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São Paulo
2007
1
SÍLVIO LOPES PERES
Dissertação apresentada à
Universidade Presbiteriana Mackenzie
como requisito parcial para a obtenção
do título de Mestre em Ciências da
Religião.
São Paulo
2007
2
P147 Peres, Silvio Lopes.
O protestantismo no pensamento de Carl Gustav Jung / Silvio
Lopes Peres. - 2007.
212 f.; 30 cm.
CDU 347.7:339.137
3
SÍLVIO LOPES PERES
BANCA EXAMINADORA
4
À minha esposa Sílvia, pelo constante
incentivo, apoio, compreensão e sua
sensibilidade.
5
AGRADECIMENTOS
A Deus, Agente interno, pela força e pela coragem que providenciou todos os
recursos, na realização desse trabalho.
Ao Prof. Dr. Antonio Máspoli de Araújo Gomes, pelo ensinamento durante as aulas e
orientação pelo trabalho realizado.
Ao Prof. Dr. Ronaldo de Paula Cavalcante, pelas aulas tão magistrais quanto
poéticas, que serviram de aprofundamento do pensamento intelectual.
Ao Prof. Dr. Antonio Gouvêa Mendonça, pelo exemplo de trabalho dedicado, que
incondicionalmente entrega-se ao labor intelectual.
Ao Rev. Paulo Viana, que nos provocou a iniciar este mestrado, e seu apoio moral.
Aos Srs. Reinaldo Pavarini, empresário em Marília e, Odete Saldiba, tia incentivadora
e apoiadora de todos os familiares que necessitam da sua ajuda, financiadores de
parte das despesas de transporte e estadia durante o período das aulas.
Ao irmão Márcio Roberto Agostinho, companheiro nas viagens e de aulas, pela forma
sempre alegre e descontraída de “viver a vida”.
Ao irmão José Wellington dos Santos, que apesar de todas suas dificuldades, se
aplicou ao máximo nos estudos, enquanto pode e, pelo incentivo que nos deu.
À minha mãe Aime Lopes, que além de auxiliar monetariamente algumas vezes,
acompanhou-nos com suas orações.
À minha prima Fernanda Peres Antonio, pelas correções gramaticais feitas sempre
com disposição e desprendimento.
6
Quanto maior for o predomínio da razão
crítica, tanto mais nossa vida empobrecerá; e
quanto mais formos aptos a tornar
consciente o que é mito, tanto maior será a
quantidade de vida que integraremos. A
superestima da razão tem algo em comum
com o poder de estado absoluto: sob seu
domínio o indivíduo perece. O inconsciente
nos dá uma oportunidade, pelas
comunicações e alusões metafóricas que
oferece. É também capaz de comunicar-nos
aquilo que, pela lógica, não podemos saber.
(JUNG, C. G. – Memórias, Sonhos e
Reflexões, p. 262)
7
RESUMO
história do Cristianismo, e os resultados que seus fiéis logram, por pertencer a ele,
Iluminismo dos finais do século XVII e todo o século XVIII, chegando aos seus dias,
e positivos. Para isto nos reportamos a alguns conceitos científicos elaborados por
Fundamentalismo Teológico.
8
ABSTRACT
This present research deals with the thought of Carl Gustav Jung, concerning the
considerations regarding the influences that the Protestantism suffered and carried
out in the history of the Christianity, and the results that its followers achieve, for
belonging to it, since the periods previous to the Reform of the century XVI, focusing
its attention in the Enlightenment of the ends of the century XVII and the whole
century XVIII, arriving at his days, in the century XX. The objective of this work is to
present how Jung understood the Protestantism as " risk and religious possibility ",
that is, its negative and positive aspects. For this, we report to somes cientific
concepts elaborated by Jung, with the objective of understanding the basis of his
observations about the Protestant faith, since his personal experiences is the main
Theological Fundamentalism.
9
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ........................................................................................ 12
I. 6. 1. Arquétipo ............................................................................................. 59
I. 6. 4. Gnosticismo ......................................................................................... 71
I. 6. 5. Libido .................................................................................................. 73
I. 6. 6. Individuação ........................................................................................ 75
I. 6. 7. Sombra ................................................................................................ 77
I. 8. 3. Índia ................................................................................................... 85
10
I. 9. Problema cardíaco ................................................................................... 86
11
INTRODUÇÃO
Memórias, Sonhos e Reflexões e, Psicologia e Religião – não que nas demais Jung
não tratasse do Protestantismo, mas para que tivéssemos uma visão mais específica,
coletar os registros das análises que Jung elaborou acerca de suas experiências
contexto que se deu suas análises, tendo como pano de fundo os conceitos teóricos
12
este seja uma verdadeira Igreja e não apenas uma “sementeira de cismas”. Assim
principalmente, suas posições acerca da fé cristã, este trabalho objetiva atender esta
13
1º CAPÍTULO:
Jung registra que de lá, sua família mudou-se, seis meses depois do seu nascimento,
de onde, ele disse: “vi os Alpes pela primeira vez” 6 . A mudança de cidade foi devido
à transferência de seu pai, Johann Paul Achilles Jung (1842-1896), pastor da Igreja
dirigir a Escola local 9 . Em poucos anos, a família residiu em três cidades diferentes.
Richard Noll (1959 -), psicólogo clínico norte americano, autor de O Culto de Jung,
1
http://www.cgjung.net/tour/kesswil.htm, consulta realizada em 16 de Novembro de 2006 (apresenta fotos
dos locais da vida de Jung)
2
Uma informação que pode interessar aos presbiterianos, segmento reformado, de ramo calvinista, é
quanto ao termo de sua organização eclesiástica – “presbitério”, apesar de Jung não definir o que vem a
ser o “presbitério”, em outra parte, ele diz: “o presbitério fica isolado”, dando a entender que se tratava da
propriedade onde se localizava o Templo e a residência do pastor.
3
JUNG, C. G. - Memórias, Sonhos e Reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, (1988) p. 21.
4
http://www.symbolon.com.br/biografia2.htm, consulta realizada em 26 de Setembro de 2006.
5
JUNG, C. G. - Memórias, Sonhos e Reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, (1988) p. 21
6
Id. p. 347
7
Id. p. 23
8
Id. p. 28
9
http://www.nytimes.com/books/first/m/mclynn-jung.html, consulta realizada em 26 de Setembro de 2006.
14
aponta algumas razões que talvez justifique tantas mudanças: seus pais eram de
notar que Noll registra Jung como “calvinista” 11 , porém, segundo o Dicionário Crítico
referindo-se ao pai, Jung afirma: “meu pai está presente, em seu traje de pastor
rurais e sabe-se que sua família exercia um papel modesto. No entanto, Noll
tem sido considerado uma das células germinativas da cultura alemã” 14 ; na opinião
de Jung, estes lugares “eram organizados e cheios de um sentido oculto” 15 , mas que
Suíça se deu pelas seguintes razões: seu avô paterno Carl Gustav Jung (1794-1864),
sendo esta fundada pelo papa Pio II19 e, até então, era católico 20 . Residia em Mainz,
10
Noll, Richard. O Culto de Jung: Origens de um Movimento Carismático. São Paulo: Editora Ática, 1996, p.
22
11
Id. p. 40
12
SAMUELS, Andrew, SHORTER Bani e PLAUT, Fred. Dicionário Crítico de Análise Junguiana. Rio de Janeiro:
Imago Editora Ltda., (s/d). p. 189
13
Id. p. 23
14
Id. p. 26
15
Id. p. 69
16
Id. p. 207
17
Id. p. 84
18
http://www.psychematters.com/papers/bair.htm - consulta realizada em 16 de Novembro de 2006.
19
JUNG, C. G. - Memórias, Sonhos e Reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, (1988) p.347
20
Noll, Richard. O Culto de Jung: Origens de um Movimento Carismático. São Paulo: Editora Ática, 1996, p.
23
15
cidade vizinha a Frankfurt. Para Jung, sua árvore genealógica começa com seu
bisavô Sigismund Jung, nascido no começo do século XVIII21 . Seu avô materno,
dotado para a poesia. Foi de sua segunda esposa Augusta Faber (?), que provinha
revogação do Édito de Nantes (1685) 25 , que nasceu sua mãe Emile Preiswerk (1848-
1923), esta sim, de origem calvinista. A Igreja Reformada da Suíça era “rígida,
Jung freqüentemente identificou o povo aos Alpes, como a imagem coletiva central
da Suíça e sugeria que a paisagem, por ser mais forte que os homens, tinha
orgulho inato” 27 . Para se ter uma idéia da influência destas características do povo
Demográfico de 1888 registrar que havia na Basiléia 74.247 habitantes, sendo que
21
JUNG, C. G. - Memórias, Sonhos e Reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, (1988) p. 208
22
GAILLARD, Christian. Jung e a Vida Simbólica. São Paulo: Edições Loyola, 2003, p. 13
23
http://www.psychematters.com/papers/bair.htm - consulta realizada em 16 de Novembro de 2006.
24
Idem
25
Noll, Richard. O Culto de Jung: Origens de um Movimento Carismático. São Paulo: Editora Ática, 1996, p.
23. Quanto ao Édito de Nantes, tratasse de um documento assinado em 13 de Abril de 1598, pelo rei da
França Henri IV, que garantia aos huguenotes, protestantes, tolerância religiosa, depois de trinta e seis
anos de perseguição e massacres por todo o país, assegurando, no entanto, que a religião oficial do Estado
Francês, continuaria sendo a confissão católica. Porém, em 23 de Outubro de 1685, o rei Luís XIV,
revogou-o, forçando muitos huguenotes a fugirem da França.
23 http://www.psychematters.com/papers/bair.htm - consulta realizada em 16 de Novembro de 2006.
27
http://www.nytimes.com/books/first/m/mclynn-jung.html, consulta realizada em 26 de Setembro de
2006.
16
dos tais 50.326 eram protestantes 28 . Este fato histórico era tão forte na família de
Jung, que ele registra que teve medo ao vir se aproximar de sua casa, quando
homens “perigosos de batinas-negras” 29 e “só aos trinta anos”, pode sentir, sem
Jung lembra-se que quando tinha apenas três anos de idade, seus pais se
meus pais não fora uma união feliz, mas uma prova de paciência sobrecarregada de
onde mais tarde seu pai, foi servir como Capelão 36 , que segundo o próprio Jung “é
o que fazia dela uma mulher infeliz e insegura, vivia em constante medo.Talvez um
dos fatores que tenha contribuído para este quadro, tenha sido o falecimento de seu
primeiro filho, aos cinco dias de vida, além de não cuidar muito de sua aparência
física nem de suas roupas 38 . Neste período, Jung foi levado à casa de uma tia, vinte
anos mais velha que sua mãe, com a qual ficou sob seus cuidados, junto a uma
28
http://www.nytimes.com/books/first/m/mclynn-jung.html, consulta realizada em 26 de Setembro de
2006.
29
JUNG, C. G. - Memórias, Sonhos e Reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, (1988) p. 78
30
Id. p. 24
31
Id. p. 29
32
Noll, Richard. O Culto de Jung: Origens de um Movimento Carismático. São Paulo: Editora Ática, 1996, p.
22
33
http://www.psychematters.com/papers/bair.htm - consulta realizada em 16 de Novembro de 2006.
34
JUNG, C. G. - Memórias, Sonhos e Reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, (1988) p. 273
35
http://www.symbolon.com.br/biografia2.htm, consulta realizada em 26 de Setembro de 2006.
36
http://www.symbolon.com.br/biografia2.htm, consulta realizada em 26 de Setembro de 2006.
37
JUNG, C. G. - Memórias, Sonhos e Reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, (1988) p. 22.
38
http://www.psychematters.com/papers/bair.htm - consulta realizada em 16 de Novembro de 2006.
17
empregada, que segundo o próprio Jung, era uma pessoa “muito diferente de minha
mãe” 39 .
Johann Paul Achilles Jung (1842-1896), pai de Jung, considerado por muitos
uma Tese sobre uma versão árabe do Cântico dos Cânticos 42 , o que levou Jung (o
paleontologia e geologia, sendo até atraído pelo tio mais velho, para a teologia, mas
recomendado pelo pai, a não ser teólogo de maneira alguma, o que logo o
tranqüilizou, dizendo não ter a menor vontade de assim ser 46 . Seu pai a todos
e, logo foi nomeado para a Igreja de Kesswill, onde Jung nasceu. Seus
39
JUNG, C. G. - Memórias, Sonhos e Reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, (1988) p. 22
40
Id. p. 208
41
Id. p. 76
42
Noll, Richard. O Culto de Jung: Origens de um Movimento Carismático. São Paulo: Editora Ática, 1996, p.
22
JUNG, C. G. - Memórias, Sonhos e Reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, (1988), p. 76, 89
43
GAILLARD, Christian. Jung e a Vida Simbólica. São Paulo: Edições Loyola, 2003, p. 38 e Id. p. 83
44
JUNG, C. G. - Memórias, Sonhos e Reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, (1988) p. 76
45
Id. p. 84
46
Id. p. 73, 74
18
conhecimentos das línguas orientais ajudaram a aproximá-lo do Rev. Samuel
Preiswerk, o qual veio a ser seu sogro 47 . A decisão de Jung pelas ciências naturais,
acompanhou por toda sua vida, e sempre que possível consultava, com entusiasmo,
1858). Como seus pais dormiam em quartos separados, Jung dormia no quarto do
seu pai, que o socorria quando estava em crise respiratória – Crupe (infecção viral
cama, inclinado para trás, e seu pai o sustentava, mais ou menos, sentado 52 ; para
seu pai, a vida conjugal o decepcionara53 , tanto que nos dias que se seguiram à
morte de seu pai, Jung ouvira sua mãe dizer em voz baixa: “ele desapareceu na hora
certa para você”, o que o levou a compreender que isto queria dizer: “vocês não se
compreendiam e ele poderia ser um obstáculo para você” 54 . Foi depois da morte de
seu pai, que passou a refletir sobre a vida após a morte, levado pela sua
financeiras, frente aos estudos de Medicina. Foi neste período que aprendeu a
apreciar as coisas simples, sem, contudo, perder algumas regalias, como por
47
http://www.nytimes.com/books/first/m/mclynn-jung.html, consulta realizada em 26 de Setembro de
2006.
48
JUNG, C. G. - Memórias, Sonhos e Reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, (1988) p. 84
49
Id. p. 83
50
Id. p. 145
51
http://www.manualmerck.net/artigos/?id=286&cn=1526&ss=, consulta realizada em 26 de Setembro de
2006.
52
JUNG, C. G. - Memórias, Sonhos e Reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, (1988) p. 31
53
Id. p. 89
54
Id. p. 92
55
Id. p. 93
19
com seu pai latim, a partir dos seus seis anos de idade 56 . Para Jung, a biblioteca de
seu pai era um mundo misterioso e maravilhoso 57 , se bem que em outro momento a
levando-o a suspeitar que tais livros valorizavam o pensamento 59 , mas Jung, muitas
vezes, a utilizava sem permissão e às escondidas 60 . Foi seu pai que o ingressou na
composta por 120 membros, cujo lema era Patriae, Amicitiae, Litteris – “Pela Pátria,
mais elevada, na qual anos mais tarde fez várias palestras sobre temas psicológicos
em 1897. Segundo Noll, foi na Sociedade de Zofingia, que Jung palestrou sobre a
relação à vivência religiosa de seu pai. Seu pai lhe figurava como um homem fraco e
sofredor “aflito pelo sofrimento cristão” 66 , pois para Jung, seu pai, não lutava,
56
Id. p. 50
57
Id. p. 40
58
Id. p. 61.
59
Id. p. 64
60
Id. p. 66
61
Id. p. 91
62
Noll, Richard. O Culto de Jung: Origens de um Movimento Carismático. São Paulo: Editora Ática, 1996, p.
26
63
JUNG, C. G. - Memórias, Sonhos e Reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, (1988) p. 93
64
Referências a esta teologia serão apresentadas no Capítulo II: O Protestantismo em Carl Gustav Jung
65
Noll, Richard. O Culto de Jung: Origens de um Movimento Carismático. São Paulo: Editora Ática, 1996, p.
157
66
JUNG, C. G. - Memórias, Sonhos e Reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, (1988) p. 189
67
Id. p. 89
20
ocupara com o simbolismo da forma humana de Cristo; porém, sem ter uma clara
sofrimento vivido e anunciado pelo Cristo. Considerava seu sofrimento como algo de
particular, sobre o qual poderia pedir conselho ao médico e não, de forma geral,
“ E se vivo, não sou mais eu, mas o Cristo que vive em mim”, jamais penetraram no
seu espírito, no seu significado total, pois em matéria religiosa tinha horror a todo
pensamento. Queria contentar-se com a fé, mas esta lhe era infiel” 68 – e, seu modo
“ter pedras no ventre” 71 ,ao contrário de sua mãe, em sua opinião, que era “mais
forte” 72 . As lembranças agradáveis que tinha do pai era que à noite cantava melodias
pessoa irascível, que não conseguia dominar sua irritação caprichosa ou crônica;
estava sempre de mau humor, e insatisfeito 74 . Talvez devido a isso, Jung não lhe
um “abismo sobre o qual era impossível lançar uma ponte” 75 . Apesar de várias
tentativas de diálogo com o pai, para conhecê-lo intimamente e o que sabia acerca
suas convicções religiosas, isto é, apesar de entristecê-lo não admitia as dúvidas que
68
Id. p. 189
69
Id. p. 60, 89
70
Id. p. 89
71
Id. p. 91
72
Id. p. 36
73
Id. p. 22
74
Id. p. 33, 36, 89
75
Id. p. 34, 60
21
tinha em relação à fé, fazendo dele um “fracasso religioso” 76 . Para ele, seu pai
relacionamento com a esposa, ou consigo mesmo, discutir com o próprio Deus, pois
acreditava que se assim o fizesse, aconteceria o mesmo que aconteceu com ele,
argumentos racionais 78 . Para Jung, seu pai não passava de um pobre pastor luterano
intermináveis dificuldades financeiras que sua família passava 81 (sua mãe “era
Jung, faziam dele um homem “digno de ser amado”83 , diferentemente dos homens
com os anos” 84 . Entretanto, Jung se sentia muito diferente dele 85 . Quando ouvia
seus sermões, Jung sentia dúvidas profundas em relação a tudo que dizia e pensava
em sua própria experiência religiosa. Para Jung suas palavras eram como que
insípidas e vazias, tais como as de uma história contada por alguém que nela não
crê, ou que só conhece por ouvir dizer, pois percebia que suas afirmações acerca de
76
Id. p. 89
77
Id. p. 90
78
Id. p. 90
79
Id. p. 36, 79
80
Id. p. 84
81
GAILLARD, Christian. Jung e a Vida Simbólica. São Paulo: Edições Loyola, 2003, p. 14
82
JUNG, C. G. - Memórias, Sonhos e Reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, (1988) p. 93
83
Id. p. 78
84
Id. p. 274
85
Id. p. 84
86
Id. p. 50
22
consultara 87 . Apesar de querer ajudá-lo, não sabia como 88 . Sua voz ressonante 89 e
seus sermões o irritavam. O seu interesse pelas coisas religiosas, teve início ao se
perguntar quanto à experiência religiosa de seu pai: “saberá ele de que está falando?
conclusão que chegara era: “Não, ele não teria essa coragem. Assim pois, se a
obedecer mais a Deus do que aos homens eram superficiais e irrefletidas” 90 , para ele
e para a Igreja. Jung sentia que o curso de instrução religiosa oferecido pela Igreja
nada dizia sobre o problema que lhe preocupava. O temor a Deus,de que se falava,
era considerado em geral como algo antiquado, “judaico”, e foi substituído há muito
mais importante, que segundo ele, era a origem e a relação com o mal. Aos dezoito
anos, manteve inúmeras discussões com seu pai, “sempre com a secreta esperança
de consciência”, ou, como disse, “adquirir novos pontos de vista” 92 , como ele. Jung
percebeu que seu pai queria se contentar com a fé, que pregava conforme os
ensinos teológicos da época, influenciados pelo iluminismo 93 , que segundo ele, sua
Infelizmente as discussões com seu pai jamais chegavam a uma solução satisfatória,
87
Id. p. 64
88
Id. p. 50
89
Id. p. 23
90
Id. p. 53
91
Id. p. 53
92
Id. p. 273
93
Assunto desenvolvido no Capítulo II: O Protestantismo em Carl Gustav Jung
23
pois estas irritavam e entristeciam-no, por sufocar suas próprias emoções místicas.
“Pois bem – seu pai costumava dizer – você só quer pensar. Mas não é isso que
tipo de fé que seu pai dizia possuir. Porém, mesmo assim sentia que teria sido bom
submeter-lhe suas dificuldades religiosas e aconselhar-se com ele, mas registra: “se
não o fiz foi porque julgava conhecer a resposta que me daria, ligada à probidade do
seu ministério” 96 . Jung dá a impressão de que o ambiente social e religioso não lhe
permitia ser mais direto em suas observações e idéias, durante os debates religiosos
que travava com o pai, ou devido à sua ira e irritação caprichosa. Na opinião de
Jung, seu pai não tinha amigos com quem pudesse discutir temas teológicos que o
direto e pessoal com Deus 97 . Era natural que sendo o pastor da Igreja, o pai lhe
ministrasse aulas de religião e o preparasse para a crisma (Profissão de Fé), mas isto
o aborrecia, porque o curso de instrução religiosa que seguia nessa época nada dizia
sobre a experiência que tivera, da visão dos muros e paredes da Catedral sendo
derrubadas, enquanto Deus defecava assentado em seu trono sobre ela 98 , que é
relatado mais adiante. Jung nos conta que certa vez, folheando o catecismo em
94
JUNG, C. G. - Memórias, Sonhos e Reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, (1988) p. 90
95
Id. p. 50
96
Id. p. 57
97
Id. p. 90
98
Id. p. 57
24
parágrafo referente à trindade de Deus. Ficou muito interessado pelo assunto: uma
Para ele, seu pai não tinha paciência e se recusava a debater teologia, porque
com um sentimento filial mais vivo e mais convencido de que ela lhe foi “mais
forte” 103 que seu pai. Ele diz que sua saúde era precária 104 , que segundo Noll tinha
“acessos de doença mental” 105 - talvez esteja aí a razão pela qual levou Jung à
ensinando-lhe uma oração que repetia todas as noites, pois isso lhe “dava um certo
oração dizia: “Estende tuas duas asas, ó Jesus, minha alegria, e protege teu
99
Id. p. 57, 58
100
Jung, C. G. – Psicologia e Religião. Petrópolis: Vozes, 1990. XI/1, par. 30
101
Jung, C. G. – Os Arquétipos e o Inconsciente Coletivo. Petrópolis: Vozes, 2003. IX/1, par. 30
102
JUNG, C. G. - Memórias, Sonhos e Reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, (1988) p. 74
103
Id. p. 36
104
Id. p. 33
105
Noll, Richard. O Culto de Jung: Origens de um Movimento Carismático. São Paulo: Editora Ática, 1996, p.
160
106
JUNG, C. G. - Memórias, Sonhos e Reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, (1988) p. 23
25
pintinho. Se Satã quiser devorá-lo faz cantar os teus anjinhos: que esta criança fique
ilesa”. 107
também significa bolinhos, os quais o pássaro Jesus deveria, portanto, engolir para
livrá-los de Satã, que por sua vez, também os devoraria 108 . Talvez, tal imagem, que
sagrado”, conforme gritara sua mãe, no sonho. O sonho do falo sagrado é relatado
da seguinte maneira:
107
Id. p. 24
108
GAILLARD, Christian. Jung e a Vida Simbólica. São Paulo: Edições Loyola, 2003, p. 17
109
JUNG, C. G. - Memórias, Sonhos e Reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, (1988) p. 25-26
26
Jung demorou muitos anos para descobrir do que tratava o “objeto” 110 , ao se
referir ao “phalo sagrado”. Só muito mais tarde descobriu que a forma estranha era
um falo e dezenas de anos depois, compreendeu que se tratava de um falo ritual 111 .
Para Jung, Jesus e o phalus sagrado eram como o Deus grego Dioniso,
finitude da vida e não poderiam ser reduzidas à sexualidade incestuosa nem com
todo o esforço do mundo, como queria Sigmund Freud, segundo sua teoria da libido
reaparecia cada vez que se falava com demasiada ênfase no Senhor Jesus
Cristo. O “Senhor Jesus” nunca foi para mim completamente real, aceitável e
digno de amor, pois eu sempre pensava em sua equivalência subterrânea
como numa revelação que eu não buscara e que era pavorosa. O “Senhor
Jesus” se me afigurava, não sei porque, uma espécie de deus dos mortos-
protetor, uma vez que expulsava os demônios da noite, mas em si mesmo
temível pois era um cadáver sangrento e sacrificado. Seu amor e sua
bondade, incessantemente louvados diante de mim, pareciam-me suspeitos,
pois aqueles que me falavam do “Bom Senhor Jesus”, eram principalmente
pessoas de fraque negro, sapatos reluzentes e que sempre me lembravam os
enterros – os colegas de meu pai e oito tios, todos pastores. Nos anos que se
seguiram, até a minha crisma, esforcei-me penosamente por estabelecer
apesar de tudo uma relação positiva com Cristo, tal como esperavam de mim.
Mas não conseguia superar a minha desconfiança secreta. Enquanto se
tornava mais impossível encontrar uma relação positiva com o “Senhor Jesus”,
eu me lembro que, aos onze anos, a idéia de Deus já começara a me
interessar. 114
110
Id. p. 25
111
Id. p. 26
112
BYINGTON, Carlos Amadeu Botelho. Transcendência e totalidade. Revista Viver: Mente&Cérebro, Jung: A
Psicologia Analítica e o Resgate do Sagrado. Nº 2, p. 09.
113
JUNG, C. G. - Memórias, Sonhos e Reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, (1988) p. 26
114
Id. 26, 27, 38
27
Voltando à sua relação com a mãe ela servia-lhe como “confidente” 115 para
que não podia confiar-lhe, porque ela o admirava muitíssimo, e ao invés de isso
servir de estímulo, isto não era um fato favorável 116 . Sua admiração era tão grande e
desproporcional, pois mesmo ainda criança, Jung registra que quando tinha onze
anos de idade, ela o tratava como se fosse mais velho e conversava com ele de
adulto para adulto, e isto quase causou uma desgraça, pois lhe confidenciou um
incidente de seu pai, que só foi evitada graças a um período de horas de um dia para
outro 117 , sem, contudo, esclarecer do que se tratava. Sobre a imagem física de sua
mãe, Jung recorda que lhe parecia uma mulher jovem e esbelta, mas que, quando
mais idosa era corpulenta, gorda mesmo e, hospitaleira que cozinhava muito bem e
grande calor animal 118 . Era uma mulher que partilhava de todas as opiniões
tradicionais, falava sobre assuntos corriqueiros e sem muita importância, mas que
tornava “temível”, e isto provocava nele “medo”. Jung registra que havia ocasiões
que ela falava, como que consigo mesma e suas palavras o atingiam profundamente,
de tal maneira que em geral ficava calado 120 . A imagem de sua mãe era tão forte
que Jung diz que quando criança teve sonhos de angústia motivados por ela (por
115
Id. p. 54
116
Id. p. 54
117
Id. p. 57
118
Id. p. 29, 54
119
Id. p. 54
120
Id. p. 54, 55
28
exemplo, do falo sagrado, onde ouvira sua voz que lhe dizia: “Cuidado com o
devorador de homens”. Durante o dia, era uma mãe amorosa, mas à noite a julgava
temível. Parecia então uma vidente que ao mesmo tempo é um estranho animal,
natureza. Era a encarnação de uma espécie de natural mind” 121 , isto é, guiava-se
mais, pelo que ele chamou de “fundo invisível e profundo” 122 , do que em sua fé
religiosa. Jung, esclarece que este fundo se refere como uma “ligação com os
animais, árvores, montanhas, campos e cursos d’água, e que era muito diferente
com as manifestações convencionais de sua fé cristã” 123 . Indicando assim, que sua
mãe exercia uma grande e forte influência sobre sua personalidade consciente e
De minha mãe herdei o dom, nem sempre agradável, de ver homens e coisas
tais como são. Ela não sabia o que dizia, mas sua voz tinha uma autoridade
absoluta e exprimia o que convinha à situação. 124
Foi sua mãe que o introduziu no mundo religioso ao ler Orbis Pictus –
ilustrações coloridas de Brahma, Vishnu, Shiva, entre outros 127 . Talvez deste livro
pressupostos da teoria junguiana 128 . Jung recorda que ela fazia comentários ácidos
121
Id. p. 56
122
Id. p. 56
123
Id. p. 88
124
Id. p. 56, 57
125
http://www.symbolon.com.br/biografia2.htm, consulta realizada em 27 de Setembro de 2006.
126
JUNG, C. G. - Memórias, Sonhos e Reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, (1988) p. 30
127
http://www.nytimes.com/books/first/m/mclynn-jung.html, consulta realizada em 26 de Setembro de
2006.
128
“Poderíamos dizer que o termo ‘religião’ designa a atitude peculiar, de uma consciência, que foi mudada
pela experiência do numinoso”. Psicologia e Religião – XI/1, par. 9
29
quanto às letras dos hinos cantados nos cultos, quanto ao que havia de enfadonho
em alguns deles. Falava acerca da possível revisão do livro de cânticos, por exemplo:
“Ó tu, amor do meu amor, felicidade maldita”, devido aos seus evidentes dons
literários 129 . Apesar, de não saber o que dizia, conforme Jung admite, mas devido à
sua “intuição”, ela sempre apontava algo de muito profundo nas diversas situações
Quando sua mãe morreu Jung encontrava-se em Tessin. Assim, ele registra:
“fiquei aturdido pela notícia, porque sua morte foi inesperada e brutal 131 , em janeiro
de 1923” 132 .
grande. Eram nove. Dois da família do pai, além do próprio, e da família da mãe,
seis 133 e, uma de suas primas era médium134 . Segundo Richard Noll “alguns com
que Jung registrasse suas impressões, sua participação na vida da Igreja, e do papel
que a religião exercia sobre ele, e sobre a cidade de Basiléia 136 . Ele, não se acanha
de afirmar: “Sou protestante” 137 . Mas, ao mesmo tempo não gostava de maneira
129
JUNG, C. G. - Memórias, Sonhos e Reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, (1988) p. 56
130
Id. p. 57
131
Id. p. 271
132
Id. p. 273
133
Id. p. 49
134
Id. p. 258
135
Noll, Richard. O Culto de Jung: Origens de um Movimento Carismático. São Paulo: Editora Ática, 1996, p.
22.
136
JUNG, C. G. - Memórias, Sonhos e Reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, (1988) p. 106
137
Jung, C. G. – Psicologia e Religião. Petrópolis: Vozes, 1990. XI/1, par. 78
30
em suas Memórias: “Era a única festa cristã que despertava meu fervor” 138 . Porém,
na vida das pessoas, que eram exortadas a crer em “mistérios”, sem, contudo,
conhecê-los por experiência própria, a começar do pastor, no caso, seu pai, que com
comparando com sua experiência religiosa que Jung avaliava a vida religiosa do pai,
religiosa, pois tinha a convicção pessoal de que aquela teologia e práticas religiosas,
“eram o caminho errado para atingir a Deus, pois não tiveram a experiência de que
essa graça só é dada àquele que cumpre sem restrição a Sua vontade” 140 . Ainda que
muitos sermões tivessem como tema central os fiéis que deveriam fazer vontade de
Deus, em sua opinião, o pressuposto para tal experiência estava equivocado, pois a
mesma “podia ser conhecida pela revelação” das Escrituras. Contudo, sua convicção
não deixava aceitar que assim fosse, pois achava, pelo contrário, que essa vontade
seria tudo que poderia haver de mais desconhecido. “Minha impressão era que, cada
dia, seria necessário indagar acerca de Sua vontade”. Para Jung, a vontade de Deus,
é tão “imprevista quanto duvidosa”, isto é, pessoal e na maioria das vezes implacável
e temível, conforme sua própria experiência e, salienta, como que advertindo para a
138
JUNG, C. G. - Memórias, Sonhos e Reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, (1988) p. 31, 75
139
Id. p. 52
140
Id. p. 52
31
quando exige algum “sacrifício” 141 . Mas, assim mesmo, Jung fez sua Pública
por ocasião do nascimento – ou Crisma, para os Luteranos, porém, registra que tal
cerimônia fora marcada pelo “vazio” 142 . Confessou, sinceramente, que se “esforçou,
com a maior seriedade, para crer sem compreender”, e dignamente procurou imitar
seu pai. Apesar da solenidade, tão característica deste tipo de cerimônia, Jung
personalidade celebrada, no caso Jesus Cristo, sua morte e ressurreição; antes, suas
sentimento. Para Jung, aquela cerimônia não passou de uma “deplorável experiência,
que resultara em vazio, pior ainda, perda”, pois para ele, não houvera nenhuma
inclusive ele, não experimentaram algum tipo de emoção, fosse desespero intenso,
Deus. Para ele, a cerimônia que o uniria a Jesus, provocaria pelo menos a mesma
experiência que tinha tido, em sua infância, no sonho do “phalo sagrado”, mas, não
passou, segundo ele mesmo disse “de uma ausência de Deus”. Isto foi suficiente
para Jung decidir não voltar mais à Igreja, pois a partir de então, a Igreja passou a
ser “um lugar da morte”, sentindo que seu ingresso à Igreja fora a maior derrota da
sua vida. Para ele, as cerimônias religiosas eram vulgares e ridículas se comparadas
141
Id. p. 51
142
Id. p. 59
32
com seus “segredos”, a saber, seus sonhos, especialmente do falo sagrado, os quais
não inventara, mas entendia como que uma vontade mais forte se impusera sobre
ele. Seus “segredos”, não poderiam ser compreendidos como uma ação diabólica,
pois, segundo ele, o Diabo, não passa de uma criatura de Deus – que não age livre e
arbitrariamente, mas aceita ser da vontade de Deus, tida como terrível, temível e
implacável, que lhe foi como “fogo devorador e graça indescritível”, ainda que mais
tarde admita que tal experiência fora por “intermédio do Diabo, e se impusera contra
sua vontade” 143 . O desencanto que sentia o levara a uma espécie de desinteresse
experiência com Deus, pelo Espírito Santo, “inconcebível, cujas ações eram de
natureza sublime” 144 , lhe era decisiva quanto à religião 145 . Jung compreendia esta
outros, na medida em que representavam a religião cristã”, ainda que tenha ficado
muito triste com isso. Porém, deixa bem claro, que isto não significava que tivesse
alguma “vocação nem para fundar uma religião, nem para professar uma dentre
elas”, pretendendo ser somente médico 146 . Quanto mais se afastava da Igreja, mais
se sentia aliviado, considerava seus colegas de fora da Igreja, “menos virtuosos, mas
enquanto seu pai, talvez numa atitude de respeito, nunca o questionara, pelo fato de
143
Id. p. 62
144
Id. p. 95
145
Id. p. 96
146
Id. p. 322
147
Id. p. 75
33
Outro fato que o levou a distanciar-se da Igreja, foi à associação que fez de
Jesus com os homens parecidos com os ministros religiosos, com suas vestes negras
homem, que morrera afogado, devido às cheias do Rio Reno; e, isto ele considerava,
seu “primeiro trauma consciente” 148 . Muito mais tarde, Jung compreendeu que o
“jesuíta” que esculpira numa régua de madeira e, a “pedra” – sobre a qual sentado
inviolável que jamais deveria ser traído, pois para ele, disso dependia a segurança da
sua existência” 149 . Só com trinta e cinco anos de idade, toma conhecimento, quando
onde são gravados relatos míticos, e percebe que se tratava de “um pequeno deus
oculto dos antigos” 150 . Segundo John Dourley (?), este segredo constituía o “pré-
diz “nessa época principiou inconscientemente minha vida espiritual” 152 . Para ele,
seus “segredos” significavam sinais de uma experiência religiosa pessoal, sem ser
mediada pela instituição eclesiástica nem pelos teólogos, que como seu pai, faziam
148
Id. p. 24
149
Id. p. 33
150
Id. p. 34
151
http://www.metodista.br/correlatio/num_01/a_doule.htm - consulta realizada no dia 01 de Novembro de
2006.
152
JUNG, C. G. - Memórias, Sonhos e Reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, (1988) p. 28
34
restrições do tipo: “mas não é exatamente assim!”, mas, como ele mesmo afirma:
“na minha consciência eu era religioso e cristão” 153 . A vocação para a vivência da
transcendência logo cedo permitiu a Jung perceber que a religião formal do pai, que
eclesiástica 154 .
pois não se conformava que os números fossem identificados por sons – na verdade,
para ele os números tinham significados simbólicos, por exemplo: “o UM, primeiro
nome dos números, é uma unidade. Mas ele é também “a unidade”, o UM, o apenas
UM, o Único, o Não-Dois, não só um nome de número, mas também uma idéia
traz consigo novas propriedades e novas modificações” 155 -, mas assim mesmo, ele
conseguiu cumprir bem o currículo das disciplinas, graças à sua memória fotográfica;
aula a fio, com sapatos furados, meias molhadas, calças rasgadas, e mãos sujas 157 ,
153
Id. p. 34
154
BYINGTON, Carlos Amadeu Botelho. Transcendência e totalidade. Revista Viver: Mente&Cérebro, Jung: A
Psicologia Analítica e o Resgate do Sagrado. Nº 2, p. 08 e 09.
155
JUNG, C. G. - Memórias, Sonhos e Reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, (1988) p. 269
156
Id. p. 66
157
Id. p. 55
35
condições que indispunham-no com a Escola, pois além desses fatos exteriores do
seu vestuário, também sentia “uma espécie de desalento mudo”, por se angustiar
grande importância, pelo menos para ele, para desanimar diante dos desafios
escolares, quando aos doze anos de idade, devido a uma briga com um colega, na
Praça da Catedral, em que bateu a cabeça contra a sarjeta passou a sofrer síncopes
– perda temporária da consciência – e era acometido todas as vezes que tinha que
voltar ao colégio, ou quando seus pais lhe mandavam fazer algum trabalho escolar.
Isto fez com que faltasse às aulas durante mais de seis meses, permitindo-lhe passar
brincadeiras solitárias 159 . Fora esta experiência que o fez sentir o que chamou de
“má consciência”, pois esta situação, não o fez mais feliz, pelo contrário, sentia que
compassivas que causava aos seus pais, que consultaram muitos médicos, para dar-
lhe o melhor tratamento, os quais lhe proibiram de fazer ginástica 160 . Numa conversa
que presenciara, às escondidas no jardim de sua casa, ouvira seu pai dizer a um
amigo: “Os médicos ignoram o que ele tem. Falaram em epilepsia: seria terrível se
fosse incurável. Perdi o pouco que tinha (uma clara evidência às grandes
necessidades financeiras pelas quais passava), o que será dele se for incapaz de
158
Id. p. 66
159
Id. p. 40, 41
160
Id. p. 41
36
ganhar a vida?” 161 Esta experiência, foi para Jung, como ele mesmo escreveu: “um
raio que me feriu” 162 . Foi quando percebeu as responsabilidades que tinha diante da
sua existência e, logo, pensou que precisava trabalhar 163 . Esta experiência fizera com
que Jung percebesse que suas síncopes eram “arranjos demoníacos: o colega me
derrubara e eu colaborara” 164 . Então, como que retorna à sua sensatez, percebendo
que ele mesmo havia montado toda aquela história vergonhosa. Isto fez com que
estava sendo falso diante de si. Para ele, aquilo foi “um fiasco” 165 . Ele próprio diz
que começou a ser consciencioso diante dele mesmo, e não somente a fim de
aparentar valor 166 , esta experiência passou a ser novo “segredo”, este “vergonhoso,
uma derrota” 167 . Jung não se dava valor quando considerava a graça de Deus por
ele mesmo. Seu sentimento de inferioridade se agravava à medida que não podia se
sentir seguro de si mesmo, pois se sentia “um diabo, um porco, ou um réprobo” 168 .
Para ele, os conceitos que os outros tinham a seu respeito, como sua mãe lhe dizia:
“Você sempre foi um bom menino”, não o ajudavam a compreender, pois sempre se
considerou “um ser corrompido e inferior 169 , infantil, vaidoso, egoísta, arrogante,
Para ele, sua “má consciência” comprovava sua culpa e seu potencial para o mal, e
as censuras que recebia dos outros, lhe atingiam profundamente, a ponto de dizer
convictamente: “se não tivesse cometido realmente a falta, teria sido capaz de
161
Id. p. 41
162
Id. p. 41
163
Id. p. 41
164
Id. p. 41
165
Id. p. 42
166
Id. p. 42
167
Id. p. 41
168
Id. p. 48
169
Id. p. 48
170
Id. p. 61
37
cometê-la. Tinha a impressão de ser um indivíduo culpado que queria ser
inocente” 171 .
Basiléia 172 , aprovado em primeiro lugar 173 , Jung interessou-se pela teoria da
evolução de Charles Darwin (1802-1882), a qual mexeu com suas antigas dúvidas,
segundo ele, “uma identificação inconsciente com os animais” 175 , o que o levava a
segundo os autores do livro, o conteúdo que apresentava tinha “um caráter mais ou
pela totalidade de sua própria personalidade 178 . Seu primeiro livro, consagrado à
171
Id. p. 37, 48, 51
172
Noll, Richard. O Culto de Jung: Origens de um Movimento Carismático. São Paulo: Editora Ática, 1996, p.
156
173
JUNG, C. G. - Memórias, Sonhos e Reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, (1988) p. 104
174
Id. p. 97
175
Id. p. 98
176
Id. p. 98
177
Id. p. 103
178
Id. p. 104
179
Id. p. 105
38
interessou pelo mesmo tipo de pesquisa, levou à frente 180 . Nesta pesquisa, Jung
reconhece o papel que Sigmund Freud (1856-1939), que mesmo não sendo
psiquiatra, mas neurologista exerceu sobre ele, e admite que foi essencial,
inconsciente dos “doentes”. Foi acompanhado por Freud, que Jung recebeu seu
primeiro título honoris causa, pela Clark University, nos Estados Unidos da América
associação de palavras, depois desenvolveu outros conceitos, pois para ele “não há
verdade unívoca em psicologia... Uma pergunta pode ser respondida de uma forma
tal método fora inventado por Galton e adotado por Wundt”. Trata-se de um
método para a identificação de complexos pessoais mediante a investigação
de associações e ou conexões psicológicas ao acaso. Através deste método
Jung distinguiu diferentes tipos de complexos, dependendo de saber se
estavam relacionados com eventos simples, contínuos ou repetidos; se eram
conscientes, parcialmente conscientes ou inconscientes e se revelavam fortes
cargas de afeto. Usado durante certo tempo, mas logo deixou por completo
tal teste. 183
Para Jung,
180
Id. p. 108
181
Id. p. 112
182
Id. p. 109
183
SAMUELS, Andrew e outros. Dicionário Crítico de Análise Junguiana. Imago Editora, Rio de Janeiro, p.
214, 215
39
sintomas. Na maioria dos casos, não é suficiente explorar o material
consciente. Conforme o caso, a experiência de associações pode abrir o
caminho à interpretação dos sonhos, ou então ao longo e paciente contato
com o doente. 184
Como exemplo, podemos verificar um caso que Jung relata, de uma mulher
que assassinou sua melhor amiga, para casar-se com o marido dela. O que de fato
aconteceu, mas logo o marido faleceu, e a filha, nascida desse casamento, procurou
afastar-se da mãe, assim que atingiu a idade adulta, desaparecendo de sua vida de
uma vez por todas, e ela, não teve mais contato nem notícias da filha. Esta mesma
mulher, que amava apaixonadamente equitação, não podia mais se aproximar dos
cavalos, pois estes se tornaram ariscos, e nem mesmo os cães podiam “suportar”
sua presença, sendo que o seu preferido, um cão-lobo, foi atingido por uma
paralisia. Isto a levou a procurá-lo, e assim Jung, registra sua compreensão deste
caso:
aquele que comete um crime destrói a própria alma; quem assassina já está
se justiçando. Alguém por cometer um crime, é preso, é atingido pela punição
jurídica; mas se o comete em segredo, sem a consciência moral disso, e se o
crime permanece ignorado, pode ser atingido pelo castigo. Tudo acaba por vir
à luz. Às vezes parece que até mesmo os animais e as plantas o advertem.
Como alguém pode viver em extrema solidão? 185
diagnósticos, com a descrição dos sintomas e dos dados estatísticos, pois achava que
doente 187 , e passou a dar mais atenção para as reações significativas da psicose,
184
JUNG, C. G. - Memórias, Sonhos e Reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, (1988) p. 110
185
Id. p. 114, 115
186
Id. p. 108
187
Id. p. 116
40
buscando a psicologia do doente mental, “informações diretamente do
algum modo o observava”, que depois denominou de “análise dos sonhos e de suas
valeram a cura de muitos pacientes 191 , e sua fama em todo mundo. Jung buscava
encontrasse nos doentes as bases da própria natureza humana” 192 . Em 1905, Jung
consideravelmente 193 .
Jung era muito discreto no tratamento dos seus pacientes, temendo ser
esquizofrênico, por exemplo, fosse “curado”. Sua discrição, certa vez, causou-lhe
certo mal-estar com Freud, pois ao apresentar pessoalmente uma de suas pacientes,
apelidada de “Babete”, este não pode compreender como Jung suportou a presença
de uma “mulher que era um fenômeno de feiúra, gastando horas e dias”, em sua
companhia. O mal-estar justifica-se, pois, Jung nunca havia nem sequer pensado
188
Id. p. 108
189
Id. p. 110
190
Id. p. 112
191
Id. p. 110, 111, 112,
192
Id. p. 118
193
Id. p. 110
41
deste modo, pois para ele “Babete” era uma “velha amiga cujas idéias, ainda que
delirantes, eram muito interessantes”, mas, que com o passar do tempo, surgira
outros casos que tratou. Para ele, “Babete” e outros pacientes, eram “vítimas” de
forças inconscientes, que não estavam interessadas em se mostrar aos outros, mas
que Jung tinha convicções de que a “aparência exterior”, por pior que fosse tão
somente enganava aos que estavam por perto, pois se importava com os aspectos
do interior – inconsciente – dos pacientes. Para ele, cada paciente deve ser tratado
sempre pessoal, podendo inclusive, uma “solução falsa para ele ser justamente a
verdadeira para outra pessoa” 194 . Jung tinha claro que o analista deve conhecer a
rotineiro”. Ele declara que “intencionalmente” evitava ser sistemático, podendo fazer
ele o que decide mesmo é que enquanto ser humano, encontrava-se diante de um
especialista, e o doente, se encontram face a face, olhos nos olhos. O analista tem
alguma coisa a dizer, mas o doente, também 195 . Seus estudos sobre mitologia
determinada teoria, mas sim levar o doente a se “compreender como indivíduo” 196 ,
isto é, levá-lo a tomar consciência de sua própria alma, que traz um problema de
194
Id. p. 120
195
Id. p. 121
196
Id. p. 121
42
ordem universal, coletiva, e é a esse mundo interior que o analista deve se referir,
pessoalmente com sua própria alma, seu inconsciente. Para Jung, o terapeuta
contribui para a “cura”, caso trate de suas próprias feridas, ao tomar conhecimento
das “feridas” que seus pacientes lhe trazem. Jung afirma: “levo meus pacientes a
sério”. Isto significava que ele próprio estava diante de um problema, que
para um problema com que se confrontava. Jung é de opinião que todo terapeuta
outro ponto de vista. Durante a análise, Jung não procurava exercer qualquer tipo de
religioso, mas acreditava que o próprio doente era capaz de chegar à sua própria
um judeu, judeu, se for isso que exigir seu destino”. Num dos casos que relata,
acerca de uma jovem judia que atendera, e que fora antecipadamente “avisado” em
sonho, verificou o quanto era verdadeiro que o “destino” pode exigir o retorno à
“Zaddik”, que segundo ela mesma dissera, “era uma espécie de santo e que tinha
uma segunda visão”, mas que por várias razões, considerava a religião como “tolice”,
por acreditar que tais “coisas não existissem mais”. Jung teve que dizer-lhe: “seu avô
era um “Zaddik”. Seu pai foi infiel à religião judaica. Traiu o mistério e esqueceu
43
Deus – e sua neurose está ligada ao medo de Deus”. E, qual não foi sua surpresa,
Jung novamente sonhou com a mesma jovem do sonho anterior, a quem emprestou
profunda reverência. Jung relata que contou o sonho, a referida paciente, e oito dias
lhe à mitologia e à religião, pois para ele, a paciente “era um desses seres que
devem desenvolver uma atividade espiritual”, nisto consistia o sentido da sua vida.
sagrado, conforme o conceito de Rudolf Otto, e que seu método, neste caso, fora
seguir ou acompanhar o “temor de Deus que agia sobre ela” 197 . Para Jung, a causa
espírito, pois o mesmo não tem conteúdo suficiente, não tem sentido, mas quando
teólogo, pastor protestante 198 , que tinha um grande “desprezo pela alma”, isto é,
dificuldades para aceitar que o Espírito Santo age livremente sobre sua vida,
ele:
197
Id. p. 127
198
Jung, C. G. – Os Arquétipos e o Inconsciente Coletivo. Petrópolis: Vozes, 2003. Volume IX/1, parágrafo
36
44
Um teólogo tem um sonho que se repete freqüentemente: sonha que se acha
no declive de uma colina, de onde se descortina uma linda vista sobre um
vale profundo, com florestas espessas. Sabe que há muito tempo algo o havia
impedido de penetrar nesse lugar. Dessa vez, entretanto, quer fazê-lo.
Quando se aproxima do lago, é tomado de terror e, repentinamente, um leve
golpe de vento desliza na superfície da água, que ondula e fica sombria. Ele
acorda gritando de medo. No primeiro momento, o sonho parece
incompreensível; mas, sendo teólogo, deveria ter-se lembrado do “lago” cujas
águas foram agitadas por um vento súbito e no qual os doentes eram
mergulhados: o lago de Bethesda. Um anjo desce do céu e aflora a água, que
assim adquire o poder e a virtude de curar. O vento leve é o pneuma que
sopra onde quer. E o sonhador experimenta uma angústia infernal. Uma
presença invisível se revela, um numen, que vive por si mesmo e em presença
do qual o homem é tomado de um frêmito. Só de mau grado ele aceitou essa
associação com o lago de Bethesda. Ele a recusava porque – pensava – tais
idéias só aparecem na Bíblia ou, conforme o caso, nos sermões matinas de
domingo. E estes nada têm a ver com a psicologia. Por outro lado, só se fala
do Espírito Santo em circunstâncias solenes, mas com certeza não é um
fenômeno do qual se faça experiência. Sei que este paciente deveria ter
superado o terror, penetrando nos bastidores do seu pânico, para ultrapassá-
lo. Mas nunca insisto quando o indivíduo não se mostra inclinado a seguir seu
próprio caminho, assumindo a sua parte de responsabilidade. 199
No caso acima, Jung percebeu que o “pânico” tratava de passar por uma
experiência cuja vivência interior poderia não ser aprovada pela instituição
aventura espiritual é estranha à maioria dos homens”, mas considerou isto estranho,
por se tratar de um teólogo, para quem não devia haver desprezo pela alma. Sob
qualquer resultado 200 . Para Jung, se cada um dos elementos envolvidos na terapia,
paciente e analista, não se tornar problema, um para o outro, será impossível buscar
homem, Jung é da opinião, que se este homem vivesse em épocas mais antigas, não
teriam se tornado neuróticos, pois antigamente, como se pode dizer o “homem ainda
era ligado pelo mito ao mundo dos ancestrais, vivendo a natureza e não apenas a
199
JUNG, C. G. - Memórias, Sonhos e Reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, (1988) p. 128
200
Id. p. 129
45
vendo de fora” 201 , como ele constatava com os habitantes de Basiléia 202 , não teriam
promovido a desunião consigo mesmos. Para Jung, estes seriam como “neuróticos
ligarem com o mundo do inconsciente, suas almas. E, sua atenção se voltará a estes
procuravam para serem curados. Jung acredita que isto se inicia com a tentativa de
simples nome que, a partir desse instante, é posto no lugar da realidade” 204 . Isto ele
deve ter percebido em seu pai, para quem as noções eram mais importantes que as
experiências, sem, contudo, perceber que uma noção o protegia da experiência com
Deus, que deveria ter tido, para então, servir melhor a sua Igreja. Jung é taxativo ao
dizer: “ora, o espírito não vive através de conceitos, mas através dos fatos e das
realidades. Não é com palavras que afastem um cão do fogo. E, no entanto este
inconsciente”, e durante três anos não leu nenhuma obra científica, ainda que tenha
201
Id. p. 130
202
Id. p. 69
203
Id. p. 130
204
Id. p. 131
205
Id. p. 131
206
Id. p. 172
46
escrito alguns artigos em inglês e o livro Psicologia do Inconsciente 207 . Durante este
período temia ser “condenado a uma solidão absoluta” 208 em termos acadêmicos,
mas assim mesmo esforçou-se para mostrar que “os conteúdos da experiência
psíquica são ‘reais’ e não apenas vivências pessoais – mas sim experiências coletivas
totalidade da personalidade que, se tudo está além, é harmoniosa, mas que não
Jung buscou, na biblioteca de seu pai, autores que refletissem por eles
mesmos, instruções acerca de Deus, e na própria Bíblia 211 , assim como acreditava
porém, para ele, religião era algo que Deus fazia com os homens, especialmente,
207
Id. p. 171
208
Id. p. 173
209
Id. p. 172
210
Id. pp. 173, 174
211
Id. p. 48, 49
47
com ele. Isto o levou a ler mais a Bíblia, na qual “mergulhava em segredo” 212 , e fez
com que aceitasse a definição do referido teólogo, resistindo à idéia de que Deus
possuía um caráter, assim como ele 213 , que conforme visto acima, não era nada
recomendável. Suas dúvidas cresciam à medida que procurava descobrir algo sobre a
onipotência” 214 . Não deixa de ser interessante, que o texto que apresenta os
como que em duas partes, num processo de auto-entendimento, que se iniciou aos
doze anos de idade, quando se diz perturbado “tudo não passava de pressentimento
em mim duas pessoas diferentes: uma delas o menino de colégio; o outro, era um
homem importante, velho que vivia no século XVIII”, era como se fossem duas
212
Id. p. 48
213
Id. p. 61
214
Id. p. 62
48
pessoas distintas, vivendo em duas épocas diferentes 215 . Ele, inicialmente, chamava
de número um e número dois. O mesmo ele fazia com as pessoas mais próximas a
ele, como seus pais. Jung identificava a personalidade número “um” com os homens
comuns, cheias de defeitos que ele admitia em si próprio 216 . Já a número “dois”,
para ele, era aquela que conhecia a Deus como um mistério oculto, pessoal e ao
dirigem todas as religiões, e que são poucos que a sentem 217 . Para ele, estas
preguiçoso, irresponsável, etc. Sua personalidade número “dois” era “secreta, com
suas fantasias proibidas” 219 , pois não podia relatá-las, a quem quer que fosse, com
pelos meios inconscientes, que mexiam com seus “humores depressivos” 220 , mas isto
215
Id. p. 43, 52
216
Id. p. 51
217
Id. p. 52
218
Id. p. 61
219
Id. p. 66, 99
220
Id. p. 66
49
tinham medo dele, inibindo-o em seu relacionamento interpessoal 221 . A número “um”
era o seu “eu ativo e compreensivo”, para ele era como que este permanecesse
passivo e absorvido na esfera do que chamava de “homem velho” 222 , que descreve
como tendo caráter histórico e de extensão no tempo, isto é, sua intemporalidade 223 ,
e que era responsável pelo seu interesse pelas ciências naturais 224 , já o interesse
pela número “dois” 225 . Jung admite que tentou recalcar a personalidade número
“dois”, mas confessa que não conseguiu, pois os conceitos de Arthur Schopenhauer
e seu pensamento acerca do “mundo de Deus” 226 não lhe deixava em paz. Ele
nas férias, quando se dedicava aos estudos das ciências naturais e à filosofia 228 . Para
ele, sua depressão vinha da número “dois”, quando lembrava da número “um”, as
estudar Medicina. Ser médico, apesar disso parecer imitação de seu avô, lhe trouxe
mais tarde, paz de espírito 230 . Mas sempre se lembrava da advertência do seu pai
221
Id. p. 66
222
Id. p. 70
223
Id. p. 87
224
Id. p. 73
225
Id. p. 74
226
Id. p. 75
227
Id. p. 79
228
Id. p. 76
229
Id. p. 79
230
Id. p. 84
231
Id. p. 91
50
materialismo científico e o mundo interior, que seu número “dois” 232 , como acima
sua número “um” considerava a número “dois” como de um jovem pouco simpático e
preguiça, à falta de coragem para enfrentar os desafios reais que apareciam à sua
volta, porque se perdia, muito facilmente, em suas próprias idéias e em coisas que
interessava a maioria das pessoas, com seus amigos imaginários (jesuíta esculpido
preconceituoso, estúpido, que não tem compreensão com outras pessoas, confuso e
número “dois” considerava a número “um”, “nem cristão, nem nada” 233 .
Era sua personalidade número “dois”, que o fazia parecer cada vez mais com
sua mãe, da qual conforme anteriormente vimos, herdara o dom, nem sempre
agradável de ver homens e coisas tais como eram 234 . Era-lhe desagradável ou
desconfortável, ser parecido com ela, pois a número “dois” fazia-o “ter uma visão
total da natureza humana, com uma clareza impiedosa consigo mesmo, mas incapaz
232
Id. p. 74
233
Id. p. 85
234
Id. p. 56
51
e pouco inclinado (se bem que o desejando) a exprimir-se por intermédio do espesso
e obscuro número um” 235 . Quando considerava seus pais, através do mesmo
número “dois” de sua mãe lhe foi o apoio mais forte que sentiu nos conflitos que se
viveu e sempre viverá, fora do tempo, filho do inconsciente materno. E este número
Jung, com o grande escritor, cientista e filósofo alemão Johann Wolfgang von Goethe
(1749-1832). Goethe foi uma das figuras mais proeminentes da literatura alemã e do
Romantismo europeu, nos finais do século XVIII e inícios do século XIX, poupado por
No entanto, seu parentesco era para Jung, um fato que lhe foi contado pela primeira
vez, por pessoas estranhas, à sua família. Tratava-se, da possibilidade de seu avô
paterno, Carl Gustav Jung, ter sido filho natural de Goethe, e isto o irritava
235
Id. p. 85
236
Id. p. 88
237
Id. pp. 211, 198
238
YALOM, Irvin D. A Cura de Schopenhauer. 2ª Edição. Rio de Janeiro: Ediouro, 2006, p. 202
52
bastante 239 . A única possível explicação, que ele mesmo conta era que a segunda
mulher de seu bisavô Franz Ignaz Jung (1759-1831), Sophie Jung-Ziegler (?),
freqüentava com sua irmã o Círculo do Teatro de Mannheim e, entre suas relações
havia muitos poetas, e esta teria tido um filho ilegítimo. Jung considerava este fato,
com alguma segurança, porém, estranhava que o mesmo tivesse sido relatado pelo
seu avô em seu “diário”, que por sua vez contava apenas que vira Goethe na cidade
mais tarde, amiga de Lotte Kestner (1773 - ?), sobrinha da “Lottchen” de Goethe. Ela
visitava freqüentemente seu avô, que também era amigo de Franz Liszt (1811-1886),
de "Fausto", da obra de Goethe 240 . Alguns anos mais tarde, Lotte Kestner
família Jung. Seu avô também era amigo de seu irmão, o conselheiro de embaixada
pertencia a uma família protestante da Alsácia 241 , que vivia em Roma e em casa de
quem Karl August (?), filho de Goethe, se hospedara pouco antes de sua morte 242 .
Goethe representava para Jung algo muito além de seu possível parentesco.
239
JUNG, C. G. - Memórias, Sonhos e Reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, (1988) p. 44, 209
240
http://pt.wikipedia.org/wiki/Franz_Liszt - consulta realizada em 12 de Dezembro de 2006.
241
http://pt.wikipedia.org/wiki/Auguste_Scheurer-Kestner - consulta realizada em 12 de Dezembro de 2006.
242
JUNG, C. G. - Memórias, Sonhos e Reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, (1988) p. 342
243
Id. p. 181
53
Fausto era sua “obra prima”; por isso sua vida foi enquadrada por esse
drama. Percebe-se de modo impressionante que se tratava de uma substância
viva que agia e vivia nele, a de um processo supra-pessoal, o grande sonho
do mundus archetypus. Fausto já soprara em meus ouvidos, as palavras
salutares: “duas almas, ai de mim, habitam no meu peito!” Quando li o Fausto
não podia supor ainda quanto o estranho muito heróico de Goethe era
coletivo, e profetizava o destino da Alemanha. Era por isso que me sentia
pessoalmente atingido, e quando Fausto, em conseqüência de sua hybris e
inflação provoca a morte de Filemon e de Baucis, acreditei ser culpado, um
pouco como se, em pensamento, tivesse participado do assassinato dos dois
velhos. Essa estranha idéia alarmou-me e achei que era responsabilidade
minha expiar tal crime, ou impedir que ele se reproduzisse. Fausto, filósofo
inepto e ingênuo, depara com seu lado obscuro, sua sombra inquietante:
Mefistófeles. Meus contrastes interiores apareciam assim sob a forma do
drama. Goethe, de alguma forma, havia esboçado um esquema de meus
próprios conflitos e soluções. A dicotomia Fausto-Mefistófeles, confundia-se
para mim num só homem, e este homem era eu! Em outras palavras, sentia-
me atingido, desmascarado e, uma vez que ra esse o meu destino, todas as
peripécias do drama me concerniam pessoalmente. Apaixonadamente, sentia-
me obrigado a aceitar isto, a lutar contra aquilo; nenhuma solução me era
indiferente. Mais tarde, em minha obra, parti do que Fausto deixara de lado: o
respeito pelos direitos eternos do homem, a aceitação do antigo e a
continuidade da cultura e da história do espírito. 244
Fora em Goethe, em seu Sieben Rden na die Toten, que Jung se inspirou para
Em Goethe, com seu Fausto, que Jung encontra, ainda que parcialmente,
próprios pensamentos, a ponto de escrever: “hoje sei que isto aconteceu (referência
ao sonho do falo) para que a mais intensa luz possível se produzisse na obscuridade.
Foi como que uma iniciação no reino das trevas. Nessa época principiou
inconscientemente minha vida espiritual” 246 . E, a ele recorre para sua formação
244
Id. pp. 209-210
245
Id. p. 168
246
Id. p. 28
54
retomada por Phillipus Aureolus Theophrastus Bombastus von Hohenheim,
Goethe e Karl Robert Eduard von Hartmann (1842-1906) 249 , de quem se confessa
ser “leitor ardoroso” 250 , de quem se aproxima bastante, devido ao seu Filosofia do
247
Carl Gustav Carus já havia estabelecido, antes de Freud: 1) A diferença entre inconsciente absoluto e
relativo; 2) A influência permanente entre os dois; 3) Que o conhecimento do consciente tem sua chave no
inconsciente; 4) Que o sonho consiste na irrupção do inconsciente.
http://www.noergologia.com.br/Freud%20descobriu%20o%20inconsciente.htm – consulta realizada em 13
de Dezembro de 2006
248
Referência a Joachim de Flore (1132-1202), abade cisterciense, que influenciou espiritualmente todo o
´seculo XIII até o Renacimento. Desconfiava da razão, recusava os postulados de Aristóteles e o
pessimismo de Santo Agostinho. http://fr.wikipedia.org/wiki/Joachim_de_Flore - consulta realizada em 13
de Dezembro de 2006. Conforme Gilberto Durant, autor do texto consultado: “A herança joachimista é
enorme e contínua: beneficiando Bossuet e Vico, Condorcet, Hegel, Auguste Comte e Marx...”
http://www.pucrs.br/famecos/pos/revfamecos/23/Durand.pdf - consulta realizada em 13 de Dezembro de
2006
249
Hartmann já ensinava com clareza que (...)o inconsciente é o princípio primeiro, a causa universal de
onde deriva a totalidade do real(...). JUNG, C. G. – Os Arquétipos e o Inconsciente Coletivo. Petrópolis:
Editora Vozes, 2003, par. 01
http://www.noergologia.com.br/Freud%20descobriu%20o%20inconsciente.HTM#_ftnref3 – consulta
realizada em 13 de Dezembro de 2006
250
JUNG, C. G. - Memórias, Sonhos e Reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, (1988) p. 98
251
Noll, Richard. O Culto de Jung: Origens de um Movimento Carismático. São Paulo: Editora Ática, 1996,
p.157
252
JUNG, C. G. - Memórias, Sonhos e Reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, (1988) p. 142
55
obra de Freud Interpretação dos Sonhos, em 1900, fora “fonte de iluminações”,
apesar de inicialmente ter sido colocada de lado, pois Jung não se via com
referida obra, e descobre que havia relação entre as idéias de Freud e, suas idéias,
Jung não concordava com Freud, pois para este todo recalque tinha causa no
“trauma sexual”, e isto para Jung era insatisfatório, pois em sua experiência
secundário, pois para alguns, reprimiam sua adaptação social, outros pela opressão
das circunstâncias trágicas da vida, outros ainda pelas exigências de prestígio, entre
universidade, mas sempre era ameaçado pelos colegas de ser igualmente rejeitado,
trauma, que para Freud era tão somente de fundo sexual, Jung via em Freud um
caminho de pesquisa aberto, e estava disposto a correr qualquer perigo para estar
em sua casa, em Viena, Áustria. O encontro durou treze horas de conversa e debate
científico 254 . Jung declara que Freud era a primeira personalidade verdadeiramente
253
Id. p. 143
254
Id. p. 135
56
importante com a qual se relacionava 255 . Apesar de sua admiração e vontade de
conhecer ainda mais as idéias de Freud, Jung divergia dele, por não se considerar à
“sexualidade recalcada”, a ponto de Jung opinar que sua teoria quanto a libido
sexual, lhe era “numinosa” 256 . Em 1910 voltaram a se encontrar, foi nesta ocasião,
lhe disse que sua teoria sexual era um “baluarte, um dogma contra o lodo do
ocultismo”, o que inquietou Jung, pois eles deviam contribuir com julgamentos
científicos e não lutar por uma “vontade de poder pessoal”, como entendeu que
queria Freud. Para Jung, a teoria sexual era momentaneamente satisfatória, mas não
filosofia e religião, seriam substituídos por outro: sexualidade, porque esta também
nem mesmo pelo seu criador. Para Jung, Freud elegera a sexualidade como religião,
57
o ponto de vista. Não se devia buscar no alto e sim no baixo aquilo que se
perdera” 258 . Jung confessa ter ficado eufórico 259 com esta maneira de compreender
o que Freud tentava estabelecer como verdade no campo científico, não como uma
vitória sobre o mestre austríaco, mas como seu empenho em pesquisar a presença e
“grande homem e, o que é principal, tinha o fogo sagrado” 260 . Eles não mais se
pesquisa de Jung, em que para Freud não passavam de “puro disparates” 261 .
Freud considerava Jung seu sucessor, porém, este não aceitara a idéia por
busca de prestígio pessoal, pois para Freud, importava mais preservar sua
Jung formulou seu conceito sobre os sonhos, diferentemente de Freud. Para Freud o
sonho é uma “fachada” atrás da qual seu significado se dissimula, que se oculta
quase maliciosamente à consciência. Entretanto, para Jung “os sonhos são natureza,
e não encerram a menor intenção de enganar; dizem o que podem dizer e tão bem
quanto o podem como faz uma planta que nasce ou um animal que procura
pasto” 263 . Sua teoria acerca dos sonhos o levou a conhecer ainda mais arqueologia,
258
Id. p. 137
259
Id. p. 137
260
Id. p. 138
261
Id. p. 141
262
Id. p. 142
263
Id. p. 145
58
I. 6. Sua teoria: Arquétipo, Gnosticismo, Alquimia, Anima e Animus,
os conceitos básicos da sua teoria. Não se trata de uma análise dos mesmos, mas
apenas definições das noções dos conceitos, sem, contudo ter o objetivo de
I. 6. 1. - Arquétipo
Jung desenvolve sua teoria dos arquétipos a partir das suas próprias
experiências – “tanto nossa alma como nosso corpo são compostos de elementos
que já existiam na linguagem dos antepassados” 264 . Iniciando com seus sonhos, se
afasta da teoria freudiana, conforme vimos acima. Ele narra que sua teoria teve
como ponto fundante os seguintes sonhos e fantasias, que somente depois de vinte
264
Id. p. 210
265
Id. p. 177
59
despertei. 266 Uma fantasia terrível repetiu-se várias vezes: havia algo de
morto que continuava a viver. Por exemplo, cadáveres eram colocados em
fornos crematórios e descobria-se então que ainda mostravam sinais de vida.
Essas fantasias atingiram num sonhos, simultaneamente, seu ponto
culminante e seu fim. Eu estava numa região que me lembrava os Alyscamps,
perto de Arles. Lá existe uma alameda de sarcófagos que remonta à época
dos merovíngios. No sonho, eu vinha da cidade e via diante de mim uma
alameda semelhante, orlada de uma fileira de túmulos. Havia pedestais
encimados por lajes sobre as quais os mortos repousavam. Jaziam em suas
roupagens antigas, as mãos postas sobre o peito, à maneira dos cavaleiros
das antigas capelas mortuárias em suas armaduras, com a única diferença de
que em meu sonho os mortos não eram de pedra talhada, mas, de modo
singular, mumificados. Parei frente ao primeiro túmulo e observei o morto.
Era um personagem dos anos 1830. interessado, olhei suas roupas. De
repente ele começou a mover-se e voltou à vida. Separou as mãos e
compreendi que isso ocorrera porque eu o olhara. Com um sentimento de
mal-estar continuei a caminhar e me aproximei de um outro morto, que
pertencia ao século XVIII. Aconteceu então a mesma coisa: enquanto o
olhava, ele voltou à vida e moveu as mãos. Percorri toda a fila, até atingir o
século XII. O morto era um cruzado que repousava numa cota de malha, de
mãos postas. Seu corpo parecia talhado na madeira. Contemplei-o
longamente convencido de que estava realmente morto. Subitamente, porém,
vi que um dos dedos de sua mão esquerda começava, pouco a pouco, a se
animar. 267
encontrar alguma coisa, desde sua infância, que justificasse a fonte de tais imagens,
pois temia tratar-se de alguma “perturbação psíquica”. Foi então, que resolveu seguir
imagens tinham alguma ligação emocional com sua infância, quando tinha dez ou
doze anos de idade, devido à sua paixão por brincar de “construção de casinhas e
castelos, com portais e abóbadas, usando garrafas como suportes” 268 . Apesar de
rejeitar voltar às suas brincadeiras infantis, não fez outra coisa senão render-se aos
próximo de onde morava, todos os dias depois do almoço ou, até o momento de
atender aos pacientes, que o procuravam. Mas, logo percebera que faltava em sua
266
Id. p. 152-153
267
Id. p. 153-154
268
Id. p. 154
269
Id. p. 154
60
“cidade”, uma igreja 270 . Esta ele a construiu “quadrada, encimada por um tambor
hexagonal e por uma cúpula de base quadrada” 271 , mas relutava em edificar um
“altar” 272 . Mas depois de tanto relutar, encontrou uma “pedra vermelha, uma espécie
de pirâmide de quatro lados, de uns quatro centímetros de altura” 273 , a qual foi
colocada no meio da construção, sob a cúpula. Isto fez lembrá-lo do sonho do falo
seus trabalhos, toda vez que se sentia “bloqueado” 275 ; deram origem a seus
como também, o ajudaram a passar pelo período difícil de perder sua esposa, e
interiores, Jung percebe que seus temores passaram a “realidade exterior”, tendo
uma visão, que durara cerca de uma hora, a qual o perturbou, deixando-o nauseado
e com vergonha de sua própria fraqueza, por não poder fazer alguma coisa para
270
Id. p. 155
271
Id. p. 155
272
Id. p. 155
273
Id. p. 155
274
Id. p. 154-155
275
Id. p. 155
276
Id. p. 155
61
país. Acabara de ocorrer uma espantosa catástrofe. Eu via vagas impetuosas
e amarelas, os destroços flutuantes das obras da civilização e a morte de
inúmeros seres humanos. O mar transformou-se em torrentes de sangue. 277
Esta visão repetiu-se mais uma vez, e foi-lhe inesquecível, e uma voz interior
lhe disse: “Olha bem, isto é real e será assim; portanto, não duvides”, e isto lhe
trouxe o temor de estar sendo “ameaçado por uma psicose” 278 , justificado com o que
cumprimento da tarefa” 280 . E, mesmo sentindo-se angustiado 281 devido aos efeitos
que as imagens exerciam sobre ele, recorria a “ioga” 282 , com o objetivo de acalmar-
se, mas para logo em seguida retomar o trabalho com o seu inconsciente. E, assim,
procurou o significado das emoções que estavam por trás das imagens, e neste
trabalho “readquiria paz interior”, tendo, contudo, cuidado para não tratá-las de
modo emocional, mas sim com uma atitude consciente, anotava todas as emoções,
viessem elas em sons que seus ouvidos captavam, ou em palavras que seus próprios
lábios pronunciavam ou murmuravam. 283 Jung registra que sua entrega aos
277
Id. p. 156
278
Id. p. 156
279
Id. p. 156; http://www.bibliele.com/CILHT/total.html - consulta realizada em 28 de fevereiro de 2007.
280
JUNG, C. G. - Memórias, Sonhos e Reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, (1988) p. 157
281
Id. p. 159
282
Id. p. 158
283
Id. p. 158
62
De repente, sem que ainda tivesse atingido uma grande profundidade
(inicialmente trezentos metros, mas depois se tornava uma “profundidade
cósmica”) 284 , encontrei-me – com grande alívio – de pé, numa massa mole e
viscosa. A escuridão era quase total; pouco a pouco meus olhos se
habituaram a ela, que parecia uma crepúsculo sombrio. Diante de mim estava
e entrada de uma caverna obscura; um anão ali permanecia de pé. Parecia
feito de couro, como se estivesse mumificado. Tive que esgueirar-me, quase
roçando nele, a fim de entrar pela passagem estreita e fui patinando, a água
gelada alcançando-me os joelhos, até o outro lado da caverna. Percebi então
que numa saliência da rocha cintilava um cristal vermelho. Ergui a pedra e
embaixo havia um espaço vazio. A princípio nada distingui nele; depois
percebi, no fundo, um curso d’água. Passou um cadáver flutuando na
corrente: era um adolescente de cabelos louros, ferido na cabeça. Seguiu-o
um enorme escaravelho negro e então surgiu, do fundo das águas, um rubro
sol nascente. Ofuscado pela luz, tentei repor a pedra no orifício, mas nesse
momento um líquido fez pressão e escoou através da brecha. Era sangue! Um
jato espesso jorrou e senti náusea. Tive impressão de que isto se prolongou
intoleravelmente. Afinal o jato de sangue estancou, terminando a visão. Fiquei
prostrado por causa dessas imagens. 285
Foi quando ele teve a percepção do que realmente estava por trás, e
284
Id. p. 161
285
Id. p. 159
286
Id. p. 159
287
Gnomo da saga “O Anel dos Nibelungos”,do compositor alemão Richard Wagner (1813-1883), no qual
reconstrói partes da mitologia germânica. Siegfried, nas suas aventura, mata o dragão Fafnir para reclamar
o seu tesouro. Segundo a lenda, após matar o dragão, se banha com seu sangue para se tornar imortal. E
praticamente o consegue, porém, uma pequena parte de seu corpo, onde havia caído uma folha, ficou
vulnerável e lá seria o seu ponto fraco. Acaba morto pelos irmãos da princesa Kriemhild, Gunnar e Hogni,
que acertam uma lança exatamente no ponto fraco de Siegfried, para se apoderarem das suas riquezas,
entre as quais se encontra o poderoso “Anel dos Nibelungos”. Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Sigurd -
consulta realizada em 28 de fevereiro de 2007.
63
do atentado. Eu escapara do perigo de ser descoberto, a vida podia continuar,
mas persistia em mim um sentimento intolerável de culpabilidade. 288
Jung registra que depois deste sonho, não conseguiu compreendê-lo, e tentou
adormecer de novo e uma voz lhe disse: “É preciso que compreendas o sonho
Parecia uma viagem à lua ou uma descida no vácuo. Surgiu em primeiro lugar
a imagem de uma cratera e senti como se estivesse no país dos mortos. Ao
pé de um alto muro rochoso vi duas figuras: a de um homem idoso de barba
branca e a de uma bela jovem. Reunindo toda a minha coragem, abordei-os
como se fossem seres reais. Escutei com atenção o que me diziam. O homem
idoso declarou que era Elias, e isto me abalou. Quanto à moça, desconcertou-
me ainda mais dizendo que se chamava Salomé! Era cega. Que estranho
casal: Salomé e Elias! Entretanto, Elias assegurou-me que ele e Salomé já
estavam ligados por toda a eternidade e isto aumentou ao máximo a minha
confusão. Vivia com eles uma serpente negra que manifestava uma evidente
inclinação por mim. Preferi dirigir-me a Elias, porque se afigurava o mais
razoável dos três, parecendo dispor de uma boa compreensão. Salomé
inspirava-me desconfiança. Mantive com Elias uma longa conversa, cujo
sentido não consegui compreender. Naturalmente, tentei”. tornar plausível a
aparição dos personagens bíblicos em minha fantasia, uma vez que meu pai
fora pastor. Mas isso não esclarecia coisa alguma. O que significava o homem
288
JUNG, C. G. - Memórias, Sonhos e Reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, (1988) p. 160
289
Id. p. 160
290
Id. p. 160-161
64
velho? O que significava Salomé? Por que estavam juntos? Somente muitos
anos mais tarde, quando meu conhecimento se ampliou, a ligação do velho
com a moça me pareceu perfeitamente natural. Ao longo das peregrinações
oníricas encontra-se mesmo muitas vezes um velho acompanhado por uma
moça; e em numerosos relatos míticos encontram-se exemplos desse mesmo
par. Assim, segundo a tradição gnóstica, Simão, o Mago, peregrinava com
uma jovem que tirara de um bordel. Ela se chamava Helena e era tida como
uma reencarnação de Helena de Tróia. Klingsor e Kundry 291 , Lao-Tse 292 e a
dançarina são exemplos do mesmo caso. Em minha imaginação, como já
mencionei, ao lado de Elias e de Salomé havia uma terceira figura; uma
grande serpente negra. Nos mitos, a serpente é muitas vezes a adversária do
herói. Numerosos relatos testemunham o seu parentesco. Assim, por
exemplo, diz-se que o herói tem olhos de serpente; outras vezes, depois de
sua morte, o herói é transformado em serpente e venerado sob essa forma.
Ou ainda, a serpente é a mãe do herói, etc. Na minha fantasia, pois, a
presença da serpente anunciava um mito do herói. Salomé é uma figuração
da Anima. É cega, pois não vê o sentido das coisas. Elias é a figuração do
profeta velho e sábio: representa o elemento do conhecimento, e Salomé, o
elemento erótico. Poder-se-ia dizer esses dois personagens encarnam o Logo
e o Eros. 293
Depois deste sonho, e sua interpretação, em que Jung expõe sua teoria dos
arquétipos, ele narra outro sonho, que o faz voltar-se ao gnosticismo, esclarecendo
que não se trata do movimento herético que surgiu no cristianismo primitivo, e seus
estudos em alquimia, como afirmamos no início deste trabalho. Assim, nos narra:
291
Personagens da Ópera Parsifal de Richard Wagner. Klingsor: mago negro, arquiteto de um jardim
mágico povoado por mulheres que seduziam com seus perfumes e trejeitos, os cavaleiros do Santo Graal.
Kundry: uma das amazonas do jardim de Klingsor, que ora é sua escrava, ora é uma fiel de Parsifal. –
http://pt.wikipedia.org/wiki/Parsifal - consulta realizada em 01 de Março de 2007.
292
Lao-Tse, cujo nome significa “Filho Velho”, tradicionalmente considerado o fundador do Taoísmo, religião
chinesa que enfatiza a espontaneidade ou liberdade de manipulação sócio-cultural pelas instituições,
linguagem e práticas culturais. – htto://pt.wikipedia.org/wiki/Lao-Tse – consulta realizada em 01 de Março
de 2007; e, http://pt.wikipedia.org/wiki/Tao%C3%ADsmo – consulta realizada em 01 de Março de 2007.
293
JUNG, C. G. - Memórias, Sonhos e Reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, (1988) p. 161
65
mesmo os tivesse criado; entretanto, segundo lhe parecia, eles possuem vida
própria, como animais na floresta, homens numa sala ou pássaros no ar:
“Quando vês homens numa sala, não pretenderias que os fizeste e que és
responsável por eles”, ensinou-me. Foi assim que, pouco a pouco, me
informou acerca da objetividade psíquica e da “realidade da alma”. Graças aos
diálogos com Filemon, esclareceu-se a diferenciação superior. Era para mim
um personagem misterioso. De vez em quando fez compreender que havia
uma instância em mim capaz de enunciar coisas que eu não sabia, não
pensava, e mesmo coisas com as quais não concordava. Psicologicamente,
Filemon representava uma inteligência superior. Era para mim um
personagem misterioso. De vez em quando tinha a impressão de que ele era
quase fisicamente real. Passeava com ele pelo jardim e o considerava uma
espécie de guru, no sentido dado pelos hindus a esta palavra. Filemon me
encaminhou para muitos esclarecimentos interiores. Mais tarde, Filemon foi
relativizado pela aparição de outro personagem, que denominei Ka. No antigo
Egito, o “Ka do Rei” era considerado sua forma terrestre, sua alma encarnada.
Na minha fantasia a alma-Ka vinha de sob a terra como que de um poço
profundo. O Ka diz sobre si mesmo: “Eu sou aquele que enterra os deuses no
outro e nas pedras preciosas”. Filemon tem um pé paralisado, mas é um
espírito alado, enquanto o Ka é uma espécie de demônio da terra ou dos
metais. Filemon encarna o aspecto espiritual, o “sentido”. O Ka, pelo
contrário, é um gênio da natureza como o anthroparion da alquimia grega,
que eu desconhecia nessa época. O Ka é aquele que torna tudo real, mas que
vela o espírito do martim-pescador, o sentido, ou que o substitui pela beleza,
pelo “eterno reflexo”. Com o tempo integrei essas duas figuras. O estudo da
alquimia ajudou-me a consegui-lo. 294
I. 6. 2. – Anima e Animus
Outro conceito de sua teoria é a idéia de anima e animus, que surgiu a partir
294
Id. p. 162-164
295
Id. p. 352
66
estivesse realmente “fazendo ciência” 296 , surgiu depois que ouvira uma voz feminina,
identificada como a de uma de suas pacientes, “uma psicopata muito dotada, que
estabelecera uma forte transferência” 297 com ele; “ela se tornara um personagem
vivo de meu mundo interior” 298 . Tal voz lhe disse: “O que fazes é arte” 299 . E, muito
argumentar, pois se não era ciência, era então arte, mesmo. Como se houvesse
apenas essas duas possibilidades. E, num intenso debate, Jung explica à voz que o
que fazia não era arte, senão “natureza” 300 , isto é, por deixar-se ser conduzido pelas
compreender. Desta experiência nasceu sua teoria sobre a anima, como fruto de
homem exterior. Como a “alma” sempre fora designada como sendo “feminina e se
mulher, chamei animus”. 302 Jung mantém contato com sua anima, através de cartas
para evitar que a mesma venha deformar a natureza de suas fantasias, ou envolvê-lo
em suas intrigas negativas, tentando ser o mais honesto possível. Contudo, buscou
“distinguir” 303 seus pensamentos dos conteúdos da anima, por possuírem certo grau
para não se ver envolvido com o inconsciente e assim perder o contato com a
296
Id. p. 164
297
Id. p. 164
298
Id. p. 164
299
Id. p. 164
300
Id. p. 165
301
Id. p. 165
302
Id. p. 164-165
303
Id. p. 165
67
realidade consciente. “Apenas dessa maneira é possível despotenciá-los, sem o que
irão exercer seu poder sobre o consciente” 304 , mantendo assim uma “inter-relação
304
Id. p. 165
305
Id. p. 167
306
Id. p. 166
307
Id. p. 166
308
Id. p. 167
68
inconscientemente no ser amado; ela constitui uma das razoes essenciais da
atração passional e de seu contrário. A função natural do animus (como a da
anima) consiste em estabelecer uma relação entre a consciência individual e o
inconsciente coletivo. Analogamente, a persona representa uma zona
intermediária entre a consciência do eu e os objetos do mundo exterior. O
animus e a anima deveriam funcionar como uma ponte ou pórtico, conduzindo
às imagens do inconsciente coletivo, assim como a persona representa uma
ponte para o mundo. Em sua primeira forma inconsciente, o animus é uma
instância que engendra opiniões espontâneas, involuntárias, exercendo uma
influência dominante sobre a vida emocional da mulher; a anima é, por outro
lado, uma instância que engendra sentimentos espontâneos, os quais
exercem uma influência sobre o entendimento do homem, nele provocando
distorções. O animus é projetado particularmente em personalidades
“espirituais” e toda espécie de “heróis”. O animus se apodera facilmente do
elemento que na mulher é inconsciente, vazio, frígido, desamparado, incapaz
de relação, obscuro e equívoco... No decurso do processo de individuação, a
alma se associa à consciência do eu e possui, pois, um índice feminino no
homem e masculino na mulher. A anima do homem procura unir e juntar, o
animus da mulher procura diferenciar e reconhecer. São posições
estritamente contrárias... No plano da realidade consciente constituem uma
situação conflitual, mesmo quando a relação consciente dos dois parceiros é
harmoniosa. A anima é o arquétipo da vida... pois a vida se apodera do
homem através da anima, se bem que ele pense que a primeira lhe chegue
através da razão. Ele domina a vida com o entendimento, mas a vida vive
nele através da anima. E o segredo da mulher é que a vida vem a ela através
da instância pensante do animus, embora ela pense que é o Eros que lhe dá
vida. Ela domina a vida, vive, por assim dizer, habitualmente, através do Eros;
mas a vida real, que é também sacrifício, vem à mulher através da razão que
nela é encarnada pelo animus. 309
I. 6. 3. Alquimia e Transferência
A alquimia foi decisiva, pois para Jung esta serviu de “base histórica” de suas
experiências interiores, sendo que o sonho, quando contava com onze anos de
309
Id. 351-352
69
levava ao castelo através de um grande pátio. O cocheiro e eu atravessamos
um portal e pudemos então, de onde nos encontrávamos, perceber de novo a
paisagem ensolarada, através de um segundo portal mais distante. Olhei em
torno: à direita, a fachada da morada senhorial; à esquerda, as casas dos
empregados e as cavalariças, as granjas e outras construções anexas que se
estendiam ao longe. Enquanto permanecíamos no meio do pátio, diante da
entrada principal, ocorreu algo inesperado: com um baque surdo, os dois
portais se fecharam. O camponês saltou do banco do carro e gritou: “eis-nos
agora prisioneiros do século XVII!” Resignado, pensei: “sim, é isso! Mas que
fazer? Eis-nos prisioneiros por muitos anos!” Depois tive um pensamento
consolador: algum dia, depois de passados esses anos, poderei sair. 310
que durante quinze anos ele formou uma grande biblioteca acerca do assunto, sendo
que Artis Auriferae Volumina Duo de 1593, servira para que compreendesse que os
“alquimistas falavam em símbolos” 312 , e por mais de dez anos 313 estudou
símbolos.
A alquimia para Jung serviu de referência para comparar com a psicologia. Por
idéia de Cristo como “figura psicológica” 314 , e que a “pedra” (lápis), que é uma
310
Id. p. 179-180
311
REVISTA, Viver Mente&Cérebro: Memória da Psicanálise. Jung e a Psicologia Analítica e o Resgate do
Sagrado. Nº 02, São Paulo. p. 11
312
JUNG, C. G. - Memórias, Sonhos e Reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, s/d, p. 180
313
Id. p. 181
314
Id. p. 185
315
Id. p. 185
70
“todos os problemas foram antecipados ou acompanhados por sonhos” 316 , o
problema da transferência também foi um deles, que fora abordado via manifestação
Minha casa tinha uma grande ala na qual jamais havia entrado. Finalmente fui
visitá-la. Cheguei a uma grande porta de dois batentes. Ao abri-la, encontrei-
me num espaço onde havia sido instalado um laboratório. Diante da janela
havia uma mesa cheia de todos os tipos de recipientes de vidro e todo o
aparelhamento de um laboratório zoológico. Era o local de trabalho de meu
pai. Mas ele não estava lá. Nas paredes, cabides suportavam centenas de
vidros que continham todas as espécies de peixes imagináveis. Estava
assombrado: “Então meu pai se ocupa de ictiologia!” Enquanto estava lá e
olha em torno, vi que uma cortina de vez em quando se inflava ao sopro de
um vento forte. De repente apareceu Hans, um rapaz do campo; pedi-lhe que
fosse ver por detrás da cortina se não havia alguma porta ou janela aberta.
Ele obedeceu e, ao voltar vi que estava transtornado. Uma expressão de
terror lia-se em seu rosto. Disse simplesmente: “Sim, há uma coisa. É um
fantasma!” Fui então para a outra peça e encontrei uma porta que
comunicava com o quarto de minha mãe; não havia ninguém. A atmosfera
era opressiva e o quarto muito grande. No teto havia duas fileiras de cinco
caixas suspensas, cerca de meio metro do chão. Pareciam pequenas cabanas
de jardim, com uma superfície de mais ou menos dois metros quadrados; em
cada uma havia dois leitos. Sabia que nesse local minha mãe, que na
realidade morrera há muito tempo, era visitada e lá instalara leitos para os
espíritos. Eram espíritos que vinham aos pares; casais de espíritos, que lá
passavam a noite ou mesmo o dia. Em frente ao quarto de minha mãe havia
uma porta. Eu a abi e encontrei-me num imenso hall de um grande hotel,
com cadeiras, mesas, colunas e todo o luxo habitual. Uma orquestra de
instrumentos de metal tocava espalhafatosamente. Antes, já ouvira a música
ao longe, sem saber, entretanto, de onde vinha. Não havia ninguém no hall,
só a fanfarra executando canções, danças e marchas. A orquestra de metais,
no hall do hotel, indicava divertimento e mundanidade ostensiva. Atrás dessa
fachada barulhenta, ninguém teria suspeitado que existia um outro mundo na
casa. A imagem onírica do hall seria, portanto, uma caricatura de minha
bonomia e jovialidade mundana. Mas isso era apenas o lado exterior; atrás,
encontrava-se algo completamente diferente, sobre o qual seria impossível
discorrer, ouvindo a orquestra de metais: o laboratório de peixes, e o quarto
onde estavam suspensas as armadilhas de espíritos. Eram locais
impressionantes, nos quais reinava misterioso silêncio. Meu sentimento era
este: aqui vive a noite, enquanto o hall representa o dia e a agitação
superficial do mundo. 317
I. 6. 4. Gnosticismo
Jung estudou os escritos gnósticos de 1918 a 1926, que em sua opinião foram
eles que “encontraram o mundo original do inconsciente” 318 . Jung esclarece que não
316
Id. p. 187
317
Id. p. 187-188
318
Id. p. 177
71
quer dizer que os gnósticos tivessem alguma concepção psicológica, pelo menos
inicialmente. Ele não via nenhum tipo de interação entre seus pressupostos
natureza, em vigência na Idade Média, lança uma ponte tanto para o passado, a
ele, fora quem relacionara a psicologia com o gnosticismo com os temas gnósticos
da sexualidade, por um lado, e da autoridade paterna nociva, por outro, isto é, Jung
compreendeu algo mais profundo que Freud. Para ele, o “pai original e o super-ego”
isto é, por não ser de todo compreendido. Jung entendia que para Freud, este “pai
ilusões e de dor”. Enquanto que em sua opinião “de acordo com a tradição gnóstica,
foi esse deus superior que enviou aos homens, a fim de ajudá-los, o “Cratera”
intuição e da razão, e não exclusivamente pela fé. Portanto, a noção de Deus poderia
vida anímica. Ele estabelece correlações entre as idéias enigmáticas dos sonhos e
319
Id. p. 177
320
Id. p. 178
72
alquimia. Jung lembra que naquela época alguns alquimistas intuitivamente já
I. 6. 5. Libido
Libido. Para ele a libido era de natureza mais quantitativa que qualitativa, isto é, são
73
diversificada em intensidade. Na verdade Jung intencionava estabelecer
comparações da Psicologia com as Ciências Físicas, talvez por temer não estar
fazendo ciência, mas sim “arte”, com afirmava uma de suas pacientes. Por isso
afirma:
psíquica como termos intercambiáveis. Para Jung a libido assume muitas formas,
comparação com a física, na verdade trata-se de uma metáfora, isto é, Jung procura
explicar seu conceito acerca da libido, usando a linguagem das ciências físicas.
Embora não existam meios objetivos para medir a quantidade de energia psíquica
que os indivíduos investem em suas atividades psicológicas, não se pode negar seu
“canal” por onde flui a energia psíquica, e quando este fica como que bloqueado, a
energia procura fluir por outros canais, podendo levar até mesmo a depressão e ao
324
Id. p. 184
74
acreditarem terem um câncer, conforme veremos no terceiro capítulo. Ainda,
I. 6. 6. Individuação
metamorfose da psique” 327 . A individuação, então, além de ser o “conceito básico” 328
coletivas, graças à simbologia alquimista. Para ele, tanto o indivíduo como o coletivo,
passa por transformações, assim como se dá nos processos alquímicos, sendo que
promove metamorfoses em seus fiéis e no mundo real. Tal estudo ainda está para
ser elaborado.
325
SAMUELS, Andrew; SHORTER, Bani; PLAUT, Fred – Dicionário Crítico de Análise Junguiana. Rio de
Janeiro: Imago Editora Ltda., 1996, p. 69
326
JUNG, C. G. - Memórias, Sonhos e Reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, (1988) p. 184
327
Id. p. 184
328
Id. p. 184
329
Id. p. 184
75
Segundo o Dicionário, acima citado, “o termo “individuação” foi adotado por
depende da relação vital que existe entre o ego e o inconsciente. A meta não é
330
SAMUELS, Andrew; SHORTER, Bani; PLAUT, Fred – Dicionário Crítico de Análise Junguiana. Rio de
Janeiro: Imago Editora Ltda., 1996, p. 108, 110
331
JUNG, C. G. - Memórias, Sonhos e Reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, (1988) p. 355
76
individuação situa-se naquilo que acontece durante o processo. Jung diz:
I. 6. 7. Sombra
moderno para a dissociação entre os lados claro e escuro da psique humana. Jung
jamais realizada. Porém, achava o modo freudiano de tratar a sombra, “limitada” 333 .
Para ele a sombra é uma parte viva da personalidade e que “quer viver com esta” de
pessoal.
Este conceito de sua psicologia talvez venha daquilo que chamou de “má
consciência”, quando ainda adolescente foi despertado para o fato de ter colaborado
com o colega de escola que batera nele, e isto o forçou a se afastar da Escola
durante alguns meses. Diz ele: “A sombra é um problema moral que desafia toda a
332
JUNG, C. G. – A Vida Simbólica, parág. 1.624
333
SAMUELS, Andrew; SHORTER, Bani; PLAUT, Fred – Dicionário Crítico de Análise Junguiana. Rio de
Janeiro: Imago Editora Ltda., 1996, p. 205
334
JUNG, C. G. - Memórias, Sonhos e Reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, (1988) p. 205
77
considerável esforço moral. A sua conscientização envolve o reconhecimento dos
Para Daryl Sharp (?) a sombra compõe-se, em sua maior parte, de desejos
fantasias e ressentimentos infantis, etc – todas aquelas coisas as quais não nos
“sombra” ao relatar um sonho em que dois médicos psiquiatras, pai e filho, e ele,
ouviam um sermão de seu pai, que na ocasião já havia morrido. O sermão era
compreendido devido a sua profundidade, ao muito diferente de quando seu pai era
vivo, e por essa razão, Jung registra: “os dois psiquiatras representam de alguma
forma a minha sombra, em primeira e segunda edição, como pai e filho” 337 .
335
SHARP, Daryl – Léxico Junguiano: Dicionário de Termos e Conceitos. São Paulo: Editora Cultrix, 1997. p.
149
336
JUNG, C. G. - Memórias, Sonhos e Reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, (1988) p. 149, 150
337
Id. p. 191
78
I. 6. 8. Si-Mesmo ou Self
transpessoal que transcende o ego. Jung acreditava que não havia nenhuma
338
Id. p. 174
339
Id. p. 174
340
Id. p. 176
341
Id. p. 175
79
também pode ser chamado de “o Deus em nós”. Os primórdios de toda nossa
vida psíquica parecem surgir inextricavelmente deste ponto e as metas mais
altas e derradeiras parecem dirigir-se para ele. Tal paradoxo é inevitável como
sempre que tentamos definir o que ultrapassa os limites de nossa
compreensão. 342
como origem da vida psíquica; outras vezes refere-se a sua realização como o
objetivo. Sublinhava que era um conceito empírico e não uma formulação filosófica
ou teológica, daí sua elucidação acima. A capacidade de uma pessoa de integrar tal
imagem sem mediação sacerdotal foi questionada pelo clero, e teólogos criticaram a
Jung defendia com firmeza sua posição apontando que a ênfase cristã só sobre “o
bem” havia deixado o homem ocidental alienado e dividido dentro de si. Isto talvez
se aplique a compreensão que tinha de seu pai, por este se identificar tão somente
com “o bem” sem, contudo, perceber seu mau humor, como manifestação do self.
80
I. 7. A Torre de Bollingen
superior de Zurique 344 , adquirida em 1922, da Igreja de St. Gall, próximo ao distrito
pedreiros 345 , que aparentemente era de difícil acesso, pois segundo ele se faz por
um “atalho ao longo do lago” 346 mas, considerada como sua “profissão de fé – ela
exerceu sobre mim uma ação benfazeja, como a aceitação daquilo que eu era,
que a torre despertava”, nele. Inicialmente idealizada nas “cabanas africanas, com
acendia o fogo da lareira e do fogão e dos velhos lampiões. Não há também, água
encanada, que era tirada do poço, graças à ajuda de uma “bomba manual”. Quando
lá estava, Jung rachava lenha e cozinhava. Segundo ele “esses trabalhos simples
tornam o homem simples, e é muito difícil ser simples” 349 . A casa passou a ser
conhecida como “torre” devido a altura de dois andares e em plano circular, sendo
344
JUNG, C. G. - Memórias, Sonhos e Reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, (1988) p.196
345
Id. p. 198
346
Id. p. 205
347
Id. p. 196, 197, 198
348
Id. p. 196, 197
349
Id. p. 198
81
acrescentado outra construção, como um “anexo” 350 . E, em 1931, Jung constrói um
terceiro apêndice, um quarto que mantinha fechado e a chave em seu poder, sem
permitir a entrada de outras pessoas, senão aquelas que permitia 351 . As paredes
desse quarto eram ornadas por figuras, pintadas pelo próprio Jung, que segundo ele,
os brasões de sua família, dos de sua esposa e de seus genros 353 . E, em 1935,
depois de doze anos, concluiu a construção, com mais um pátio, formando assim o
parte central, até então muito baixa e presa entre as duas torres, me representava,
I. 8. Suas Viagens
Jung descreve os lugares e as pessoas por onde passou, com detalhes acerca
dos costumes sociais – homens abraçados a outros homens 355 ; familiares – homens
falam com homens e mulheres com mulheres 356 ; culturais – festas e danças 357 ; e,
350
Id. p. 197
351
Id. p. 197
352
Id. p. 197
353
Id. p. 207
354
Id. p. 197
355
Id. p. 212
356
Id. p. 213
357
Id. p. 214
82
religiosos – “o ar era saturado de mistério” 358 , porém, justifica suas observações por
O roteiro seguido na África do Norte, em 1920, foi: Tunis, Soussa, Sfax, Saara,
Tozeur, Nefta 359 , ora de navio, ora em lombos de “grandes mulas, de trote
rápido” 360 , tendo retornado cinco anos mais tarde 361 . Para ele estas viagens serviram
descendo a um nível cultural ainda menos evoluído”362 . No Novo México, nos Estados
Unidos da América do Norte, com os Índios Pueblos, Jung teve a real percepção de
que a religião era algo viva, apesar de ser “absolutamente inacessível”, a ele como
que havia sido preservado, mas inacessível ao “branco” 363 . Diz ele:
Sol, mesmo sendo “homens maduros, extremamente dignos”, mas sempre ficavam
358
Id. p. 214
359
Id. p. 212
360
Id. p. 213
361
Id. p. 218
362
Id. p. 219
363
Id. p. 221
364
Id. p. 221
83
possuídos por uma “emoção irreprimível ao falar do Sol” 365 . Jung percebeu que esta
religião dava aos Índios Pueblos um “sentido cosmológico”, isto é, eles se viam
Sol, em seu percurso de luz e calor por toda a terra. Um dos índios, disse-lhe: “Se
cessássemos nossas práticas religiosas, em dez anos, o Sol não se ergueria mais.
I. 8. 2. Quênia e Uganda
Iniciou por Mombaça, Nairóbi 367 , Athi Plains – grande reserva de caça 368 , Sigistifour,
Masinditown, Sudão 369 , Rejâf 370 , Cartum, no Egito 371 . O roteiro fora cumprido de
barco 372 , trem 373 , automóvel Ford 374 , e caminhão 375 . Nesta viagem, Jung aprendera
365
Id. p. 222
366
Id. p. 223
367
Id. p. 224
368
Id. p. 225
369
Id. p. 237
370
Id. p. 239
371
Id. p. 240
372
Id. p. 224
373
Id. p. 224, 236
374
Id. p. 225
375
Id. p. 227, 237
84
foi assim que o homem encontrou seu lugar indispensável no grande processo do
ser. Aqui não é o homem, é Deus quem domina; não a vontade e a intenção, mas
pessoal agudo, ligado a muitos pontos dolorosos de minha própria psicologia”. 377
I. 8. 3. Índia
376
Id. p. 226
377
Id. p. 240
378
Id. p. 241
379
Id.p. 242, 243
85
Pela Índia, Jung passou pelos seguintes lugares: Konarak, Sânchi, Allahabad,
I. 8. 4. Ravena e Roma
onde se encontrou com o túmulo da imperatriz Galla Placidia (morta em 450 d.C.),
na qual sua “anima” se projetara 381 . Em 1912 foi à Roma e pretendia voltar em
1949, mas foi impedido devido a uma “sincope na hora de comprar a passagem”,
mas em 1912, a viagem significou ir além do “prazer estético, mas sim a cada passo,
ser tocado até o fundo do ser pelo espírito que já reinou naquele lugar” 382 . Também
viajou para o norte da Itália, em 1911, acompanhado por um amigo, cujo nome não
menciona, passando por Pávia, Arona, Tessin e Faido. O inusitado dessa viagem, é
I. 9. Problema Cardíaco
nesta ocasião sem saber se tratava de “sonho ou êxtase”, ele registra ter tido “coisas
muito estranhas” 385 . Conta-nos que vira o planeta terra a uma “distância de 1.500
380
Id. p. 246
381
Id. p. 251
382
Id. p. 252
383
Id. p. 266
384
Id. p. 253
385
Id. p. 253
86
quilômetros de altura” 386 , como que houvesse saído do mundo real, e que desta
eu era feito de minha história e tinha a certeza de que era bem eu. Esta
experiência me deu a impressão de uma extrema pobreza, mas ao mesmo
tempo de uma extrema satisfação. Não tinha mais nada a querer nem a
desejar; poder-se-ia dizer que eu era objetivo; era aquilo que tinha vivido.
Nenhum pesar de que alguma coisa se perdesse ou fosse arrebatada. Ao
contrário: eu tinha tudo o que era e tinha apenas isso. Deveria, de novo,
convencer-me que viver neste mundo tinha algum valor! 387
O período de seu “retorno” à vida foi de três semanas, durante o qual não
Durante essas semanas o ritmo de minha vida foi estranho. Durante o dia
sentia-me freqüentemente deprimido, miserável e fraco e ousava com
dificuldade fazer um movimento; melancolicamente pensava: Agora preciso
voltar a este mundo cinzento. De tarde, adormecia e o sono durava até perto
de meia-noite. Então acordava e ficava desperto, talvez uma hora, mas num
estado muito particular. Ficava como que num êxtase ou numa grande
beatitude. Sentia-me pairando no espaço como que abrigado no meio do
universo, num vazio imenso, embora pleno do maior sentimento de felicidade
possível. Era a beatitude eterna, não se pode descrevê-la, é
extraordinariamente maravilhosa, eu pensava. 389
386
Id. p. 253
387
Id. p. 254, 255
388
Id. p. 255
389
Id. p. 256
87
enquanto idéias existentes, não devem ser reprimidas, porque fazem parte da
expressão da totalidade. 390
Basiléia, que já nos prepara para entrarmos no Segundo Capítulo deste trabalho, que
390
Id. p. 259
88
nada realmente mal resulte dessas provações. Quando se cumpre à vontade
de Deus não há dúvida de que se segue o bom caminho. Deus, portanto,
podia exigir de mim aquilo que por tradição religiosa eu deveria recusar. Ora,
foi a obediência que me trouxe a graça e só a partir desse momento
compreendi o que significa a graça divina. Aprendera que estava entregue a
Deus e que o importante era cumprir Sua vontade, sem o que seria uma
presa da loucura. Assim começou a minha verdadeira responsabilidade. A
idéia de que fora obrigado a aceitar era assustadora e com ela despertou em
mim o pressentimento de que Deus bem poderia ser algo terrível. Não me
envolvera naquele segredo apavorante, que tanto me angustiara? Uma
sombra fora lançada sobre minha vida. Tornei-me profundamente meditativo.
O episódio da catedral constituíra algo de muito verdadeiro e fazia parte do
grande segredo... Fora, entretanto, uma experiência humilhante. 391
391
Id. p. 45, 46, 47, 48
89
2º CAPÍTULO:
Jung ficou abalado pela culpa e pela vergonha e, sofreu muito, sem ainda perceber
que aquilo era uma imagem arquetípica do repúdio existencial que germinava em
seu Arquétipo Central – Self – contra tudo o que era dogmático, formal, reducionista,
antagonismo ao pai, não pode passar despercebido neste símbolo. Só que essa
pessoal, abrangia também o pai simbólico espiritual, que Jung havia projetado em
vemos que a atitude do pai e freqüentemente da Igreja a qual ele pertencia eram
iguais no culto da religião formal e estagnada, repudiada pelo Deus vivo que Jung
religiosas paternais foram destruídos com esta “quase visão”, há uma grande
392
BYINGTON, Carlos Amadeu Botelho. Transcendência e totalidade. Revista Viver: Mente&Cérebro, Jung: A
Psicologia Analítica e o Resgate do Sagrado. Nº 2, p. 09.
90
aquele que se canta e se reverencia nos templos e nas casas das famílias 393 . Deus
revelou-se mesmo, como Jung o descrevera: “algo terrível” 394 , pois assim ele O
considera conforme seu A Resposta a Jó, fora o próprio Deus que desaprovara a
teologia e a Igreja fundada por ele, uma religião teológica, uma crença sem
esperança 395 .
Jung declara que seu interesse pelo problema religioso protestante, além de
suas próprias experiências que tivera na convivência com uma família luterana, com
nove teólogos, fora aprofundado graças às conversas com um teólogo 396 , que fora
“vigário” de seu pai, sem, contudo dizer seu nome. Segundo Jung, era um grande
erudito que lhe instruiu bastante acerca dos pais da Igreja e a história dos dogmas,
importante salientar que sua família passou a ser protestante, com a conversão de
seu avô paterno, antes católico 398 , Carl Gustav Jung, durante os anos que este vivera
August Wilhelm Von Schlegel (1767-1845), este tradutor para o alemão, da obra de
William Shakespeare (1564-1616), ambos filhos de pastor luterano 399 , Ludwing Tieck
393
GAILLARD, Christian. Jung e a Vida Simbólica. São Paulo: Edições Loyola, 2003, p. 23
394
JUNG, C. G. - Memórias, Sonhos e Reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, (1988) p. 56
395
Id. p. 90
396
Id. p. 95
397
Id. p. 95
398
Id. p. 343
399
http://www.kirjasto.sci.fi/schlegel.htm - consulta realizada em 24 de fevereiro de 2007.
91
II. 2. “A Teologia que estava na ordem do dia”
estabelecer absoluto contraste entre misticismo e fé, porém Paul Tillich (1886-1965)
define misticismo como aproximação direta e íntima com a divindade e fé 401 , como
racionalizar a imagem de Deus 403 . Ainda conforme Tillich, Ritschl introduziu o método
materialismo, tendo desmoronado no final do século XIX 405 , numa tentativa de volta
campo teológico não poderia ser diferente. A teologia sobrenaturalista queria salvar a
tradição com os mesmos meios usados pelo naturalismo para transformar a tradição.
400
Noll, Richard. O Culto de Jung: Origens de um Movimento Carismático. São Paulo: Editora Ática, 1996, p.
161
401
TILLICH, Paul. A Era Protestante. Instituto Ecumênico de Pós-Graduação em Ciências da Religião, São
Bernardo do Campo, 1992. p. 105
402
TILLICH, Paul. História do Pensamento Cristão. ASTE, São Paulo, 2000. p. 105
403
TILLICH, Paul. Perspectivas da Teologia Protestante nos Séculos XIX e XX. ASTE, São Paulo, 1999. p. 31
404
TILLICH, Paul. A Era Protestante. Instituto Ecumênico de Pós-Graduação em Ciências da Religião, São
Bernardo do Campo, 1992. p. 165
405
TILLICH, Paul. História do Pensamento Cristão. ASTE, São Paulo, 2000. p. 287
406
TILLICH, Paul. Perspectivas da Teologia Protestante nos Séculos XIX e XX. ASTE, São Paulo, 1999. p.
216, 221
92
Era como houvesse uma “tirania da Grécia sobre a Alemanha” 407 , que funcionava
Schleiermacher está no centro de tal conflito. Tanto ele quanto Hegel trataram
homem acima da existência animal era o imperativo moral, segundo Ritschl. A moral
dignificava o homem, e a luta entre o bem e o mal era a luta moral. Graça e Oração
não tinham lugar nesse esquema 409 . Sendo assim, no entender de Tillich, Ritschl e
cristianismo.
ensaio de filosofia religiosa A Religião Dentro dos Limites da Razão Pura, de 1793 410
que, porém, mais tarde, o próprio Kant censurou 411 . Na opinião de Tillich, Kant
que qualifica como “brutal”, e uma ortodoxia “mais livre”, que a religião se
407
http://www.metodista.br/correlatio/num_01/a_dourle.htm - consulta realizada em 01 de Novembro de
2006.
408
TILLICH, Paul. Perspectivas da Teologia Protestante nos Séculos XIX e XX. ASTE, São Paulo, 1999. p. 65,
66
409
Id. p. 93-94
410
PADOVANI, Humberto Antonio e CASTAGNOLA, Luís. História da Filosofia. Edições Melhoramentos, 5ª
Edição, 1962, São Paulo. p.308
411
Id. p. 307
412
TILLICH, Paul. Perspectivas da Teologia Protestante nos Séculos XIX e XX. ASTE, São Paulo, 1999. p. 91
93
estabeleça nos debates teológicos e não em seu poder de estabelecer doutrinas, cuja
opção para o pluralismo e a diversidade devem ser cultivadas. E, no século XX, com
que é histórico e o que é mito. Depois dele, muitos continuaram a considerar que
Deus, por se tratar do inefável, deve ser apreendido pelo exercício racional e
inteligível.
ciência e a luta pelas reformas sociais, que tiveram lugar entre os anos 1350 a 1650
d.C. 414
413
http://www.theolib.com/libtheo.html - consulta realizada em 26 de Janeiro de 2007
414
http://www.protestantismeliberal.be/ - consulta realizada em 26 de Janeiro de 2007
94
necessariamente por meio da natureza, mas assim mesmo dado e sentido em nosso
E, o outro fator era o imperativo moral. A religião é a força que nos capacita a
natureza humana. Chega-se à salvação pelo perdão dos pecados. Este pensamento
fez surgir uma doutrina que negava o poder de Deus ou o reduzia a quase nada.
Buscava-se acabar com polaridade entre poder e amor de Deus, reduzindo a idéia de
Segundo Carl E. Braaten (?), autor do texto Paul Tillich e a Tradição Cristã
nos Séculos XIX e XX, de Tillich, diz que “Ritschl era representante da teologia
Jesus histórico por trás dos vários retratos de Jesus visíveis no Evangelho, por meio
415
TILLICH, Paul. Perspectivas da Teologia Protestante nos Séculos XIX e XX. ASTE, São Paulo, 1999. p. 33
95
II. 3. Jung reage ao Criticismo Bíblico e ao Liberalismo Teológico
E fora, inicialmente, contra esta teologia que Jung iniciou seus debates,
começando na Sociedade Zofingia 416 , tendo sido apresentado pelo seu pai, quando
Janeiro de 1899 417 , registrada na The Zofingia Lectures, onde afirmara: “O mistério
permanecerá no coração dos homens até o final dos tempos” 418 . Depois de muitos
exemplo, ao afirmar:
das relações pessoais e também da relação entre nós e Deus, ou Cristo”. Jung
repreendia ainda mais Ritschl por este ter condenado os místicos que afirmavam
haver uma relação direta, uma unio mystica, entre o homem e Deus – já para Ritschl
essa experiência era sempre mediada pelos conteúdos pessoais e culturais das
tradições e instituições culturais, com sua ilustração de um trem que está sendo
416
Noll, Richard. O Culto de Jung: Origens de um Movimento Carismático. São Paulo: Editora Ática, 1996, p.
156
417
Id. p. 157
418
Id. p. 105
419
JUNG, C. G. - Memórias, Sonhos e Reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, (1988) p. 301
96
manobrado, onde a locomotiva empurra por trás, e o choque se propaga através de
todos os vagões que compõem o trem; dessa forma, o impulso de Cristo ter-se-ia
propagado através dos séculos, enquanto que para Jung, tal ilustração o irritava 420 ,
pois a imagem de Cristo, logo depois da Sua morte foi incorporada ao inconsciente
Para compreender esta questão é bom citar que para Tillich, Rudolf Otto
passa no ponto central do iluminismo. Segundo Elian Cuvillier (?) professor de Novo
Este período coincide com a tomada de consciência que existe uma diferença
entre as elaborações dogmáticas eclesiásticas e os testemunhos bíblicos, com
os Evangelhos em especial. A investigação então, é guiada por uma dupla
motivação: convém responder às exigências do mundo moderno que não
pode satisfazer-se, enquanto que desenvolvem-se por toda a parte as ciências
históricas e, o estudo crítico da história, isto é, a tradição histórica que pura e
simplesmente identifica o Jesus da história e o Cristo da fé, e que recusa
aplicar aos textos bíblicos os critérios da ciência. Para a exegese racionalista
do século XVIII tratava-se de reencontrar o “núcleo puro” dos textos bíblicos,
e particularmente os Evangelhos, numa recusa da herança cristã. É no século
XIX, sob influência do liberalismo teológico alemão, que vai se investigar o
“Jesus Histórico”. Este período é chamado de Historicismo: a história é a única
capaz, comprovadamente, de estabelecer ou explicar a verdade. Nos anos de
1830-1850 a “Escola de Tübingen” se destaca neste empenho, tendo como
representantes David Friedrich Strauss (1808-1874) e Ferdinand Christian
Baur (1792-1860). Para este, os textos do Novo Testamento, mesmo
passando por uma crítica severa, não são testemunhos da vida de Jesus, mas
sim são textos teológicos que contam os conflitos dos primeiros cristãos. Duas
obras se apresentam como decisivas na história da exegese moderna: Das
420
Id. p. 95
421
Noll, Richard. O Culto de Jung: Origens de um Movimento Carismático. São Paulo: Editora Ática, 1996, p.
279
422
TILLICH, Paul. Perspectivas da Teologia Protestante nos Séculos XIX e XX. ASTE, São Paulo, 1999. p. 31
97
Messiasgeheimnis in den Evangelien, de 1901, de William Wrede (1859-1906),
que apresenta o evangelho de Marcos como o mais primitivo dos outros
quatro, e que portanto, nos conduziria diretamente ao Jesus da história, mas
é cheio de incoerências, sobretudo teológicas, o que comprovaria que diversas
tradições e tendências contribuíram para dar forma ao Evangelho, que seria o
produto apologético ou eclesiástico. E, em 1906, Albert Schweitzer (1875-
1965), com Geschichte der Leben-Jesu-Forschung, em que afirmara com
todas as letras: “Jesus de Nazaré, que se apresentou como Messias, que
anunciou o advento de um reino moral, a realização do Reino dos céus sobre
a terra e que morreu sobre a cruz, este Jesus, nunca, jamais, existiu. É
apenas uma figura projetada pelo racionalismo do século XVIII, animada
seguidamente pelo liberalismo e coberta de um fato de época pela teologia
moderna”. Posição mais radical é a de Rudolf Karl Bultmann (1884-1976).
Este defende por uma separação fundamental entre o Jesus da história e o
Cristo da fé. O Jesus histórico não é objeto da fé. 423
Origens até Santo Agostinho, apresenta a crítica literária como tendo sido uma “obra
Bíblico:
CAVALCANTE, Ronaldo. Espiritualidade Cristã na História: Das Origens até Santo Agostinho. São Paulo:
424
Paulinas, 2007. p. 37
98
Paul Tillich, em Perspectivas da Teologia Protestante nos Séculos XIX e XX,
que “nesta obra, Toland destaca aspectos racionais do cristianismo em relação aos
Christianity as Old as the Creation (1730), de Matheus Tindal (?), que concebe o
e dogmas que iam além da razão. Nestas obras, percebe-se a proposta de exaltação
mitológicos. Por outro lado, teólogos mais ligados ao pensamento romântico (que
e o símbolo”. 426
influenciado pelo iluminismo, que teve como ponto principal para a teologia o
425
TILLICH, Paul. – Perspectivas da Teologia Protestantismo nos Séculos XIX e XX. São Paulo: ASTE (1999),
p. 115
426
Revista de Teologia e Filosofia – ULBRA, Vol. 3, Nº1/2 – Jan.Dez/2003, p. 53
99
II. 4. Jung toma posição: Kant, Hegel, Nietzsche e Schopenhauer
no mundo e, de como o homem pode escapar das trevas de sofrimento que este lhe
causa. A primeira obra que consultara foi o Dicionário Geral das Ciências Filosóficas,
de Krug 427 (?), segunda edição de 1832. Mas sua decepção não poderia ser maior,
pois, os filósofos abordavam Deus, como se fosse uma “idéia” inventada a partir de
um determinado momento, como uma “hipótese a ser discutida”, enquanto que para
ele, “Ele é tão manifesto quanto uma telha que nos cai na cabeça. Deus era uma
experiência imediata e das mais convincentes” 428 . E, Jung relaciona tal “experiência
pois esta lhe fora imposta. E, assim, concluiu que assim como os teólogos, os
filósofos também não queriam refletir sobre a questão do Mal, sua origem e sua
a.C), Heráclito (540-470 a.C), Empédocles (483-430 a.C) e Platão (428-347 a.C),
passando pelo alemão Mestre Johannes Eckehart (1260-1327) 429 , que lhe deram a
decepcionado, pois era como se encontrasse todas as portas fechadas, isto é, não
tinha como conversar com alguém que pudesse ouvi-lo e tratar dos assuntos, com a
427
JUNG, C. G. - Memórias, Sonhos e Reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, (1988) p. 64
428
Id. p. 65
429
Id. p. 70
100
mesma seriedade, nem mesmo com o tio, pastor em St. Alban, em Basiléia 430 , e
almoçar 431 , e discutir teologia, podiam falar dos seus “segredos”, pois temia não ser
angustiava bastante 435 , por este “perder o solo debaixo dos pés porque nada mais
possuía senão o mundo interior de seus pensamentos – mundo que o possuíra muito
mais do que Nietzsche a ele, sendo vítima do exagero e da irrealidade” 436 , por ser
formado principalmente por filósofos, poetas e teólogos que liam muito, assim como
ele também a “autoridade mais alta” de Jacob Burckhardt 437 . Jung sentia que quanto
mais admirava a ciência, que procurou mostrar aos que estavam próximos dele, para
430
Cidade cujos habitantes, na opinião de Jung, achavam que nela tudo era “certo”, de valor incontestável,
mesmo que se tratava que continha uma atmosfera espiritual superior e de um cosmopolitismo invejável,
porém, com um lastro da tradição muito pesado para ele, devido à influência da religião em seus
habitantes, contrário de Zurique, onde o comércio regia as relações com o mundo.
431
JUNG, C. G. - Memórias, Sonhos e Reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, (1988) p. 74
432
TILLICH, Paul. Perspectivas da Teologia Protestante nos Séculos XIX e XX. ASTE, São Paulo, 1999. p. 88
433
JUNG, C. G. - Memórias, Sonhos e Reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, (1988) p. 74
434
Id. p. 75
435
Id. p. 98
436
Id. p. 168
437
Id. p. 94
101
não ser ainda mais rejeitado, mais sentia que se afastava do “mundo de Deus”, dos
animais, plantas e pedras, sendo que destas últimas, sentia certo parentesco, como
caráter grotesco e terrível do mundo irracional do acaso. Para mim, “Deus” era tudo,
430), mesmo sendo, bastante, citado em suas obras – empenho intelectual valendo-
Ele admite não ter compreendido a filosofia crítica do século XVIII, pelo
menos no início dos estudos de filosofia, dos dezessete anos até quase à metade dos
estudos de medicina 439 , que teve como um dos principais articuladores, o alemão
George Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831), tido por Jung, como “prisioneiro do seu
estudado intensamente aos domingos 442 , e foi a sua Crítica da Razão Pura, que lhe
indicou a saída, para o dilema que se encontrava. Jung adotou o método kantiano,
438
Id. p. 73
439
Id. p. 72
440
Id. p. 70
441
Id. p. 71
442
Id. p. 98
102
qualquer afirmação metafísica que seja. A “coisa em si” escapa à nossa apreensão. O
os fatos, sobre os fenômenos, é da nossa competência. Até o fim de seus dias, Jung
É daí que deriva sua constante insistência em qualificar sua postura como
empírica, uma característica que o coloca em oposição aos teólogos e religiosos, por
vezes de maneira polêmica, uma vez que estes consideram que Jung está usurpando
leitores e seguidores que, pelo contrário, esperavam dele uma profissão de fé deísta,
especialmente aqueles que, com ou sem razão, denunciará em Freud, o qual foi
Mas logo renuncia a hipnose, porque acreditava que através desse método se
de outras manifestações do inconsciente dos seus pacientes 444 , nos quais aprendera
Tillich é da opinião de que Kant tenha sido muito mais importante para a
103
alcançar o infinito, isto é, que não conseguimos chegar a Deus, por nós mesmos,
nem no pensamento. Ele precisa vir a nós. E esta mudança fundamental contrasta
presença de Deus. É neste ponto que Jung se identifica com o pensamento kantiano.
mal, no contato com os filósofos Hegel, Kant e Schopenhauer, pois esta obra nos
aos quais influenciaram a formação filosófica de Jung. Segundo Jung, Hegel era um
do assim chamado mal metafísico, físico e moral, não podia, por certo ser concebida
negação, o mal, não possa, de modo nenhum, gerar naturalmente valores positivos
devia ser concebida mediante o vir-a-ser absoluto onde um elemento gera o seu
inventar uma nova lógica – a dialética dos opostos, cuja característica fundamental é
famoso de tese, antítese e síntese. Esta nova lógica é considerada como sendo a
104
própria lei do ser. Quer dizer, coincide com a ontologia, em que o próprio objeto já
segundo seu esquema (tese, antítese e síntese), cujo complexo é objeto da Lógica, a
logicamente.
passa da fase em si à fase fora de si; esta fase representa a grande antítese à
grande tese, que é precisamente a idéia. Na natureza a idéia perde como que a sua
pureza lógica, mas em compensação adquire uma concretude que antes não tinha. A
menos, segundo o processo dialético, das formas ínfimas do mundo físico até as
formas mais perfeitas da vida orgânica. Esta hierarquia dinâmica é estudada, no seu
idéia por si: a grande síntese dos opostos (idéia e natureza), a qual é estudada em
105
(Deus); este último se desenvolve, por sua vez, em arte (expressão do absoluto na
nas concretizações da sociedade, Hegel distingue três graus dialéticos: o direito (que
à lei do dever); a eticidade ou moralidade social (que atribui uma finalidade concreta
estado).
instrumento mais perfeito para a realização dos fins materiais e espirituais da pessoa
humana (a qual unicamente tem realidade metafísica); mas porque, segundo Hegel,
tem ele mesmo uma realidade metafísica, um valor ético superior ao valor particular
106
No sistema hegeliano a vida do espírito culmina efetivamente no estado, que é
momento estético, o infinito é visto como finito. Na religião, pelo contrário, se efetua
base nos princípios lógicos da razão, e este, talvez seja o principal motivo para Jung
107
Isto levou Jung a admirar outro filósofo alemão Arthur Schopenhauer (1788-
1860), que introduzira o budismo 446 e o pensamento indiano, na metafísica alemã 447 ,
cujas idéias não se conciliavam com o cristianismo 448 . Porque para o cristão, que
segue os dogmas “aspira pelo bem e sucumbe ao mal” 449 enquanto que para o
indiano o bem ou o mal não existem, e procura se manter longe dessa polaridade,
desprovida tanto do mal como do bem” 451 . Mas, como cristão, Jung percebe que não
Não poderia desembaraçar-me de algo que não possuo, que não fiz, nem
vivi(...) O homem que não atravessa o inferno de suas paixões também não
as supera. Elas se mudam para a casa vizinha e poderão atear o fogo que
atingirá sua casa sem que ele perceba. Se abandonarmos, deixarmos de lado,
e de algum modo esquecermo-nos excessivamente de algo, corremos o risco
de vê-lo reaparecer com uma violência redobrada. 452
Lutero e no humanismo teológico, só conseguia ver o mal por meio dos atos
Jung era de opinião que este fora o filósofo que tratou do sofrimento do
que cabe ao homem aceitar sem questionamentos os males, mas alguém que dizia
446
Id. p. 98
447
http://pt.wikipedia.org/wiki/Schopenhauer - consulta realizada em 12 de Dezembro de 2006 e Id. p. 98
448
JUNG, C. G. - Memórias, Sonhos e Reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, (1988) p. 79
449
Id. p. 242
450
Id. p. 242
451
Id. p. 243
452
Id. p. 243
108
claramente que o problema do mal, provinha de uma “cegueira da vontade criadora
pensamentos quando estava sozinho 456 , e com eles, o grande “mundo de Deus”. Tal
“vontade” foi entendida por Jung, como o próprio Deus, o Criador, a ponto de
Percebi que é inútil falar aos outros sobre coisas que não sabem” 457 . “Ofendi
muitas pessoas ; assim que lhes percebia a incompreensão, ela me
desinteressavam. À exceção dos meus doentes, não tinha paciência com os
homens. Em relação a alguns seres, era sempre próximo e presente, na
medida em que mantínhamos um diálogo interior; mas podia ocorrer que,
bruscamente, eu me afastasse, por sentir que nada mais havia que me ligasse
a eles (...) podia interessar-me intensamente por alguns seres, mas, desde
que se tornavam translúcidos para mim, o encanto se quebrava. Fiz, assim,
muitos inimigos. 458
outros, a ponto de dizer: “É melhor não fazer nada do que ter um diálogo estéril e
que conhece. Este sujeito elabora, constrói o fenômeno através do tempo, do espaço
das coisas em si, mediante a intuição interior pela qual conhecemos a nós mesmos
453
Id. p. 71
454
YALOM, Irvin D. A Cura de Schopenhauer. 2ª Edição. Rio de Janeiro: Ediouro, 2006, p. 219
455
PADOVANI, Humberto Antonio e CASTAGNOLA, Luís. História da Filosofia. Edições Melhoramentos, 5ª
Edição, 1962, São Paulo. p. 341
456
JUNG, C. G. - Memórias, Sonhos e Reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, (1988) p. 75
457
Id. p. 100
458
Id. p. 308
459
YALOM, Irvin D. A Cura de Schopenhauer. 2ª Edição. Rio de Janeiro: Ediouro, 2006, p. 202
109
como tendência, esforço e vontade. E visto que sentimos que o sujeito que conhece
a si, como ser fenomênico, espacial, temporal, causal, é idêntico ao sujeito que se
percebe a si mesmo como vontade, concluímos, por analogia, que todas as coisas,
vontade.
manifestações no mundo são irracionais, e mais se sobe na hierarquia dos seres até
intensificados. E essa vontade é una e imanente. Essa vontade cega é uma e quer
viver, nada mais quer senão viver. E, portanto, se vai concretizando no mundo da
experiência através das várias formas dos vários graus da natureza. Enfim manifesta-
instrumento prodigioso para satisfazer a sua louca sede de vida. E, com efeito, para
pela falta do que se deseja. E, neste momento, Jung também é parecido com o
filósofo: “A falta de liberdade causava-me grande tristeza” 460 . Se o desejo não for
sofrimentos, em uma odisséia perpétua sem meta e sem paz. E isto acontece quanto
460
JUNG, C. G. - Memórias, Sonhos e Reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, (1988) p. 309
110
mais alto se sobe na hierarquia dos homens. Para Schopenhauer, a vida do homem
conseguinte, da vontade de viver, seria constituído por uma purificação humana que
seu egoísmo, que o separava dos outros homens, impelindo-o até à perversidade.
Desse modo, porém, o homem não venceu a dor; pelo contrário, carregou-se
encontra na vida dos santos e dos ascetas, por exemplo. Graças a essa purificação
que o cerca: está morto inteiramente à vida, ainda que esta possa continuar
materialmente.
111
Dessa concepção do mundo e da vida, decorre uma pedagogia negativa e
quietista, mas que exige muita força e proporciona libertação; uma pedagogia que
para ele, este libertou o espírito humano dos nivelamentos, dos empecilhos e da
metafísica alemã 462 , que conflitava com cristianismo professado pelo iluminismo
alemão 463 .
uma religião mais do exterior do que do interior, por ter se deixado influenciar pelo
Alemanha ganhou muito espaço, e passou a influenciar até mesmo a teologia, que
ocupa o século que ocorre entre a revolução inglesa de 1688, passando pela Itália e
112
contra o feudalismo e contra as igrejas autoritárias. O nome – iluminismo – deriva do
história não constitui uma lenta subida humana para a civilização, mas o desvio de
uma ideal condição originária, para a qual a razão deveria levar de novo a
razão 464 . E, ainda, segundo o teólogo alemão, a teologia abraçou o iluminismo, por
seu sentido. Qualquer teologia que não reconheça o caráter universal da estrutura do
464
TILLICH, Paul. Perspectivas da Teologia Protestante nos Séculos XIX e XX. ASTE, São Paulo, 1999. p. 56,
62
Id. p. 61
465
466
PADOVANI, Humberto Antonio e CASTAGNOLA, Luís. História da Filosofia. Edições Melhoramentos, 5ª
Edição, 1962, São Paulo. p. 283
113
Locke determinou desenvolvimentos em sentido iluminista, que segundo Padovani,
sobrenatural, sem milagres, sem revelação e sem mistérios. Admitem ainda uma
acreditava-se.
afastamento da revelação cristã, ainda que a religião natural seja mantida sobre suas
amigo de Locke, empirista e hostil a todo sobrenaturalismo; e, Henry St. John (?),
467
Id. p. 284
114
Junto ao movimento da religião natural vem o da moral natural, que pregava
a moral autônoma tanto da teologia quanto das pessoas. Esta tendência moralista
idealista.
ordem mecânica do universo, posta em evidência pela nova ciência da natureza, ser
responsabilidade, etc.
cujo chefe Ashley Cooper (1671-1713) julgava que o fundamento da moral era o
simpatia humana e não do egoísmo humano, como queria Thomas Hobbes (1588-
1679).
1715) e contra o empirismo de Locke, que diminui o senso dos valores espirituais e
mais conhecido pelo pseudônimo Voltaire, onde adquiriu seu traço específico – o
115
culto da razão, a deusa razão da revolução francesa. A razão (humana) deve
ordem constituída.
de Condillac (1715-1780) em seu Traité des Sensations, e por Pierre Bayle (1647-
em face dos máximos problemas, sendo a razão humana impotente para solucioná-
los 468 .
atacados por Voltaire. Trata-se dos escritos de Julien Offray de La Mettrie (1709-
468
Id. p. 286-287
469
Id. p. 287
116
calvinista, tendo se convertido ao catolicismo, mas retornou ao calvinismo. No fundo,
tipógrafo, criado conforme Padovani 470 . Pode ser considerado iluminista por ter feito
natural, que reconhece como fonte de todos os valores contra a razão, a cultura, a
valoriza o aspecto interior, sentimental 471 . Quanto ao pietismo alemão, veremos mais
(1768-1834), como sendo pietista, que conduzira Carl Gustav Jung, avô de Jung, ao
470
Id. p. 288
471
Id. p. 290
117
protestantismo, mas já falamos quanto ao pietismo que reinava entre os tios de
Jung 472 .
duas correntes: uma delas, a mais moderada, faz coincidir a religião positiva, o
a verdade, não são uma posse, e sim, uma pesquisa perpétua, de conformidade com
472
JUNG, C. G. - Memórias, Sonhos e Reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, (1988) p. 49 e em Noll,
Richard. O Culto de Jung: Origens de um Movimento Carismático. São Paulo: Editora Ática, 1996, p. 22
473
PADOVANI, Humberto Antonio e CASTAGNOLA, Luís. História da Filosofia. Edições Melhoramentos, 5ª
Edição, 1962, São Paulo. p. 291
118
Quanto ao iluminismo Jung tinha a seguinte opinião:
119
mas é infinitamente mais familiar que se poderia pensar à primeira vista.
Nossa religião cristã – como qualquer outra religião – é impregnada pela idéia
de que ações particulares, ou uma forma particular de agir, podem influenciar
a Deus; por exemplo, os ritos, a oração, um tipo de moral que o agrade. Face
à ação de Deus sobre o homem coloca-se o ato cultual do homem, que é uma
resposta e uma “re-ação” – talvez não apenas isto, mas também uma
“solicitação” ativa, uma forma de coação mágica. Sentindo-se capaz de uma
réplica plenamente válida à influência todo-poderosa de Deus, e de prestar-
lhe em troca uma contribuição essencial, mesmo em se tratando d’Ele, o
homem se sente exaltado, pois o humano acede à dignidade de um fator
metafísico. “Deus e nós” (mesmo que se trate apenas de um subentendido
inconsciente): esta equivalência na relação está, sem dúvida, à base da
invejável serenidade do índio pueblo. Tal homem se encontra, no sentido
pleno da palavra, em seu lugar. 474
originárias” 475 , enquanto que seu interesse pela religião era pelo “Deus terrível”, cuja
padeceu pela humanidade” 477 , e neste sentido não pode ser ampliado nem vinculado
preciso, e, que, portanto, não negocia nem transige com tal verdade exclusiva. Jung
“acontecimento concreto” 478 . Por isso ele referir que seu trabalho é
fenomenológico 479 , isto é, “crítica à metafísica, que pressupõe a verdade una, estável
474
JUNG, C. G. - Memórias, Sonhos e Reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, (1988) pp. 210, 211, 223
475
JUNG, C. G. - Psicologia e Religião. Petrópolis: Editora Vozes, 1990, par. 10
476
JUNG, Carl Gustav. - Memórias, Sonhos e Reflexões. Editora Nova Fronteira S.A., Rio de Janeiro, s/d, p.
53
477
JUNG, C. G. - Psicologia e Religião. Petrópolis: Editora Vozes, 1990, par. 10,11
478
JUNG, C. G. - Psicologia e Religião. Petrópolis: Editora Vozes, 1990, par. 4
479
Id. par. 2
120
e absoluta, mas analisa um fenômeno como tal, ou seja, na relação sujeito-objeto,
Razão Pura, em que colocou no centro do mundo cognoscitivo não o objeto e sim o
sujeito, de modo que não é o sujeito que espelha o objeto, mas este depende
é a forma específica dos fenômenos chamados externos. A este propósito Kant nos
faz notar que, não somente são subjetivos e fenomenais os objetos do mundo
exterior, mas também os do mundo interior, pois todos caem sob a forma da
escreve:
480
http://www.netpsi.com.br/linhas/fenomenologia.htm, consulta realizada em 02 de Agosto de 2006.
481
JUNG, C. G. - Psicologia e Religião. Petrópolis: Editora Vozes, 1990, par. 2
482
PADOVANI, Humberto Antonio e CASTAGNOLA, Luís. História da Filosofia. Edições Melhoramentos, 5ª
Edição, 1962, São Paulo. p. 310
121
fenece... Aparição efêmera. Quando se pensa no futuro e no desaparecimento
infinito da vida e das culturas, não podemos nos furtar a uma impressão de
total futilidade; mas nunca perdi o sentimento da perenidade da vida sob a
eterna mudança. O que vemos é a floração – e ela desaparece. Mas o rizoma
persiste. 483
assimilação, sem o qual não há compreensão alguma 484 . Ele faz isso a partir de sua
pai e seus tios, pastores luteranos, que não pensavam, mas, tão somente
se tratar de “uma das expressões mais antigas e universais da alma humana”, daí a
metafísica, ou teologia. Jung apresenta sua apologia à Religião, pois percebera que a
chamam de “Deus”. Em sua opinião, os responsáveis por esse estado de coisas eram
da alma humana, isto é, uma das maneiras de ser e estar no mundo que o homem
483
JUNG, Carl Gustav. Memórias, Sonhos e Reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, (1988) p. 19, 20
484
JUNG, C. G. - Psicologia e Religião. Petrópolis: Editora Vozes, 1990, par. 2
485
Id. p. 50
122
tipo de experiência gerada por um processo de assimilação de um fenômeno 486 . Jung
religião, enquanto fenômeno, contudo, afirma que o trata, “exclusivamente” 487 pelo
verdadeiro ou falso” qualquer tema religioso, enquanto que ele esclarece que
pretende “só se ocupar da existência das idéias” 488 que qualquer tema religioso
apresenta, e sua presença na vida humana e sua atuação nela. Para ele, se existe
uma idéia, seja ela de qual natureza for, é “psicologicamente verdadeira”, pois como
“idéia, só pode ocorrer num indivíduo, ela existe psicológica e subjetivamente, pois
mas também objetiva, pois é partilhada por um grupo maior de indivíduos. Para
ponto de ser objeto de estudo por parte da Zoologia490 . Para a Zoologia o elefante é
um fenômeno, mas, lamenta que qualquer idéia religiosa é logo interpretada como
invenção de seu criador humano, porém, para Jung este fato ocorre devido ao hábito
todos os fenômenos, sejam eles objetivos, como o elefante, enquanto idéia, quanto
subjetivo, como as religiões 491 . Parece que Jung valha-se do exemplo do elefante,
486
JUNG, C. G. - Psicologia e Religião. Petrópolis: Editora Vozes, 1990, par. 6
487
Id. par. 2
488
Id. par. 4
489
JUNG, C. G. - Psicologia e Religião. Petrópolis: Editora Vozes, 1990, par. 4
490
Id. par. 5
491
Id. par. 5
123
para mostrar o quanto são verdadeiras e grandemente reais as idéias subjetivas
presentes no indivíduo, mas que passam a ser objetivas quando partilhadas, por um
Jung era estranho de que só é “verdadeiro” aquilo que se provou como sendo uma
realidade física. Ele chega a pedir aos cientistas que renunciem a “palavrinha
físico” 494 , pois também há verdades psíquicas, que mesmo que não possam ser
categoria” 495 .
492
JUNG, C. G. – Memórias, Sonhos e Reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, (1988), p. 301
493
JUNG, C. G. - Psicologia e Religião. Petrópolis: Editora Vozes, 1990, par. 5
494
JUNG, C. G. - A Resposta a Jó – Petrópolis: Editora Vozes, 1986. par. 553
495
Id. par. 554
124
ato arbitrário. Conceito que designa o inexprimível, misterioso, tremendo, o
“totalmente outro”, propriedades que possibilitam a experiência imediata do
divino. Pelo contrário, o efeito se apodera e domina o sujeito humano, sendo
este mais sua vítima do que seu criador. Qualquer que seja a sua causa, o
numinoso constitui uma condição do sujeito, e é independente de sua vontade
(...), porque está ligada a uma causa externa ao indivíduo. O numinoso pode
ser a propriedade de um objeto visível, ou o influxo de uma presença invisível,
que produzem uma modificação especial na consciência”. 496 “O pensamento
teológico está habituado a tratar de verdades eternas. Quando o físico diz que
o átomo é desta ou daquela constituição e dele constrói um modelo, não tem
em mira exprimir uma verdade eterna. Mas os teólogos não conhecem o
modo de pensar das ciências, ignorando particularmente o pensamento
teológico. O material da psicologia analítica, seus dados essenciais, são
expressões humanas e, sobretudo, expressões humanas que se apresentam
de maneira concordante em lugares diferentes e em épocas diferentes. Que
sentido terá uma religião sem mito, se sua função, quando realmente existir é
precisamente a de nos ligar ao mito eterno? 497
vista. Ele não se dedica a analisar as práticas rituais que, para ele, procuram apenas
uma relação com o valor supremo ou mais poderoso, seja ele positivo ou negativo,
relação esta que pode ser voluntária ou involuntária; isto significa que alguém pode
ser possuído inconscientemente por um “valor”, ou seja, por um fator psíquico cheio
125
do homem, possui um poder supremo, age como “Deus”, porque é sempre ao valor
psíquico avassalador que se dá o nome de Deus. Logo que um deus deixa de ser um
fator avassalador, converte-se num simples nome. Nele o essencial morreu, e seu
poder dissipou-se. Por que os deuses do Olimpo perderam seu prestígio e sua
influência sobre a alma humana? Porque cumpriram sua tarefa e porque um novo
mágicos, mas que podem ter sido “sacralizados e que enrijeceram dentro de uma
iluminismo. Neste sentido o protestantismo para Jung, não se encaixa num quadro
islâmicos. Para ele, quando o protestantismo procura se encaixar num quadro bem
o quanto foi “desintegrado” 503 , enquanto fenômeno, pois estas podem estar mais a
de experiência religiosa, que deve ser estudado além das confissões de fé que foram
elaboradas a partir dele, e que foi transformado como tal, pois de nada valem a
126
eterna, mas que deve ser analisado, abstraindo o que as confissões religiosas
fizeram com ele” 504 , atendo-se às experiências como tais, pois a experiência é mais
valiosa que os conceitos, apesar destes darem uma aparente segurança aos seus
proporciona 505 .
certos fatores que agem sobre ele e sobre seu estado geral 507 . Ele procura fazer isso
que este se sinta sozinho em sua própria vida, e que estas funcionam em conjunto
formadas por várias imagens e idéias. Jung chama isto de “complexos, capazes de
504
Id. par. 10
505
JUNG, Carl Gustav. Memórias, Sonhos e Reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, (1988) p. 131
506
Série de Conferências apresentadas por Jung, na Universidade de Yale, EUA, em 1937.
507
JUNG, C. G. - Psicologia e Religião. Petrópolis: Editora Vozes, 1990, par. 11
508
Id. par. 21
509
Id. par. 21
127
estranhos e imutáveis 510 . Assim, Jung compreendeu sua própria experiência, da
visão de Deus defecar em cima da Catedral, e foi por esta experiência que teve início
sua vida espiritual. A idéia obsessiva cresce como um carcinoma imaginário, mas é
tão real em seus efeitos devastadores. Um belo dia – a idéia obsessiva apareceu, e
protestantismo no qual fora educado e observou na experiência vivida por seu pai.
Para ele, isto se deve ao “preconceito, muito difundido, contra os sonhos”, por
exemplo, e, isto “é apenas um dos sintomas da subestima muito mais grave da alma
recentes são o medo e a aversão primitivos contra tudo o que confina com o
510
Id. par. 22
511
Id. par. 22
512
Id. par. 27
513
Id. par. 28
514
Id. par. 28
128
Protestantismo, pois por mais que este se vê como fruto da racionalidade, na
obter êxito. O protestantismo para Jung, perdeu sua alma, pois “perder a alma é
quando uma parte volta a ser inconsciente” 515 . Para Jung, o que “voltou a ser
inconsciente”, passa a ser tratado como tabu. Sua proposta é que o protestante
procure ser como a comunidade primitiva, que quebre os tabus levantados pelo
catolicismo, que nos dois últimos milênios, como Igreja Cristã, desempenha uma
cada caso, se um sonho constitui ou não uma revelação genuína” 516 . Jung esclarece
que o Protestantismo não pode se ver “petrificado”, pois seu nascimento se deu
embora muitas vezes se acuse a Igreja Católica por sua rigidez particular, ela
admite que o dogma é vivo e, portanto, sua formulação seria, em certo
sentido, susceptível de modificação e evolução. Nem mesmo o número de
dogmas é limitado, podendo aumentar com o decorrer do tempo. De um
modo ou de outro, qualquer mudança ou desenvolvimento são determinados
pelos marcos dos fatos originariamente experimentados, através dos quais se
estabelece um tipo particular de conteúdo dogmático e de valor afetivo. 517
equivocadamente, Jung cita os Pais da Igreja e outros autores da Idade Média, como
129
comunicação com Deus. Parte do dado histórico, como por exemplo: Benedictus
humanos e alguns podem ser divinos” 518 . Casper Peucer (1525-1602), sendo
apresentado como humanista e criptocalvinista 519 , pois sua teologia diferia de seus
sonhos, não os considerando como irreais, erro no qual elaborou a Igreja Cristã,
Católica e Protestante, e que ele procura apontar e esclarecer. Parece que Jung,
espera que o que se passou com estes pacientes que se sentiram “desmoralizados”
ou humilhados por algo considerado até então “irreal”, e que foram levados a
518
Id. par. 32
519
Id. par. 32; sm. [cripto-+calvinismo]. Complexo doutrinário formulado por Melancton, depois da morte
de Martinho Lutero, para tentar uma harmonização entre calvinistas e luteranos, sobretudo quanto a Santa
Ceia. - http://scienzeumane.net/scienze-umane/criptocalvinismo-1A32.html - consulta realizada em
27.07.06
520
Id. par. 32
130
uma forma física” 521 , conforme o pensamento dominante no protestantismo de seu
podem ser tão reais, nocivas e perigosas quanto aos estados físicos, citando um
exemplo, caso “um homem imaginasse que ele seria seu pior inimigo e o matasse.
Ele estaria morto por causa de uma mera fantasia”. Jung afirma: “A psique existe, e
mais ainda: é a própria existência” 523 , isto se deve ao fato de crer que se trata de
experiência, pois para ele “o termo “religião” designa a atitude de uma consciência
religioso, valendo-se da “filosofia oriental dos Upanishad, para quem a realidade dos
inconsciente” 525 . Para Jung, a opção por formulação de leis, na tentativa de ordenar
Clássica, os deuses foram retirados das montanhas e dos rios, das árvores e dos
521
Id. par. 16
522
Id. par. 16
523
Id. par. 18
524
Id. par. 9
525
Id. par. 140
131
tenha refinado suas projeções, a ponto de torná-las quase irreconhecíveis, elas ainda
pululam na vida diária, nos jornais, nos livros, nos boatos e nas intrigas banais no
seio da sociedade. Onde há uma lacuna, onde falta o verdadeiro saber, ainda hoje o
surgem na experiência religiosa. Para Jung, assim age o Protestantismo por “possuir
numa séria tarefa para si mesmo, pois vive na “casa do auto-conhecimento” 528 , da
Terry Lectures, o qual aprende que seja qual for a coisa que ande mal no mundo,
este homem sabe que o mesmo acontece dentro dele, e se aprender a arranjar-se
com a própria sombra, já terá feito alguma coisa pelo mundo 529 .
“Na realidade, basta uma neurose para desencadear uma força impossível de
controlar por meios racionais” 530 . Jung faz esta citação para explicar que o que se
deu com o paciente é o mesmo que estava acontecendo com o Protestantismo, que
paciente, o Protestantismo está diante do seu “destino, travado com cadeias cruéis e
526
Id. par. 140
527
Id. par. 86
528
Id. par. 62
529
Id. par. 140
530
Id. par. 26
531
Id. par. 22
132
impiedosas, devido ao abuso da razão e do intelecto para fins egoístas” 532 , sem
perceber que está sendo vingado, por um carcinoma, sua sombra, a idéia de que se
vive num mundo “des-animado”, isto é, tem controle absoluto sobre os movimentos
livres do espírito humano, a ponto de Jung registrar que a cidade de Basiléia teria
perdido seu vínculo com a natureza 533 . Retornando a Pererius, ele cita um dos seus
textos:
a experiência religiosa e não os conceitos, dos autores citados, pois como ele mesmo
observa: “É evidente, porém, que um autor jesuíta não poderia pensar num
bíblico de I Coríntios 2.11: “Porque qual dos homens sabe as coisas do homem,
senão o seu próprio espírito, que nele está? Assim, também as coisas de Deus,
ninguém as conhece, senão o Espírito de Deus.” Para explicitar, que o próprio texto
homem “sabe”, tem conhecimento, tanto como o próprio Deus, conhece todas as
sonhos provenham de Deus, se deve a Igreja não estar disposta a tratá-los com
532
Id. par. 27
533
JUNG, Carl Gustav. Memórias, Sonhos e Reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, (1988) p. 69
534
JUNG, C. G. - Psicologia e Religião. Petrópolis: Editora Vozes, 1990, par. 32
535
Id. par. 32
133
seriedade e até mesmo se pronunciar expressamente contra eles, embora, em certos
períodos a Igreja reconheça que alguns sonhos possam conter uma revelação
imediata 536 , porém havia uma corrente contrária a este pensamento dominante,
Astrologia, de 1578, p. 147: “com efeito, Deus não está ligado às leis do tempo e
não precisa de ocasiões determinadas para agir, pois inspira seus sonhos em
qualquer lugar, sempre que quiser e a quem quiser” 538 , passando pela Coleção de
Cassiano “que os antigos mestres e guias espirituais dos monges eram versados na
Por isso a Igreja não vê com bons olhos a mudança de atitude espiritual que
se verificou nos últimos séculos – pelo menos no que se refere a este ponto;
porque essa mudança debilitou demais a posição introspectiva anterior,
favorável a uma consideração séria dos sonhos e às experiências interiores. 541
536
Id. par. 32
537
Id. par. 32
538
Id. par. 32
539
Id. par. 32
540
Id. par. 32
541
Id. par. 32
134
católicos” 542 . Foi a Reforma que diferenciou a fé primitiva, como a de João, na ilha
Igreja que declara o perdão aos pecados; que o Protestantismo perdeu “grande
135
Jung adverte que sua afirmação não constitui em julgamento de valor, e nem
pretende sê-lo, mas não deixa de afirmar que com a perda da autoridade da Igreja,
Jung procura dialogar, mesmo admitindo que as passagens bíblicas podem ser
época ser promotor e defensor da “crítica literária” 548 dos textos bíblicos, ele aponta
que esta “revelou-se muito pouco apta para fortalecer a fé no caráter divino das
Escrituras, devido a nossa mentalidade moderna que olha com desdém as trevas da
que carregamos em nós todo o passado, escondido nos desvãos dos arranha-céus da
nossa consciência racional” 549 . Com a afirmação “caráter divino das Escrituras”, Jung
se refere aos registros das experiências interiores pelo encontro com o numinoso,
crítica literária das Escrituras Sagradas. Jung registra que já em sua época, devido à
547
Id. par. 34
548
Id. par. 34
549
Id. par. 34, 56
550
Id. par. 34
136
indiferentes à Igreja 551 . Jung admite que muitas dessas pessoas são homens
assim fossem, poderiam suportar, a sua saída ou indiferença. A questão que procura
influenciadas pelo Grupo de Buchman 553 , mas Jung lamenta por alguns aderirem a
bíblico contribuiu ainda mais para produzir “um homem massificado, com sua
símbolos exprimam arquétipos vivos e livres 554 . A oposição ao misticismo por parte
Neste sentido a fé, tão enaltecida, pregara uma peça fatal, não somente em seu pai,
esperança 555 . Jung aponta reações antagônicas entre protestantes e católicos que
551
Id. par. 34
552
Id. par. 34
553
O autor se refere ao movimento fundado pelo norte americano Frank Nathan Daniel Buschman, na
década de 1920, na Inglaterra, conhecido inicialmente como o Grupo de Oxford, e a partir de 1938
denominado Rearmamento Moral; tal movimento esteve em voga na época da Guerra Fria .
554
JUNG, C. G. – A Natureza da Psique. Petrópolis: Editora Vozes, 2000. par. 426
555
JUNG, Carl Gustav. Memórias, Sonhos e Reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, (1988) p. 90-91
137
manifesta para o ateísmo”, isto é, nega-se absolutamente, na mesma intensidade
experiência clínica, pois não cita nenhuma outra fonte que comprove tal afirmativa.
O católico tem mais razão para ter preconceitos contra sonhos e contra a
católico, se vê protegido pelos braços da mater ecclesia. Jung trata desse tema, pois
está narrando o estudo de caso, de um paciente protestante, com câncer. Para Jung,
paciente nutria aos sonhos e contra a experiência individual que sua fé reivindicava,
e que por isso, “voltou às costas à sua igreja, aderindo a um movimento sectário,
tornando-se uma idéia obsessiva de sua vida” 558 . Para Jung “os sonhos deverão ser
religião, na forma pela qual estamos acostumados a fazê-lo. Os sonhos poderão ser
556
JUNG, C. G. - Psicologia e Religião. Petrópolis: Editora Vozes, 1990, par. 34
557
JUNG, C. G. Psicologia e Religião Oriental. São Paulo: Círculo do Livro, S.A. 1990. par. 509
558
JUNG, C. G. - Psicologia e Religião. Petrópolis: Editora Vozes, 1990, par. 36
559
Id. par. 39
138
inconsciente” 560 . Isto pode ser entendido como uma contribuição muito importante,
para que cristãos católicos e protestantes passem a orientar suas vidas com a ajuda
dos sonhos. Pelo menos, parece que esse é o ponto de vista mais importante para
Jung, quanto à prática religiosa protestante, visto esta ser conduzida sem o auxílio
Protestante. Não esperar que os sonhos tratem de religião, da mesma forma como
nos acostumamos a fazê-lo, parece indicar não só um conselho que se aplica ao caso
do paciente que ele apresenta, como também uma advertência àqueles que têm
viver sua fé religiosa, sob a influência da crítica literária ou também chamada, por ele
tal maneira a fortalecer a fé no caráter divino das Escrituras Sagradas 563 , quando
Que sentido terá uma religião sem mito, se sua função, quando realmente
existe, é precisamente a de nos ligar ao mito eterno? O mito não é ficção;
pelo contrário, o mito se verifica em fatos que se repetem incessantemente e
podem ser constantemente observados. 564
560
Id. par. 39, 40
561
Id. par. 28
562
Id. par. 34
563
Id. par. 34
564
JUNG, C. G. - A Resposta a Jó. Petrópolis: Editora Vozes, 1986. par. 648
565
JUNG, C. G. - Psicologia e Religião. Petrópolis: Editora Vozes, 1990, par. 43
139
relação individual com Deus se acha reprimida pela organização de massas e um
sentimento religioso coletivo 566 . “Com a eliminação da ação sagrada eficaz, passou a
está em falta consigo mesmo, deixando de lado, sua história de busca por uma
estabelecer o que denomina a figura feminina nos sonhos das pessoas do sexo
masculino, o termo técnico anima, tais como: “sizígia do Criador” e, traz o exemplo
de que “no final do século XIX, Edward Maitland (1824-1897) 568 , relata-nos uma
defender de que estas idéias não são suas e nem originais, citando que podem ser
Banquete XIV, mas também que Marsílio Ficino (1433-1499) 571 , no ano 1471, em sua
1417, mas para ele é mais provável que o símbolo hermafrodita provém de
Arte Chimica Incerti Autoris, do século XVI, citando inclusive as páginas, onde se
566
Id. par. 44
567
JUNG, Carl Gustav Jung. Psicologia da Religião Oriental. São Paulo: Círculo do Livro. par. 862
568
Inglês, filho do pastor Rev. Charles David Maitland, converteu-se a Teosofia Mística, e fundador da União
Cristã Esotérica em 1891.
http://www.annakingsford.com/portugues/informacoes_biograficas_e_biografias/informacoes_biograficas_e
_biografias.htm - consulta realizada em 06.08.06
569
JUNG, C. G. - Psicologia e Religião. Petrópolis: Editora Vozes, 1990, par. 47
570
Categoria literária latina antiga muito popular, geralmente atribuída à Hermes Trismegistus – “Hermes
Três-Vezes-Grande”, uma semi-divindade sincrética entre o deus grego Hermes e o deus egípcio Tolth -
http://pt.wikipedia.org/wiki/Corpus_Hermeticum - consulta realizada em 06.08.06
571
Filósofo Italiano, tradutor de várias obras de Platão http://pt.wikipedia.org/wiki/Mars%C3%ADlio_Ficino
– consulta realizada em 06.08.06
140
encontram os textos, conforme nota de rodapé, das páginas 34 e 35, em Psicologia e
Religião. Entre as obras citadas por Jung, como literatura posterior, ele menciona
aos católicos quanto aos protestantes, pois ambos podem ser como o tal paciente –
religião é destituída de importância e ele jamais esperava que ela viesse a interessá-
lo de algum modo” 574 . Para Jung, os sonhos ajudariam a volta à religião de sua
infância, na esperança de nela encontrar alguma ajuda para seus problemas 575 ,
“compromisso muito barato e superficial, para com a religião, para quem não
sua neurose e aos seus fortes efeitos desmoralizantes. Nada encontrou em toda a
vinho era um de seus inimigos mais perigosos. Sua religião era degenerada e
corrompida pelo mundanismo e pelos instintos do vulgo, e uma religião desse tipo
572
JUNG, C. G. - Psicologia e Religião. Petrópolis: Editora Vozes, 1990, par. 43, 50, 124
573
Id. par. 52
574
Id. par. 51, 56
575
Id. par. 51
576
Id. par. 51
141
não representa uma ajuda, nem produz qualquer efeito moral. Restando-lhe apenas
várias vezes presa de pânico, de ser transformado em outra pessoa, e tinha medo de
subordinação às exigências da alma. Nada disso tinha a ver com a ciência ou com
uma carreira acadêmica. Além disso, a palavra “alma” expressava apenas uma falta
de decoro intelectual, que ele achava necessário evitar a todo custo. Seus sonhos
tomavam a religião à sério, colocando-a no ápice da vida, uma vida que comportasse
importância dos sonhos, e talvez principalmente, para aqueles que a religião não tem
577
Id. par. 52, 56, 72, 73
578
Id. par. 56
142
importância, é que “sem esses estratos inferiores, nosso espírito estaria suspenso no
Protestantismo que elegera “o livro” 580 , de suas Confissões de Fé, que se tornaram
significa necessariamente que se trata de uma petrificação sem vida. Pelo contrário,
ela pode representar uma forma de experiência religiosa para inúmeras pessoas,
durante séculos, sem que haja necessidade de modificá-la 581 . Para Jung, a
adequado de símbolos envoltos num dogma e num ritual fortemente organizados” 582 .
Jung continua sua argumentação afirmando que a Igreja Católica os mantém por
experiência religiosa imediata, enquanto estes dois princípios forem válidos. E mais:
579
Id. par. 56
580
Id. par. 56
581
Id. par. 10
582
Id. par. 74
583
Id. par. 75
143
Parece que Jung se posiciona de maneira pessimista em relação ao
importância o dogma e os ritos, pelo menos enquanto métodos de higiene” 584 . Mas o
que fazer com aqueles que, como seus pacientes, um protestante e outro católico,
Para Jung, todo dogma é muito antigo, e por isso vieram de um “processo
vivo do inconsciente”, e neste sentido são “métodos de higiene”, pois assim são
“controladas” as pessoas que têm uma experiência imediata com o Sagrado, pois
plenitude da vida. Para Jung, o dogma e os ritos, para o protestante, não são
métodos de higiene, pois estes não são mais eficientes. Com isso, Jung lamenta a
584
Id. par. 76
585
Id. par. 76
586
Id. par. 76
144
alguma Faculdade de Teologia que, com seu espírito crítico, mina a ingenuidade da
mais habilidade psicológica e às vezes uma compreensão mais profunda 587 . Jung
qual uma neurose é nada mais do que sexualidade infantil reprimida ou ambição de
mesmo tempo em que valoriza o indivíduo e sua liberdade, elegeu a ditadura das
pretende produzir uma “transformação profunda em nossa atitude para com a vida e
possa fazer das imagens oníricas. Num outro caso apresentado nas Conferências
Terry Lectures, ele apresenta algumas das associações que o paciente faz quanto a
imagem das “velas acesas”, do sonho que apresentou em sua terapia com o próprio
Jung. Suas associações: quanto ao fogo “um atributo bem conhecido da divindade,
não só no Antigo Testamento como também na alegoria de Cristo, numa oração não-
“símbolo com o significado de vida, que se enquadra muito bem com a natureza do
sonho, que realça ser a plenitude da vida, a única legítima da religião” 591 . O que
legitima a religião para Jung é a “plenitude da vida”, o que não conseguia verificar
587
Id. par. 76
588
Id. par. 34
589
Id. par. 56
590
Id. par. 59
591
Id. par. 60
145
na vida de seu pai Johann Paul Achilles Jung (1842-1896), e outros oito tios, todos
Basiléia, Suíça. Para Jung, o sonho, como fenômeno do inconsciente pode criar um
culto religioso,
Para Jung, “não podemos dizer em que consistem estes fatores, pois só
podemos observar os seus efeitos” 594 . E, alguns desses fatores, “provém do centro
de um ego que, no entanto, não seria idêntico ao eu consciente. Tal conclusão será
ilimitada e indefinível” 595 . Jung recomenda a prática religiosa não segundo determina
os livros, nem a crítica literária, mas à experiência interior de cada indivíduo, o que
deu origem ao Protestantismo, pois para ele o eu precisa se submeter e ser contido
indefinível, que leva o indivíduo para a plenitude da vida, a única possibilidade que
legitima uma religião. Para Jung, o Si-mesmo é “uma psique mais ampla do que a
592
Id. par. 63
593
Id. par. 66
594
Id. par. 67
595
Id. par. 67
146
consciência que se experimenta pela intuição” 596 . Esta intuição não é produzida pela
vida, uma vida que comporta “ambos os lados”, isto é, a racionalidade e os valores
vida, é o agir com pistis ou lealdade frente às experiências” 598 . Para ele, a rejeição
Trindade,
recalque ou repressão, mas que sofra legitimamente, recusando a neurose, pois esta
596
Id. par. 69
597
Id. par. 69
598
Id. par. 74
599
Id. par. 129
147
é fruto de um “desenvolvimento unilateral ou não-equilibrado”, devido ao
148
3º CAPÍTULO:
JUNG, O PROTESTANTE
seu avô Carl Gustav Jung, graças à influência de Friedrich Schleiermacher, sendo que
Johannes Sigismund Jung (morto em 1778), irmão do avô de Jung, casou-se com
elaborou contra o protestantismo do século XIX, sendo este “considerado uma das
pastor da Igreja da Trindade, para onde acorria multidões para ouvir seus sermões,
600
NOLL, Richard. – O Culto de Jung: Origens de um Movimento Carismático. São Paulo: Editora Ática
(1996) p. 26
149
“pois consideravam-no sincero e de grande fervor religioso, numa época de
do pietismo, que dispunha de seus próprios centros docentes, Barby 601 , Alemanha –
pietista e, que vai deixar uma profunda marca em seu espírito. Suas características
são: intimismo, o valor dos dogmas passa a ser relativo, a teologia é uma disciplina
muito antiga:
nas profundezas do pensamento filosófico, sendo que ele próprio disse, certa vez:
601
Id. p. XIX
602
TILLICH, Paul. – História do Pensamento Cristão. São Paulo: ASTE (2000), p. 281
603
TILLICH, Paul. – Perspectivas da Teologia Protestante nos Séculos XIX e XX. São Paulo: ASTE, 1999, p.
99
150
Discursos. Para Schleiermacher a religião brota da relação do finito com o
infinito, pois implica reconhecer todo o particular como uma parte do Todo, a
todo o limitado como uma expressão do Infinito. O homem moderno deve
buscar através da religião este complemento que lhe falta em sua cultura. Se
insiste na primazia da experiência religiosa, se sub-valorizam os dogmas e, se,
por um lado, se criticam os limites do racionalismo ilustrado, por outro
também se vão a mitigar os elementos sobrenaturais do cristianismo, de
modo que, apesar de todos os esforços, se estaria provocando uma
naturalização da tradição protestante. Schleiermacher é o autor mais
representativo entre aqueles que têm intentado transformar o conteúdo da fé
cristã em mística. 604
sua teologia, não como mera emoção subjetiva, mas como “percepção do divino
fundamento de tudo o que existe, dentro de nós. Dizia Schleiermacher: “Deus se faz
604
FERNANDEZ, Arsenio Giuzo. Estudio Preliminar Y Traduccíon de Friedrich Daniel Ernest Schleiermacher –
Sobre La Religíon: Discursos a suas Menospreciadoras Cultivados. Madrid: Tecnos (1990), p. XX, XXIII,
XXV, XXVII, XC, XCII
605
TILLICH, Paul. – Perspectivas da Teologia Protestante nos Séculos XIX e XX. São Paulo: ASTE, 1999, p.
118
606
Id. p. 129
607
Id. p. 121
151
Em seu Discursos sobre a Religião, Schleiermacher diz que religião é algo mais
Fernandez afirma que “na opinião do filósofo italiano Gianni Vattimo (1936), a
que ele disse e sente se encontra nos livros sagrados, e que toda “Escritura morta”
seguidores mais fiéis de Kant, juntamente com Hegel, que segundo Tillich, em seu
Perspectivas da Teologia Protestante nos Séculos XIX e XX, foram “os paladinos da
Tillich esclarece:
608
FERNANDEZ, Arsenio Giuzo. Estudio Preliminar Y Traduccíon de Friedrich Daniel Ernest Schleiermacher –
Sobre La Religíon: Discursos a suas Menospreciadoras Cultivados. Madrid: Tecnos (1990), p. XXXVI, XLVIII
609
TILLICH, Paul. – Perspectivas da Teologia Protestante nos Séculos XIX e XX. São Paulo: ASTE, 1999, p.
99
152
A intuição mística não se divorcia da emoção (conforme acreditavam os
iluministas), antes, objetiva-a, tornando-a no próprio ato da intuição. A
emoção romântica não é sentimental, mas reveladora e cheia de Eros
platônico. A tradição era importante para o romantismo enquanto o
iluminismo preferia analisá-la com olhos críticos. De certa forma, o
protestantismo também olhava para o passado e para a tradição com o
mesmo olhar crítico. Para o iluminismo o passado se mantinha, até certo
ponto, submerso em superstição. Com o advento da era da razão
desapareciam as superstições da Idade Média. Era assim que o iluminismo
percebia a história. O romantismo, por outro lado, tinha uma atitude diferente
para com o passado. O infinito também aparecera no passado por meio de
formas expressivas de vida bem como nos seus grandes símbolos. Os
períodos da história passada também haviam sido revelatórios. Era preciso,
pois, levar à sério o passado histórico. 610
transição se dá nos anos vinte do século XIX. O primeiro período, sendo neste o de
no divino, mas desce até o demônico. Tillich registra que daí “o conceito do
610
Id. p. 106, 107
611
Id. p. 110, 111
612
FERNANDEZ, Arsenio Giuzo. Estudio Preliminar Y Traduccíon de Friedrich Daniel Ernest Schleiermacher –
Sobre La Religíon: Discursos a suas Menospreciadoras Cultivados. Madrid: Tecnos (1990), p. XXVIII
153
É interessante, observar que ele destaca em itálico suas convicções religiosas
protestantes, não seguindo o curso iluminista, conforme o exemplo de seu pai, tios e
quando alguém o criticava por indicar a confissão auricular a um católico, por não
Jung não nega sua origem religiosa em nenhum instante e parece que faz
questão de afirmar sua formação sob qual influência religiosa viveu. Ele afirma:
Sou protestante, e não nego minha crença, defendo minhas convicções, mas
sei que não vão além daquilo que considero meu saber 614 ; estou convencido
daquilo que sei. Quanto ao resto, há um sem-número de coisas que deixo
entregue ao desconhecido. Essas coisas não me afligem. 615
desejar como propósito ser proselitista, sem, contudo, assumir sem constrangimento
Devo esclarecer que na medida do possível não prego minha crença, e sem
entrar no mérito da questão acadêmica (se o paciente está convencido da
origem exclusivamente sexual de sua neurose) de averiguar se a forma de
defesa constitui ou não uma verdade última. 616
pacientes, pois este pode indicar que a busca por sua “teoria protetora, ou, círculo
613
JUNG. C. G. – Psicologia e Religião. Petrópolis: Editora Vozes (1990) par. 79
614
Id. par. 78, 79
615
Id. par. 79
616
Id. par. 79
154
tão restrito” 617 , referindo-se à confissão ao padre, pode não ser a atitude mais
“eficaz” contra sua neurose, pois como médico ele “defende a personalidade mais
ampla” 618 . Para Jung a “restrição”, imposta aos fiéis, pela Igreja Católica Apostólica
Romana, só é indicada quando esta “traz alguma ajuda e se é eficaz” 619 . Nos casos
que apresenta na Conferência Terry Lectures, Jung diz que procurou apresentar aos
sério em suas vidas, conforme seus sonhos a indicavam, pois assim os preconceitos
intelectuais e racionalistas seriam como que liquidados. Nestes casos, Jung procurou
Para ele, o Si-mesmo aponta para uma “personalidade mais ampla, destinada a
libertar da atitude unilateral” 621 . Assim sendo, Jung anseia um retorno protestante
aos dogmas e ritos, com a justificativa de que estes expressam “uma totalidade
617
Id. par. 79
618
Id. par. 79
619
Id. par. 79
620
Id. par. 74
621
Id. par. 80
622
Id. par. 80
155
bem melhor de um fato tão irracional como o da existência psíquica. Além
disso, o dogma deve sua existência e forma, por um lado, às experiências da
“gnose” – e ele logo esclarece – a gnose, como forma especial de
conhecimento, não deve ser confundida com o gnosticismo – consideradas
como reveladas e imediatas, por exemplo, o Homem-Deus, a Cruz, a
Concepção Virginal, a Imaculada Conceição, a Trindade, etc, e por outro lado,
à colaboração ininterrupta de muitos espíritos e de muitos séculos. 623
“grave risco” de enlouquecer, por exemplo. Qualquer opção o contentava, sendo que
a mais “eficaz”, fosse a melhor para o paciente – ter a experiência imediata ou fazer
Jung reclamava para si uma relação com Deus que o satisfizesse, sem que
ficasse preso ao que chamava de “sentimentos contraditórios” 624 . Para ele, Deus
estava nas montanhas, rios, lagos, árvores, flores e animais 625 . Daí, afirmar: “As
nada têm a ver com a razão; além de não serem fundadas racionalmente, não
623
Id. par. 81
624
JUNG, C. G. – Memórias, Sonhos e Reflexões. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira (s/d). p. 28
625
Id. p. 51, 52
626
Id. p. 304
156
mundo cristão, o espírito alemão respondeu com o ato da Reforma: mal
comparando, segundo a atração que os alemães sentem pelas antíteses, eles
jogaram a criança junto com a água do banho. Mesmo assim, naquela
ocasião, os alemães não fugiram à sua própria problemática. 627
Para ele, o Protestantismo ainda era uma força viva, e que precisa ser vista na
Jung quando se refere à gnose esclarece que se trata de uma forma especial
627
JUNG, C. G. – Aspectos do Drama Contemporâneo. Petrópolis: Editora Vozes, 1990. par. 434
628
JUNG, C. G. - Psicologia e Religião. Petrópolis: Editora Vozes, 1990, par. 127
629
JUNG, C. G. – Desenvolvimento da Personalidade, O. Petrópolis: Editora Vozes (1986), par. 311 e
Resposta a Jó. Petrópolis: Editora Vozes (1986), par. 648
157
Talvez isto se deve ao fato da gnose antiga ter uma apreciação extremamente
negativa do mundo e do corpo, segundo alguns autores. Para Noll, por exemplo,
Jung teve contato com correntes gnósticas, através de suas leituras de escritos
Paul Tillich no Brasil, Etienne A. Higuet e Jaci Maraschin, afirmam que o próprio
Jung:
existência de uma "entidade imortal", que não é parte deste mundo, que pode ser
chamado de Deus interno, Ser imortal, divina essência, etc. que existe em todos os
homens e é a sua única parte imortal. Rejeitando o gnostismo como movimento que
floresceu durante os séculos II e III, cujas bases filosóficas eram as da Antiga Gnose
segundo eles, os tornava diferentes dos cristãos alheios a tal conhecimento, que
630
NOLL, Richard. – O Culto de Jung: Origens de um Movimento Carismático. São Paulo: Editora Ática
(1996) p. 77
631
HIGUET, Etienne A. e MARASCHIN, Jaci (Editores). – Forma da Religião, A: Leituras de Paul Tillich no
Brasil. São Bernardo do Campo: Universidade Metodista de São Paulo (2006), p. 130, 131
158
alguns possuíam. Ensinavam o dualismo, pois para eles, existem dois deuses: o
criador imperfeito, que eles associavam ao Jeová do Velho Testamento e outro, bom,
imperfeição é que se origina o sofrimento humano. Mas, o deus bom, teve pena dos
entregarem aos dogmas da Tora ou da Igreja. Seus livros são compostos pelos
159
discordassem dos preceitos do cristianismo na forma como estavam sendo
codificados na lei e ensinados aos seguidores dessa fé. Os ensinamentos de
Jesus e os princípios adotados pela comunidade cristã serviam para
estabelecer a religião na mente e no coração das pessoas. Essa disciplina
servia de sustento espiritual e de crença comum, e tornaria possível à fé
sobreviver e tornar-se firmemente assentada que, para a maioria das pessoas,
era necessário e suficiente um entendimento elementar das regras, a diretriz
moral e a submissão à autoridade. Mas pensavam que eles mesmos
pertenciam a uma categoria especial. Para eles, o ensinamento cristão,
formalizado numa doutrina, era apenas o começo, um passo adiante no
caminho da liberdade espiritual. Para esse grupo, a liberdade total significava
o direito de cada pessoa encontrar uma relação direta com Deus, sem
intérpretes nem intermediários, se esse vínculo parecesse autêntico para o
indivíduo. Por esse motivo é que o gnosticismo surgiu como um movimento
de protesto pela liberdade individual contra as restrições cada vez maiores
impostas pela ortodoxia. (...) A psicologia profunda contemporânea de Jung
foi fortemente influenciada por suas incursões pela literatura gnóstica. Seu
mundo arquetípico, com o Si-mesmo inapreensível como arquétipo central
também vai além do mundo corriqueiro, em que o Eu é a força motriz
elementar. Os textos gnósticos são certamente a-históricos: não têm nada a
ver com as pessoas que já viveram neste mundo ou com os eventos que
tiveram sua realidade histórica. Têm validade psicológica, porém, à medida
que vêm da alma ou psique do ser humano e se expressam na linguagem da
alma coletiva, ou do inconsciente coletivo, como diria Jung, linguagem que
acha seus caminhos nos mitos e nas metáforas. 632
632
SINGER, June. – A Mulher Moderna em Busca da Alma: Guia Junguiano do Mundo Visível e do Mundo
Invisível. São Paulo, Paulus, 2002. p. 146-148, 150, 158-159, 166
160
para aqueles que participam dela. Na celebração gnóstica da eucaristia, o
participante tem uma experiência imediata da morte do Eu pessoal,
simbolizada pelo Cristo crucificado, e a ressurreição que ocorre em seguida é
a união do Si-mesmo com o Eu integrado, simbolizada pela sensação de união
com o Cristo ressuscitado. No cristianismo tradicional, a trindade consiste em
Pai, Filho e Espírito Santo. Digno de nota por sua ausência é o quarto
elemento, que poderia ser a matéria, o princípio feminino, ou o elemento
demoníaco. O gnosticismo leva os quatro em conta. Recoloca a matéria numa
posição vitalmente importante no mundo visível; redime o princípio feminino,
na imagem de Sofia; e reconhece a presença do demoníaco, na forma dos
arcontes. Estes representam os poderes não criativos deste mundo, que
devem ser reconhecidos em sua verdadeira natureza e confrontados
diretamente. Tanto o judaísmo como o cristianismo consideram Deus como
uma figura paterna, que cria um mundo por meio do verbo, ou Logos. No
Velho Testamento, a criação prossegue com o verbo que emana de Deus: “E
Deus disse: ‘Faça-se a luz’, e houve luz” (Gn. 1.3), e o Evangelho de João no
Novo Testamento começa com: “No princípio era o Verbo”. O gnosticismo
considera o poder criativo incessante no universo como o princípio Paterno-
Materno de que emana luz ou energia; no espírito humano, esse é o princípio
da individuação. No cristianismo tradicional, o poder feminino é secundário.
Quando a mulher é reconhecida como elemento na espiritualidade, ou é em
função biológica de Mãe e portadora da Criança Divina, ou como virgem
compulsória nas ordens religiosas. Como mulher plenamente independente
que pode escolher entre ser sexual ou não, ela tem um status reduzido. No
gnosticismo, o feminino é redimido e resgatado das profundezas da matéria, e
reinvestido de sua totalidade num status de co-igualdade com o masculino. O
cristianismo considera uma alta virtude a Imitatio Dei, ou a Imitação de Deus,
com as palavras: “Sede, perfeito”. No gnosticismo não é assim, pois o que se
busca aí não é a perfeição, mas sim a totalidade. A totalidade ou a plenitude
se dá simbolicamente no casamento místico entre a figura do Cristo ou Logos
e a da Sofia, ou Eros. Para o gnóstico, isso significa que tal união pode se
realizar não só no altar da missa, mas também no íntimo de cada indivíduo.
Isso envolve admitir a presença do lado escuro dentro de si e no mundo, e a
decisão de combatê-lo. As religiões tradicionais, e suas litanias sobre o que
deve e não deve ser feito, encorajam a repressão da sombra, aquela parte do
ser inaceitável aos códigos coletivos de conduta. O gnosticismo insiste na
integração da sombra por um trabalho progressivo de transformação dos
aspectos ignorantes e destrutivos da própria natureza da pessoa. Em sua
abordagem à totalidade, o ritual gnóstico tenta “reunir os fragmentos
dispersos”. A prece que encerra a eucaristia gnóstica contemporânea expressa
essa intenção primordial ao dizer: “Reconheci quem sou e me reuni em mim
por todos os lados. Não semeei filhos para o regente deste mundo, mas
arranquei-o pelas raízes. Reuni meus membros que estavam espalhados por
toda parte e sei quem és Tu Que És. 633
Situa na linha de consenso universal, isto é, de arquétipo. Foi somente iso que
me possibilitou uma relação distinta com o dogma. Como “verdade” metafísica
ele me era inteiramente inacessível, mas o conhecimento dos fundamentos
arquetípicos universais me animou a considerar como fato psicológico que
ultrapassa o quadro da confissão de fé cristã, e tratá-lo simplesmente como
objeto das Ciências Físicas e Naturais, como um fenômeno puro e simples,
qualquer que seja o significado “metafísico” que lhe tenha sido atribuído. Sei
633
Id. p. 168-170
161
por experiência própria que este último aspecto jamais contribui, por pouco
que fosse, para a minha fé ou para a minha compreensão. Ele não me dizia
absolutamente nada. Entretanto, tive de reconhecer que o Símbolo de fé
possui uma verdade extraordinária pelo fato de ter sido considerado, durante
dois milênios, por milhões e milhões de pessoas, como um enunciado válido
daquelas coisas que não se podem ver com os olhos, nem tocar com as mãos.
Este fato deve ser bem entendido, porque da “Metafísica” só conhecemos o
produto humano, quando o carisma da fé, tão difícil de ser mantido, não
afasta de nós toda dúvida e, conseqüentemente, nos liberta de toda
angustiosa investigação. É perigoso que tais verdades sejam tratadas
unicamente como objeto de fé – ponto de vista do sola fide no protestantismo
– pois onde há fé, ali também está presente a dúvida, e quanto mais direta e
mais ingênua é a fé, tanto mais devastadoras são as idéias quando a primeira
começa a eclipsar-se. Em tais ocasiões é que nos mostramos mais hábeis do
que as cabeças enevoadas da tenebrosa Idade Média, e então acontece que a
criança é desprezada juntamente com a bacia em que foi lavada. 634
No século das luzes formou-se, sobre a essência das religiões, uma opinião
que merece ser mencionada por causa de sua larga propagação, embora ela
seja um desprezo típico da época. Segundo essa opinião, as religiões seriam
espécies de sistemas filosóficos, que com estes últimos, teriam saído da
cabeça das pessoas. Um homem qualquer teria certo dia imaginado um Deus
e dogmas, e graças a essa fantasia “realizadora de desejos”, teria enganado a
humanidade. A essa opinião opõe-se a realidade psicológica da dificuldade
que se tem de apreender intelectualmente os símbolos religiosos. De modo
nenhum eles provêm da razão, mas de outro lugar; do coração, talvez, mas
em todo caso de uma camada psíquica profunda, pouco semelhante à
consciência que não é mais do a superfície. Os símbolos religiosos também
tiveram um caráter bem marcado de “revelação” ou, dito de outra forma, são
em geral produtos espontâneos da atividade inconsciente da alma. São tudo o
que quisermos menos inventados pelo pensamento; revelações naturais da
alma humana, cresceram pouco a pouco no decorrer de milênios como
plantas. 635
processo psíquico”, apesar dele próprio considerar que os termos – instinto psíquico
634
JUNG, C. G. – Interpretação Psicológica do Dogma da Trindade. Petrópolis: Editora Vozes, 1983. par.
294
635
JUNG, C. G. – Energia Psíquica, A. Petrópolis: Editora Vozes, 1997, Parte I
162
e extra-psíquico não seriam os mais apropriados para assim tratá-lo 636 . Segundo
636
JUNG, C. G. – Dinâmica do Inconsciente, A. Petrópolis: Editora Vozes, 2000. par. 233, 245
637
REVISTA, Viver&Cérebro: Memória da Psicanálise. Jung e a Psicologia Analítica e o Resgate do Sagrado.
Nº 02. São Paulo: Duetto Editorial. P. 42
638
JUNG. C. G. – Psicologia e Religião. Petrópolis: Editora Vozes (1990) par. 82
639
Id. par. 82
163
e anabatismo, além é óbvio, referências às guerras religiosas que viveram os países
A Suíça tem uma tradição de muitos séculos como terra de heresia e de seitas
incomuns. Na Idade Média, os amalricianos, os valdenses e até os cátaros
conseguiram muitos adeptos na região. A Alemanha meridional e a Suíça
foram os principais centros da Reforma quinhentista, e na Suíça o processo de
formação de dissidência do Protestantismo em “seitas” isoladas continuou até
nosso século. 640
psíquico que foi assimilado como estímulo que por sua vez se expressou no
comportamento humano:
consumador da obra da Reforma, que Lutero executara apenas pela metade” 643 a
640
NOLL, Richard. Culto de Jung, O: Origens de um Movimento Carismático. São Paulo: Editora Ática
(1996), p. 113, 114
641
JUNG, C. G. – Dinâmica do Inconsciente, A. Petrópolis: Editora Vozes, 2000. par. 234
642
JUNG. C. G. – Psicologia e Religião. Petrópolis: Editora Vozes (1990) par. 82
643
JUNG. C. G. – Aion: Estudos Sobre o Simbolismo do Si-Mesmo. Petrópolis: Editora Vozes, 1982, par. 159
164
experiência imediata que o movimento provocou no povo alemão por ter sido
deixada em seu caráter original “selvagem” causou transtornos tanto nos indivíduos
como que haver um desvio de sua aplicação puramente biológica, para outros
sentidos que lhe são estranhos, por exemplo, fome no sentido metafórico. Jung
entende os instintos como grupos que agem distintamente entre si, nos indivíduos
esses instintos ele inclui o que leva à “ação”, e o exemplifica como o “de viajar, amor
644
JUNG, C. G. – Dinâmica do Inconsciente, A. Petrópolis: Editora Vozes, 2000. par.240
645
Id. par. 241
165
humanas que passam pelo processo da reflexão: na expressão verbal, como
comportamento ético, ou ainda como feito científico ou como obra de arte” 646 . Para
par excellence” e sua força se revela na maneira como a cultura se afirma em face
“tendo sido um fator humano instintivo, o Protestantismo não pode perder sua
646
Id. par. 242
647
Id. par. 243
648
Id. par. 245
649
JUNG. C. G. – Psicologia e Religião. Petrópolis: Editora Vozes (1990) par. 83
166
criar uma escravidão e prisão estatais desprovidos de qualquer estímulo
psíquico espiritual. 650
que se aproximando, por causa desta perda, da zona do fogo destruidor e criador do
mundo. A vida se tornou mais rápida e intensa. Nosso mundo é sacudido e inundado
por ondas de inquietação e medo”, porém, deixa bem claro que não acusa nem o
o homem moderno se encontra 651 . Para Jung “a incrível crueldade de nosso mundo
supostamente civilizado – tudo isso tem sua origem na essência humana e em sua
situação espiritual” 652 . Perder a proteção dos muros da Igreja é desprezar os dogmas
650
Id. par. 83
651
Id. par. 84
652
Id. par. 85
653
Id. par. 05
654
JUNG, C. G. – Dinâmica do Inconsciente, A. Petrópolis: Editora Vozes, 2000. par. 245
167
A falta de naturalidade pode promover o que ele chama de “apogeu da
iniciação religiosa”, mas, não “manifestar qualquer traço de Deus, ainda que se fale
Dele, mas tudo se limita a palavras, e ainda pode, promover uma deplorável
experiência, provocar vazio e uma perda” 655 . Tal fato, Jung constatou no
Protestantismo vivido pelo pai, tios e primos, para ele um “sistema dominado por
indiferentes 657 , cujo sentimento era de vazio 658 ”. Para Jung, a “naturalidade” poderia
visse “não como uma religião, mas uma ausência de Deus, e a Igreja não como um
lugar de vida, mas de morte, que provoca a maior derrota de alguém” 660 . Jung
considera a religião como uma modalidade natural, pois, assim percebeu em suas
derrubados pelo próprio Deus, e do sonho com o monstro fálico, aos três anos de
idade. Foram naturais estas experiências, pois foram como que vontades mais fortes
em seu interior, dentro dele, sendo ele o sujeito ou o objeto da sua experiência. Esta
655
JUNG, C. G. – Memórias, Sonhos e Reflexões. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, s/d, p. 59
656
Id. p. 31
657
Id. p. 58
658
Id. p. 59
659
Id. p. 59
660
Id. p. 60
661
JUNG, C. G. – Dinâmica do Inconsciente, A. Petrópolis: Editora Vozes, 2000. par. 250
168
modalidade da “psiquisificação” do instinto, Jung constatou no Protestantismo,
quando verificou que havia se tornado mais numa religião exterior que interior, e ele
apelou para que retornasse aos mistérios da Bíblia, por este ter se identificado com a
como dizia seu pai: “Você quer pensar, mas antes precisamos crer”.
Em Resposta a Jó, Jung expõe o instinto de reflexão, que o levou a ter uma
662
JUNG. C. G. – Psicologia e Religião. Petrópolis: Editora Vozes (1990) par. 83
663
Id. par. 06
664
Id. par. 09
169
inconsciente separado, de algum modo, da consciência. É um erro puro e
simples supor que uma visão é de natureza patológica. Ela ocorre, ma não é
freqüente, nem muito rara em pessoas normais. (...) Paulo é do número
daqueles cujo inconsciente se achava inquieto e provocava êxtases
reveladores. Ora, no inconsciente acha-se tudo o que rejeitado pela
consciência, e quanto mais cristã é esta consciência, tanto mais o inconsciente
se comporta de forma pagã; se ainda se encontrarem valores de importância
vital no paganismo rejeitado, isto é, a criança (como acontece
freqüentemente) foi atirada fora juntamente com a água em que foi banhada.
Ao contrário da consciência, o inconsciente não isola nem diferencia os seus
objetos. 665
razão deste ser um dos temas dominantes do século XIX, e que vem desde os
o “espírito”, e estes são inseparáveis, ou pelo menos, não podem ser divididos. Este
provoca uma desordem de tal tamanho, que todas as áreas da vida humana sentem
e sofrem. O Protestantismo que havia operado tal separação contava apenas com a
665
JUNG, C. G. – Resposta a Jó. Petrópolis: Editora Vozes, 1986. par. 662, 665, 696, 713
666
JUNG, C. G. – Dinâmica do Inconsciente, A. Petrópolis: Editora Vozes, 2000. par. 251
170
preferindo a extroversão e preterindo a introversão, procurando fazer a separação
razão desta não ser homogênea 667 , estes conceitos se aplicam perfeitamente à
análise que faz do sistema religioso protestante. Jung usa de sua autoridade
Deus, não deixa nenhum ser humano “psicótico”, como se temia, por considerar as
patológicos” 668 .
Deus pode ser amado e deve ser temido, por ser mistério. A numinosidade do
objeto torna difícil que se lhe dê um tratamento intelectual, pois é o caráter
afetivo que entra sempre em linha de conta. O indivíduo participa pro et
contra no processo, e aqui é mais difícil ainda chegar-se à “objetividade
absoluta”, do que em outras situações. Quem possui convicções religiosas
positivas, isto é, quem “crê”, não somente encara a dúvida como coisa muito
desagradável e penosa, mas também a teme. É por isso que não gostamos de
analisar o objeto da fé. O indivíduo que não tem concepções religiosas não
gosta de reconhecer-se como portador de um déficit; antes apela para a sua
mentalidade esclarecida ou, no mínimo, para a franqueza de seu próprio
agnosticismo. Quem se fixa neste ponto de vista dificilmente admitirá o
caráter numinoso do objeto religioso, e este não poucas vezes até mesmo o
impede de pensar criticamente, pois pode acontecer – o que para ele não é
nada agradável – que sua fé no iluminismo opera com conceitos racionalistas
inadequados, apoiando-se, por exemplo, no fato de que enunciados como o
do nascimento virginal, da filiação divina, da ressurreição dos mortos, da
transubstanciação, etc, não passam de disparates. O agnosticismo sustenta
que não possui qualquer conhecimento de Deus ou qualquer outro
conhecimento de natureza metafísica; entretanto, se esquece de que jamais
somos nós que possuímos uma convicção, mas é ela que nos possui. Tanto
um como o outro estão possuídos pela razão, que representa o arbitro
supremo e indiscutível. Mas o que é “razão”? Por que motivo deve ser
suprema? Não é aquilo que é e age uma instância que está acima do
julgamento racional e da qual a história do pensamento nos oferece tantos
exemplos? Infelizmente os defensores da “fé” também operam com os
mesmos argumentos fúteis, só que em direção inversa. Indiscutível é apenas
667
Id. par. 252
668
JUNG, C. G. – Resposta a Jó. Petrópolis: Editora Vozes, 1986. par. 665
171
o fato de que há enunciados metafísicos que, justamente por seu caráter
numinoso, são formulados e negados em tom carregado de afeto. Esse fato
constitui a base empírica e segura da qual se deve partir. Ele é objetivamente
real enquanto fenômeno psíquico. Nesta constatação acham-se incluídas
naturalmente todas as afirmações (até mesmo as contrastantes) que algum
dia já foram ou ainda serão de caráter numinoso. É preciso levar em conta
todos os enunciados religiosos em seu conjunto. (...) À Psicologia deve ser
deixado os estados de conflitos agudos gerados por estados que
aparentemente são contraditórios. 669
Jung define o homem protestante “alguém que perdeu sua Igreja e está
desamparado perante Deus, sem a proteção de muros e comunidade” 670 , e por isso
meios de defesa espirituais, que o protegem contra a experiência imediata das forças
enraizadas no inconsciente, e que esperam sua libertação” 672 . Parece que Jung está
espiritual e, não sabe muito bem o que pode acontecer com o protestante que “está
entregue só a Deus” 673 , assim como não se pode prever, senão a catástrofe final,
caso o “homem civilizado”, resolva detonar seus arsenais, contra seu vizinho, pois
“como ninguém pode saber em que ponto e com que intensidade está possuído e é
172
suíço de 1º de Dezembro de 1888 contou 10.697 pessoas que viviam em seitas
anticonvencionais (e apenas 8.384 judeus) numa população de 2,9 milhões, com 1,7
carismáticos com estranhos sistemas de crença que promoviam o incesto entre pais
liberados e às vezes anarquistas, grupos que faziam experiências com novos estilos
de vida ou com uma nova filosofia de vida baseada na experiência mística. Alguns
grupos neopagãos extraíram de antigas fontes persas suas idéias de culto do sol”. 675
pecado” 676 , e levados pela sua “má consciência, que pode ser um dom de Deus, uma
verdadeira graça” 677 , possa interferir e alterar a situação que ele próprio criara de
o fizeram no passado, mas que estão, e ainda hoje, continuam fora do debate e
675
NOLL, Richard. – Culto de Jung, O: Origens de um Movimento Carismático. São Paulo: Editora Ática S.
A., 1996, p. 113-115
676
JUNG. C. G. – Psicologia e Religião. Petrópolis: Editora Vozes (1990) par. 86
677
Id. par. 86
173
muito mais da elaboração de verdades que podem salvar a humanidade de sua
destruição.
grande possibilidade” 678 , caso perceba que “está entregue só a Deus”, e que mesmo
expiação; tem de digerir sozinho seus pecados”, ainda que “sem a certeza da graça
divina”, pois sem “o ritual adequado esta tornou-se inacessível” 679 . Jung defende a
religiosa imediata” para o protestante que “perdeu sua Igreja e continua protestante,
678
Id. par. 85
679
Id. par. 86
680
Id. par. 86
681
Id. par. 86
682
Id. par. 86
683
Id. par. 86
174
impessoais que se ocultam em seu interior, convertendo-o em instrumento de
católico 685 , para tratar da psicologia do protestante, e mesmo que afirme que tais
conclusões “devemos tomá-la no justo valor que apresenta para a pessoa que tem a
católico, contudo, afirma a seguir: “o genius religiosus é um vento que sopra onde
quer” 686 . Para Jung o sonho não é uma criação individual de caráter absolutamente
coletivo a que denominou de arquétipos”, termo que define como “certas formas e
imagens de natureza coletiva, que surgem por toda parte como elementos
qualquer possibilidade de tradição direta” 687 . Jung defende que os sonhos podem
ser a experiência imediata que falta aos protestantes, caso levem-nos à sério, e
procurem neles a “graça divina”, visto que os dogmas não existem, entre seus
Jung espera que ele se aventure em sua psicologia, seja curioso quanto aos seus
684
Id. par. 86
685
Id. par. 43
686
Id. par. 87
687
Id. par. 88
688
Id. par. 82
175
proveitosa e uma “graça” favorável, que não seja apenas uma auto-condenação por
uma vida sem significado, que sofre por suas fraquezas e pecados.
católico, aos protestantes, pois suas formas e imagens se aplicam aos cristãos de
modo geral. Neste caso, Jung aplica o “método comparativo”, pois este
religiosa sempre depreciou esta idéia” 692 . Mas, Jung não teme em afirmar:
visões” 693 . Parece que para Jung voltar-se aos sonhos e visões, como expressão da
“experiência imediata” é uma prática mística. Mesmo que isso não seja aceito pela
maioria das pessoas, cuja educação religiosa moderna, considere a “mística” como
Jung, de imediato, defende sua idéia como um exercício científico psicológico, e não
689
Id. par. 39, 40
690
Id. par. 32
691
Id. par. 101
692
Id. par. 101
693
Id. par. 101
694
Id. par. 05
695
Id. par. 102
176
Theologia Naturalis. Como a vivência deste arquétipo tem muitas vezes, e
inclusive, em alto grau, a qualidade do numinoso, cabe-lhe a categoria de
experiência religiosa. 696
sonhos, ou outros meios do inconsciente, onde isto possa se dar, trata-se de lembrar
higiene” 699 , pela “ilustração ou crítica científica” 700 , ficando sob a “ameaça de
Sagrado” 702 , numa clara referência aos movimentos sociais da Alemanha nazista.
Para Jung a idéia do “Deus interior” 703 representa uma “dificuldade dogmática” 704 . “A
eclesiam nulla salus (fora da Igreja não há salvação), será a de voltar-se para a alma
como sua última esperança. Onde, a não ser nela, poderia obter a experiência?” 705
696
Id. par. 102
697
Id. par. 102
698
Id. par. 03
699
Id. par. 76
700
Id. par. 34
701
JUNG, C. G. - Memórias, Sonhos e Reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, (1988), p. 274
702
JUNG, C. G. - Psicologia e Religião. Petrópolis: Editora Vozes, 1990, par. 76
703
Id. par. 101
704
Id. par. 105
705
Id. par. 106
706
JUNG, C. G. - Psicologia e Religião. Petrópolis: Editora Vozes, 1990, par. 108, 119
177
Digulleville é citado em razão do sonho que relata em que três seres angelicais
vestidos de púrpura, lhe dizem que a Trindade de cores foi unida em uma só: o Pai
ficou com o ouro, o Filho com o vermelho, e o Espírito Santo com o verde, ao qual
Jung chama de “psicologia medieval” 707 . E, Jung se pergunta quanto ao azul, como
Para Jung, a Trindade se completa com o Quarto Elemento que vem a ser
Maria que
subiu ao céu com seu corpo – único ser mortal, cuja alma reuniu-se ao corpo
antes da ressurreição universal dos mortos. Nesta representação, como em
outras no mesmo estilo, o Rei é o Cristo Triunfante, em união com sua
esposa, a Igreja. Acontece, porém, e este é o aspecto mais importante, que
Cristo como Deus é também, e ao mesmo tempo, a Trindade que a
transforma em quaternidade, com o acréscimo de uma quarta pessoa, a
Rainha. 709
Por acreditar que os sonhos podem alterar a religião oficial – “não se pode
esperar que os sonhos falem explicitamente de religião, na forma pela qual estamos
lado, a voz e mensagem divinas” 710 , Jung deixa claro que esta idéia de
paciente é uma resposta simbólica a uma questão que remonta há séculos, (...)
assim, o significado íntimo da visão nada mais seria que a união da alma com
Deus” 712 .
707
Id. par. 124
708
Carl Jung and the Trinitarian Self – Michael J. Brabazon. Online Journal Of Christian Theology and
Philosophy. Disponível em http://www.quodlibet.net/brabazon-jung.shtml>. Acesso em: 15.08.06
709
JUNG, C. G. - Psicologia e Religião. Petrópolis: Editora Vozes, 1990, par. 122
710
Id. par. 39, 40, 32
711
Id. par. 43, 50, 124
712
Id. par. 124
178
Para Jung “se as representações da Trindade nada mais fossem do que
sutilezas da razão humana, talvez não valesse a pena mostrar todas estas conexões
sob uma luz psicológica. Mas sempre defendi o ponto de vista de que essas
obras têm “impramatur eclesiástico” 714 , como por exemplo Die Gnosis des
Christentums.
mera invenção do intelecto” 715 , conclui que não se trata apenas de fruto da
certas idéias sobre como deveria viver um homem civilizado, culto e moral, e de vez
em quando fazemos tudo o que está ao nosso alcance para satisfazer essas
infernais, que as torna insuportáveis para seus próximos, como bem observou Henry
Drummond 719 , em sua obra Das Naturgesetz in der Geisteswelt, em seu tempo,
713
Id. par. 127
714
Id. par. 127
715
Id. par. 152
716
Id. par. 127
717
Id. par. 85
718
Id. par. 131
719
Henry Drummond (1851-1897, famoso escritor de “O Dom Supremo”
179
apesar de serem pessoas muito piedosas, porém, inconscientes de seu outro
lado” 720 .
até mesmo uma violenta explosão de imoralidade entre indivíduos menos dotados de
Para Jung “a moral parece ser um dom equiparável à inteligência. Não é possível
incuti-la, sem prejuízo, num sistema ao qual ela não é inata” 722 . E, a moral não é
Infelizmente, não se pode negar que o homem como um todo é menos bom
do que ele se imagina ou gostaria de ser. Todo indivíduo é acompanhado por
uma sombra, e quanto menos ela estiver incorporada à sua vida consciente,
tanto mais escura e espessa ela se tornará. Uma pessoa que tome consciência
de sua inferioridade, sempre tem mais possibilidade de corrigi-la. Essa
inferioridade se acha em contínuo contato com outros interesses, de modo
que está sempre sujeita a modificações. Mas quando é recalcada e isolada da
consciência, nunca será corrigida. E além disso há o perigo de que, um
momento de inadvertência, o elemento recalcado irrompa subitamente. De
qualquer modo, constitui um obstáculo inconsciente, que faz fracassar os
esforços mais bem intencionados. 723
complexos, cujo inconsciente os contém, e, que possuem a vida como um todo. Para
Jung, “a simples repressão não constitui remédio algum, tal como a decapitação não
é um remédio para a dor de cabeça”. 724 Apesar da “repressão” ser uma tendência do
720
Id. par. 130
721
Id. par. 130
722
Id. par. 130
723
Id. par. 131
724
Id. par. 133
180
homem culto, porém, “o homem inferior que tem dentro de si, rebela-se, pois, o
liberdade, e até mesmo a obsessão”. 725 Não se trata com isso, que se deva buscar “a
destruição da moral de um homem, pois isso seria o mesmo que matar o seu “Si-
mesmo” (Selbst), sem o qual a sombra perderia o seu sentido” 726 . Jung propõe uma
“conciliação”, ainda que admita ser um “dos problemas mais importantes, que
“razão”, tão valorizada e apreciada, mas que esta funcione como “uma instância de
decisão ética” 729 . Jung toma o cuidado de salientar que sua afirmação trata-se de um
“fino argumento, sutil e singularmente prático do ponto de vista moderno, que não
fora percebido pelos Padres da Igreja, apesar de sua mentalidade robusta” 730 . A
“decisão ética” 731 impõe ao homem um “sacrifício, no sentido mais elevado do termo,
mas trata-se de uma questão vital, mas também perigosa” 732 . Jung tem esperança
nasceu, também seja “capaz de realizar coisas espantosas, desde que tenham um
725
Id. par. 136, 141
726
Id. par. 133
727
Id. par. 133
728
Id. par. 85
729
Id. par. 133
730
Id. par. 133
731
Id. par. 133
732
Id. par. 133
733
Id. par. 05
734
Id. par. 82
181
sentido para ele” 735 , assim como foi com Lutero e outros reformadores, que
perceberam que havia algum sentido em tudo que sofreram e realizaram, conforme
às suas convicções. É natural que Jung reconheça que “o difícil é criar esse sentido.
Deve tratar-se de uma convicção, mas as coisas mais persuasivas que o homem
pode imaginar são medidas pela mesma escala e se mostram insuficientes para que
possam também protegê-lo com eficácia contra seus próprios desejos e temores” 736 .
absoluta. Ela contém qualidades infantis e primitivas que, de algum modo, poderiam
vivificar e embelezar a existência humana” 737 . Jung aponta que o problema está
pode “perder sua vinculação com a terra, e encontrar-se num inquietante conflito de
735
Id. par. 133
736
Id. par. 133
737
Id. par. 134
738
Id. par. 134
739
JUNG, C. G. - Memórias, Sonhos e Reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, (1988) p. 274
740
JUNG, C. G. - Psicologia e Religião. Petrópolis: Editora Vozes, 1990, par. 34
741
Id. par. 134
182
opinião” 742 . Para Jung, o Protestantismo deve se voltar às suas inquietações, isto é,
experiências interiores” 743 e “fortalecer o caráter divino das Escrituras Sagradas” 744 ,
psicológica, para quem “Deus é alguma coisa, uma ilusão motivada entre outras
coisas pela vontade de poder e pela sexualidade recalcada” 747 , num claro confronto
com Sigmund Freud, e, que estava ganhando cada vez mais espaço dentro do
possibilidade”, para si mesmo, não está na “legislação ou artifícios” 749 , criados pelos
Concílios, mas sim numa “mudança geral de atitude. E esta mudança não se inicia
com a propaganda ou com reuniões de massa, e menos ainda com violência. Ela só
pode começar com a transformação interior dos indivíduos. Ela produzirá efeitos
dos valores, e somente a soma dessas metamorfoses individuais poderá trazer uma
742
Id. par. 134
743
Id. par. 32
744
Id. par. 34
745
Id. par. 34
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749
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750
Id. par. 135
183
Para Jung, o protestantismo precisa retornar ao mistério, por isso dizer:
seus mistérios e, sem perceber que estava, como que, copiando o Estado: “a esta
indivíduo, assim também o indivíduo imagina ter “englobado” sua alma, e faz disto
até uma ciência, baseado na absurda suposição de que o intelecto, mera parte e
função da psique, basta para compreender a totalidade da alma” 752 . Assim, percebe
científica”, representada por vários teólogos, a qual Jung aponta como responsável
“desintegração enquanto igreja” 754 . Jung procura esclarecer que assim, é como se
jogar fora a criança com a água do banho, porque: “a psique é mãe, sujeito e
liberdade, e até mesmo a obsessão” 755 . Suas afirmações são amparadas nos filósofos
751
Id. par. 141
752
Id. par. 141
753
Id. par. 83
754
Id. par. 85
755
Id. par. 141
184
Edwing Von Hartmann (?) e Arthur Schopenhauer (1788-1860), que “identificaram o
inconsciente com o princípio criador do mundo, que nada mais fizeram do que
interior, encaravam a misteriosa força atuante como deuses personificados” 756 . Jung
ilustra sua afirmação citando o que aconteceu com o protestante Nietzsche (1844-
Nietzsche não era ateu, ele tinha uma natureza demasiado positiva, para
suportar a neurose peculiar aos habitantes das grandes cidades, o ateísmo, se
transformou em deus, porque seu Deus havia morrido, assim aquele para
quem “Deus morre” se torna vítima da inflação. 758
Jung, como protestante, procura ilustrar mais ainda o que acontecera com
756
Id. par. 141
757
http://pt.wikipedia.org/wiki/Friedrich_Nietzsche, consulta realizada em 18 de Outubro de 2006.
758
JUNG, C. G. - Psicologia e Religião. Petrópolis: Editora Vozes, 1990, par. 142
759
Id. par. 142
760
Id. par. 144
185
individual é demasiado pequeno e seu cérebro demasiado débil para assimilar todas
“Deus está morto”, Nietzsche enunciou uma verdade válida para a maior parte da
Europa. Os povos sofreram sua influência, não porque ele tenha constatado tal fato,
Ninguém soube tirar a conclusão do que Nietzsche anunciara. Não se ouve nela algo
de semelhante à antiga frase: “O grande Pã está morto”, que marcava o fim dos
deuses da natureza?” 761 Jung afirma isto porque para ele “não podemos dispor,
por ter se perdido em meio a tantas possibilidades, e sem perceber que sua origem
761
Id. par. 145
762
Id. par. 144
763
Id. par. 144
764
Id. par. 146
186
inconscientemente as formas arquetípicas e, o mesmo se deu em Jesus Cristo, com
uma diferença, Ele sabia que estava ligado a algo arquetípico, bem como outras
mortos aquele que vive? Não está aqui”. (Lc. 24.5). Mas onde voltaremos a
766
encontrar o Ressuscitado?” Por isso Jung ter afirmado que os sonhos 767 nos
apontam para um Deus sem definição e “alterável” para cada indivíduo, pois para os
conceito formado pela imaginação do homem, mas que não percebe que ele se
altera de indivíduo para indivíduo. Isto ele afirma, pois para ele, o que importa
uma vida individual e despojada do mito Jesus Cristo”769 , sendo que em sua opinião
em um todo que constitui, precisamente, o sentido dos Evangelhos” 770 . Alerta para o
765
Id. par. 146
766
Id. par. 147
767
Id. par. 38
768
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769
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770
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771
Id. par. 146
772
Id. par. 34
187
Parece que Jung estabelece que como “o homem comum vive
Jung se volta àqueles que como ele, protestante, também tem apenas a
Não espero que nenhum cristão crente siga o curso destas idéias, que talvez
lhe pareçam absurdas. Não me dirijo também aos beati possidentes (felizes
donos) da fé, mas às numerosas pessoas para as quais a luz se apagou, o
mistério submergiu e Deus morreu. Para a maioria não há retorno possível e
nem se sabe se o retorno seria o melhor. Para compreender as coisas
religiosas acho que não há, no presente, outro caminho a não ser o da
psicologia; daí meu empenho em dissolver as formas de pensar
historicamente petrificadas e transformá-las em concepções da experiência
imediata. É, certamente, uma empresa difícil reencontrar a ponte que liga a
concepção do dogma com a experiência imediata dos arquétipos psicológicos,
mas o estudo dos símbolos naturais do inconsciente nos oferece os materiais
necessários. 775
773
Id. par. 146
774
Id. par. 146
775
Id. par. 148
776
Id. par. 150
188
para basear esta informação ele se refere ao “comentário sobre o Tractatus Aureus,
Para Jung certos dogmas são designados como “experiências imediatas”, pois
alguns estão presentes e podem ser encontrados em outras religiões, até mesmo
Talvez esteja aqui a explicação que gostaria de ter recebido do seu pai, nas
ocasião o pai lhe disse que não se discutia, só aceitava o dogma e pronto 780 . Jung,
época era pelo questionamento científico, pois assim o pai procurava explicar ao filho
inquiridor. Porém, mais tarde, pelo menos quarenta e três anos depois da morte do
777
Id. par. 150
778
Id. par. 81
779
Id. par. 81
780
JUNG, C. G. - Memórias, Sonhos e Reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, (1988), p. 50
189
seu pai, pois Psicologia e Religião foi escrito em 1939, e seu pai falecera em 1896,
Jung admite que “a Trindade talvez seja ainda mais antiga, que os cinco mil anos do
Homem-Deus sofredor” 781 , que a Igreja Cristã adotara como dogma, porém, já tinha
sido dado como “função espiritual”, a outras religiões, que não se tratava de uma
mas que este “pensamento veio até eles” 782 , e não aos teólogos protestantes ou
católicos, mas a muitos outros homens, e que necessariamente não eram cristãos.
constitui uma expressão da alma” 783 , enquanto que a teoria científica “só é
formulada pela consciência” 784 . Esclarece ainda que uma teoria científica “mal
adequadamente o processo vivo do inconsciente” 785 . Parece que Jung afirma isto,
para tentar compreender o que fez com que o protestantismo surgisse na história da
religião cristã, pois para ele “é realmente espantoso o fato de que não tenha podido
não da elaboração mental e racional dos teólogos, pois para ele o homem moderno
781
JUNG, C. G. - Psicologia e Religião. Petrópolis: Editora Vozes, 1990, par. 81
782
Id. par. 81
783
Id. par. 81
784
Id. par. 82
785
Id. par. 82
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Id. par. 100
190
embora tal preconceito não seja exclusivamente cristão, porém, há certas religiões
que dele não compartilham, em absoluto. Para Jung, “o inconsciente tem melhores
possibilidade de seu pai fazer o mesmo, como havia acontecido com muitas pessoas
Jung declara que sua afirmação não se trata de uma questão de fé, mas de
788
JUNG, C. G. - Memórias, Sonhos e Reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, s/d p. 274
789
JUNG, C. G. - Psicologia e Religião. Petrópolis: Editora Vozes, 1990, par. 32
790
JUNG, C. G. - Memórias, Sonhos e Reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, s/d, p. 53
791
JUNG, C. G. - Psicologia e Religião. Petrópolis: Editora Vozes, 1990, par. 167
792
Id. par. 167
793
Id. par. 167
191
deverá ser uma ilusão muito real. Mas que diferença há entre uma ilusão real
e uma experiência religiosa curativa? É uma diferença de palavras. Poder-se-ia
dizer, por exemplo, que a vida é uma enfermidade com um diagnóstico muito
desfavorável: prolonga-se por vários anos, para terminar com a morte; ou que
a normalidade é um defeito constitutivo generalizado; ou que o homem é um
animal cujo cérebro alcançou um superdesenvolvimento funesto. Esta maneira
de pensar é privilégio daqueles que estão sempre descontentes e sofrem de
má digestão. Ninguém pode saber o que são as coisas derradeiras e
essenciais. Por isso devemos tomá-las tais como as sentimos. E se uma
experiência desse gênero contribuir para tornar a vida mais bela, mais plena
ou mais significativa para nós, como para aqueles que amamos – então
poderemos dizer com toda a tranqüilidade: “Foi uma graça de Deus”.794 “Com
isto, não demonstramos qualquer verdade sobre-humana, e devemos
reconhecer com toda a humildade que a experiência religiosa extra ecclesiam
(fora da Igreja) é subjetiva e se acha sujeita ao perigo de erros incontáveis. A
aventura espiritual do nosso tempo consiste na entrega da consciência
humana ao indeterminado e indeterminável, embora nos pareça – e não sem
motivos – que o ilimitado também é regido por aquelas leis anímicas que o
homem não imaginou, e cujo conhecimento adquiriu pela “gnose” no
simbolismo do dogma cristão, e contra o qual só os tolos e imprudentes se
rebelam; nunca, porém, os amantes da alma. 795
“defensor da personalidade mais ampla” 796 que o Self indica como uma
ainda que tal experiência “só é dada àquele que cumpre sem restrição à Sua
vontade” 798 . Para ele “tudo que é transformado em princípio ou virtude, seja por
texto bíblico de I Coríntios 2.11, seu espírito o levou a saber as coisas do homem,
que desde a infância, buscou por si mesmo, ser “consciencioso diante de si mesmo,
e não somente a fim de aparentar valor”. Foi a “solidão”, isto é, ver que
794
Id. par. 167
795
Id. par. 168
796
Id. par. 79
797
Id. par. 80
798
JUNG, C. G. - Memórias, Sonhos e Reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, s/d, p. 51, 52
799
JUNG, C. G. – Natureza da Psique, A. Petrópolis: Editora Vozes, 2000 par. 258
192
a natureza estava cheia de maravilhas, nas quais podia mergulhar. Cada
pedra, cada planta, tudo se me afigurava animado e indescritível. As plantas
eram seres vivos que deviam crescer e florescer – possuíam um sentido
oculto, misterioso, eram pensamentos de Deus. Devíamos olhá-las com
respeito e sentir diante delas um pasmo filosófico. Pertenciam,
evidentemente, ao estado divino da inocência que era melhor não perturbar.
Começava a compreender: era responsável e de mim dependia o curso do
meu destino. Um problema me havia sido proposto e a ele eu devia
responder. Ninguém conseguiu demover-me da certeza de que estava no
mundo para fazer o que Deus queria e não o que eu queria. Em tais
circunstâncias decisivas isto sempre me deu a impressão de não estar entre
os homens, mas de estar a sós com Deus. 800
Desde sua infância nos diálogos teológicos com o pai, Jung queria vivenciar a
Achilles Jung (1842-1896), seu pai, apesar de ser um homem honesto, trabalhador e
dedicado à família, foi incapaz de corresponder ao que seu filho mais queria dele: “a
Da mesma forma que Freud tudo explicava pela sexualidade através do Complexo de
Édipo, seu pai reduzia a transcendência da vivência religiosa aos textos bíblicos, às
perceber que a religião formal do pai, que asfixiava as emoções místicas do filho,
não era pessoal, mas da própria Igreja. No entanto, essas percepções, que o
levaram mais tarde a compreender o poder criativo dos arquétipos, não ocorreram
JUNG, C. G. – Memórias, Sonhos e Reflexões. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, s/d. p. 42, 54, 81
800
193
Cristã” (1869) de Biedermann, na tentativa de encontrar a “plenitude de vida”, mas
802
JUNG, C. G. – Memórias, Sonhos e Reflexões. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, s/d. p. 62, 63
194
inimigos, dois métodos diferentes de enfrentar de algum modo as influências
Eu nunca inventei uma idéia de Deus. Minha convicção não provinha das
explicações que me davam, se bem que no fundo não podiam acreditar no
que me diziam. Para mim Deus era uma experiência imediata e das mais
convincentes. Ponho a palavra “Deus” entre aspas, pois a natureza (eu
inclusive) me parecia posta por Deus, como Não-Deus, mas por Ele criada
como uma Sua expressão. Não me convencia de que a semelhança com Deus
se referisse apenas ao homem. As altas montanhas, os rios, os lagos, as belas
árvores, as flores e os animais pareciam traduzir muito melhor a essência
divina do que os homens com seus trajes ridículos, sua vulgaridade, estupidez
e vaidade, sua dissimulação e seu insuportável amor-próprio. Conhecia muito
bem todos esses defeitos através de mim mesmo, isto é, através de minha
personalidade nº 1, a do colegial de 1890. Ao lado disso, havia um domínio
semelhante a um templo, onde todos os que entravam passavam por uma
metamorfose. Subjugados pela visão do universo e esquecendo-se de si
mesmos, apenas podiam se espantar e se admirar com ele. Lá vivia o “Outro”,
aquele que conhecia Deus como um mistério oculto, pessoal e ao mesmo
tempo suprapessoal. Lá, nada separava o homem de Deus. era como se o
espírito humano, ao mesmo tempo que Deus, lançasse um olhar sobre a
Criação. 804
Jung apela para que, ainda por um momento, os olhares dos religiosos sejam
803
JUNG, C. G. – Natureza da Psique, A. Petrópolis: Editora Vozes, 2000, par. 712
804
JUNG, C. G. – Memórias, Sonhos e Reflexões. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, s/d. p. 65, 51, 52
805
Id. p. 223
806
Id. p. 215
807
JUNG, C. G. – Resposta a Jó. Petrópolis: Editora Vozes, 1986. par. 555
808
Id. p. 556
195
usam de uma linguagem emocional, que parece inacessível à razão crítica. A
“manifestação da alma”, em sua linguagem emocional, ultrapassa os limites
de nosso pensar comum, pois se referem a realidades que transcendem a
consciência. “Estas representações não são inventadas; são percebidas
interiormente (por exemplo nos sonhos), já como produtos acabados. São
fenômenos espontâneos que escapam ao nosso arbítrio e por isso podemos
atribuir-lhes uma certa autonomia. Pela mesma razão, devemos considerá-los
não só como objetos em si, mas como sujeitos dotados de leis próprias. 809
Para ele esta “reflexão” não está fora da “mensagem cristã, pois a considero
primordial para o homem do ocidente. Ela deve, no entanto, ser vista sob um novo
encontrará mais inscrita nela”. 810 Ao buscar o “novo ângulo que corresponda às
suas “fantasias, emoções ou imagens, que remontam à minha infância” 811 , mas nas
quais “uma graça indizível me invadira” 812 . Tal “graça é inconcebível para mim” 813 .
Ao ser levado a termo a reflexão de sua “má consciência”, na qual verificava seu
Sendo frade, quando me sentia assaltado por alguma tentação, dizia no meu
interior: estou perdido!... e imediatamente buscava mil meios para apaziguar
os gritos de minha consciência. Confessava-me todos os dias, porém isso de
nada me servia. Assistia à missa e orava com grande devoção, mas vindo ao
altar com dúvidas, com dúvidas saía dali. Velava, jejuava, maltratava meu
corpo; nada conseguia com isso. Então, prostrado de tristeza, atormentava-
me com a multidão de meus pensamentos. Vê! Gritava comigo mesmo, és
ainda invejoso, impaciente, colérico!... Então de nada te serviu, oh infeliz, o
teres entrado nesta sagrada ordem...” 814 Jung preferia a experiência direta do
mistério à religião cristã da época, uma religião estéril cujo Deus era
absolutamente distante e transcendente. Seu protestantismo foi de “tentar
reconstruir a alma primitiva inconsciente”. 815 E, esta experiência é
809
Id. par. 557
810
JUNG, C. G. – Memórias, Sonhos e Reflexões. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, s/d. p. 185
811
Id. p. 170, 172
812
Id. p. 65
813
Id. p. 48
814
D’AUBIGNÉ, J. h. Merle – História da Reforma do Décimo Sexto Século. Volume I. Nova York, Publicado
pela Sociedade de Tratados Americana, s/d, p. 192
815
JUNG, C. G. – Memórias, Sonhos e Reflexões. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, s/d. p. 300
196
compreendida como: “o caminho para atingir a Deus, isto é, experimentar a
graça de Deus, é cumprir sem restrição à vontade de Deus. 816
Sagradas” 817 , por considerar “suas afirmações como manifestações da alma” 818 . É
como se a Bíblia fosse escrita para o indivíduo e acerca do indivíduo. Como Jung
mesmo disse:
é minha reação subjetiva”. 821 Para exemplificar, podemos citar o caso que Jung
relata acerca de uma “velha esquizofrênica”, que ouvia vozes em toda parte do
comentários que ambos faziam nos “encontros de terapia”. Ele nos conta:
Numa ocasião a voz que vinha do “meio do tórax” dizia-lhe que se tratava da
“voz de Deus”. E, disse-lhe: “nesta deves confiar”, e mesmo surpreendo-me
com a resposta, ajudei-a a compreender o que se passava com ela. A voz
fazia observações muito razoáveis, e certa vez disse: “É preciso que ele te
ouça a respeito da Bíblia”. E, resolvi aceitar a falar a respeito da Bíblia com
ela, e usando a Bíblia da paciente, li vários capítulos, e depois perguntava a
respeito do texto. Estes encontros duraram sete anos, com encontros
quinzenais; no fim dos quais as vozes que antes estavam disseminadas por
todo o corpo, passaram a se concentrar somente no lado esquerdo, deixando
completamente livre o lado direito. Foi um sucesso inesperado, pois não
imaginava que nossa leitura da Bíblia pudesse ter um efeito terapêutico. 822
816
Id. p. 52
817
JUNG, C. G. - Psicologia e Religião. Petrópolis: Editora Vozes, 1990, par. 34
818
JUNG, C. G. – Resposta a Jó. Petrópolis: Editora Vozes, 1986. par. 557
819
JUNG, C. G. – Memórias, Sonhos e Reflexões. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, s/d. p. 302
820
JUNG, C. G. – Resposta a Jó. Petrópolis: Editora Vozes, 1986. par. 559
821
Id. par. 561
822
JUNG, C. G. – Memórias, Sonhos e Reflexões. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, s/d. p. 117
197
O mesmo se deu no caso, anteriormente relatado, da neta do rabino Zaddik, e
Jung vê a “plenitude de vida” como a vida guiada pelo “espírito”, algo que não
o espírito não pairava mais no alto, mas está embaixo, não é mais fogo, mas
se tornou água. Quando o espírito se torna pesado, transforma-se em água e
o intelecto tomado de presunção luciferina usurpa o trono onde reinava o
espírito. O Espírito pode reivindicar legitimamente o “patrias potestas” (o
pátrio poder) sobre a alma; não porém o intelecto nascido da terra, por ser
espada ou martelo do homem e não um criador de mundos espirituais, um pai
da alma. 824
Protestantismo deve se valer daquilo que lhe gerou – sua própria “sombra”. A “má
consciência, que pode ser um dom de Deus, uma verdadeira graça”. 825 Ele acredita
nisso, devido ao conceito que tem de religião, como “sistemas psicoterapêuticos”. 826
diferentes e muito misteriosas”. 828 Por algumas vezes ele se refere a si próprio como
823
Id. p. 127
824
JUNG, C. G. - Psicologia e Religião. Petrópolis: Editora Vozes, 1990, par. 33
825
JUNG, C. G. – Psicologia e Religião. Petrópolis: Editora Vozes, 1990, par. 86
826
JUNG, C. G. – Fundamentos de Psicologia Analítica. Petrópolis: Editora Vozes, 1989, par. 370
827
Id. par. 370
828
JUNG, C. G. – Memórias, Sonhos e Reflexões. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, s/d. p. 33, 34
198
um “indivíduo culpado que queria ser inocente” 829 . Mas, sempre recordando que
diante do conteúdo do seu inconsciente pessoal “não podia faltar à ética” 830 consigo
Esta atitude ética ele próprio exemplifica com sua atitude: “Trata-se de
idéias que palpitam em mim.” 832 Cabe ao protestante, segundo Jung, perguntar-se
de discernir moralmente, está no fato de ser “inconsciente, que não percebe suas
regras e leis exteriores as quais possa ater-se nos momentos de perplexidade” 834 .
829
Id. p. 37, 48, 51
830
Id. p. 171
831
Id. p. 171
832
Id. p. 260
833
Id. p. 285
834
Id. p. 285
199
acessível a todos que se abrem ao Espírito. O Protestantismo esqueceu-se disso e
elegeu a luz da razão por apresentar “regras e leis” que asseguram certa estabilidade
diante das “perplexidades” que o Protestantismo enfrenta em seu viver. Mas, não é
difícil encontrar que os defensores deste sistema, estão conscientes de que nunca
Assim, Jung, retorna sua idéia principal da “má consciência” para reafirmar que só
Deve saber, sem se poupar, a soma de atos vergonhosos e bons de que é capaz,
sem considerar a primeira como ilusório ou a segundo como real. Ambas são
(como obviamente deveria), sem mentir a si mesmo e sem vangloriar-se”. 835 Para
psicologia é vital por ser a ciência da “alma do homem”, que se apresenta como a
835
Id. P. 285-286
836
Id. p. 286
200
sente como relativamente subjugantes ou mesmo onipotentes. Reconhecendo
com precisão que elas não provêm de sua personalidade consciente, o
homem as designa de mana, demônio ou Deus. O conhecimento científico
utiliza o termo “inconsciente”, confessando assim sua ignorância na matéria, o
que é compreensível, uma vez que esse tipo de conhecimento nada pode
saber da psique, porquanto só através dela pode atingir o conhecimento. Eis
porque não é possível discutir ou afirmar a validade da designação de mana,
demônio ou Deus, mas unicamente constatar que o sentimento de algo
estranho ligado à experiência de algo objetivo é autêntico.837
A “plenitude de vida” tem a ver com “vida integrada à existência”. Jung diz:
opressão das consciências” 839 . Para ele isto se deve a “evidente e irrefutável a que
constatação, por partir de um protestante que analisa e critica sua crença, pois
837
Id. p. 290
838
Id. p. 260, 261, 262
839
Id. p. 284
840
Id. p. 284
201
conforme vimos, o Protestantismo contribuiu para o esvaziamento do cristianismo
aprender a conviver com ele, pois ele quer participar da vida” 841 . Mesmo admitindo
que “até a hora atual, ainda é inconcebível como isso será possível, sem maiores
danos”. 842 Jung propõe uma “metanóia”, uma conversão 843 . Talvez por considerar o
exemplo do pai, como um homem que se envolvera “em demasia a fazer o bem” 844 ,
forma excessiva a que se sucumbiu ao bem. Para ele, “nunca devemos sucumbir à
sedução daquilo que é prejudicial” 846 , nem ao bem nem ao mal, mas sim buscar em
bem quanto o mal nos apresenta. Para ele, “conversão” é o processo de “julgamento
841
Id. p. 284
842
Id. p. 284
843
Id. p. 284
844
Id. p. 89
845
Id. p. 284
846
Id. p. 284
847
JUNG. C. G. – Aion: Estudos Sobre o Simbolismo do Si-Mesmo. Petrópolis: Editora Vozes, 1982, par. 114
202
século XVI, e porque o Protestantismo perdeu os ritos, tendo ficado com “uns poucos
comunidade do Livre Espírito e da Pobreza Voluntária 849 . Era, com efeito, uma época
de ideais novas, e em parte inauditas, que se difundiam, por toda parte, nestes
reino dos céus como um estado interior”. Nicolau de Cusa, “definia a divindade como
Böhme, “traçou uma imagem paradoxal de Deus, imagem na qual a natureza divina
possui ambos os aspectos o bom e o mal” 852 ; Basílio Magno (330-379), “não deves
considerar Deus como autor da existência, nem pensar que o mal tem substância
própria; pois nem a maldade existe como ser vivo, nem admitimos que o mal seja
848
Id. par. 277
849
Id. par. 139
850
Id. par. 143
851
Id. par. 355
852
Id. par. 191
203
sua entidade substancial. O mal é uma negação do bem... O mal, portanto, não se
nota, Jung esclarece que “Basílio é de opinião que as trevas do mundo são devidas à
Protestantismo com o Catolicismo, pois chega a sugerir que se pratique uma religião
853
Id. par. 82
854
JUNG, C. G. – Ab-Reação, Análise dos Sonhos, Transferência. Petrópolis: Editora Vozes, 1990, par. 392
204
CONCLUSÃO:
Sagrado.
Tivemos como objetivo maior reunir o maior número possível de textos que
Tendo nascido em berço protestante, Jung teve toda sua formação religiosa
calcada nos princípios desta religiosidade, apesar de perceber que suas experiências
eram diferentes e tornavam-no, em sua opinião, mais próximo das fontes históricas
que deram origem ao Protestantismo, pois percebia em seu pai, teólogo e ministro
205
deveria dar alguma resposta. Parece que Jung transfere tal “destino” a todos os
protestantes, que tal como ele, também, nos encontra sem a proteção dos muros da
como tal não poderia ficar à mercê de forças contrárias e alheias, tais como o
da natureza humana.
por acreditar que as Escrituras Sagradas não têm um “caráter divino”, isto é, não há
das palavras têm em Jung um representante que, lucidamente, aponta seus limites,
às formas que advogam uma fé sem esperança, que provoca vazio e uma perda de
206
Jung é uma pedra rejeitada pelos construtores da casa, pois entrincheirados
movimento que deu sua origem – “a liberdade de espírito que, como sabemos, só é
antes, preferindo e optando, sem perceber que suas raízes históricas não são estas,
855
JUNG, C. G. – Resposta a Jó. Petrópolis: Editora Vozes, 1986. par.754
207
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