Moisés29, para constituir o Pentateuco atual.
Jean Louis Ska afirma que Alexander Geddes também sofreu bastante com a censura
eclesiástica e suas ideias não prosperaram na Grã-Bretanha. Na Alemanha, porém, conforme Ska,
dois eminentes exegetas assumiram posição análoga, Johann Severin Vater e, com expressivas
mudanças, Wilhelm De Wette.
Percebe-se que mesmo neste contexto, apesar do reconhecimento da Alemanha como o país
mais desenvolvido na exegese bíblica, ainda há a crença na figura de Moisés como autor do
28
Ibidem, p. 118.
29
Ainda assim, Alexander Geddes foi mais um autor que em seu contexto acreditou na existência da personagem
Moisés como o verdadeiro autor do Pentateuco.
29
Pentateuco em qualquer canto do mundo setecentista. Mas, mesmo assim, as ideias (não
mentalidades) de Geddes, juntamente com o seu contato com as obras alemãs, eram consideradas
avançadas demais para os ingleses, escoceses, galeses e irlandeses do norte, e por isso foram
repudiadas e discriminadas.
Em sua exposição, Ska aponta que algum tempo depois surgiu a hipótese dos
complementos. Ressalta Ska que vale esclarecer que, muitas vezes, tal hipótese é atribuída a
Heinrich Ewald, mas na realidade ele apenas sugeriu, sem nunca defendê-la como tal. Conforme
as pesquisas de Ska, Ewald supõe a existência de um documento base (Grundschrift), o Eloísta –
o atual documento sacerdotal, acrescido de alguns textos mais antigos, como o decálogo (Êxodo
20,2-17) e o Código da Aliança (Êxodo 21-23) –, que algum editor teria “completado” com
trechos de um documento jeovista (o Javista), durante o último período da monarquia de Judá30.
Perante os estudos de Jean Louis Ska, a obra final, fruto de um trabalho editorial de muitos
séculos, cobre os primeiros seis livros atuais da Bíblia e, por isso, Ewald fala de um Hexateuco31.
A hipótese dos complementos, na percepção de Ska, supõe um “documento-base” a que foram
ajuntados trechos, em diversas épocas.
Percebe-se que tal sugestão de Ewald se tornou um partido de exegese bíblica mesmo ao
ponto do estudioso jamais defendê-la. Isso pode ocorrer devido à importância que o estudioso
tinha em sua época, pela qual uma sugestão que ele desse poderia virar um dogma acadêmico.
Todavia, não deixa de ser uma tentativa de desmembramento da Bíblia Hebraica ou do Antigo
Testamento32, cuja consequência foi a formação da teoria das fontes.

30
Ibidem, p. 118. Ver EWALD, H., resenha de STÄHELIN J.J., Kritische Untersuchung über die Genesis. Basel,
1830. In: Theologische Studien und Kritiken, 1831. pp. 595-606; conforme os estudos de Ska, antes, Ewald
defendera a unidade do Gênesis, segundo EWALD, H. Die Composition der Genesis kritisch untersucht.
Braunschweig, 1823. Relata Ska que a hipótese dos complementos será assumida por BLEEK, F. De libri Geneseos
origine atque indole historica observationes quaedam contra Bohlenium. Bonn, 1836; idem, Einleitung in das Alten
Testament. Berlin, 1829; TUCH, J.C.F. Commentar über die Genesis. Halle, 1838. 2nd ed., 1871; Ska sugere ver
também WETTE, W.M.L. de. Beiträge zur Einleitung. 5th ed., 1840; 6th ed., 1845. Segundo a narrativa de Ska, H.
EWALD desenvolverá uma teoria muito complexa sobre a origem do Hexateuco em sua “história de Israel”:
EWALD, H. Geschichte des Volkes Israels bis Christus I-II. Góttingen 1843-1845; 1864.
31
Ibidem, p. 118. De acordo com Jean Louis Ska, Heinrich Ewald teve problemas com o governo da Prússia, porque,
em 1967, recusou-se a jurar lealdade, a ter de abandonar a docência na Universidade de Gottingen.
32
Há pesquisadores que afirmam que não se denomina “Antigo Testamento” academicamente, mas sim “Bíblia
Hebraica”, pelo motivo de justificar a confissão cristã. Porém, não apenas estudiosos, como também leigos no
assunto lerão a tese de doutorado, por isso o termo Antigo Testamento será utilizado, visto que a boa maioria das
pessoas da nossa convivência conhece os livros da Bíblia Hebraica como Antigo Testamento. Inclusive, apesar de os
livros serem os mesmos, a forma de organização dos livros da Bíblia Hebraica (tanakh – knt) e do Antigo
Testamento cristão são bem distintas.
30
1.2 Os Movimentos das Ideias do Século XIX

Este novo item aborda os movimentos das Ideias do Século XIX relacionados ao
desenvolvimento dos estudos bíblicos e ao desenvolvimento da teoria das fontes. Segundo Ska33,
antes de explanar o desenvolvimento da leitura crítica do Pentateuco, é preciso situar a exegese
dos movimentos culturais da época, para melhor entender os novos problemas e as novas
respostas. Para o autor, os exegetas do século XIX viveram em um mundo intelectual marcado
pela “filosofia das luzes” ou Iluminismo (Aufklärung, Philosophie des Lumières, Iluminism), que
reivindica a autonomia da razão diante de toda e qualquer autoridade.
A esse novo desafio, a resposta do mundo cristão, tanto protestante quanto católico, na
perspectiva de Ska, consistiu na busca de conciliação entre razão e crença religiosa cristã, entre a
leitura crítica da Bíblia e a interpretação religiosa de sua mensagem. Concretamente, nas
percepções de Ska, sentiu-se a necessidade de separar o conteúdo religioso da Bíblia de certas
hipóteses a cerca de suas origens.
Aos poucos, relata Ska, veio a ganhar espaço a ideia de que a inspiração divina dos textos
sagrados não exclui sua origem humana e histórica. Nessa época, conforme as pesquisas de Ska,
floresce na Alemanha a “teologia liberal”, que, em sua expressão mais radical, tende a reduzir o
mais possível a carga sobrenatural da religião, a exaltar-lhe os aspectos humanistas, universais e
racionais.
Conforme tal passagem de Ska, a proposta original do iluminismo sobre os estudos bíblicos
não foi negar a religião em nenhuma hipótese, mas separar o conteúdo religioso da Bíblia da sua
origem humana ou histórica. Para Ska, não houve a proposta radical de acabar com a religião
cristã, mas sim de racionalizar a Bíblia como documento escrito por homens em seu contexto e
com suas respectivas motivações. Contudo, a denominada “teologia liberal” alemã, cujo termo
soa como depreciativo para os fundamentalistas e conservadores, em sua expressão mais radical,
tende a reduzir o mais possível a carga sobrenatural da religião, a exaltar-lhe os aspectos
humanistas, universais e racionais.
Entretanto, não se pode misturar o discurso acadêmico com o discurso religioso, pois são
duas coisas com propósitos totalmente distintos, pois o discurso religioso objetiva aumentar a fé
do indivíduo mesmo que seja às custas de fatos que jamais ocorram, ao passo que o discurso

33
Ibidem, p. 119.
31
acadêmico visa buscar a verdade material até o limite do alcance da possibilidade de
determinados fatos, e delimitar um consenso sobre os tais.
Nesse mesmo século XIX, conforme as pesquisas de Ska, outro movimento veio a ser
bastante convincente entre os exegetas, sobretudo na Alemanha – o Romantismo. De acordo com
os estudos de Jean Louis Ska, no mundo da exegese romântica, o porta-voz foi Johann Gottfried
von Herder, famoso por seu livro Vom Geist der hebraischen Poesie (1783); a partir de Herder
muitos exegetas sorveram o gosto pelas manifestações primitivas, espontâneas e naturais da
cultura bíblica.
Consequentemente, afirma Ska, veio daí o desejo de encontrar no passado os tempos de um
pensamento ainda genuíno, não contaminado por nenhuma corrupção posterior. Por igual motivo,
ressalta Ska, desenvolve-se uma atitude negativa em relação a períodos mais recentes da história
bíblica, especialmente a época do pós-exílio, crivada de legalismo e de exacerbado farisaísmo34.
Conforme o autor salienta, restava apenas o desejo de uma “nova criação”, um novo tempo, que
veio com o Novo Testamento35.
Nestes termos, Herder ainda possuía uma visão muito fantasiosa na questão da religião
judaico-cristã, pois o judaísmo, conforme é conhecido, surge no pós-exílio, e para uma religião se
formar, é necessária a sua institucionalização. Assim como o judaísmo surge no pós-exílio por
volta do final do século V a.C., o cristianismo surge com Constantino e Teodósio por volta dos
séculos III e IV d.C. Pois antes, não havia tais religiões de acordo com as expressões atualmente
conhecidas, e precisou-se delimitar o que de fato era Judaísmo e o que de fato era Cristianismo
através das suas instituições religiosas.
É fantasioso e fabuloso (no sentido de fábula) afirmar que a época do pós-exílio era
crivada de legalismo e de exacerbado farisaísmo, mas todos precisavam saber quem ou o que era
de fato o judeu religioso e qual de fato era a sua religião. E não se pode criar uma nova ordem
que derrube o judaísmo através do Novo Testamento, pois todas as religiões, não apenas o
judaísmo e o cristianismo, possuem os seus defeitos e os seus problemas, e não se pode afirmar

34
Tal mentalidade parece consequência da leitura dos evangelhos de palavras atribuídas ao messias do Cristianismo,
Jesus de Nazaré, contra os fariseus, mas, na verdade, o partido dos fariseus era um dos diversos partidos do judaísmo
com as suas peculiaridades, e a sua corrupção era consequência do poder político-religioso que eles tinham e
exerciam, fato que ocorre em qualquer partido político em qualquer parte do mundo ao assumir o poder.
35
Ibidem, p. 119. Percebe-se que se trata de uma mentalidade extremamente romântica acreditar que o Novo
Testamento do Cristianismo resolveria todos os problemas da corrupção religiosa e moral da religião judaica.
Segundo Ska, o teólogo protestante Friedrich Schleiermacher (1768-1834), amigo de De Wette, defenderá ideias
parecidas.
32
que uma religião menos legalista acabou com a mais legalista, pois todas as religiões necessitam
do legalismo para sobreviverem.
Por fim, nas considerações de Ska, dentro do mundo universitário alemão, o mais
prestigioso em exegese bíblica na época, entram na ordem do dia as categorias da história. Para o
autor, na esteira dos grandes historiadores36, também filósofos como Fichte, Schelling e Hegel
procuram integrar as categorias da história em seu pensamento.
Percebe Jean Louis Ska37 que, para os exegetas da época, as culturas conhecem fases de
desenvolvimento análogas às do mundo biológico: depois do nascimento, vêm os anos criativos
da juventude; depois, a maturidade, que coincide com um primeiro declínio das energias vitais, e,
finalmente, a decadência da velhice, que precede a morte.
Segundo o autor38, para o Romantismo, a evolução não é vista de modo positivo, porque
não leva, gradativamente, a um ápice. Pelo contrário, enfatiza Ska, ela provoca a esclerose, a
deterioração, o definhamento de todas as formas de vida intelectual e religiosa. Esta perspectiva
ocorre nas religiões de uma forma geral, que possuem um ápice, mas depois de se estabelecerem
perante a sociedade, apenas se preocupam com a manutenção de sua existência como instituição.
Para o estudioso, nesse contexto cultural é que se inserem as descobertas de De Wette e o sistema
de Wellhausen39.

36
Ibidem, p. 119. Conforme Ska, os principais são W. von Humboldt, J.G. Droysen e, sobretudo, G. von Ranke.
37
Ibidem, p. 119.
38
Ibidem, p. 119.
39
Ibidem, p. 119. Jean Louis Ska sugere conferir, antes de tudo, VATKE, W. Die biblische Theologie
wissenschaftlich dargestellt. Berlin, 1835, que divide a história de Israel em três períodos, à moda hegeliana: a
religião primitiva e natural da época dos Juízes e da monarquia unitária; finda a monarquia, os profetas purificam a
religião de Israel, que se torna mais idealista, moral e espiritual; finalmente, depois do exílio, predomina o legalismo.
Portanto, conclui Ska que, de acordo com Vatke, o último período é o oposto de um apogeu. Ska sugere também
conferir PERLITT, L. Vatke und Wellhausen Beihefte Zur Zeitschrift für die Alttestamentliche Wissenschaft 94.
Berlin: Topelmann, 1965; e PURY, A. de; ROMER, T. Le Pentateuque en question: Position du probleme et breve
histoire de la recherche. In: PURY, A. de; ROMER, T. (eds.). Le Pentateuque en Question: Les origines et la
composition des cinq premiers livres de la Bible à la lumière des recherches recentes. Genève, 1992, p. 28.
33
1.3 Os Estudos de De Wette

O item atual traz os estudos de De Wette como impulsionadores dos estudos do Pentateuco.
Na visão de Jean Louis Ska40, para haver a possibilidade de se progredir nos estudos do
Pentateuco faltava um “gancho” histórico que permitisse datar as diversas fontes, fragmentos ou
suplementos. Para o autor, precisava-se, então, datar pelo menos um texto significativo ou ligar
algum texto a determinado evento histórico, e, segundo Ska, esse foi o mérito de Willhelm
Martin Leberecht De Wette (1780-1849)41.
Segundo os estudos de Ska, o ponto inicial da pesquisa de De Wette foi estudar o livro das
Crônicas, em que este (De Wette) compara o trabalho do Cronista com os outros livros que
descrevem o período monárquico, os livros de Samuel e dos Reis, e topa com dois quadros muito
diferentes de religião de Israel, e busca solucionar de sua forma tal discrepância.
Ska relata que De Wette resolve a questão historicamente, ao estimar que o livro das
Crônicas deva ser bem posterior aos acontecimentos, a remontar à época persa ou mesmo
helenista. Na visão de Ska, tal conclusão tem uma consequência séria para o Pentateuco, porque
as Crônicas afirmam que as instituições do templo foram estabelecidas por Moisés, mas segundo
De Wette, porém, as Crônicas adaptaram ao passado mosaico as instituições de um período muito
posterior, para lhes legitimar a antiguidade.
Em seguida, de acordo com Ska, De Wette aplica a mesma ideia ao Pentateuco: os textos
narrativos e legislativos dos cinco primeiros livros da Bíblia não apresentam um retrato fiel do
passado, pois antes, cristalizam as preocupações de épocas posteriores, desejosas de explicar, a
partir do passado, a origem e o destino de Israel no mundo.
Passa-se, assim, na perspectiva de Ska, a tratar com clareza toda essa problemática, pois
para De Wette e para os exegetas de seu tempo, ficou visível o descompasso entre “o mundo do
texto”, ou seja, os acontecimentos narrados no Pentateuco, e o “mundo real”, o mundo no qual e
para o qual esses textos foram escritos. Mas, segundo Ska, era necessário achar o elo entre esses
dois mundos, e foi o que De Wette se propôs a pesquisar.

40
Ibidem, p. 120.
41
Ibidem, p. 120. Ska sugere conferir ROGERSON, J.W. W.M.L. De Wette. Founder of Modern Biblical Criticism:
An Intellectual Biography, Journal for the Study of the Old Testament Supplement 126. Sheffield: JSOT Press, 1992;
e SMEND, R. Deutsche Alttestamentler in drei Jahrhunderten. Gottingen: Vandenhoeck & Ruprecht, 1989, pp. 38-
52.

34
Ao referido anteriormente, De Wette, diferente dos outros autores, não busca solucionar o
problema a partir dos primeiros livros do Pentateuco, mas a partir dos livros de Crônicas, nos
quais encontra grandes respostas para o que virá a ser chamado posteriormente de Teoria das
Fontes. Aparentemente, ele é o primeiro estudioso a colocar em xeque a existência de Moisés,
que é atualmente reconhecido como personagem epônimo criado no pós-exílio.
Um detalhe importante foi que De Wette percebeu que as instituições fundadas por Moisés
encontravam-se nos livros das Crônicas, e não nos livros de Samuel e de Reis, a concluir que
havia diferença descompassante entre o “mundo do texto”, no qual se encontram os
acontecimentos narrados no Pentateuco, e o “mundo real”, no qual e para o qual esses textos
foram escritos. Consequentemente, devido aos estudos de De Wette, chegou-se a concluir que
Moisés foi uma criação pelo menos do cronista, e que não deveria ser realidade pelo menos para
os escritores de Samuel e de Reis.
Conforme Ska, em sua tese de 1805, De Wette identifica o livro do Deuteronômio, pelo
menos em sua versão mais antiga, como o livro encontrado no templo, no reinado de Josias. Essa
foi a conclusão, conforme os estudos de Jean Louis Ska, a que De Wette chegou depois de
observar que as reformas de Josias (2 Reis 23) correspondem, em grande parte, às exigências das
leis deuteronômicas em matéria cultual. Nas pesquisas de Ska, para De Wette, os pontos
principais são a centralização e a purificação do culto.
Embora não fosse o primeiro a expor essa ideia, já presente em alguns Padres da Igreja,
conforme Ska, De Wette soube extrair dela um critério sólido para datação dos textos, no qual
leis ou narrativas que não supunham a centralização do culto em Jerusalém devem ser anteriores
à reforma de Josias, em aproximadamente 622 a.C., e textos legislativos ou narrativos
compatíveis com aquela reforma serão, certamente, posteriores.
Aqui traz a delimitação de De Wette, que é a centralização do culto em Jerusalém. Se os
textos abordam o assunto da referida centralização, eles são posteriores; caso eles não abordem o
assunto da centralização, eles são anteriores.
Relata Jean Louis Ska que a descoberta deste biblista alemão representou um momento-
chave na exegese recente do Pentateuco, por duas razoes principais:
1ª) O ponto de partida não é mais a análise das narrações, como para Witter, Astruc,
Eichhorn e seus discípulos. De Wette, como Richard Simon, prefere centrar a atenção nas leis e
nas instituições da Bíblia Hebraica/Antigo Testamento;
35
2ª) Depois de De Wette, não se definiu até o momento da obra de Ska, que foi o ano de
2003, um ponto de apoio mais seguro, malgrado prossigam os debates sobre o assunto42.
Entretanto, afirma Ska, o acontecimento que permite datar os textos não faz parte dos
eventos contidos no Pentateuco. Por isso, explica o autor Ska, fica claro que não há uma distância
sensível entre os acontecimentos descritos no Pentateuco e várias épocas em que os textos foram
redigidos. Desta forma, conclui Ska, tornar-se-á também sempre mais difícil pensar que Moisés
tenha escrito os cinco livros do Pentateuco ou da Torah43.
Aqui percebe-se que a crítica literária é extremamente ativa ao colocar o Pentateuco em
pauta, pois cada narrativa do referido corresponde a uma época distinta, pois não há uma
distância sensível entre os acontecimentos descritos no Pentateuco e várias épocas em que os
textos foram redigidos. E pelo motivo do Pentateuco possuir diversas vozes distintas, é
impossível acreditar que Moisés tenha escrito toda a obra.

1.4 O Desenvolvimento dos Estudos de De Wette e seus continuadores

Aqui será desdobrado o desenvolvimento até chegar à teoria das fontes como é conhecida
atualmente, como Eloísta, Javista, Deuteronomista e Sacerdotal. Conforme as pesquisas de Jean
Louis Ska44, por volta de 1800, muitos exegetas distinguiam no Pentateuco duas fontes
principais: a eloísta e a javista, conforme o nome divino que usavam no livro de Gênesis e em
Êxodo 1 – 2. Segundo o autor, a fonte eloísta oferecia um relato mais articulado, mais fiel à
história, porque o nome divino Yahweh foi revelado somente no tempo de Moisés (Êxodo 3,14;

42
Ibidem, p. 121. Para um resumo das discussões de época, Ska sugere ver: CONROY, C. Reflections on the
Exegetical Task. Apropos of Recent Studies on 2 Kg 22-23. In: BREKELMANS, C.; LUST, J. (eds.). Pentateuchal
and Deuteronomistic Studies. Papers read at the XIIIth International Organization for the Study of the Old
Testament Congress Leuven 1989. BETL 94. Leuven: Leuven University Press, 1990; PURY, A. de; RÖMER, T.;
MACCHI, J.D. (eds). Israel construit son histoire: L’historiographie deutéronomiste à la lumière des recherches
récentes. Le Monde de la Bible, n. 34. Geneva: Labor et Fides, 1996; e EYNIKEL, E. The Reform of King Josiah
and the Composition of the Deuteronomistic History. Oudtestamentische Studien 33. Leiden, 1996.
43
Ibidem, p. 121. Chama a atenção de Ska que o mundo da exegese bíblica não é uma ilha, pois nos dias de De
Wette, os estudiosos da literatura clássica aplicavam o mesmo método aos autores gregos e latinos. Segundo o autor
Ska, Friederich August Wolf, por exemplo, demonstrava o caráter compósito das obras de Homero em seu livro
Prolegomena zur Homer. Sobre isso, Ska sugere conferir BLENKINSOPP, J. The Pentateuch: An Introduction to the
First Five Books of the Bible. The Anchor Bible Reference Library. New York/London: Doubleday, 1992, p. 6.
44
Ibidem, p. 122.
36
6,3). Por essas razões, conclui Jean Louis Ska, será tido como mais antigo e como Grundschrift,
“documento-base” (Ska sugere conferir Ewald).
Mesmo assim, percebe-se que as tendências em acreditar que o Pentateuco – ou pelo menos
o Gênesis e o Êxodo – foi discorrido de “fora a fora” eram muito fortes, pois ainda não havia a
ideia firmada das diversas fontes que poderiam compor o referido Pentateuco, a dar a impressão
de que as pesquisas de De Wette surtiram um efeito não tão radical como se esperava. Porém,
enfatiza-se que a crença na revelação do nome divino Yahweh em Êxodo 3,14; 6,3 como fato
histórico ainda reflete uma característica de época na qual não são conhecidos os achados
extrabíblicos como na estela moabita do rei Mesha datada por volta de 840 a.C. Da mesma
forma, ressalta-se que, apesar do avanço dos estudos bíblicos contemporâneos, não se pode exigir
dos autores em suas respectivas épocas o conhecimento que se possui nos dias atuais, pois as suas
pesquisas se enquadram dentro dos recursos que eles possuiam.
Ska afirma que três obras importantes irão mudar esse cenário acadêmico, antes de
Wellhausen:
1ª) Em 1798, Karl David Ilgen distingue dois eloístas, um mais antigo e outro mais recente.
Segundo Ska, o “eloísta mais recente” tornar-se-á a “narrativa sacerdotal” da hipótese
documental clássica; o outro é o eloísta pré-exílico. Para o autor Ska, Ilgen julgava que esses
documentos integrassem os arquivos do templo de Jerusalém, espalhados quando o exército
babilônio destruiu a cidade, por volta de 587/586 a.C. A descoberta de Ilgen, conforme Ska,
ficará esquecida por muito tempo, até Hupfield, em 1853, lhe dar nova vida45.
2ª) Hermann Hupfield, professor em Marburg e depois em Halle, escreveu, em 1853, um
estudo relevante sobre as “fontes do Gênesis”. Na visão de Ska, são duas suas contribuições mais
importantes à exegese do seu tempo: a) A primeira foi provar a validade da hipótese documental
contra a hipótese dos fragmentos (Geddes, Vater, De Wette, nos seus primeiros livros), e a dos
complementos (Ewald, Bleek, Tuch, De Wette em suas últimas obras); b) A segunda foi
distinguir, como Ilgen, mas sem o conhecer, dois eloístas, um mais antigo e outro mais recente.
Para Hupfeld, portanto, há três fontes do Gênesis, em ordem cronológica: o primeiro eloísta (que

45
Ibidem, p. 122. Sobre este exegeta, Ska sugere conferir SEIDEL, B. Karl David Ilgen und die Pentateuchforschung
im Umkreis der sogenannten Älteren Urkundenhypothese: Studien zur Geschichte der exegetischen Hermeneutik in
der späten Aufklärung. Beihefte Zur Zeitschrift für die Alttestamentliche Wissenschaft 213; Berlin/New York: Walter
de Gruyter, 1993.
37
se tornará a narrativa eloísta sacerdotal), o segundo eloísta (o eloísta da hipótese documental
clássica), e, enfim, o javista. Porém, de acordo com Ska, essa ordem mudará.
3ª) Um ano depois, Riehm separa, definitivamente, o Deuteronômio do resto do Pentateuco,
a ver nele uma fonte independente.

Nas pesquisas de Ska, nesses mesmos termos, tudo está preparado para a elaboração de
uma hipótese completa, a das quatro fontes: duas eloístas (E1 e E2), uma javista (J) e o
Deuteronômio (D). Para Ska, como referência cronológica certa consta o elo entre o
Deuteronômio e a reforma de Josias, que ocorreu por volta de 622 a.C. Conclui o estudioso Jean
Louis Ska que resta apenas a tarefa de dar a cada peça seu devido lugar.
Em suma, as referências anteriores apontam para o processo de desenvolvimento até chegar
à Teoria das Fontes como é conhecida nos dias de hoje. A Teoria das Fontes não foi uma
invenção de Wellhausen, mas foi resultado de um processo de estudos e pesquisas que levaram a
concluir que o Pentateuco teria quatro fontes, como serão desdobradas em seguida.

1.5 A Hipótese em Matéria de Fato e os estudos de Wellhausen

Relata Jean Louis Ska46 que, em 1833, Edouard Reuss, professor em Estrasburgo, nota que
os profetas pré-exílicos desconhecem as prescrições da lei mosaica, particularmente as rituais,
por sua vez muito próximas dos textos pós-exílicos, como os de Ezequiel. Devem ser, portanto,
segundo o autor, leis pós-exílicas. Conforme Jean Louis Ska, Reuss, porém, não publicou a sua
descoberta47, e coube a seu discípulo Karl Heinrich Graf demonstrar, em 1866, o acerto daquela
intuição.
Atenta-se que Edouard Reuss de alguma forma estava imbuído das descobertas e
observações de De Wette na questão dos profetas pré-exílicos desconhecerem as prescrições da
lei mosaica, particularmente as rituais, e por tais leis serem pós-exílicas, e de Moisés na verdade
se tratar de uma figura epônima criada no pós-exílio. Nesse instante, Reus e seu pupilo Graf

46
Ibidem, p. 123.
47
Ibidem, p. 123. Ska recomenda ver o último livro dele: REUSS, E. Die Geschichte der Heiligen Schrift des Alten
Testaments. Braunschweig, 1881.
38
apontam de certa forma a consolidação da figura de Moisés como criação pós-exílica, e não como
o autor de todo o Pentateuco.
Aponta Ska que, apoiado nas conclusões de Reuss e Hupfeld, Graf afirma que o eloísta
deve ser não a primeira, mas a última fonte do Pentateuco, e que não pode ter sido escrita antes
do exílio. De forma independente, afirma Ska, o notável exegeta holandês Abraham Kuenen
chega às mesmas conclusões em 1869. Relata Ska que, pela primeira vez, Kuenen chamará esse
eloísta de Priestercodex (código sacerdotal), ao dar-lhe como sigla a letra P.
Acima, foi relatado como a fonte eloísta tardia ou recente foi denominada de fonte
Sacerdotal ou Priestercodex (código sacerdotal). A partir da denominação de Kuenen, Julius
Wellhausen iniciará a Teoria das Fontes como a conhecemos hoje, juntamente com a do
procedimento apresentado no item anterior.
No raciocínio de Jean Louis Ska, Julius Wellhausen vai conferir a esses estudos uma forma
clássica e definitiva, graças à clareza de suas exposições e limpidez de seu estilo48. Conforme as
pesquisas de Ska, a obra mais importante de Wellhausen não é, como se pensa muitas vezes, sua
Die Composition des Hexateuch und der historischen Bücher des Alten Testaments (Berlin, 1866,
1868, 1899). Na visão de Ska, para melhor apreciar o talento de Wellhausen, e captar melhor as
suas intenções, é preciso ler Prolegomena zur Geschichte Israels (Berlin, 1883)49.
Conforme as análises de Ska, antes de tudo, Wellhausen é um historiador que deseja
reconstruir uma “história de Israel”, mais concretamente uma “história da religião de Israel”.
Hoje, afirma Ska, sabe-se que os exegetas da primeira metade do século XIX tinham pouco
interesse pelos textos em si mesmos, suas qualidades literárias, seu conteúdo intrínseco. De
acordo com Ska, raros, nessa época, eram os comentários. Afirma o autor Ska que, por causa da
filosofia hegeliana e dos românticos como Herder, os exegetas queriam estudar, principalmente a
história e, por isso, empenhavam-se na datação das fontes, ponto de partida indispensável neste
48
Ibidem, p. 123. Sobre este autor, Ska sugere conferir SMEND, R. Deutsche Alttestamentler in drei Jahrhunderten.
Gottingen: Vandenhoeck & Ruprecht, 1989, p. 99-113. Segundo Ska, Julius Wellhausen foi professor em
Greifswald, Halle, Marburg e Gottingen.
49
Ibidem, p. 123. Ska recomenda a leitura da tradução inglesa da obra: WELLHAUSEN, J. Prolegomena to the
History of Israel: With a Reprint of the Article ‘Israel’ from the Encyclopaedia Britannica, Cambridge Library
Collection – Biblical Studies, 1885. Scholars Press Reprints and Translations Series; Atlanta: Scholars, 1994, com o
prefácio de W. Robestson Smith, autor da primeira tradução da referida obra de Wellhausen, que perdeu a sua
cátedra em Aberdeen no ano de 1881 por causa de sua simpatia pelas ideias de Wellhausen. Conforme Ska, o mesmo
ocorreu com o bispo anglicano de Natal, África do Sul, John William Colenso, que defendia em seus livros teorias
sobre o Pentateuco provenientes da Alemanha. Ska sugere conferir também BLENKINSOPP, J. The Pentateuch: An
Introduction to the First Five Books of the Bible. The Anchor Bible Reference Library. New York/London:
Doubleday, 1992, p. 12.
39
estudo, e entendiam a história como evolução ou desenvolvimento dialético, segundo o novo
esquema hegeliano: tese-antítese-síntese.
No entanto, enfatiza Ska, como os românticos, o período ideal não era o último, mas o
primeiro, pois Wellhausen, como De Wette e muitos outros autores do período e seus seguidores
até hoje, apreciam sobremaneira os tempos antigos, com bem menor estima pelos períodos
recentes, e a evolução era vista como processo decadente, de degeneração progressiva.
Por último, considera Ska, a oposição luterana entre Lei e Evangelho (Gesetz und
Evangelium) marcará sensivelmente as reconstruções da “escola de Wellhausen”, pois como
discípulo do protestantismo liberal, Wellhausen, no raciocínio de Ska, tenderá a identificar o
Evangelho como uma religião natural, racional e humanista.
Segundo o pensamento de Ska, deve-se acrescentar a essas razões intelectuais a enorme
admiração de Wellhausen pela monarquia prussiana, sob a qual se concretizava a unificação da
Alemanha. Analogicamente, afirma Ska, Wellhausen nutria imensa estima por Davi e o início da
monarquia unificada, porque via muitas semelhanças entre essa época e a história contemporânea
de seu país, pois, para ele, o início da monarquia israelita representava a idade de ouro da religião
de Israel50.
Relata Ska que, no prefácio do Prolegomena, Wellhausen, com tocante sinceridade, expõe
seus sentimentos em relação ao Antigo Testamento. Segundo Ska, Wellhausen começou a estudar
o Antigo Testamento pelos livros de Samuel, a história de Elias e os primeiros profetas, Amós e
Isaías, que leu com grande prazer. Em seguida, conforme as pesquisas de Ska, propôs-se a ler
também a “Lei”, que precede os profetas. Logo, porém, de acordo com Ska, desgostou-se dessa
leitura, especialmente no momento em que chegou aos textos legislativos de Êxodo, Levítico e
Números.
Ska afirma que Wellhausen não conseguia aceitar que, inicialmente, a religião de Israel
tivesse sido legalista e ritualista, e, ao conhecer os livros de Graf, entusiasmou-se, aliviado,
porque os referidos livros demonstravam o caráter dessas partes do Pentateuco.
Nos conhecimentos de Ska, Wellhausen, ao ter estudado acuradamente as leis e as
narrações, distingue três períodos marcantes na religião de Israel: o início da monarquia, a

50
Aqui, deve-se explicar o contexto de época em que os estudiosos utilizaram os recursos de que dispunham à altura.
Percebe-se que nesse contexto não há o questionamento sobre a veracidade dos fatos sobre a monarquia unificada de
Israel e Judá e da construção do Templo de Salomão, pois para Wellhausen a narrativa bíblica sobre a monarquia
unificada é realmente fato histórico; ele não cogita a hipótese de uma invenção literária.
40
reforma deuteronomista51 e o período pós-exílio (o segundo templo). Pois, para Ska, a essas três
etapas correspondem três momentos de atividade literária. De acordo com o autor Jean Louis
Ska, no começo da monarquia, foram escritos o javista e depois, o eloísta, porém, Wellhausen
não os distingue, pois para ele (Wellhausen) ambos são denominados como jeovista. O
Deuteronômio, como se sabe, na visão de Ska, apareceu com a reforma deuteronomista que
ocorreu por volta de 622 a.C.
Até o momento, Jean Louis Ska apontou Julius Wellhausen como um homem de sua época,
que apesar de estar no caminho de negar a existência factual de Moisés, devido ao momento
histórico que ele vivia no contexto da Unificação da Alemanha por Otto Von Bismarck, ele
acreditava no Reino Unido de Israel de Judá como fato histórico. Compreende-se pelo motivo da
arqueologia bíblica ser praticamente inexistente nesta época; o melhor que os autores como
Wellhausen poderiam fazer era depender das narrativas bíblicas conforme o limite dos seus
respectivos conhecimentos.
Para haver um questionamento sobre a existência de Moisés, De Wette teve que fazer um
estudo comparativo entre os livros de Crônicas e os livros de Samuel e Reis. Porém, neste
contexto, desconhece-se a análise literária de personagens e das narrativas bíblicas como
literatura. Compreende-se agora que provavelmente tais autores não negariam a existência de
Moisés, mas tirariam, por motivos óbvios, a sua autoria de todo o Pentateuco conforme a tradição
religiosa judaico-cristã.
Conforme as observações de Ska sobre as pesquisas de Wellhausen, os escritos sacerdotais
pertencem ao período pós-exílico52 e, por consequência, a lei não está na origem de Israel, mas na
origem do judaísmo53. Para Ska, no que respeita à hipótese documental, Wellhausen estabelece a

51
Nesta nota, há a necessidade de se diferenciar o Deuteronomista do Deuteronômico. De acordo com LOHFINK,
Norbert. Las tradiciones Del Pentateuco en la época del exílio, Cuadernos Bíblicos 97, Navarra: Verbo Divino, 1999, p.
42, “Deuteronômico” é relativo ao livro do Deuteronômio; e “Deuteronomista” é relativo à história deuteronomista e
à escola responsável pelos livros desde Josué até 2 Reis. Aqui opta-se pelo termo “Deuteronomista”.
52
Ibidem, p. 125. Conforme os estudos de Ska, na primeira parte do Prolegomena, Wellhausen estuda os centros
cultuais, os sacrifícios, as festas, os sacerdotes e levitas, e a organização do sacerdócio (taxas, dízimos e outros
tributos). Ska sugere ver um resumo em CAZELLES, H. La Torah ou Pentateuque. In: CAZELLES, H. (ed.).
Introduction critique à l’Ancien Testament. Introduction à la Bible, Édition nouvelle, t. II. Paris: Desclée, 1973, pp.
122-124; além do artigo PURY, A. de; ROMER, T. Le Pentateuque en question: Position du probleme et breve
histoire de la recherché. In: PURY, A. de; ROMER, T. (eds.). Le Pentateuque en Question: Les origines et la
composition des cinq premiers livres de la Bible à la lumière des recherches recentes. Genève, 1992, pp. 26-27.
53
Ibidem, p. 125. Ska recomenda ver PERLITT, L. Hebraismus – Deuteronomismus – Judaismus. In: BRAULIK,
G.; GROSS, W.; McEVENUE, S. (eds.). Biblische Theologie und gesellschaftlicher. Wandel: FS Norbert Lohfink
SJ; Freiburg: Herder, 1993.
41
ordem clássica das fontes: J (javista); E (eloísta); D (Deuteronômio) e P (Priestercodex ou código
sacerdotal, que Wellhausen chama de Q, da palavra latina quattuor, porque esse relato contaria
quatro alianças de Yahweh com a humanidade: com Adão, com Noé, com Abraão e com Israel,
no Sinai)54.
Para as percepções de Ska, a religião do javista é natural, espontânea, livre e genuína. No
Deuteronômio, afirma o autor Ska, principia um processo de Denaturierung, de degeneração,
acompanhado por progressiva centralização e ritualização da religião. Conforme Ska, as regras
aleijam a espontaneidade, e esse processo chega ao auge da religião instaurada pelo sacerdócio,
após o exílio: legalismo e ritualismo sufocam a liberdade. Nos estudos de Ska, a religião segundo
Wellhausen não cresce mais no chão concreto da vida, porque se encontra enraizada nas
abstrações sacerdotais.
Ska aponta para um exemplo característico do pensamento de Wellhausen, no qual é como
ele (Wellhausen) apresenta a evolução dos sacrifícios e das festas em Israel, em que no início da
monarquia, o ritmo da liturgia e dos sacrifícios seguia as estações do ano, sem datas prefixadas
no calendário, e os sacrifícios eram oferecidos pelas famílias, em santuários locais.
Observa Jean Louis Ska que, com a reforma deuteronomista, o calendário litúrgico afasta-
se do natural da vida, e as festas passam a evocar acontecimentos da história de Israel e o cálculo
matemático prevalece sobre as estações. No estágio final, ressalta Ska, a liturgia desliga-se
totalmente da vida e da natureza, e os sacerdotes introduzem um calendário preciso para cada
festa (Levítico 23) ao criarem uma nova comemoração, “o dia do Grande Perdão” (Levítico
16,23,26-32). Enfatiza Ska que as preocupações do dia a dia cedem lugar ao sentimento de culpa,
o culto se concentra no “pecado” e a liturgia visa, sobretudo, à expiação.
Conforme as anotações de Ska, essa visão negativa do período pós-exílico e a incapacidade
de lhe perceber o sentido em seu contexto histórico reduzem a autoridade do sistema de
Wellhausen e de seus discípulos55. Adverte Ska que historiadores e exegetas precisam de bastante
cuidado, ao se valerem do esquema evolucionista, de formato hegeliano, e da visão romântica
sobre a religião primitiva, espontânea e livre.

54
Ibidem, p. 125. De acordo com Ska, neste momento Wellhausen se engana, pois na fonte P só há alianças com Noé
(Gênesis 9) e Abraão (Gênesis 17).
55
Ibidem, p. 126. Ska recomenda ver BLENKINSOPP, J. The Pentateuch: An Introduction to the First Five Books of
the Bible. The Anchor Bible Reference Library. New York/London: Doubleday, 1992, p. 9.
42
Nas observações de Ska, a história não obedece à filosofia e as culturas antigas padecem de
mais restrições e pressões do que imaginavam Herder e Rousseau, pois Wellhausen, enfim,
traduzia em categorias históricas o credo luterano referente à lei e ao Evangelho. De início,
enfatiza Ska, na religião de Israel reinava um Evangelho genuíno, a religião primitiva da
monarquia davídica. Depois, aponta Ska, a lei entra em cena com a reforma deuteronomista.
Raciocina o autor Jean Louis Ska que, com a religião dos sacerdotes, após o exílio,
instaurada a teocracia ou hierocracia do segundo templo, a religião natural morre e o legalismo
pontifica. Relata o estudioso Ska que será necessário esperar o Novo Testamento para debelar a
escravidão da lei e substituí-la pelo Evangelho da liberdade. Para Ska, a esta visão pode-se,
facilmente, objetar que a história de Israel é muito mais complexa e pode ser arriscado pretender
captar um grande movimento de ideias ao lançar mão apenas de duas categorias fundamentais.
Tal desenvolvimento já foi abordado aqui anteriormente. Conforme Ska, não com as
palavras que serão expostas, havia uma espécie de modismo antropológico evolucionista que era
tendência de toda e qualquer literatura nesta época na Europa de produção intelectual (França,
Inglaterra e Alemanha). Na questão religiosa, Wellhausen não compreende que o pensamento
dele é fruto de uma institucionalização do Cristianismo ao defender que o Evangelho de Jesus de
Nazaré e o Novo Testamento representam a libertação do legalismo, a ser que o próprio
Cristianismo transfere tais palavras por meio de estruturas legalistas, sejam elas literárias ou
hierárquicas.
Portanto, apesar da crença de Wellhausen, nos dias atuais, conforme o afirmado
anteriormente, deve-se ter ciência de que toda e qualquer religião, para firmar a sua existência e
identidade, precisa se institucionalizar, e como a institucionalização é feita por homens, homens
erram, e todas as religiões, quando institucionalizadas, possuem os seus problemas e defeitos; não
existe religião perfeita.
Conforme Ska, vale reconhecer, contudo, que, apesar dessas claras limitações, as pesquisas
de Wellhausen permanecem extremamente úteis nos estudos atuais (conforme a data do livro de
Ska, que é o ano de 2003) do Pentateuco. Para o autor, a comparação entre os diversos códigos de
leis e seus critérios para a distinção de fontes representam instrumentos ainda válidos para a
exegese moderna, sem se esquecer da sensibilidade, do bom senso e da prudência que
Wellhausen sempre demonstrou, exemplarmente, na visão de Ska.

43
Quanto à utilidade da teoria das fontes, conforme o afirmado anteriormente, é de ressaltar
que ela ainda é ensinada nos seminários de teologia devido ao choque que a referida causa ao
teologando, que acredita na transcendência da Bíblia; mas, mesmo assim, tal teoria possui os seus
questionamentos em alguns aspectos, como por exemplo, Wellhausen acreditou que houve
produção literária na época da monarquia unida, principalmente a partir do reinado de Davi, mas
hoje em dia, de acordo com as descobertas arqueológicas, percebe-se que o reino de Judá não
teria condições de desenvolver grandes produções intelectuais naquela época.
Em suas conclusões, Ska aponta que a partir daí a hipótese documental assumirá sua forma
clássica, familiar a todos os estudiosos do Pentateuco, na qual há quatro fontes: a javista (J),
escrita no Sul, no século IX; a eloísta (E), escrita, mais ou menos, um século depois, no reino do
Norte e baseada nos primeiros profetas (século VIII); o Deuteronômio (D), que, no seu núcleo
mais antigo, remonta à reforma de Josias, em aproximadamente 622 a.C.; e a sacerdotal (P), obra
exílica ou pós-exílica.
Para Ska, com toda a probabilidade, o Pentateuco atual foi compilado na época do
“segundo templo”, e muitos ligam esta redação à reforma de Esdras (cf. Neemias 8).
Conforme tal percepção, o Pentateuco como se conhece atualmente foi compilado na época
do “segundo templo”. Entretanto, os livros como conhecemos foram confeccionados em rolos,
que por sua vez eram guardados em grupos de rolos da Lei, rolos dos Profetas e rolos dos
Escritos, e naquele contexto não poderiam ser todos reunidos em um só rolo devido ao
desconforto para carregá-lo. Algo que contribuiu para o desenvolvimento da teoria das fontes foi
a codificação de todos em um só volume ou livro, e no contexto do pós-exílio não haveria
qualquer questionamento sobre as origens dos manuscritos, pois os escribas eram os que liam em
público, escreviam e organizavam os livros da Bíblia Hebraica como a conhecemos, assim como
eram detentores do conhecimento que seria transmitido para o povo.

44
2. Origens da Teoria Deuteronomista

À descoberta do “Deuteronomismo”56, Thomas Römer57 relata uma história na qual, em


uma nota de rodapé em sua tese de doutorado de 1805, o estudioso suíço Wilhelm Martin
Leberecht De Wette identificou o livro “encontrado” no templo sob o reinado de Josias (de
acordo com o relato de 2 Reis 22) com o livro do Deuteronômio, ou com a sua primeira edição,
ao sugerir que o livro do Deuteronômio original teria sido composto para legitimar a nova
organização das questões cultuais e políticas realizadas pelo rei Josias.
Vinte anos antes, por volta de 1785, afirma Römer que o filósofo francês (François-Marie
Arouet) Voltaire havia defendido a mesma ideia, ao ponto de dissociar o Deuteronômio do resto
do Pentateuco e atribuí-lo a um autor individual; mas, conforme Römer, De Wette foi quem deu o
passo decisivo, por defender a existência de um Tetrateuco que continha os livros de Gênesis,
Êxodo, Levítico e Números, e que as posições ideológicas desses livros são totalmente diferentes
das do livro de Deuteronômio, pois o estudioso suíço compreendia que o grupo Gênesis-Números
deveria ser entendido como uma coleção de vários fragmentos sem nenhum material histórico
autêntico, ao passo que o Deuteronômio era uma nova versão, ou remake “mítico” com material
contido nos livros do Tetrateuco.
Sobre Voltaire ter dissociado antes de De Wette o Deuteronômio do restante do Pentateuco,
percebe-se que ele não ganhou fama merecida por não ser considerado um estudioso do
Pentateuco e do Antigo Testamento ou Bíblia Hebraica. Porém, por ele não ser um grande
conhecedor do assunto, demonstra-se que ele não é tolo e sabe quando os textos divergem em
algum aspecto, como no caso do Deuteronômio com os demais livros do Pentateuco.
Mas De Wette ganha o mérito por ser um revolucionário, que descobriu a teoria das fontes
a partir dos Cronistas, e não do Gênesis e do Êxodo, conforme alguns dos seus antecessores. De
Wette foi mais revolucionário do que Wellhausen, que, por sua vez, apenas agrupou tudo o que
foi estudado sobre o assunto das referidas (fontes).
Nos estudos de Römer, indica-se que as ideias de De Wette foram assumidas e utilizadas
pelo bispo inglês, teólogo e matemático (John William) Colenso em 186358. Colenso empreendeu

56
O autor Thomas Römer coloca entre aspas desta forma.
57
RÖMER, T. op. cit., pp. 24-25.
58
Ibidem, p. 25. Römer afirma que pode ser encontrado no livro COLENSO, J.W. Pentateuch and Book of Joshua
Critically Examined, Part III. London: Longman; Green & Co., 1863.
45
um exame detalhado do vocabulário hebraico do Deuteronômio e destacou não apenas a
diferença deste vocabulário em relação à linguagem do Tetrateuco, mas também sua proximidade
com a linguagem dos Profetas Anteriores59. Ou seja, o bispo Colenso se aprofundou na ideia de
De Wette com o intuito de reforçar a sua tese e de descobrir mais sobre a fonte deuteronomista.
Nesse momento percebe-se que há um princípio da descoberta da fonte Deuteronomista
como fonte mais antiga do que as outras três, eloísta, javista e logicamente a sacerdotal que é
pós-exílica, devido a sua linguagem apresentar maior anterioridade do que a do Tetrateuco.
Contudo, não houve ampla divulgação até que os pesquisadores tivessem certeza das suas
descobertas, que talvez até os perturbassem ou de alguma, ou de diversas formas.
Jean Louis Ska60 traz a sequência da discussão através dos famosos exegetas alemães
Gerhard Von Rad e Martin Noth já no século XX. Em 1938, Gerhard Von Rad escreve sobre o
Hexateuco61 em sua obra fundamental Das formgeschichtliche Problem des Hexateuch (O
Problema da História das Formas do Hexateuco)62, na qual, para ele, o núcleo das tradições sobre
as origens de Israel está no “pequeno credo histórico” de Israel, como, por exemplo, em
Deuteronômio 6,21-23 e sobretudo 26,5-9 (cf. Josué 24,2-13), e na visão de Von Rad, esse
“credo” termina com a menção do dom da terra. Conclui sobre isso Von Rad que não se deve
falar de Pentateuco, e sim de Hexateuco, pois a tradição sobre as origens de Israel devia concluir
com a narrativa da conquista agora inserida no livro de Josué, o sexto livro da Bíblia Hebraica.
Entretanto, continua Jean Louis Ska, a tese de von Rad foi contestada por um discípulo seu,
Martin Noth, no ano de 1948, na obra Uberlieferungsgeschite des Pentateuch (A História das
Tradições do Pentateuco)63, obra que, segundo o autor Ska, está na origem da denominação

59
Profetas Anteriores corresponde ao conjunto de livros do Canon Hebraico dos nübì´îm – ~yaiÞbin>
(“profetas”)
cujas obras são os livros de Josué, Juízes, 1 e 2 Samuel, 1 e 2 Reis.
60
SKA, J.L. op. cit., pp. 18-19.
61
Ibidem, pp. 17-18. Conforme Jean Louis Ska, a teoria do Hexateuco foi primeiramente fundamentada por Henriech
Ewald na coletânea EWALD, H. Geschichte des Volkes Israel, vol. I, Gottingen, 1864, p. 94, cuja defesa era que a
primeira obra histórica de Israel foi “o livro das origens” (Das buch der Ursprunge), que abarca o Pentateuco e o
livro de Josué. Assim, conforme Ska, pensaram da mesma forma Bonfrère (1625), Spinoza (1670) e Geddes (1792).
Depois de Ewald, afirma Jean Louis Ska, tornou-se comum unir o livro de Josué ao Pentateuco, a se falar, então, de
“Hexateuco” (“seis rolos”) e não mais de Pentateuco. Assim temos a obra clássica de Julius Wellhausen,
WELLHAUSEN, J. Die Composition des Hexateuchs und der historischen Bücher des Alten Testaments. Berlim,
1866, em português: “A composição do Hexateuco e dos livros históricos do Antigo Testamento”.
62
Ibidem, p. 18. O autor faz menção à obra RAD, G. von. Das formgeschichtliche Problem des Hexateuch. Beiträge
zur Wissenschaft vom Alten und Neuen Testament 4,26, Sttuttgart, 1938.
63
Ibidem, pp. 18-19. A obra referida pelo autor é NOTH, M. Überlieferungsgeschichte des Pentateuch. Stuttgart:
Kohlhammer, 1948.
46
“Tetrateuco” (“quatro rolos”), porque exclui do Pentateuco o Deuteronômio com base em três
observações64:
1ª) Não há textos “deuteronômicos” nos quatro primeiros livros da Bíblia, excetuado algum
acréscimo sem maior importância. Daí a inexistência de ligação literária mais estreita entre
Gênesis – Números, de um lado, e Deuteronômio, de outro.
2ª) As fontes do Pentateuco não aparecem no livro de Josué. Em outras palavras, narrativas
começadas em Gênesis – Números não continuam no livro de Josué. E, dessa forma, fica muito
difícil falar de Hexateuco65.
3ª) O Deuteronômio é o prefácio da “história deuteronomista” (Josué – Reis). Precede o
“código deuteronômico” uma breve síntese da história de Israel (Deuteronômio 1-3), que repete
dados já conhecidos do leitor do livro dos Números e, conforme Noth, só se entende essa
repetição a ver o Deuteronômio como início de uma nova obra, continuada nos livros históricos,
a saber, Josué – 2 Reis. E, finalmente, que sentido teria Deuteronômio 1-3 se o Deuteronômio
fosse, realmente, conclusão de uma obra que abrangesse o livro de Números?
Para Ska, Noth percebeu que é preciso ler a história deuteronomista “à luz do
Deuteronômio”. No fundo, a “história deuteronomista” é a história da fidelidade de Israel à “Lei
de Moisés” contida no Deuteronômio.
Até o momento, foi apresentada a ruptura teórica de Martin Noth com seu professor
Gerhard Von Rad sobre o Deuteronômio, pois Von Rad defendia um Hexateuco, ao passo que
Noth já defendia o Deuteronômio isolado dos demais livros do Pentateuco, porém como
introdução dos livros da denominada História Deuteronomista (Josué, Juízes, Samuel e Reis).
Todavia, nesse contexto, não se atenta à questão das inserções Sacerdotais nos livros da História
Deuteronomista, como a questão da Arca da Aliança como parte dos referidos (livros), que não
passa de uma criação sacerdotal que ilustrava como o povo de Israel guardava os mandamentos
de Yahweh materialmente e fisicamente, algo que não passava pela cabeça de Martin Noth nesse
contexto de época. Ska ressalta que, para Noth, o Pentateuco se formou quando os dois blocos –
Gênesis – Números, de um lado, e Deuteronômio, juntamente com a história deuteronomista, de

64
Ibidem, pp. 18-19. Segundo NOTH, M. op. cit., pp. 5-6. e MOWINCKEL, S. Tetrateuch – Pentateuch –
Hexateuch. Die Berichte uber die Landnahme in den drei altisraelitschen Geschichtswerken. Beihefte Zur Zeitschrift
für die Alttestamentliche Wissenschaft 90. Berlin, 1964, p. 3.
65
Ibidem, pp. 18-19. Segundo NOTH, M. Überlieferungsgeschichte des Pentateuch. Stuttgart: Kohlhammer, 1948, p.
5. e idem, Das Buch Josua. Handbuch zum Alten Testament vol. I n. 7. Tübingen, 1938, pp. 13-14.
47
outro – foram agrupados em uma única e grande obra. Desta forma, o Deuteronômio aparece
como conclusão do Pentateuco, a ser, pois, necessário, separá-lo de Josué e do resto da história
deuteronomista.
Mas, segundo Ska, Noth nunca, jamais, defendeu um “Tetrateuco”, porque para ele, as
fontes antigas, como os atuais Gênesis – Números, pedem uma continuação, ou seja, um relato da
conquista como o do livro de Josué. De acordo com Ska, foi o autor sueco Ivàn Engnell66, em
1945, quem deu o passo decisivo para afirmar a existência de um Tetrateuco independente, ao
apontar que o atual Tetrateuco (Gênesis – Êxodo – Levítico – Números), seria obra do autor
sacerdotal (P), que, por sua vez, teria recolhido e compilado velhas tradições orais, e junto deste
Tetrateuco sacerdotal havia o Deuteronômio e a história deuteronomista. Contudo, observa Ska
que Engnell, infelizmente, apenas enunciou a sua tese, sem fornecer uma argumentação completa
para apoiá-la.
Às posições de Noth e Engnell, aparentemente não é questão para eles como os escribas
organizaram os rolos de cada uma das obras, o que de certa forma não ajudaria na análise das
fontes se cada livro fosse estudado isoladamente. Devido à codificação da Bíblia Hebraica ou
Antigo Testamento, facilitou-se o desenvolvimento da teoria das fontes que algum dia,
independentemente do tempo de demora, iria ser concretizada de alguma forma. Mas ainda se
ressalta que há fontes Sacerdotais no próprio Deuteronômio e na História Deuteronomista (Josué
– Reis), como os relatos da Arca da Aliança que servem como uma espécie de “costura” entre o
que se convencionou chamar de Tetrateuco (Gênesis – Números) o Deuteronômio e a História
Deuteronomista (Josué – Reis) para que haja uma legitimidade contínua nos relatos bíblicos. É,
porém, outro fato que não passou como ideia para Noth e Engnell.
Algo que é primordial nas conclusões de Ska relacionada a algumas questões fundamentais
sobre o Pentateuco à monarquia, que é um dos temas principais da tese, relacionado ao “Primeiro
Templo”, é sobre o cânon da Escritura hebraica, no qual a monarquia está submetida à lei, pois as
instituições mosaicas são capitais para a existência de Israel, enquanto o povo pode prescindir da
monarquia. O que, para o autor Ska, trata-se de uma verdade fruto de trágica e sofrida vivência
no desterro.

66
Ibidem, p. 19. O autor menciona ENGNELL, I. Gamla Testamentet: En traditionshistorisk inledning, I.
Stockholm: Svenska Kyrkans Diakonistyrelses Bokforlag, 1945, pp. 209-212.; Idem, The Pentateuch. In: A Rigid
Scrutiny: Critical Essays on the Old Testament. Nashville: Vanderbilt University Press, 1969, pp. 50-67.
48
Segundo Ska, nota-se que as narrativas do Pentateuco à monarquia estar submetida à lei
correspondem mais a um desejo do que a um fato, pois as instituições mosaicas não são
contemporâneas aos relatos de Samuel e de Reis. Os desterrados e exilados compreendem a sua
situação e condição como consequência da desobediência das leis de Yahweh e por este o
motivo, são bem enfáticos e incisivos acerca da responsabilidade da monarquia sobre as
consequências que trouxeram para o seu povo.

2.1 A História Deuteronomista nos Livros de Reis

De acordo com Römer67, a tradição deuteronomista abrange as redações dos livros de


Deuteronômio, Josué, Juízes, 1 e 2 Samuel e 1 e 2 Reis. Mas como a preocupação principal desta
pesquisa é o Templo monárquico do reino de Judá, o estudo irá se ater aos livros de 1 e 2 Reis,
que retratam a sua construção e a sua destruição.
O autor aponta para uma estruturação relacionada às origens do Templo considerado como
o primeiro68, quando a história da sucessão dinástica de Davi para Salomão chega ao fim em 1
Reis 1-2,13, após uma interrupção em 2 Samuel 21-2469. Relacionado ao desfecho de como
Salomão assumiu o trono do Reino Unido de Israel e de Judá, o autor relata que tal fato,
conforme a narrativa de 1 Reis 1, ocorre de forma similar a uma intriga ao estilo do seriado
estadunidense Dallas70, liderada pelo profeta Natã e a mãe de Salomão, Bat-Sheva, enquanto o
velho Davi parece completamente inválido, sem qualquer capacidade de controlar os
acontecimentos.
Römer afirma que no ciclo de 2 Samuel 9 – 1 Reis 2, a denominada “História da Sucessão
ao Trono de Davi” ou “História da Corte”, a personagem Davi aparece muitas vezes como um rei
fraco, e mesmo moralmente imperfeito, pois após engravidar Bat-Sheva, esposa de Urias, Davi
envia seu marido, um de seus melhores oficiais, para a morte; a mesma Bat-Sheva se tornará mãe

67
RÖMER, T. op. cit., pp. 11-19.
68
Ibidem, pp. 17-19.
69
Ibidem, p. 17. De acordo com o autor, estes quatro capítulos do livro de 2 Samuel formam um apêndice e, no
último capítulo, 2 Samuel 24, Davi é apresentado como o fundador do futuro templo.
70
Römer faz menção ao seriado clássico da televisão estadunidense, que vigorou de 1978 a 1991, com catorze
temporadas e ao todo 357 capítulos, e não à sua continuação recente, que vigorou de 2012 a 2014, e foi cancelada no
mês de outubro de 2014.
49
de Salomão (2 Samuel 12). Conforme os estudos do autor, Davi também deve enfrentar revoltas,
especialmente da parte de seu filho Absalão (2 Samuel 13-19) e é obrigado a fugir de Jerusalém.
Após o assassinato de Absalão por Joab, general de Davi, o rei retorna a sua capital, onde
enfrenta nova revolta (2 Samuel 20).
Entende-se por essas colocações de Römer que o rei Davi dos relatos de 2 Samuel 9 – 1
Reis 2 não era um rei tão popular quanto o mito que se sustentou na religião cristã afirma, e
segundo o qual Davi era um rei de acordo com o coração de Deus; pois um rei do qual o povo
não gosta, nem o filho gosta, que mata um de seus melhores soldados para ficar com a mulher
dele (e bons soldados são muito difíceis, e não podem ser mortos a esmo ou por mera
arbitrariedade ou egoísmo do rei) e, no final das contas, não é respeitado na morte ao ocorrer uma
disputa de poder entre os seus filhos Salomão e Adonias não poderia ser tão amado assim, pelo
contrário, o Davi do referido trecho apontado por Römer era um rei desprezado, desprezível,
incompetente e irrelevante, e não o grande homem de vitórias fundador de uma dinastia que, de
acordo com os relatos bíblicos, duraria por volta de quinhentos anos.
Quanto à subsequente história do Rei Salomão (1 Reis 3-11), esta pode ser dividida em
duas partes:
• A primeira parte descreve o Rei Salomão como o rei sábio e construtor do Templo.
Termina com um longo discurso de Salomão em 1 Reis 8, no qual ele verifica que Yahweh
realizou todas as promessas feitas a Davi. Mas ao inaugurar o templo, Salomão já prevê sua
destruição e exílio do povo. Por esta questão apresentada por Römer, dá para entender que esta
redação é pós-exílica, ao ponto de prever a destruição e o exílio dos judaítas, pois mesmo se o rei
Salomão tivesse existido de fato como rei de Israel entre os anos de aproximadamente 970 a 931
a.C., dificilmente (ou impossivelmente) ele faria a previsão exata do que aconteceria por volta do
ano de 586 a.C., que é o possível ano da destruição do “Primeiro Templo”.
• A segunda parte da narrativa de Salomão, em 1 Reis 9-11, apresenta uma visão mais
negativa do rei (apesar de haver a história positiva da visita da rainha de Sabá a Salomão),
especialmente sobre à sua atração por mulheres estrangeiras e divindades estrangeiras. Afirma
Römer que os erros religiosos e políticos de Salomão provocaram o colapso do “Reino Unido”
após a sua morte (1 Reis 12-14). Jeroboão, um antigo servo civil de Salomão, torna-se rei de
Israel, o reino do Norte; estabelece dois santuários javistas, um em Dã e outro em Betel (isto é,

50
nas fronteiras norte e sul do reino de Israel) como uma alternativa ao templo Judaíta em
Jerusalém.
Algo que Römer71 aponta e que é interessante enfatizar aqui é a centralização do culto em
Jerusalém, pois, conforme os estudos do autor, a passagem de 1 Reis 15 – 2 Reis 17 relata a
história paralela dos dois reinos; a história é contada a partir de uma perspectiva nitidamente
judaíta, pois todos os reis são submetidos a uma avaliação, que se baseia em sua fidelidade a
Yahweh e em sua observância do mandamento da centralização do culto. Observa atentamente o
autor que os reis judaítas são também comparados com Davi (“Não agiu/não agiu como o seu pai
Davi”). Nota o autor que o critério para a centralização do culto explica por que nenhum rei de
Israel pode satisfazer os padrões ideológicos dos autores ou redatores, nem mesmo Jeú, embora
este seja descrito como um revolucionário Javista que põe fim à dinastia dos Amridas (2 Reis 9-
10).
Segundo Thomas Römer, a história dos dois reinos é narrada sincronicamente, e o Reino do
Norte parece ter sido governado por reis maus, e o rei Acab (1 Reis 16,29-22,40), de acordo com
as observações do autor, parece ter sido o pior deles; pois se diz que ele foi responsável por
introduzir o culto à divindade masculina fenícia Baal, vinculada à tempestade e à fertilidade.
Conforme Römer relata, a situação do Reino do Norte é descrita como anárquica, visto que os
seus reis são assassinados e as suas dinastias mudam frequentemente, ao passo que o Reino do
Sul, pelo contrário, parece ter sido governado todo o tempo por reis da dinastia davídica, e, por
esse motivo, na passagem de 2 Reis 11, envidam-se todos os esforços para apresentar o reinado
de Ataliah, filha de Acab, sobre Judá como ilegítimo. Sobre o assunto, Römer conclui que a
história do Reino do Norte termina com um longo comentário do narrador, que aponta as razões
que levaram à sua queda e a de Samaria, sendo que elas, consequentemente, foram transformadas
em províncias da Assíria (2 Reis 17).
Mas tais relatos hoje em dia já são compreendidos como tendenciosos na intenção de
legitimar a Reforma Deuteronomista de maneira oportuna, caracterizada pela queda do Reino do
Norte. Como o Deuteronomista é escriba apoiador da ideologia da coroa do Reino do Sul
representada pelo rei Josias, obviamente ele vai escrever que todos os reis do Reino do Norte
foram maus e péssimos, tanto como pessoas, quanto em suas atitudes, e é lógico que o Reino
remanescente de Judá vai ter mais reis bons do que ruins. Um dos aspectos da propaganda

71
Ibidem, p. 18.
51
deuteronomista foi o de buscar convencer a todos sobre as vantagens que o Reino de Judá teve
sobre o Reino de Israel que foi destruído pelos Assírios. Contudo, quando foi a vez da queda de
Judá, culpou-se a monarquia, independentemente de ter ela gerado reis bons e reis maus.
Há um aspecto o qual Römer aponta72 e não pode deixar de ser explanado que é sobre os
últimos capítulos de 2 Reis (18-25), que narram a história do Reino de Judá até o seu exílio. Tal
ponto possui forte relação com o Templo pré-exílico, pois houve por volta do ano de 622 a.C. a
Reforma Deuteronomista do rei Josias, que objetivava a centralização do culto em Jerusalém.
Segundo afirma o autor, há dois reis na narrativa de 2 Reis 18-25 que recebem atenção particular:
Ezequias e o já referido Josias, sendo que ambos conformam com a vontade de Yahweh, em
contraste com os seus antecessores e sucessores. Na narrativa de 2 Reis 18-20, o rei Ezequias
abole os cultos ilegítimos segundo o yahwismo e os seus respectivos lugares de culto; sob o seu
reinado o cerco assírio de Jerusalém é abandonado por causa da intervenção de Yahweh. Seu
filho Manassés, personagem da narrativa de 2 Reis 21, é apresentado como um dos piores reis de
Judá, embora tenha reinado por 55 anos, o que leva certo comentário no qual como um rei que
reina por tanto tempo, sem nenhuma rebelião ou conspiração encontrada no relato de seu pleito,
pode ter sido considerado um rei tão ruim e péssimo? É algo para se verificar à tendência do
relato bíblico no qual um rei com um pleito tão longo é tão ruim quanto os reis do Reino do Norte
que não conseguiam sustentar uma dinastia por períodos muito longos.
Continua Römer que, após o perverso também Amon traçado pela narrativa
deuteronomista, vem o reinado de Josias, que à primeira vista aparece como desfecho positivo da
monarquia judaíta, já que Josias, após a descoberta do livro da lei no templo, empreende uma
tremenda reorganização do culto, a transformar Jerusalém no único santuário legítimo e a destruir
os símbolos de todos os cultos javistas ilegítimos e outros cultos (2 Reis 22-23). Entretanto, não
somente para Römer, mas para todos aqueles que conhecem a história, nem mesmo a reforma de
Josias é capaz de impedir a destruição de Jerusalém e de Judá pelos babilônios, que, por sua vez,
castigam as revoltas dos sucessores de Josias. Mas Römer atenta para o fato de toda esta história
referida não termina com um comentário final, como seria de se esperar, mas com uma nota um
tanto obscura sobre a libertação do rei judaíta Joaquin de seu cativeiro babilônico, que permanece
na Babilônia, mas se torna um hóspede privilegiado à mesa do rei da Babilônia, de acordo com 2
Reis 25,26-30.

72
Ibidem, pp. 18-19.
52
Aqui há muitas questões nas quais o próprio relato bíblico chega a ser contraditório, como
por exemplo o rei Manassés, personagem da narrativa de 2 Reis 21, que é apresentado como um
dos piores reis de Judá, embora tenha reinado por 55 anos, o que leva a certo comentário no qual
como é possível que um rei que reina por tanto tempo, sem nenhuma rebelião ou conspiração
encontrada no relato de seu pleito, pode ter sido considerado um rei tão ruim e péssimo? Na
verdade, foi intenção do deuteronomista falar mal não apenas do rei Manassés, como também do
rei Acaz, por serem reis que fizeram aliança com a Assíria, pois o deuteronomista defende uma
religião Yahwista isenta de rituais que não sejam os vinculados a Yahweh.
De acordo com Finkelstein e Silberman, conforme as descobertas arqueológicas vinculadas
ao período de ambos os reis, o vínculo do reino de Judá com a Assíria foi benéfico para a
organização do referido reino do Sul, pois, conforme os achados, a organização, principalmente
de Jerusalém, era bem maior do que no período de Josias. Deduz-se que no período de Josias
apenas poderia ter havido produção literária imensa para legitimar o reino de Judá como o reino
central, assim como Jerusalém, a sua cidade principal, porém, com organização administrativa
não tão eficiente quanto no período de Acaz e de Manassés.
Conclui Römer73 que, na literatura deuteronomista, o retrato da monarquia é profundamente
ambíguo, pois, por um lado, pode-se encontrar textos que insistem na legitimação divina da
dinastia davídica (em 2 Samuel 7, Yahweh promete, conforme o autor, que ela durará “para
sempre”); por outro lado, há numerosas observações críticas sobre os reis que não se conformam
com a vontade de Yahweh exposta no livro de Deuteronômio. Para Römer, relacionado ao
fracasso da monarquia, a mesma história contém afirmações muito positivas sobre reis judaítas
que não se encaixam bem num contexto de exílio e de deportação. Tal tensão, afirma o autor, é
um primeiro indício da complexidade do material contido nos livros de Deuteronômio até Reis,
comumente rotulado como “História Deuteronomista”, que, de acordo com Römer, necessita de
ser esclarecida por meio do atual debate sobre a teoria.
De acordo com o contexto referido por Römer, na literatura deuteronomista há duas vozes:
uma que legitima a dinastia davídica que pode ser considerada produto da Reforma de Josias ou
Deuteronomista; e outra que é exílica, contundente nas críticas aos piores reis de Judá. São
assuntos que estão inseridos nos mesmos livros e em diversos momentos, até mesmo são
contraditórios. Mas todos esses assuntos de alguma forma possuem a intenção de reunir e

73
Ibidem, p. 19.
53
legitimar um raciocínio lógico. Por um lado, houve a propaganda da coroa de Judá como a
remanescente no período de Josias e escolhida por Yahweh para guiar os judaítas e os israelitas, e
por outro, durante o exílio, já que a coroa judaíta perdeu a sua credibilidade devido às péssimas e
terríveis consequências que a referida trouxe a seu povo, ela deveria ser severa e duramente
criticada sem o mínimo pudor pelos desterrados.

2.2 A Questão da Coerência da Redação dos Livros de Deuteronômio a Reis

Claus Westermann é referido por Römer ao retomar determinadas críticas lançadas contra
Martin Noth, ao argumentar que os diferentes livros que constituem a assim chamada História
Deuteronomista não trazem as marcas do mesmo estilo deuteronomista ou ideologia
deuteronomista. Para Westerman, o livro de Juízes, ao contrário dos livros Reis, apresenta uma
visão cíclica da história, enquanto os livros de Samuel mostram muito poucas características
claras de linguagem deuteronomista. Por isso, relata o autor, Wasterman afirma: cada livro dos
Profetas Anteriores provém de um contexto social e histórico diferente, pois mesmo se houve
alguns redatores, eles transmitiram fielmente as antigas tradições orais; por isso, enfatiza Römer,
os textos contidos nos livros históricos deveriam ser considerados provenientes de testemunhas
oculares dos acontecimentos narrados.
A crítica que é feita a Wasterman oriunda de Römer é, porém, que a sua ideia de “tradição
oral” não está de acordo com os resultados das pesquisas antropológicas e sociológicas, que
demonstraram claramente que pôr por escrito aquilo que se pode chamar de “tradição oral”
significa transformação na forma e no conteúdo do material selecionado74, ou seja, ao colocar por
escrito, a narrativa de origem oral não é fiel à original, pois está impregnada de alterações, e
perdeu muito da sua essência.

74
Ibidem, p. 45. O autor sugere conferir obras como: KIRKPATRICK, P.G. The Old Testament and Folklore Study.
Journal for the Study of the Old Testament Supplement 62. Sheffield: Sheffield Academic Press, 1998; e WAHL,
H.M. Die Jakobserzählungen: Studien zur ihrer mündlichen Überlieferung, Verschrif- tung und Historizität. Beihefte
Zur Zeitschrift für die Alttestamentliche Wissenschaft 258. Berlin, 1997. Uma obra que Thomas Römer também
recomenda, e acha muito interessante e importante é a de NIDITCH, S. Oral World and Written Word – Ancient
Israelite Literature. Louisville: Westminster John Knox, 1996, que apresenta a sua rejeição da “noção romântica de
um período oral na história de Israel” (RÖMER, T. op. cit., p. 134).
54
A tentativa de Claus Westeman é razoável por questionar a plena deuteronomicidade dos
livros da História Deuteronomista, mas ele falha ao afirmar que os textos contidos nos livros
históricos deveriam ser considerados provenientes de testemunhas oculares dos acontecimentos
narrados. Até onde se conhece, nenhum dos relatos bíblicos possuiu alguma testemunha ocular,
pois não passam de histórias contadas para legitimar algo ou alguma coisa. Não se questiona a
existência de determinados personagens bíblicos, mas sim as histórias fabulosas (no sentido de
fábula) e fantásticas (no sentido de fantasia) que circundam por tais personagens. Hoje em dia já
se nega a existência material de Moisés, porém com relação às dos reis Saul, Davi e Salomão,
questiona-se mais os mitos que foram construídos e tecidos sobre eles do que as suas respectivas
existências. Portanto, a questão das testemunhas oculares não está em pauta nos estudos bíblicos,
mas sim o propósito do relato bíblico.
Há outros autores estudiosos do deuteronômio que são Ernst Wurthwein e Alan Graeme
Auld, os quais, de acordo com Römer, afirmam que o núcleo mais antigo da editoração
deuteronomista deve encontrar-se no livro de Reis. Mais tarde, segundo o autor, ao desdobrar o
raciocínio dos referidos estudiosos, em um processo que inclui diversas etapas, foram
acrescentados progressivamente os livros de Samuel, Juízes e, finalmente, Josué; e o
Deuteronômio e o Tetrateuco vieram mais tarde ainda e tiveram contato com autores que
trabalharam os textos e os personagens dos Profetas Anteriores. Aponta Römer que Ernst Axel
Knauf aproxima-se desta posição, já que também ele acredita que apenas os livros de (Samuel e)
Reis poderiam ser rotulados como “História Deuteronomista”, pois Knauf não considera o
Deuteronômio uma introdução apropriada para o livro histórico seguinte, já que, segundo a
ideologia deuteronomista, a história de Israel começa com o êxodo, pareceria muito mais lógico
iniciar com essa história.
Porém, de acordo com Thomas Römer, se alguém faz uso da ideia de que esta “História
Deuteronomista mais ampla” teria sempre incluído os livros de Êxodo e Números, surgem outros
problemas. Nesse sentido, há a necessidade de explicar a presença dos textos como
Deuteronômio 1-3, que recapitulam os acontecimentos narrados em Êxodo e Números, pois se o
Deuteronômio tivesse sempre seguido Êxodo e Números, simplesmente não haveria motivo para
iniciar com um sumário dos eventos relatados nos livros anteriores. Finalmente, observa Römer
que Knauf argumenta que a assim chamada História Deuteronomista (Deuteronômio – Reis)
nunca é atestada nos sumários históricos, ou nos salmos “históricos”, ao contrário do Pentateuco
55
(por exemplo Salmos 74;95), do Hexateuco (Salmos 105;114), ou da “História Primária” que
cobre os livros de Genesis a Reis (exemplos: Salmos 78;106).
Todavia, de acordo com Thomas Römer, caso todas essas coleções estão documentadas nos
Salmos, nenhum deles menciona todas as tradições narrativas que elas contêm, exceto o tardio
Salmo 105. Por isso, explicita Römer, parece um tanto duvidoso afirmar que essas coleções estão
firmemente atestadas nos Salmos, pois, evidentemente, existem alguns textos tardios que procuram
recapitular ou até criar um Hexateuco (Josué 24) ou uma “História Primária” (Neemias 9).
Da mesma forma, porém, conforme o autor Römer, há no Salmo 136 um sumário do
Tetrateuco (que termina com a conquista da Transjordânia, como faz o livro de Números); este
salmo, de acordo com Römer, parece considerar que o Deuteronômio pertence aos livros
seguintes. Finalmente, percebe o autor Römer, 2 Reis 17,7-23 poderia muito bem ser entendido
como um sumário da História Deuteronomista, pois é verdade que o texto começa com a tradição
do êxodo, mas como não se alude a nenhum outro tema do Tetrateuco, o versículo inicial pode
perfeitamente ser considerado um sumário do livro do Deuteronômio: “O povo de Israel pecou
contra Yahweh seu Deus, que os havia tirado da terra do Egito [...] e prestaram culto a outros
deuses” (versículo 7).
Observa Römer que a identificação de Yahweh como o Deus que tirou Israel do Egito e a
advertência contra outros deuses são dois temas primordiais do Deuteronômio, como também
Deuteronômio 5,6-7;6,12-14;29,14-15. A continuar o raciocínio de Römer em 2 Reis 17,7-23, o
versículo 8 alude à conquista; nos versículos seguintes há alusões ao tempo dos juízes e de
Samuel; os versículos 16-17 referem-se a acontecimentos relatados no livro dos Reis. Para o
autor Thomas Römer, pode-se concluir, portanto, que 2 Reis 17,7-23 pressupõe ou resume todo o
âmbito da História Deuteronomista75.
Ainda é percebida a questão de tirar o povo de Israel do Egito como tema sacerdotal, não
deuteronomista, como Römer afirma, pois se trata de mais uma inserção sacerdotal no
Deuteronômio do que um texto deuteronomista de fato, visto que, por inúmeras vezes, o Egito
pôde ser considerado como pseudônimo de Babilônia, pois, historicamente, nunca os cananeus
(israelitas) viveram na terra do Egito. Apenas cederam a sua força como pagamento aos egípcios

75
Ibidem, p. 47. O autor recomenda, para maiores detalhes sobre 2 Reis 17, conferir um artigo de sua própria autoria,
apesar de muitos considerarem isso pedantismo, que é RÖMER, T. The Form-Critical Problem of the So-Called
Deuteronomistic History. In: SWEENEY, M.A.; BEN ZVI, E. (orgs.). The Changing Face of Form Criticism for the
Twenty-First Century. Grand rapids: Eerdmans, 2003.
56
mediante ao regime de corveia. O povo de Judá foi sim considerado estrangeiro na Babilônia,
mas isso jamais foi fato no Egito da Idade do Bronze.
Mas Thomas Römer nos chama a atenção para um aspecto referente ao autor Rosel, pois
contrariamente a este autor Rosel76 e a outros que declaram pela não existência de temas
deuteronomistas a ligar os livros de Deuteronômio até Reis, não se pode, em hipótese alguma,
negar a existência de tais e referidos temas. Enfatiza Römer que há alguns desses traços que
faltam quase totalmente no Tetrateuco, como no caso dos ´élöhîm ´áHërîm – ~yrIøßxea] ~yhi’îl{a/, os
“outros deuses”, que é uma expressão considerada um emblema Deuteronomista; e no Tetrateuco
só é atestado duas ou três vezes no livro do Êxodo77. O tema do culto a outros deuses e da
rejeição de Yahweh percorre todos os livros do Deuteronômio até Reis, e apresenta uma
importante explicação para a catástrofe do exílio e a destruição tanto de Israel como de Judá.
Como os livros do Tetrateuco são considerados posteriores aos escritos deuteronomistas, as
pouquíssimas citações do termo ´élöhîm ´áHërîm – ~yrIøßxea] ~yhi’îl{a/, os “outros deuses”, que é
uma expressão considerada um emblema Deuteronomista, podem ser consideradas uma tentativa
de vincular o livro do Êxodo aos propósitos deuteronomistas que muitas vezes coincidem com os
propósitos sacerdotais na questão da unificação e centralização. Deve-se compreender que há a
apropriação de termos para se reforçar a ideologia da centralização, mesmo ela sendo oriunda da
fonte Deuteronomista.
A voltar ao tema do Templo, que é o tema central da tese, este é um aspecto importante
vinculado à centralização do culto e ao “Primeiro Templo”, principalmente na Reforma
Deuteronomista ou Josiânica, cujo objetivo foi, a princípio, tornar o culto em Jerusalém central.
Afirma Römer que o próprio exílio, a deportação para longe da terra dada a Israel, é outro
“leitimotiv abrangente” na História Deuteronomista, pois, excetuado Levítico 26,27-33, que é um
texto muito tardio, não existe no Tetrateuco nenhuma alusão direta ao exílio. Conforme o
entendimento do autor Römer, evidentemente, um bom número dos textos contidos neste corpus
76
Ibidem, p. 47. Sobre Rosel, o autor recomenda conferir ROSEL, H.N. Does a Comprehensive ‘Leitmotiv’ exist in
the Deuteronomistic History? In: RÖMER, T. (org.). The Future of Deuteronomistic History. Bibliotheca
Ephemeridum Theologicarum Lovaniensium 147, Leuven, 2000, pp. 195-211. É curioso o fato de ser um artigo de
discordância das opiniões de Thomas Römer estar dentro de uma coletânea organizada pelo próprio Römer.
Desconhece-se notícias de Rosel ter mudado de ideia sobre a não existência de temas deuteronomistas relacionados
aos livros de Deuteronômio até Reis.
77
Ibidem, p. 47. Segundo o autor, as passagens ocorrem em Êxodo 20,3 (= Deuteronômio 5,7); 22,13; Êxodo 34,14
(em sua forma singular). Fora da História Deuteronomista, a expressão ocorre 18 vezes nas partes deuteronomistas
de Jeremias, uma vez em Oséias (3,1) e depois nas Crônicas.
57
pode ser entendido a luz dos acontecimentos de 597/587 a.C., como por exemplo Êxodo 32,
Números 13-14 e muitos outros, mas esses textos nunca mencionaram o exílio explicitamente,
segundo o autor. Conclui Römer que só no livro de Deuteronômio aborda-se claramente o
desaparecimento de Israel da terra (conferir, por exemplo, Deuteronômio 28, 63-64). E a partir
daí o anúncio da deportação, segundo o autor, ocorre repetidas vezes, especialmente nos
discursos e comentários deuteronomistas. Römer observa que, relacionado com isso, está o uso
da raiz šmD – dmv (“ser exterminado”), que é atestada frequentemente no Deuteronômio e nos
nübì´îm – ~yaiÞbin,> mas não no Tetrateuco78.
Porém, sobre a questão de determinados textos do Tetrateuco nunca mencionarem o exílio
explicitamente, é óbvio que eles não o fariam, pois o propósito era dar a tais textos um tom de
antiguidade, em uma época na qual não existiria a Babilônia como reino poderoso, e como o
Egito era o Reino poderoso da época, foi criada a escravidão e o Êxodo do Egito em comparação
ao exílio na Babilônia. Historicamente, houve uma opressão egípcia sobre os cananeus, mas
jamais de acordo com os relatos do Êxodo. Porém, para haver maior legitimação, o escriba
sacerdotal criou tal história para reforçar o povo de Israel como povo sempre oprimido e cativo
perante as grandes nações. Agora a questão do extermínio do povo de Judá e de Israel, por ser
encontrado no Deuteronômio e nos profetas, abrange um contexto no qual os reis não mais
obedeciam à vontade de Yahweh, provavelmente produzido durante o exílio no qual há a reflexão
da culpa e da responsabilidade dos monarcas sobre o exílio do seu povo.
Römer traz os seguintes modelos: Deuteronômio 28,63 e 68 fazem os seguintes anúncios:
“[...] serás arrancado da terra de que vais tomar posse. [...] Yahweh te fará voltar em navios para
o Egito79, por um caminho que eu te prometi nunca mais verias novamente [...]”. O autor Römer
confirma que estas ameaças são cumpridas no final do livro dos Reis: “Assim Judá foi exilado
para longe de sua terra [...]. Então todo o povo [que não foi deportado para a Babilônia [...] partiu
e foi para o Egito [...]” (2 Reis 25,21/26). Os livros do Deuteronômio até Reis, conforme as
78
Ibidem, p. 47. De acordo com o autor, no tetrateuco só em Gênesis 34,30; Levítico 16,33; Números 33,52.
79
Sobre o mito da escravidão do Egito, as provas materiais apontam que a referida escravidão está vinculada ao
regime de corveia aplicado aos povos habitantes de Canaã no período da dominação egípcia da décima oitava à
vigésima dinastias (aproximadamente de 1500 a 1100 a.C.), o qual não implicava na moradia dos povos cananeus no
Egito, mas sim no pagamento de impostos através de mão de obra subalterna de tais povos. O que aconteceu foi que
o faraó Ramsés III nas Batalhas de Djahy e do Delta (1178-1175 a.C.) lutou contra os povos do mar, e as venceu,
porém, não teve condições de administrar a região de Canaã devido aos investimentos bélicos, o que
consequentemente trouxe a liberdade do regime de corveia aos cananeus, e não porque a personagem epônima
Moisés tirou os hebreus do Egito.
58
pesquisas de Römer, estão, dessa forma, estreitamente ligados, a tal ponto que juntos explicam
por que Israel e Judá não puderam escapar ao destino que fora anunciado pela personagem
epônima fundante Moisés desde o começo.
Tudo isso se justifica como reflexão do período exílico, pois todos os profetas anunciaram
o fim do Reino de Judá, e haveria uma ancestralidade epônima no anúncio oriundo da
personagem epônima fundante Moisés. São literaturas elaboradas em um mesmo contexto de
época por apresentarem os mesmos temas, e não escritas em épocas extremamente distintas como
os escribas desejaram que todos acreditassem.
Relata o autor Thomas Römer que há também um argumento da crítica das formas para a
unidade de Deuteronômio – Reis, pois na medida em que é deliberadamente composto como um
único e grande discurso da personagem epônima fundante Moisés pronunciado no final de sua
vida, o Deuteronômio, na perspectiva de Römer, proporciona o verdadeiro modelo para os
discursos e testamentos no restante dos livros históricos (especialmente Josué 23, 1 Samuel 12, 1
Reis 8).
Neste tema, conclui Römer que tais observações referidas permitem ainda pensar que os
livros do Deuteronômio até Reis formam uma “História Deuteronomista”, porém, em um sentido
muito distinto daquele dado por Martin Noth.
Para Römer, não importa as discussões relacionadas à negação dos livros de Deuteronômio
até Reis como não detentoras do discurso deuteronomista, pois, para o autor, é muito claro e é
muito difícil contestar a sua posição, principalmente na questão dos “outros deuses” e no exílio,
que são marcas contundentes do deuteronomista.
Mas sobre o apresentado, deve-se compreender que realmente o Deuteronômio e a História
Deuteronomista correspondem a outro agrupamento separado do Pentateuco. Diversos temas,
porém, foram inseridos não apenas no Tetrateuco como nos livros deuteronomistas na intenção
de dar-lhes sequência histórica e legitimidade, como tentativa de vincular uns nos outros.
Contudo, em uma análise mais apurada e detalhada, percebe-se que o Tetrateuco e os escritos
deuteronomistas centralizam-se em temas completamente distintos.

59
2.3 A Discussão mais Recente do Estudo da Fonte Deuteronomista

Relacionado ao estado recente da discussão deuteronomista até a obra de Thomas Römer80,


datada de 2005, a considerar a diversidade dos modelos de História Deuteronomista defendidos
nos últimos cinquenta anos e a recente rejeição da hipótese, um estudante da Bíblia Hebraica
poderia perguntar-se como deverá lidar com estas concepções conflitantes, pois de acordo com o
autor Römer, é verdade que, por longo tempo, houve muito pouco debate entre as escolas de
Cross e de Smend; em que suas posições assemelhavam-se a uma guerra religiosa mesquinha
que, por sua vez, tornava difícil avaliar criticamente ambos os modelos. Afirma Thomas Römer,
porém, que os pontos fracos da teoria deuteronomista sublinhados por volta do ano de 2005 por
alguns estudiosos e acadêmicos haviam sido negligenciados por muitas vezes com muita
facilidade.
Mas o referido pesquisador valoriza cada uma das posições acima apresentadas por possuir
intuições valiosas, como o modelo de Cross, o qual apesar de ser motivo de uma discussão inútil,
o referido modelo apresenta uma explicação conveniente para aqueles textos que parecem
pressupor uma ideologia monárquica e são um tanto otimistas sobre o futuro do Estado e da terra,
como o texto de 2 Samuel 7, o qual Martin Noth não levou muito em consideração, ou os relatos
da conquista em Josué 6-11 não parecem refletir ainda a experiência do exílio, mas encaixar-se
melhor no período pré-exílico tardio, em um tempo no qual a hegemonia assíria estava a declinar
e o reino de Judá pôde obter certa autonomia política (ou seja, pelo final do século VII a.C.,
especialmente sob Josias). No entanto, segundo Thomas Römer, um contexto josiânico para a
maioria dos textos da História Deuteronomista, como defendia Cross, não consegue explicar
satisfatoriamente as numerosas alusões à destruição de Jerusalém e ao exílio babilônico
encontráveis na História Deuteronomista, alusões que não podem ser explicadas simplesmente
pela “atualização” exílica de um documento anterior.
O comentário que o referido pesquisador tece sobre a Escola de Gottingen é que ela tem
razão quando realça o quanto o desastre do exílio perpassa a maior parte da História
Deuteronomista, como aparece muito claramente nas contínuas advertências de Yahweh ao povo
e seus reis. Da mesma forma, aponta o citado estudioso, a identificação de três (ou até mais)
camadas redacionais pela escola de Gottingen pode identificar a exagerada simplificação de uma

80
Ibidem, pp. 48-50.
60
hipótese de duas edições e, ao mesmo tempo, a multiplicação de camadas deuteronomistas,
especialmente na ciência bíblica alemã, está de certo modo ligada à recente crítica da teoria da
História Deuteronomista; de fato, existem realmente diferença entre a editoração deuteronomista
em Juízes e em Reis, por exemplo, e para Thomas Römer, tais diferenças deveriam ser levadas
mais a sério.
Sobre a tal questão, o referido autor está correto sobre as diferenças de editoração
deuteronomista serem levadas mais a sério, pois dentro dos escritos denominados
deuteronomistas existem diversas vozes que não refletem absolutamente o contexto
deuteronomista na intenção de interligar os textos uns aos outros. O que é curioso é a referência
da questão de Josué como conquistador. Provavelmente, como outro personagem epônimo,
apenas foi vinculado como discípulo de Moisés no período sacerdotal, pois no livro de Josué de
fato cabe à questão da conquista de todo o território de Canaã devido à intenção de Josias em
governar os remanescentes do Reino do Norte, como se Josias fosse o novo Josué.
Dessa forma, segundo Thomas Römer, deve-se refletir se os pontos realçados pelas
diferentes posições da ciência bíblica permite a possibilidade de um novo e promissor
compromisso. De acordo com o referido autor, em seu estudo sobre o livro dos Reis, Iain
William Provan defende que a grande preocupação da escola deuteronomista gira em torno da
abolição dos bämôt – tAm)b' (santuários ao ar livre), realizada, de acordo com o registro bíblico,
pelo rei Ezequias. O citado pesquisador ressalta que, na opinião de Provan, a edição josiânica da
História Deuteronomista deveria terminar, portanto, com 2 Reis 18-19 e, além do mais, esta
primeira edição não consistia em Deuteronômio – Reis, mas incluía apenas uma primeira versão
dos livros de Samuel e de Reis. Aponta o referido estudioso que, na perspectiva de Provan, os
livros de Deuteronômio, Josué e Juízes foram acrescentados mais tarde, durante o período
neobabilônico, pois a História Deuteronomista primitiva limitava-se, portanto, à história das
monarquias israelita e judaíta, o que coincide com a posição supramencionada de Auld, Knauf e
outros.
Thomas Römer aponta o estudioso Norbert Lohfink, que postulou a existência de uma
narrativa da conquista que se teria limitado aos livros de Deuteronômio e Josué (Deuteronômio 1
– Josué 22), na qual o Lohfink designa esta narrativa original da conquista como
“Deuteronomista Landoberung – Dtr L” (“L” a significar Landoberung, “conquista”) e acredita

61
que ela teria sido escrita sob Josias como propaganda para a política expansionista do rei. (Visão
já apoiada anteriormente.)
Conforme o citado estudioso, estas observações tomadas em conjunto podem confirmar a
ideia de que o período neoassírio (mais especificamente o século VII a.C.) deveria ser
considerado o ponto de partida para a produção literária deuteronomista; a existência de uma
atividade de escribas deuteronomistas no tempo de Josias não significa, porém, que se possa fazer
remontar até esse tempo a elaboração da História Deuteronomista em sua forma atual, que vai da
fundação mosaica (Deuteronômio) até à queda de Judá (2 Reis). Pelo contrário, é muito mais
provável que essa “história”, na perspectiva do referido pesquisador, não tenha sido concebida
antes do período exílico, numa tentativa dos antigos escribas régios de enfrentar a crise nacional e
ideológico-cultual de 597/587 a.C. Na visão do autor, existem também alguns indícios que esta
História passou por uma nova redação no período persa.
Mas ainda se questiona o papel de Moisés no Deuteronômio, pois Moisés é extremamente
funcional, e não possui funções tão claras no Deuteronômio, mas sim nos escritos Sacerdotais.
Nenhuma das instituições “fundadas” pela figura epônima Moisés existiam no período da
Reforma Josiânica. Até mesmo pode se deduzir que o Moisés no Deuteronômio seja uma
inserção posterior Sacerdotal, e não Deuteronomista, ou até mesmo que o livro do Deuteronômio
foi o último livro dos escritos Deuteronomistas a ser inserido por fazer referência a Moisés, que é
encontrado no livro de Reis, mas não se desdobram as histórias sobre ele, o que pode ser uma
inserção sacerdotal em 2 Reis 21,8. Além disso, Josué não é encontrado no livro de Reis, mas a
sua obra se identifica muito com as intenções do deuteronomismo de Josias.
Conclui Thomas Römer que, caso os escribas deuteronomistas já estivessem atuando sob o
reinado de Josias, sua atividade literária deveria estar ligada de uma maneira ou de outra aos
interesses da corte real: dessa forma, não era, portanto, um exercício sofisticado de composição
histórica, mas antes uma literatura de propaganda, pois, para o citado autor, uma primeira versão
de Samuel – Reis deve ter sido composta a fim de reforçar a legitimidade de Josias, a apresentá-
lo como o verdadeiro sucessor de Davi, enquanto um documento escrito no espírito dos relatos da
conquista assíria (Deuteronômio – Josué) teria apoiado a política de Josias de legitimar a posse
da terra por parte de Judá em nome do próprio Yahweh. E para o referido estudioso, semelhante
compromisso entre as diferentes opiniões sobre a composição da História Deuteronomista parece

62
promissor, pois através dos pontos fortes de cada uma das opiniões referidas sobre o assunto
pode-se chegar a uma conclusão mais sensata e coerente sobre o que foi de fato tal composição.
Romer acentua os pontos principais e os verdadeiros objetivos da fonte Deuteronomista. É
óbvio que a intenção do deuteronomista, por servir os interesses de corte josiânica era de
legitimá-lo como o sucessor de Davi, e conquistador de todo o Reino de Israel e de Judá perante
todos. Mas ressalta-se que dentro dos escritos deuteronomistas outras vozes que não
corresponderam aos ideais do rei Josias também foram inseridas, na intenção de haver ligação
entre os documentos, conforme o já afirmado anteriormente.

2.4 Definição dos Autores “Deuteronomistas”

À definição dos autores Deuteronomistas, Thomas Römer81 faz referência a Martin Noth,
que, por sua vez, afirma que o Deuteronomista (abreviação Dtr) foi um indivíduo que, sem
nenhum vínculo institucional, a princípio, escreveu sua história, aparentemente para o seu próprio
interesse, a fim de explicar a ruína de Judá e Jerusalém em aproximadamente 587 a.C.; pois para
Noth, a história Deuteronomista foi “provavelmente o projeto independente de um homem em
quem as catástrofes históricas por ele presenciadas insuflaram a curiosidade acerca do sentido
daquilo que acontecera, e que procurou responder esta questão num relato histórico abrangente e
completo”. O referido autor recapitula que, à antiga sociedade israelita ou judaíta, trata-se de uma
posição anacrônica, pois como demonstra a pesquisa socioarqueológica e histórica, a instrução
nas sociedades agrárias, como eram Judá e Israel, estava restrita a uma porcentagem muito
pequena da população, que, de acordo com alguns estudiosos, não excedia nem um por cento no
Egito ou na Mesopotâmia.
Segundo o estudioso citado, evidentemente um número maior de pessoas era capaz de
escrever o seu nome e talvez algumas palavras, ou até cartas básicas; mas a capacidade de
escrever rolos ainda se limitava a um pequeno grupo de funcionários e escribas82. Continua

81
Ibidem, p. 50.
82
Ibidem, p. 52. O autor recomenda conferir especialmente a importante obra de JAMIESON-DRAKE, D.W. Scribes
and School in Monarchic Judah. Journal for the Study of the Old Testament Supplement Series 66. Sheffield:
Sheffield Academic Press, 1991, que mostra que se pode pressupor para Judá, desde o século VII a.C., capacidades
rudimentares de escrita para a população.
63
Thomas Römer que, no Judá monárquico, esses “intelectuais” apenas podem estar situados no
palácio e no santuário real, o Templo de Jerusalém, pois não há indícios de um sistema
educacional difundido no Judá monárquico, nem de uma atividade literária como “atividade de
lazer” ou como ocupação não institucional. De acordo com o citado autor, no território de Israel e
Judá, esse fenômeno não ocorre antes do período helenístico; por exemplo o livro de qöheºlet –

tl,h,äqo, ou o Eclesiastes, pode, na verdade, segundo o referido pesquisador, refletir a

individualização da atividade literária.


Conforme o afirmado anteriormente pelo estudioso citado, havia o poder dos escribas por
meio da escrita neste contexto da reforma josiânica, e, de fato, tal reforma foi obra de diversos
escribas apoiados e que apoiavam a coroa de Judá, e é completamente rechaçada a hipótese de
Martin Noth uma individualização da atividade literária neste contexto da reforma josiânica, que
ocorre por volta do ano de 622 a.C., e apenas vem a ocorrer no período helenístico (323-146
a.C.). Ou seja, qualquer tentativa de colocar a individualização da atividade literária antes do
período helenístico é discrepante com a realidade.
De acordo com o raciocínio de Thomas Römer, existe quase um consenso sobre o fato de
que Judá não se tornou um estado monárquico desenvolvido antes do século VIII a.C., pois
existem indícios arqueológicos do crescimento de Jerusalém nesta época83; aponta o referido
estudioso que estas mudanças implicam em uma administração real mais desenvolvida com
registros, arquivos etc. Conforme o raciocínio do pesquisador citado, de certa forma, o progresso
de Judá e de Jerusalém é também consequência da destruição da capital de Israel, a cidade de
Samaria, pelos assírios e sua transformação em província assíria, e, consequentemente, o autor
percebe que lê-se muitas vezes sobre refugiados do Norte que chegavam a Jerusalém, e mesmo
assim o referido autor observa que deve-se ter cuidado com concepções demasiadamente
anacrônicas de refugiados, pois eles podem ser oriundos desde a data da destruição do reino de
Israel, até mesmo anteriores ou posteriores à referida data, porém, tais dados são impossíveis de
serem confirmados hoje.
Ressalta o estudioso que alguns habitantes de Israel podem ter chegado a Judá após o ano
da destruição do seu Reino do Norte, por volta de 722 a.C., pois o crescimento de Jerusalém

83
Ibidem, p. 52. O autor sugere conferir AULD, A.G.; STEINER, M.L. Jerusalem I: From the Bronze Age to the
Maccabees. Cities of the Biblical World. Cambridge: Lutterwoerth Press, 1996, p. 39.

64
resulta primariamente do vácuo criado pela incorporação de Israel e dos Estados arameus ao
império assírio, e certamente implicou um número sempre maior de funcionários poderosos.
Deve-se, porém, re-enfatizar que a melhor fase administrativa do reino de Judá ocorreu nas
gestões dos reis Acaz (c. 743-727 a.C. – antes da queda do Reino do Norte) e Manassés (c. 687-
643 a.C.), que teve o apoio da Assíria, e ao mesmo tempo é muito mal falada pelo
deuteronomista por representar uma perda total da identidade do povo de Judá. Mas, mesmo
assim, percebe-se que os reis Acaz e Manassés de alguma forma, podem ter preparado o terreno
para receber os habitantes do Reino de Israel remanescentes da destruição. Contudo, houve o
oportunismo de Josias, que esperou a morte do rei assírio Assurbanípal (que reinou por volta de
668 a 627 a.C.) para iniciar o projeto da Reforma Deuteronomista por volta de 622 a.C.
Conclui o pesquisador que os “deuteronomistas” deveriam, portanto, ser situados entre os
altos funcionários de Jerusalém, provavelmente entre os escribas, mesmo que não se deva excluir
que os funcionários de outros grupos (sacerdotes, “ministros”) tenham apoiado suas ideias
políticas e religiosas.
Desta forma, o estudioso questiona se por acaso deve-se falar de um “movimento”
deuteronomista, de um “partido” deuteronomista, ou de uma “escola” deuteronomista, pois
Römer afirma que, de acordo com Lohfink, “movimento” implica uma grande parte da população
a tomar parte84 nele e isso dificilmente se ajusta aos deuteronomistas. Para o autor, caso a ideia
de um “partido” for tomada no sentido estrito de partido político com um número grande de
membros, deve ser evitada; e se “partido” for tomado em um sentido mais vago de grupo de
indivíduos que pensam da mesma maneira, o termo poderia ser apropriado para os
deuteronomistas.
E, conforme o pensamento de Thomas Römer, caso a expressão “escola deuteronomista”
for tomada primariamente como a referir-se a uma instituição educativa, ela seria enganosa, mas
caso denote um (pequeno) grupo de autores, redatores ou compiladores que compartilham a
mesma ideologia e as mesmas técnicas retóricas e estilísticas, poder-se-ia falar de uma “escola
deuteronomista” (assim como se fala também de uma escola de artistas ou filósofos). No

84
Ibidem, p. 53. LOHFINK, N. Was There a Deuteronomistic Movement? In: SCHEARING, L.S; McKENZIE, S.L.
(eds.). Those elusive Deuteronomists: the phenomenon of pan-deuteronomism. Journal for the Study of the Old
Testament Supplement Series 268; Sheffield: Sheffield Academic Press, 1999, pp. 36-66, conforme Römer, está
inclinado a admitir a ideia de um movimento deuteronomista para o tempo de Josias; mas esta é uma ideia bastante
romântica, conforme o autor Römer, baseada em determinada leitura de 2 Reis 22-23.
65
raciocínio do referido autor, outros podem preferir termos mais neutros como “grupo” ou
“círculo”; no entanto, a expressão “escola” lembra mais claramente o ambiente de escribas e
intelectuais; conclui o estudioso citado que, por esse motivo, este termo será preferido, mas não
será utilizado com exclusividade.
A perspectiva do citado pesquisador está correta, pois não se pode tomar os
Deuteronomistas como uma escola independente, mas sim como um grupo de escribas que
objetivou propagar intensamente o rei Josias como o monarca central, descendente de Davi, rei
de Judá e dos remanescentes de Israel, cujo centro de devoção a Yahweh seria única e
exclusivamente a cidade de Jerusalém. Caso os deuteronomistas não tivessem nenhuma relação
com a coroa de Judá, não haveria sentido escrever tanta literatura que desse tanta ênfase nos
pontos deuteronomistas ao ponto de buscar convencer a todos que Josias de fato era o rei
legitimado para governar Judá e Israel e a sua cidade, de Jerusalém, seria a principal da devoção
do culto a Yahweh.
O referido autor nos dá uma sugestão para imaginar as atividades literárias desses escribas
(deuteronomistas), ao expressar que a tarefa dos escribas é manter os arquivos e registros dos
impostos para as necessidades da corte e da elite urbana; pois na Antiguidade os santuários e os
palácios eram também receptores de impostos, e os escribas tinham a função de manter os anais,
e estavam envolvidos na correspondência diplomática e compilavam as leis. O pesquisador citado
ressalta que se conhece que os escribas também mantinham os registros de acontecimentos
memoráveis, por exemplo, das atividades proféticas em palácios e templos, e os escribas também
estavam incumbidos de compor propaganda, inscrições ou textos, porém a sua capacidade de
escrever conferia-lhes também certa independência do rei, que nem sempre sabia escrever, e,
como se pode deduzir dos textos egípcios, podem até mesmo ter-se considerado a si mesmos
intelectualmente superiores. Na perspectiva do estudioso, é claro que os escribas também podiam
escrever por própria iniciativa e tentar, através de seus escritos, trazer novas ideias para a política
da corte.
Afirma Thomas Römer85 que os rolos (de papiro ou às vezes de couro) em que eles
escreviam eram guardados em arquivos ou “bibliotecas” situados no palácio ou no templo, e de
acordo com o referido autor, não existem provas, para os tempos da monarquia, de rolos
guardados por indivíduos privadamente, e é impossível imaginar centenas de rolos a circular por

85
Ibidem, p. 54.
66
todo o Reino do Sul. Para o pesquisador citado, a primeira localização dos livros é no palácio e
no santuário e esses rolos existiam provavelmente em um único exemplar. Relata o estudioso que
esses rolos ou partes deles talvez tenham sido lidos em ocasiões especiais para o rei ou para o
povo reunido no santuário86. O autor observa que provavelmente os rolos eram também usados
para ensinar aos escribas a “história” e a escrita. O pesquisador percebe que, de tempos em
tempos, faziam-se novas cópias desses rolos, seja porque o papiro estava muito danificado, ou
por causa da necessidade de atualizar ou corrigir o rolo anterior. Seja como for, conclui o autor,
não se deve imaginar a ação de copiar rolos nos moldes do trabalho dos monges nos mosteiros
medievais, pois copiar um rolo significava sempre transformação.
De acordo com Thomas Römer, pode-se imaginar a seguir o raciocínio de Person, uma
organização hierárquica da corporação deuteronomista na qual os escribas inferiores punham por
escrito aquilo que poucos escribas do escalão superior lhes ditavam. O autor comenta que a ideia
muito comum de que copiar incluía preservar servilmente os textos mais antigos não se aplica às
práticas escriturais na Antiguidade. Conforme o pesquisador, os exemplos da recópia da epopeia
de Gilgamesh (na qual há alguns documentos mais antigos conservados) ou de inscrições assírias
demonstraram claramente uma atitude muito livre em relação aos textos mais antigos. Conclui o
estudioso que isso significa que não podemos reconstruir exatamente os textos mais antigos que
foram reeditados em tempos posteriores, mesmo que alguns biblistas ainda pensem poder fazê-lo.
Para o pesquisador, deve-se contentar com as linhas gerais dos documentos mais antigos
hipoteticamente reconstruídos.
Thomas Römer, ao citar Martin Noth, afirma que este último, acertadamente, afirma que a
corporação de escribas deuteronomistas eram autores e redatores, pois em alguns casos usavam
realmente outros documentos, seja para reunir informações (cf. as frequentes referências aos
anais reais dos livros dos Reis) ou para integrá-los em sua obra (para o autor, este pode ser o caso
do “livro dos salvadores” ou “livro dos justos”, que foi usado para criar o período dos juízes);
conclui o autor que podem da mesma forma ter posto por escrito as assim chamadas “tradições
orais”. Provavelmente, conforme o autor, combinavam também rolos independentes menores em
um único rolo (afirma o pesquisador que isso aconteceu de certa forma também com a epopeia de

86
Ibidem, p. 54. Conferir, por exemplo, Jeremias 36. Segundo Römer, mesmo que este texto tenha sido escrito no
período persa, pode refletir práticas do tempo da monarquia.
67
Gilgamesh: histórias heroicas independentes mais antigas foram arranjadas cronologicamente e
editadas em uma única série de tabuinhas87).
Conforme o pensamento do estudioso, já que a Bíblia Hebraica contém textos e literatura
anônimos (o autor aponta “com a exceção de qöheºlet – tl,h,äq?”, com o ponto de interrogação,
pois a história deste livro é conhecida, pois atribui-se a obra a “Salomão”, mas não foi de fato o
“filho de Davi” quem escreveu a obra), deve-se ter cuidado de não introduzir um conceito
moderno anacrônico e individualista de autoria. Conclui o referido autor que, para os escribas
israelitas, judaítas e judeus do século VIII ao século IV a.C. não se pode fazer nenhuma distinção
nítida entre autor e redator88.
Em suma, conforme os apontamentos anteriores do estudioso, os escribas tinham muitas
responsabilidades e eram os mais próximos da coroa, cujos escritos poderiam ser encontrados ou
nos templos ou no próprio palácio, e devido à inúmeras cópias do mesmo texto, e à hierarquia
dos escribas, muitas vezes, o texto que era transmitido não era o texto original e poderiam ser
acrescentados conteúdos de acordo com o contexto de época, ao invés dos conteúdos originais
dos textos.
Ao senso comum das ulteriores indicações acerca das origens e da composição da escola
deuteronomista, há um texto na Bíblia Hebraica que muitas vezes é usado para reconstruir a
assim chamada reforma de Josias: 2 Reis 22-23.

87
Ibidem, p. 55. O autor sugere conferir TIGAY, J.H. The Evolution of the Gilgamesh Epic. Philadelphia: University
of Pennsylvania Press, 1982.
88
Ibidem, p. 55. Römer afirmou na época em que escreveu o livro (no ano de 2005) que J. van Seters fustigou a
frequente referência a redatores na ciência bíblica. Relata o autor que, de acordo com van Seters, a ideia de redatores
é um grande defeito na atual crítica da Bíblia Hebraica (o autor sugere conferir SETERS, J. van. The Redactor in
Biblical Studies: A Nineteenth Century Anachronism. Journal of Northwest Semitic Languages 29, 2003, pp. 1-19).
Römer afirma que concorda com van Seters que não se deveria usar o termo redator para os editores da “forma final”
de um texto, já que nunca existiu uma tal forma final. Mas pode-se, e até dever-se-ia, usar um termo no sentido mais
amplo para designar a reelaboração criativa e a editoração de documentos mais antigos (Romer sugere conferir, por
exemplo, The Chambers Dictionary. Edinburgh: Chambers Harrap Publishers, 2003).
68
2.5 A Escola Deuteronomista: “Encontro do Livro” e Reforma Cúltica

No raciocínio de Thomas Römer89, 2 Reis 22-23 desempenha um papel central no debate


sobre as origens da escola deuteronomista, pois relata como, no 18º ano do reinado de Josias, foi
encontrado um rolo no templo de Jerusalém durante as obras de renovação. De acordo com o
relato, a descoberta foi feita pelo sacerdote Helcias e a leitura deste rolo ao rei pelo alto
funcionário Safã provocou uma reação muito forte. Conforme os dados do capítulo, Josias parece
profundamente afetado pelas maldições do livro; consequentemente, o rei Josias envia Helcias,
Safã e outros funcionários à profetisa Hulda para indagar sobre o sentido do rolo, e Hulda fala à
delegação como se ela fosse Jeremias (o referido autor sugere comparar 2 Reis 22,16-17 com
Jeremias 19,14 e 7,20, que possui falas idênticas); mas, de acordo com o estudioso citado, a
profetisa se refere também a textos importantes da História Deuteronomista como Deuteronômio
6,12-15; 31,29; Juízes 2,12-14a. Ao fazer isso, a profetisa Hulda confirma o julgamento divino
que Yahweh lançará sobre Jerusalém e Judá.
Sobre o rei Josias, a profetisa dá uma mensagem mais positiva: já que esteve atento às
palavras do livro, ele será sepultado em paz (2 Reis 23,1-3). Na sequência, relata o autor, Josias
começa a empreender importantes modificações cultuais em Jerusalém e Judá, ao eliminar os
símbolos cultuais e os sacerdotes das divindades Baal e Asherah, e do “exército celeste”, o que é
uma alusão à veneração ao sol, à lua e às estrelas, assim como Josias profana e destrói os bämôt –

tAmêb', santuários abertos (os “lugares altos”), para a veneração de Yahweh, bem como o †opet –
tpeAj, aparentemente considerado um lugar dedicado à sacrifícios humanos. De acordo com 2
Reis 23,15, ressalta o pesquisador que Josias até demole o altar em Betel, antigo santuário
Yahwista oficial de Israel; para o autor, estes atos de destruição possuem sua contrapartida
positiva na conclusão de um talvez novo tratado entre Yahweh e o povo e na celebração de uma
Páscoa (2 Reis 23,21-23), e ambos os rituais são mediados por Josias e apresentados como
prescrições do rolo descoberto.
Afirma o estudioso que comentadores judeus antigos, bem como alguns padres da Igreja, já
identificaram o livro mencionado em 2 Reis 22-23 como o livro do Deuteronômio, já que os atos
de Josias e a ideologia da centralização, que sustenta sua “reforma”, parecem concordar com as

89
Ibidem, pp. 55-61.
69
prescrições da lei deuteronômica (o autor sugere conferir, por exemplo, Deuteronômio 17,13 e 2
Reis 23,4-5; Deuteronômio 12,2-3 e 2 Reis 23,6/14; Deuteronômio 23,18 e 2 Reis 23,7;
Deuteronômio 18,10-11 e 2 Reis 23,24). Segundo o autor, esta identificação foi depois, nos
séculos XIX e XX, usada como uma forma de situar a primitiva edição do Deuteronômio no
tempo de Josias, no último terço do século VII. O referido pesquisador enfatiza que, de acordo
com a teoria da pia fraus (“piedosa fraude”), defendida por Wellhausen e outros, a primeira
edição do Deuteronômio foi escrita a fim de promover a reforma josiânica, disfarçada em
testamento de Moisés e escondida no templo para ser rapidamente descoberta.
Mesmo que Moisés seja citado em 2 Reis 21,8, ele precisa ter uma função, que não é
caracterizada em nenhum dos escritos deuteronomistas, pois pode-se deduzir que as referências a
Moisés são todas Sacerdotais e deduz-se que o leitor, ao escutar o nome de Moisés, já saiba de
quem se trata. A questão de Moisés e da Lei, pode ser desde exílica até sacerdotal, pois ao ser
exílica, há uma crítica aos reis pela desobediência às leis que levou o seu povo ao desterro, e ao
ser sacerdotal, como legitimação de Moisés, como escriba e sacerdote sacralizado por Yahweh
para comandar o seu povo.
Conclui o Thomas Römer que, para esta teoria, o relato do livro descoberto reflete um fato
histórico, o que não está isento de dificuldades, pois para o referido autor, 2 Reis 22-23 é
sobretudo o “mito fundante” dos deuteronomistas e não pode ser usado ingenuamente como
relato da assim chamada reforma feita por uma testemunha ocular. Resume o citado estudioso
que a narrativa, como existe agora, já reflete sobre a destruição de Jerusalém e o exílio babilônico
(especialmente nos discursos da profetisa Hulda, em 2 Reis 22,16-17); por isso, exalta o
pesquisador, no texto presente de 2 Reis 22-23, para usar as palavras de T.R. Hobbs, “o ponto
importante a respeito do reinado e da reforma de Josias é o seu fracasso”. No raciocínio do
estudioso, a “purificação” do templo não adiantou muito, já que ele foi destruído decênios mais
tarde, porém, a descoberta do livro forneceu a possibilidade de entender esta destruição e de
adorar Yahweh sem qualquer templo. (Itálicos do autor Thomas Römer.)
Inclusive o encontro de uma lei de Moisés no templo por volta do ano 622 a.C. é bastante
diacrônico, pois pode-se até dizer que é uma história bem posterior (seja ela exílica ou sacerdotal)
que legitimava a origem da reforma deuteronomista.

70
De acordo com o referido autor, o motivo do encontro de livros é na verdade um conceito
muito comum na literatura antiga90 e é geralmente empregado a fim de legitimar mudanças no
campo religioso, econômico ou político, o que significa que a história da restauração do templo e
da descoberta do livro em 2 Reis 22 é com toda a probabilidade uma construção literária
complexa, baseada em motivos do Oriente Médio. Para o citado pesquisador, deve-se na verdade
distinguir em 2 Reis 22-23 diversas fases de composição. Percebe o estudioso que, quanto a 2
Reis 22, é bastante óbvio que o relato da restauração nos versículos 3 a 7 depende literalmente de
2 Reis 12,10-1691.
De acordo com Thomas Römer, a notícia do encontro do livro pelo sacerdote Helcias no
versículo 8 do capítulo 22 de 2 Reis é introduzida muito abruptamente e interrompe a primeira
cena (conferir versículos 3-7/9). Dessa forma, continua o autor, como muitas vezes se afirmou, é
muito provável que em 2 Reis 22 se deva fazer distinção entre duas histórias: o relato da
restauração (Instandsetzungsberricht) e a narrativa sobre a descoberta do livro
(Auffindungsbericht). Nas reflexões do estudioso, é possível que o relato da descoberta
(22,8/10/11/13*/16-18/19*/20*; 23,1-3)92 seja uma inserção posterior, que se poderia atribuir a
um redator pós-exílico93.
Segundo o raciocínio do pesquisador, a origem do motivo da “descoberta dos livros” deve
ser situada principalmente no depósito de tabuinhas de fundação nos santuários mesopotâmicos,
que muitas vezes são “redescobertas” por reis posteriores que empreendem obras de restauração.
Nos estudos do autor, a variante egípcia deste motivo ocorre, por exemplo, na rubrica final do
capítulo 64 do Livro Egípcio dos Mortos, que foi padronizado não antes do período saítico (664-

90
Ibidem, p. 57. O autor sugere conferir o convincente estudo de DIEBNER, B.J.; NAUERTH, C. Die Inventio des
sëºper haTTôrâ – hr"îATh; rp,seê in 2Kön 22. Struktur, Intention und Funktion von Auffindungslegenden.
Dielheimer Blàtter zum Alten Testament 18, 1984, p. xxv.
91
Ibidem, p. 57. O autor sugere conferir HOFFMAN, H.D. Reform und Reformen: Untersuchungen zu einem
Grundthema der deuteronomistischen Geschichtsschreibung. Abhandlungen zur Theologie des Alten und Neuen
Testaments 66. Zurich: Theologischer Verlag, 1980.
92
Ibidem, p. 57. Os asterísticos (*) enfatizam os versículos principais que Thomas Römer quer apontar como
relacionados ao tema desdobrado.
93
Ibidem, p. 57. Conforme o autor, como defende LEVIN, C. Fortschreibungen Gesammelte Studien zum alten
Testament. Beihefte zur Zeitschriftfür diealttestamentliche Wissenschaft 316. Berlin: de Gruyter, 2003, pp. 198-216,
aqui 201. Relata Römer que se pode também sustentar que ambos os motivos se encaixam muito bem e poderiam,
portanto, ser a obra de um único escriba do período exílico ou, mais provavelmente, do período persa.
71
525 a.C.). Afirma Römer que o capítulo 64 é apresentado como encontrado no templo de Sokaris
e a remontar às primeiras origens do Egito94.
Em outra comparação, nas inscrições reais babilônicas, o referido autor atenta que os
relatos de descoberta são muitas vezes variações do seguinte padrão: 1) Uma pessoa importante
(rei, príncipe) deseja empreender mudanças políticas ou cultuais, que muitas vezes são
apresentadas como uma restauração de um estado inicial; 2) Ele teme encontrar oposição; 3) Ele
ou um de seus servos leais é enviado a um lugar sagrado; 4) Ali ele descobre um documento
escrito de origem divina; 5) Esta descoberta dá impulso divino aos projetos do monarca.
Nas observações do citado pesquisador, de interesse especial são as inscrições de
Nabônides, que procurou aparecer como o descobridor de numerosos documentos, e todos os
seus relatos seguem o mesmo esboço. Por exemplo, o estudioso se refere ao cilindro de Sippar,
no qual Nabônides conta a seguinte história95 na qual ele queria reconstruir o templo de Ibarra
(dedicado a Shamash) em Sippar:

[19] um rei anterior (= Nabucodonosor) havia procurado uma antiga pedra fundamental
sem nenhum sucesso. [20] Por iniciativa própria ele havia construído um novo templo
para Shamash, mas este não foi construído (suficientemente bom) para o seu reino... [22]
As paredes cederam e ameaçavam ruir... [26] Eu supliquei a ele (= Shamash), ofereci-lhe
sacrifícios e andei em busca de suas decisões. [27] Shamash, o Senhor altíssimo,
escolheu-me desde os primeiros dias... [32] Fiz investigações e reuni os anciãos da
cidade, os babilônios, os arquitetos, [33] os sábios... [34]... Eu lhes disse: “Procurai a
antiga pedra fundamental, [35] tomai conta do santuário do juiz Shamash...” [36] Os
eruditos procuraram a antiga pedra fundamental, a implorar a Shamash, meu Senhor, e a
suplicar aos grandes deuses, [37] inspecionaram o apartamento e os quartos e a viram.
Vieram até mim e contaram-me: [38] “Viu a antiga pedra fundamental de Naran-Sin, o

94
Ibidem, p. 58. Segundo as pesquisas de Römer, este texto existe na versão mais longa e na versão mais abreviada
do capítulo 64. Relata o autor que o Papiro de Nu contém o seguinte texto: “Este capítulo foi encontrado na cidade
de Khemennu [...] sob os pés do deus durante o reinado de Sua Majestade o Rei do Norte e do Sul, Men-kau-Rá [...]
triunfante, pelo filho real Heru-ta-ta-f, triunfante; encontrou-o quando estava a viajar para fazer uma inspeção dos
templos [...] ele o trouxe ao rei como um objeto maravilhoso quando viu que era uma coisa de grande mistério, que
nunca [antes] fora vista ou olhada. Este capítulo deve ser recitado por um homem que seja cerimonialmente limpo e
puro” (apud WALLIS BUDGE, E.A. The Book of the Dead, Vol II. 2ª ed. London: Routledge & Kegan Paul LTD.,
1956, pp. 221-222. Para variantes, o autor sugere conferir pp. 217 e 221).
95
Ibidem, p. 58. De acordo com o autor, foi traduzido por F.E. PEISER em SCHRADER, E. Keilschriftliche
Bibliothek. Sammlung von assyrischen und babylonischen Texten in Umschrift und Ubersetzung. Berlim:
REUTHER, H, 1890, pp. 80-121, especialmente pp. 108-113. Segundo Römer, uma história semelhante é narrada no
cilindro de Nabônides de Abû Happa, conferir pp. 103-105.
72
rei anterior, o santuário real de Shamash, a morada de sua divindade”. [39] Meu coração
exultou e minha face ficou radiante.

Conclui o referido autor que, de acordo com este texto, a pedra fundamental contém o
documento do “templo original” e possibilita a Nabônides empreender suas obras de restauração.
Ao comparar com a passagem de 2 Reis, afirma o estudioso citado que parece bastante
claro que os autores ou redatores de 2 Reis 22 recorrem à mesma convenção literária, o que
confirma a suposição de que 2 Reis 22-23 deve ser interpretado como o mito fundante do grupo
deuteronomista; e, para o autor, a pedra fundamental é substituída em 2 Reis 22-23 pelo livro,
que se torna o fundamento “real” para o culto a Yahweh. Percebe o pesquisador que os
mediadores desta “religião do livro” não são nem o rei nem o sacerdote e seu culto sacrificial,
mas os escribas que produzem e leem esses livros. O referido estudioso conclui o seu pensamento
ao afirmar que, por esse motivo, não se deve situar com demasiada facilidade a história do
encontro do livro e a consequente reforma no final do século VII a.C., como geralmente se faz.
Para o pesquisador, é fácil de compreender que alguns estudiosos sustentem que toda a ideia de
uma reforma josiânica seja uma invenção tardia96.
Na perspectiva de Thomas Römer, na verdade, não há provas primárias em favor de uma
assim chamada reforma josiânica97 (ou seja, não há nenhum documento que possa ser claramente
datado como proveniente do reinado de Josias e que prove a existência de uma reorganização
política e cultual). De acordo com o autor, há, no entanto, alguns indícios que apontam para
mudanças cultuais e políticas em Judá pelo final do século VII a.C., e segundo 2 Reis 23, Josias
suprimiu numerosos elementos ligados a um culto aos astros, que era uma parte importante da
ideologia religiosa neoassíria.
Para o referido autor, as referências aos cavalos e carros de Shamash, o Deus Sol (2 Reis
23,11), e aos sacerdotes-kemarim98 que serviam “ao Sol, à Lua, às constelações e todo o exército
do céus” (2 Reis 23,5), têm plausibilidade histórica no período assírio, e sua eliminação do
96
Ibidem, p. 59. O autor sugere conferir HANDY, L.K.; NIEHR, H. Die Reform des Joschija: methodische,
historische und religionsgeschichtliche Aspekte. In: GROß, W. Jeremia und die ‘deuteronomistiche Bewegung’
Bonner Biblische Beiträge 98. Weinheim: Beltz Athenäum, 1995, pp. 33-56.
97
Ibidem, p. 59. Para distinção entre provas primárias e secundárias, o autor recomenda conferir KNAUF, E.A. From
history to interpretation. In: EDELMAN, D.V. (ed.). The Fabric of History. Journal for the Study of the Old
Testament Supplement Series 127. Sheffield: Sheffield Academic Press, 1991, pp. 26-64.
98
Ibidem, p. 59. Conforme o autor, este termo raro na Bíblia Hebraica está ligado provavelmente à palavra assíria
kumru, que designa os sacerdotes estrangeiros. Para mais detalhes, há a recomendação de Römer para HOBBS, T.R.
2 Kings. Word Bible Commentary 13. Waco, TX: Word Books, 1985, p. 333.
73
templo de Jerusalém não é necessariamente um sinal de uma insurreição antiassíria; pode
simplesmente denotar o fato de que o contato assírio na Síria e em Israel e Judá havia diminuído
muito sensivelmente nos últimos decênios do século VII a.C. O pesquisador faz referência a
Uehelinger, que demonstrou que existe uma clara mudança na glíptica judaíta do século VII ao
século VI a.C. Conforme o estudioso, durante o século VII a.C., selos da classe alta e dos
funcionários estão fortemente marcados por motivos astrais. Mas de acordo com o referido autor,
num corpus de aproximadamente 260 selos, a serem datados do início do século VI a.C., faltam
completamente símbolos e divindades astrais, o que indica claramente, que, por volta de 600 a.C.,
os motivos astrais haviam caído da moda entre a elite jerosolimitana99.
Nas pesquisas de Thomas Römer, o vácuo temporário nos últimos decênios do século VII
a.C. (logo preenchido pelo Egito) criado na Síria e na região de Israel e Judá pelo
enfraquecimento das estruturas de poder assírias confere da mesma forma alguma plausibilidade
à hipótese de que Josias ou seus conselheiros empreenderam alguma reorganização política e
cultual100. Conforme o autor, a tentativa de centralizar o culto, o poder e os impostos (os
santuários eram também postos de coleta de impostos) em Jerusalém tem uma boa plausibilidade
histórica neste contexto, pois a relativa independência de Judá por volta do ano 620 a.C. talvez
tenha despertado em alguns círculos a convicção de que Josias era o inaugurador de um vasto e
independente reino judaíta101.
Em seu raciocínio, o estudioso aponta que se afirma muitas vezes que Josias anexou as
províncias assírias estabelecidas no antigo reino de Israel, mas há poucos indícios que confirmem
tal afirmação. Relata o autor que 2 Reis 23,15 fala da destruição do santuário de Betel; mas se
esta notícia for, por um acaso, histórica, conforme o autor, o que é sumamente incerto, não indica
uma ocupação das províncias samaritanas de Samerina, Magidu102 e Gal’aza. Contudo, afirma o

99
Ibidem, p. 60. O autor sugere conferir UEHLINGER, C. Gab es eine joschianische Kultreform? Pladoyer fiir ein
begriindetes Minimum. In: Jeremia und die ‘deuteronomistische Bewegung’. In: GROß, W. Jeremia und die
‘deuteronomistiche Bewegung’. Bonner Biblische Beiträge 98; Weinheim: Beltz Athenäum, 1995, pp. 57-90. Aqui
pp. 65-67.
100
Ibidem, p. 60. Nota o autor que, de acordo com 2 Reis 22,1, Josias tinha oito anos de idade quando começou a
reinar. Para Römer, se esta é uma informação histórica, significa que durante os primeiros anos de seu reinado
conselheiros (os deuteronomistas? – talvez) governaram em seu lugar.
101
Ibidem, p. 60. O autor sugere conferir AHLSTROM, G.W. The History of Palestine from the Paleolithic Period to
Alexander’s Conquest. Journal for the Study of the Old Testament Supplement Series 146. Sheffield: Sheffield
Academic Press, 1993, p. 778.
102
Ibidem, p. 60. Nas pesquisas de Römer, de acordo com Stern, o fato de que Josias é morto pelo rei egípcio em
Meguido pode indicar que Josias governou esta área por um curto tempo (STERN, E. Archaeology of the Land of the
Bible II: The Assyrian, Babylonian, and Persian Periods (732-332 B.C.E.). New York: Doubleday, 2001, p. 68). Mas
74
pesquisador, é possível que Josias e seus companheiros tenham reivindicado serem os legítimos
herdeiros de “Israel”, e podem ter tentado ampliar a fronteira norte, e Josias foi provavelmente
bem-sucedido a anexar o pequeno território de Benjamim (isto, segundo o autor, está
provavelmente refletido em alguns textos do livro de Josué).
A resumir a sua exposição, o referido autor afirma que a apresentação bíblica de Josias e de
seu reinado não pode ser considerada um documento de evidência primária. Todavia, alguns
indícios sugerem que ocorreram sob Josias algumas tentativas de introduzir mudanças cultuais e
políticas. Para o pesquisador, a reforma de Josias certamente não se baseou na descoberta de um
livro, mas na primeira edição do Deuteronômio, que pode muito bem ter sido escrita sob Josias.
A passagem de 2 Reis 22-23, segundo o estudioso, pode até proporcionar alguma informação
sobre nomes ou famílias que se pode associar aos deuteronomistas. Provavelmente, ressalta o
autor, nem todos os nomes contidos nestes capítulos de 2 Reis são invenções tardias103 e, por
isso, confirma o autor, pode-se concluir que Helcias e, especialmente, Safã e sua família
pertenciam ao grupo deuteronomista104.
À narrativa de 2 Reis 22-23, o pesquisador afirma que esta foi evidentemente editada em
estágios sucessivos. Para o autor, o núcleo proveniente do período assírio (aproximadamente
22,1-7*/9/13aa; 23,1/3-15*/25aa) focalizou a supressão dos símbolos cultuais assírios e a
centralização do culto a Yahweh no santuário real restaurado. De acordo com estudioso, a
história da renovação do templo, a consulta da profetisa e o oráculo a anunciar o julgamento
divino no capítulo 23 foram acrescentados após 587 a.C. a fim de explicar o colapso da
descoberta do livro, foi feita durante o período persa. Conclui o autor que a finalidade desta
redação foi substituir o culto no templo pela leitura do livro.

na visão do autor, é melhor supor que Meguido estava nesta época sob o controle egípcio, cf. AHLSTROM, G.W.
The History of Palestine from the Paleolithic Period to Alexander’s Conquest. Journal for the Study of the Old
Testament Supplement Series 146. Sheffield: Sheffield Academic Press, 1993, p. 765.
103
Ibidem, p. 61. Conforme o autor, um selo de Judá do século VII refere-se a Helcias, que poderia ser a mesma
pessoa mencionada em 2 Reis 22. Römer sugere conferir ELAYI, J. Name of Deuteronomy’s Author Found on Seal
Ring. Biblical Archaeology Review 13, 1987.
104
Ibidem, p. 61. Relata Römer que 2 Reis 22 menciona Safã e Aicam, filho de Safã (versículo 12, conferir também
25,22. Discute-se se este é o mesmo Safã que o escriba). A família de Safã, nos estudos do autor, também
desempenha um papel importante em Jeremias 36, em que um descendente de Safã “encontra” o “livro de Jeremias”
e o lê ao rei. De acordo com Barrick, Helcias foi o mentor de Josias e era provavelmente o tio de Safã. (Römer
recomenda o estudo interessante, mas um tanto especulativo, de BARRICK, W.B. Dynastic Politics, Priestly
Succession, and Josiah’s Eighth Year. Zeitschrift für die Alttestamentliche Wissenschaft 112, 2000, pp. 564-582.)

75
Porém, apesar de o pesquisador considerar que não se pode ter 2 Reis 22-23 como fonte
primária da reforma deuteronomista (pois nada na Bíblia deve ser considerado como fonte
primária ou prova ocular), e apesar da reforma deuteronomista não ter atingido a dimensão
proporcional à descrita na Bíblia Hebraica ou no Antigo Testamento, não se nega a tentativa de
reforma oriunda de Josias, pois o estudioso não nega a função que o escriba pode ter exercido no
período do rei Josias. Mas tal fato ainda carece de fontes extrabíblicas.
Neste capítulo, foi abordada a questão deuteronomista que se encontra na teoria clássica de
Julius Wellhausen, o que levou a uma explanação do desenvolvimento histórico da referida teoria
e, consequentemente, da fonte Deuteronomista, que é considerada a mais antiga de todas
atualmente e traz maiores justificativas para o desenvolvimento da legitimidade do Templo em
Jerusalém durante a reforma de Josias, que, por sua vez, além de ser oportunista mediante a
queda do rei da Assíria, Assurbanípal (que reinou por volta de 668 a 627 a.C.), visou a expansão
do reino de Judá para o reino de Israel, ao ponto de legitimar o Templo cuja construção é
atribuída ao rei Salomão como lugar central de adoração a Yahweh e da consequente
centralização de Jerusalém como cidade principal do reino de Judá e dos remanescentes do reino
de Israel.
Apesar de se reconhecer a função do escriba mediante ao contexto do rei Josias, ainda há a
necessidade de fontes extrabíblicas para confirmarem tal teoria que devido ao contexto é bastante
convincente.
No próximo capítulo, será trabalhado o senso crítico sobre o Templo cuja construção é
atribuída ao rei Salomão, mas antes do senso crítico, há um senso comum baseado nas leituras de
hermenêuticas bíblicas existentes com relação ao Templo pré-exílico, que são três:
fundamentalista, conservadora e devocional. Tais formas de interpretação não negam em hipótese
alguma a existência do Templo considerado como original, e são bem conhecidas no meio das
religiões judaico-cristãs, e serão desdobradas mais adiante.
Em seguida, desenvolver-se-á em matéria de fato o senso crítico sobre o Templo,
apresentados pela visão crítico-literária de Mario Liverani e, na sequência, pela visão
arqueológica de Finkelstein e Silberman, que são visões materiais e históricas que buscam fatos,
por se fundamentarem nas fontes extrabíblicas e nos achados materiais arqueológicos.

76
Capítulo II – O Senso Crítico sobre o Primeiro Templo

O Senso Bíblico comum, não apenas relacionado ao Templo cuja construção é atribuída ao
rei Salomão, baseia-se em tomar os relatos bíblicos como fatos históricos, mesmo por tendências
em tomar o Reino de Israel e de Judá como históricos. Contudo, os dados arqueológicos não
confirmam tais relatos como históricos. Percebe-se que mesmo os estudos que se apropriam e
utilizam do desenvolvimento dos estudos bíblicos ainda se baseiam no apresentado na Bíblia
Hebraica para buscar legitimar a sua veracidade, mas cada coisa foi realizada em seu devido
contexto.
Algo que é bem marcado sobre o senso comum encontra-se na obra de Mazar105 datada de
2009, na qual a Bíblia Hebraica é a única fonte escrita pertinente à monarquia unida, e é,
portanto, para o autor, a base para qualquer apresentação histórica do período. Para Mazar, apesar
de as avaliações históricas das fontes bíblicas relativas à monarquia unida variarem, o historiador,
em geral, tratam-nas com credibilidade, ao acreditar que tudo esteja enraizado na “história da
corte” real de Jerusalém106. Entretanto, autores como Mario Liverani107 e Israel Finkelstein em
conjunto com Neil Asher Silberman108 não apenas desmentem, mas questionam tal linha de
raciocínio conforme será apresentado mais adiante.
No decorrer deste trabalho será necessário explanar sobre a ideologia da dinastia davídica e
do poder real, pois o rei é considerado responsável pela existência do templo, desde Davi, por ter
comprado o terreno, até Salomão, por ter sido responsável pela construção do “glorioso” templo
105
MAZAR, A. Arqueologia na Terra da Bíblia – 10.000-586 a.C. São Paulo: Paulinas, 2009, p. 356.
106
BRIGHT, J. op. cit., 1981, p. 195-228; MAZAR, B.; FREEDMAN, D.N. In: The World History of the Jewish
People, v. 4. Jerusalém, 1979, p. 76-125; MILLER, J.M.; HAYES, J.H. A History of Ancient Israel and Judah.
Philadelphia, 1986, p. 149-217.
107
LIVERANI, M. op. cit.
108
FINKELSTEIN, I.; SILBERMAN, N.A. op. cit. São Paulo: A Girafa, 2003.
77
de Yahweh. Portanto, não se pode desvincular a imagem do rei com a do “primeiro templo” de
Israel, cuja construção é atribuída como obra do rei Salomão.

1. O Senso Comum sobre o Primeiro Templo

A leitura bíblica do senso comum sobre o Templo pré-exílico se baseia nas leituras de
hermenêutica fundadas no seio das tradições judaico-cristãs segundo explicita de Zabatiero109,
que consistem na prática da leitura da Bíblia realizada por ministros e ministras e leigos e leigas
evangélicas no seu cotidiano, em função do aperfeiçoamento da vida religiosa cristã ou do
exercício do ministério eclesiástico.
Para Zabatiero110, as leituras de hermenêutica fundadas no seio das tradições judaico-cristãs
são três:
1ª) A fundamentalista – tipo de leitura que identifica a palavra escrita com a Palavra divina,
ao negar, dessa forma, a sua historicidade e consequente fragmentariedade, a reivindicar, assim,
para os textos bíblicos, o caráter de autoridade final da Escritura, graças à sua inerrância e
expressão da verdade divina absoluta (fora do contexto).
2ª) A conservadora – denominada como “tradicional”, considerada como predominante no
mundo religioso cristão protestante. Hermenêutica quase idêntica à fundamentalista, distingue-se
da mesma por não afirmar definitivamente a inerrância, mas a infabilidade das Escrituras em
questões de doutrina e de crença cristã. Tal hermenêutica reconhece a historicidade dos escritos
bíblicos, mas suspende tal historicidade quando o texto se refere a questões doutrinárias
reconhecidas e aceitas dogmaticamente como verdades absolutas da crença cristã.
3ª) A devocional – elenca uma atitude hermenêutica similar a das atitudes fundamentalista
e conservadora, porém, possui um propósito bem distinto de leitura da Bíblia. Pois ela o é quanto
o seu objetivo é encontrar respostas de Deus para os problemas da vida diária pessoal. Na

109
ZABATIERO, J.P.T. Hermenêuticas da Bíblia no mundo evangelical. In: REIMER, H.; SILVA, V. da (orgs.).
Hermenêuticas Bíblicas: Contribuições ao I Congresso Brasileiro de Pesquisa Bíblica. São Leopoldo: Oikos;
Goiânia: UCG, 2006, pp. 61-74.
110
Ibidem, p. 62.
78
referida leitura, a Bíblia é lida como se fosse o jornal do dia, ao trazer a mensagem direta de
Yahweh para quem a lê111.
Ao aplicar as referidas hermenêuticas não acadêmicas de acordo com Zabatiero sobre o
Templo monárquico do reino de Judá, nenhuma delas possui o propósito de questionar a sua
existência, ou o exagero dos autores ao descrever o referido objeto.
Na leitura fundamentalista, pelo motivo da inerrância das Escrituras, afirma-se que o
Templo cuja construção é atribuída ao rei Salomão existiu de fato conforme o descrito na Bíblia,
pois tudo o que está nela é verdade inquestionável.
Através da leitura conservadora ou tradicional, apesar de reconhecer a historicidade dos
escritos bíblicos, suspende-a quando o texto se refere a questões doutrinárias reconhecidas e
aceitos dogmaticamente como verdades absolutas da crença cristã. É uma leitura que ainda
persiste, não apenas no cristianismo protestante, mas também em boa parte dos seminários de
teologia com o intuito de introduzir o aluno às Ciências Bíblicas, pois em um aspecto, para o
recém-teologando, já é difícil digerir a teoria das quatro fontes de Wellhausen, e trazer as novas
descobertas é pior ainda.
Wellhausen era um dos autores que, por acreditar na monarquia unida entre Israel e Judá,
com toda a certeza acreditava na existência do Templo pré-exílico cuja construção foi atribuída
ao rei Salomão. Não apenas Wellhausen, como outros autores bem posteriores até o final da
década de noventa do século XX, tais como Bright112, Fohrer113, Mazar114, De Vaux115,
Armstrong116 e Lowery117 são conhecidos pela leitura tradicional, ao reconhecer a historicidade
dos escritos bíblicos sem questionar o Templo monárquico do reino de Judá. No momento que tal
leitura tradicional entra nos seminários de teologia, chega ao ponto de transformar a Bíblia em
documento histórico, e esquecem-se de que a Bíblia é apenas a justificativa de uma crença, e
quando a crença cai no âmbito da ciência, ela pode e deve ser questionada.
E, por último, a interpretação devocional sobre o Templo pré-exílico, que não possui o
propósito de questioná-lo, mas sim de resolver os problemas diários das pessoas, por exemplo, ao

111
Ibidem, pp. 62-65.
112
BRIGHT, J. op. cit.
113
FOHRER, G. op. cit.
114
MAZAR, A. op. cit.
115
VAUX, R. de. Instituições de Israel no Antigo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 2004.
116
ARMSTRONG, K. op. cit..
117
LOWERY, R.H. Os reis reformadores: culto e sociedade no Judá do Primeiro Templo. São Paulo: Paulinas,
2009.
79
comparar determinadas atitudes de personagens bíblicas com as dos ouvintes da interpretação
devocional, e levar o referido ouvinte a tomar uma decisão sobre tal fato apresentado. Mas, de
fato, não se trata de uma interpretação acadêmica que vai questionar a existência do Templo cuja
construção é atribuída ao rei Salomão, e, sim, vai dar uma espécie de orientação diária para as
pessoas que necessitam de uma palavra que os ajude, oriunda da Bíblia.
Percebe-se que os três métodos de leitura (fundamentalista, conservador e devocional) estão
absolutamente assentados e fundamentados nas tradições judaico-cristãs, que são consideradas
legítimas de acordo com as instituições sinagogais e eclesiais. Tais intepretações, porém, entram
em confronto com os estudos do método histórico-crítico, pois no século XIX, surgiu o
fundamentalismo cristão nos Estados Unidos por não aceitarem o seu rebaixamento perante os
estudos acadêmicos científicos e racionais.
Para os adeptos das referidas leituras das tradições religiosas (fundamentalista, conservador
e devocional), o método histórico-crítico corresponde à violação de seu tesouro, e a utilização do
método histórico-crítico pode levar à degradação moral da humanidade e do judaísmo-
cristianismo, e muitos lutam agressivamente e ofensivamente, sem fundamento científico
nenhum, contra o método histórico-crítico dos estudos bíblicos, ao ponto de demonizar,
diabolizar e anatematizar tais estudos, assim como os que fazem uso dele.
O próximo item será desdobrado sobre a história e a historiografia deuteronomista na
análise de Thomas Römer, em que o autor traz a diferença entre história grega e história bíblica, e
aponta a possibilidade de a História Deuteronomista ser considerada como Historiografia.

2. História Deuteronomista e Historiografia

Uma posição interessante é trazida por Römer118 sobre a compreensão de “historiografia”,


na qual o autor afirma que, com muita frequência, a expressão “deuteronomistisches
Geschichtswerk” de Noth é traduzida como “Historiografia Deuteronomista” e não causa
surpresa que essa expressão tenha provocado fortes objeções, segundo o autor, pois não se pode

118
RÖMER, T. op. cit., pp. 43-44.
80
trabalhar detalhadamente no debate bastante apaixonado e, às vezes, ideológico sobre se existe
sequer uma historiografia bíblica119.
Conforme Römer120, caso seja feito o uso da concepção grega de história, parece realmente
muito difícil caracterizar como “historiografia” obras como a História Deuteronomista. De
acordo com Tucídides, um historiador deveria usar apenas fontes confiáveis, evitar explicações
miraculosas baseadas em intervenções divinas e procurar dar descrições objetivas dos fatos que
aconteceram no passado. Nesse sentido, para Römer, é bem apropriado descrever os Profetas
Anteriores como ainda “míticos”, já que, por exemplo, ocorrem continuamente na História
Deuteronomista narrativas de intervenção divina.
De acordo com o raciocínio de Römer, outra diferença entre a história bíblica e a história
grega diz respeito à concepção de autoria, pois, para o autor, todas as histórias da Bíblia
Hebraica são obras anônimas, o que mostra, segundo Römer, que elas têm função diferente
daquela das obras dos autores gregos, e, nessas histórias, reforça o autor, a individualidade e a
singularidade do narrador não são apresentadas; estão ocultas, já que os autores das histórias
bíblicas se esforçam por apresentar uma visão gnômica do passado, ou seja, uma visão que está
além de qualquer interpretação crítica alternativa.
O autor Römer121 nos dá uma sugestão sobre o nome que se pode dar a uma obra como a
História Deuteronomista. Para o autor, seguindo J. Van Seters, que utiliza a definição do
historiador holandês Johan Huizinga, para o qual “a História é a forma intelectual que uma
civilização emprega para prestar contas a si mesma do seu passado”122, é possível qualificar a
obra deuteronomista como historiografia. De acordo com o pensamento de Römer, caso
contrário, alguém deseja acentuar as diferenças entre as histórias da Bíblia Hebraica e a
historiografia grega ou moderna, é necessário antes apontar uma “história narrativa”, a entender-
se com isso “a organização do material numa ordem cronologicamente sequencial e a
convergência do conteúdo numa ordem coerente única, embora com subtramas”.
Na visão de Römer, existe de fato uma nítida estrutura sequencial na História do
Deuteronomista que foi preconizada por Martin Noth de forma extremamente clara: o

119
Ibidem, p. 43. O autor sugere conferir, por exemplo, THOMPSON, T.L. “Text, Context and Referent in Israelite
Historiography”. In: The Anchor Bible Dictionary 3, 1992, pp. 206-212.
120
Ibidem, pp. 43-45.
121
Ibidem, pp. 44-45.
122
Ibidem, pp. 44. Johan Huizinga apud SETERS, J. van. In Search of History: Historiography in the Ancient World
and the Origins of Biblical History. Indiana: Winona Lake, 1996, p. 1.
81
fundamento (Deuteronômio), a conquista (delimitada por Josué 1 e 23), o tempo dos Juízes
(delimitado por Juízes 2,6-19 e 1 Samuel 12), as origens da monarquia (delimitadas por 1 Samuel
12 e 1 Reis 8), a história dos dois reinos (delimitada por 1 Reis 9 e 2 Reis 17) e a história de Judá
até a sua queda (com um “final aberto” em 2 Reis 25). Para o autor, isso é realmente uma
narração histórica que constrói uma cronologia e cria seu passado123.
Continua o autor que, além da História Deuteronomista, outro exemplo bíblico de uma
“história narrativa” semelhante seria a obra do Cronista, que aparentemente procura apresentar
uma visão alternativa da história de Israel, com outra organização sequencial e uma ideologia
muito mais otimista124. Conclui o pesquisador que, para evitar mal-entendidos, parece preferível
falar de uma História Deuteronomista em vez de uma Historiografia Deuteronomista, porém,
ainda permanece a questão se tal história jamais existiu.
O estudioso aponta uma discussão entre História e Historiografia Deuteronomista, mas
prefere Historiografia, pois a organização do material se encontra em uma ordem
cronologicamente sequencial e a convergência do conteúdo numa ordem coerente única, embora
com subtramas. E discorda do termo História, pois história, para o autor, possui uma
correspondência mais factual e não ideológica como os escritos da Bíblia Hebraica ou do Antigo
Testamento.

3. Perspectiva Literária de Mario Liverani

Aqui se opta por primeiro explanar sobre o raciocínio de Mario Liverani por possuir uma
continuidade com o item anterior e pela perspectiva do autor ser muito mais voltada para a
análise literária da ideologia corrente na época do “Primeiro Templo”, ou seja, no pré-exílio com
uma leve e suave explanação da ideologia literária no período do pós-exílio.

123
Ibidem, p. 44. Römer indica conferir também BARSTAD, H.M. “History and the Hebrew Bible”. In: GRABBE,
L.L. (ed.). Can a ‘History of Israel’ Be Written? Journal for the Study of the Old Testament Supplement Series 245.
Sheffield: Sheffield Academic Press, 1997, pp. 37-64. Na obra de Römer pp. 54-55.
124
Ibidem, p. 45. Sobre tal assunto, o autor recomenda conferir JAPHET, S. “Postexilic Historiography: How and
Why?”. In: PURY, A. de; RÖMER, T. e MACCHI, J.D. (eds.). Israel Constructs its History: Deuteronomistic
Historiography in Recent Research. Journal for the Study of the Old Testament Supplement Series 306. Sheffield:
Sheffield Academic Press, 2000, pp. 144-173.
82
3.1 A Fundação Mítica: A Unidade como Arquétipo

Conforme o autor125, a historiografia deuteronomista teve todo o tempo para revisitar a


história passada da monarquia, para aceitar plenamente sua função e para louvar seus méritos,
tanto quanto para condenar suas infidelidades. Na perspectiva do pesquisador, é provável, porém,
no momento um tanto difícil de demonstrar textualmente (senão por raciocínio preconcebido),
que a escola protodeuteronomista na corte de Josias tivesse de fazer da monarquia como
instituição um juízo positivo (salvo lançar-se contra as idolatrias dos reis individualmente); já a
historiografia do período do exílio, depois do fracasso da monarquia, não teve freios para inserir
passagens fortemente críticas sobre a própria instituição.
Relata o estudioso que as tendências “democráticas” visíveis na corrente deuteronomista,
que exprimem o papel dos juízes (šö|p†îm – ~yji_p.vo)) e dos “anciãos da cidade” (ziqnê- ha`îr –
ry[ih;-ynEq.zI), já podem ser um produto dos sobreviventes do norte, mas devem ser reforçadas nas
comunidades da diáspora.
Tal fator das tendências “democráticas” visíveis na corrente deuteronomista só pode ser um
produto dos sobreviventes do norte se os escribas do reino de Israel foram imediatamente
trabalhar na corte de Jerusalém. Portanto, é necessária comprovação material extrabíblica para
dar legitimidade a tal informação, pois, conforme afirmado anteriormente, qualquer tentativa de
colocar a individualização da atividade literária antes do período helenístico é discrepante com a
realidade.
De acordo o estudioso126, uma vez instituída, a realeza é legítima, e sobre o primeiro rei
Saul, acumulam-se todos os tipos de legitimação possíveis e imagináveis por ele ser o escolhido
de Yahweh, ungido por Samuel, aclamado pelo povo, e ovacionado pelo exército. Contudo,
reforça o autor, como as tradições historiográficas relativas a Saul tinham recebido bem cedo
uma conotação negativa (e sem remédio na visão de Liverani) por parte das intervenções
filodavídicas, a trajetória da realeza segundo o Deuteronomista (e depois, segundo o Cronista) se
inicia com Davi e continua até o exílio.
Conforme o autor, que se inicie com Davi parece bem óbvio, pois Davi, na visão de
Liverani, foi quem fez de Jerusalém a sua capital, e tudo o que precede a união de Judá a
125
LIVERANI, M. op. cit., pp. 381-384.
126
Ibidem, p. 381.
83
Jerusalém não é senão pré-história da realeza judaica. Mas, sob a óptica do pesquisador, para a
tradição histórica antiga, esse fato exterior (político e administrativo) não era o suficiente; o fato
realmente fundante é dado pelo “pacto” estabelecido por Yahweh com Davi, que por sua vez
confirma de forma adequada à monarquia o que já havia sido pactuado – em subsistência – pelo
menos com Moisés, se não já com Abraão. Conforme o estudioso127, os termos do pacto
(fidelidade contra prosperidade) determinam depois todo o curso histórico dos eventos, e, como
Yahweh é sempre fiel, os êxitos e os fracassos são sempre determinados pela conduta do rei, e a
progressiva deterioração do reino é determinada pela persistente infidelidade.
Para o referido autor128, em sua configuração inicial, mal saído das mãos de Yahweh e
ainda não deteriorado a não ser pelas modestas infidelidades, o reino apenas podia se encontrar
no ápice da sua ampliação e de seu poder. E, segundo o citado estudioso, uma vez que a secular
divisão (as vidas paralelas) dos dois reinos yahwistas de Judá e de Israel era vista como elemento
precoce e vistoso da degradação, e para o pesquisador, o reino-protótipo não podia estar senão
unido, em um abraço amplo, a todas as doze tribos, a todos os fiéis do único e verdadeiro
Yahweh para eles. Percebe o autor que é um sinal claro de como a historiografia filomonárquica,
de Josias a Zerubabel, tinha em mente não a simples revitalização do reino de Judá, mas a
constituição de um reino que compreendesse “Todo Israel”, inclusive o norte.
O estudioso traz a duração da reforma Deuteronomista desde Josias (reinado por volta de
641-609 a.C.) até Zerubabel (reinado por volta de 538-520 a.C.), ou seja, para o pesquisador, a
reforma é muito mais duradoura – persiste por aproximadamente cem anos. Mas, mesmo assim,
pende a questão da prova material da propaganda de Josias, que materialmente não surtiu o efeito
desejado, e cujo relato bíblico afirma como bem-sucedido.
Segundo a perspectiva do referido autor129, imaginou-se (ou, deve dizer, exigiu-se como
dado irrefutável) um reino unido sob Davi e Salomão, tão amplo quanto toda a satrapia do Além
– Eufrates, centrado em torno da dinastia real e no templo de Yahweh, invencível na guerra e
internamente caracterizado pela justiça e pela sapiência. Porém, ressalta o citado pesquisador, já
quase um milênio antes (portanto, afirma o autor, o paralelo é apenas fenomenológico) o rei hitita
Telipinu, no pior da crise institucional e da fraqueza militar, tinha pedido um reino-modelo inicial

127
Ibidem, pp. 381-382.
128
Ibidem, p. 382.
129
Ibidem, p. 382.
84
amplo “de mar em mar”, caracterizado pela unidade interna e poder militar, que se podia de novo
realizar a utilizar-se os comportamentos e as normas do correto funcionamento.
Para o estudioso, o modelo retroativo demonstra-se falso se confrontado com as fontes de
época que falam de acirradas dilacerações internas, de conjurações e facções. E, da mesma forma,
aponta o referido pesquisador, o reino-modelo de Davi e Salomão, a julgar pelo que de plausível
se conclui das fontes, parece não somente presa de furibundas lutas de sucessão, mas também
muito pequeno e, de qualquer modo, na norma das estruturas estatais da época, com uma capital
de modestíssima dimensão.
O citado autor, de imediato, já ridiculariza a grandeza do Reino Unido de Israel e de Judá
sob Davi e Salomão. Nas intrigas que possam ter havido no período de Davi e de Salomão, pode-
se transmiti-la ou para o período da reforma josiânica, ou para períodos um pouco mais
posteriores de produção literária mais forte. É mais conveniente retratar tal grandeza do Reino
Unido de Israel e de Judá como propaganda josiânica do que nas épocas de Davi e de Salomão,
cuja produção literária vai do pobre ao inexistente.
Indica o estudioso130 que o texto de Telipinu ajuda também a entender os mecanismos
apologéticos postos em prática para rebater acusações de ilegitimidade e de abuso de poder que
se cruzavam em uma situação de caos institucional com rebeliões e lutas de sucessão. Em
particular, afirma o autor, o modo como o rei hitita se subtrai às acusações de cumplicidade na
morte dos pretendentes ao trono é análogo ao modo como Davi se subtrai às acusações de ter tido
parte na morte de Abner (2 Samuel 3,22-29) e de Ishba’al (2 Samuel 4), de Absalão (2 Samuel
18) e de muitos outros.
Nos estudos do pesquisador131, ao se tratar do reino unido em sua credibilidade histórica, há
expedientes historiográficos postos em práticas para fazer dele um reino modelo, pois algumas
guerras de pequena monta contra pequenos reinos aramaicos do nordeste podem ter sido
ampliadas à luz das posteriores guerras israelítico-damascenas e do poder conseguido por
Damasco. Relata o estudioso que alguns documentos (sobretudo “os doze distritos” de Salomão)
podem ter sido transferidos por administrações ou projetos sucessivos (Josias), pois algumas
realizações (e não somente o templo, mas também as cidades fortificadas) podem ter sido
atribuídas, em sua fundação inicial, aos reis mais prestigiosos que a tradição popular conhecera

130
Ibidem, p. 382.
131
Ibidem, pp. 382-383.
85
no passado. E conclui o autor que bastou acrescentar aqui e ali um “todo Israel” para conferir ao
leitor a sensação de um reino unido e grande.
O referido estudioso, como os diversos autores contemporâneos, defendem a ideologia do
“todo Israel” como oriunda da reforma josiânica, mesmo tal reforma não tendo atingido o
resultado desejado, conforme o exposto no livro de Reis, que por sua vez relata um sucesso
fabuloso (no sentido de fábula) e fantasioso (no sentido de fantasia) que jamais ocorreu.
De acordo com a perspectiva do citado pesquisador132, uma vez estabelecido o que fora no
início um reino-modelo, foi depois inevitável atribuir-lhe todo o tipo de anedota ou de contos que
tivesse como protagonista um rei valoroso na batalha, ou um rei famoso e sábio, ou um rei
prepotente. Para o autor, foi fácil colorir com traços novelescos notícias de outra forma
autênticas, mas bem corriqueiras. Por exemplo, afirma o estudioso, não é considerada anacrônica
uma abertura de tráfegos comerciais com o Yêmen, no século X a.C.; porém, a história da visita
da rainha de Sabá é por demais fabulosa no estilo e no emprego de motivos narrativos para não
ser qualificável senão como notícia situável no período persa.
Ou, outro exemplo que o autor nos traz, da história de “Urias, o hitita ou o heteu”, que o rei
fez matar para poder esposar a belíssima mulher dele, pode ter acontecido efetivamente sob Davi
e sob qualquer outro rei. Outro exemplo que o pesquisador traz é do apólogo de Natã, que faz
desta história de Urias um conto fora do tempo histórico, sendo talvez um núcleo originário dos
episódios:

Havia dois homens numa cidade, um rico e outro pobre. O rico tinha ovelhas e bois em
quantidade. O pobre nada possuía, senão uma ovelhinha, só uma, bem pequena, que ele
comprara. Ele a criava. Ela crescia em sua casa junto com seus filhos. Ela comia em sua
mesa, bebia em sua tigela e dormia em seus braços. Era para ele como uma filha. Um
hóspede chegou à casa do rico. Ele não teve piedade de tomar de suas ovelhas ou bois
para preparar uma refeição ao viajante que chegara em sua casa. Ele tomou a ovelhinha
do pobre e a preparou para o homem que o visitava. (2 Samuel 12,1-4)

Conforme o autor133, não se pode certamente pensar que uma história como a de Davi e de
Urias, tão desabonadora para o rei, figurasse em um dos textos oficiais da escola palatina e de

132
Ibidem, p. 383.
133
Ibidem, pp. 383-384.

86
função real concebíveis no século X a.C. (documentos de arquivo, crônicas, inscrições
celebrativas, ou outras coisas mais), pois para o estudioso, essas histórias não são confiáveis; não
porque se queira minimizar a historicidade do rei Davi ou de Salomão, nem porque sejam per se
anacrônicas ou impossíveis, mas porque não se vê por que canais possam ter sido registradas e
transmitidas, na forma como as temos, percebe o pesquisador.
Nas conclusões do autor134, tais histórias fazem parte com todo direito do quadro do que no
período e no âmbito “deuteronomista” (entre Josias e Zerubabel) se pensava tivesse sido o reino
unido de Davi e de Salomão. Para o estudioso, elas podem fazer parte somente por excesso de
acrítica credulidade da reconstrução histórica conhecida e considerada realista daquele reino do
século X a.C.
Em suma, pode-se entender que toda a literatura que retrata o período de Davi e de
Salomão não corresponde à sua respectiva época, mas sim a períodos bem posteriores, desde o
pré-exílio da Reforma Deuteronomista datado por volta de 622 a.C. até o período persa, com data
entre os séculos VI e V a.C. São todas caracterizadas como composições de âmbito
“deuteronomista” para o pesquisador, mesmo com similaridades de narração com os relatos do
período persa, e para quem acredita na veracidade dos relatos de Davi e Salomão, para o
pesquisador, os referidos (relatos) fazem parte somente por excesso de acrítica credulidade da
reconstrução histórica conhecida e considerada realista daquele reino do século X a.C.

3.2 A Continuidade Dinástica e a História da Sucessão

Segundo o autor135, se o “pacto” entre Yahweh e o povo de Israel é o que foi estipulado
com Davi, então a continuidade dinástica dele é um fator essencial, pois, para o estudioso,
somente os herdeiros legítimos e diretos de Davi são depositários daquele pacto. Relata o
pesquisador que, caso a “linhagem de Davi” tivesse sido interrompida, o antigo pacto não seria
mais válido.
Relata o autor que a “carta de fundação” da promessa feita por Yahweh a Davi encontra-se
na “profecia de Natã” e na resposta de Davi (2 Samuel 7). Para o estudioso, de uma parte, Davi
134
Ibidem, p. 384.
135
Ibidem, p. 384.

87
pretende construir o templo como digna “Casa de Yahweh” (2 Samuel 7,2); de outra,
simetricamente, afirma o autor, Yahweh quer construir a “Casa de Davi” não em sentido físico
(Davi, segundo Liverani, mal acabou de construir um palácio real), mas uma dinastia que durará
para sempre: “Tua casa e tua realeza serão para sempre estáveis diante de ti, e teu trono,
confirmado para sempre” (2 Samuel 7,16). Ressalta o pesquisador que, naturalmente, “para
sempre” está implicitamente condicionado pela promessa da contraparte, na qual enquanto
houver a “Casa de Yahweh”, haverá a “Casa de Davi”.
Para o estudioso, esta problemática não pode pertencer ao tempo de Davi, quando o templo
não estava construído (e nem o será conforme o autor, pois nunca existiu tal templo nessas
dimensões) e a dinastia era ainda uma simples hipótese. Conclui o autor que tal passagem
pertence ao período do exílio, no qual a destruição do templo coincidiu com a deportação da casa
real, e para reconstruir a casa real, enfatiza o pesquisador, é preciso reconstruir o templo. De
acordo com Liverani, há também a promessa: “Determinarei um lugar para Israel, meu povo; eu
o implantarei e ele morará em seu lugar. Não mais tremerá, e criminosos não voltarão a oprimi-lo
como outrora” (2 Samuel 7,10) que, por sua vez, seria anacrônica no tempo de Davi, quando o
primeiro “assentamento” havia acontecido a três séculos (e sem necessidade de uma casa real), ao
passo que alude claramente ao “segundo” assentamento (ou a seu projeto). Percebe o autor que a
conexão entre linhagem real, templo, povo e terra é a subsistência do projeto de renascimento.
Ao se referir ao contexto, há a discordância da posição do estudioso sobre a legitimação da
Casa de Davi ser considerada composição exílica, pois nesse período de reflexão, há uma crítica
imensa sobre os reis de Judá por serem responsáveis pelo desterro dos seus súditos para a
Babilônia. Ainda é muito mais viável aceitar as passagens legitimadoras da sucessão de Davi
como frutos da Reforma Deuteronomista do que do exílio, pois, no contexto do exílio, se um rei
os levou para o cativeiro, como é que eles desejarão outro rei para prejudicá-los novamente?
Percebe o autor136 que, por ter estabelecido essa segura e necessária conexão, o
historiógrafo deuteronomista presta depois a máxima atenção em percorrer a história do reino de
Judá como uma sucessão ininterrupta dentro da linhagem de Davi – ao passo que, paralelamente,
afirma o estudioso, ressalta sem dificuldade a fragmentação dinástica do reino do norte. Enfatiza
o autor que os materiais historiográficos não faziam falta porque a preocupação a posteriori do

136
Ibidem, p. 385.
88
historiógrafo coincidia com a preocupação do novo rei, ou seja, demonstrar (a Yahweh e ao
povo) que a sua entronização era legítima e que a continuidade dinástica estava assegurada.
Continua o seu raciocínio o estudioso ao afirmar que o substituto, segundo as normas
comumente aceitas (o herdeiro do trono era o filho designado) não tinha com que se preocupar,
pois a aceitação popular era automática. Porém, continua o autor, no caso de sucessão irregular,
ou apenas controversa, o novo rei devia expor suas razoes, normalmente a confiá-las a uma
inscrição celebrativa (que não é outra coisa senão a materialização escrita do que o rei difundia
também oralmente). Relata o pesquisador que o antigo oriente está cheio de “apologias” de
usurpadores que declaram ser os legítimos herdeiros, ou de vencedores em lutas de sucessão que
explicam que Deus está com eles. Conclui o autor que, para Judá, essas inscrições se perderam,
mas restam vestígios nos textos narrativos que nelas se inspiraram.
No relato bíblico, atenta o referido pesquisador137, houve um caso evidente de
descontinuidade dinástica (a entronização de Joás, pela mão do sacerdote Joiada, e com o
consentimento do “povo da terra”) e de evidente retomada das argumentações do usurpador por
parte do historiógrafo. Lembra o autor que outros casos são mais de sucessão ilegítima dentro da
linhagem, pois nas introduções de Uzias, de Josias e de Joacaz, depois da morte violenta dos
respectivos predecessores, é o “povo da terra” que desempenha um papel essencial na escolha do
novo rei. Na perspectiva do estudioso citado, verdadeiras “histórias de sucessão”, que evidenciam
a luta interna e as opostas posições dos contendores, dizem respeito à passagem de Davi para
Salomão (1 Reis 1,1 – 2,11), mas com longas premissas nos eventos de 2 Samuel 13-20, e a
passagem de Salomão para Roboão (1 Reis 11-13).
Conforme o pensamento do autor138, as histórias são um tanto detalhadas, mas isso torna
ainda mais suspeita e menos confiável a hipótese de o historiógrafo dispor de fontes a respeito,
que, aliás, se podia supor, certamente não as originárias “apologias” dos vencedores, que,
todavia, podem ter ficado à vista até por volta de 587 a.C., mas pelo menos as narrações orais, a
divisão popular daquelas “apologias” podia ter derivado. Para o referido pesquisador, várias
conjecturas históricas estabelecidas entre os acontecimentos do século X a.C. e a redação pós-
exílica contribuíram para plasmar as tradições; por exemplo, relata o autor, no caso da unificação
davídica de Judá-Israel houve intervenção de polêmicas anti-Saul e anti-Benjamim coetâneas,

137
Ibidem, p. 385.
138
Ibidem, p. 385-386.
89
porém os debates se dão no fim do reino de Salomão (em fase de “divisão”) e no tempo de Josias
(em fase de “unificação”). Considera o estudioso que se pode identificar alguns elementos, mas a
estratificação e o entrelaçamento das tradições são tais que tornam a operação muito difícil.
Nas conclusões do pesquisador139, nessas possíveis fontes “autênticas” e nas tradições
estratificadas o historiógrafo pós-exílico inseriu abundante material novelístico (do tipo “intrigas
da corte do rei”), histórias de harém e de rivalidade entre mulheres velhas e jovens, de lutas de
grupos e vinganças transversais, de prepotências e arrependimentos, de generosidades e de
crueldades que fazem das histórias das sucessões a Davi e a Salomão, como as conhecemos,
verdadeiros romances históricos que, obviamente, escolheram como protagonistas os
personagens mais célebres de toda a dinastia e que se enquadram bem melhor no clima literário
dos séculos VI e V a.C. do que no clima (no máximo “epigráfico”, segundo o autor) do século X
a.C.
Portanto, para o estudioso que nos chama a lógica, qualquer novelismo atribuído aos reis
Davi e Salomão fazem parte do clima literário dos séculos VI e V a.C., pois não se pode imaginar
muita coisa que se ocorria no século X a.C. Apenas se percebe um erro no pesquisador em querer
afirmar as legitimações da descendência de Davi no período exílico, pois nesse período de
reflexão o que eles menos queriam era um rei para aborrecê-los e prejudicá-los.

3.3 Sabedoria e Justiça

Nesta parte é necessário falar um pouco do mito estabelecido sobre a figura epônima do rei
Salomão, o qual, além de lhe ser atribuída a autoria pela construção do “Primeiro Templo”,
também foi conhecido como rei sábio e justo, cuja autoria fictícia também lhe é atribuída ao livro
de Provérbios, Eclesiastes e Sabedoria.
Afirma o estudioso140 que, além de bem enraizada nas relações com Yahweh, uma dinastia
prestigiosa deve também estar bem enraizada nas relações com a população e com o ambiente da
corte. Para o autor, a atenção a essas relações emerge claramente com o período do Ferro,
mediante destaque da sabedoria (Hokmâ – hm'ók.x') e da justiça (cüdäqâ – hq")d"c.) como

139
Ibidem, p. 386.
140
Ibidem, p. 386-387.
90
qualidades distintivas do bom rei. Segundo o autor, enquanto a exigência de justiça diz respeito
ao povo todo, a sabedoria está vinculada mais ao ambiente da corte. Conforme Liverani, se a
justiça emerge – à parte anedotas como a do “julgamento salomônico” (1 Reis 3,16-28) – na
atividade legislativa com seus aspectos populistas de cuidado do órfão e da viúva, do pobre e do
marginalizado, temos a sabedoria, porém, em livros especiais (chamados precisamente de
“sapienciais”), sendo o primeiro entre eles o dos Provérbios.
Nos conhecimentos do autor141, os Provérbios, como outros textos sapienciais ainda mais
nitidamente tardios (o Eclesiastes é do século III a.C., e o da Sabedoria é do século I a.C.), são
atribuídos pela tradição a Salomão e isso se trata de atribuições ditadas pela “clara fama”, não por
vínculos históricos precisos. É difícil, para o pesquisador, e praticamente impossível na nossa
visão, datar os Provérbios, mas isso não significa que se deva necessariamente classificá-los
como tardios. Considera o autor que se trata, antes, do gênero literário para o qual não faltam
coleções escritas até bem antigas, da Mesopotâmia ao Egito, em geral na forma do “ensinamento”
dirigido pelo pai ao filho, ou pelo mestre ao aluno, e também pelo rei ao herdeiro. Na visão do
estudioso, a transmissão verbal é um canal poderoso (pois que se conhecem e se citam de cor os
provérbios); porém, as coleções escritas fazem parte da rotina dos escribas do ambiente da corte e
podem ser também antigas.
Conforme o pesquisador142, o livro bíblico dos Provérbios é ele próprio o resultado de uma
montagem de coleções diversas e presumivelmente de épocas distintas:

1) Uma primeira coleção de “Provérbios de Salomão” (Provérbios 10,1-22,16).


2) Uma “segunda coleção” sempre atribuída a Salomão, mas posta por escrito sob
Ezequias (Provérbios 25-29).
3) Os “ditos dos sábios” (Provérbios 22,17-24,34).
4) Os “ditos de Agur” (Provérbios 30,1-4) e os “ditos de Lemu’el” (Provérbios 31,1-9),
dois árabes da tribo de Massa’.

141
Ibidem, p. 386-387.
142
Ibidem, p. 387.
91
Para o autor, o contexto, com o longo louvor de uma Sabedoria personificada, é certamente
helenístico, mas as coleções internas podem muito bem remontar ao período monárquico, e a
atribuição de uma delas a Ezequias não tem nada de pouco plausível.
Percebe o estudioso143 que o conteúdo, porém, é bem banal e pouco indicativo das relações
de comportamento e de poder dentro da corte, que são evidenciadas por coleções sapienciais
egípcias ou mesopotâmicas (da de Amenemope até a de Any, que é a mais próxima ao “período
salomônico”144) podem ser lidas como verdadeiros “manuais” do correto e conveniente
comportamento do funcionário naquele universo cheio de insídias que é o palácio real. Enfatiza o
autor que os Provérbios bíblicos, porém, são máximas de sabedoria do dia a dia, de tom otimista.
De acordo com o autor, contrapõem o sábio/justo ao estúpido/mau e confiam que Deus haverá de
recompensar a justiça e levar à ruína o mau; louvam a riqueza, desde que acompanhada pela
generosidade; desconfiam da mulher e do estrangeiro; convidam à obediência e à tolerância, ao
trabalho e à sobriedade, à honestidade e à prudência.
Considera o pesquisador que os Provérbios exprimem, portanto, uma sabedoria – segundo o
autor – popularesca, sem uma elaboração conceitual que faca deles um traço cultural distintivo de
um ambiente ou de um período. Conforme o referido estudioso, pode também ser que os “sábios”
(ou seja, os escribas palatinos) da “corte de Salomão”145 ou de Ezequias tenham reunido máximas
populares, sem, aliás, elaborar nada de válido por parte deles. Mas, para o autor, certamente a
coleção é muito mais bem-compreendida se posta à época em que um palácio real não existia
mais e a comunidade se reconhecia em conversas de mercado e em invejas de vizinhos.
O citado pesquisador percebe aqui a necessidade de legitimar a sabedoria do monarca, mas
pode-se afirmar que qualquer coisa que exalte o monarca e o torne perfeito perante os seus
súditos é fruto da Reforma Deuteronomista, pois a sua propaganda apenas pode enfatizar os
pontos bons que a coroa de Judá tem a oferecer para todos os seus súditos, desde os de Judá como
os remanescentes de Israel. É necessário afirmar que a Dinastia Davídica é uma dinastia justa que
possui sucessores tão justos quanto Salomão e Josias, que, por descender de Salomão, seria tão
justo quanto o seu ancestral.

143
Ibidem, pp. 387-388.
144
Aspas do autor e defensor da tese de doutorado.
145
Novas aspas deste defensor da tese de doutorado. Parece que Mario Liverani nesta obra acredita na existência dos
mitos do rei Salomão e de sua corte.
92
3.4 Do Messianismo Régio ao Messianismo Escatológico

Nas pesquisas do referido autor146, em todas as civilizações do antigo Oriente, a função


basilar do rei é assegurar uma correta relação entre o mundo divino e o mundo humano; é,
portanto, assegurar a seu reino justiça e prosperidade. Para o estudioso, a entronização de um
novo rei é festejada como o início de uma nova era de paz e de felicidade. O pesquisador dá um
exemplo com um hino para a introdução de Ramsés IV (por volta de 1150 a.C.):

Dia Feliz! Estão alegres céu e terra


porque tu és grande senhor do Egito!
Os fugitivos retornaram às suas cidades,
quem se escondia aparece,
quem tinha fome sacia-se com alegria,
quem tinha sede se inebria,
quem estava nu é revestido de linho fino,
quem era esfarrapado veste brancas vestes,
quem estava detido é libertado,
quem estava triste se alegra,
quem perturbava esta terra tornou-se pacífico.

E o referido autor147 apresenta a escrita de um funcionário assírio para a entronização do rei


Assurbanípal (por volta de 670 a.C.):

Dias de justiça, anos de equidade, chuvas abundantes,


cursos de água transbordante, comércio vivo...
Os velhos dançam, os jovens cantam,
mulheres e raparigas felizes fazem festa.
Casa-se, geram-se filhos e filhas, os nascimentos crescem.
Quem por seu delito fora condenado à morte,
o rei meu senhor faz viver.
Quem há anos estava na prisão é libertado.
Quem há dias estava doente é curado.
O faminto é saciado, o exausto é ungido, o nu é vestido.

146
Ibidem, pp. 388-392.
147
Ibidem, p. 388.
93
No pensamento do citado pesquisador148, é óbvio que elementos ocasionais e de
propaganda, próprios do dia da coroação (anistia, distribuição de alimentos, festejos), sejam
utilizados para compor um quadro dos valores e ambições mais gerais. Segundo o autor, no
poema ugarítico de Keret (por volta de 1350 a.C.) dá-se um quadro às avessas, mas que utiliza os
mesmos ingredientes para descrever um rei não mais capaz de desenvolver corretamente o seu
ofício:

Não sentencies mais o caso da viúva,


não julgueis mais o juízo do oprimido,
não expulses mais quem rouba o pobre,
não alimentes o órfão diante de ti
nem a viúva às tuas costas.
Como companheira de leito tens a doença,
como concubina tens a fraqueza.
Afasta-te da realeza e reinarei eu;
do governo, e me estabelecerei eu!

Conclui o estudioso149 que, portanto, também na terra de Canaã, antes da existência de


Israel (pois o reino de Ugarit é datado de por volta de 6000 a 1190 a.C.), as concepções orientais
antigas sobre a realeza eram correntes. Para o autor, é perfeitamente plausível que o ritual da
coroação nos reinos de Israel e de Judá comportasse enunciações de glorificação do novo rei e de
confiança em uma prosperidade e em uma justiça renovadas, enunciações de forte sabor popular
e, portanto, capazes de tornar o novo rei simpático aos olhos do povo. Com efeito, para o
pesquisador, há muito tempo foram indicados alguns Salmos (em particular os salmos
2,18,45,72,110 e outros) que parecem ser bem adequados à cerimônia de entronização e que,
portanto, devem remontar ao período monárquico. O estudioso destaca um exemplo considerado
suficiente:

Ó Deus, confia os teus julgamentos ao rei,


a tua justiça a este filho do rei.

148
Ibidem, p. 389.
149
Ibidem, p. 389.

94
Que ele governe o teu povo com justiça,
e os teus humildes segundo o direito...
Que ele faça justiça aos humildes do povo,
seja a salvação dos pobres...
Os reis de Tarshish e das ilhas mandarão presentes;
os reis de Shebá e de Sabá pagarão o tributo.
Todos os reis se prosternarão diante dele,
todas as nações o servirão.
Sim, ele livrará o pobre que clama,
e os humildes privados de apoio.
Ele tomará cuidado do pobre e do fraco:
Aos pobres salvará a vida.
Ele os defenderá contra a brutalidade e a violência,
dará muito pela vida deles...
Que haja na terra,
e até o topo das montanhas,
uma vasta superfície de campos,
cujas espigas ondulem como o Líbano,
e da cidade, só se verá uma terra verdejante! (Salmo 72)

De acordo com o referido pesquisador150, continua, pois, objeto de discussão se tais


composições eram recitadas em ocasiões únicas – a cerimônia de coroação, em alguns casos o
nascimento do herdeiro – ou anualmente repetidas na festa do Novo Ano. Nos estudos do autor,
os salmos em questão são denominados “messiânicos”, porque estão particularmente ligados ao
epíteto do rei como “ungido” (müšîªH – x:yviäm.) por Yahweh.

Considera o estudioso151 que, com este desastre no Reino de Judá, com o fim da monarquia
e do exílio, a ritual exaltação normalmente expressa ao novo rei se transformou em expectativa
de reconquista (sempre nos termos de justiça, prosperidade, paz) que devia recair sobre um rei
potencial, candidato a desempenhar o papel de salvador e vingador do renascimento do Reino de
Judá. Na perspectiva do referido pesquisador, essa evolução pode em parte ser seguida por meio
das profecias “messiânicas” da época da crise política, depois do exílio e, enfim, na fase pós-
exílica. Segundo o autor, já no tempo do desastre do reino setentrional, as profecias de Miqueias

150
Ibidem, p. 390.
151
Ibidem, p. 390.
95
(5,2-7) e, sobretudo, do Proto-Isaías estabelecem um papel de rei-messias a um rebento da casa
de Davi, no âmbito da confluência salvífica dos sobreviventes israelitas em Judá. Um exemplo
disso, para o estudioso, é a passagem famosa sobre o rebento de Jessé (1 (Proto)Isaías 11,1-4).
Outro exemplo que o autor152 traz se encontra em Jeremias, na Jerusalém sob ameaça
babilônia (entre o primeiro e o segundo assédio); a esperança está sempre posta na dinastia
davídica, embora projetada para um futuro talvez próximo, mas não em referência ao rei atual:
“Dias virão – oráculo de Yahweh – em que eu suscitarei a Davi um rebento legítimo: Um
rei reina com competência, defende o direito e a justiça na terra. No tempo dele, Judá é salvo,
Israel habita em segurança” (Jeremias 23,5-6).
Percebe o citado pesquisador153 que o nome atribuído ao rei-messias, “Yahweh é nossa
justiça”, não pode deixar de ser polêmico em relação ao rei então no trono, Sedecias (cujo nome
significa “Yahweh é minha justiça”). Afirma o autor154 que, durante o exílio babilônio, o
messianismo assume formas e orientações diferentes e, certamente, a tradicional ligação entre
linhagem davídica e esperança de resgate permanece e encontrará sua expressão politicamente
mais funcional no apoio que Zerubabel receberá das profecias messiânicas de Zacarias (8-9). O
estudioso lembra, porém, que há também quem, como o Deutero-Isaías, pense que a casa de Davi
tenha acumulado muitas culpas, esteja fora do jogo e que o papel do messias se adapte melhor ao
imperador persa. Para o pesquisador, obviamente a ideia (já em Antiguidades Judaicas XI 5-6) de
que Ciro tenha sido inspirado pelas profecias de Isaías é, no mínimo, inverossímil, pois há, enfim,
quem, como Ezequiel, raramente inclua referências de messianismo régio em suas perspectivas
de retomada, todas do templo, e sacerdotais – e quando o faz parece querer evitar a palavra “rei”
e, ao contrário, evidenciar a subordinação do “pastor” e “príncipe” a Yahweh: “Suscitarei à frente
de meu rebanho um pastor único (rö`è – h[,Ûro.); ele o apascentará, será seu pastor. Eu, Yahweh,

serei seu Senhor e meu servo Davi será príncipe (näSî´ – ayfiän") no meio deles” (Ezequiel 34,23-
24).
No raciocínio do estudioso155, à medida que a ligação entre a liderança régia e perspectivas
de retomada se distancia, a própria natureza do messianismo muda.

152
Ibidem, p. 390-391.
153
Ibidem, p. 391.
154
Ibidem, p. 391.
155
Ibidem, p. 391.
96
Em primeiro lugar, para o autor, como consequência da crise profunda, há uma tendência a
ressaltar não mais os aspectos triunfalistas da nova entronização, mas antes os da negatividade
atual. Em segundo lugar, o citado pesquisador afirma que há uma tendência a dimensionar as
expectativas mais no plano pessoal-existencial do que no político-nacional. Para ambas as
tendências, segundo o autor, são particularmente indicativas as expressões do chamado “Servo de
Yahweh” no Deutero-Isaías (2 (Deutero)Isaías 42,1-7; 49,1-9; 50,4-9), que acaba por se
configurar na imagem do “justo sofredor” (52,13 – 53,12) mais do que na do messias. Observa o
referido estudioso que, porém, a previsão da reconquista tem acentos propriamente messiânicos:

O Redentor (Gö´ël – lae’GO) e o Santo de Israel, àquele cuja pessoa é desprezada e que o
mundo abomina, ao escravo dos déspotas; reis virão e se levantarão, príncipes também...
No tempo do favor, eu te respondi, no dia da salvação, vim em teu auxílio... reerguendo
a terra, devolvendo em herança os patrimônios desolados, dizendo aos prisioneiros:
‘Sai!’ e aos que estão em trevas: ‘Mostrai-vos!’. Ao longo dos caminhos eles terão seus
pastos, em todas as encostas escalvadas, suas pastagens. Não passarão nem fome nem
sede... (Isaías 49,7-10)

Em terceiro lugar, aponta o autor156, faz-se passar a função messiânica da pessoa do rei ao
povo todo de Israel, ou a Jerusalém, polo de atração para o mundo inteiro. Nesse contexto,
conforme o pesquisador, a mensagem é a de certas passagens do Trito-Isaías:

As nações vão caminhar para a tua luz


e os reis, para a claridade da tua aurora.
Dirige os teus olhares em redor e vê:
Eles se congregam todos e vêm a ti,
teus filhos vão chegar de longe
e tuas filhas são seguradas firmemente no regaço.
Então verás, estarás radiante, teu coração estremecerá e se dilatará,
pois para ti será desviada a opulência dos mares,
a fortuna das nações virá a ti. (3 (Trito)Isaías 60,3-5)

156
Ibidem, p. 392.
97
Ressalta o estudioso que se sente o efeito de uma diáspora agora difundida até terras
longínquas, de sonhos de riqueza e poder que não podem mais ser postos em um messias de tipo
régio. Nas reflexões do autor, a tradição messiânica que partiu da celebração imediata do rei
existente, que passou pela expectativa iminente, pôs agora bases para passar uma expectativa de
longo prazo, propriamente escatológica, seja no nível pessoal, seja no nível de coletividade
nacional e humana em geral.
Em suma, este item que o referido pesquisador expõe trata-se do desenvolvimento do
messianismo régio para o messianismo escatológico, e este último é totalmente diferente do
primeiro por não implicar necessariamente a figura do rei da dinastia davídica, mas a de outro rei
qualquer, ou até mesmo outra pessoa que possa salvar o povo de Judá e trazer-lhes mais alívio de
toda a opressão que eles passaram. No caso do exílio, é muito difícil que eles quisessem um rei
para governá-los, e tal messias escatológico apareceria muito mais para livrá-los de seus apuros
do que reiná-los e trazer-lhes mais prejuízos, como foi o caso do rei Ciro da Pérsia.

4. Perspectiva Arqueológica de Finkelstein e Silberman

Esta perspectiva é um tanto distinta da anterior apresentada por Mario Liverani, pois a
verdade dos fatos baseia-se plenamente na análise dos dados materiais encontrados até o
momento da obra de Finkelstein e Silberman (2001 – a tradução brasileira é de 2003)157, mas traz
várias respostas para os estudos bíblicos contemporâneos. Aqui, porém, toma-se o cuidado de não
apresentar dados aparentemente político-históricos, os quais poderão apagar o enfoque da
centralização do Templo, que antes do exílio, centravam-se na figura do rei, em Jerusalém, e nas
figuras epônimas de Davi e de Salomão, idealizadas na época de Josias pelos deuteronomistas.

157
FINKELSTEIN, I.; SILBERMAN, N.A. op. cit.
98
4.1 As “Memórias de uma Era de Ouro”

Finkelstein e Silberman158 apontam que no Templo e no palácio real de Jerusalém, o Israel


bíblico encontrou seu foco espiritual permanente depois de séculos de lutas e de peregrinação.
Para os autores, conforme narra o livro de Samuel, a unção de Davi, filho de Jessé, como rei
sobre todas as tribos de Israel conclui um processo que teve início com a promessa original de
Yahweh a Abraão tantos séculos antes (conforme a literatura bíblica). Naquele momento, de
acordo com a literatura bíblica, ao caos violento do período dos juízes seguiu-se um tempo no
qual as promessas de Yahweh poderiam ser realizadas com segurança, sob a condução de um rei
justo e honrado.
No relato bíblico, embora a primeira escolha tenha sido o taciturno e belo Saul, da tribo de
Benjamin, foi Davi, seu sucessor, quem se tornou a principal figura da “antiga história israelita”;
e sobre esse fabuloso rei Davi, inúmeras histórias foram escritas, como por exemplo: a do
assassinato do poderoso Golias, atingido por Davi com o arremesso de uma só pedra; sua
aprovação na corte real em virtude da habilidade como harpista; suas aventuras como rebelde e
flibusteiro; sua lasciva perseguição a Bat-Sheva; e a conquista de Jerusalém e de um vasto
império. Conforme os autores, seu filho Salomão, por sua vez, é lembrado como o mais sábio de
todos os reis e o maior entre os construtores de prédios e monumentos, e as suas histórias
descrevem seus brilhantes julgamentos, sua inimaginável riqueza e a construção do grande
Templo em Jerusalém.
Conforme os autores159, durante séculos, os leitores da Bíblia no mundo inteiro
consideraram a era de Davi e de Salomão como a era de ouro da história de Israel, pois até
recentemente, muitos estudiosos concordavam que a monarquia unificada foi o primeiro período
bíblico que podia ser considerado histórico de fato. Relatam Finkelstein e Silberman que,
diferente das memórias nebulosas das peregrinações dos patriarcas, ou do miraculoso êxodo do
Egito, ou das visões sangrentas dos livros de Samuel e dos Juízes, a história de Davi era uma saga
muito realista de manobra política e de intriga dinástica na opinião dos autores. No raciocínio de
Finkelstein e Silberman, embora inúmeros detalhes das primeiras aventuras de Davi sejam claras

158
Ibidem, pp. 174-176.
159
Ibidem, p. 175.
99
elaborações lendárias, durante muito tempo os estudiosos acreditaram que a história de sua
ascensão entrelaçava-se perfeitamente com a realidade arqueológica.
Na visão dos pesquisadores, os dispersos assentamentos iniciais dos israelitas em suas
aldeias nas regiões montanhosas fundiram-se, aos poucos, em formas centralizadas de
organização, e a ameaça a eles impostas pelas cidades da costa filisteia teria provocado a crise
que precipitou o aparecimento da monarquia israelita. De fato, conforme os autores, arqueólogos
identificaram níveis acentuados de destruição de antigas cidades filisteias e cananeias, que
acreditavam marcar a trilha das amplas conquistas de Davi. E para Finkelstein e Silberman, os
impressionantes portões e palácios descobertos em vários sítios importantes em Israel eram
considerados indicações das muitas atividades de construção de Salomão.
Ainda assim, percebem os estudiosos160, muitas teses da arqueologia que antes defendiam e
sustentavam as bases históricas das narrativas de Davi e de Salomão foram questionadas na época
da obra dos autores (por volta de 2001). Para Finkelstein e Silberman, a verdadeira extensão do
“império” de Davi é discutida de forma calorosa, pois escavações em Jerusalém não conseguiram
produzir evidências arqueológicas de que tenha sido uma grande cidade no tempo de Davi ou de
Salomão. E hoje, concluem os autores, os monumentos atribuídos a Salomão são mais
plausivelmente relacionados com outros reis. Então, afirmam os pesquisadores, a reconsideração
da evidência produzida em enormes implicações. Concluem os estudiosos que, se os patriarcas
não existiram, nem o Êxodo, nem a conquista de Canaã, nem a monarquia unificada sob a
liderança de Davi e Salomão, pode-se dizer que o antigo Israel bíblico, como apresentado nos
cinco livros de Moisés e nos livros de Josué, dos Juízes e de Samuel, de uma forma, jamais
existiu.
Trata-se de uma introdução dos autores Finkelstein e Silberman para colocar o leitor com
os pés na realidade, pois eles apresentam que mesmo a arqueologia ao se desenvolver não se
desvinculava de forma alguma dos relatos bíblicos que eram assumidos como fatos históricos de
forma inquestionável. Agora, pela proposta dos autores, a arqueologia precisa se firmar nos dados
extrabíblicos e não pode afirmar a Bíblia Hebraica ou Antigo Testamento como fatos históricos,
pois eles foram escritos em favor de uma ideologia, e nem todos os relatos apresentados devem
ser considerados históricos enquanto não houverem provas materiais extrabíblicas.

160
Ibidem, pp. 175-176.
100
4.2 A Formação Ideológica da Dinastia Real para Israel

Neste item percebe-se a necessidade de destacar a escolha do rei para Israel e Judá, pois o
rei foi o autor e construtor do templo original e precisaria ser oriundo de uma dinastia
privilegiada, como foi Salomão, o filho de Davi, conforme a explanação subsequente, que, por
sua vez, encontra-se fundamentada na narrativa bíblica.
Afirmam Finkelstein e Silberman161 que o épico bíblico da transformação de Israel, do
período dos Juízes até a época da monarquia, começa com grande crise militar. Apontam os
pesquisadores que, conforme o apresentado em 1 Samuel 4,5, os exércitos unificados filisteus
atacaram as tropas israelitas numa batalha e carregaram a Arca da Aliança com Deus como
pilhagem de guerra. Continuam os autores, que, sob a liderança do profeta Samuel, sacerdote do
santuário de Silo (localizado a meio caminho entre Jerusalém e Siquém), os israelitas, mais tarde,
de acordo com a literatura bíblica, recuperaram a arca, que foi levada e instalada na vila de
Quiriate-Jearim, a oeste de Jerusalém. Contudo, lembram os estudiosos que os dias dos Juízes
tinham acabado, e as ameaças militares enfrentadas nesse contexto pelo “povo de Israel” exigiam
liderança de tempo integral.
Conforme os pesquisadores, os anciãos de Israel se reuniram na casa de Samuel em Rãmã,
ao norte de Jerusalém, e pediram-lhe que indicasse um rei para Israel, “como em todos os povos”.
Para os estudiosos, embora Samuel tivesse advertido sobre os perigos da monarquia em uma das
passagens antimonárquicas mais eloquentes da Bíblia Hebraica (1 Samuel 8,10-18), Yahweh o
instruiu a fazer o que o povo pedia, e revelou a Samuel a sua escolha: o primeiro rei de Israel
deveria ser Saul, filho de Quis, da tribo de Benjamim. Na perspectiva dos pesquisadores, Saul era
um belo jovem e bravo guerreiro, cujas hesitações íntimas e violações ingênuas das leis divinas
sobre o sacrifício, a pilhagem de guerra e outras injunções e proibições sagradas (1 Samuel
15,10-26) provocaram sua rejeição definitiva e seu eventual suicídio trágico no monte Gilboa,
quando os israelitas foram atacados pelos filisteus.
Ressaltam os autores162 que mesmo quando Saul ainda governava como rei de Israel,
permaneceu alheio ao fato de seu sucessor já ter sido escolhido, pois Yahweh instruiu Samuel a
procurar a família de Jessé, em Belém, “porque eu escolhi um rei para mim, entre os seus filhos”

161
Ibidem, pp. 176-180.
162
Ibidem, p. 177-178.
101
(1 Samuel 16,1). Conforme os pesquisadores, o mais jovem daqueles filhos era um belo pastor de
cabelo ruivo, chamado Davi, que finalmente traria a salvação para Israel. Os autores afirmam que
em primeiro lugar, aconteceu assombrosa demonstração de bravura de Davi no campo de batalha,
no qual os filisteus se reuniram novamente para recomeçar a guerra contra Israel, e os dois
exércitos se enfrentaram no vale de Elá, em Shefelá. Conforme o relato bíblico e o estudo dos
pesquisadores, a arma secreta dos filisteus era o guerreiro gigante Golias, que zombou de
Yahweh e desafiou qualquer soldado israelita para travar um único combate contra ele.
Relatam os estudiosos que se apoderou de Saul e de seus soldados um grande medo, mas o
jovem Davi, enviado por seu pai para levar provisões aos seus três irmãos mais velhos que
serviam o exército de Saul, aceitou destemidamente o desafio, ao gritar para Golias – “Você veio
até mim com uma espada, uma lança, e um dardo, mas eu venho em nome de Yahweh” (1
Samuel 17,45) –, Davi pegou de sua algibeira de pastor uma pequena pedra e a atirou com mira
mortal na fronte de Golias, e assim matou-o. Os filisteus foram derrotados e Davi, o novo herói
de Israel, tornou-se amigo de Jônatas, filho de Saul, e casou com Micol, a segunda filha do rei
Saul. Além do mais, relatam os autores, Davi foi aclamado por toda a população como o maior
herói de Israel, ainda maior que o rei, e os gritos entusiasmados de seus admiradores, “Saul
matou mil, mas Davi matou dez mil!” (1 Samuel 18,7) provocaram ciúme no rei Saul. Concluem
os pesquisadores que, através da narrativa bíblica, era apenas uma questão de tempo até que Davi
tivesse a força para contestar a liderança de Saul e exigir o trono de Israel.
Continuam os autores163 que, ao escapar da fúria assassina de Saul, Davi tornou-se líder de
um bando de fugitivos e mercenários, e de pessoas desiludidas e endividadas que a ele acorreram.
Consequentemente, segundo os autores, Davi e seus homens percorreram os contrafortes de
Shefelá, no deserto de Judá e nas margens das colinas de Judá ao sul, regiões essas localizadas
bem longe dos centros de poder do reino de Saul até o norte de Jerusalém. Continuam Finkelstein
e Silberman que, tragicamente, em uma batalha contra os filisteus, bem longe ao norte, no monte
Gilboa, os filhos se Saul foram mortos pelo inimigo, e Saul tirou a própria vida. Em seguida,
relatam os pesquisadores conforme a narrativa bíblica, Davi se dirigiu à antiga cidade de Hebron,
em Judá, local no qual foi proclamado rei pelo povo de Israel. Concluem os autores que esse foi o
início do grande Estado e da linhagem de Davi, a origem da gloriosa monarquia unificada.

163
Ibidem, pp. 178-179.
102
Os pesquisadores164 dão sequência em seu raciocínio através da narrativa bíblica que, após
Davi e seus homens dominaram os bolsões remanescentes de oposição entre os seguidores de
Saul, os representantes de todas as tribos se reuniram como convinha em Hebron, para declarar
Davi rei sobre todas as tribos e terras de Israel. Para os autores, após reinar durante sete anos em
Hebron, Davi se mudou para o norte para conquistar a fortaleza jebuseia de Jerusalém – até então
não reclamada por nenhuma das tribos de Israel – e ali instalar a capital do reino, e, em seguida,
Davi ordenou que a Arca da Aliança fosse trazida de Quiriate-Jearim.
Finkelstein e Silberman165 explanam a narrativa bíblica ao afirmarem que Davi, então,
recebeu uma surpreendente e incondicional promessa de Yahweh:

Assim diz Yahweh dos Exércitos: Eu te tirei das pastagens, quando seguias teu rebanho,
para que possas ser o chefe do meu povo de Israel; e estive contigo em todos os
momentos, e exterminei todos os teus inimigos diante de ti; e farei do seu nome um
grande nome, como o nome de todos os grandes da Terra. E eu indicarei um lugar para o
meu povo de Israel, e o estabelecerei para que possa habitar em sua própria terra, e não
mais ser perturbado; e os homens violentos e iníquos não mais o afligirão, como
anteriormente, no tempo em que coloquei os juízes como mentores do meu povo Israel;
e eu lhe darei a paz e o descanso dos seus amigos. Além disso, Yahweh anuncia que
constituirá a tua casa. Quando os teus dias estiverem realizados, e tu descansares com os
teus antepassados, eu cuidarei dos teus filhos para ti, os filhos que serão gerados do teu
corpo, e firmarei seu reino. Eles constituirão uma casa para o meu nome, e eu
estabelecerei seu reinado para todo o sempre. Quando eles cometerem iniquidades, eu os
castigarei com o bordão dos homens, com as correias dos filhos dos homens; mas eu
jamais lhes retirarei meu inabalável e imutável amor, como tirei de Saul, a quem
expulsei antes de ti. E eu garantirei tua casa e teu reino para sempre diante de mim; e teu
trono estará seguro para todo o sempre. (2 Samuel 7,8-16)

Na sequência, de acordo com os autores166, Davi iniciou suas guerras radicais de libertação
e expansão, nas quais, em uma série de batalhas fulminantes, ele destruiu o poder dos filisteus, e
derrotou os amonitas, os moabitas e os edomitas na Transjordânia, a concluir suas campanhas
com a subjugação dos arameus do norte. Os pesquisadores ao relatarem a narrativa bíblica

164
Ibidem, p. 178.
165
Ibidem, pp. 178-179.
166
Ibidem, p. 179.
103
apontam que, ao retornar em triunfo a Jerusalém, Davi agora governava um vasto território,
muito mais extenso que o herdado pelas tribos de Israel; mas não teve paz no seu tempo de
glória. Também observam os autores que conflitos dinásticos – a incluir a revolta de seu filho
Absalão – provocaram enorme preocupação na continuidade de sua dinastia. E um pouco antes
da morte de Davi, ressaltam os estudiosos que o sacerdote Zadoque ungiu Salomão como o
próximo rei de Israel.
Sobre Salomão, a quem Yahweh deu “sabedoria e compreensão além da medida”, os
autores167, fundamentados na narrativa bíblica, relatam que consolidou a dinastia davídica e
organizou seu império, que então se estendia do Eufrates até à terra dos filisteus e à fronteira do
Egito (1 Reis 4,24). Os estudiosos lembram que a imensa riqueza de Salomão resultou de
sofisticado sistema de impostos e de trabalho forçado, exigido de cada uma das tribos, e das
expedições comerciais a países exóticos do sul. Conforme as pesquisas de Finkelstein e
Silberman, em reconhecimento a sua fama e a sua visão, a lendária rainha de Sabá o visitou em
Jerusalém, com uma caravana repleta de presentes deslumbrantes.
Os estudiosos168 apontam, conforme os relatos bíblicos, que as maiores realizações de
Salomão foram as construções que empreendeu. Em Jerusalém, edificou um magnífico templo, o
qual, e cujas teorias serão desdobradas no próximo capítulo, foi ricamente decorado, para
Yahweh, e inaugurado com grande pompa; e construiu ao lado um belo palácio, fortificou
Jerusalém e também as importantes cidades de Hazor, Megiddo169 e Gezer, e manteve estábulos
com 40 mil baias de cavalos para seus 1.400 cavaleiros. Salomão, de acordo com os estudiosos,
assinou tratado com Hirão, rei de Tiro, que enviou toras de cedro do Líbano para a construção do
Templo em Jerusalém e se tornou sócio de Salomão em aventuras comerciais estrangeiras. Os
autores concluem que a Bíblia resume a reputação de Salomão da seguinte forma: “Eis que o rei
Salomão excedeu todos os reis da terra, em riqueza e em sabedoria. E a terra inteira buscou a
presença de Salomão, para ouvir a sabedoria que Yahweh colocou em sua mente” (1 Reis 10,23-
24).
Tudo isso, Finkelstein e Silberman apresentaram de acordo com o relato bíblico, pois,
aparentemente, nem todos os que conhecem a sua obra já chegaram a ler a Bíblia e a conhecer as

167
Ibidem, pp. 179-180.
168
Ibidem, p. 180.
169
Pronuncia-se “Meguidô”.
104
suas histórias. Elas estão apontadas de acordo com o relato bíblico para que o leitor tenha ciência
do que aconteceu no período da monarquia unida com os reis Saul, Davi e Salomão.

4.3 Uma Nova Perspectiva sobre o Reino de Davi

Baseado no raciocínio de Finkelstein e Silberman170, o primeiro estágio do assentamento


israelita nas regiões montanhosas de Canaã foi um fenômeno gradual e regional, no qual grupos
de pastores se estabeleceram em áreas pouco povoadas e formaram comunidades de aldeias
autossuficientes. Com o tempo, relatam os autores, em virtude do crescimento da população da
montanha, foram criadas outras aldeias em regiões previamente despovoadas, as quais se
estenderam das estepes a leste e dos vales do interior aos nichos rochosos e escarpados das
montanhas, a oeste.
Afirmam os pesquisadores que, nesse estágio, começou o cultivo de oliveiras e vinhas,
especialmente nas regiões montanhosas ao norte. Consequentemente, apontam os estudiosos,
com a progressiva diversidade entre a localização e as colheitas produzidas pelas várias aldeias
em todas as regiões montanhosas, o velho regime de autossuficiência não pôde ser mantido, e os
aldeões que se concentraram nos pomares e nas vinhas necessariamente tiveram que trocar seu
superávit de vinho e azeite por outras mercadorias, como os grãos. Com a especialização,
ressaltam os pesquisadores, veio a ascensão de classes de administradores e comerciantes,
soldados profissionais e, eventualmente, reis.
De acordo com as pesquisas dos autores171, padrões similares de assentamento em regiões
montanhosas e de gradual estratificação social foram descobertos por arqueólogos a trabalhar na
Jordânia, nas antigas terras de Amon e Moabe. Afirmam os pesquisadores que um processo de
transformação social, razoavelmente uniforme, pode ter acontecido em muitas regiões
montanhosas do Levante, tão logo se libertaram do controle dos impérios da Idade do Bronze e
dos reis das Cidades-Estado das planícies costeiras.

170
Ibidem, pp. 183-186.
171
Ibidem, pp. 183-184.
105
Relatam Finkelstein e Silberman172 que, em um período no qual o mundo inteiro voltava à
vida, na Idade do Ferro, os reinos emergentes temiam seus vizinhos e, aparentemente,
distinguiam-se uns dos outros por costumes étnicos diferenciados e pela adoração de deidades
nacionais. Ainda assim, afirmam os estudiosos, o processo de especialização, de organização e de
identidade de grupo estava muito longe da formação de um vasto império. Apontam os
pesquisadores que as amplas conquistas do tipo atribuído a Davi exigiriam enorme organização e
maior efetivo militar de homens e armas. Desse modo, consideram os autores, o interesse erudito
começou a se concentrar na evidência arqueológica da população, dos padrões, de assentamento e
nos recursos econômicos e organizacionais na região da sede atribuída a Davi, em Judá, a fim de
constatar se a descrição bíblica pode fazer sentido histórico. E como se esperava, realmente, a
descrição bíblica não fez sentido histórico.
Continuam os estudiosos173 que os levantamentos arqueológicos da época da obra no ano
de 2001 nas regiões montanhosas ofereceram outros indícios do caráter excepcional do reino de
Judá, que ocupa a parte sul das montanhas e se estende, aproximadamente, de Jerusalém às
margens do Neguebe, ao norte. Ressaltam os autores que o reino forma unidade ambiental
homogênea, de terreno escarpado, de difícil comunicação e de escassos recursos pluviométricos,
bem imprevisíveis. Para os pesquisadores, em contraste com as regiões montanhosas ao norte,
com seus amplos vales e rotas naturais por terra para as regiões vizinhas, Judá sempre foi, sob o
aspecto agrícola, marginal e isolado das regiões vizinhas pelas barreiras topográficas que o
rodeiam por todos os lados, exceto no norte.
Segundo os pesquisadores174, a leste e ao sul, Judá faz fronteira com as zonas áridas do
deserto da Judeia e do Neguebe. A oeste, conforme os autores – na direção dos contrafortes
férteis e prósperos de Shefelá e da planície costeira – a escarpa central desce abruptamente, de tal
forma que na direção oeste de Hebron, o viajante se vê forçado a descer mais de 330 metros de
declives rochosos, numa distância de apenas 5 quilômetros. De acordo com os estudiosos, mais
para o norte, a oeste de Jerusalém e de Belém, o declive é mais moderado, mas é mais difícil
ainda de ser percorrido, por ser formado por uma série de longas escarpas estreitas, separadas por
ravinas profundas.

172
Ibidem, pp. 184-185.
173
Ibidem, p. 185.
174
Ibidem, pp. 185-186.
106
Conforme os autores, por volta de 2001, o platô plano central, de Jerusalém até Belém e
Hebron, é cruzado por estradas e muito cultivado; mas, segundo os estudiosos, foi necessário
esperar um milênio de trabalho concentrado para limpar suficientemente o terreno rochoso, a fim
de permitir essas atividades. Percebem os pesquisadores que, na Idade do Bronze e no começo da
Idade do Ferro, a área era rochosa e coberta por mata densa e florestas, com muito poucas áreas
disponíveis ao cultivo agrícola. Consideram os autores que poucas povoações foram
estabelecidas ali à época do assentamento israelita; o meio ambiente de Judá era muito mais
adequado para o pastoreio de carneiros e cabras.
De acordo com as pesquisas de Finkelstein e Silberman175, o sistema de assentamento de
Judá nos séculos XII e XI a.C. continuou a se desenvolver no século X a.C. com o crescimento
gradual do número de aldeias e de seu tamanho, mas a natureza do sistema não mudou
significativamente, pois ao norte de Judá extensos pomares e vinhas prosperaram nos declives
ocidentais das regiões montanhosas; em Judá, de acordo com os estudiosos, isso não aconteceu,
em virtude da natureza proibitiva do terreno. Concluem os autores que, pelo que se pode
constatar a partir dos levantamentos arqueológicos, o reino de Judá permaneceu relativamente
desocupado de uma população permanente, muito isolado e marginal durante e logo depois do
tempo presumido de Davi e Salomão, sem grandes centros urbanos e sem hierarquia articulada de
vilas, aldeias e cidades.
Percebe-se que o referido assentamento que iniciou a Idade do Ferro por volta do século
XII a.C. continuou no período atribuído aos reis Davi e Salomão, o que demonstra, de acordo
com a arqueologia, que tais reinados poderosos de Davi e de Salomão jamais tiveram condições
de terem existido fisicamente neste contexto.

175
Ibidem, p. 186.
107
4.4 As “Conquistas de Davi”

Explanam Finkelstein e Silberman176 que, durante décadas, os arqueólogos acreditaram que


as evidências descobertas em muitas escavações fora de Jerusalém confirmavam o relato da
Bíblia sobre uma enorme monarquia unificada, pois a mais proeminente entre todas as vitórias de
Davi, de acordo com a Bíblia Hebraica, ocorreu contra as cidades filisteias, uma quantidade das
quais, conforme os autores, na época de seu livro, em 2001, havia sido extensivamente escavada.
Afirmam os pesquisadores que o primeiro livro de Samuel oferece muitos detalhes dos encontros
entre israelitas e filisteus como os exércitos de filisteus capturaram a Arca da Aliança na batalha
de Ebenezer; como Saul e seu filho Jônatas morreram durante as guerras contra os filisteus; e,
naturalmente, como o jovem Davi derrubou Golias.
Enfatizam os estudiosos que, enquanto alguns dos detalhes dessas histórias são, sem
dúvida, lendários, as descrições geográficas são bastante acuradas. Mais importante, afirmam os
autores, a gradual propagação da decorada cerâmica filisteia, de inspiração egeia, nos contrafortes
e tão para o norte, como no vale de Jezrael, provê evidência para a expansão progressiva do
contato daquele povo em todo o país. E, para os estudiosos, quando a evidência da destruição das
cidades das planícies – por volta de 1000 a.C. – foi descoberta, pareceu confirmar a extensão das
conquistas de Davi.
Relatam os pesquisadores177 que um dos melhores exemplos dessa linha de raciocínio é o
caso de Tel Qasile, pequeno sítio nos arredores ao norte da moderna Tel Aviv, escavado,
primeiramente, pelo arqueólogo bíblico e historiador israelense Benjamin Mazar, em 1948-1950,
que, por sua vez, descobriu uma próspera cidade filisteia, inteiramente desconhecida nos registros
bíblicos. Conforme os autores, a última camada, que continha uma cerâmica filisteia
característica com outras marcas e selos dessa cultura, foi destruída pelo fogo, e embora não
existisse nenhuma referência específica na Bíblia sobre a conquista dessa área por Davi, Mazar
não hesitou em concluir que Davi arrasara o assentamento em suas guerras contra os filisteus.
Percebem os autores178 que os achados arqueológicos se tornaram dogmas bíblicos, e isso
aconteceu em todo o país, com o destrutivo trabalho de Davi a ser visto em todas as camadas de
cinza e em todas as pedras tombadas em sítios da Filisteia até o vale Jezrael e mais além. E no
176
Ibidem, pp. 188-190.
177
Ibidem, p. 189.
178
Ibidem, pp. 189-190.
108
meio desses “dogmas religiosos arqueológicos”, conforme os pesquisadores, em quase todos os
casos nos quais uma cidade com a cultura de Canaã ou da Filisteia foi atacada, ou mesmo
remodelada, as arrebatadoras conquistas do rei Davi foram percebidas como a causa.
Finkelstein e Silberman179 afirmam que, teoricamente, os israelitas das regiões
montanhosas centrais poderiam ter estabelecido controle não apenas sobre pequenos sítios como
Tel Qasile, mas também sobre grandes centros ‘cananeus’, como Gezer, Megiddo e Betsã, pois
na história existem alguns exemplos de povos rurais que exerceram controle sobre grandes
cidades, especialmente em situações nas quais opressores das montanhas ou chefes proscritos de
tribos usavam a ameaça de violência e a promessa de proteção paternal, para garantir tributos e
manifestação de lealdade de fazendeiros e mercadores das cidades das planícies. Reforçam os
estudiosos que, na maioria dos casos, essas não eram vitórias militares inequívocas, nem o
estabelecimento de um império formalizado e burocrático, mas demonstração de maneiras mais
sutis de liderança, nas quais um chefe proscrito das montanhas oferece uma espécie de segurança
para as comunidades das planícies.
Há a negação de Finkelstein e Silberman nas vitórias e conquistas de Davi, pois, nesse
contexto, não poderia ter um Reino de Davi como conquistador, e atribui-se todas as “conquistas
de Davi” antes afirmadas pela arqueologia como, agora, manifestações de poder de chefes
proscritos das montanhas sobre as comunidades das planícies. Não são, para os autores, de forma
alguma, conquistas do rei Davi.

4.5 O “Legado de Davi”

Conforme Finkelstein e Silberman180, definitivamente não há razão para duvidar da


historicidade de Davi e de Salomão, porém, subsistem razões de sobra para questionar a extensão
e o esplendor do reinado de ambos. Para os autores, caso não tenha existido um grande império,
nem grandes monumentos, nem uma capital magnífica, questiona-se a natureza do reinado de
Davi.

179
Ibidem, p. 190.
180
Ibidem, pp. 199-200.
109
Relatam os estudiosos181 que a cultura material das regiões montanhosas do tempo de Davi
permaneceu simples, pois a terra era esmagadoramente rural, sem nenhum traço de documentos
escritos, de inscrições ou mesmo de sinais do tipo alfabetização generalizada, que seriam
necessários para o funcionamento de uma monarquia característica. Para os pesquisadores, do
ponto de vista demográfico, é improvável que as áreas de assentamentos israelitas tenham sido
homogêneas, pois é difícil constatar qualquer indício de cultura unificada ou de um Estado
administrado de um centro. Conforme as pesquisas dos autores, a área ao norte de Jerusalém era
povoada de forma densa, enquanto a área ao sul de Jerusalém – o eixo do futuro reino de Judá –
ainda era de povoamento esparso, pois a própria Jerusalém era, quando muito, pouco mais que
uma aldeia típica de regiões montanhosas e, conforme o parecer dos estudiosos, não se pode
afirmar mais nada além disso.
Segundo as pesquisas de Finkelstein e Silberman182, as estimativas de população para as
fases posteriores ao período dos assentamentos israelitas se aplicam, também, ao século X a.C.,
pois tais estimativas dão ideia da escala de possibilidades históricas. Conforme os pesquisadores,
de um total de aproximadamente 45 mil pessoas morando nas regiões montanhosas, 90% deve ter
habitado as vilas do norte. Percebem os estudiosos que tal porcentagem teria deixado cerca de 5
mil pessoas espalhadas entre Jerusalém e Hebron, e cerca de 20 pequenas aldeias em Judá, com
grupos adicionais a permanecer, talvez, como pastores nômades.
No raciocínio dos estudiosos, uma sociedade pequena e isolada como essa, por certo, teria
alimentado, com carinho, a memória de um líder extraordinário como Davi, enquanto seus
descendentes continuavam a governar em Jerusalém, durante os quatro séculos seguintes. De
acordo com os autores, no século X a.C., o domínio de Davi não se estendia sobre nenhum
império, nem sobre cidades palacianas, ou sobre nenhuma capital espetacular. Concluem os
pesquisadores que, sob o aspecto arqueológico, não é possível dizer nada sobre Davi e Salomão,
exceto que existiram, e que sua lenda e as suas histórias fabulosas permaneceram e resistiram aos
tempos.
Mediante o pensamento dos pesquisadores183, ainda assim, a fascinação da história
deuteronomista do século VII a.C. pelas memórias de Davi e Salomão – e, de fato, a aparente e
constante veneração dessas personagens pelos judaicos – pode ser a melhor, se não a única
181
Ibidem, pp. 199-200.
182
Ibidem, p. 200.
183
Ibidem, pp. 200-201.
110
evidência para a existência de algum tipo de Estado unificado israelita. Consideram os autores
que o fato de os deuteronomistas usarem a monarquia unificada como ferramenta muito poderosa
de propaganda política sugere que, no seu tempo, o episódio de Davi e Salomão, como
governantes de um território relativamente maior nas regiões centrais, permanecia vivo e
amplamente verossímil.
Mesmo assim, Finkelstein e Silberman confiam nos dados arqueológicos, e, com razão, não
ousam misturar os relatos bíblicos com as descobertas arqueológicas, obviamente extrabíblicas.
Os autores também defendem a origem das histórias de Davi e de Salomão durante a reforma
josiânica do século VII a.C.
Relatam os autores184 que é possível que, por volta do século VII a.C., as condições em
Judá tenham mudado um pouco além de uma avaliação, pois Jerusalém era, então, uma cidade
relativamente grande, dominada por um templo ao Deus de Israel, que servia como único
santuário nacional. Conforme os estudiosos, as instituições da monarquia, um exército
profissional e a administração tinham atingido o nível de sofisticação que se comparava à
complexidade das instituições das realezas dos Reinos vizinhos, a chegar mesmo a excedê-las. E,
novamente, ressaltam os pesquisadores, pode-se ver as paisagens e os costumes de Judá, no
século VII a.C., como cenário para um conto bíblico inesquecível, dessa vez uma mitológica era
de ouro. Segundo os autores, a deslumbrante e luxuosa visita da rainha de Sabá a Jerusalém (1
Reis 10,1-10) e o comércio de mercadorias raras com mercados distantes como a terra de Ofir, ao
sul (1 Reis 9,28), sem dúvida refletem a participação de Judá no lucrativo comércio do século VII
a.C.
Conforme os pesquisadores, o mesmo é verdadeiro para a descrição da construção de
Tamar no deserto (1 Reis 9,18), e para as expedições comerciais a terras distantes, a partir de
Ezion-geber, no golfo de Aqaba (1 Reis 9,26), dois sítios que foram analisados e identificados
com segurança e que não eram habitados antes do final dos tempos monárquicos. E a guarda real,
nos relatos dos estudiosos, formada por cereteus e feleteus (2 Samuel 8,18), anteriormente
assumida pelos conhecedores do assunto como de origem egeia, poderia ser compreendida no
cenário do serviço de gregos mercenários como a mais adiantada força combatente do seu
tempo, no exército do Egito e, talvez, no exército judaico, no século VII a.C.

184
Ibidem, pp. 201-202.
111
Tais ilustrações de corte, por exemplo, podem ser encontradas em diversos momentos dos
livros de Reis, mesmo nas narrativas do rei Acabe e do profeta Elias, e consideradas como
contemporâneas da reforma josiânica datada do século VII a.C.
Para os autores185, no final dos tempos monárquicos, elaborada ideologia tinha sido
desenvolvida em Judá e em Jerusalém, para validar a conexão entre o herdeiro de Davi e o
destino do povo de Israel. Relatam os estudiosos que, de acordo com a história deuteronomista, o
piedoso Davi foi o primeiro a parar o ciclo de idolatria (pelo povo de Israel) e da retribuição
divina (por Yahweh), e graças a sua devoção, fidelidade e integridade, Yahweh o ajudou a
completar o trabalho inacabado de Josué, ou seja, conquistar o resto da Terra Prometida e
estabelecer um império glorioso sobre todos os vastos territórios prometidos a Abraão.
Na visão dos autores, essas eram as esperanças fundamentadas na ideologia da crença em
Yahweh, não retratos históricos acurados, pois constituíram elemento central da visão
contagiante do renascimento nacional no século VII a.C., que buscava reunir o povo espalhado,
disperso e desconfiado, para provar-lhe que havia vivenciado uma história emocionante e
arrebatadora sob a intervenção direta de Yahweh. Atentam os pesquisadores que o épico glorioso
da monarquia unificada era – como as narrativas dos patriarcas e as sagas do Êxodo e da
conquista de Canaã – uma brilhante composição que entrelaçou antigos contos heroicos e lendas,
numa profecia coerente e persuasiva para o povo de Israel, no século VII a.C. Entretanto, as
narrativas dos patriarcas e as sagas do Êxodo podem ser consideradas produções pós-exílicas, e a
conquista de Canaã pré-exílica.
Conforme a pesquisa dos estudiosos186, para o povo de Judá do tempo em que o épico
bíblico foi elaborado pela primeira vez, um novo Davi tinha assumido o trono, com a intenção de
restaurar a glória de seus distantes antepassados; a partir disso Josias foi descrito como o mais
dedicado de todos os reis de Judá; conforme o pensamento dos autores, Josias foi capaz de
retornar ao tempo da monarquia unificada no seu próprio tempo. Para os pesquisadores, ao
purificar Judá da abominação da idolatria – introduzida em Jerusalém por Salomão, com seu
harém de mulheres estrangeiras (1 Reis 11,1-8) –, Josias pôde anular as transgressões que tinham
provocado a destruição do ‘império’ de Davi. Consideram os estudiosos que aquilo que os

185
Ibidem, p. 202.
186
Ibidem, pp. 202-203.
112
historiadores do Deuteronômio queriam dizer é simples e convincente: ainda há uma maneira ou
forma de recuperar a glória do passado.
Assim, atentam os autores187, Josias iniciou a instituição de uma monarquia unificada que
relacionaria Judá aos territórios do antigo reino do norte, por meio das instituições da realeza, das
forças militares e de uma sincera devoção a Jerusalém, que é tão fundamental à narrativa bíblica
de Davi. Conforme os pesquisadores, como monarca sentado no trono de Davi, em Jerusalém,
Josias era o único herdeiro legítimo do império davídico, ou seja, de seus territórios, e iria
‘recuperar’ os territórios do reino do norte, então destruído, o reino que tinha nascido dos
pecados de Salomão, e as palavras do livro de 1 Reis 4,25, que “Judá e Israel habitaram em
segurança, de Dan e até mesmo Berseba”, resumem para os autores aquelas esperanças de
expansão territorial e a busca por tempos prósperos e pacíficos, semelhantes aos do passado
mítico, quando um rei governou de Jerusalém sobre todos os territórios reunidos de Judá e de
Israel.
Em suma, conforme o deuteronomista, Josias virou o salvador de Judá de acordo com a
literatura deuteronomista, que além de legitimar Josias como representante da casa de Davi, o
incumbiu de exterminar as falhas de seus ancestrais através da sua iconoclastia, um detalhe é que
a inserção da cobra Neustã como objeto destruído por Josias trata-se de uma inserção sacerdotal,
pois corresponde a Moisés, e não à reforma josiânica.
Sumarizam Finkelstein e Silberman188 que, conforme foi observado, a realidade histórica
do reino de Davi e de Salomão era bem diferente do relato, pois era parte da grande
transformação demográfica que culminaria na emergência dos reinos de Judá e de Israel, em uma
sequência muito diversa daquela narrada na Bíblia.
Os respectivos reinos de Israel e Judá tiveram uma origem autóctone, e não como uma
cisão, conforme o relato bíblico após a morte do rei Salomão.
Foi analisado neste capítulo que se findam as formas de hermenêutica do senso comum
bíblico, que são três: fundamentalista, conservadora e devocional, que não objetivam negar os
mitos e fábulas da Bíblia. Em seguida, apresentou-se duas formas de análise que fundamentam o
senso crítico sobre a existência dos eventos apresentados na narrativa bíblica, que são a crítica
literária de Mario Liverani e a arqueologia apresentada por Finkelstein e Silberman. Esses

187
Ibidem, p. 203.
188
Ibidem, p. 203.
113
estudos (de Mario Liverani e de Finkelstein e Silberman) estão mais voltados ao contexto de
Davi e Salomão. Em seguida, os mesmos instrumentos estarão direcionados para o objeto do
presente estudo, que é o Templo pré-exílico, como será visto no próximo capítulo.

114
Capítulo III – Teorias sobre o Primeiro Templo

Neste estudo sobre o Templo cuja construção é atribuída ao rei Salomão as três teorias
utilizadas serão: a de Israel Filkenstein, com seu parceiro de livro Neil Asher Silberman189; a de
Mario Liverani190; e a de Burger-Temple-Gescinde, apresentada por Jean Louis Ska191. Em
seguida, será demonstrado um resumo das três teorias sobre o Templo pré-exílico, a apontar que
a última teoria, de Jean Louis Ska, está relacionada com o capítulo final, cujo tema é a
“Relevância da Memória do Primeiro Templo, a função social e os seus aspectos”.
Filkenstein e Silberman192 se baseiam absolutamente nas provas arqueológicas e históricas,
pois, para ambos os autores, é questionável a existência dos reis Davi e Salomão por eles não
serem citados nas fontes egípcias e mesopotâmicas, mas ausência de citações ocorre devido à
decadência das civilizações egípcia e mesopotâmica conforme os autores. Os autores ressaltam
que nos dados arqueológicos não há evidência para as conquistas de Davi ou para o seu império;
nos vales, a cultura canaanita se mantém ininterrupta e sobre as construções salomônicas não há
nenhum sinal de arquitetura monumental ou cidade importante em Jerusalém, e nenhum sinal de
construções em larga escala nas cidades de Meggido, Hazor e Gezer; no norte, continua a cultura
material de Canaã. Ou seja, não há vestígios de um poderoso império israelita interferindo na
cultura cananeia ou canaanita, do que pode se deduzir a inexistência, não apenas do “Império”
dos reis Davi e Salomão, mas também do Templo cuja construção é atribuída ao rei Salomão.

189
FINKELSTEIN, I.; SILBERMAN, N.A. op. cit.
190
LIVERANI, M. op. cit.
191
SKA, J.L. op. cit.
192
FINKELSTEIN, I.; SILBERMAN, N.A. op. cit., pp. 180-185.
115
Mario Liverani193 questiona a dimensão do Templo considerado original de Jerusalém
apresentada na Bíblia Hebraica. Em sua perspectiva, ele acredita de fato que houve uma
construção do Templo monárquico do reino de Judá, mas nas condições de época, e não como
uma obra magnífica de acordo com o relato bíblico, até mesmo a destruição do referido Templo
cuja construção é atribuída ao rei Salomão datada por volta de 586 a.C., que se limitava a saques
e incêndios, pois um Templo da magnitude apontada na Bíblia Hebraica não seria destruído tão
facilmente conforme os relatos das Escrituras Sagradas. Dessa forma, o autor conclui que o
Templo pré-exílico de Jerusalém apresentado na Bíblia Hebraica foi baseado nos templos da
Babilônia, das cidades de Borsipa, Nippur e Uruk, que eram organizações bem complexas,
dotadas de um poder econômico e político relevante, com estruturas arquitetônicas imponentes, e
o palácio real, cujo templo era anexo conforme relata a Bíblia Hebraica, é um projeto de palácio
em estilo persa, com data entre os séculos VI e V a.C., semelhante na estrutura aos de Susa e
Persépolis.
Jean Louis Ska194 levanta a teoria de Burger-Temple-Gescinde relacionada à importância
do Templo no pós-exílio, consistente na comunidade dos cidadãos unidos em torno do templo,
pois para que houvesse um Templo em Jerusalém no pós-exílio, o governo persa precisaria
reconhecer os direitos e privilégios do templo e da comunidade ligada a ele, o que foi emitido
pelo rei Ciro de acordo com o Livro de Esdras 1,1-4 e, consequentemente, seria desenvolvida
uma literatura inteira para legitimá-lo, que é a conhecida como Sacerdotal, sobre a qual, a
princípio, não há a intenção de ser desdobrada na tese, em prol da literatura Deuteronomista,
considerada anterior à Sacerdotal. Entretanto, conforme o afirmado anteriormente, essa teoria
será desdobrada no capítulo final da tese por estar mais relacionada com a relevância da memória
do Templo monárquico do reino de Judá, a função social e os seus aspectos do que as demais
teorias.
Todas as teorias baseadas nas evidências arqueológicas e históricas afirmam que
factualmente não houve nem um rei Davi de acordo ou similar às narrativas bíblicas, tampouco
um rei Salomão fundamentado nas mesmas narrativas, e muito menos um Templo considerado
original factual construído por ele, e discutem que houve motivações oriundas da construção do

193
LIVERANI, M. op. cit., pp. 393-403.
194
SKA, J.L. op. cit., pp. 241-242.
116
“Segundo Templo” que legitimaram ideologicamente o “Segundo” a fundamentar nas lendas e
mitos do “Primeiro Templo”.

1. Teoria de Finkelstein e Silberman

Relacionada ao Templo, a teoria de Finkelstein e Silberman encontra-se fundamentada nos


dois parágrafos seguintes.
Conforme os autores195, escavações do século XIX e começo do século XX em volta do
monte do Templo de Jerusalém não produzem sequer um traço do fabuloso Templo de Salomão
ou do complexo do palácio. Mas, afirmam os autores, muitos eruditos (os quais Finkelstein e
Silberman não se referem quem sejam) discutem que remanescentes arqueológicos da época de
Salomão estão a faltar, em virtude de terem sido erradicados, por exemplo, pelas maciças
construções de Herodes no monte do Templo, no antigo período romano.
À busca de Jerusalém relacionada ao Templo, relatam os autores196 que, durante séculos, a
imagem de Jerusalém no tempo de Davi e, mais ainda, no tempo do seu filho Salomão tem sido
assunto para criação de mitos e fantasia, pois peregrinos, cruzados e visionários de toda espécie
espalharam histórias fabulosas e lendárias sobre a grandeza da cidade de Davi e do Templo de
Salomão. Portanto, concluem Finkelstein e Silberman que não foi por acidente os remanescentes
desse Templo situavam-se entre os primeiros desafios enfrentados por arqueólogos bíblicos no
século XIX.
Em súmula, conforme pesquisam Finkelstein e Silberman, não é possível ter uma cidade
com a grandeza da Jerusalém da narrativa bíblica do período de Davi, tampouco um templo de
maravilha incomensurável como o Templo cuja construção é atribuída ao rei Salomão, pois tais
estruturas estupendas não correspondem aos dados arqueológicos disponíveis.
É necessário, porém, contextualizar a teoria na obra dos autores, pois eles não costumam a
se referir ao Templo isoladamente, mas sim às personagens epônimas vinculadas à fundação do
Templo e às obras atribuídas a princípio a tais personagens, as quais, no final das contas,

195
FINKELSTEIN, I.; SILBERMAN, N.A. op. cit., pp. 181-182.
196
Ibidem, pp. 186-187.
117
conforme os achados arqueológicos, são obras de reis bem posteriores, conforme será visto a
seguir.

1.1 Os Mitos de Davi e de Salomão em Face ao Primeiro Templo

De acordo com Finkelstein e Silberman197, Davi e Salomão são dois ícones tão
fundamentais para o Judaísmo e para o Cristianismo, que as asserções próximas ao ano do livro
(2001) de críticos bíblicos radicais, de que o rei Davi não é “senão uma figura tão histórica
quanto o rei Artur”, foram recebidas com desprezo em muitos círculos religiosos e eruditos, e
mesmo como afronta. Finkelstein e Silberman apontam que historiadores bíblicos como Thomas
Thompson e Niels Peter Lemche, da Universidade de Copenhague, e Philip Davies, da
Universidade de Sheffield, apelidados de ‘minimalistas bíblicos’ por seus detratores,
argumentaram que a existência de Davi, de Salomão e da monarquia unificada de Israel e, de
fato, a descrição inteira da história de Israel na Bíblia não passam de construções ideológicas
elaboradas com habilidade, produzidas por círculos sacerdotais em Jerusalém depois do exílio na
Babilônia, ou mesmo em tempos helenísticos. Tal afirmação é questionável, pois Davi e Salomão
não devem ser assunto do pós-exílio e dos tempos helenísticos dos círculos sacerdotais, pois o
seu principal assunto era Moisés, principalmente na função da legitimação sacerdotal.
Afirmam Finkelstein e Silberman198 que, mesmo do ponto de vista puramente literário e
arqueológico, os minimalistas possuem alguns pontos a seu favor, pois a leitura cuidadosa das
descrições bíblicas sobre o tempo de Salomão sugere, de forma clara, que esse é o retrato do
passado idealizado, de uma gloriosa era de ouro. Segundo os autores, os relatos da fabulosa
riqueza de Salomão (a tornar “a prata tão comum em Jerusalém como a pedra”, de acordo com 1
Reis 10,27) e seu lendário harém (a abrigar setecentas esposas e princesas e trezentas concubinas,
de acordo com 1 Reis 11,3) são exagerados demais para serem verdadeiros.
Além disso, ressaltam os pesquisadores que, apesar de toda a sua celebrada riqueza e
poder, nem Davi, nem Salomão são mencionados em nenhum texto conhecido do Egito e da
Mesopotâmia, como, da mesma forma, não existe nenhuma evidência arqueológica dos famosos

197
Ibidem, pp. 180-181.
198
Ibidem, p. 181.
118
projetos de construção de Salomão em Jerusalém. Nas pesquisas dos estudiosos, escavações do
século XIX e começo do XX em volta do monte do Templo em Jerusalém não produziram sequer
um traço do fabuloso Templo de Salomão ou do complexo do palácio. Enfatizam os autores que,
enquanto certos níveis de estruturas em sítios de outras regiões do país foram devidamente
associados à era da monarquia unificada, o estabelecimento de suas datas está longe de ser
evidente.
Conforme se observa, não há nada que apoie o relato bíblico como fato histórico, pois todas
as evidências arqueológicas mais negam o relato bíblico do que o afirmam.
Os estudiosos199, porém, apontam que fortes argumentos têm sido defendidos para
contrapor algumas das objeções dos minimalistas. Conforme os autores, muitos eruditos, os quais
não são identificados por eles, discutem que remanescentes arqueológicos da época de Salomão
estão a faltar, em virtude de terem sido erradicados, por exemplo, pelas maciças construções de
Herodes no monte do Templo, no antigo período romano. Além disso, continuam os autores, a
ausência de referências externas a Davi e a Salomão em antigas inscrições é bem compreensível,
pois a era na qual se acredita que eles governaram (aproximadamente 1005-930 a.C.) foi o
período de declínio dos grandes impérios do Egito e da Mesopotâmia. Portanto, concluem os
autores, não surpreende a inexistência de referências a Davi e a Salomão nos escassos textos
egípcios e mesopotâmicos que lhes foram contemporâneos.
Apontam Finkelstein e Silberman200 que, mesmo assim, no verão de 1993, no sítio bíblico
de Tell-Dan, ao norte de Israel, descobriu-se um fragmento de artefato que mudaria para sempre a
natureza do debate, que foi a inscrição “Casa de Davi”, parte de um monumento de basalto negro,
encontrado quebrado e reutilizado em um estrato posterior como pedra de construção. Conforme
os pesquisadores, o monumento estava escrito em aramaico, a língua dos reinos arameus na Síria,
e relatava detalhes de uma invasão de Israel por um rei arameu, cujo nome não é mencionado nos
pedaços achados até agora. Mas, segundo os autores, dificilmente se pode questionar que o
fragmento conta a história do ataque de Hazael, rei de Damasco, ao reino de Israel, ao norte, por
volta de 835 a.C. Relatam os pesquisadores que esta guerra ocorreu na época em que Israel e
Judá “eram reinos separados” (pois tudo indica que sempre foram), e o resultado foi uma amarga
derrota para ambos.

199
Ibidem, p. 181-182.
200
Ibidem, p. 182.
119
Os escritores201 indicam que a parte mais importante da inscrição é a descrição ostentosa de
Hazael a respeito de seus inimigos: “(Eu matei Jo)rão filho de (Acabe) rei de Israel, e (eu) matei
(Acaz)iahu filho do (rei Jorão) da Casa de Davi. E eu coloquei (suas cidades em ruínas e
transformei) sua terra em (desolação)”.
De acordo com Finkelstein e Silberman202, este é um indício dramático da fama da dinastia
de Davi, menos de cem anos após o reinado de Salomão, filho de Davi, de acordo com a narrativa
bíblica. Para os autores, o fato de o reino de Judá (ou talvez a sua capital Jerusalém) ser referido
com apenas uma menção à dinastia reinante é evidência clara, na opinião dos autores, de que a
reputação de Davi não foi invenção literária de um período bem posterior. Além disso, segundo
os estudiosos, o erudito francês André Lemaire sugeriu, na época da edição do livro dos
pesquisadores, em 2001, que uma referência semelhante à casa de Davi pode ser encontrada na
famosa inscrição da Estela de Tell-Dan203, do século IX a.C. Portanto, concluem os autores que a
casa de Davi era conhecida em toda a região, o que confirma, na visão dos estudiosos, a descrição
bíblica de uma figura chamada Davi, que se tornou fundador de uma dinastia de reis judaicos em
Jerusalém.
A inscrição de Tell-Dan é considerada como fonte extrabíblica e confirma a existência da
Casa de Davi, e do reinado de Davi, porém, não existem confirmações (e nem existirão, pelo que
tudo indica até o momento), dos reinos comandados por Davi e Salomão como grandes impérios.
Concluem Finkelstein e Silberman204 que a questão que se tem de enfrentar, portanto, não é
mais sobre a mera existência de Davi e Salomão, de acordo com o ponto de vista dos autores,
mas sim, a necessidade de analisar se as arrebatadoras descrições da Bíblia a respeito de grandes
vitórias militares de Davi e notáveis projetos de construção de Salomão são consistentes com as
evidências arqueológicas.

201
Ibidem, p. 182.
202
Ibidem, pp. 182-183.
203
Aqui houve um equívoco na obra de Finkelstein e Silberman, que aponta a Estela do rei moabita Mesha como a
primeira referência extrabíblica a indicar a existência da Casa de Davi, o que não é verídico, pois a Estela de Mesha
indica a referência extrabíblica para a existência da Casa de Omri, no Reino do Norte.
204
Ibidem, p. 183.
120
1.2 Em Busca da Jerusalém do Templo

Durante séculos, afirmam os autores205, a imagem de Jerusalém no tempo de Davi e, mais


ainda, no tempo do seu filho Salomão tem sido assunto para criação de mitos e fantasia, pois
peregrinos, cruzados e visionários de toda espécie espalharam histórias fabulosas e lendárias
sobre a grandeza da cidade de Davi e do Templo de Salomão. Portanto, consideram os
pesquisadores, não foi por acidente que os remanescentes desse Templo situavam-se entre os
primeiros desafios enfrentados por arqueólogos bíblicos no século XIX, pois a busca dificilmente
seria simples e pouco produtiva, em geral, em virtude da natureza do sítio.
Segundo os conhecimentos dos estudiosos206, Jerusalém, habitada continuamente e muito
reconstruída, situa-se em uma depressão oblonga a leste da bacia hidrográfica das montanhas da
Judeia, bem perto da margem do deserto de mesmo nome. Relatam os autores que, no centro de
sua parte histórica está a Cidade Velha, circundada por muralhas otomanas; e o quarteirão cristão,
por sua vez, está localizado a noroeste da Cidade Velha, em torno da igreja do Santo Sepulcro.
De acordo com os dados dos pesquisadores, o quarteirão judaico fica no sudoeste, diante do
Muro das Lamentações e do monte do Templo, que cobre o lado mais a leste da cidade otomana,
e para o sul do monte do Templo, fora das muralhas da cidade otomana, estende-se a escarpa
longa, estreita e relativamente baixa da cidade de Davi, o velho cômoro da Jerusalém da Idade do
Bronze e da antiga Idade do Ferro, que por sua vez está isolado nas colinas vizinhas por duas
ravinas; é a ravina do leste, o vale Kidron, que separa a vila de Siloam, na qual se situa a
principal fonte de água da Jerusalém bíblica, a fonte de Gion.
Afirmam os pesquisadores207 que Jerusalém foi escavada repetidas vezes – e com um
período de investigações intensas, em particular, dos remanescentes das idades do Bronze e do
Ferro, nas décadas de 1970 e 1980, sob a direção de Yigal Shiloh, da Universidade Hebraica – na
cidade de Davi, coração urbano original de Jerusalém. Surpreendentemente, de acordo com os
autores, como indicou um arqueólogo da Universidade de Tel Aviv, David Ussishkin, o trabalho
de campo ali, e em outras partes da Jerusalém bíblica, não produziu evidência significativa de
ocupação no século X a.C. Conforme os estudiosos, não existem sinais de arquitetura

205
Ibidem, pp. 186-187.
206
Ibidem, p. 187.
207
Ibidem, pp. 187-188.
121
monumental, nem de fragmentos de cerâmica mais comum, pois os autores ressaltam que os tipos
de cerâmica do século X a.C., que são característicos em outros sítios, são raros em Jerusalém.
Segundo os estudos de Finkelstein e Silberman, alguns eruditos (aos quais os autores não se
referem), argumentaram que as construções maciças posteriores em Jerusalém apagaram todos os
outros traços da cidade antiga, e, mesmo assim, escavações na cidade de Davi revelaram achados
impressionantes da Idade do Bronze Média e dos últimos séculos da Idade do Ferro, mas nada do
século X a.C. Para os estudiosos, a análise mais otimista sobre tal evidência negativa é de que a
cidade de Jerusalém, no século X a.C., era limitada em extensão e talvez nada mais que uma
típica aldeia de região montanhosa. Mais uma vez, não há dado arqueológico que legitime as
obras de Davi e de Salomão conforme o relato bíblico.
Conforme a percepção dos autores208, tal avaliação modesta se entrosa bem com o padrão
bastante escasso de assentamento do resto do reino de Judá no mesmo período, formado de
apenas cerca de vinte pequenas aldeias e uns poucos milhares de habitantes, muitos dos quais
eram pastores nômades. De fato, atentam os estudiosos, é altamente improvável que essa região
pouco povoada de Judá e a pequena aldeia de Jerusalém pudessem ter se transformado no centro
de um grande império, que se estendia do mar Vermelho, no sul, até a Síria, no norte.
No caso de o homem mais carismático dentre todos os reis ter mesmo congregado os
homens e as armas necessárias para conquistar e manter o domínio sob territórios tão vastos,
afirmam os autores que não existe nenhuma indicação arqueológica da riqueza, do efetivo e do
nível de organização que seriam exigidos para apoiar grandes exércitos – mesmo que por breve
período de tempo – em um campo de batalha. Os pesquisadores questionam se ainda que os
relativamente poucos habitantes de Judá tivessem sido capazes de realizar ataques repentinos e
fulminantes nas regiões vizinhas, por um acaso, poderiam ter condições e capacidade de
administrar o extenso e ambicioso império de Salomão, o filho de Davi.
Em súmula, os autores não colocam com estas palavras, mas para Finkelstein e Silberman,
em termos arqueológicos, as conquistas por Davi e o crescimento de Jerusalém por Salomão não
passam de “conversa fiada” ou “balela”.

208
Ibidem, p. 188.
122
1.3 Os Estábulos, Cidades e Portões do Rei Salomão

Finkelstein e Silberman209 afirmam que o cerne do debate não ocorreu sobre a evidência
das conquistas de Davi, mas sobre sua consequência. Segundo os estudiosos, na questão de
Salomão ter estabelecido glorioso domínio sobre o reino conquistado por Davi, embora não
exista traço do Templo de Salomão e o palácio de Jerusalém jamais tenha sido identificado,
existiam muitos outros lugares para os estudiosos procurarem. Conforme os autores, a narrativa
bíblica descreve a reconstrução das cidades de Megiddo, Hazor e Gezer ao norte por Salomão (1
Reis 9,15). Quando uma dessas cidades, Megiddo, foi escavada por uma expedição do Instituto
Oriental da Universidade de Chicago, nas décadas de 1920 e 1930, que encontrou alguns dos
mais impressionantes remanescentes da Idade do Ferro, que foram atribuídos a Salomão.
Segundo os estudos dos pesquisadores210, a cidade de Megiddo, localizada em um ponto
estratégico no qual uma estrada internacional do Egito, no sul, até a Mesopotâmia e a Anatólia,
no norte, desce das colinas para o vale de Jezrael, Megiddo era uma das cidades mais importantes
do Israel bíblico. Afirmam os autores que, além do livro de 1 Reis 9,15, ela também é
mencionada em 1 Reis 4,12 na lista dos distritos do estado salomônico. Informam os estudiosos
que o nível da cidade, chamado estrato IV – o último a ser quase totalmente exposto na área do
antigo cômoro –, continha dois conjuntos de grandes prédios públicos, cada um formado por uma
série de câmaras longas, ligadas umas às outras numa fileira. Conforme as pesquisas de
Finkelstein e Silberman, cada uma das câmaras individuais dividia-se em três corredores
estreitos, separados um do outro por uma divisória de paredes baixas de pilares de pedra e
cochos.
Afirmam os autores que um dos diretores da expedição, P.L.O. Guy, identificou esses
edifícios como estábulos, datados do tempo de Salomão, e foi reconhecido por sua interpretação
se basear na descrição bíblica das técnicas de construção salomônicas em Jerusalém (1 Reis
7,12), na referência específica às atividades de construção de Salomão em Megiddo, em 1 Reis
9,15, e na menção das cidades salomônicas de bigas e cavaleiros, em 1 Reis 9,19. Apontam os
autores que Guy resumiu, dessa forma, sua identificação: “Se nos perguntarmos quem, em
Megiddo, imediatamente depois da derrota dos filisteus pelo rei Davi, construiu uma cidade com

209
Ibidem, pp. 190-191.
210
Ibidem, p. 192.
123
tantos estábulos, com a ajuda de habilidosos pedreiros estrangeiros, eu acredito que
encontraremos a resposta na Bíblia (...) se lermos a história de Salomão, seja nos livros dos Reis
ou nas Crônicas, ficamos espantados pela frequência com que as bigas e os cavalos são citados”.
Continuam os pesquisadores que a evidência aparente da grandeza do império salomônico
foi intensificada, de modo significativo, na década de 1950, com as escavações de Yigael Yadin,
em Hazor, que, por sua vez, em conjunto com a sua equipe, descobriu uma grande cidade
pertencente à Idade do Ferro e com um planejamento peculiar: havia uma torre e três câmaras de
cada lado do portão, a originar, nesse caso, a expressão “portão das seis câmaras”. Ressaltam os
estudiosos que Yadin ficou estupefato, pois um portão semelhante – tanto no desenho quanto no
tamanho – fora descoberto vinte anos antes pela equipe do Instituto Oriental, da Universidade de
Chicago, em Megiddo. Talvez, segundo os autores Finkelstein e Silberman, fosse esse o sinal, e
não os estábulos, da presença de Salomão nas terras de Israel.
Relatam os estudiosos211 que, dessa forma, Yadin foi escavar Gezer, a terceira cidade
mencionada em 1 Reis 9,15, como a ser construída por Salomão, mas não em campo, na
biblioteca, pois Gezer tinha sido escavada no começo do século pelo arqueólogo britânico R.A.S
Macalister. Conforme os autores, enquanto folheava as páginas dos relatórios de Macalister,
Yadin ficou perplexo e pasmo, pois no plano de um edifício que Macalister tinha identificado
como um ‘castelo macabeu’, datado do século II a.C., Yadin pôde facilmente reconhecer no
contorno dos lados o mesmo tipo de estrutura de portão encontrado em Megiddo e em Hazor.
Consequentemente, segundo a narrativa dos estudiosos, Yadin não hesitou, e veio diretamente a
argumentar que um arquiteto real de Jerusalém desenhara um plano-mestre para as cidades
muradas de Salomão, e que esse plano-mestre tinha sido utilizado nas cidades provinciais. O
argumento de Yadin diz isso da seguinte forma:

Não existe exemplo na história da arqueologia em que uma passagem bíblica tenha
ajudado dessa maneira a identificar e datar estruturas em vários montes artificiais,
formados por restos de antigas povoações, na Terra Santa, como essa do livro de 1 Reis
9,15 (...) Nossa decisão de atribuir aquela camada (em Hazor) a Salomão foi baseada
primariamente na passagem 9,15 do livro 1º Reis, na estratigrafia e na cerâmica. Mas
quando, além disso, encontramos naquele estrato um portão de ‘seis camadas’, duas

211
Ibidem, pp. 193-194.
124
torres, conectado à casamata da muralha, idêntico em plano e nas medidas ao portão de
Megiddo, tivemos certeza de que tínhamos identificado com êxito a cidade de Salomão.

Ressaltam Finkelstein e Silberman213, ainda, que as descobertas salomônicas de Yadin não


tinham terminado, pois no começo da década de 1960, ele foi a Megiddo com uma pequena
equipe de estudantes a fim de analisar e esclarecer a uniformidade dos portões salomônicos, que
em Gezer e em Hazor eram conectados à casamata oca da fortificação, mas que só em Megiddo
ligava-se a uma parede sólida. Yadin, segundo os pesquisadores, tinha certeza de que a equipe de
escavação de Megiddo tinha atribuído, erroneamente, a parte sólida ao portão, a deixar escapar
uma casamata subjacente na parede. De acordo com os estudiosos, como o portão havia sido
completamente descoberto pela equipe da Universidade de Chicago, Yadin escolheu escavar o
lado leste desse portão, no qual a equipe estadunidense havia localizado um aparente conjunto de
estábulos, atribuídos a Salomão.
Atentam Finkelstein e Silberman214 que aquilo que Yadin encontrou revolucionou a
arqueologia bíblica por uma geração. Sob os estábulos, relatam os pesquisadores, Yadin
descobriu os remanescentes de um belo palácio, a medir 558 metros quadrados, construído com
grandes blocos de cantaria; segundo os estudiosos, estava edificado na extremidade norte do
cômoro e conectado a uma fileira de salas, que Yadin interpretou ser a desaparecida casamata
murada, ligada ao portão de seis câmaras. Continuam os autores que, um palácio mais ou menos
semelhante, da mesma forma construído com belos blocos revestidos, tinha sido descoberto pela
equipe do Instituto Oriental no lado sul do cômoro e também jazia sob a cidade de estábulos.
Segundo os estudiosos, o estilo arquitetônico dos dois edifícios era intimamente análogo a
um estilo diferenciado e comum aos palácios da Síria na Idade do Ferro, conhecidos com bit
hilani, os quais consistiam de entrada monumental e fileiras de pequenas câmaras em torno de
uma sala oficial de recepção. Ressaltam os autores que esse estilo teria sido, portanto, apropriado
para uma residência de um funcionário local, talvez o governador regional, Baana, filho de Ailud
(1 Reis 4,12). Continuam Finkelstein e Silberman que, um estudante da equipe de Yadin, já
referido anteriormente, David Ussishkin, comprovou de imediato a conexão desses edifícios com

213
Ibidem, p. 194.
214
Ibidem, p. 195.
125
Salomão, a demonstrar que a descrição bíblica do palácio que Salomão construíra em Jerusalém
cabia perfeitamente para os de Megiddo.
Conforme a observação dos pesquisadores, a conclusão parecia inevitável, pois os dois
palácios e o portão representavam a presença de Salomão em Megiddo, enquanto os estábulos
pertenciam efetivamente a uma cidade posterior, construída pelo rei Acab, do reino de Israel, no
começo do século IX a.C. Afirmam os autores que esta última conclusão constitui alicerce
fundamental na teoria de Yadin, já que uma inscrição assíria do século IX descrevia a tropa de
bigas do rei Acab de Israel.
215
No raciocínio de Finkelstein e Silberman , para Yadin e muitos outros, a arqueologia
parecia servir à Bíblia mais acuradamente do que nunca, pois a Bíblia descreveu a expansão
territorial do rei Davi: de fato, para os estudiosos, antigas cidades de Canaã e da Filisteia tinham
sido destruídas pelo fogo por todo o país, e a própria Bíblia contou as atividades de construção de
Salomão em Hazor, Megiddo e Gezer; seguramente, afirmam os estudiosos, os portões similares
revelaram que as três cidades foram construídas ao mesmo tempo, com um plano unificado.
Ainda acentuam os pesquisadores que a Bíblia afirma que Salomão foi aliado de Hirão, rei de
Tiro, e que ele era grande construtor; de fato, ressaltam os autores, os magníficos palácios de
Megiddo mostram relações com o norte em sua arquitetura e eram os prédios mais bonitos
achados no estrato da Idade do Ferro, em Israel.
Continuam os autores216 que, por muitos anos, os portões de Salomão simbolizaram o mais
importante suporte da arqueologia para a Bíblia. Mesmo assim, conforme o pensamento dos
pesquisadores, questões básicas de lógica histórica posteriormente enfraqueceram o seu
significado, pois em nenhum outro lugar da região – da Turquia Oriental ao norte, através da
Síria, até a Transjordânia, ao sul – existia algum sinal de instituições reais desenvolvidas de
modo tão similar ou em construções monumentais no século X a.C. Conforme foi visto, ressaltam
os autores, a terra natal de Davi e de Salomão, em Judá, era conspicuamente subdesenvolvida, e
não existe nenhuma evidência de riqueza de um grande império, gerada e a fluir dali.
E, de acordo com os estudiosos, há um problema cronológico ainda mais perturbador, que
os palácios de bit hilani da Idade do Ferro na Síria – que supostamente seriam os protótipos para
os palácios de Salomão em Megiddo – aparecem pela primeira vez na Síria no século IX a.C.,

215
Ibidem, p. 196.
216
Ibidem, pp. 196-197.
126
pelo menos meio século depois do tempo de Salomão, e aparentemente, não é possível que os
arquitetos de Salomão fizessem uso de um estilo arquitetônico ainda desconhecido. Finalmente,
concluem Finkelstein e Silberman, existe a questão do contraste de Megiddo e Jerusalém, há a
questão se por um acaso um rei que construiu palácios fabulosos de cantaria numa cidade
provincial tenha governado uma pequena aldeia, remota e subdesenvolvida. Como veio a
acontecer, conforme os pesquisadores, conhece-se agora que a evidência arqueológica para a
vasta extensão das conquistas de Davi e para a grandeza do reino de Salomão resultou de datas
erradas e incorretamente determinadas como será apresentado a seguir.
Conforme estas observações de Finkelstein e Silberman, apenas levantam críticas das
tentativas de legitimação da existência de Salomão através de obras nas quais os arqueólogos
afirmavam, sem titubear a autoria de Salomão, o que será desdobrado no próximo item.

1.4 A Questão das Datas

Segundo os estudos de Finkelstein e Silberman217, a identificação dos remanescentes do


período de Davi e de Salomão – e, de fato, de reinados dos monarcas que os sucederam no século
seguinte – fundamentava-se em duas classes de evidência:
1ª) O fim da cerâmica filisteia característica (datado em torno de 1000 a.C.) estava
rigorosamente vinculado às conquistas de Davi.
2ª) A construção dos portões monumentais e dos palácios em Megiddo, Hazor e Gezer
estava relacionada com o reinado de Salomão.

De acordo com os autores, nos últimos anos, ambos os apoios começaram a desmoronar,
pois:
Em primeiro lugar, afirmam ambos os pesquisadores, não é mais possível ter certeza de que
a característica cerâmica filisteia não tenha continuado pelo século X a.C. – muito tempo após a
morte de Davi – e, consequentemente, não teria utilidade para o propósito de datar e, muito
menos, de atestar as supostas conquistas de Davi;

217
Ibidem, pp. 197-198.
127
E, em segundo lugar, renovadas análises dos estilos arquitetônicos e das formas de
cerâmica nos famosos níveis de Salomão, em Megiddo, Hazor e Gezer indicam que pertencem,
verdadeiramente, ao começo do século IX a.C., décadas depois da morte de Salomão.
Os pesquisadores218 apontam para uma terceira classe de evidência, que é a das técnicas de
datação mais precisas de laboratório, com carbono 14, que aparenta decidir agora esse caso. De
acordo com os estudiosos, até pouco tempo atrás, ou seja, pouco antes de 2001, era impossível
utilizar a datação com radiocarbono para períodos relativamente modernos, como a Idade do
Ferro, porque sua ampla margem de probabilidade com frequência estendia-se além de um século
ou mais. Porém, relatam os autores que com os aperfeiçoamentos e refinamentos do sistema de
datação com carbono 14 reduziram progressivamente a margem de incerteza e,
consequentemente, um número de amostras de importantes localidades incluídas no debate sobre
o século X a.C. foi testado e parece fortalecer a nova cronologia.
Indicam Finkelstein e Silberman219 que o sítio em Megiddo, em particular, gerou algumas
contradições assombrosas para as interpretações consagradas, pois quinze amostras de madeira
foram retiradas das grandes vigas do telhado que desmoronou no terrível incêndio e na destruição
atribuída a Davi. Na visão dos autores, como algumas das vigas poderiam ter sido usadas em
edifícios anteriores, apenas as últimas datas nas séries poderiam indicar, com segurança, quando
tinham sido construídas as estruturas. De fato, atentam os estudiosos, a maioria das amostras foi
atribuída ao século X a.C., muito tempo depois da época de Davi. Os palácios imputados a
Salomão, construídos duas camadas sobre a destruição, teriam sido edificados muito tempo
depois.
Segundo os estudiosos220, a confirmação dessas datas ocorreu por testes do estrato paralelo,
em lugares proeminentes como Tel Dor, na costa mediterrânea, e em Tel Hadar, na costa do mar
da Galileia. Afirmam os pesquisadores que análises e leituras isoladas de vários outros sítios bem
menos conhecidos, com Ein Hegit, perto de Megiddo, e Tel Kenneret, na costa norte do mar da
Galileia, também confirmaram essas datas. Por fim, concluem os autores, uma série de amostras
da destruição de um estrato em Tel Rehov, próximo a Belém, contemporâneo da cidade de
Megiddo, supostamente construído por Salomão, confirmou as datas de meados do século IX
a.C., muito tempo depois de sua noticiada destruição pelo faraó Sisac (ou Sheshonq) em 926 a.C.
218
Ibidem, p. 198.
219
Ibidem, p. 198.
220
Ibidem, p. 198.
128
Essencialmente, consideram Finkelstein e Silberman221, a arqueologia datou, de modo
equivocado, vários remanescentes dos períodos de Davi e de Salomão, com margem de erro de
um século inteiro, e os achados pertencentes à época um pouco anterior a Davi, no final do século
XI, são de meados do século X, e aqueles datados da época de Salomão pertencem ao começo do
século IX a.C. Afirmam os autores que as novas datas situam o aparecimento das estruturas
monumentais, das fortificações e de outros sinais de um Estado bem organizado precisamente na
mesma época que apareceram, pela primeira vez, no Levante, as quais retificam a disparidade das
datas entre as estruturas dos palácios bit hilani em Megiddo e seus paralelos na Síria, e,
finalmente, permitem, compreender por que os achados do século X em Jerusalém e em Judá são
tão escassos. Concluem os estudiosos que a razão é que Judá, naquele tempo, ainda era uma
região remota e subdesenvolvida.
A resumir, tanto a cerâmica filisteia, cujo fim é atribuído a Davi, quanto os portões
atribuídos a Salomão, como construções, não são obras de Davi e Salomão, tampouco de suas
respectivas supostas épocas, e são datadas de um século após. Pela análise arqueológica, não se
pode atribuir nada nem a Davi, nem a Salomão vinculado ou à cerâmica filisteia ou aos portões
de Meggido.

2. Teoria de Mario Liverani

A teoria de Mario Liverani é muito distinta da teoria apresentada por Finkelstein e


Silberman, pois ela muda o enfoque do Templo pré-exílico, pois, para o autor, o pensamento
monárquico já é derrotado, e o mais vitorioso se tornou o sacerdotal, de acordo com a introdução
que será exposta a seguir, a enfatizar o Templo monárquico do reino de Judá como construção
posterior ao exílio, ao ponto de não dar grande ênfase ao contexto josiânico.

221
Ibidem, p. 199.
129
2.1 Templos do Território de Israel e Templos Babilônicos

Segundo as pesquisas do estudioso222, a opção da monarquia, com a sua perspectiva de um


reino poderoso e pan-israelita, era mero desejo, pois na realidade, para o autor, a linhagem real
não tinha mais nenhum estímulo propulsivo, um reino independente era incompatível com a
situação imperial e os sobreviventes provinham somente de Judá e de Benjamim. Para o
pesquisador, os desejos às vezes vencem, mas, neste caso, tratava-se de um desejo retrógrado,
conservador, baseado na tentativa de voltar a um passado anacrônico. No raciocínio do autor, o
desejo monárquico foi vencido por outro desejo, o sacerdotal, projetado no futuro e apoiado com
grande determinação. Na teoria, percebe o estudioso, propugnava um reino direto de Yahweh:
yhwh mäläk – %l'm'â hw"åhy ., Yahweh malak, “Deus reina”, como dizem os salmos já régios,
readaptados à nova ideologia:

Yahweh abre os olhos dos cegos,


Yahweh levanta os que esmorecem,
Yahweh ama os justos,
Yahweh protege os migrantes.
Ele dá apoio ao órfão e à viúva,
mas confunde os passos dos maus.
Yahweh reinará para sempre.
Ele é teu Adorado, Sião, de geração em geração. (Salmos 146,8-10)

Mas, na prática, afirma o autor223, o reino de Yahweh realizar-se-ia ao conferir ao


sacerdócio um papel político e ao configurar a comunidade judaica como uma cidade-templo –
uma solução totalmente inovadora na história da Judeia. Aqui o pesquisador traz o reino como
Reino de Yahweh, não reino de reis que só colocam os homens em apuros e riscos.
De acordo com o estudioso224, na Judeia e em todo o Levante, os templos sempre tiveram
um papel nitidamente cultual, como “casas” de vários deuses citadinos, destinadas, portanto, à
sua habitação. Para o autor, os templos tinham uma dimensão reduzida, uma estrutura
arquitetônica simples (na sequência, vestíbulo, sala, sacelo), e sobretudo não era circundados por
222
LIVERANI, M. op. cit., p. 393.
223
Ibidem, p. 394.
224
Ibidem, p. 394.
130
anexos (armazéns, lojas, arquivos, habitações do clero), que eram habituais no Egito ou na
Mesopotâmia, ou também na Anatólia, e naquelas regiões faziam do templo um centro de
redistribuição, célula básica para a economia do país.
Conforme os estudos do autor225, o templo siro-israelita não desempenhava um papel
político por ser uma espécie de “anexo” do palácio real, no âmbito de uma complexa organização
que geria apenas as atividades cerimoniais do culto que a cidade prestava à sua ou às suas
divindades. Os sacerdotes, conforme o pesquisador explana, eram uma das categorias de
dependentes palatinos, e do rei recebiam seu sustento, o que não impedia que a gestão do culto
tivesse recaídas políticas. Pelo contrário, observa o autor, a classe dos sacerdotes tinha recaídas
fortíssimas, ao garantir ao rei a adesão popular, e ao povo a segurança de um bom relacionamento
entre os seus dirigentes humanos e as divindades. Porém, ressalta o estudioso, tal funcionalidade
política do templo, por ser o clero diretamente dependente do rei (e a ser o rei protagonista em
pessoa das maiores cerimônias religiosas), era de fato controlada e ofuscada pelo próprio rei. O
contexto que o pesquisador retrata é o do papel do clero sobre o rei, pois nessa época o clero era
praticamente sustentado pelo rei.
Conforme os conhecimentos do estudioso226, também na vida econômica, o templo
desenvolvia certo papel, não de tipo produtivo, mas cerimonial. Para o autor, o templo não
possuía terras, não possuía grupos de escravos rurais; mas acolhia festas (talvez com feiras
anexas) e administrava sacrifícios com o afluxo das contribuições e das vítimas e com a
repartição das carnes entre os participantes. Relata o pesquisador que o Templo recebia ofertas
que em parte eram entesouradas (o templo era o “tesouro” do palácio) e em parte utilizadas nos
preparativos da atividade cerimonial que escandia os ritmos de vida da comunidade. De acordo
com o autor, a participação popular nas atividades do culto poderia ser muito ampla, mas ficava
fora do templo, que não tinha pátios ou outros espaços adequados para receber a presença dos
fiéis. Ou seja, o templo sempre teve um papel financeiro importante, principalmente na época do
rei.
Segundo o autor227, na Babilônia, os exilados estiveram em contato com um modelo bem
diferente de templo. Para o estudioso, os templos da Babilônia e da Borsipa, de Nippur e de Uruk
eram organizações bem complexas, dotadas de um poder econômico e político relevante. De
225
Ibidem, p. 394.
226
Ibidem, p. 394.
227
Ibidem, pp. 394-395.
131
acordo com as pesquisas do autor, as estruturas arquitetônicas eram imponentes, pois além da
“casa de deus”, a cela que abrigava a estátua da divindade, de dimensões relativamente reduzidas,
o complexo do templo compreendia a série de anexos a que se fez referência. Relata o
pesquisador que havia amplos armazéns para a colheita, que seriam reutilizados, seja para os
trabalhos de manutenção dos canais, seja para a manutenção dos dependentes, seja para a
redistribuição sob forma de empréstimos a juros privilegiados. Conforme o autor, havia lojas de
artesãos, escolas de escribas e residências sacerdotais, e o templo comportava amplos pátios para
o acesso dos fiéis. Nas pesquisas do estudioso, sacerdotes e escribas do templo compunhm uma
verdadeira classe dirigente que administrava a economia da cidade e do território –
especialmente, afirma o autor, para as cidades (até importantes) que não eram a capital e,
portanto, não tinham um palácio real.
Informa o pesquisador228 que a tradição da “cidade-templo” remontava ao mundo
sumeriano do terceiro milênio (e até mesmo ao “Uruk tardio”, do quarto milênio), mas era vital,
de acordo com o autor, para toda a história da baixa Mesopotâmia. Afirma o estudioso que, no
período neobabilônio, pois, a história fora ulteriormente revitalizada, a serem os templos as
agências propulsivas e diretivas daquele processo de recolonização agrícola que caracterizou o
período.
Em particular, para o autor, pelos textos administrativos de Uruk, no período entre o fim da
dinastia neobabilônica e o início do domínio persa, conhece-se o volume enorme das
propriedades agrícolas do templo (conforme Liverani, calcula-se que a Eana possuía a grande
parte do território irrigado e cultivado de Uruk), as modalidades de gestão, o peso na economia (a
“décima”), prebendas para os serviços cultuais, aquisições votivas de pessoal (como “oblatos”:
širku, feminino širkatu) pelo desenvolvimento do trabalho de baixo nível. Conforme o autor,
também eram politicamente relevantes as “isenções” ou “privilégios autonomistas” (kidinùttu)
que os reis babilônios conferiram às cidades dos templos e que os aquemênidas fizeram uso, ao
ver nisso um bom modo de administrar grandes comunidades citadinas em um justo equilíbrio
entre autonomia local e dependência imperial.
Percebe o autor229 que ao voltar a Jerusalém para reconstruir o velho templo salomônico, o
clero judaico (“sadoquita”, pois descendente de Sadoc, sacerdote de Davi) tinha em mente esse

228
Ibidem, p. 395.
229
Ibidem, p. 395.
132
modelo, que estava em função das relações com os imperadores, supria as fraquezas da
monarquia davídica restante e assegurava aos próprios sacerdotes o modo de administrar a nova
comunidade judaica até nas decisões políticas e, sobretudo, nas orientações legislativas e sociais.
Ou seja, após o retorno do exílio, os escribas teriam mais base para descrever um templo
grandioso conforme as referências que eles tinham dos templos da Babilônia e da Borsipa, de
Nippur e de Uruk. Portanto, as ilustrações do Templo cuja construção é atribuída ao rei Salomão
são posteriores, de origem Sacerdotal, inseridas no documento Deuteronomista no período pós-
exílico.

2.2 O Mito do “Primeiro Templo”

Nas palavras de Liverani230, conforme acontece muitas vezes em casos semelhantes, um


projeto fortemente inovador é formulado e apresentado como um retorno às origens, a assumir
como modelo o templo salomônico e a dirigir também o esforço historiográfico à demonstração
da centralidade – ideológica e histórica – daquele templo através de toda a história de Israel. De
acordo com o autor, ao fazer isso, a historiografia deuteronomista havia já traçado as linhas
mestras desde seus inícios no tempo de Josias e sua reforma de centralização do culto de Yahweh
no templo de Jerusalém, e desde então se formara a tradição histórica relativa.
Segundo o autor, Josias, porém, rei verdadeiro e ambicioso, não podia senão raciocinar
conforme os modelos locais de subordinação do templo ao rei, e, consequentemente, concebia o
templo como um anexo do palácio e a centralização como modo de eliminar templos
potencialmente rivais, mais fáceis de escapar ao controle régio. Conforme o pesquisador, o sumo
sacerdote Josué, que retornou a Jerusalém com Zerubabel para reconstruir o templo e refundar a
comunidade, já devia ter claro na mente o novo modelo e pelo menos algumas de suas
implicações de incremento econômico e hegemonia política em função antimonárquica. No fim
da trajetória, atenta o autor, basta confrontar a história de Judá como narrada pelo
Deuteronomista e pelo Cronista para perceber a passagem da ênfase da história de uma dinastia
régia para a história de um templo.

230
Ibidem, p. 396.
133
No raciocínio do estudioso231, o projeto dos sobreviventes, em seu aspecto de construção,
encontra sua mais vistosa concretização na descrição do templo e do palácio salomônico (1 Reis
6-7). Acredita o autor que a própria dimensão do complexo é tal que resulta dificilmente situável
na Jerusalém do século X a.C.; ressalta o pesquisador que, segundo as dimensões fornecidas pelo
livro dos Reis, a construção palatina cobre 1.000 metros quadrados, mas com os espaços de
circulação e reservados, e com um fechamento fortificado, acabaria a ocupar uma boa metade da
“cidade de Davi”. Nota o autor que a construção do templo é de dimensões análogas à palatina,
mas com o “pátio interno” se chega a um hectare, e se havia também um pátio externo, chegava-
se a cobrir por inteiro a área que depois seria a do segundo templo.
Afirma o autor232 que não é somente a dimensão do palácio que é pouco confiável para o
período salomônico, pois um palácio real na Jerusalém do século X a.C. devia ser estruturado
com base no modelo dos últimos palácios do Bronze recente (conforme o de Megiddo) ou talvez
no modelo dos bit hilani sírios (como os de Zincirli). O estudioso atenta que se descreve, porém
(1 Reis 7,1-8), uma estrutura totalmente diferente, pois há uma vasta sala sustentada por quatro
filas de colunas (a chamada “Floresta do Líbano”, devido às colunas de cedro) e dois corpos
menores nos lados curtos, em que de um lado tem-se o vestíbulo para as atividades cerimoniais
(judiciárias e de recepção) e de outro a habitação privada do rei, a ter em frente a da rainha.
Segundo o autor, basta fazer a planta deste esquema para constatar que temos a descrição
de um palácio real aquemênida, centrado na grande sala de colunas, chamada apadäna. O palácio
real que se atribui a Salomão, afirma o pesquisador, é na realidade o projeto de um palácio em
estilo persa, com data entre os séculos VI e V a.C., semelhante na estrutura aos de Susa e
Persépolis.
Para o estudioso233, o templo (1 Reis 6,2-22), de forma alongada, a ter em continuidade um

vestíbulo (´ùläm – ~l'îau,) de 20 côvados234 por 10), um ambiente principal (hêkal – lk;îyhe, de 20
231
Ibidem, p. 396.
232
Ibidem, p. 396-397.
233
Ibidem, pp. 397-398.
234
“Côvado” deriva do latim, cúbitus=cúbito, que por sua vez foi a denominação antiga do maior osso do antebraço,
a ulna, que, na posição anatômica (membros superiores estendidos para baixo e palmas das mãos voltadas para
frente), se localiza no lado do antebraço mais próximo ao corpo (denominado lado medial), no lado do dedo mínimo.
O côvado foi uma medida de comprimento utilizada por diversas civilizações antigas, baseado no comprimento do
antebraço, da ponta do dedo médio (dactíleo) até o cotovelo (olécrano), estando este (o antebraço) em ângulo reto,
com as articulações do punho e do cotovelo estendidas e a mão aberta. No contexto da Antiguidade, um côvado
equivalia a um pé e meio, por volta de 45,72 centímetros.
134
côvados por 40) e um sacelo interno (Dübîr – rybiîD>, de 20 côvados por 20, a se supor ter dentro a
fabulosa e mítica arca de Yahweh com as não menos fabulosas e míticas tábuas da lei), respeita
os cânones da arquitetura do templo siro-israelita-judaíta, como seria de se esperar, dado o
conservadorismo dos edifícios de culto; mas, para o autor, o conjunto está incluído em um pátio
interno e presumivelmente em um pátio externo, que claramente, na visão do pesquisador,
reproduzem os grandes espaços murados dos santuários neobabilônios.
Relata o autor que a decoração arquitetônica – em particular os enormes capitéis e a
mobília interna, e as grandes alfaias cultuais em bronze, como sumariamente descritas no texto –
tem paralelos mais ou menos pertinentes em todo o período do Ferro, mas as dimensões parecem
suspeitas na perspectiva do autor, pois as enormes colunas e capitéis lembram modelos da
arquitetura do período persa mais que os do primeiro período do Ferro.
Atenta o autor235 que, certamente, os sobreviventes tinham vívida memória (e certamente,
enfatiza o estudioso, papéis de arquivo) do templo considerado original e procuraram reproduzi-
lo em seu projeto, anda que em dimensões aumentadas e com material de qualidade (todo de
pedra e de madeira, sem os tijolos crus que eram habituais nas fachadas do período salomônico).
Mas o “primeiro” templo que, segundo o pesquisador, eles tinham presente não era o de
Salomão; conforme o autor, era, sim, o que fora de novo fundado provavelmente por Josias e
destruído por Nebuzardan e pelas tropas neobabilônicas. Relata o autor que eles puderam (ou
quiseram) apenas imaginar que o templo tivesse ficado imutável por quatro séculos, da primeira
edificação até a destruição. Conforme o estudioso, basta lembrar que toda a vez que o
historiógrafo deuteronomista cita alfaias do templo cedidas como tributo ou por espólio define-as
sempre como “de Salomão”, como se fossem dotadas de sete vidas.
Observa o pesquisador236 que a descrição do livro dos Reis com sua mistura de memórias e
de projetos, de dados autênticos e anacrônicos, deve ser sempre avaliada como muito realista, se
somente confrontada com o projeto visionário e arquitetonicamente impossível enunciado por
Ezequiel (Ezequiel 40-44), esse sim, segundo o autor, todo projetado para o futuro, mas baseado
numa pluralidade e numa vastidão de pátios externos e de anexos funcionais para atividades
colaterais que o profeta só pode ter conhecido na Babilônia, mas que a imutabilidade sagrada do

235
Ibidem, pp. 398-399.
236
Ibidem, p. 399.
135
templo projeta tanto sobre o protótipo salomônico como sobre o templo novo ainda a ser
edificado.
O autor237 afirma que não há razão para duvidar que Salomão tivesse construído em
Jerusalém um templo de Yahweh, e tal empreendimento de construção deve ter constituído a base
mesma, originária e autêntica, de sua fama de rei-modelo, depois ornada de várias anedotas.
Segundo o estudioso, podiam existir uma ou mais inscrições do rei justo e sábio para celebrar a
memoranda construção, inscrições que ficaram à vista por séculos.
Conforme a narrativa do pesquisador, o templo, devidamente ornamentado, conheceu
depois todas as travessias que normalmente marcam a vida de um santuário, como o tesouro e as
alfaias depredados ou utilizados na necessidade, mas que depois foram reconstruídos com as
ofertas do rei e da população, e também estruturas de construção restauradas em função da
normal degradação ou depois de destruições ocasionais, mas também modificadas em conexão
com as mutáveis orientações do culto, como as capelas e os altares acrescentados ou tirados,
acesso dos fiéis regulado ou totalmente excluído. Considera o autor que, basta pensar nas
referências feitas pelos reis reformadores Ezequias e Josias, para entender que a arquitetura e a
funcionalidade do templo pré-exílico não eram nada imutáveis.
Segundo o estudioso238, a destruição de 587 a.C. foi descrita como radical e tal deve ter
sido nos limites das tecnologias destrutivas do tempo, pois o templo foi saqueado e queimado, e o
seu edifício ficou descoberto e com as paredes parcialmente destruídas. De acordo com o autor,
permaneceu, contudo, como lugar sagrado para os sobreviventes; e também, nos estudos do
pesquisador, a cidade tinha sido destruída por inteiro (muros, palácios, e até casas particulares),
mas continuaria habitada por squatters, que procuravam remediar do melhor modo possível as
ruínas. Nas observações do autor, uma referência de Jeremias (41,5) mostra que ali se
desenvolviam atividades cultuais também no período neobabilônico tão notórias que atraiam um
afluxo de fiéis das zonas circunstantes; e, para o estudioso, há quem imagine que o livro das
Lamentações fosse lido anualmente no lugar, para comemorar a destruição.
À pluralidade de cultos e de lugares de culto dominante na terra de Israel e de Judá até por
volta do fim do século VII a.C., nos estudos do pesquisador239, esta estivera restrita antes pelas
reformas de Josias, depois pelos acontecimentos do exílio e do retorno. Afirma o estudioso que,
237
Ibidem, p. 399.
238
Ibidem, p. 400.
239
Ibidem, pp. 403-404.
136
com base nos textos bíblicos, no período persa podia existir agora em todo interior da Judeia
somente o culto a Yahweh e somente na região, o templo de Jerusalém. Segundo o estudioso,
santuários de antiga respeitabilidade, como o de Betel, eram naquele momento memória passada,
pois tais santuários esparsos no território eram somente tolerados pela religião dominante como
lugares de memória sagrada, de ambientação rural, ligados a túmulos de patriarcas, a árvores
seculares, a estelas comemorativas – todos relidos em função da história pré-davídica do povo
eleito.
Conforme os conhecimentos do pesquisador240, para além das rígidas afirmações dos textos
bíblicos, todos escritos ou reescritos na óptica monoteísta de um só templo, os dados fornecidos
pela arqueologia mostram um quadro mais atenuado, mas de significativa confirmação. De
acordo com o autor, um mapa de distribuição dos templos do território de Judá no período persa
mostra uma difusão deles ao longo da costa (Makmish e Tel Mikhal) habitada pelos descendentes
dos filisteus e dos fenícios e administrativamente dependente das províncias de Tiro, de Dor, de
Ashdod e de Gaza. Ressalta o autor que, no interior, são conhecidos apenas dois dos templos na
Galileia (Mispe Iammim), fora do raio de contato com Jerusalém e de Samaria, mais próximo ao
interior de Tiro.
Considera o autor241 que as óbvias conexões que sempre existiram entre relação de
adoração às divindades, práticas cultuais (afluxo de fiéis ao santuário central) e controle político
foram ulteriormente enfatizadas pela configuração da nova cidade-estado que essa conexão
institucionalizava em formas e com uma força sem precedentes. Desse modo, conclui o estudioso
que era normal, por isso, que a província da Judeia, interior da cidade-estado de Jerusalém no
período persa, estivesse maciçamente orientada para o novo templo de Yahweh, que a literatura
denomina de “segundo templo”.
Nesta parte, o pesquisador explanou como houve o desdobramento das visões do escritor
Sacerdotal para o primeiro templo de Salomão. Algo que ainda é questionável é o fato de o
estudioso abrigar a literatura de composição exílica como Deuteronomista, pois no exílio, não há
o desejo de um rei que domine o seu povo. Entretanto, a questão de se criar um Templo
grandioso e atribuí-lo a Salomão, pode ser inserida nas obras Deuteronomistas sem pudor
nenhum, pois a construção de um Templo grandioso faz parte da exaltação do rei conforme o

240
Ibidem, pp. 403-404.
241
Ibidem, p. 404.
137
contexto deuteronomista. Assim, há um propósito em colocar o Templo grandioso em contexto
pós-exílico, que é o de buscar centralizar o poder dos sacerdotes sobre o Templo, o que será
desdobrado posteriormente.

3. Discussão das teorias sobre o Templo monárquico

As duas teorias apresentadas sobre o Templo monárquico do reino de Judá de Finkelstein e


Silberman e de Mario Liverani acompanham a atualidade e a contemporaneidade dos estudos
bíblicos, pois sem os referidos teóricos nos dias de hoje, o pesquisador não dá nenhum passo
adiante, e torna-se obsoleto.
Deve-se compreender que ambas as teorias possuem um mesmo fim, que é a análise crítica
e a negação dos relatos bíblicos através da não sustentação das fontes extrabíblicas. As diferenças
entre a teoria de Finkelstein e Silberman e de Mario Liverani são: que Finkelstein e Silberman
possuem formação em arqueologia, e praticamente todas as respostas que eles darão para a
negação dos relatos bíblicos encontram-se nos achados arqueológicos; ao passo que Mario
Liverani possui formação apenas em história e faz uso da literatura comparada para a negação da
originalidade dos relatos bíblicos.
Conhece-se que Israel Finkelstein é contra a posição denominada ultraminimalista, na qual
a composição da Bíblia se realizou após o retorno do exílio da Babilônia durante os períodos
persa e grego, caracterizada por desqualificar a historicidade dos eventos bíblicos através da
datação do denominado “testemunho religioso” em um período mais recente possível. Por esse
motivo, Finkelstein e Silberman defendem a composição Bíblica a partir do século VII a.C. Tal
posicionamento ultraminimalista é atribuído a Mario Liverani, mas não se deve ter nenhuma
paixão partidária por nenhum das duas perspectivas, pois ambos os instrumentais são válidos.
Compreende-se que a confirmação da literatura bíblica baseia-se na arqueologia
apresentada por Finkelstein e Silberman, e que a legitimidade dos discursos bíblicos não possui
nenhuma originalidade de acordo com o instrumental apresentado por Mario Liverani, pois pode
ser encontrada nas sociedades vizinhas dotadas do poder da escrita.
Ambas as teorias, apesar de possuírem origens distintas, negam o Templo cuja construção é
atribuída ao rei Salomão conforme os relatos bíblicos. Finkelstein e Silberman fazem utilização
138
da arqueologia para contrariarem o encontrado sobre o Templo nos livros dos Reis, ao passo que
Mario Liverani faz uma abordagem socioliterária para negar o Templo conforme a descrição
bíblica, e, ao fazê-la, utiliza-se do recurso da literatura comparada para estabelecer uma
comparação crítica entre os relatos bíblicos e os escritos dos grandes povos da época para
justificar o referido nihilismo.
O instrumental de ambas as teorias é imprescindível e essencial para os estudos acadêmicos
bíblicos, pois durante muito tempo se acreditou na plena, absoluta e inquestionável veracidade da
Bíblia, e os referentes estudos e teorias afirmam que as Escrituras Sagradas nunca foram tão
verdadeiras como as instituições judaico-cristãs afirmam e defendem.
Para o religioso judeu-cristão (não para o acadêmico, pois ambos não falam a mesma língua
e nem as mesmas coisas), o Templo considerado original existiu, pois faz parte de sua identidade,
o que será desdobrado mais adiante na atual pesquisa.

139
Capítulo IV – Balanço Crítico

Ao estudo sobre o Templo considerado original, percebe-se que tais relatos tiveram um
propósito e não chegam a ser históricos. A princípio, acreditava-se na inexistência de Davi e de
Salomão, porém os autores trabalhados acreditam na existência de tais reis, apenas duvidam de
todas as fábulas encontradas na Bíblia referentes a eles. Mas ambos os reis estão fundamentados
na origem do “Primeiro Templo”, e mesmo apesar de eles não serem os responsáveis pelo
Templo, o deuteronomista a princípio teve que atribuir aos referidos reis a responsabilidade da
compra do terreno e da construção do Templo mitológico com o intuito de legitimar a
antiguidade do referido (Templo).
Pode-se dizer que o deuteronomista foi de certa forma oportunista ao criar histórias
fantásticas de Davi e de Salomão pelo motivo de não haver registros de ambos os reis nos
escritos egípcios e mesopotâmicos, e de tais regiões neste contexto estarem em crise econômica e
cultural, e criou-se um Império de Israel, que no final das contas, era mais um desejo do
deuteronomista do que uma realidade, pois a região de Judá, na qual ficavam Davi e Salomão em
seu período de reinado, tinha um caráter muito mais provinciano do que de uma grande capital,
algo que apenas foi característico no período de Josias, por volta de 622 a.C., período atribuído à
reforma deuteronomista.
E todo esse mito sobre Davi e Salomão deveria concentrar-se no rei Josias, descendente de
ambos os reis. Após a queda do Reino do Norte, em 721 a.C., havia uma expectativa do Reino de
Israel ser anexado ao Reino de Judá, principalmente devido à queda da Assíria, que ocorreu por
volta do ano 612 a.C. Nesse período, sim, houve um desenvolvimento econômico, político e
cultural em Jerusalém e no Reino de Judá, que se tornariam centro do novo reino de Israel e de
Judá, o que, no final das contas, era um projeto deuteronomista.
140
Entretanto, com a morte do rei Josias no ano de 609 a.C., tal desejo sucumbiu, e com o
crescimento do Império Babilônico e a destruição do “Primeiro Templo” por volta de 586 a.C.,
que não passava de uma capela anexa ao palácio do rei de Judá em Jerusalém, o deuteronomista
precisou alterar o enfoque do messias régio, que era Josias, para o messias escatológico, que não
tem nenhuma relação com o templo e com o trono de Davi, e que no final das contas seria o
libertador de Judá; assim, acabou-se por transferir o papel de messias ao rei Ciro da Pérsia, que
decretou o retorno do povo de Judá para sua terra em aproximadamente 538 a.C.
Após o retorno do exílio, um novo grupo de poder, os sacerdotes, para organizar
ideologicamente a centralização de Jerusalém e do Templo, criaram um novo discurso para a
manutenção de seu status quo e bastante espelhado na cultura persa, pois para o escritor
sacerdotal, Yahweh era tão criador do Universo quanto Ahuramazda era para o Império Persa, e
Yahweh, além de criador do mundo, mora no Templo desde a época em que este era uma tenda
em Êxodo 40, antes da entrada do povo de Moisés em Canaã, o que será explanado
posteriormente ainda neste mesmo capitulo.

1. Os Autores Trabalhados

Os autores centrais trabalhados que buscam questionar os relatos bíblicos referentes ao


Templo pré-exílico, ao rei da dinastia de Davi, ao reino de Judá e ao desejo da união de todo o
reino de Israel são Mario Liverani242 e Israel Finkelstein em sua obra conjunta com Neil Asher
Silberman243. Contudo, Mario Liverani e Finkelstein com Silberman possuem abordagens muito
distintas, impossíveis de serem imbricadas em um diálogo, e, ao mesmo tempo, ambos chegam
quase ao mesmo caminho, independente da diferença de seus meios para chegar ao mesmo fim.
Mario Liverani, apesar de aparentemente acreditar na existência dos mitos do reino de
Salomão conforme os relatos bíblicos e de sua corte, possui uma abordagem mais vinculada à
literatura e pretende expor a construção da ideologia por meio da análise literária. Já Finkelstein
com Silberman, fundamentam-se plena e absolutamente nos achados arqueológicos para
desmentirem o que está na Bíblia Hebraica; a visão apresentada em sua obra é plenamente

242
LIVERANI, M. op. cit.
243
FINKELSTEIN, I.; SILBERMAN, N.A. op. cit.
141
material, cuja análise se baseia em datações dos referidos achados. Apesar de ambas as
abordagens buscarem o que realmente de fato ocorreu na época estudada do “Primeiro Templo de
Salomão”, precisaram ser trabalhadas separadamente neste trabalho para não haver confusão.
Sobre as descobertas arqueológicas, Finkelstein e Silberman fazem utilização das mesmas
fontes da obra de Amihai Mazar244. A diferença entre ambas as obras está no contexto, pois
Amihai Mazar se utiliza dos relatos bíblicos para confirmar as descobertas arqueológicas, ao
passo que Finkelstein e Silberman se utilizam da arqueologia para desconfirmar os relatos
bíblicos.
Outro problema que se tem nas referidas pesquisas é a publicação de obras clássicas de
forma extremamente tardia, ao ponto de torná-las perenes e não serem editadas as atualizações
necessárias que acompanham o desenvolvimento dos estudos bíblicos. Um exemplo claro é o fato
de a obra de Amihai Mazar, lançada em 1990, ter sido publicada no Brasil apenas em 2009 e sem
a mínima adaptação à atualidade dos estudos bíblicos.
Percebe-se que as obras de Liverani, datada de 2003 e publicada no Brasil em 2008, e de
Finkelstein e Silberman, datada de 2001 e publicada no Brasil em 2003, apesar de serem obras
consideradas antigas, têm os dados mais atualizados referentes aos estudos bíblicos, mas
terminam por ser, de certa forma, menos conhecidas e menos utilizadas devido à perenização das
obras clássicas, como foi referido no caso da obra de Amihai Mazar, publicada em 1990, mas que
só se veio publicar no Brasil em 2009, praticamente da mesma forma da versão original.
A mesma coisa ocorreu com a obra de Bright246, que originalmente foi publicada em 1959,
com várias edições posteriores, e a edição mais recente publicada no Brasil é de 2003, indicada
como “revista e atualizada”, porém não tão revista, nem atualizada como mereceria, o que de
certa forma provoca problemas acadêmicos, os quais apenas os professores mais atentos podem
indicar soluções, pois mesmo os professores mais proeminentes tendem a fazer uso de tal
literatura, não inútil, mas defasada, sem se atentarem para o desenvolvimento e para o progresso
que os estudos bíblicos têm tomado.

244
MAZAR, A. op. cit.
246
BRIGHT, J. op. cit., 2003.
142
2. A Elaboração da Tese

No decorrer da análise de Finkelstein e Silberman, ao realizar os estudos sobre os reis Davi


e Salomão, foi demonstrado que tais reis podem ter de fato existido, mas não de acordo com a
fantasiosa, fabulosa e fantástica literatura bíblica, inclusive pelas construções encontradas pelos
arqueólogos atribuídas a esses reis nos períodos correspondentes à Bíblia, de acordo com as
análises do carbono 14, são um século mais recentes, ou seja, por exemplo as construções
atribuídas a Salomão de Hazor, Megiddo e Gezer não são obras do referido rei, mas bem
posteriores. Apenas os autores concluem que a Judá e a Jerusalém descobertas pela arqueologia
no período de Davi e Salomão não caracterizam um Estado que seria a capital de um reino por ser
uma região remota e subdesenvolvida. Tal desenvolvimento apenas se deu com a reforma de
Josias, iniciada pela queda do reino do norte em 721 a.C., depois da qual pode se dizer que Judá
de fato se tornou um reino estruturado.
Na ênfase dos autores Mario Liverani e Finkelstein e Silberman, outro aspecto além da
distinção de abordagens, Mario Liverani, sobre o Templo monárquico do reino de Judá, dá maior
ênfase à elaboração da fantasia durante o pós-exílio do que no período da monarquia de Josias e
da Reforma Deuteronomista, pois Liverani já considera a ideologia monárquica fracassada e não
possui a preocupação que Finkelstein e Silberman tiveram em explanar sobre a ideologia
deuteronomista e do período do rei Josias. Mas houve construções ideológicas nas duas (ou pode-
se dizer nas três) épocas: na Reforma Deuteronomista de Josias, durante o exílio babilônico, e
após o retorno do cativeiro para Jerusalém.
Dessa forma, Liverani dá uma continuidade cronológica à visão de Finkelstein e Silberman
a se referir sobre a ideologia do Templo, e não se preocupa com a percepção de Finkelstein e
Silberman relacionada à monarquia pelo motivo de não ser a sua preocupação principal
contextual, pois Liverani preocupa-se com a elaboração da ideologia sacerdotal, ao passo que
Finkelstein e Silberman preocupam-se com a elaboração da ideologia no período da Reforma
Deuteronomista.

143
3. As Origens dos Reinos de Israel e de Judá

Conforme o pesquisado, por não ter existido um rei Davi e um rei Salomão conforme os
mitos bíblicos, percebe-se que ambos os reinos originaram-se independentemente dos mitos dos
referidos reis que legitimam a união. Desconhece o defensor desta tese, mas ao que tudo indica,
pode-se afirmar a origem de ambos os reinos desta forma.
No contexto dos relatos bíblicos, o reino de Israel foi um reino que a princípio se uniu sob a
égide do rei Davi, e em seguida se cinde sob o rei Salomão. Porém, mesmo que os reis de Judá
sejam legitimados como a linhagem sagrada, o nome de Israel ainda é muito forte nos textos,
maior que o nome de Judá, como se percebe e pouco se comenta, ou até mesmo se ignora.
A seguir esta linha de raciocínio, nota-se que é mais plausível que a invenção do Reino de
Israel unido com o Reino de Judá ter ocorrido após o exílio do reino do norte por volta do ano de
721 a.C., pois o reino, após a invasão e destruição pelos Assírios, não possuía mais histórias para
contar, e o reino de Judá teve que contar as suas, inclusive as histórias dos reis Davi e Salomão.
E, no final das contas, todos os reis de Judá seriam os reis de Israel, mesmo fundamentados nos
mitos de Davi e de Salomão.
No período de Josias, houve a necessidade de se inventar histórias para um rei Davi e um
rei Salomão com o intuito de se dar uma origem ao grande reino de Israel e de Judá para
centralizar não apenas o reino, como também o culto em Jerusalém. A centralidade de Jerusalém
decorre do oportunismo do fim do reino do norte.

4. A Figura do Rei Davi

O rei Davi, apesar de não ter sido o construtor do templo conforme a tradição bíblica, esta
atribui-lhe a responsabilidade pelo projeto do templo por ter comprado o terreno de Araúna (2
Samuel 24,16-24). Portanto, percebe-se que há o vínculo indissociável da figura de Davi com as
origens do “Primeiro Templo”.
Sobre a personalidade do Rei Davi, o autor Römer afirma que no ciclo de 2 Samuel 9 – 1
Reis 2, a denominada “História da Sucessão ao Trono de Davi” ou “História da Corte”, a
personagem Davi aparece muitas vezes como um rei fraco, e mesmo moralmente imperfeito, pois
144
após engravidar Bat-Sheva, esposa de Urias, Davi envia seu marido, um de seus melhores
oficiais, para a morte; a mesma Bat-Sheva se tornará mãe de Salomão (2 Samuel 12). Conforme
os estudos do autor, Davi também deve enfrentar revoltas, especialmente da parte de seu filho
Absalão (2 Samuel 13-19) e é obrigado a fugir de Jerusalém. Após o assassinato de Absalão por
Joab, general de Davi, o rei retorna a sua capital, onde enfrenta nova revolta (2 Samuel 20).
Entende-se por essas colocações de Römer que o rei Davi dos relatos de 2 Samuel 9 – 1
Reis 2 não era um rei tão popular quanto o mito que se sustentou na religião cristã, segundo o
qual Davi era um rei de acordo com o coração de Deus, pois um rei do qual o povo não gosta,
nem o filho gosta, mata um de seus melhores soldados para ficar com a mulher dele (e bons
soldados são muito difíceis de obter, e não podem ser mortos a esmo ou por mera arbitrariedade
ou egoísmo do rei), e no final das contas, não é respeitado na morte ao ocorrer uma disputa de
poder entre os seus filhos Salomão e Adonias, mostra que o Davi do referido trecho apontado por
Römer era um rei desprezado, desprezível, incompetente e irrelevante, e não o grande homem de
vitórias fundador de uma dinastia que, de acordo com os relatos bíblicos, duraria por volta de
quinhentos anos.
À descoberta das inscrições sobre a “Casa de Davi” no sítio bíblico de Tell-Dan referida
por Finkelstein e Silberman, legitimam uma existência do rei Davi e de sua casa, mas não
legitimam as fábulas sobre o referido rei apontadas na narrativa bíblica.
Aparentemente, trata-se de uma dinastia longa, mas as descobertas arqueológicas não dão a
mesma força para o rei Davi que a literatura bíblica dá. O rei Davi pode ter sido considerado forte
na região de Canaã, mas não internacionalmente ao ponto de haverem referências de seus feitos
no Egito e na Mesopotâmia. Inclusive, os detalhes que apontam Finkelstein e Silberman
relacionados a situar Davi e Salomão em um período de decadência do Egito e da Mesopotâmia,
e consequentemente de sua produção literária, são bastante pertinentes à constituição da ideologia
literária deuteronomista após a destruição do reino do norte pelos assírios em 721 a.C. Portanto,
presume-se a ciência do deuteronomista em colocar o rei Davi e o rei Salomão justamente nesta
época de aproximadamente 1005 a 930 a.C., pois se não há nada que comprovou a existência de
ambos os reis naquela época, necessitou-se fazer algo que legitimasse tal existência sem haver
alguma contraliteratura que a negasse.
Relacionado à construção deuteronomista da história do rei Davi, por ele ser o fundador da
dinastia a qual pertence o rei Josias, o rei da Reforma Deuteronomista, foi necessária a
145
elaboração de histórias fabulosas e até mitológicas em torno do referido rei, pois o ancestral
fundador precisa ser o maior de todos, e deve ser mantido por mitos imaginários encantadores, os
mesmos que recaem sobre o Templo cuja construção é atribuída a Salomão.
Na posição dos minimalistas apontada por Finkelstein e Silberman, é admissível a
afirmação na qual o rei Davi não é “senão uma figura tão histórica como o rei Artur”, pois de fato
é pelos seus atos terem sido todos mitologizados e fabulados, porém, não é razoável para os tais
minimalistas afirmarem que as histórias de Davi e de Salomão não passam de construções
ideológicas elaboradas com habilidade, produzidas por círculos sacerdotais em Jerusalém, depois
do exílio da Babilônia, ou mesmo em tempos helenísticos. De fato, até são “construções
ideológicas elaboradas com habilidade”, mas jamais “produzidas por círculos sacerdotais em
Jerusalém, depois do exílio da Babilônia, ou mesmo em tempos helenísticos”, pois não há o
mínimo sentido neste contexto, no qual ninguém quer mais saber de um rei a governar entre os
judeus, e o enfoque neste contexto não é mais o poder do rei, mas sim o poder do sacerdote.
Portanto, é mais razoável apontar as construções das fantasias históricas de Davi e de
Salomão após o final do reino do norte em aproximadamente 721 a.C. e durante a reforma de
Josias em 622 a.C., logo após a morte do rei assírio Assurbanípal (que reinou por volta de 668 a
627 a.C.), devido à necessidade de centralização do rei da dinastia de Josias, do Templo e de
Jerusalém, do que no período do pós-exílio. De acordo com o referido anteriormente, houve uma
mudança de enfoque do deuteronomista da reforma josiânica para o deuteronomista durante o
exílio do messianismo régio para o messianismo escatológico. Até mesmo houve uma
centralização do “Primeiro Templo” no pós-exílio durante o período de Esdras, mas o enfoque
ideológico principal desde 721 a.C. é a centralização através do rei.

146
5. A Estruturação do Poder através da Literatura

Na presente pesquisa, percebe-se que toda a estruturação do poder se dá em torno da


literatura, desde o desenvolvimento do poder do rei, da centralização em Jerusalém e no Templo.
Um reino ou um culto de adoração com apoio de forças dominantes (desde o apoio dos próprios
reinos que são responsáveis pelo culto até o dos reinos estrangeiros) não é forte o suficiente sem
a divulgação literária que manifesta toda a sua força e o seu poder. Em súmula, sem a literatura,
pode-se dizer suficientemente que eles não representam nada.
A literatura é uma forma de divulgação do rei, da cidade central, do culto de adoração, e é
lógico, do Templo, pois a escrita possui grande autoridade em um meio no qual pouquíssimas
pessoas sabem escrever, e todo aquele que tinha o poder da escrita representava alguma forma de
força ou estava do lado de alguém poderoso, desde os escribas reais, até mesmo os escribas
representantes dos antimonárquicos.
Da mesma forma que a literatura pode ser capaz de “formar a opinião pública” sobre o rei,
ela é capaz de fazer a mesma coisa sobre o Templo.

6. A Estruturação Ideológica da História de Israel e o Deuteronomista

Conforme o estudado, percebe-se que houve um determinado desenvolvimento relacionado


ao contexto da formação da História de Israel. Os autores Finkelstein e Silberman apresentaram
os minimalistas que jogam toda a construção da História de Israel para o pós-exílio e ainda para o
período helenístico, o que pode ser em parte acatado.
Mario Liverani é mais razoável em considerar a princípio o desenvolvimento histórico
como obra do deuteronomista durante o período josiânico e durante o período exílico, pois a
princípio, conforme o referido anteriormente houve a necessidade de se desenvolver uma história
centralizadora da figura do rei, de Jerusalém e do Templo após o fim do reino do norte em 721
a.C., com o intuito de tornar a dinastia do rei Josias a dinastia de todo o Israel. Porém, com o
passar do tempo, houve eventos tais como a morte de Josias, e o cativeiro da Babilônia, que
consequentemente fizeram o deuteronomista mudar o seu discurso, pois não fazia mais sentido

147
defender uma dinastia cativa perante um povo disperso, e o messianismo régio, no decorrer dos
tempos, teve que ser convertido em messianismo escatológico.

7. A Arca da Aliança

Anteriormente, não se acreditava no envolvimento da Arca da Aliança com o Templo cuja


construção é atribuída ao rei Salomão, porém, isso é um grave erro, pois se supunha que a Arca

da Aliança encontrava-se dentro de um sacelo interno denominado Dübîr – rybiîD>, de 20 côvados


por 20, dentro do Templo. Da mesma forma, negava-se a existência da Arca da Aliança a partir
da inexistência de Moisés, pois, se não houve Moisés, não houve Arca da Aliança.
A leitura de Eckart Otto247 trouxe esclarecimentos sobre o motivo da existência da Arca da
Aliança, que foi uma preocupação sacerdotal, e nunca o primeiro deuteronomista contemporâneo
ao rei Josias escreveria algo sobre a Arca da Aliança. Desconhece-se o teórico que trabalhou
sobre a questão da Arca da Aliança, que possui uma imaginação tão forte quanto a do idealizador
do “Templo construído por Salomão”, porém, há uma teoria aparente conforme as observações
encontradas durante a pesquisa. Apesar de a Arca da Aliança estar fora do conceito do
deuteronomista, a ideia partiu dos próprios escritos do Deuteronômio, livro no qual o termo
“guardem os mandamentos de Yahweh” repete-se quarenta e duas vezes. Então, o escritor
sacerdotal, mediante as ideias de hegemonia dos escribas como intérpretes, colocou Yahweh
como o primeiro escriba ao entregar o Decálogo a Moisés em tábuas de pedra.
Como a confecção das tábuas de pedra do decálogo foi uma espécie de ilustração física e
material dos mandamentos de Yahweh, da mesma forma necessitava de uma ilustração física e
material de como eles seriam guardados, e a melhor ideia que o escritor sacerdotal teve foi a de
criar uma Arca da Aliança para guardar os mandamentos de Yahweh, que foram guardados,
conforme a apresentação Sacerdotal desde antes da entrada na terra prometida, e precisaria, com
o decorrer do tempo, ficar guardada dentro do Templo pré-exílico como o objeto mais sagrado
que o povo de Israel tinha, e tal templo seria a morada de Yahweh. Porém, após a destruição do

247
OTTO, E. A Lei de Moisés. São Paulo: Loyola, 2011.
148
“Primeiro Templo”, que de acordo com as pesquisas trata-se de uma capela anexa ao palácio, por
volta de 586 a.C. pelos babilônios, a Arca da Aliança some da narrativa da Bíblia.
O mais longe que se chega da Arca da Aliança depois da destruição de Jerusalém é a
passagem de Jeremias 3,16-17, em que a referida Arca já é considerada desaparecida e não será
mais necessária e ninguém mais se lembrará dela, e Jerusalém tornar-se-ia mais importante do
que a própria arca, o que dá para se deduzir que é uma passagem de conteúdo sacerdotal que
adverte para todos esquecerem de procurar a referida Arca da Aliança, pois o ideólogo sacerdotal
apenas buscou ilustrar como os mandamentos de Yahweh foram guardados materialmente pelo
povo de Israel, não se preocupou com a veracidade material de tal utensílio. Há outra lenda do
desaparecimento da Arca da Aliança encontrada no livro de 2 Macabeus 2,4-7, datado do ano de
124 a.C., não aceito por judeus e por cristãos protestantes, em que o profeta Jeremias esconde a
Arca em uma caverna do Monte Nebo, e esta jamais é encontrada, porque, no final das contas,
depois de espalharem tanto sobre Arca da Aliança, seria necessário justificar o seu
desaparecimento de alguma forma.
Mas a Arca da Aliança não passa de uma ilustração do escritor Sacerdotal para tentar
demonstrar como o povo de Israel guardou os mandamentos de Yahweh materialmente, e é um
mito similar a Moisés e à confecção das tábuas de pedra do Decálogo.

8. A Estruturação da Ideologia do Templo no Pós-Exílio

Percebe-se que, pelo período pós-exílico ser mais recente, é ilustrada uma elaboração
ideológica do Templo muito maior do que a do período da reforma de Josias, pois além do
ordenamento político persa, há também os paralelos com a cultura persa referentes à arquitetura e
aos costumes do povo dominador.
Por exemplo, Eckart Otto248 aponta que, na ideologia imperial persa, vinculava-se à ideia
de que a posse da terra fora conferida aos povos pela divindade Ahuramazda o pensamento de
que os povos deviam estar submetidos à lei do rei aquemênida e, dessa forma, para a ideologia
imperial persa na qual faz parte da ordem de mundo criada pela divindade imperial persa
Ahuramazda que ele, como divindade criadora, atribuiu a cada povo seu lugar neste mundo, cujo

248
Ibidem.
149
centro é Persépolis. Declara Eckart Otto que o Hexateuco contradisse isso já com a criação do
mundo em Gênesis 1, proveniente do escrito Sacerdotal: não Ahuramazda, mas Yahweh, a
divindade dos judeus, seria o criador do mundo, pois os judeus teriam recebido sua terra dele,
mas não da divindade imperial persa – assim alega o fim do Hexateuco, ressalta Otto. Apesar de
não se tratar do templo, a questão de Yahweh se trata do dono e habitante do templo, e isso não
tem como estar desvinculado.
Algo que também pode se afirmar sobre a escrita pós-exílica é o fato de o palácio real
atribuído a Salomão, de acordo com Mario Liverani, ser na realidade o projeto de um palácio em
estilo persa, com data entre os séculos VI e V a.C., semelhante na estrutura aos de Susa e
Persépolis. Ou seja, mesmo pelo fato de o “Primeiro Templo” ser, de acordo com o próprio
Mario Liverani, uma capela anexa ao palácio de Josias, e mesmo pelo fato de Jerusalém na época
de Davi e Salomão ser mais provinciana do que uma capital de um reino, faz-se a utilização da
arquitetura persa para descrever o palácio fabuloso e mitológico de Salomão herdado pelos seus
sucessores; portanto, possui claramente caráter Sacerdotal.

9. Como a História do Templo deve ser contada

Neste item, haverá o desdobramento e desenvolvimento de como a história do Templo


considerado como o original deve ser apresentada de acordo com o pesquisado neste trabalho.
Em Canaã, após a imigração ocorrida durante o começo da Idade do Ferro, que durou de
aproximadamente 1200 a 1000 a.C., houve a organização tribal em Canaã, cuja população era
composta de remanescentes das Batalhas de Djahy e do Delta (aproximadamente 1178-1175
a.C.), que foram as verdadeiras e factuais batalhas responsáveis pela libertação dos cananeus do
jugo egípcio. Entre os povos do mar derrotados por Ramsés III, que levaram à crise financeira
egípcia e que impediram a sequência da gestão da terra de Canaã, estavam os filisteus e os
danone (que se transformariam na tribo de Dã).
Algo que compõe o desenvolvimento agroeconômico neste período encontra-se no
raciocínio de Finkelstein e Silberman249 já referido anteriormente, segundo o qual o primeiro
estágio do assentamento israelita nas regiões montanhosas de Canaã foi um fenômeno gradual e

249
FINKELSTEIN, I.; SILBERMAN, N.A. op. cit., pp. 183-186.
150
regional, em que grupos de pastores se estabeleceram em áreas pouco povoadas e formaram
comunidades de aldeias autossuficientes. Com o tempo, de acordo com os estudos dos autores,
em virtude do crescimento da população da montanha, foram criadas outras aldeias em regiões
previamente despovoadas, as quais se estenderam das estepes a leste e dos vales do interior aos
nichos rochosos e escarpados das montanhas, a oeste.
Afirmam os pesquisadores que, nesse estágio, começou o cultivo de oliveiras e vinhas,
especialmente nas regiões montanhosas ao norte. Consequentemente, apontam os estudiosos,
com a progressiva diversidade entre a localização e as colheitas produzidas pelas várias aldeias
em todas as regiões montanhosas, o velho regime de autossuficiência não pôde ser mantido, e os
aldeões que se concentraram nos pomares e vinhas necessariamente tiveram que trocar seu
superávit de vinho e azeite por outras mercadorias, como os grãos. Com a especialização,
ressaltam os pesquisadores, veio a ascensão de classes de administradores e comerciantes,
soldados profissionais e, eventualmente, reis.
De acordo com as pesquisas de Finkelstein e Silberman250, padrões similares de
assentamento em regiões montanhosas e de gradual estratificação social foram descobertos por
arqueólogos a trabalhar na Jordânia, nas antigas terras de Amon e Moabe. Afirmam os
pesquisadores que, um processo de transformação social, razoavelmente uniforme, pode ter
acontecido em muitas regiões montanhosas do Levante, tão logo se libertaram do controle dos
impérios da Idade do Bronze e dos reis das cidades-estado das planícies costeiras.
Relatam Finkelstein e Silberman251 que, em um período no qual o mundo inteiro voltava à
vida, a Idade do Ferro, os reinos emergentes temiam seus vizinhos e, aparentemente, distinguiam-
se uns dos outros por costumes étnicos diferenciados e pela adoração de deidades nacionais.
Conforme a teoria agroeconômica apresentada por Finkelstein e Silberman, este pode ter
sido um dos processos que levou à estruturação dos Reinos de Israel e de Judá, porém, não de
acordo com as fantasias encontradas da Bíblia Hebraica.
Ainda continuam os teóricos Finkelstein e Silberman252 a afirmar que o sistema de
assentamento de Judá nos séculos XII e XI a.C. continuou a se desenvolver no século X a.C. com
o crescimento gradual do número de aldeias e de seu tamanho, mas a natureza do sistema não
mudou significativamente, pois ao norte de Judá extensos pomares e vinhas prosperaram nos
250
Ibidem, p. 183-184.
251
Ibidem, pp. 184-185.
252
Ibidem, p. 186.
151
declives ocidentais das regiões montanhosas; em Judá, de acordo com os estudiosos, isso não
aconteceu, em virtude da natureza proibitiva do terreno. Concluem os autores que, pelo que se
pode constatar a partir dos levantamentos arqueológicos, o reino de Judá permaneceu
relativamente desocupado de uma população permanente, muito isolado e marginal durante e
logo depois do tempo presumido de Davi e Salomão, sem grandes centros urbanos e sem
hierarquia articulada de vilas, aldeias e cidades.
Na origem do Reino do Norte, este surgiu por necessidade, e não por cisão, conforme o
relato bíblico do final do reinado de Salomão. Até mesmo é mais lógico aplicar a teoria
agroeconômica de Finkelstein e Silberman para a origem do Reino de Israel do que declará-los
como cindidos e desorganizados, conforme é de costume.
Ao rei Davi, mesmo que todas as histórias sobre ele sejam inventadas e inverídicas, não é
possível afirmar que ele não existiu, pois ele é tido como um fundador de uma dinastia,
conhecido, de acordo com Finkelstein e Silberman, por causa do fragmento descoberto no verão
de 1993, no sítio bíblico de Tell-Dan, ao norte de Israel, que conta a história do ataque de Hazael,
rei de Damasco, ao reino de Israel, ao norte, por volta de 835 a.C.; e o erudito francês André
Lemaire sugeriu que uma referência semelhante à casa de Davi pode ser encontrada na famosa
inscrição da Estela de Tell-Dan253, do século IX a.C., e, dessa forma, é plausível a conclusão de
Finkelstein e Silberman de que a casa de Davi era conhecida em toda a região, o que confirma, na
visão dos estudiosos, a descrição bíblica de uma figura chamada Davi, que se tornou fundador de
uma dinastia de reis judaicos em Jerusalém.
Percebe-se que não é contestada a existência dos referidos reis Davi e Salomão, porém, são
questionadas todas as fábulas que circulam em torno de ambas as personagens, pois a datação de
determinadas obras atribuídas ao rei Salomão e determinadas destruições atribuídas a Davi em
seu “expansionismo imperial” ocorreram meio século após o período de reinado de ambos os
reis. Portanto, não se pode dar credibilidade cega aos escritos bíblicos pelo motivo de as
informações serem incompatíveis com as provas materiais.

253
Aqui, como mencionamos anteriormente, houve um equívoco na obra de Finkelstein e Silberman, que apontam a
Estela do rei moabita Mesha como a primeira referência extrabíblica a apontar a existência da Casa de Davi, o que
não é verídico, pois a Estela de Mesha indica a referência extrabíblica para a existência da Casa de Omri, no Reino
do Norte.
152
Mas de acordo com o já afirmado anteriormente, tais mitos, lendas e fábulas que foram
construídas em torno de Davi e de Salomão tiveram uma intenção, pois surgiram no período da
Reforma Deuteronomista do Rei Josias.
Conforme as pesquisas, pode-se afirmar que o deuteronomista foi oportunista em diversos
aspectos, como ao aproveitar a situação da queda do Reino do Norte para centralizar o poder no
Reino do Sul, na cidade de Jerusalém. Mas este não era apenas o desejo do deuteronomista, mas
sim o desejo do rei Josias, pois o deuteronomista estava ao seu serviço, e deveria criar histórias
para legitimar o rei de Judá, a cidade de Jerusalém e o Templo como pontos centrais de adoração
a Yahweh.
Outro ponto oportunista que o escritor deuteronomista apresenta é o de criar as histórias do
“Império” de Davi e de Salomão em uma época na qual os impérios mais poderosos como o
Egito e a Mesopotâmia encontravam-se decadentes, pois tais regiões que eram o centro do mundo
conhecido não possuem registros dos reis Davi e Salomão, os quais eram extremamente famosos
de acordo com os relatos bíblicos, e tais fábulas, devido à ausência de relatos internacionais dos
referidos reis por causa da decadência dos impérios da região, tornaram-se relatos bastante
convincentes; além disso, não existia a ciência da arqueologia na época e ninguém iria contestar
as declarações dos ideólogos do poder por meio das provas materiais como é realizado hoje.
Portanto, este também foi um fator legitimador do deuteronomista.
No final das contas, a centralização da Reforma Josiânica ou Deuteronomista que ocorreu
por volta de 622 a.C. logo após a morte do rei assírio Assurbanípal (que reinou por volta de 668 a
627 a.C.), não se tratou apenas de uma reforma iconoclasta que objetivava a adoração de
Yahweh, como única divindade, mas sim uma centralidade territorial e um expansionismo, no
qual haveria apenas um rei para todo o Israel, um único templo “fundado pelo rei Salomão”, que
não passava de uma capela anexa ao palácio do rei Josias, e uma única cidade na qual Yahweh
seria adorado, que era Jerusalém. Toda a reforma ocorreu no período no qual de fato houve uma
prosperidade, um crescimento no Reino de Judá, que se tornou bastante poderoso após a queda
do Reino do Norte, em aproximadamente 721 a.C., após a morte do rei assírio Assurbanípal (que
reinou por volta de 668 a 627 a.C.), e após a queda da Assíria, por volta de 612 a.C.
O falecimento do rei Assurbanípal representou um livramento do jugo estrangeiro, a partir
do qual o rei Josias e os seus escribas deuteronomistas poderiam pensar de forma mais livre no
crescimento do Reino de Judá, ao ponto de se tornar o Grande Reino de Israel (e Judá) sem
153
nenhuma interferência. Contudo, o sonho do deuteronomista acabou com o falecimento de Josias,
por volta do ano 609 a.C., morto em batalha ao se opor contra o avanço do rei Necao do Egito, e
não se escreveu mais sobre a união do território do norte com o Reino de Judá, tampouco se
comentou da centralização de culto no Templo de Jerusalém atribuído ao rei Salomão. Tal
situação perdurou até o cativeiro de Judá pelos babilônios, em aproximadamente 586 a.C., com a
destruição da cidade de Jerusalém e do Templo, que na verdade era uma capela anexa ao palácio,
que, com a mais absoluta certeza, não possuía as medidas apresentadas na Bíblia Hebraica, pois
se tais medidas fossem verídicas, as paredes do “magnífico e glorioso templo” não sucumbiriam.
Mas antes do cativeiro, havia o discurso de centralização real que os eruditos denominam
como “messianismo régio”, no qual o novo rei era considerado o novo salvador do povo, e era
um discurso encontrado nos povos vizinhos, como os egípcios e os mesopotâmios. Tal discurso
do messianismo régio durou até o cativeiro de Judá pela Babilônia, em torno de 586 a.C., pois
depois do referido cativeiro não haveria rei para governar a terra de Judá.
Para compensar, já que não houve ideologia de centralização do Templo durante o Exílio
na Babilônia, o messianismo régio acabou por se transformar em um messianismo escatológico,
que começara a surgir desde a morte de Josias e antes do Exílio, pois os reis que sucederam a
Josias não supriam as expectativas de grandes reformadores, e, dessa forma, havia a promessa de
um novo messias que no futuro tiraria o seu povo do sofrimento e da dificuldade. Tal papel
acabou por ser atribuído ao rei Ciro da Pérsia, que decreta o retorno do povo de Judá a Jerusalém,
por volta de 538 a.C.
No contexto pós-exílico houve nova centralização de poder, que era a dos sacerdotes, que
precisariam elaborar uma nova ideologia totalmente distinta da ideologia real do deuteronomista,
e centrar o poder nas mãos dos sacerdotes. Alguns dos elementos que podem ser citados que
abrangeram tal ideologia foram o da aplicação do discurso de Ahuramazda, divindade imperial
persa em Yahweh, divindade principal dos judeus como criador do universo, e habitante do
Templo, o qual, na elaboração sacerdotal, não possui legitimação régia à custa dos mitos dos reis
Davi e Salomão, mas à custa de outro mito: o de Moisés e a entrada na terra de Canaã. Para o
escritor sacerdotal, o Templo já era a Tenda inventada e elaborada por ele para que Arca da
Aliança seja guardada e para que o povo viesse a cultuar e adorar a Yahweh no meio do deserto e
dentro da Tenda, e deduz-se que a Tenda existiu mesmo na época de Davi e que ocupou o terreno
que Davi comprou de Araúna (2 Samuel 24,16-24).
154
Isso sem contar a legitimação dos filhos de Aarão, irmão de Moisés, como sacerdotes, e da
criação da tribo de Levi como tribo sem-terra (o que não existe e nunca existiu em nenhum
ambiente tribal no mundo), para reforçar o seu poder como os novos chefes de Judá. Sobre o
reino de Israel, não se pode esquecer que o propósito neste contexto não era o mesmo da época
josiânica, tanto que o escritor sacerdotal fez um Israel bem menor do que o Israel do
deuteronomista, conforme o raciocínio de Eckart Otto, no qual o Hexateuco pós-exílico retoma
isso na recepção da perspectiva pan-israelita, ao concluir o livro de Josué em Siquém (Josué 24)
e, consequentemente, o Hexateuco contradisse a definição de “Israel” por meio de um “Pequeno
Israel” restrito a Judá.
A estrutura do Templo é totalmente baseada nos padrões dos Templos da Babilônia, pois os
exilados estiveram em contato com um modelo bem diferente de templo. Nas pesquisas de Mario
Liverani, os templos da Babilônia e da Borsipa, de Nippur e de Uruk eram organizações bem
complexas, dotadas de um poder econômico e político relevante; e suas estruturas arquitetônicas
eram imponentes, pois além da “casa de deus”, a cela que abrigava a estátua da divindade, de
dimensões relativamente reduzidas, o complexo do templo compreendia a série de anexos a que
se fez referência.
De acordo com Liverani, havia amplos armazéns para a colheita, que seriam reutilizados,
seja para os trabalhos de manutenção dos canais, seja para a manutenção dos dependentes, seja
para a redistribuição sob forma de empréstimos a juros privilegiados. Conforme o autor, havia
lojas de artesãos, escolas de escribas e residências sacerdotais, e o templo comportava amplos
pátios para o acesso dos fiéis. Nas pesquisas de Liverani, sacerdotes e escribas do templo eram
uma verdadeira classe dirigente que administrava a economia da cidade e do território –
especialmente, afirma o autor, para as cidades (até importantes) que não eram a capital e,
portanto, não tinham um palácio real.
Nas conclusões de Mario Liverani254, ao voltar a Jerusalém para reconstruir o velho templo
salomônico, o clero judaico tinha em mente esse modelo, que estava em função das relações com
os imperadores, supria as fraquezas da monarquia davídica restante e assegurava aos próprios
sacerdotes o modo de administrar a nova comunidade judaica até nas decisões políticas e,
sobretudo, nas orientações legislativas e sociais.

254
LIVERANI, M. op. cit., p. 395.
155
Agora, na função social do “Segundo Templo”, há a posição de Jean Louis Ska255, que
impõe a procura da origem do Pentateuco em sua forma atual no Israel pós-exílico, na
comunidade unida em torno do templo, que por sua vez tinha a sua lei, a lei de Yahweh, que,
segundo o decreto de Artaxerxes (Esdras 7,12-26), fora aprovada oficialmente pelas autoridades
persas. No final das contas, de acordo com Ska, os fundamentos do Israel pós-exílico eram o
templo e a lei, pois à luz de tal hipótese, tal comunidade é definida, em Êxodo 16,6, como “nação
santa” e “povo sacerdotal”, “propriedade de Yahweh”, e a mesma referida comunidade foi
consagrada com a aspersão de sangue, em Êxodo 24,3-8, ao prometer fidelidade à lei.

255
SKA, J.L. op. cit., p. 241.

156
Capítulo V – Relevância da Memória do Primeiro Templo

Pelo motivo de o Templo pré-exílico ser uma obra da literatura bíblica, é impossível não
relacionar a sua relevância com a garantia da identidade popular mediada pela literatura
ideocrática; ou seja, o Templo monárquico do reino de Judá, por estar presente na literatura
ideocrática, possuiu grande função social, por garantir a identidade popular em épocas que esta
esteve quase perdida. Primeiro como identidade israelita-judaíta após o cativeiro do reino do
norte em aproximadamente 722 a.C.; segundo, no período pós-exílico, por volta de 539 a.C., com
o édito de Ciro, contexto no qual a teoria apresentada por Jean Louis Ska, denominada Burger-
Temple-Gescinde, desdobrou-se, e caracteriza muito bem a relevância da memória do Templo
considerado como original, a função social e os seus aspectos, conforme o título deste capítulo.
Para maior contextualização da teoria de Ska, será apresentado um pouco do raciocínio de
Eckart Otto sobre a ideologia da estruturação do Pentateuco, que possui íntima relação com a
teoria apresentada por Ska.

157
1. O Programa Ideológico do Hexateuco

De acordo com Eckart Otto256, depois da vitória de Ciro II sobre os babilônios, em 539
a.C., que trouxe o fim da dominação babilônica tardia, Judá passou para a supremacia persa.
Conforme o autor, assim começou uma nova era que a Bíblia associou com o fim do tempo do
exílio (Esdras 1-2). Segundo o raciocínio do estudioso, no período exílico tinham surgido, com o
escrito Sacerdotal e o Deuteronômio Exílico, duas grandes narrativas dos aarônidas e dos
sadoquitas, que narram a história de Yahweh e de seu povo de formas diferentes. Nas ênfases de
Otto, como no período do exílio prevaleceu o monoteísmo, já não podia haver depois do exílio
outras narrativas concorrentes sobre as origens de Israel.
Antes, Yahweh, a única divindade masculina de Israel tinha de ter uma única história com
seu povo. Portanto, considera o pesquisador, a reunião literária das duas narrativas exílicas das
origens no tempo pós-exílico foi uma necessidade ideológica, e a formação histórico-literária do
Pentateuco uma função do primeiro mandamento do Decálogo. No entanto, adverte Otto, não é
só a consequência das ideias que compõem a ideologia, que escreve a história cultural, mas as
ideias precisam de uma fundamentação pelos interesses de grupos portadores de tais ideias, e
dessa forma acontece também com a história literária dos livros do Pentateuco.
Segundo as pesquisas de Eckart Otto257, no pós-exílio, o sacerdócio sadoquita em Jerusalém
reintegrou os aarônidas e autodesignou-se como aarônida, com o recurso à tese da descendência
levítica comum, que seria aarônida, enquanto se salientava a procedência sadoquita do sumo
sacerdote como alguém que se destacava dentro do sacerdócio aarônida. Relata o autor que a
integração dos aarônidas no sacerdócio sadoquita requeria também a vinculação literária do
escrito Sacerdotal e do Deuteronômio. Conforme Eckart Otto, já a releitura do Código da Aliança
no Deuteronômio, nas releituras exílicas do Deuteronômio e no escrito Sacerdotal, os sacerdócios
mostraram sua erudição escriturística, a qual favorece agora o trabalho dos autores sacerdotais
dos livros do Pentateuco no período pós-exílico. Na visão do autor, a mediação literária entre o
Deuteronômio e o escrito Sacerdotal é facilitada pelo fato de que a narração do escrito Sacerdotal
vai desde a criação até a Montanha de Yahweh, portanto, conclui o autor, ela termina ali onde
começa o Deuteronômio exílico, que foi vinculado pela redação de Moabe com o livro de Josué.

256
OTTO, E. op. cit., pp. 199-206.
257
Ibidem, p. 200.
158
Desse modo, continua Eckart Otto, forma-se naquele instante, na conexão, um arco
narrativo desde a criação até a tomada da terra. No entanto, percebe Otto, os autores do
Hexateuco, que se formou dessa maneira, não conectam o escrito Sacerdotal e o Deuteronômio
de modo meramente mecânico-aditivo; nos livros de Gênesis e do Êxodo, eles usam também as
fontes do Deuteronômio e do escrito Sacerdotal, isto é, as fontes de suas fontes. Dessa maneira,
conclui Eckart Otto, eles inserem na perícope do Sinai o Código da Aliança e o Decálogo como
fonte do Deuteronômio, no Gênesis as fontes das narrativas dos patriarcas e matriarcas
provenientes do escrito Sacerdotal, e procedem do mesmo modo com a inserção da narrativa de
Moisés-Êxodo pré-sacerdotal. Assim, atenta o pesquisador, eles constroem um arco narrativo que
tem dois pilares principais, redigidos pelos autores pós-exílicos:
1º) A narrativa com Abraão em Gênesis 15, que é anteposta à narrativa sacerdotal da
aliança em Gênesis 17.
2º) A narrativa da Aliança do livro de Josué, em Josué 24, que segue depois do discurso
deuteronomista de encerramento proferido por Josué em Moabe (Josué 23).

Esses dois pilares principais, de acordo com Eckart Otto, colocam o tema da posse da terra
como o centro do Hexateuco:

Naquele dia, Yahweh estabeleceu com Abrão esta aliança: “A teus descendentes darei
esta terra, do rio do Egito até o grande rio, o Eufrates”. (Gênesis 15,18)

Dei-vos uma terra que não exigiu de vós trabalho algum, e cidades que não construístes,
e vos assentastes nelas e comestes de vinhas e olivais que não plantastes. (Josué 24,13)

Conforme os estudos de Otto258, o grande projeto da distribuição da terra (Josué 13-21) é


colocado na frente da conclusão da aliança em Josué 21: “Assim, Yahweh deu a Israel toda a
terra que havia prometido a seus pais sob juramento. Eles tomaram posse dela e nela habitavam”
(Josué 21,43).
Enfatiza o autor259 que, de acordo com essa visão, o objetivo da criação da história
universal (Genesis 1-11) seria que Israel se tornasse sedentário na terra prometida de Yahweh e

258
Ibidem, p. 201.
259
Ibidem, pp. 201-202.
159
encontrasse seu “repouso”. Afirma Otto que, por volta de meados do século V a.C., o Hexateuco
interfere por meio do enraizamento da distribuição da terra na história primitiva de Israel numa
discussão intrajudaica entre a diáspora e os habitantes do território de Israel e Judá, travada
também no livro de Ezequiel (Ezequiel 40-48). Nos estudos do pesquisador, representantes do
judaísmo da diáspora na Mesopotâmia exigem que, no caso do seu retorno, a posse da terra de
Judá seja redistribuída. Enfatiza Otto que os autores do Hexateuco afirmam objetivamente que, já
na história das origens de Israel, a terra teria sido distribuída às tribos por Josué de uma forma
válida para todos os tempos.
Atenta o autor que, já na conceituação deuteronomista da redação de Moabe, que conectou
o Deuteronômio com o livro de Josué, apresentou-se uma distribuição de tarefas entre Moisés e
Josué, de tal forma que Moisés seria responsável pela mediação da lei e da conclusão da Aliança
no Horeb e em Moabe, e Josué, pela condução de Israel na caminhada para a Terra Prometida. O
Hexateuco, nas conclusões de Otto, retorna a isso e atribui a Josué também a função da
distribuição da terra (Josué 13-21). Conforme o autor, a posse da terra e, com isso, a figura de
Josué passam no Hexateuco com tanta insistência ao primeiro plano que Josué pode assumir, com
a conclusão da aliança, em Siquém (Josué 24,26). Otto ressalta que o escrito Sacerdotal esboçou
Moisés no papel de um interlocutor exclusivo de Yahweh e conferiu um selo de honra aos
sacerdotes aarônidas que atribuíram sua descendência a Aarão, o irmão de Moisés.
Na visão do autor, a localização da habitação de Yahweh no meio de seu povo no deserto
longe da Terra Prometida mostra que isso expressou a perspectiva da diáspora defendida pelo
escrito Sacerdotal, e o Deuteronômio exílico reagiu a essa perspectiva e vinculou igualmente
Moisés com o Horeb no deserto, mas já o aproximou, mediante o motivo da aliança de Moabe
(Deuteronômio 29-30), da terra cultivável e atribuiu a Josué a realização da tomada da terra.
Conforme Otto, os autores exílicos da redação de Moabe utilizaram em relação à função de Josué
na tomada da terra noções já estabelecidas nas tradições pré-exílicas da tomada da terra (Josué 2-
9). Percebe o autor que o Hexateuco seguiu tal tradição ao integrar o Deuteronômio e o livro de
Josué na redação de Moabe, a relacionar o tema da posse da terra a oeste do Jordão e não com
Moisés, mas com Josué, que se tornou o patriarca da reivindicação da terra por Israel.
Na visão de Otto, o Hexateuco defendia a tese de um “Grande Israel” com a inclusão das
tribos setentrionais de Israel, isto é, da Samaria, que pereceram na conquista assíria de 722 a 720
a.C., e fez com que a conclusão da aliança (Josué 24) não ocorresse em Jerusalém, mas na cidade
160
de Siquém, desde os tempos mais antigos relacionada ao patriarca Jacó (Gênesis 33,18-20).
Afirma Otto que o ideal do Grande Israel, composto de Judá e Israel, que está na base desta
construção, tem uma história prévia que remonta ao século VII a.C. Salienta o autor que, já na
obra historiográfica deuteronomista da época de Josias (1 Samuel 1 – 2 Reis 23), projetava-se na
apresentação da monarquia primitiva nos tempos mitológicos dravídico, e especialmente
salomônico, uma perspectiva pan-israelita da união de Judá e Israel, perspectiva que, por sua vez,
surgiu no tempo de Josias, da esperança de que, após a retirada da ocupação assíria, seria possível
unir o território do Reino do Norte de Israel com o Sul e Jerusalém como centro (Josué 8,23b-
9,6).
O Deuteronômio pré-exílico tardio fornece a justificativa para a exigência da centralização
de culto em Jerusalém. Conta Otto que, na obra historiográfica deuteronomista do reinado de
Josias, criticavam-se os reis do Reino do Norte, que tinham instalado os santuários nacionais em
Betel e em Dã. Relata o autor que tal “pecado de Jeroboão” (1 Reis 12) seria uma violação do
mandamento da centralização, e seria por causa dele que o Reino do Norte teria perecido na
conquista dos assírios (2 Reis 17). No entanto, lembra Otto, depois do colapso do Império Assírio
e da retirada dos assírios da Samaria, a expectativa do período josiânico era poder anexar o Norte
ao Sul. Porém, afirma o autor que, com a morte de Josias, tal expectativa fracassou, e o livro de
Josué, redigido no século VII, compartilhava a perspectiva pan-israelita do reinado de Josias,
utilizada pela redação exílica de Moabe ao conectar o Deuteronômio com o livro de Josué
(Deuteronômio 1 – Josué 23).
Na sequência do raciocínio de Otto, o Hexateuco pós-exílico retoma isso na recepção da
perspectiva pan-israelita, ao concluir o livro de Josué em Siquém (Josué 24). Dessa maneira,
considera o estudioso, o Hexateuco contradisse a definição de “Israel” por meio de um “Pequeno
Israel” restrito a Judá. Continua o estudioso a raciocinar que, com a separação da Samaria
(Neemias 4-7), tal definição recebeu seu programa nas narrativas contemporâneas de Neemias,
contidas no livro homônimo. De acordo com Otto, assim como o seu protagonista Neemias, que
tinha que vir da diáspora a Jerusalém (445-433 a.C.), as narrativas de Neemias fizeram prevalecer
uma perspectiva da diáspora que favorecia uma separação dos “samaritanos” do Norte. Segundo
o pesquisador, ao contrário disso, o Hexateuco defendia a visão de escribas do território de Judá,
que consideravam o Norte do antigo Reino da Samaria uma parte de “Israel”.

161
No entanto, atenta Otto260, os autores escribas do Hexateuco tomaram partido não apenas
em discursos intrajudaico; para o estudioso, eles se confrontaram também com a ideologia
imperial do poder hegemônico persa, que, com o ocaso do Império Babilônico, tinha assumido
em 539 a.C. a função imperial da província de Yehud. Relata o pesquisador que, ao colocar no
centro do interesse o tema da terra dada por Yahweh ao povo de Israel, os autores do Hexateuco
tematizaram simultaneamente um aspecto importante da ideologia imperial persa-aquemênida.
Para Otto, segundo essa ideologia, faz parte da ordem de mundo criada pela divindade imperial
persa Ahuramazda que ele, como divindade criadora, atribuiu a cada povo seu lugar neste mundo,
cujo centro é Persépolis.
Declara o estudioso que o Hexateuco contradisse isso já com a criação do mundo em
Gênesis 1, proveniente do escrito Sacerdotal: não Ahuramazda, mas Yahweh, a divindade dos
judeus, seria o criador do mundo, e os judeus teriam recebido sua terra dele, não da divindade
imperial persa – assim alega o fim do Hexateuco, ressalta Otto. O pesquisador enfatiza que, na
ideologia imperial persa, vinculava-se à ideia de que a posse da terra fora conferida aos povos por
Ahuramazda o pensamento de que os povos deviam estar submetidos à lei do rei aquemênida.
Um exemplo referido por Otto se encontra na inscrição de Behistun, na qual o rei aquemênida
Dario I (522-486 a.C.) comemorava sua vitória sobre seus inimigos internos como uma expressão
da legitimação de seu poder pelo rei imperial persa, por isso ele ordenou anunciar o seguinte:

Anúncio de Dario, o rei: “Naqueles países (isto é, nos países subjugados) recompensei
ricamente um homem que era leal, mas puni severamente a quem era desleal. Conforme
a vontade de Ahuramazda, esses países obedeceram à minha lei (em persa: data-). Assim
como lhes foi dito por mim, assim fizeram”.

Percebe Otto261 que, conforme tal visão, é por meio da lei do rei aquemênida que a ordem
universal dos povos é mantida. Contudo, afirma o pesquisador, os autores escribas do Hexateuco
contradizem-na, pois os judeus seguem a lei dada pelo seu adorado e cultuado Yahweh no Sinai e
intermediada pela figura epônima de Moisés, e nenhuma autoridade se contrapõe à Torah deste
referido legislador, pois o criador deste mundo seria Yahweh e não Ahuramazda, a quem
recorrem os reis aquemênidas em sua função de impor leis. Por isso, explana Otto, também para

260
Ibidem, pp. 202-203.
261
Ibidem, pp. 203-204.
162
os autores do Hexateuco é claro que não a obediência às leis persas, mas à Torah de Moisés,
ratificada com a conclusão da Aliança em Siquém, garante a posse da terra (Josué 24). Conforme
as pesquisas de Otto, nas inscrições dos reis persas, um argumento principal da legitimação dos
governantes aquemênidas são os sucessos militares do respectivo rei, que são tidos como obras
da divindade nacional que acreditam o rei.
Relata o estudioso que o Hexateuco transfere essa figura argumentativa a Moisés e a Josué
como líderes bem-sucedidos de seus exércitos que vencem os transjordânicos e os cisjordânicos
de acordo com o mito dos estruturadores do Hexateuco. Dessa maneira, conclui Otto, o
Hexateuco responde à pergunta polêmica sobre quem seria o senhor da História inequivocamente
em favor de Yahweh, a divindade dos judeus, pois a descrição sacerdotal do ciclo das pragas
egípcias (Êxodo 7-12) é ampliada no Hexateuco por outros prodígios, para ser uma comprovação
de que, entre todas as divindades, somente Yahweh tem poder na história, pois as nações devem
reconhecer isso (Êxodo 7,17; 8,6/18 etc.). Conforme os construtores e elaboradores do Hexateuco
e da figura de Moisés, o interesse da referida personagem não teria sido o domínio, em contraste
com o rei persa, que queria impor o domínio mundial por meio do poder repressivo, mas o
conhecimento e o reconhecimento do poder histórico de Yahweh como divindade criadora.
Por isso, ressalta Otto, a figura epônima de Moisés não deve ser um instrumento do poder
da divindade entre as nações, mas, como mensageiro de Yahweh, ele deve servir ao
(re)conhecimento de que nenhuma divindade, portanto a divindade imperial persa também não,
iguala-se a Yahweh. Com isso, conclui o autor, modifica-se a ideologia imperial persa em um
ponto decisivo, e a obediência das leis não deve se basear no reconhecimento das relações
políticas reais de poder, como expressão do poder da divindade persa Ahuramazda, mas no
reconhecimento do poder histórico de Yahweh, que deu a Terra a seu povo de “Israel”.
Conclui-se que, neste item, da parte de Eckart Otto, houve uma grande iniciativa para o
retorno à Judeia, em dois pontos enfáticos. O primeiro foi à reutilização do livro de Josué, que
possuiu grande valia na época da sua composição durante a Reforma Deuteronomista devido à
ênfase de que o território no qual eles retornaram deveria ser conquistado mais uma vez. O
segundo ponto é a questão do Yahweh como divindade nacional para os judeus, assim como
Ahuramazda era para os persas. Os persas possuíam vários mitos religiosos que os legitimavam,
agora, para os escribas, era a vez dos judeus possuírem os seus próprios mitos religiosos que os
legitimassem.
163
2. O Programa Ideológico do Pentateuco

Nas pesquisas de Otto262, os autores do Hexateuco, que escreveram em Yehud, colocaram o


acento ideológico na terra como bem salvífico central de Yahweh, o que provocou protesto dos
sacerdotes que viviam na diáspora da Mesopotâmia, e eles se voltaram contra essa ideologia da
terra, e com a missão de Esdras, que chegou a Jerusalém em 398/397 a.C. por incumbência do
governo imperial persa como funcionário com tarefas de fiscalização e vistoria, impôs-se em
Jerusalém a ideologia da diáspora. Afirma o estudioso que no início do século IV a.C., isso teve
sua consequência na Torah de Moisés, pois os círculos da diáspora não definem a identidade do
judaísmo a partir da posse da terra, que é vinculada condicionalmente à obediência da lei. Ao
contrário, ressalta Otto, a própria Torah seria o poder interpretativo e o bem salvífico centrais,
pois o judeu seria, em qualquer lugar que estivesse, aquela pessoa da linhagem de Abraão que
cumpre a Torah de Yahweh.
Por isso, considera o estudioso, destaca-se o livro de Josué e inaugura-se o Pentateuco,
composto dos livros do Genesis até o Deuteronômio. Nos conhecimentos de Otto, como vita do
profeta epônimo Moisés, o Pentateuco vai desde o seu nascimento (Êxodo 2), até a sua morte
(Deuteronômio 34), e o Gênesis tem a função de um saguão que conduz desde a criação até a
formação do povo de Israel no Egito (Gênesis 1 – Êxodo 1). Conforme as análises do estudioso,
ao deslocamento dos temas, devido à separação do livro de Josué e da redução do Hexateuco para
um Pentateuco, corresponde a forte ampliação da perícope do Sinai (Êxodo 19 – Números 10),
que é assim ampliada pela conexão com a moldura do Deuteronômio a dar origem ao lugar
preferencial da revelação dos mandamentos no Pentateuco. Relata Otto que os autores do
Pentateuco tinham um ponto de enlace na perícope do Sinai, pois já ali o Decálogo e o Código da
Aliança como fontes do Deuteronômio tinham sido transferidos para o Sinai, e um dos elementos
importantes utilizados pelos autores da redação do Pentateuco na transformação da perícope do
Sinai em centro dos livros de Moisés foi a inserção de Levítico 16, a narrativa ritual do Dia da
Reconciliação, como centro do Pentateuco inteiro.
Segundo o autor, tais autores vincularam com essa narrativa Êxodo 19,3-6 e o Código de
Santidade por eles formulado (Levítico 17-26) e, consequentemente, com a ampliação da
perícope do Sinai, os mesmos autores inseriram nos livros de Moisés a complicada teoria da

262
Ibidem, pp. 204-205.
164
revelação e da fixação por escrito. Conforme relata Otto, o Decálogo (Êxodo 20), teria sido
levado aos ouvidos do povo imediatamente por Yahweh, mas a partir dali, e segundo o desejo do
povo apavorado, toda revelação de leis teria sido intermediada por Moisés e interpretada no
Deuteronômio na terra de Moabe. Para o autor, a estrutura da narração dos livros de Moisés como
Torah, na forma em que temos atualmente em leitura sincrônica, remonta (com exceção dos
acréscimos pontuais do período persa tardio e helenista, especialmente nos livros do Genesis e
dos Números) aos autores escribas do Pentateuco do início do século IV a.C.
Otto enfatiza que a narração dos livros de Moisés responde à pergunta sobre como Yahweh,
a divindade dos judeus, estaria naquele tempo presente no meio de seu povo, a saber, na forma da
Torah registrada por escrito e interpretada por escribas. Naquele instante, para o estudioso, já não
se tratava, como no Hexateuco no século V a.C. da justificativa legítima da posse judaica da terra
por meio da história primitiva de Israel, mas da dignidade revelatória diferenciadora da Torah.
Nos relatos de Otto, no século IV a.C., o Pentateuco tornou-se Torah na forma de uma revelação
e promulgação de leis, emoldurada por narrativas e colocada no Gênesis no horizonte da criação
da história do mundo (Gênesis 1-11). Conforme o estudioso, para justificar a qualidade
revelatória da Torah, o Pentateuco desenvolve, inspirado pelo Hexateuco, uma teoria literária de
sua formação e seu registro escrito que atribui uma função-chave ao Moisés literário, cuja
biografia forma a moldura dos livros do Êxodo ao Deuteronômio.
Dessa maneira, considera Otto, cabe ao Decálogo, revelado imediatamente e registrado em
tábuas de pedra por Yahweh (Êxodo 24,12;31,18 etc.), uma dignidade tão destacada entre as leis
que o povo não entendeu diretamente (Êxodo 20,18-21), mas tornou conhecimento dele apenas
mediante a interpretação de Moisés na terra de Moabe (Deuteronômio 5,6-21). Para o
pesquisador, todas as outras leis, que teriam sido anunciadas a pedido do povo por intermédio da
personagem epônima Moisés, são entendidas como regulamentos de execução que concretizam o
Decálogo. De acordo com Otto, isso vale em primeiro lugar para o corpo legal que Moisés
apresentou ao povo e registrou por escrito no monte Sinai (Êxodo 20,22-23,33), denominado em
Êxodo 24,3-8 de “Código da Aliança”. Depois, afirma o autor, são comunicadas a Moisés, na
Montanha de Yahweh e durante a caminhada pelo deserto, outras leis, entre elas o Código de
Santidade (Levítico 17-26).
Enfatiza Otto que na terra de Moabe termina a revelação da lei (Números 36,13), e inicia-se
a interpretação dela, que dura somente um dia, o dia da morte da personagem epônima Moisés,
165
que por sua vez apresenta ao povo o Deuteronômio como interpretação da Torah sinaítica.
Portanto, conclui Otto, no século IV a.C., acrescentou-se à figura epônima da personagem Moisés
o ministério de escriba e mestre (doutor da lei) que interpretava a Torah (Deuteronômio 1,5) e
registra a interpretação por escrito na terra de Moabe (Deuteronômio 31,9) . Segundo os
conhecimentos do autor, Israel, porém, teria se tornado na terra de Moabe uma comunidade de
ensino e aprendizado sob a liderança do escriba e doutor da lei Moisés. Otto declara que os
autores pós-exílicos do Pentateuco erigiram para si um memorial não só ao estilizar Moisés como
seu patriarca, mas também ao fazer de Yahweh o primeiro escriba da história de Israel, pois ele
registra o Decálogo por escrito.
Já no Sinai, afirma o estudioso, depois da conclusão da aliança com o anúncio do Código
da Aliança (Êxodo 34,3-8) e do banquete em face de Yahweh (Êxodo 24,9-11), Moisés recebeu a
missão de instruir o povo no Decálogo e no restante da Torah (Êxodo 24,12). Observa Otto que
Deuteronômio 4 constata explicitamente que essa missão de instrução realizada no
Deuteronômio, a saber no último dia de vida de Moisés, em várias rodadas de discursos ao final
dos quais se realiza o registro da Torah.
Aponta Otto263 que o motivo do registro escrito da Torah imediatamente antes da morte da
personagem epônima Moisés permite compreender por que ele precisava morrer naquele momento
e não podia passar com o povo para a Terra Prometida, e em seu lugar entraria na Terra Prometida
a Torah registrada por escrito por Moisés, enquanto a morte de Moisés encerraria o tempo da
revelação da Torah. Na visão do autor, nunca mais se levantaria em Israel um profeta, isto é, um
intermediário da revelação, como Moisés, com quem Yahweh falou face a face (Deuteronômio
34,10), pois somente na forma da Torah interpretada, cujo modelo no Deuteronômio seria Moisés
como primeiro escriba e doutor da lei, a vontade legisladora de Yahweh poderia estar presente no
meio de seu povo. Dessa maneira, conclui Eckart Otto, o Pentateuco torna-se, no século IV a.C., o
berço da erudição escriturística judaica, que permitiu ao judaísmo, após as grandes catástrofes da
época romana, sua sobrevivência até hoje.
Percebe-se que, nesse instante, para Eckart Otto, a conquista encontrada em Josué não é o
suficiente para manter o povo no território da Judeia, é necessária a obediência à lei que é
representada por Moisés. A partir daí a figura de Moisés surge e é funcionalizada como o
símbolo da lei, por ser o homem com que Yahweh falou face a face. Assim como os escribas

263
Ibidem, p. 206.
166
possuíam a missão de instruir o povo, Moisés, como o primeiro escriba, possuiu esta função. Por
isso ele é considerado o primeiro escritor e autor de todas as obras do Pentateuco e chefe
supremo de todos os escribas escolhido pelo próprio Yahweh. A lei traz obediência para o povo,
e precisa dos escribas para ensinar o povo a obedecer e a permanecer na Terra Prometida, ao
contrário da geração que foi exilada na Babilônia.

3. A Teoria de Burger-Temple-Gescinde e o Pentateuco

Conforme Jean Louis Ska264, o certo é que a teoria de Burger-Temple-Gescinde, ou


comunidade dos cidadãos unidos em torno do templo, é considerada mais sólida, pois o governo
persa reconhece os direitos e privilégios do templo e da comunidade ligada a ele, e tal conteúdo
da autorização que concede relativa autonomia local à província da Judeia, e, consequentemente,
o decreto de Esdras 7 também apoia tal opinião, pois gira, em grande parte, em torno da
restauração e da organização do culto no templo de Jerusalém.
Declara Ska265 que também insistem na reconstrução do templo as duas versões do edito de
Ciro (Esdras 1,1-4; 2 Crônicas 26,22-23). Atenta o estudioso que, ainda que não seja “histórico”,
trata-se de um texto emblemático da mentalidade da época, pois ao ler-se os acontecimentos
narrados nesses textos, fica muito evidente que, após o exílio, a comunidade de Israel se uniu,
polarizada pelo santuário de Jerusalém.
Para o autor266, impõe-se, pois, procurar a origem do Pentateuco, em sua forma atual, no
Israel pós-exílico, na comunidade unida em torno do templo, que, por sua vez, tinha a sua lei, a
lei de Yahweh, que, segundo o decreto de Artaxerxes (Esdras 7,12-26), fora aprovada
oficialmente pelas autoridades persas. No final das contas, de acordo com Ska, os fundamentos
do Israel pós-exílico eram o templo e a lei. Declara o autor que, à luz de tal hipótese, tal
comunidade é definida, em Êxodo 16,6, como “nação santa” e “povo sacerdotal”, “propriedade
de Yahweh”, e a mesma referida comunidade foi consagrada com a aspersão de sangue, em
Êxodo 24,3-8, ao prometer fidelidade à lei.

264
SKA, J.L. op. cit., pp. 241-243.
265
Ibidem, p. 241.
266
Ibidem, p. 241.
167
Ska267 aponta que, em Êxodo 24,9-11, a “visão de Yahweh” e a “refeição” em presença da
divindade sancionam e legitimam a autoridade dos sacerdotes e anciãos, os dois grupos que serão
responsáveis pela comunidade.
De acordo com o autor268, aos sacerdotes e anciãos, Moisés entrega a lei, em Deuteronômio
31,9, pois são as duas instituições que sobreviveram ao exílio e que assumiram a direção de todo
o movimento de volta.
Declara Ska269 que, nesse contexto, explica-se perfeitamente o lugar central ocupado pela
“tenda” e pelo culto, e o Pentateuco, em sua amplitude, une a criação e a tenda (Gênesis 1 e
Êxodo 40). Atenta o autor que, por essa divisão canônica dos livros ou rolos, cumpre-se, em
Êxodo 40, a primeira grande etapa da história universal: o criador encontrou morada na criação.
Na perspectiva do pesquisador270, os livros de Gênesis e Êxodo descrevem as fases de
encaminhamento a essa meta, e Yahweh, o criador do Universo, escolhe um povo para si, depois
o liberta e vem habitar no meio dele (Êxodo 40,34-35). A seguir, continua Ska, Yahweh lhe fala
desse lugar (Levítico 1,1; Números 1,1) e o acompanha por toda a sua peregrinação rumo à terra
prometida (Êxodo 40,36-38; Números 9,15-23; conferir Deuteronômio 31,14-15). Nas
considerações do autor, tal fio narrativo alinhava grande parte do Pentateuco, a deixar nítido algo
que devia ser muito importante para a comunidade pós-exílica, pois a “tenda” representa o
protótipo do templo.
O Pentateuco, conforme o estudioso271, tinha também duas funções no seio da comunidade
pós-exílica:
1ª) Deveria fornecer critérios para decidir quem pertenceria ou não à comunidade.
2ª) Deveria determinar, o melhor possível, o funcionamento dos órgãos de poder e a
posição de cada um dos grupos existentes nesse período.

Atenta o autor que as narrativas do Gênesis e as genealogias definem os integrantes desse


povo. Segundo os conhecimentos de Ska272, os livros legislativos (Êxodo – Deuteronômio) dão a
base jurídica da comunidade. Afirma o autor que um israelita será, portanto, um descendente de

267
Ibidem, p. 242.
268
Ibidem, p. 242.
269
Ibidem, p. 242.
270
Ibidem, p. 242.
271
Ibidem, p. 242.
272
Ibidem, p. 242.
168
Abraão, Isaque e Jacó, alguém que escuta e guarda a lei de Moisés, entregue aos sacerdotes e aos
anciãos273. Na visão de Ska, somente este é o cidadão da comunidade do templo, que pode
usufruir dos privilégios concedidos pelo rei da Pérsia ao templo de Jerusalém e à província do
Além-Eufrates.
Declara o estudioso274 que nos livros de Esdras e Neemias aparecem às mesmas
preocupações, pois em tais livros, assim como nas Crônicas, as genealogias são numerosas275.
Percebe o autor que outra característica da comunidade pós-exílica é a valorização da pureza,
pois além da origem étnica, a observância de certas regras de culto, como rejeitar a impureza do
povo da terra e celebrar a Páscoa, pode decidir quem, realmente, pertence à comunidade (Esdras
6,20-21).
Além disso, observa Ska276, quem não respeitar as regras dos matrimônios mistos acaba
excluído da comunidade (Esdras 10,8). Em suma, afirma o autor, os dois eixos da comunidade
são o templo e a lei (Esdras 3,1-13;4,24-6,18; Neemias 8).
Conclui o autor277 que essa convergência entre os estratos recentes do Pentateuco e alguns
trechos de Esdras – Neemias dá mais consistência à ideia de que o Pentateuco atual nasceu
durante o período pós-exílico, na comunidade que se reorganizara em torno do templo de
Jerusalém.
Para esta visão, Jean Louis Ska traz novos fatores que impulsionaram a permanência do
povo em redor do “Segundo Templo”: O primeiro, na etapa do retorno para a Judeia, foi o fator
da conquista e da legitimidade de Yahweh como a divindade suprema da província persa de Judá;
o segundo foi a obediência à lei como fator de permanência do povo judeu através do símbolo de
Moisés e que dava poder aos escribas de ensinar ao povo a obedecer as leis de Yahweh; o
terceiro, e último, a questão da identidade particular, e o que o templo representaria para as
pessoas que viviam em torno dele. O Templo deveria ser o fator centralizador da identidade
judaica nesse contexto, não apenas pela lei mosaica, mas também por tudo que o Templo

273
Ibidem, p. 242. Conforme o parecer de Jean Louis Ska, assim se entende melhor o sentido das leis que indicam
em que casos deve alguém ser excluído da comunidade. Para o autor, são, em geral, leis do tipo cultual ou sobre
pureza e impureza (Levítico 7,27;17,3-4/8-9;19,8;20,18). Desses textos, conforme o autor, muitos mencionam o
sangue ou implicam a presença do sangue, como um sacrifício. Afirma o estudioso que a única exceção é 19,8, que
condena quem comer um sacrifício de comunhão de dois dias. Na ideologia de Levítico, afirma o pesquisador, o
sangue é elemento sagrado por excelência.
274
Ibidem, p. 243.
275
Ibidem, p. 243. Esdras 7,1-6;8,1-14; Neemias 11,4-19;12,1-26; conferir também Crônicas 1,1-9/44.
276
Ibidem, p. 243.
277
Ibidem, p. 243.
169
significou para as pessoas em sua época e contexto. O Templo teve uma história que dá orgulho
para os pós-exílicos, que é a do Templo cuja construção é atribuída ao rei Salomão, e naqueles
dias, apesar de não possuir a mesma glória epônima, gera grande significado para aqueles que o
estimam.

4. O Imaginário Radical

Conforme as reflexões de Castoriadis278, surge e emerge o imaginário radical, como


alteridade e como construção e elaboração da origem perpétua da alteridade, que ao mesmo
tempo que figura coletivamente se autofigura (ou se figura para si próprio)279, é a figurar
coletivamente e a se figurar para si mesmo (no sentido enfático e pleonásmico), criação de
imagens, criação de “imagens” que são o que são e tais como são como figurações ou
presentificações de significações ou de sentido. Mas o que vem a ser alteridade? Alteridade é a
concepção que parte do pressuposto básico de que todo homem social interage e interdepende do
outro. Nesta definição de Castoriadis, tal imaginário radical é resultado da relação intrínseca entre
os seres humanos, que produz os seus resultados devido às suas próprias relações.
Ou seja, na questão do Templo pré-exílico se estabelece o que denominamos “mito” no
pós-exílio; trata-se de produto das relações intrínsecas entre os seres humanos que resultaram na
criação das “imagens” como figurações ou presentificações de significações ou de sentido. Na
definição de Castoriadis, o Templo monárquico do reino de Judá estaria mais próximo às
presentificações de significações, pois para os indivíduos em sua época, o Templo considerado
como original realmente existiu e foi construído por Salomão, ao contrário das descobertas
arqueológicas e factuais que afirmam ao contrário.
Na visão de Castoriadis280, o imaginário radical é como social-histórico e como
psiquê/soma. Então o autor explana que como social-histórico o imaginário radical é corrente do
coletivo anônimo, assim como psiquê/soma é fluxo representativo/interativo/social. Isso significa

278
CASTORIADIS, C. A Instituição Imaginária da Sociedade. Trad. Guy Reynaud. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1982, pp. 414-418.
279
O autor Cornelius Castoriadis coloca “que figura e se figura”, e está na obra em português. Porém, é uma frase
que se torna de difícil compreensão para o leitor que não domina a teoria do referido autor.
280
Ibidem, p. 414.
170
que para o estudioso, o imaginário radical no social-histórico é corrente do coletivo anônimo; no
caso do Templo pré-exílico, houve um coletivo anônimo que sustentou o seu mito como uma
verdade plena. Na perspectiva do psiquê/soma como fluxo representativo/afetivo/intencional, tal
Templo considerado como original, além de ser representativo, é afetivo e intencional, pois o
imaginário radical relacionado ao Templo monárquico do reino de Judá é afetivo, pois traz às
pessoas determinado orgulho de serem detentoras de um Templo tido como o primeiro, como
intencional, cujo significado é uma propositoriedade na ênfase da existência do Templo cuja
construção é atribuída ao rei Salomão, mesmo que ele de fato não tenha existido conforme os
relatos bíblicos.
Castoriadis diferencia imaginário social de imaginário radical da seguinte forma:
a) Imaginário Social – no sentido primário do termo, ou sociedade instituinte, o que no
social histórico é posição, criação, fazer ser.
b) Imaginário Radical – na psiquê/soma é a posição, criação, fazer ser para a psiquê/soma.

Na perspectiva de Castoriadis281, compreende-se que o imaginário radical é algo mais


profundo do que o imaginário social, pois não envolve apenas a sociedade, mas o indivíduo, em
um sentido mais amplo, “em corpo e alma” (ou alma e corpo – psiquê/soma). Relacionado ao
Templo pré-exílico, a teoria do pesquisador está mais relacionada com o Imaginário Radical do
que com o Imaginário Social, pois, na sua criação, o indivíduo se envolve de alma e corpo ou
corpo e alma nas suas origens, pois eles creem na existência de um passado glorioso do povo de
Israel no qual houve um Templo que foi o mais belo e grandioso da face do mundo conhecido e
que perdeu a sua glória mediante invasões estrangeiras e o exílio, o que gera certo afeto pelas
origens epônimas do Templo monárquico do reino de Judá que foram construídas
intencionalmente para legitimar a sua existência como símbolo de um povo.
Para Castoriadis, o imaginário radical ocorre na e pela posição-criação de figuras como
presentificação de sentido e de sentido como sempre foi figurado-representado. Na linguagem do
Templo cuja construção é atribuída ao rei Salomão, as pessoas acreditaram que o referido sempre
veio a existir, pois a sua existência deu sentido aos indivíduos que acreditaram na sua existência
ao ponto de afirmarem que tal história sempre foi assim, ou seja, sempre foi figurada-
representada daquela forma, sem no mínimo questionarem as motivações de tais mitos.

281
Ibidem, p. 414.
171
Conforme os conhecimentos do autor282, a posição de figuras com senso ou de sentido
figurado pela imaginação radical apoia-se no ser-assim do sujeito como ser vivo, e encontra-se
sempre (até um ponto de origem insondável) numa relação de recepção/alteração com o que já
havia sido representado por e para a psiquê. A traduzir tal teoria de Castoriadis para o Templo
pré-exílico, a posição do referido (Templo) e das histórias elaboradas sobre o tal que fazem parte
deste, figuradas pela imaginação radical apoia-se no ser-assim do sujeito como ser vivo, ou seja,
o Templo e as suas histórias apoiam-se no próprio indivíduo ao ponto de fazer parte do seu dia a
dia e do seu cotidiano, e, em seguida, Castoriadis aponta a relação de recepção/alteração com o
que já havia sido representado por e para a psiquê, no aspecto da relação entre o indivíduo com a
sua interação e interdependência do outro.
Conforme a teoria do Imaginário Radical, o indivíduo não apenas depende da sua própria
crença, mas também de outros que também acreditem na existência do Templo considerado como
o original no intuito de se formar uma identidade coletiva relacionada às origens do referido.
Percebe-se que o Imaginário Radical de Castoriadis é uma teoria que de fato abriga o
Templo monárquico do reino de Judá em uma sociedade, pois o ponto não é a sua existência
factual e sim o seu significado. O indivíduo recebe as histórias consideradas epônimas do Templo
considerado como original não apenas oriundas de uma elite detentora do poder da escrita, seja
ela deuteronomista ou sacerdotal, como também de outros indivíduos que recepcionaram,
acreditaram e defenderam tais histórias na intenção de reforçar a identidade e ter o Templo pré-
exílico como o orgulho da Judeia por ter sido construído em uma época na qual o Reino de Israel
e o Reino de Judá eram unidos, pois o Templo cuja construção é atribuída ao rei Salomão, de
certa forma, foi símbolo da união de dois reinos. Apesar de a arqueologia e a crítica literária
atentarem que a união dos dois reinos era mais um desejo do que um fato, para aqueles que
receberam e acreditaram nas histórias epônimas do Templo cuja construção foi atribuída ao rei
Salomão, é a mais pura verdade, pois para eles, graças ao Imaginário Radical, o que importa é o
significado que impinge o Templo considerado como o original, independentemente de sua
existência.
Isso significa dizer que a questão no Imaginário Radical não é a existência do Templo pré-
exílico, mas sim o seu sentido como fator unificador de um povo, que teve o seu papel epônimo
na construção do Reino Unido de Israel e de Judá com o rei Salomão; depois novamente com a

282
Ibidem, p. 414.
172
queda do Reino de Israel por volta do ano 722 a.C., que teve como consequência a Reforma
Deuteronomista por volta de 622 a.C. que objetivava transformar Josias no rei de Judá e dos
remanescentes de Israel; e finalmente, no pós-exílio, por volta de 539 a.C., período no qual houve
intensa produção literária sacerdotal, que reforçou as histórias do Templo cuja construção foi
atribuída ao rei Salomão da mesma forma que foram reforçadas na Reforma Deuteronomista.
Mas o ponto a ser enfatizado é o Templo como símbolo da união dos povos de Israel e de Judá e
motivo para os presentes do Templo vigente não se dispersarem, por ser o orgulho daquele povo.
Em suma, não é questão no Imaginário Radical a existência do Templo monárquico do reino de
Judá, mas sim o seu significado perante aqueles que sentem orgulho do referido.

5. A Estrutura do Primeiro Templo a partir do Imaginário Instituído

De acordo com o estudado anteriormente, relata Mario Liverani283 que, na Babilônia, os


exilados estiveram em contato com um modelo bem diferente de templo. Para o estudioso, os
templos da Babilônia e da Borsipa, de Nippur e de Uruk eram organizações bem complexas,
dotadas de um poder econômico e político relevante. De acordo com as pesquisas do autor, as
estruturas arquitetônicas eram imponentes, pois além da “casa de deus”, a cela que abrigava a
estátua da divindade, de dimensões relativamente reduzidas, o complexo do templo compreendia
a série de anexos a que se fez referência. Relata o pesquisador que havia amplos armazéns para a
colheita, que seriam reutilizados, seja para os trabalhos de manutenção dos canais, seja para a
manutenção dos dependentes, seja para a redistribuição sob forma de empréstimos a juros
privilegiados. Conforme o autor, havia lojas de artesãos, escolas de escribas e residências
sacerdotais, e o templo comportava amplos pátios para o acesso dos fiéis. Os templos Babilônicos
eram similares ao modelo de Uruk referido a seguir:

283
Ibidem, pp. 394-395.
173
Figura 1 – O Templo de Uruk, na Babilônia. Gravura encontrada em Temple of Uruk. Disponível em:
<http://3.bp.blogspot.com/-0my3jc-jGm4/UbXtN8QeeQI/AAAAAAAAAKQ/NomxcQVV0oY/s1600/Tb.jpg>.
Acesso em: 24 mai. 2015.

Talvez os templos de Borsipa, Uruk e Nippur pudessem ter alguma diferença em seu
aspecto externo, mas todos eram enormes como o demonstrado na figura anterior. Em seguida, há
a planta de um dos templos Babilônicos:

174
Figura 2 – Planta do Templo da divindade Enlil encontrado em Nippur, na Babilônia. Neste templo, que pode ser
considerado como um dos típicos encontrados na Babilônia, B representa o átrio exterior e A o átrio interior, a ser
ambos tidos como idênticos em tamanho e forma. A torre denominada Zigurate, também conhecida como “fase,
etapa ou estágio” (A, nº 1), encontra-se na parte dos fundos do átrio interior. Na seção mais estreita: representa-se a
câmara sagrada (ou faz alusão a ela), na qual se encontrava a imagem de Enlil. No átrio exterior: B1 representa um
dos santuários menores em relação aos demais, pois havia diversos na área sagrada para as divindades masculinas e
femininas associadas ao culto de Enlil e Ninlil. Gravura encontrada em Plan of the Temple of Enlil at Nippur.
Disponível em: <http://www.wisdomlib.org/uploads/images/tmp8030-1.jpg>. Acesso em: 24 mai. 2015.

Pelo motivo de os exilados terem conhecido um modelo de Templo religioso muito maior
na Babilônia, ao chegarem a Jerusalém, houve a ideia de transferir a grandeza dos Templos da

175
Babilônia para o Templo pré-exílico, conforme Mario Liverani. Através desta análise, pode-se
dizer que Salomão como construtor do Templo foi uma criação Sacerdotal, ou seja, qualquer
referência que se faça ao Templo considerado original é Sacerdotal.
Pode-se até considerar que as histórias sobre as cortes da monarquia unida, do reino do
norte e do reino do sul sejam contemporâneas a Josias devido à reforma deuteronomista atribuída
a ele (Josias) que é considerada como uma revolução em todo o território de Judá com a intenção
da unificação do território de Israel, apesar de haver dificuldades fundadas na ausência de
registros extrabíblicos que confirmem tal reforma, e do fato de ser o período dos reis mais
malfalados nos livros dos Reis pelo motivo da sua submissão à Assíria, que foram os reis Acaz e
Manassés, mas que, conforme a arqueologia, foi um período mais próspero em Judá do que o
próprio período de Josias.
E mesmo as histórias da corte podem ser atribuídas ao período exílico para fazer menção ao
desejo do retorno da monarquia com base na corte babilônica, que é uma posição na qual
Finkelstein e Silberman não são simpatizantes. As narrativas bíblicas que fazem referência ao
Templo desde o Tabernáculo e a Arca da Aliança, a passar pela compra do terreno de Araúna por
Davi e da construção do Templo são todas de origem Sacerdotal.
A imagem do Templo e suas medidas foram transmitidas da seguinte forma, conforme as
figuras a seguir:

176
Figura 3 – Fachada do Templo cuja construção é atribuída ao rei Salomão. Gravura encontrada em Temple built by
Solomon. Disponível em:
<http://static.wixstatic.com/media/586fde_861baf655e624c73aa9791789c695bcd.jpg_srz_p_608_370_75_22_0.50_
1.20_0.00_jpg_srz>. Acesso em: 24 mai. 2015.

Esta fachada do Templo baseia-se nas conclusões encontradas na Bíblia conforme o relato
de 1 Reis 5,15 – 9,25. Trata-se de uma fachada e de um templo idealizado, fundamentado nas
estruturas localizadas em Jerusalém nas quais houve o templo como anexo do palácio do rei de
Judá e onde seria construído o “Segundo” Templo.
Toda e qualquer referência ou medida existente em 1 Reis 5,15 – 9,25 do “Templo de
Salomão”, na verdade, são originárias do Templo do pós-exílio, no qual foi construída uma
história legitimadora do referido Templo para o povo remanescente de Judá que estava sem
história e não tinha nada para se orgulhar, nem de suas origens, nem de seu povo.
Juntamente com o evento da “reconstrução” do Templo, os escribas, sacerdotes e redator
Sacerdotal precisaram realizar uma construção literária com a intenção, não apenas de legitimar o
Templo como objeto de controle, mas também, produzir orgulho e felicidade nos remanescentes
do povo de Judá do período do exílio da Babilônia.

177
Figura 4 – O Templo de Uruk, na Babilônia. Gravura encontrada em Solomon Temple.. Disponível em:
<http://www.divinerevelations.info/tabernacle/solomon
http://www.divinerevelations.info/tabernacle/solomon-temple.png>. Acesso em: 24
4 mai. 2015
2015.

Sobre a secção do Templo de Salomão referida acima, há um detalhe sobre a ideologia e a


ideocracia da glória do que os escribas, sacerdotes e redator Sacerdotal denomina de “Primeiro
Templo” que é sobre o ouro que é encontrado
encontrado desde as paredes do templo conforme 1 Reis 6,20
6,20-
35, até os objetos de ouro encontrados em 1 Reis 7,48-51
7,48 e 9,11-14.
A intenção dos escribas, sacerdotes e redator Sacerdotal era contar ao povo que o Templo
que viria a ser construído no pós
pós-exílio teve dias de glória em uma época na qual o rei Salomão
era o mais poderoso, rico, sábio e conhecido de todos os tempos, e que teve condições de honrar
a casa de Yahweh com toda a sua riqueza. O período do reinado de Salomão, para os autores, foi
considerado um período de extrema prosperidade no qual o rei poderia agradar a Yahweh com o
maior luxo possível, de acordo com o que o rei poderia dar para Yahweh.

178
Figura 5 – Planta do Templo cuja construção é atribuída ao rei Salomão. Gravura encontrada em Solomon Temple.
Disponível em: <http://www.christians-standing-with-israel.org/solomon-temple.jpg>. Acesso em: 24 mai. 2015.

A planta acima, conforme o estudado, foi inspirada nos Templos Babilônicos vistos pelos
exilados e conforme a planta referida anteriormente na Figura 2.
Tais construções, baseadas nos Templos Babilônicos das cidades de Borsipa, Nippur e
Uruk eram de fato grandes, mas não era o suficiente para fazer com que o povo fosse ao Templo.
Eles precisariam de algo mais para acreditar que o Templo era algo grandioso que os
remanescentes de Jerusalém durante o exílio pudessem se orgulhar, o que foi bem pensado pelos
escribas.
Além de estabelecerem que o Templo foi em algum passado algo grandioso, construído
pelo ouro que o rei Salomão ofereceu a Yahweh, também era a casa na qual Yahweh morava e
habitava.
O Templo pré-exílico em si, para os escribas, não era considerado o suficiente para
legitimar a sua história perante o povo. Dessa forma,a medidas do Templo pré-exílico (1 Reis
5,15-9,25) foram transmitidas para as do Tabernáculo (Êxodo 26), cuja edificação é atribuída à
figura epônima de Moisés como se apresenta na sequência:

179
Figura 6 – Secção do Tabernáculo. Gravura encontrada em Tabernacle Cutaway. Disponível em:
<http://www.divinerevelations.info/tabernacle/tabernacle%20cutaway.jpg>. Acesso em: 24 mai. 2015.

Ao transferir as medidas do Templo para as do Tabernáculo, houve ao mesmo tempo a


idéia de transmitir a construção do Templo para a tradição mosaica. Atenta-se que o redator
sacerdotal se utilizou de três elementos para demonstrar a presença de Yahweh no meio do povo
apontada pela crítica literária como inserções textuais que são: o Tabernáculo (Êxodo, Levítico e
Números), a Arca da Aliança (Êxodo, Números, Deuteronômio, Josué, os livros de Samuel, e 1
Reis), e o Templo (Deuteronômio 23,17; 1 Samuel 1 – 3; 2 Samuel 22,7; e os livros de Reis). Há
pouquíssimas citações do Tabernáculo e da Arca da Aliança no livro dos Juízes, como se a
“presença de Yahweh” fosse considerada desprezível para o redator sacerdotal.
O que chama a atenção é no caso do Deuteronômio 23,17 em que os filhos e as filhas de
Israel não se prostituirão a serviço do Templo, mas não se sabe que forma de prostituição do
Templo, e nem que Templo se refere. Outra curiosidade que se aponta é a da história do profeta
Samuel quando criança encontrada em 1 Samuel 1 – 3, em que a mãe de Samuel, Ana, o deixa no
180
Templo para ser criado; mas neste período não existia o Templo, mas no livro de Samuel consta
como Templo, e não como Tabernáculo, o que é uma diacronia. Há outra diacronia no salmo cuja
composição é atribuída ao rei Davi encontrada em 2 Samuel 22,7, em que Yahweh escutou o
grito de Davi de dentro do seu Templo; mas o Templo ainda não havia sido contruído.
Aparentemente, tratam-se de histórias que servem para legitimar o Templo que podem ter
duas origens: 1ª) Ou foram histórias do Templo realizadas antes da composição sacerdotal e
inseridas após a organização dos livros em uma tentativa de cronologizar os eventos; 2ª) Ou
foram histórias de origem popular que foram inseridas no momento da organização dos livros
devido a sua popularidade, como por exemplo se escuta no catolicismo popular que “Maria
rezava o terço”, e “João Batista rezava o Pai-Nosso quando estava preso na cadeia”, que são
contos diacrônicos que legitimam as rezas e orações católicas.
A princípio, há as histórias dos referidos objetos que legitimam a presença de Yahweh
inseridos primeiramente na tradição mosaica, de origem sacerdotal, que são dois:
1º) O Tabernáculo, “ancestral” construído do Templo monárquico do reino de Judá, que por
sua vez foi a primeira construção idealizada do templo pós-exílico criada pelos escribas.
2º) A Arca da Aliança, colocada na tradição mosaica como a forma material da prática de
guardar os mandamentos, pois os dez mandamentos eram, conforme a lenda sacerdotal,
guardados pelo povo em uma caixa ou baú, denominado Arca da Aliança. Ou seja, a Arca da
Aliança não passa de uma forma ilustrativa de como o povo guardava os mandamentos dados por
Yahweh para Moisés, que, na prática, deveriam guardar os mandamentos de Yahweh em seus
corações e em suas mentes.

Ambos são elementos anteriores ao Templo epônimo cuja edificação é atribuída ao rei
Salomão e estavam ligados a este último (o Templo), ao Tabernáculo como pré-Templo, e à Arca
da Aliança como símbolo da guarda e da proteção das leis de Yahweh que se encontrava tanto no
Tabernáculo quanto no Templo. O elemento principal antes do Templo era o Tabernáculo de
Êxodo até Números; de Deuteronômio até os livros de Reis, com a construção do Templo em 1
Reis 6, o elemento principal se torna a Arca da Aliança, que é elemento presente mesmo após a
construção do Templo, e desaparece na narrativa de 2 Reis com a destruição do Templo por volta
de 586 a.C. por Nabucodonosor (não há nenhuma alusão da referida arca na destruição do

181
Templo). Percebe-se que o sacerdotal insere a Arca da Aliança como elemento de apoio do
Templo na narrativa de Reis.
Além dos referidos objetos, havia a necessidade de se estabelecer tradições que
legitimassem o Templo como a da origem do terreno do Templo encontrada em 2 Samuel 24, e
do monte no qual este se encontrava ter sido o local do sacrifício de Isaque de acordo com
Gênesis 22,1-19, e ambas as passagens da Bíblia tratam-se de episódios dramáticos.
De 2 Samuel 24, houve um recenseamento do povo no qual o rei Davi fez um
recenseamento indevido, e para pagar pelo seu erro, o profeta Gade deu três alternativas para
Davi, ou três anos de fome sobre a terra, ou três meses o rei Davi fugindo de seus inimigos, ou
uma peste de três dias sobre o povo, e Davi escolheu a peste, mas a peste de três dias era muito
mais grave do que o próprio Davi imaginava, pois o mensageiro responsável pela peste fez algo
tão grave que o próprio Yahweh se arrependeu, e quando o rei Davi viu o mensageiro da peste
próximo a eira de Areúna, pediu para que a peste caísse sobre ele, e o profeta Gade sugeriu a
Davi erguer um altar ali mesmo e fizesse sacrifícios para que a matança sobre o povo parasse.
Davi o faz e Areúna aparece, se prostra diante de Davi como seu servo e oferece o terreno ou eira
e dois bois para o sacrifício gratuitamente. Mas Davi quer comprar a eira e os bois a qualquer
custo, pois não quer fazer um sacrifício que não lhe custe nada. E assim foi feito, Areúna, o
jebuseu vendeu o terreno e os bois a Davi por cinquenta ciclos, construiu o altar e ofertou a
Yahweh os holocaustos, e Yahweh teve pena e fez a peste cessar.
Na passagem de Gênesis 22,1-19, conhecida pelo sacrifício de Isaque, há a crença referida
por Karen Armstrong284, segundo a qual o Templo judaico fora construído no local em que
Abraão atara Isaque para imolá-lo, o que dá uma anterioridade patriarcal ao Templo cuja
construção é atribuída ao rei Salomão. Para a autora, havia um motivo simbólico para tal
identificação, pois nessa ocasião, Yahweh deixava claro que seu culto devia incluir apenas o
sacrifício de animais, não de seres humanos – proibição a qual, de acordo com a pesquisadora,
não foi considerada universal no mundo antigo, e afirma que é bastante significativo que se date
o culto de Jerusalém no momento em que se descobriu que o caráter sagrado da humanidade não
admite o sacrifício de vidas humanas. Mediante esta interpretação, havia o conhecimento dos
escribas de que houve um dia no qual a humanidade apenas realizava sacrifícios humanos, e o

284
ARMSTRONG, K. op. cit., pp. 72-81.
182
local onde foi construído o Templo abriga um marco no qual, pela primeira vez, os sacrifícios
não eram mais humanos, e sim de animais.
Conforme foi observado anteriormente, a ideia socialmente instituída do Templo
considerado como original constrói o passado e legitima o presente, pois para que o seu presente
seja reconhecido, neste caso, precisava-se de histórias que o legitimem. Quando os escribas
chegaram da Babilônia no território da Judeia, provavelmente viram uma estrutura de um edifício
sem história, pois o povo que permaneceu em Judá não tinha o conhecimento da função do que
sobrou do Templo que era anexo do palácio dos reis de Judá. Portanto, eles deveriam, durante a
“reconstrução” do Templo pós-exílico, ensinar ao povo que aquela estrutura que um dia iria se
tornar um Templo foi, no passado, o mais magnífico dos Templos.
A princípio, os escribas partiram das referências que eles possuíam dos Templos
Babilônicos das cidades de Borsipa, Nippur e Uruk que eram organizações bem complexas,
dotadas de um poder econômico e político relevante, com estruturas arquitetônicas imponentes.
Na construção do segundo Templo, há de se entender que houve uma tentativa de imitar os
Templos Babilônicos e colocar tal imitação como se fosse uma reconstrução do Templo pré-
exílico. Ou seja, para os de fora, era uma imitação, mas para os de dentro, era uma reconstrução.
Tal “reconstrução” deveria ser refletida nos escritos Sacerdotais, nos quais, conforme 1
Reis 5,15 – 9,25, um rei denominado Salomão foi responsável pela sua construção magnífica e
inigualável como ninguém mais foi e será, de acordo com o redator Sacerdotal. Mas neste meio
tempo, foram elaboradas histórias como as da infância de Samuel encontradas em 1 Samuel 1-3,
cuja narrativa afirma que ele foi criado dentro do Templo antes de o Templo existir, e a passagem
de 2 Samuel 22,7, em que Yahweh escutou o grito de Davi de dentro do seu Templo, antes da
existência da obra construída por Salomão, que são duas passagens que foram inseridas nos
textos com o intuito de não ferir a cronologia, porém com o Templo como elemento diacrônico
em seu texto.
Havia, porém, a necessidade de registrar a ancestralidade do Templo no deserto, através da
figura epônima elaborada pelos redatores Sacerdotais chamada Moisés através do Tabernáculo de
acordo com Êxodo 26, cujas medidas são idênticas às do Templo cuja construção é atribuída ao
rei Salomão. O Tabernáculo era uma espécie de pré-Templo elaborado pelo redator Sacerdotal
com o sentido de reivindicar as práticas rituais como originárias desde o deserto, antes da entrada
epônima dos hebreus em Canaã (pois hoje já se sabe que os hebreus nunca saíram de Canaã, e
183
são cananeus). Para o Sacerdotal, as práticas rituais já eram anteriores ao Templo, e eram
realizadas no Tabernáculo desde a época de Moisés até antes da construção do Templo de
Salomão.
Não se deve esquecer a Arca da Aliança, que foi um elemento de autoria Sacerdotal que é
referida em Êxodo, Números, Deuteronômio, Josué, os livros de Samuel e 1 Reis. No livro dos
Juízes não há nenhuma presença da Arca da Aliança, a não ser uma encontrada em Juízes 20,27
na qual o redator sacerdotal apenas afirma o que não reforçou no livro inteiro, que a Arca da
Aliança e Fineias, filho de Arão, estavam ali naqueles dias, sem grandes histórias em torno da
Arca. Conforme os estudos feitos durante esta pesquisa, a Arca da Aliança foi uma ideia do
redator Sacerdotal que partiu dos próprios escritos do Deuteronômio, livro no qual o termo
“guardem os mandamentos de Yahweh” repete-se quarenta e duas vezes. Então, o escritor
Sacerdotal, mediante as ideias de hegemonia dos escribas como intérpretes, colocou Yahweh
como o primeiro escriba ao entregar o Decálogo a Moisés em tábuas de pedra.
Percebe-se que, como a confecção das tábuas de pedra do decálogo foi uma espécie de
ilustração física e material dos mandamentos de Yahweh, da mesma forma necessitava de uma
ilustração física e material de como eles seriam guardados, e a melhor ideia que o escritor
sacerdotal teve foi a de criar uma Arca da Aliança para guardar os mandamentos de Yahweh, que
foram guardados dentro do Tabernáculo, conforme a apresentação Sacerdotal desde antes da
entrada na terra prometida, e precisaria, com o decorrer do tempo, ficar guardada dentro do
Templo pré-exílico como o objeto mais sagrado que o povo de Israel tinha, e tal templo seria a
morada de Yahweh. Entretanto, após a destruição do “Primeiro Templo” – que, de acordo com as
pesquisas, se trata de uma capela anexa ao palácio – por volta de 586 a.C. pelos babilônios, a
Arca da Aliança some da narrativa da Bíblia. Dessa forma, o redator sacerdotal faz do elemento
Arca da Aliança um vínculo entre o Tabernáculo e o Templo pré-exílico.
Para concluir a elaboração da imagem, o redator Sacerdotal necessitou legitimar a
construção do Templo sobre a elaboração de uma história que pode ser localizada em 2 Samuel
24 pela compra do terreno de Areúna por Davi em circunstâncias extremas nas quais o rei, por
arrependimento, deveria fazer um sacrifício que lhe custasse algo devido à escolha da peste por
três dias que fez seu povo morrer. Tal terreno era onde o Templo seria construído, e foi comprado
por Davi, fundador da casa que leva o seu nome. O sacrifício com esforço mediante prejuízo e
morte de seu povo dá um significado profundo ao holocausto realizado no Templo, pois Davi o
184
fez para salvar o povo e era um sinal de profundo arrependimento, mediante às desgraças
causadas por aquele que oferece animais para a libação.
Além disso, a crença na qual o episódio de Gênesis 22,1-19, do sacrifício de Isaque, que
remete ao período patriarcal, indica que o monte no qual houve a construção do Templo foi o
mesmo local onde houve o sacrifício de Isaque, como símbolo do primeiro local conhecido como
marco em que houve o primeiro sacrifício de animais ao invés do sacrifício de seres humanos, ou
do próprio filho, pois na história, quem pede o filho para ser sacrificado é Elohim, e quem
substitui Isaque por um animal é Yahweh.
Desta forma, verifica-se que houve a junção de todos estes elementos para se formar a
imagem do Templo como o objeto mais sagrado de Jerusalém, pois a ideia socialmente instituída
do Templo considerado como original constrói o passado e legitima o presente. Ou seja, todas
estas ideias construíram um passado do Templo para legitimar o presente, como uma retrojeção
construída pelo redator Sacerdotal.
Nesse contexto, deveria haver uma nova leitura sobre Yahweh, que, de acordo com Eckart
Otto, teve inspiração na figura de Ahuramazda, maior divindade persa, o que faz certo sentido,
pois os exilados tiveram contato também com os persas, além dos babilônios. Conforme o já
referido, após o retorno do exílio, por volta do ano 538 a.C., os sacerdotes, como novo grupo de
poder, para organizar ideologicamente a centralização de Jerusalém e do Templo, criaram um
novo discurso para a manutenção de seu status quo, bastante espelhado na cultura persa, pois
para o redator Sacerdotal, Yahweh era tão criador do Universo quanto Ahuramazda era para o
Império Persa, e Yahweh, além de criador do mundo, morava no Templo desde a época em que
este era uma tenda em Êxodo 40, antes da entrada do povo de Moisés em Canaã.
A função do redator Sacerdotal, por ele pertencer à classe dos Sacerdotes e dos Escribas,
além de criar imagens, era legitimar o seu poder. Inclusive, a tribo de Levi, que foi a única tribo
que não tinha território, foi uma criação sacerdotal, pois Moisés era o escriba principal em sua
época, e todos os sacerdotes deveriam ser descendentes de seu irmão mais velho Arão. De acordo
com o que se conhece, todas as tribos existentes em Israel e Judá possuíam territórios. A tribo de
Levi foi criada para legitimar os Sacerdotes, que pertenciam à sua tribo, que se origina no
deserto, com Moisés e Arão.
Dessa forma, a organização de culto era a atividade principal do Templo pós-exílico, por
ser realizada pelos sacerdotes, necessitaria de reivindicar a sua ancestralidade como algo
185
realizado desde a época mosaica, nas dependências do Tabernáculo, que era uma espécie de pré-
templo, pelos levitas, algo que perdurou até o pós-exílio conforme o redator Sacerdotal, com
exceção do longo período em que o povo de Judá permaneceu cativo na Babilônia até o seu
retorno para o território da Judeia.

6. A Função do Imaginário do Primeiro Templo

Neste item será aprofundada a função do imaginário do Templo considerado como o


original. Mas qual o significado da palavra “imaginário”? De acordo com o dicionário Aurélio285,
imaginário é aquilo que só existe na imaginação, ou que apenas a imaginação pode alcançar.
Como conceito, é o mais próximo do tema do Templo pré-exílico, que apenas pode existir no
mundo da imaginação, pois a arqueologia afirma-o como inexistente.
Há outra definição no dicionário Aurélio que pode ser aplicada nesta pesquisa, segundo a
qual “imaginário” significa fabricante de imagens, ou aquele que faz ou manufatura imagens,
pois a literatura, seja ela deuteronomista, cronista ou sacerdotal, é uma imagem, porém, se
partirmos desta premissa, o imaginário poderia ser o redator da literatura bíblica, que produziu
imagens através de sua obra.
O Dicionário Básico de Filosofia, cuja autoria é de Japiassú e Marcondes286, indica que a
palavra “imaginário” vem do latim imaginarius, que em uma primeira definição, existe apenas
como produto da imaginação, que não possui existência real. Os autores exemplificam o centauro
da mitologia grega como um ser imaginário, oposto a real. Perante esta definição, o Templo pré-
exílico é um objeto imaginário, que existe apenas como produto da imaginação e não tem
existência real, pura e simplesmente. Em uma segunda definição, em um sentido mais específico,
conforme os estudiosos, é o conjunto de representações, crenças, desejos, sentimentos, através
dos quais um indivíduo ou grupo de indivíduos percebe a realidade e a si mesmo. Nesta
definição, pode-se abranger no imaginário não apenas o Templo de Judá monárquico, mas outros
elementos que serão abordados na sequência mais detalhadamente, como, por exemplo, o orgulho

285
FERREIRA, A.B.H. Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. 3ª ed. Curitiba: Positivo, 2004.
286
JAPIASSÚ, H.; MARCONDES, D. Dicionário Básico de Filosofia. Rio de Janeiro: Zahar, 2001, p. 101.
186
pelo Templo, por ele fazer parte da identidade de um povo e de sua história e de possuir um
Templo que foi estabelecido por vontade de Yahweh.
Japiassú e Marcondes apresentam definições mais voltadas para a filosofia, como a
apresentada pela fenomenologia existencialista de Jean Paul Sartre, que considera o imaginário
ou “ato de imaginar” como a capacidade que tem a consciência de “reduzir ao nada” o real, de
desligar-se da plenitude do dado e de romper com o mundo. Para esta definição, apresentada por
Sartre através de Japiassú e Marcondes, ao se transformar o real no nada, desligar-se de plenitude
do dado e romper com o mundo, desconsidera-se o factual e vive-se apenas no mundo da
imaginação. Mas tal definição não justifica o sentido que se dá ao construir a identidade que um
povo perdeu durante um bom tempo, como ocorre com o povo do Judá pós-exílico, que precisou
de uma identidade nova, construída pelos escribas que retornaram do exílio, para se manter como
povo.
Os pesquisadores apontam a originalidade da psicanálise freudiana, que consiste em fundar
a solidariedade do desejo e do imaginário. Há o exemplo da criança que, em situação de
impotência, tem a necessidade de outrem para satisfazer suas necessidades: “deseja”, então, o
retorno de uma presença benéfica (geralmente a da mãe) e alucina o objeto perdido que dá
satisfação a fim de reatualizar a presença, e aí é que se dá o imaginário. Para os autores, quando
Freud define o sonho como “realização do desejo”, mostra que o desejo atualiza, em uma cena
que vive no presente, aquilo que corresponde a sua exigência. Portanto, concluem Japiassú e
Marcondes que, a partir dessa análise, se deve compreender toda a criação imaginária: o desejo
que preenche uma ausência é sempre o desejo do outro (como Hegel, conforme os estudiosos,
definia o desejo do homem como “desejo do desejo do outro”).
Há a possibilidade de se fundamentar o desejo do povo de Judá no pós-exílio por meio da
análise do imaginário em Freud pelo desejo, pois como os persas tinham Ahuramazda como a
divindade criadora de todas as coisas e que vivia no Templo principal de Persépolis, os escribas,
sacerdotes e o redator sacerdotal primeiramente tiveram o desejo de terem isso em seu povo, ao
imitar os aspectos dos persas. Dessa forma, o desejo que os escribas do Judá pós-exílico tinham
era o mesmo dos persas que estava a se realizar. O trabalho que os exilados intelectuais teriam
era de transmitir o seu desejo para um povo que estava devastado por anos pela destruição de
Nabucodonosor por volta de 586 a.C. e que precisava de uma nova razão de existência como

187
povo. A partir da teoria freudiana, existe sentido, mas há a necessidade de desenvolver a
motivação e a razão de um povo que precisaria se orgulhar de sua existência na humanidade.
No presente trabalho será utilizada a literatura como imagem e o imaginário como algo que
só existe na imaginação, ou que apenas a imaginação pode alcançar concretude. Contudo,
percebe-se que o imaginário, no caso do Templo monárquico do reino de Judá, é resultado tanto
de quem produziu a literatura sobre o referido (Templo), como da sociedade que acatou tal
literatura em prol da manutenção da sua identidade. Mesmo os escribas possuíam ciência da sua
importância em ensinar o povo, que necessitava de instrução para sobreviver socialmente e
culturalmente.
Conforme Castoriadis287, o Templo cuja construção é atribuída ao rei Salomão se torna a
imagem de um povo, do “nós”, pois representa o tesouro e o orgulho de uma coletividade que é
definida pelos outros em relação a um “nós”, ao representar um ‘nome’. Tal nome designa
compreensão, objeto, qualidade ou propriedade. No caso o Templo pré-exílico como imagem e
nome, é algo que dá sentido à existência do povo que morava em Jerusalém na época do pós-
exílio, pois legitima a existência de seu maior símbolo, o Templo, como algo que sempre fez
parte da vida de seu povo, como propriedade, e de maior importância.
Para Castoriadis, tal imagem, representada por um ‘nome’, não se limitou em denotar as
coletividades históricas apenas, mas ao mesmo tempo as conotou, e tal conotação se liga a um
significado que não pode ser real, nem racional, mas imaginário, independente de seu conteúdo
específico e de sua natureza particular. Ou seja, na imagem representada por um ‘nome’, as
coletividades históricas não se encontram apenas em seu sentido literal, mas também no seu
sentido figurado, o qual se liga a um significado que não pode ser real, nem racional, mas
imaginário.
Aqui se percebe que há a dialética de duas literalidades: a literalidade da Bíblia (conotativa)
e a literalidade das coletividades históricas (denotativa). Ao se trabalhar com a literalidade das
coletividades históricas, a arqueologia levantada por Finkelstein e Silberman e a crítica literária
demonstrada por Mario Liverani buscam algo absoluto, considerado literal, ao retirarem a
literalidade dos relatos bíblicos ao ponto de anulá-la e ao trazerem tal literalidade para a
arqueologia e para a crítica literária. Em suma, o próprio nihilismo da literalidade bíblica
transporta tal literalidade para os instrumentais acadêmicos da arqueologia e da crítica literária. Já

287
CASTORIADIS, C. op. cit., p. 178.
188
a literalidade bíblica é produto dos escribas, conforme Eckart Otto, que possuem a função social
de instruírem o povo, principalmente através das narrativas bíblicas, ao perpetrarem a “glória” de
um grande Templo ao seu povo. Templo que, na realidade física, real e acadêmica, jamais existiu,
mas que no imaginário dos que o circulavam foi uma realidade.
Segundo os conhecimentos de Castoriadis288, as significações imaginárias sociais – pelo
menos as que são consideradas verdadeiramente últimas e definitivas – não denotam nada, e
conotam mais ou menos tudo; e é por este motivo que tais significações são tão frequentemente
confundidas com seus símbolos, não somente pelos povos que as utilizam, mas pelos cientistas
que as analisam e chegam a considerar que seus significantes se significam por si mesmos (uma
vez que não remetem a nenhum real, nenhum racional que se pudesse designar), e atribuir a esses
significantes como tais, ao simbolismo tomado em si mesmo, um papel e uma eficácia
infinitamente superior às que certamente possuem.
Deve-se interpretar que nas verdades definitivamente últimas, como no caso do Templo
considerado como original estudado nesta pesquisa, tais significações consideradas as últimas e
definitivas não estão em seu sentido literal, mas se encontram mais ou menos em seu sentido
figurado, e esse sentido figurado torna-se a verdade absoluta das coisas, e o literal, que seria o
factual, aquilo que não foi produzido pelos escribas não é colocado, nem apresentado para o
povo, pois os escribas deveriam ensinar para o povo lições que lhes dessem sentido identitário de
vida.
Conforme o afirmado anteriormente, tal conotação ou figuração se liga a um significado
que não pode ser real, nem racional, mas imaginário, independente de seu conteúdo específico e
de sua natureza particular, e a este significado, atribui-se um papel e uma eficácia infinitamente
superior às que certamente possuem. E o nome “Templo” é designado como compreensão,
objeto, qualidade ou propriedade.
Castoriadis aponta vários níveis e aponta o imaginário radical superior ao imaginário social,
mas percebe-se que, com relação ao Templo monárquico do reino de Judá, tanto o imaginário
social quanto o imaginário radical podem ser utilizados. O imaginário radical ocorre na e pela
posição-criação de figuras como presentificação de sentido e de sentido como sempre foi
figurado-representado.

288
Ibidem, p. 173.
189
Nota-se que o imaginário radical, no final das contas, torna-se uma adequação do
imaginário social como sua consequência, na qual houve a crença na verdade do imaginário
instituído pela sociedade ao ponto de se tornar absoluta e de todos afirmarem que as coisas
sempre foram assim.
Segundo o caso do Templo, houve um dia em um passado remoto em que a sua construção
foi gloriosa, assim como o seu semblante, o que dá orgulho para o povo como seu objeto mais
importante (qualidade e propriedade). A literatura sobre o Templo produzida pelos escribas
trouxe uma identidade ao povo ao torná-lo a imagem mais importante para os judeus. Portanto,
uma das funções sociais principais da literatura produzida pelos escribas foi à manutenção da
identidade do povo, e a crença na existência do Templo cuja construção é atribuída ao rei
Salomão faz parte de sua identidade, ao ponto de o indivíduo pertencente à religião judaico-cristã
possuir tal crença como sua característica indissociável e inalienável.
A questão da identidade é abordada em diversos dos autores trabalhados neste trabalho,
assim como Finkelstein e Silberman, ao afirmarem que a escrita faz parte do aspecto identitário
de um povo ao fazerem referência ao período de Davi e de Salomão, o qual, segundo a
arqueologia, não havia condições identitárias e produção literária para afirmar Jerusalém e o seu
Templo considerado como original como grande centro do reino unido de Israel e de Judá, e,
desta forma, a composição identitária por meio da produção literária se dá em dois momentos
principais da história de Judá: primeiro como identidade israelita-judaíta após o cativeiro do reino
do norte em aproximadamente 722 a.C.; segundo no período pós-exílico, por volta de 539 a.C.,
com o édito de Ciro.
Em ambos os contextos, o povo precisaria sentir orgulho do Templo monárquico do reino
de Judá, por ser uma grande obra realizada pelo seu povo, tanto que em outro contexto mais
tardio, na redação do Cronista datada por volta do ano 300 a.C., período do começo da era
helenística, bem posterior à redação do Deuteronomista, traz uma visão bem mais positiva do rei
Salomão como grande construtor do Templo considerado como original, sem entrar nos méritos
ou desméritos de seu afastamento de Yahweh, o que no contexto helenístico daria muito mais
orgulho ao povo do que nos contextos de aproximadamente 722 a.C. e 539 a.C.
Há uma passagem em 1 Reis 6,11-14 que afirma o seguinte:

190
11. Então veio a palavra do Senhor a Salomão, dizendo: 12 Quanto a esta casa que tu
edificas, se andares nos meus estatutos, e fizeres os meus juízos, e guardares todos os
meus mandamentos, andando neles, confirmarei para contigo a minha palavra, a qual
falei a Davi, teu pai; 13 E habitarei no meio dos filhos de Israel, e não desampararei o
meu povo de Israel. 14 Assim edificou Salomão aquela casa, e a acabou.289

Nesta passagem, Yahweh reconhece a devoção de Salomão através da construção do


Templo tido como o primeiro e, devido a isso, promete a confirmação da linhagem através da
descendência de Salomão, e estar no meio dos filhos de Israel e jamais desampará-los. A
construção do Templo monárquico do reino de Judá refletiu uma promessa para Salomão e para o
povo de Israel. Tal passagem foi válida no período da reforma josiânica, por volta do ano 622
a.C., mas não poderia ser plenamente válida por volta do ano de 539 a.C., pois Judá não era mais
um reino, mas sim uma província do Império Persa, e apenas restou para Yahweh, devido à
promessa feita no final da construção do Templo que é considerado obra do rei Salomão, habitar
no meio dos filhos de Israel e jamais abandoná-los. Conforme o imaginário, por mais glorioso
que o Templo pré-exílico possa ter sido, apenas resta a devoção do povo a Yahweh e ao Templo
construído por Salomão em sua homenagem (de Yahweh). E tal fator é considerado fato
inquestionável para o remanescente do cativeiro da Babilônia.
Mario Liverani traz as motivações que estão por detrás dos escritos bíblicos ao afirmar que
outros povos também possuíam os mesmos métodos para de alguma forma manipular o povo a
crer no seu poder, pois quem tinha o poder da escrita, tinha o poder de fazer os outros
acreditarem naquilo que eles bem entendessem. Além disso, a produção literária é da mesma
forma responsável pela manutenção da identidade de um povo, algo apresentado por Eckart Otto,
ao se referir à consciência da responsabilidade dos escribas de ensinarem o seu povo, que
precisava de alguma forma de ensino, e o Templo tido como original foi uma parcela da sua
instrução.
Ao se fazer o confronto do método histórico-crítico mediado pela arqueologia com o estudo
socioantropológico do imaginário na questão do Templo pré-exílico, atenta-se que o estudo
bíblico contemporâneo, conhecido como método histórico-crítico, foi resultado de um intenso
questionamento originário do iluminismo do século XVII tardio que desembocou no

289
Bíblia Almeida Corrigida Revisada e Fiel. Sociedade Bíblica do Brasil, 1994.
191
protestantismo liberal pelo motivo de a crença cristã ter se sustentado durante aproximadamente
mil e quinhentos anos, sem o mínimo questionamento. Na atualidade, tal questionamento é feito
por meio da crítica literária comparativa apresentada por Liverani e por meio da arqueologia
apresentada por Finkelstein e Silberman, e por autores de raciocínio similar que seguem tal linha
de raciocínio, pois sem Mario Liverani e Finkelstein-Silberman não se dá nenhum passo a diante
no desenvolvimento acadêmico dos estudos bíblicos.
Contudo, há a construção da identidade judaico-cristã através do imaginário do Templo
monárquico do reino de Judá, cujo acesso se tem através da literatura bíblica criada e elaborada
pelos escribas originalmente, e utilizada pelo judaísmo e cristianismo para legitimá-los não
apenas como religião, mas também os seus devotos. Deve-se lembrar de que no caso do Templo
cuja construção é atribuída ao rei Salomão, não adiantaria nada os escribas inventarem histórias
para ninguém; eles precisariam do povo para transmitir as referidas, e mesmo, conforme Eckart
Otto, a intenção dos escribas era justamente ensinar o povo, e o ensino da existência da
construção do Templo pré-exílico era parte da instrução.
Segundo o afirmado anteriormente, os escribas, em sua função social de ensinar o povo,
criaram imagens através de sua literatura, pois em seu contexto, ensinariam a uma geração que
não possuía memória alguma de como deveria ser o Templo no período pré-exílico, e deveriam
produzir tais memórias, da mesma forma denominadas imagens, na intenção de criar a identidade
do povo judeu.
E as referidas memórias e imagens são designadas como compreensão, objeto, qualidade ou
propriedade. No caso o Templo considerado como original como imagem e nome, é algo que dá
sentido à existência do povo que morava em Jerusalém na época do pós-exílio, pois legitima a
existência de seu maior símbolo, o Templo, como algo que sempre fez parte da vida de seu povo,
como propriedade, e de maior importância.
Atenta-se que no contexto do pós-exílio as imagens criadas pelos escribas por meio da
literatura, produziram, principalmente relacionadas ao Templo pré-exílico, algo que deu sentido a
existência de seu povo conforme o afirmado anteriormente, e se encontra principalmente em seu
sentido figurado, o qual se liga a um significado que não pode ser real, nem racional, mas
imaginário.
Ao se interpretar o afirmado acima, o acadêmico compreende que as imagens produzidas
pelos escribas por meio da literatura não são consideradas reais, nem racionais, mas sim
192
imaginárias, ou seja, apenas existem na imaginação, e/ou somente a imaginação pode alcançar-
lhes. Pois os fatos, mediante a arqueologia e a crítica literária não sustentam a produção das
imagens realizada pelos escribas.
Todavia, há a manutenção da identidade de um povo e das religiões judaico-cristãs através
do imaginário, pois no raciocínio daquele que lê a Bíblia e as suas passagens sobre o Templo
monárquico do reino de Judá, as Escrituras Sagradas são a Palavra de Deus incontestável e não
há mentira nelas, e tudo o que se encontra na Bíblia é verdade, mesmo sem serem fatos
históricos. Dessa forma, para o que lê, o Templo cuja construção é atribuída ao rei Salomão de
fato existiu.
Deve-se lembrar de que a nossa cultura ocidental é quase que absolutamente cristã e
fundamentada nas tradições católica e protestante, e por questão identitária, mesmo que haja um
estudioso profundo da análise bíblica pelo método crítico-literário, ele cai na identidade cristã a
que ele pertence, pois o catolicismo e o protestantismo ainda fazem parte de sua realidade
cotidiana, mesmo que não haja a sua frequência na igreja. Portanto, a questão identitária, produto
da imagem literária é bastante forte na nossa sociedade ocidental.
O Templo pré-exílico, conforme o método histórico-crítico mediado pela arqueologia e pela
crítica literária não existiu conforme a literatura bíblica, devido às suas dimensões serem
extremamente gigantescas para o seu contexto, que foram dimensões criadas no Período Persa
pelo redator Sacerdotal. Contudo, o Templo monárquico do reino de Judá, conforme o estudo
socioantropológico do imaginário, existiu, pois fez parte da identidade de um povo no período
pós-exílico, e faz parte das religiões judaico-cristãs nos dias de hoje. O Templo cuja construção é
atribuída ao rei Salomão faz parte da crença das religiões judaico-cristãs e é impossível dissociar
a existência do Templo considerado como o primeiro do judaísmo e do cristianismo de uma
forma geral. Consequentemente, a existência do Templo tido como original é imprescindível e
primordial para a manutenção das religiões judaico-cristãs, pois sem tal símbolo ou imagem
(como diversos), as referidas religiões perdem o seu sustentáculo.
O método histórico-crítico dos estudos bíblicos está reservado apenas para a academia, a
qual não se podem admitir crenças sem fundamento algum, e a academia busca os fundamentos
para transmitirem e declararem determinadas afirmações. O que estiver no âmbito da literatura
bíblica, os estudiosos acadêmicos do método histórico-crítico estudarão além do satisfatório na
intenção de buscarem a sua veracidade, e, consequentemente, torná-la conhecida.
193
Ao passo que o religioso judeu-cristão, no estudo socioantropológico imaginário, depende
da existência de imagens como a do Templo pré-exílico para manterem a sua identidade, pois,
caso contrário, eles não poderão ser considerados adeptos do cristianismo e/ou do judaísmo.
Por serem duas dialéticas distintas, percebe-se a possibilidade da conciliação do religioso e
ensinador do método histórico-crítico bíblico desde que ele ocupe cargo de responsabilidade em
uma igreja, por exemplo, pois existem padres teólogos que se consideram ateus e celebram a missa
para aqueles que acreditam no catolicismo, e se tornaram ateus graças aos estudos teológicos e
filosóficos. E mesmo pastores que lecionam o método histórico-crítico bíblico, pregam
diferentemente em suas respectivas igrejas protestantes.
O método histórico-crítico não serve para aqueles que acreditam cegamente na inspiração
divina das Escrituras, que não saem do banco de suas igrejas, pois sobre muitas coisas que são
afirmadas para eles oriundas do método histórico-crítico, eles vão falar: que é a opinião de quem
afirma, como se acadêmicos com títulos de mestre e doutor fossem ensinar a opinião deles na
academia, sem considerar que o método histórico-crítico tem pelo menos trezentos anos de
estudo e é área formalizada pela academia; que é blasfêmia contra o Espírito Santo afirmar tais
coisas e vão considerar como loucura acreditar no método histórico-crítico, sem ponderar que
loucura é levar passagens da literatura bíblica fantásticas (no sentido de fantasia) e fabulosas (no
sentido de fábula) como se fossem fatos históricos.
Conclui-se que a conciliação apenas vale para os de alta patente na religião, e não para os
simples membros da igreja, que se demonstram tão dependentes da religião que ao ouvirem os
ensinamentos do método histórico-crítico pensam que vão perder a fé na sua religião.
Isso sem contar que o conhecedor do método histórico-crítico não pode chegar a uma igreja
e falar para os membros sobre o que ele sabe, pois pode acabar com o status quo da referida
instituição eclesiástica e os pastores mal-instruídos, com medo de perderem a membresia de sua
igreja, vão amaldiçoar o referido conhecedor ao ponto de falar que ele está a perverter as ovelhas
de seu rebanho.
Até onde se conhece, a conciliação entre o religioso e o ensinador do método histórico-
crítico bíblico só se dá nos estudiosos de alta patente, e de preferência ou do catolicismo ou das
denominações protestantes tradicionais, pois se for estudioso e pregar em uma neopentecostal,
não será honesto e nem terá condições de ser honesto.

194
Assim, o método histórico-crítico bíblico tem o seu lugar na academia e o imaginário
socioantropológico tem o seu lugar no templo religioso judaico-cristão, sem se misturarem, pelo
fato de serem duas dialéticas distintas e apresentarem duas coisas completamente diferentes,
porém complementares. A arqueologia é de suma importância para os estudos bíblicos e para o
método histórico-crítico, pois durante muito tempo, mesmo os estudos bíblicos de Julius
Wellhausen tinham os relatos bíblicos como fatos históricos, e era um contexto no qual não se
havia nenhum questionamento perante a “historicidade factual” da Bíblia. Nos dias de hoje, o
método histórico-crítico é completamente dependente e imbricado na arquelogia para se obter a
confirmação de fatos históricos encontrados na Bíblia.
A antropologia nos Estudos Bíblicos possui o seu lugar na medida de como o povo do Judá
pós-exílico recebeu todas aquelas criações e legitimações oriundas dos Escribas, Sacerdotes e
redator Sacerdotal. Há um motivo na questão da literatura na formação de uma identidade, o que
ocorreu não apenas no período pós-exílico, como também ocorre nos dias de hoje dentro do
imaginário judaico-cristão, independente de todas as suas vertentes. Tais legitimações oriundas
do imaginário social, mesmo por elas não serem fatos históricos, de alguma forma, tocam na vida
das pessoas, em sua identidade, tanto do judeu do período pós-exílico, como nos dias de hoje do
religioso judaico-cristão. Por detrás da redação bíblica, houve uma motivação que teve o intuito
de criar a identidade em um povo que a havia perdido, que criou o seu imaginário, fundamentado
em sua identidade e no seu orgulho de possuir um Templo em Jerusalém que era a casa e a
vontade de Yahweh desde antes do mito da entrada dos hebreus na terra de Canaã. Portanto,
deve-se levar em consideração o contexto e a motivação que levaram aquela elite de Escribas,
Sacerdotes e redator Sacerdotal a construir a imagem e o imaginário do Templo.
Durante muito tempo, houve a crença no meio dos estudos materiais e científicos na
narrativa da Bíblia, que era considerada como fato histórico. Para retirar a sua crença, a crítica
literária e a literatura comparada se tornaram instrumentos de grande valia para os estudos
bíblicos. Tais estudos, porém, não foram suficientes para tirar tal crença de todo. Em seguida,
surge o instrumento da arqueologia, por ser um estudo investigativo e material, possui plenas
condições de negar os relatos bíblicos como fatos históricos. Consequentemente, os estudos
bíblicos tornam-se dependentes da arqueologia para confirmarem qualquer coisa encontrada na
Bíblia. Caso não haja as fontes extrabíblicas, não se confirma nada.

195
Sobre o Templo cuja construção é atribuída ao rei Salomão, apesar de não ter existido de
acordo com a crítica literária e os achados arqueológicos, ele existiu para o imaginário do judeu
pós-exílico como produto da literatura produzida pelos escribas, e ainda existe para o religioso
judeu-cristão graças à legitimação de suas respectivas religiões.

196
Conclusão

Todo o trabalho fundamenta-se na discussão entre o método histórico-crítico e o imaginário


socioantropológico relacionado ao Templo pré-exílico. A princípio, foi trabalhada a questão
Deuteronomista, por ser considerada a fonte mais antiga e abranger os livros de Deuteronômio,
Josué, Juízes, os livros de Samuel e os livros dos Reis, e o Templo pré-exílico encontra-se nesta
fonte (1 Reis 5,15 – 9,25). Contudo, percebeu-se uma dificuldade em atribuir toda a literatura
Deuteronomista exclusivamente ao período da reforma de Josias, apesar de teoricamente haver
plenas condições para o seu desenvolvimento devido à morte do rei da Assíria Assurbanípal por
volta de 627 a.C., e ao desejo de assumir os remanescentes do reino do Norte destruído em
aproximadamente 722 a.C.; além disso, não há fontes extrabíblicas que sustentem tal relato.
Dessa forma, a questão do Templo é mais bem fundamentada no período pós-exílico, no
qual um novo grupo de poder, os sacerdotes, para organizar ideologicamente a centralização de
Jerusalém e do Templo, criaram um novo discurso para a manutenção de seu status quo. Desta
forma, como era o período da “reconstrução” do Templo, os sacerdotes, os escribas e o redator
Sacerdotal deveriam elaborar uma literatura a legitimar toda a ancestralidade do Templo para dar
orgulho ao seu povo que não possuía mais identidade. Consequentemente, houve diversas
inserções Sacerdotais na literatura Deuteronomista relacionadas ao Templo, assim como da Arca
da Aliança, cuja autoria é atribuída a Moisés como o símbolo material da guarda dos
mandamentos e que sempre se encontrava dentro do Templo pré-exílico.
Em seguida, analisou-se o senso crítico sobre o Templo considerado como original diante
do senso comum. O senso comum possui as leituras religiosas que são a fundamentalista, a
conservadora e a devocional, que não possuem questionamento científico algum, nem com
relação ao Templo, tampouco quanto aos demais episódios que fogem da realidade corrente.
197
Diante dessas leituras do senso comum, há as leituras do senso crítico, cujos autores trabalhados
foram Mario Liverani e Finkelstein com Silberman. Mario Liverani obtém as suas respostas a
partir da literatura comparada, ao passo que Finkelstein e Silberman as tiram da arqueologia. As
leituras do senso comum ou religiosas estão no âmbito do imaginário social trabalhado no
presente estudo, que chega a transcender outras culturas por meio da religião cristã, independente
de suas vertentes.
O que é mais familiar ao povo brasileiro e ao ocidente é o cristianismo em todas as suas
vertentes, e as leituras do senso comum são praticamente conhecidas por todos os brasileiros e
ocidentais, mesmo que eles não tenham lido a Bíblia, pois de alguma forma ouviram as suas
histórias fabulosas (no sentido de fábula) e fantásticas (no sentido de fantasia). Portanto, ao se
tocar nas leituras de senso comum oriundas do meio cristão, não há tanta necessidade de explaná-
las, visto que, no caso do Brasil, as missões católicas e protestantes já fizeram o seu trabalho em
divulgar o cristianismo que chega hoje aos ouvidos de todos, independentemente do
conhecimento que se tem da Bíblia, a chegar ao ponto de dependentes químicos brigarem com
você quando se afirma que Jesus nunca andou sobre a água. Os estudos do Templo pré-exílico
voltados ao senso crítico vão apontar para indicações materiais, e não para as construções
imaginárias sociais fundadas pelos escribas sacerdotais e pelo redator Sacerdotal, e reproduzidas
pelas religiões judaico-cristãs contemporâneas.
Para a análise do senso crítico, os autores trabalhados foram Finkelstein e Silberman e
Mario Liverani. Finkelstein e Silberman, conforme a academia, defendem uma posição bem
distinta daquela de Mario Liverani que é denominada ultraminimalista. Finkelstein e Silberman
defendem que a composição da Bíblia começou por volta dos séculos VIII e VII a.C., ao passo
que a posição ultraminimalista atribuída a Mario Liverani coloca a composição da Bíblia após o
retorno do exílio da Babilônia durante os períodos persa e grego. Entretanto, e conforme o
afirmado anteriormente, não se pode levar ambas as posições como se fosse torcer para algum
time de futebol (apesar de tais discussões servirem apenas para a massa de manobra dos
torcedores, e dos dirigentes dos times não terem nada com isso, pois os dirigentes de times rivais
trocam os seus principais jogadores entre eles para verificar como fica o grito de apoio, mas esta
discussão não cabe aqui, é apenas para afirmar e exemplificar que tal paixão partidária é leviana).
Ao verificar a posição de Finkelstein e Silberman, deve-se perceber que há lacunas em sua
posição, como, por exemplo, os autores afirmam que não houve um Templo construído no
198
período de Salomão conforme o relato bíblico. Contudo, o relato bíblico teve uma origem, e é
razoável associar a observação dos templos babilônicos de Borsipa, Nippur e Uruk como
modelos observados pelos escribas Sacerdotais e transferidos para o Templo pós-exílico em
construção. No instrumental do senso crítico da Bíblia, é razoável buscar, onde um não tiver
resposta, a orientação de quem a tem, mas não levar ao ponto de se afirmar que um teórico está
correto e o outro está errado, pois cada um se fundamenta em instrumentos distintos, para chegar
ao seu fim, que é reforçar os escritos bíblicos como produção literária, e não como conteúdo de
fatos históricos, pois a intenção do redator bíblico, independente de sua época, não foi a
preocupação em relatar os fatos históricos em sua precisão, mas sim legitimar a sua crença e a
identidade de seu povo.
No caso do balanço crítico, foi efetuada uma análise baseada nos autores Finkelstein e
Silberman, Mario Liverani e Eckart Otto e voltada para o senso crítico da leitura bíblica, e não
para o senso comum, pois sem tais autores, na contemporaneidade, não se dá nenhum passo a
diante nos estudos bíblicos. Uma história factual razoavelmente coerente deve estar
fundamentada nesses autores para se compreender o que na realidade ocorreu, pois, a princípio,
tais autores eram desconhecidos pelo autor da tese por diversos problemas acadêmicos, tais como
a ausência de sua menção durante a graduação em teologia e no mestrado, além da utilização da
obra de Bright, que foi relançada em 2003 sem a devida e merecida atualização de seu conteúdo
com relação aos estudos bíblicos, e da obra de Amihai Mazar, lançada em 1990 e publicada no
Brasil apenas em 2009, sem a mínima adaptação à atualidade dos estudos bíblicos. Por esses
motivos, no que integrou o balanço crítico, apenas se fundamentou nos autores da análise crítica,
sem se pautar nas leituras do senso comum da origem do Templo fundamentadas a princípio nos
escritos Sacerdotais.
O balanço crítico fundamentou-se no raciocínio material do Templo, do território de Israel
e de Judá no contexto pré-exílico e do motivo da existência de artefatos mitológicos como a Arca
da Aliança como símbolo da guarda dos mandamentos pelo povo de Israel e de Judá. Na
sequência, foi trabalhada a relevância da memória do Templo pré-exílico que se baseia em uma
teoria social denominada Burger-Temple-Gescinde que, por sua vez aponta para o apoio dos
dominantes persas na manutenção ideológica do “Segundo Templo” (aproximadamente no ano
de 457 a.C.) com lendas e tradições que afirmam um “Primeiro Templo”.

199
Mas tal manutenção ideológica foi realizada pelos escribas quando eles voltaram do exílio
da Babilônia ao chegarem de volta no território da Judeia, se depararam com um povo que havia
perdido toda a sua cultura mediante a destruição causada por Nabucodonosor, e a sua função era
construí-la, para que eles tivessem orgulho de pertencerem a Jerusalém, serem devotos ao seu
Templo, por meio de imagens, que legitimariam o presente através do seu passado mais remoto,
por meio de uma retrojeção. Elementos visíveis da cultura babilônica, como seus grandes
Templos e a legitimação de Yahweh como o seu habitante, assim como Ahuramazda era do
grande templo persa da cidade de Persépolis, foram alguns dos elementos estrangeiros que
compuseram a construção das imagens pelos escribas, sacerdotes e redatores sacerdotais.
Outros elementos da literatura foram inseridos para legitimar o Templo, além de sua
construção por autoria da figura epônima do rei Salomão, como a compra do terreno do jebuseu
Areúna em que seria construído o Templo, efetuada por Davi conforme 2 Samuel 24, e do monte
no qual houve a construção do Templo ser considerado o local da realização do sacrifício de
Isaque, conforme Gênesis 22,1-19. Duas legitimações, uma davídica e outra patriarcal. Houve
tentativas de ligar o profeta Samuel ao Templo pré-exílico durante a sua infância de acordo com
1 Samuel 1-3, e há a narrativa em que o rei Davi tem a sua voz ouvida por Yahweh de dentro do
Templo conforme 2 Samuel 22,7, porém são diacrônicas e os leitores não costumam perceber os
detalhes vinculados ao Templo nas narrativas, que acabou se transformando em matéria residual
das leituras do senso comum.
Devido à legitimação do presente através das grandes histórias do passado, estava
construída a imagem na qual o povo de Judá, agora com uma identidade, poderia se orgulhar e tê-
la como verdadeira. Percebe-se que a produção literária retrojetiva, juntamente com a arquitetura
dos templos Babilônicos transferidas para o Templo de Jerusalém foram componentes que
construíram o imaginário social e foram responsáveis pela manutenção da identidade de um
povo. O Templo pré-exílico, como imagem e nome, é algo que dá sentido à existência do povo
que morava em Jerusalém na época do pós-exílio, pois legitimava a existência de seu maior
símbolo, o Templo, como algo que sempre fez parte da vida de seu povo, como propriedade de
maior importância.
Tal legitimação foi transferida para as religiões judaico-cristãs em todas as suas vertentes
por serem detentores da hermenêutica do senso comum que não questiona o conteúdo encontrado
na Bíblia sobre o Templo cuja construção é atribuída ao rei Salomão. Pelo motivo de o Templo
200
fazer parte de sua identidade, em seu imaginário, o Templo existiu factualmente, pois o
cientificismo e o academicismo bíblico não fazem parte de seu cotidiano. A academia e a ciência
buscam algo que se pode afirmar com firmeza, sem titubear, pois ambas trabalham com fatos, ao
passo que as leituras religiosas fundamentalista, conservadora e devocional trabalham com o
sentido que Yahweh dá para as suas vidas. Como o Templo cuja construção é atribuída ao rei
Salomão é indissociável da identidade judaico-cristã em todas as suas vertentes, o referido
templo, para tais religiosos, de fato existiu, assim como para os que presenciaram a sua
construção no período pós-exílico.
Ao se realizar a presente pesquisa, percebeu-se que ao mesmo tempo que houve avanços,
também houve limitações. Nos avanços, atentou-se sobre a motivação do escritor Sacerdotal em
legitimar o Templo pós-exílico com histórias de um passado remoto, conforme ocorre no
imaginário social. Na questão socioantropológica, percebe-se que pessoas que escreveram como
escribas, assim como o povo, não apenas acreditaram como necessitaram de ter a sua própria
história validada, e o Templo tornou-se um elemento de orgulho próprio. Os estudos bíblicos não
são apenas questão de se tal evento da narrativa bíblica é ou não é fato histórico. Houve a
necessidade de se criar tais histórias ou imagens com a intenção de se construir a identidade de
um povo. Tais criações e construções não são apenas obras dos escribas de Judá, mas também de
outros povos que fizeram o mesmo para sustentar a sua legitimação. O problema é que tal assunto
está vinculado à religião cristã, que é a religião oficial ocidental, o que muitas vezes provoca o
estudioso bíblico a partir da iniciativa em desmentir os relatos bíblicos sem refletir sobre a
motivação dos escribas em construir a identidade e o imaginário do seu povo. Portanto, algo que
eu percebi que se avançou na pesquisa foi a questão de levar mais em conta o imaginário social
de um povo que acredita em um Templo cuja construção é atribuída ao rei Salomão, do que focar
na negação de sua existência, que possui uma função identitária que transcende a própria
realidade.
Uma das limitações que o presente estudo possui é de se tratar de um estudo no qual apenas
se podem apresentar teorias sociológicas e antropológicas. Apesar de ser óbvia a função do
imaginário social, talvez um estudo de campo em igrejas e sinagogas poderia trazer maiores
dados além dos expostos no atual trabalho. Outra limitação que ocorre é sobre o âmbito
acadêmico, que, por sua vez, no tema de estudos bíblicos, possui a tendência de estabelecer
dogmas na intenção de evitar “lendas acadêmicas”, o que é algo favorável, pois até mesmo os
201
estudos bíblicos foram cercados pelas chamadas “lendas” pelo motivo de não se haver material
disponível em sua respectiva época, ao ponto de considerar os relatos bíblicos como fatos
históricos. A questão de se tratar de uma abordagem teórica acaba confrontando por diversas
vezes o jargão dogma-regra dos estudos bíblicos contemporâneos, segundo o qual “se não há
fonte extrabíblica, não há como comprovar tal fato”, o que ocorre com a questão da Reforma
Deuteronômica, a qual se deduz que houve plenas condições para realizá-la, porém não há fonte
extrabíblica que a sustente, como no caso do Imaginário Social do Templo pré-exílico.
O atual trabalho teve relevância para o autor da tese na questão da atualização dos estudos.
Conforme o afirmado anteriormente, houve problemas de atualização de informações devido ao
“engessamento” do conteúdo que ocorreu até o dia da qualificação. Percebe-se que os estudos
acadêmicos sempre precisam ser atualizados, mas da mesma forma cabe às editoras atualizarem
as suas “novas edições”, reformulando conteúdos defasados. É necessário observar quais autores
desenvolvem melhor na contemporaneidade o tema trabalhado na tese de doutorado, e sempre
consultar os especialistas nas outras áreas próximas à de Bíblia Hebraica ou de Antigo
Testamento, como os egiptólogos, assiriólogos, sumeriólogos, hititólogos, ugaritólogos, entre
outros, até mesmo especialistas na área que estão sempre atentos ao desenvolvimento dos estudos
bíblicos, para saber se determinados livros da área possuem a viabilidade de serem utilizados, ou
se já estão defazados e/ou obsoletos.
No imaginário social, atenta-se que o Templo cuja construção é atribuída ao rei Salomão
está presente ainda nos dias atuais, e não se limitou em ficar apenas no período pós-exílico.
Transpassou épocas, e nem o iluminismo e o ensino da teologia protestante liberal (apesar de o
termo “liberal” ser apontado de forma pejorativa pelos protestantismos fundamentalista e
conservador) conseguiram extinguir o imaginário social das religiões judaico-cristãs,
independente de suas vertentes. Teve até reação do protestantismo denominado fundamentalista
contra a teologia protestante liberal, na intenção de se manter a identidade cristã longe do
“ceticismo” acadêmico (apesar de no século XIX o instrumental arqueológico não ser ainda
utilizado e de o materialismo bíblico não ter ainda se desvinculado da narrativa bíblica, ao ponto
de considerar determinadas narrativas da Bíblia como fatos históricos). Assim, esse Templo
continuou fazendo parte da identidade cristã em suas respectivas igrejas.
O Templo é apenas um dos diversos elementos da religião judaico-cristã em todas as suas
vertentes que a fundamentam, pois sem tal elemento, na religião, é impossível a manutenção da
202
fé, e seu adepto pode se transformar em um descrente na referida (religião). Os adeptos do
judaísmo e do cristianismo afirmam a existência do Templo com a mesma força que os cristãos
afirmam a concepção virginal de Maria, mãe de Jesus de Nazaré, e a ressurreição e a ascensão
aos céus do próprio Carpinteiro Nazareno. São elementos que fazem parte da religião,
plenamente indissociáveis.
Temos, por um lado, a academia e sua busca por meio da investigação científica para a
obtenção dos fatos, e, por outro, as religiões judaico-cristãs em todas as suas vertentes
sustentando o imaginário de seus adeptos com elementos como o Templo pré-exílico, tidos em
seu meio como existentes de forma inquestionável.
Como os estudos bíblicos estão sempre a atualizar-se, é necessária a atenção sobre se os
atuais teóricos seguem a linha dos autores trabalhados neste estudo, assim como verificar se já
não houve defasagem acadêmica dos estudos aqui desenvolvidos, pois muitas descobertas
ocorrerão no futuro.
Para a continuidade e a sequência do estudo do imaginário, seria interessante a realização
de um trabalho empírico, cujo questionamento principal é sobre o Templo pré-exílico. Por
exemplo, um estudo comparativo do imaginário do Templo entre os membros de determinada
sinagoga judaica ortodoxa e dos membros de certa igreja cristã protestante tradicional, que talvez
possa identificar diferenças de como os cristãos de uma igreja encaram o Templo, e como os
judeus rabínicos de uma sinagoga percebem o referido (Templo). As diferenças podem ser
encontradas tanto entre igrejas e sinagogas, como entre igrejas e igrejas, e sinagogas e sinagogas
de denominações e ramificações distintas. Mas para o religioso judeu-cristão, independente da
vertente a que ele faça parte, mesmo que a academia tenha comprovado factualmente que o
Templo pré-exílico não existiu em sua expressão exata conforme a narrativa bíblica, para tal
religioso, assim como para o povo de Judá que vivia nas proximidades de Jerusalém, o Templo
cuja construção é atribuída ao rei Salomão existiu nas palavras exatas do conteúdo bíblico.

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