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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO

DIRETORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISAS


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

Gabriela Dias de Oliveira Muniz

LUCAS 7.36-50:
A PECADORA QUE MAIS O AMA

São Bernardo do Campo

2020

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Gabriela Dias de Oliveira Muniz

LUCAS 7.36-50:
A PECADORA QUE MAIS O AMA

Dissertação apresentada em
cumprimento parcial às exigências do
Programa de Pós-Graduação em
Ciências da Religião, para obtenção do
grau de Mestre. Orientador: Dr. Paulo
Augusto Nogueira e Dr. Paulo Roberto
Garcia.

São Bernardo do Campo

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FICHA CATALOGRÁFICA

Muniz, Gabriela Dias de Oliveira


Lucas 7, 36-50: a pecadora que mais ama / Gabriela Dias de
Oliveira Muniz -- São Bernardo do Campo, 2020.
M925L 62 p.

Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião) --Diretoria de


Pós-Graduação e Pesquisa, Programa de Pós-Graduação em Ciências
da Religião da Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do
Campo, 2020.
Bibliografia
Orientação de: Paulo Augusto Nogueira.

1. Mulher na Bíblia 2. Bíblia – Mulheres 3. Cristianismo primitivo


4. Prostituição - História I. Título
CDD 225.83054

2020

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Dedicado
Aos amores da minha vida:
Maria Clara, minha filha, que na minha entrada era uma criança e se tornou uma brilhante garota.
Meu companheiro de vida, Tuca Graça, que com paciência e amor fez essa caminhada comigo pari
passu.

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AGRADECIMENTOS

Nesta corrida de 100m, que descobri ser a experiência do mestrado, muitos são os
agradecimentos, pois não acredito que ninguém cruze a linha de chegada sozinho. Corremos com nossas
pernas, mas o caminho até a pista é composto pela ajuda de muitas pessoas.
Começo agradecendo ao universo que, em seu perfeito bailado, me proporcionou a oportunidade
de ter o privilégio de chegar a este momento. Aos meus amigxs Eliz, Kadu, House, Gui e Denilson, que
comigo somaram risadas, pensamentos, reflexões, material bibliográfico, café, muito café, e tantas
outras “maravilhosidades” que precisariam de um capítulo inteiro para dizer. Sem vocês eu não teria
chegado. Aos amigos oraculares Danielle e Silas minha gratidão, e a todos os outros colegas.
Ao meu orientador Paulo Nogueira, que me ajudou a alargar os limites da linguagem e, por
consequência, do meu mundo.
Ao meu coorientador prof. Paulo Garcia, que sempre levou em consideração as minhas
considerações.
Prof. Paulo Barreira, por dividir sua cultura. Prof. Vitor Chaves, por aulas tão estimulantes. Prof.
Márcio Cappeli, por um excelente curso. E aos Profs. Ademar Kaefer e Lauri Wirth que, no momento
mais difícil, acreditaram que eu conseguiria terminar essa jornada. Aos demais professores e professoras
do programa, minha gratidão e a vontade de começar de novo, só para assistir as aulas que não tive
oportunidade. E para toda a equipe da secretaria do programa de pós-graduação que sempre esteve
disponível a ajudar em toda a burocracia. E por último e tão igualmente importante, Roberto Carlos,
que me ajudou nas correções e porque uma pessoa que aprende russo para ler Dostoievski merece todo
o respeito do mundo.
Vou-me encontrada comigo mesma, com o Ser cheio de gratidão.

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A dissertação de mestrado intitulada: LUCAS 7.36-50: A PECADORA QUE MAIS O AMA, elaborada
por Gabriela Dias de Oliveira Muniz, foi apresentada e aprovada em 24 de agosto de 2020, perante
banca examinadora composta por Prof(a). Dr(a). Paulo Roberto Garcia, que apresentou os demais
componentes da banca: I) Prof(a). Dr(a). José Adriano Filho, Examinador(a) Externo(a), Titular do(a)
FUV. II) Prof(a.) Dr(a). Marcelo da Silva Carneiro, Examinador(a) Interno(a), Professor(a) da UMESP.

__________________________________________
Prof. Dr. Paulo Roberto Garcia
Orientador e Presidente da Banca Examinadora

________________________________________
Prof. Dr. Lauri Emilio Wirth
Coordenador do Programa de Pós-Graduação

Programa: Pós-Graduação em Ciências da Religião


Área de Concentração: Linguagens da Religião
Linha de Pesquisa: Literatura e religião no mundo bíblico

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“É preciso tirar com uma colher o que é idêntico na realidade”
Imagens de pensamento sobre o haxixe e outras drogas
Walter Benjamin

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RESUMO

Esta pesquisa tem por objetivo analisar o texto do evangelho de Lucas 7.36-50 como ponto de partida
da busca por mulheres sem nome e sem história, contadas em primeira pessoa, ou seja, aparentemente,
sem narrativa própria, mas que foram participantes e alvo do movimento de Jesus no século I d.C. O
primeiro capítulo se destina a conhecer o texto de Lucas 7.36-50, visando privilegiar o texto a partir das
ações executadas pela mulher na cena: choro que banha os pés, cabelos que secam o choro e beijos que
acompanham a unção derramada sobre os pés de Jesus. O capítulo dois faz um estudo de caso sobre a
sexualidade na cidade arqueológica de Pompeia, com recorte de aspectos da vida de mulheres
prostitutas/prostituídas no Império Romano. O último capítulo volta a revisar o texto do evangelho de
Lucas, lendo-o e ampliando as possibilidades após as novas informações coletadas no capítulo anterior.

Palavras-chave: Mulheres no cristianismo primitivo. Prostituição séc. I d.C. Rede textual do


cristianismo primitivo.

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ABSTRACT

This research aims to analyze the text of the Gospel of Luke 7.36-50 as a starting point of the search for
women with no name and no story told in the first person, that is, apparently, without their own
narrative, but who were participants and target of the movement of Jesus in the 1st century AD. The
first chapter is intended to get to know the text of Luke 7.36-50, aiming to privilege the text based on
the actions performed by the woman on the scene: crying that bathes the feet, hair that dries the crying
and kisses that accompany the anointing shed on the feet of Jesus. Chapter two makes a case study on
sexuality in the archaeological city of Pompeii, with aspects of the life of women prostitutes / prostituted
in the Roman Empire. The last chapter revises the text of the Gospel of Luke, reading it and expanding
the possibilities after the new information collected in the previous chapter.

Keywords: Women in early Christianity. Prostitution in the 1st century AD. Textual network of
primitive Christianity.

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SUMÁRIO
Introdução.........................................................................................................................13
CAPÍTULO I – A PECADORA QUE MAIS O AMA...........................................................19
Evangelho de Lucas.........................................................................................................20
1.1.1. Lucas: tempo espaço…………………………………………………………………............20
1.1.2. Composição………………………………………………………………………………22
1.1.3. Lucas 7.36-50…………………………………………………………………........….…23
1.2 Jesus, o fariseu e os convidados.....................................................................................24
1.3 A pecadora que mais o ama: representante dos 99,5% de Lc 7.36-50............26
1.4. A comunicalogia da mulher....................................................................................27
1.5. O choro que banha os pés, cabelos que secam o choro, beijos e unção………...28
1.5.1 Choro ..........................................................................................................................................29
1.5.2 Cabelos..........................................................................................................................................31
1.5.3 Beijos e unção..............................................................................................................................32
CAPÍTULO 2 - SEXO, PROSTITUIÇÃO E VIDA SOCIAL................................................34
2.1 Sexo apotropaico................................................................................................34
2.2. Sexo, organizador social..................................................................................36
2.3. Sexo dos comuns................................................................................................37
2.4. Prostituição..............................................................................................................39
2.5. Como se parecem as prostitutas............................................................................41
2.6. Joias............................................................................................................................45
2.7. Programmata.............................................................................................................48
CAPÍTULO 3 – Pecadoras evangelistas.........................................................................51
3.1. Mulher de Lc 7: pecadora impura, inominada, estrangeira e financeiramente
independente.................................................................................................................52
3.1.1. Pecadora e impura.....................................................................................................................53
3.1.2. Inominadas...................................................................................................................................54
3.1.3. Independência financeira........................................................................................................56
3.1.4. Estrangeiras..................................................................................................................................57
3.2 Uma construção cultural da pecadora que mais ama.........................................59

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3.3 A mulher de Tiatira....................................................................................................60
CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................................65
REFERÊNCIAS....................................................................................................................72

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"O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001
"This study was financed in part by the Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior - Brasil (CAPES) - Finance Code 001"

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho destina-se a investigar as mulheres inominadas da rede textual do


Cristianismo Primitivo. De forma mais precisa, a mulher de Lucas 7.36-50, conhecida apenas
como uma pecadora da cidade que entra na casa de um fariseu de nome Simão, onde ocorre
uma refeição da qual Jesus participava.

Essas mulheres inominadas e sem histórias contadas em primeira pessoa, são parte
fundamental da recém-constituída sociedade cristã. As evidências internas dos textos apontam
para isso: todas as vezes que Jesus se encontra entre doentes, cobradores de impostos, pessoas
que não tinham nem o pão para o dia, os que eram ditos pecadores, pescadores, prostitutas e
todo tipo de gente que estaria às margens da sociedade, os subalternos. Esses são os que ele
denomina como seus amigos e família. São os primeiros a receber a mensagem das boas novas.

Desta forma, mesmo que através da ficcionalidade das narrativas desses textos, é possível
ver como essa nova sociedade mediou e culturalizou o mundo à sua volta. Como estabeleceu
fronteiras na definição de si e dos outros e desenvolveu um self narrativo próprio, ainda que
este seja um hibridismo de gêneros grego, judaico e outros, tornando essa rede textual
amplamente rica e, assim, expressando sua visão de mundo (cf. NOGUEIRA, 2018, p. 37).

Para isso, esta pesquisa centrou-se no século I desta era, com um foco limitado a pesquisar
parte da vida de mulheres prostitutas e/ou prostituídas no mundo Mediterrâneo. Em parte, pois
a complexidade da vida está para além das suposições possíveis metodologicamente. A parte
abordada aqui é um pequeno recorte da difícil vida escravizada e prostituída de mulheres que
tiveram seus corpos colocados à venda em troca de lucro. O recorte está a serviço de traçar
paralelos entre essas mulheres à margem da sociedade do mundo conhecido da época e de
mulheres à margem da sociedade cristã, que se desenvolvera dentro do mesmo mundo.
Segundo Sarah Pomeroy, há uma tendência nos estudos históricos romanos a descobrir sobre
as classes mais baixas e quais eram os pontos de vista das mulheres pertencentes a esse extrato
(1995, p. 190).

A cidade de Pompeia, localizada aos pés do vulcão Vesúvio, serviu como fonte devido
sua preservação arqueológica e a variedade de estudos dos achados petrificados debaixo da
fuligem e lama expelida pelo vulcão na sua erupção no ano de 79 d.C. Os vestígios das
representações das mulheres encontrados nas paredes escritas, pintadas, ou ainda nos achados

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materiais são modelos de narrativas que podem emprestar vozes às mulheres que não têm suas
histórias contadas em primeira pessoa nos textos cristãos, mas nem por isso estão desprovidas
de narrativa própria.

O primeiro capítulo abarca um panorama do texto escolhido para representar essas


mulheres, que é Lc 7.36-50. Passando rapidamente pelos conceitos de construção desse
evangelho, como: período de composição, possível região de sua confecção, e autoria. Esses
são pontos clássicos de abordagem dos estudiosos e exegetas desse gênero e apesar de muitos
apontarem caminhos semelhantes, esses aspectos não são consenso. Porém esse apanhado,
ainda que sucinto, ajuda a elucidar e localizar um tempo/espaço.

Os personagens da cena são; o anfitrião fariseu de nome Simão, Jesus, a mulher pecadora
que mais ama, os outros convidados com voz em coro, além do narrador de Lucas. Segundo
Bakhtin, o que representa o falante essencialmente social e por tanto, portador de uma ideia é,
seu discurso, sua representação ficcional. Lucas, Simão e Jesus nos apresentam em seus
discursos, uma narrativa da mulher a partir de seus próprios fundos dialogais, lugar onde fica
claro a diferença ideológica de cada participante da cena. Lucas e o fariseu descrevem a mulher
através do pecado, Jesus a reconhece através do amor. A moldura dada pelo interprete é devido
a leitura que cada campo simbólico proporciona. Cada representante do conjunto de ideias a
respeito da pecadora que mais ama, dá a ela adjetivos condizentes com a sua perspectiva de
leitura e assim ela se torna ao mesmo tempo símbolo de impureza e pecados para uns e símbolo
de amor e perdão para outros.

Apesar dos falantes da cena serem Lucas, Simão, Jesus e até mesmo o coro de convidados
através do narrador, nesse trabalho, o personagem central é a Mulher inominada, descrita como
uma pecadora da cidade que vem a casa de Simão sem ser convidada, adentra o local da
comensalidade e derrama seu choro e óleo perfumado, lavando os pés de Jesus, enchendo de
beijos e secando suas lagrimas e perfume com seus próprios cabelos. Porém, a mulher é
completamente desprovida de representação ficcional própria, se levarmos em conta apenas o
discurso narratologico em primeira pessoa. Sendo assim, para que haja um discurso da mulher
é necessário observar a cena além das falas colocadas na boca de cada personagem. Sem nome,
sem texto, mas com ações potentes, é onde consiste em sua primeira pessoa. Suas ações: choro
que banhou os pés, cabelos que secam o choro e beijos acompanhados de unção são sua
narrativa e sua forma de existir.

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Bem, se a comunicologia da mulher está alocada em suas ações, essa tríade deve ser
encontrada posteriormente como eco e características em outras narrativas clássicas, que
encontrada no armazenamento cultural dos atos da pecadora que mais ama. Assim usamos dois
exemplos: Marie, personagem do capítulo 6 de “O Idiota”, de Fiódor Dostoievski, tem sua
história narrada pela personagem principal, chamado Míchkin, que é propositalmente
concebido como um protótipo de Cristo. E a personagem central de Bertolt Brecht no poema
“A lenda da prostituta Evelyn Roe”, que deseja ver a Terra Santa para se encontrar com Jesus.
Ambas são identificadas por características pertencentes a mulher de Lucas 7,36-50.

Também se fez necessário analisar cada uma das ações da pecadora que mais ama, pois
muitas de suas ações podem ter sido geradas na eventividade do encontro. A intensão da mulher
era provavelmente ofertar o bálsamo à Jesus, a forma com que foi feita, devido a quantidade
de choro e o improviso na forma de secar levam a essa ideia. Mas, ainda que não planejado,
seus atos não perderam sua potência, em paralelo estão as ações das personagens de
Dostoievski e Brecht, suportando o lugar de comunicação cultural da personalidade da
pecadora que mais ama.

Elas compartilham um mesmo material genético de um “tipo de mulher”, presente na


imagética simbólica de como mulheres “são ou devem ser”. Esse perfil feminino está
geralmente em classes subalterna. E constantemente classificadas como prostitutas. Por esse
motivo, o capítulo seguinte é dedicado à um close-up da vida dessas mulheres.

O capítulo dois tem por objetivo recortar parte da vida de mulheres prostitutas ou
prostituídas no séc. I desta era. Para isso, a cidade de Pompeia serviu como estudo de caso pela
sua preservação arqueológica que ajudou a contar parte da mentalidade dos viventes
pompeianos que, aparentemente, viam nas relações sexuais atos do cotidiano, tais como dormir,
alimentar-se e trabalhar.

Começamos com uma introdução sobre as formas pelas quais os estudiosos entendem que
esses romanos se orientavam sexualmente. Símbolos falicos como amuletos, cultos a deuses
da fertilidade representado pelo falo, como é o exemplo do deus Priapo que tem sua
representação de um homem com o pênis enormemente desproporcional, e a popularidade de
seu culto em Pompéia está estampado por toda a cidade evocando seu caráter apotropaico.
Segundo Pedro Paulo Funari, as esferas religiosa e sexual estavam interligadas na antiguidade,
e não poderiam se pensadas separadamente. Lourde Feitosa aponta que, o sexo também poderia
ser um regulador social, com regras de penetração dependendo do lugar social que o cidadão

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ocupava. O negócio da prostituição, além de rentável para o senhor da(o) escrava(o), era uma
ferramenta desse regulador sexual social, uma vez que a mulher cidadã além de direitos, tinha
muitos deveres e compromissos para assegurar a linhagem e honra do patriarca do qual ela se
tornaria posse. Aos comuns, os não cidadãos, essas regras já não faziam sentido, pois não havia
lugar social e nem legado a defender. Os grafites e pixos encontrados pela cidade, contam um
pouco do cotidiano dos viventes dessa cidade.

Depois, partimos para três eixos principais de análise: as pinturas pompeianas de relações
sexuais e a forma de retratar a mulher, um pequeno tesouro encontrado com uma possível
escrava sexual e inscrições de propaganda eleitoral que apontam a multiculturalidade das
prostitutas pompeianas, que tinham algum domínio de escrita e uma certa rede de
relacionamentos.

As pinturas de cunho eróticos, de ato sexual e ou representação do pênis e mulheres nuas,


estão estampados por todo o sitio de Pompéia. As de atos sexuais, além de ser encontrados no
famoso Lupanar, também podem ser vistos em casa particulares. Os motivos pelos quais casas
de família tinham representações de atos sexuais, não é um consenso entre os estudiosos, já as
pinturas do Lupanar podem ser lidas como uma espécie de cardápio de posições ou apenas
estimulo visual para o sexo. A escolha das pinturas está a serviço da representação do feminino
e de possíveis possibilidades da leitura da imagem das mulheres retratadas. Nesse sentido
ajudam a pensar a figura social imagética de mulheres destinadas a prostituição ou das que
poderiam ser retratadas em atos sexuais. Paul Veyne propõe questões legais, sociais e literárias
para ajudar na compreensão histórica próxima de um retrato de mulheres cantadas pelos poetas
em suas elegias amorosas.

As representações femininas nas pinturas analisadas nesse trabalho têm em comum o uso
de certo tipo de acessórios como: braceletes, corrente corporais. Tais acessórios foram
encontrados junto e no corpo de uma mulher encontrada em Pompéia, ela usava um bracelete,
além de uma espécie de bolsa com mais algumas joias. E por último, uma reflexão sobre as
“programmatas," dentre elas, algumas foram escritas por mulheres, inclusive algumas dessas
foram escritas por prostitutas e algumas delas estrangeiras e que talvez fossem bilingues.

Além da evidência interna do tipo de pessoas a receber primeiro as boas novas e portanto,
serem as primeiras a propaga-las, nos levaram ao recorte da vida das prostitutas/prostituídas de
Pompeia. Mulheres que viajavam com um mestre e tantos outros discípulos homens de cidade
em cidade deveriam ser mulheres que não estão submissas a nenhuma hierarquia patriarcal,

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seja romana, seja judaica. Assim, o último capítulo volta ao texto central de Lc 7.36-50, mas
trazendo junto as informações colhidas no capítulo dois. Segundo Mikhail Bakhtin, novos
elementos de analise não mudam a estrutura formal da obra, o leitor-intérprete não a modifica
como produto estético; o que ele acrescenta são os novos sentidos que nela descobre à luz das
conquistas de sua época.

As informações sobre o recorte da vida das prostitutas/prostituídas de Pompeia, sugere o


contorno de mulheres libertas e ex-escravas, que continuaram se mantendo através dos seus
ganhos com a venda de seus corpos, além de vantagens e troca de favores obtidos pela
perspicácia no trato social adquirida devido as necessidades de sobrevivência. Essas pontes
entre os limites dos contornos que as mulheres pompeianas apontaram através de suas imagens
pintadas, da amostra de joias usadas e de amostras de textos em primeira pessoa, visa fazer um
paradoxo provável de possíveis características comuns às mulheres que acompanharam Jesus
em seus dias e as possibilidades de destino dessas mulheres, além da tentativa de vê-las nas
entrelinhas das narrativas dos textos, uma vez que elas continuam às margens das recém-
criadas estruturas cristãs.

Categorias foram criadas para ajudar a contornar a representante dessas dessas mulheres:
pecadora que mais ama, inominada, estrangeira e financeiramente independente. Elas estão em
paridade com características que podem ser lidas nas entre linhas das ações da pecadora que
mais ama e na narrativa sobre ela, criando assim um paralelismo entre a personagem de Lucas
7 e essas personagens que deixaram seus vestígios por Pompéia. Esses é o conjunto simbólico
escolhido pelo autor para narrar sobre a mulher de Lc 7, pecadora, sem nome, sem origem
determinada. E é nessa intersecção onde repousa os contornos da sua identidade.

Esses atributos listados acima, analisados individualmente, mas lidas em conjunto


apontam para uma possível figura de quem seriam essas mulheres inominadas, que serviam
Jesus com suas próprias posses, que tinham liberdade de viajar com homens que não eram nem
seus pais e nem maridos e que possivelmente, devido essas características, eram estrangeiras
na palestina.

A busca é encontrar os caminhos que levaram essas mulheres, aparentemente tão presentes
na caminhada de Jesus, a serem tão silenciadas. A quem ameaçava sua aparente independência
financeira, sua desenvoltura e traquejo social, seu capital cultural adquirido através do acesso
da pluralidade de mundos a qual eram expostas? Para onde levaram as boas novas depois que
seu messias foi crucificado? Um caminho apontado aqui é uma proposta de leitura do texto

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Apocalipse 2, 18-29, com foco na identidade da mulher descrita na carta a igreja oriental de
Tiatira. Ainda que esse texto esteja localizado em um Mediterrâneo oposto ao Mediterrâneo da
confecção do evangelho de Lucas, o cristianismo se estruturou com a mesma estrutura de
ensino de seu mestre peripatético. E devido aos atributos que surgiram no encontro da Pecadora
que mais Ama e da pompeianas, sugerimos que essas mulheres podem ter migrado, seguindo
a rota de conquista do império romano até chegar no império Mediterrâneo oriental. A religião
do Ide.

Não é pretendido, assim, romantizar a vida dura e curta da maioria das escravizadas da
prostituição, mas destacar uma parcela de mulheres que fizeram parte integrante e que
provavelmente ajudaram a disseminar o cristianismo no mundo mediterrâneo, porém, não
tiveram seus nomes contados nos textos que fizerem a mediação de mundo dessa nova
cosmovisão.

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CAPÍTULO 1

A PECADORA QUE MAIS O AMA

Os textos gerados pelos antigos cristãos podem ser lidos doutrinariamente, como textos
que buscam verdades últimas e acabadas, ou que fundamentam a fé comum de um grupo de
pessoas, ou ainda como textos que ajudam a ver parte da cultura de uma época. Todas essas
perspectivas criam um padrão de significado. Nas palavras Clifford Geertz: “É transmitido
historicamente, incorporado em símbolos, por meio das quais os homens comunicam,
perpetuam e desenvolvem e compartilham seu conhecimento” (GEERTZ, 2017, p. 66).

Na visão do linguista Mikhail Bakhtin, “a cultura de uma época, por maior que seja seu
distanciamento temporal em relação a nós, também não pode ser fechada em si mesma como
algo pronto, plenamente acabado, que se foi para sempre, como algo morto” (BAKHTIN,
2017, p. 16).

A atemporalidade desses textos está na narrativa ficcionada que fazem através da


linguagem e nos ecos que essa ganha no acúmulo de sentidos nos séculos subsequentes,
fazendo mediação entre as experiências vividas, percepções de mundo e como são expressas.
De acordo com Paulo Nogueira:

O ser humano apreende o mundo, o constrói como um espaço humano plausível, onde ele
pode conviver com as assimetrias constitutivas da existência, por meio da linguagem e cultura.
Nessa perspectiva não habitamos no mundo concreto, mas sim no mundo mediado pelas redes
verbais e cognitivas (NOGUEIRA, 2015, p. 137).

Ainda segundo o mesmo autor, “o cristianismo primitivo criou uma intensa rede textual,
que transmite a história cultural das pessoas comuns, que aderiram ao cristianismo e
estruturaram sua relação com o mundo e com o sagrado” (NOGUEIRA, 2018, p. 37).

Ao ler os textos dos antigos cristãos, como uma forma de acessar as representações de seu
universo social e a forma com a qual eles estruturaram e dialogaram com o seu mundo, o
cristianismo primitivo torna-se parte constituinte da cultura de seu tempo e que, assim sendo,
exerce grande e forte eco na formação da sociedade ocidental.

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Para serem lidos como cultura de uma época, ajudaram a acumular unidades de visão e
sentidos de determinadas formas de classificação e assimilação de mundo. Desta forma, são
textos que, ao entrar em contato com outras culturas, devem ou deveriam gerar novos sentidos,
pois só assim o seu caráter de transmissor de valores culturais pode ser dado. Essa mediação
se dá através de combinações e seleções, na mescla da circularidade de diferentes formas de
intermediação com mundo. Essas fronteiras são portas de entrada dos sistemas de cultura e o
lugar onde se relacionam.

Ainda que este sistema simbólico se dê arbitrariamente, Nogueira lista três eixos
fundamentais de análise para a cultura popular do cristianismo primitivo, que são: a) práticas
mágicas, que são consideradas populares por excelência; b) espaços domésticos, observados
em suas articulações internas e nos conflitos com outros extratos sociais; c) modos de narrar,
lugar de criação e disseminação das narrativas (NOGUEIRA, 2018, p. 62).

1.1. Evangelho de Lucas

O evangelho de Lucas é um importante e fundamental documento para a pesquisa do


Cristianismo Primitivo (CP). Joseph A. Fitzmyer acredita que o evangelho reúne informações
suficientes para ser lido simultaneamente a Plutarco, Políbio, Flávio Josefo e Tácito
(FITZMYER, 1986, p. 41). Na versão do testamento de três dos principais Pais da Igreja,
Marcião, Justino e Irineu, ainda que cada um defenda visões teológicas diferentes, o evangelho
de Lucas constava nas composições reconhecidas por eles (KÖSTER, 1988, p. 506).

Contudo, não se pretende dizer que os textos canônicos dos primeiros cristãos são
documentos fidedignos dos acontecimentos de historicidade do CP, tampouco que os textos
não são capazes de comunicar aspectos da vivência social dessas comunidades nascentes,
mesmo que sejam textos construtores de imaginários apocalípticos, viagens infernais ou terras
onde existam animais falantes. Os textos do Novo Testamento, segundo Paulo Nogueira

não são uma coleção de escritos mais verdadeiros ou mais autorizados para o estudo
exegético e histórico-religioso de cristianismo primitivo, mas como textos de muita
antiguidade, que gozaram de prestígio (medido pela transmissão textual) entre as
comunidades e que, a posteriori, foram combinados e transmitidos como um corpo
canônico (NOGUEIRA, 2018, p. 35).

1.1.1. Lucas: tempo e espaço

Segundo os primeiros versículos do texto de Lucas, sua escrita é fruto de encomenda


de um homem chamado Teófilo, que o autor do evangelho chama de “excelentíssimo”. De

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acordo com o também canônico Atos dos Apóstolos, ele seria a primeira parte dessa encomenda
e, provavelmente, esses textos circulavam juntos na Antiguidade. Aliado a isso há, em algumas
das cartas paulinas, o comentário sobre um companheiro de viagem chamado Lucas. Esses são
alguns dos motivos que levam a tradição eclesial a atribuir o texto a ele. Irineu se refere a Lucas
como inseparável companheiro de viagem do apóstolo Paulo. Tertuliano, em sua obra “Contra
Marcião”, faz distinção entre evangelhos escritos por apóstolos e que Lucas era discípulo de
Paulo, que o inspirou (FITZMYER, 1986, p. 76-78). De acordo com Joe B. Green, “porque o
evangelho é anônimo e porque nós não sabemos quase nada sobre Lucas, o qual Paulo escreve
(Cl. 4,14; 2 Tm. 4,11), as informações sobre o autor chegam a nós pela tradição e evidências
internas da narrativa” (GREEN, 2003, p. 18).

As reflexões de Fitzmyer alertam para uma série de problemas em assumir Lucas como
esta figura histórica que escreveu o terceiro evangelho e Atos dos apóstolos, o qual ele trata
com mais abrangência em seu comentário sobre Lucas.

O texto do evangelho situa seu leitor, a partir de Lc 4.14, na Galileia e sua trajetória
narratológica conta apenas uma viagem à Jerusalém, a partir de Lc 9.51, que finda na paixão
do Cristo. Parece ser consenso entre os estudiosos e comentarista de Lucas que a redação do
texto tenha acontecido no Mediterrâneo. O que não é consenso é em qual parte isso tenha
ocorrido.

Fitzmyer relata a falta de conhecimento geográfico da Palestina e dos costumes locais do


evangelista e que, independentemente de autoria, quem está narrando esta história o faz não
como testemunha ocular, mas a distância (FITZMYER, 1986, p. 76-78). O próprio texto se
encarrega de contá-lo: o autor relata que não é o primeiro a escrever um evangelho e se vale
dos outrora já escritos, juntamente com o que ele investigou com exatidão e agora conta de
forma ordenada. Segundo Fitzmyer, essa é uma das principais questões que atestam que Lucas
não está na Palestina no período da escrita (FITZMYER, 1986, p. 76-78).

Para B. Green, essa questão deve privilegiar três categorias. Cotexto: referente ao período
da linguagem que Lucas usa na redação; intertexto: localizar onde e a quantidade de outras
fontes em Lucas; contexto: que se refere à realidade sócio-histórica do texto (GREEN, 2003,
p. 13-14).

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1.1.2. Composição

Na perspectiva de John Drury (1997, p. 449), Lucas goza de autossuficiência literária, que
ele atribui à visão a distância de Lucas e, assim, às muitas vozes que ele incorpora em sua
“certeza, completa e definitiva” daqueles eventos. Para Drury, trata-se de algo novo na feitura
de evangelhos. Ele também diz que a linguagem lucana imita a tradução grega do Antigo
Testamento, a Septuaginta, e que a escrita está repleta da forma da poesia judaica. De outro
lado, Green (2003, p. 2) lista alguns fatores que aproximam a escrita do Evangelho de Lucas
às narrativas greco-romanas: o uso das cenas de refeições como ocasião para instrução,
narrativas de viagens, discursos e episódios dramáticos.

Walter Liefeld levanta cinco possibilidades acerca da escrita de Lucas:

1) Lucas era Judeu; 2) ele era não judeu, mas tinha entendimento do pensamento
semita; 3) ele era grego e teria adotado inconscientemente o estilo da Septuaginta; 4)
ele é afetado pelo estilo semítico para dar mais genuidade ao seu trabalho; 5) nesse
período ele usou sua pesquisa da tradição para voltar a um semita original (LIEFELD,
1984, p. 803).

Fitzmyer acha evidente que, para compor sua narrativa evangélica, Lucas utilizou antigas
tradições orais e escritas, em alguns casos ele foi dependente de Marcos e outras tantas fontes
particulares. Em sua leitura, “o valor histórico de suas parábolas e dos atos atribuídos a Jesus
terá que ser julgado segundo a fiabilidade histórica de suas fontes, mas sem esquecer os
retoques redacionais do próprio autor” (FITZMYER, 1986, p. 43), mas que sempre é um
trabalho difícil saber o que pertence a Lucas.

Bem equilibrado nesta questão, José Tolentino Mendonça conclui que o horizonte
sinóptico de Lucas, portanto, o paralelismo e dependência redacionais de Marcos e Mateus
relativizam essa origem. Para ele, o texto lucano está situado entre os dois mundos, o helênico
e o mundo hebraico bíblico. “Sendo atravessado por essas tipologias, porém, sem deixar
ofuscar a sua originalidade” (TOLENTINO, 2004, p. 80).

Nogueira parece mediar melhor esta questão, acreditando que a intensa rede textual criada
pelo CP

O fez em torno a gêneros híbridos, adaptados dos gêneros helenísticos (como a novela
grega, a biografia antiga ou a história romanceada) e de gêneros judaicos (apocalipse,
midraxes, coleções de ditos proféticos) e organizados em gêneros literários de
fronteira, com os quais expressam sua visão de mundo (NOGUEIRA, 2018, p. 37) .

22
Muitos já são os trabalhos relacionados às questões do tipo literário, data, autoria do texto,
criticas textuais, teologia etc., contudo, este não é nosso objeto. Acima, revisamos,
superficialmente, algumas dessas questões. Essas informações têm relevância, no nosso
contexto, apenas à medida que nos ajude a localizar tempo, forma de expressar e como se
davam as relações com o universo ao redor do texto do evangelho de Lucas. Esta rede textual
faz parte de um processo de construção identitária de um grupo de pessoas comuns que,
segundo Robert Knapp, eram 99,5% da população, os invisibilizados, viventes no Império
Romano (KNAPP, 2011, p. 9).

1.1.3. Lucas 7.36-50

Segundo Tolentino, o episódio de Lc 7.36-50 é um dos mais árduos e importantes do


terceiro Evangelho e tem sido, ao longo dos tempos, objeto de contínua atenção crítica
(TOLENTINO, 2004, p. 13).

O cenário pintado pela narrativa de Lucas é a casa de um fariseu de nome Simão, o qual
convida Jesus para comer. Certa mulher, conhecida naquela cidade como pecadora, vem até a
casa com um frasco de alabastro com perfume, entra, chorando, e se coloca atrás de Jesus,
banha seus pés com lágrimas e seca com os cabelos, beijando-os e ungindo-os com perfume.
Vendo isso, o fariseu diz consigo que Jesus não poderia ser um profeta, caso contrário, não se
deixaria ser tocado por essa mulher. A isso Jesus responde com uma parábola sobre o perdão:
a quem mais se perdoa, ama-se mais. Com isto, esta mulher, que antes era conhecida como
uma pecadora da cidade, torna-se a que mais o ama. Despede-a, perdoada de seus pecados e
em paz. Todos os convidados do fariseu perguntam-se quem é este que até pecados perdoa.

Esse episódio fecha o bloco de Lc 7 e antecede a lista em Lc. 8.2-4, de mulheres que
serviam a Jesus a partir de suas próprias posses. O que precede este episódio é uma evidência
interna de importante destaque, o v. 34, em que é colocado pelo escritor na boca de Jesus a
declaração sobre si: “Eis um comilão e um bêbado, amigo de cobradores de impostos e de
pecadores” (Lc 8.4).

Este relato encontra paralelo nos sinópticos de Mt 26.6-13 e Mc 14.3-9 e também no texto
de Jo 12.3-8. Nas duas primeiras narrativas, a mulher também não tem nome, mas não há nada
que a adjetive ou a personifique, como no caso da pecadora. Já em João, não só a mulher é
nomeada, como sabemos sua origem: ela é Maria, irmã de Marta e Lázaro, o morto
ressuscitado, de Betânia. Em Marcos e Mateus, a unção é na cabeça de Jesus, diferindo das
unções de Lucas e João, que foram derramadas aos pés de Jesus. Em ambas as narrativas os

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pés são secos pelo cabelo da autora da ação. Nos dois primeiros sinópticos e em João, a
repreensão pelo ato de derramar o óleo perfumado em Jesus vem de seus discípulos. Marcos e
Mateus escolhem contar esta passagem, próxima da paixão, que transforma Jesus em Cristo,
como parte da jornada de seu reino e sacerdócio.

As quatro cenas trazem em comum, além da unção, o momento de estar à mesa. As


refeições são, em muitas culturas antigas, momentos fundamentais de relacionamento e
pertença. Tolentino diz que “o convívio em volta da mesa revela a imagem de como se processa
a vida” (TOLENTINO, 2004, p. 68). Na parábola que Jesus usa para o ensino durante a refeição
está contida esta ideia. Sentados à mesa ou atrás dela, os retratos sociais são pintados.

1.2. Jesus, o fariseu e os convidados

Segundo Mikhail Bakhtin, para haver discurso é necessário quem produza e transmita um
discurso próprio, que produza linguagem. Como vimos, a rede textual do cristianismo primitivo
é linguagem, é produção do discurso de uma cultura.

Para Bakhtin, três pontos são fundamentais na construção da linguagem, quando falamos
de ficção: “1) o falante e sua palavra são objeto de representação verbalizada e ficcional; 2) o
falante é um ser essencialmente social e seu discurso é sua linguagem social; 3) o falante é
sempre um ideólogo, e sua palavra é um ideologema” (BAKHTIN, 2015, p. 124).

O autor de Lucas é quem primeiro nos apresenta a pecadora. Esta é a primeira informação
a seu respeito e vai de encontro à narrativa que o fariseu faz a respeito dela. Não é apresentado
o pecado pelo qual ela é constantemente sentenciada. Tolentino diz ser espantosa a forma
inesperada com a qual o narrador apresenta a mulher como uma pecadora. Ele destaca que
Lucas não caracteriza moralmente outros personagens (TOLENTINO, 2004, p. 92). Entretanto,
a obra de José Tolentino aborda a personagem dessa mulher quase como um objeto literário.
Dos atos encenados pela mulher, apenas o ato de ungir ganha contorno em sua escrita. O autor
está preocupado, como diz o título de sua publicação, com a construção de Jesus.

Se o texto acabasse no ponto em que o fariseu repreende mentalmente Jesus, esse seria
o universo de representação da mulher, uma pecadora. Raramente olha-se para este texto e para
a mulher fora da estrutura da condenação descrita por Lucas e pelo fariseu. Ela é lida,
geralmente, em um contexto que emoldura e cria uma grande influência na transmissão do
discurso sobre a mulher: a pecadora em busca de perdão.

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As traduções para o português do título desta história nos dão uma ideia dessa leitura.
“Jesus é Ungido por uma pecadora” (NVI), “A pecadora que ungiu os pés de Jesus” (ARA e
ARC). A versão da NTLH traduz: “Jesus na casa de Simão, o fariseu”. Já a tradução do grego,
de Frederico Loureço editada pela Cia. Das letras, traz o título: “A pecadora arrependida”.
Todas essas traduções possuem a mesma leitura sobre essa mulher, não consideram a
possibilidade de títulos como: “Aquela a quem mais ama a Jesus” ou “A mulher mais perdoada
que o fariseu”? Como diz Bakhtin: “por meio da influência contextual é particularmente fácil
aumentar o grau de objetificação do discurso do outro e provocar reações dialógicas ligadas a
essa objetificação; assim, é muito fácil tornar cômico o mais sério enunciado” (BAKHTIN,
2017, p. 133).

A interferência de Jesus, nesse cenário, a partir de suas falas, introduz outro fundo
dialogante sobre as ações desta mulher. De acordo com Jesus, ela passa da representação de
pecadora para aquela que mais o ama. Além de mudar o papel da mulher na narrativa, Jesus
também coloca o fariseu na posição de pecador. Ao usar a parábola como metáfora de
equiparação entre os atos da mulher e do fariseu, este último ganhara o status de tão pecador
quanto à mulher. Na parábola, os dois são devedores e, de acordo com o texto, apenas a mulher
é perdoada. Não há menção explícita de perdão ao fariseu, apenas na historieta é citado que os
dois devedores foram salvos da dívida. Também há a pergunta dos convivas do jantar no v.49:
“Quem é este que até pecados perdoa?”, na sequência da fala de Jesus à mulher, no v.48: “Os
teus pecados estão perdoados”.

Jesus devolve a mulher ao pertencimento da comunidade. Se o problema é ser uma


pecadora da cidade, não há mais problemas. Assim como ele fez no capítulo 6, onde ele resolve
o problema da mulher da cidade de Naim. Além de viúva, ela acaba de perder o único filho.
Ao ressuscitar seu filho no caminho do enterro, Jesus devolve a vida, não só ao rapaz, mas
também à viúva. Lucas mostra o Jesus intermediador, relacionável, o Messias.

Como discurso social da linguagem de Lucas/fariseu e de Jesus, a mulher demonstra a


diferença de universos ao qual cada ideólogo pertence. Cada um a transforma em um objeto de
representação, ou, nas palavras de Charles Pierce:

Um signo é aquilo que, sob certo aspecto ou modo, representa algo para alguém.
Dirige-se a alguém, isto é, cria, na mente dessa pessoa, um signo equivalente... O
signo representa alguma coisa, seu objeto. Representa esse objeto não em todos seus
aspectos, mas com referência a um tipo de ideia (PIERCE, 2017, p. 46).

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A mulher não deixa de ser uma coisa e passa a ser outra. Os dois universos de
representação sobre ela, apresentados nas perspectivas dos falantes, coexistem na mesma
realidade do texto de Lucas. A falta do seu próprio discurso a mantém como pecadora e amante
ao mesmo tempo.

1.3. A pecadora que mais o ama: representante dos 99,5% em Lc 7.36-50

Como mencionado anteriormente, a população do Império Romano no sec. 1 E.C. era


formada por 99,5 % de subalternos, que Knapp (1986, p. 43) divide em homens e mulheres
comuns, escravos, libertos, soldados, prostitutas, gladiadores, piratas e bandidos.

Sendo assim, ler os textos dos primeiros cristãos a partir das informações que nos
chegaram do 0,5% da elite é deixar 99,5 % de fora da análise da cultura desse período. Paulo
Nogueira afirma:

Repetindo a perspectiva da historiografia tradicional, a exegese neotestamentária segue


interpretando a história do cristianismo no primeiro e segundo séculos a partir de relatos das
fontes das elites, na discussão com o sistema jurídico romano, com as políticas religiosas do
poder imperial, com medidas administrativas e como elas afetam as populações no império e o
desenvolvimento do cristianismo (NOGUEIRA, 2018, p. 56).

O v. 44 destaca a pergunta: “Vês essa mulher?”, em oposição ao anfitrião fariseu que


ocupa, com seus convivas, destaque e visibilidade social, lugar em que, geralmente, é o ponto
de partida para análise desses documentos.

Essa mulher seria invisível se não fosse por suas ações, que levam Jesus a apontá-la. “Vês
essa mulher” é chamar a atenção para a camada, ainda que a extrema maioria, de “ninguéns”,
de sem nomes, da qual o próprio Lucas destaca que eram por essas pessoas a preferência de
Jesus. É necessário chamar a atenção, pois, ainda que na cena ela seja o “objeto” usado para o
ensinamento, ela não é vista, existindo a necessidade de lembrar sua humanidade. É através do
estudo das figuras subalternas do texto que se pode conhecer melhor a cultura dos primeiros
cristãos. Ainda Nogueira alerta que “a produção cultural da elite não detém a palavra final, que
sujeitos das classes baixas têm algo a dizer, mesmo que nos deslocamentos de leitura, em seus
processos de deformação” (NOGUEIRA, 2018, p. 56).

Se, para Bakhtin, a constituição do ser essencialmente social se dá no falante, que deve
fazer uso do discurso como linguagem (BAKHTIN, 2017, p. 124), o que podemos dizer desta
figura feminina, tão persistente em aparecer nos textos do cristianismo, dessas que não têm

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discurso próprio? Ainda que desprovidas de fala, elas podem produzir linguagem? Conseguem
produzir campos simbólicos carregados de sentidos e de comunicação?

Ross Kraemer, em “Unreliable Witnesses”, salienta a dificuldade de falar de mulheres no


texto bíblico, tendo em vista a falta de narrativas em primeira pessoa do feminino (KRAEMER,
2011, p. 6). Devido às abordagens dos textos religiosos terem um olhar heteronormativo
masculino, e que essas leituras normalizam passagens que, talvez, teriam mais a nos contar
sobre a cultura a qual retratam, ela argumenta a necessidade de mais abordagens a partir de
figuras femininas e realizadas por mulheres.

Assim, ao ler a mulher que mais o ama neste espectro, criam-se outras possibilidades
interpretativas de suas ações. Desta forma, buscar aquilo que se pode interpretar como a
narrativa da mulher sobre si. Esta abordagem, de ouvir o que diz cada uma de suas ações,
permitirá saber um pouco mais sobre a representação dos invisibilizados do CP.

1.4. A comunicologia da mulher

Segundo o filósofo da ciência e teoria da comunicação Vilém Flusser, a comunicologia é


diretamente responsável pela construção da cultura. É a infraestrutura da sociedade e da cultura.

Comunicologia é a teoria da comunicação humana, aquele processo graças ao qual


informações adquiridas são armazenadas, processadas e transmitidas. A cultura é
aquele dispositivo graças ao qual as informações adquiridas são armazenadas para
que possam ser acessadas (FLUSSER, 2015, p. 45).

Quem adquire e deposita essas informações na cultura são os seres humanos, que legam
essas informações através do que Flusser chama de “Estruturas de memória. É uma análise das
chamadas memórias ou suporte de memória” (FLUSSER, 2015, p. 45). O exemplo dele
consiste na relação do homo erectus robustus e a experiência de transformar, por exemplo,
pedras em um objeto. Essa ação é uma informação gerada, adquirida, armazenada, processada
e transmitida, uma vez que outros homo erectus robustus irão, a partir desse primeiro, executar
esta ação, acessar esta informação e poderão reproduzir. A informação gerada que a pedra pode
ser outro objeto, um tipo de faca, por exemplo, é uma comunicação.

Este sistema de depositar a informação, para que outros acessem, pressupõe certa
universalidade da ação. Para se tornar linguagem e, consequentemente, cultura, é necessária a
repetição e reprodução de tal ato para que haja significação e aplicação. Segundo Peirce (2017,
p. 147), são esses casos que as mantêm válidas.

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Assim, as ações geradas por humanos, ainda que desprovidas de fala, podem ser a forma
com a qual se transmite e culturaliza os campos simbólicos de representações sociais. Diante
disso, o choro da mulher, que banha os pés de Jesus, e o ato de secá-los com os cabelos, e os
beijos, podem ser a comunicologia dessa mulher, na cultura, sobre si, uma vez que o intuito,
dito pelo texto, era ungir os pés de Jesus, ou seja, a forma pela qual ela deposita informações
do seu pertencimento na cultura.

São as ações que ela apresenta que são colocadas em justa oposição às do fariseu. É através
de seus atos que Lucas descreve a interpretação de Jesus a respeito de quem ela é, e de quem é
o fariseu. Não pelos seus títulos reforçados socialmente, mas naquilo que não é dito e sim feito.

1.5. Choro que banha os pés, cabelos que secam o choro, beijos e unção

Sendo os textos do CP forma de expressão, comunicação e parte de uma cultura, seu caráter
cultural pode ser dado tanto a partir da pluralidade de sua disseminação em obras descendentes
de si quanto nos ecos desta busca como fonte para sua formação. Como diz Bakhtin: “Uma
obra remonta com suas raízes a um passado distante. As grandes obras da literatura são
preparadas por séculos; na época de sua criação colhem-se apenas os frutos maduros do longo
e complexo processo de amadurecimento” (BAKHTIN, 2017, p. 13).

Esses frutos e raízes são acúmulos das narrativas contadas da formação cultural da
humanidade. A tríade que identifica a mulher de Lucas 7: choro, cabelos e beijos é encontrada,
particularmente, em duas obras de dois notáveis escritores. Marie, personagem do capítulo 6
de “O Idiota”, de Fiódor Dostoievski, tem sua história narrada pela personagem principal,
chamado Míchkin, que é propositalmente concebido como um protótipo de Cristo. E a
personagem central de Bertolt Brecht no poema “A lenda da prostituta Evelyn Roe”, que deseja
ver a Terra Santa para se encontrar com Jesus. Ambas são identificadas por essas
características.

Assim como a mulher de Lucas 7.36-50, o que sabemos sobre Marie nos é intermediado
por Michikin, pelo o que ele viveu com ela, a narrativa que ele conta e o que os outros tinham
sobre ela. Evelyn Roe fala, porém, a sua única fala é relacionada ao seu desejo de chegar à
Terra Santa. Todo o resto a seu respeito é construído pela narrativa do autor e dos outros
personagens.

Marie é descrita como uma jovem fraca, magra e tuberculosa há tempos, que fazia
trabalhos braçais pesados e que foi seduzida e abandonada por um amanuense francês,

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ocasionando a desonra. Assim como no evangelho, temos as vozes que constituem a figura de
Marie como uma pecadora. Ela era cuspida e ouvia toda sorte de indecências, uma vez que os
homens nem a consideravam como mulher. Para a própria mãe, as mulheres da vila e a
liderança religiosa, ela é apenas uma pecadora desonrada. Não há nela dignidade nem para que
lhe seja dado o resto de pão e queijo da refeição do pastor, do qual ela apascentava o rebanho.
É Michikin, o Cristo Dostoievskiano, que não a considerava culpada de coisa nenhuma. Para
ele e as crianças da vila, Marie é uma pessoa a quem é dado o amor.

Já Evelyn Roe, com a chegada da primavera, entra em uma embarcação com a intenção de
ir à Terra Santa. Não tendo como pagar pela viagem, troca seu corpo como pagamento, uma
vez que, nas palavras do capitão, o Senhor não poderia fazer o pagamento por ela, uma vez que
ele está morto na cruz. Ela é descrita, no começo da viagem, com um belo vestido e um cabelo
generoso. No fim de sua saga, depois de ter saciado toda a tripulação, quando ninguém mais a
vê, Evelyn Roe abandona-se ao mar. Ela não é recebida no céu por São Pedro, que alega não
querer ali a prostituta Evelyn Roe e tampouco é recebida pelo Diabo no inferno, uma vez que
ele não quer ali a beata Evelyn Roe.

1.5.1. Choro

É a primeira forma de comunicação humana e talvez a mais primitiva, sendo a única


mediação com o mundo por alguns meses de vida. Desde os primeiros escritos de sabedoria até
a psicanalise e medicina atuais, choro, lágrimas e o que acontece neste processo são alvo de
investigação. Plinio o Velho, no seu sétimo volume da coletânea “História Natural”, intitulado
“Homem”, comenta que “de mãos e pés tão frágeis e choro alto está destinado a dominar a
natureza e que lágrimas são atributos exclusivamente humanos desde que ele entra na
existência” (PLÍNIO, 2010).

No registro mais antigo encontrado da humanidade também há relatos de choro e lágrimas.


“A Epopeia de Gilgamesh, ele que o abismo viu”, traduzida por Jacyntho Lins Brandão e
publicada em português pela Ed. Autêntica, narra sobre o quinto rei de Úruk, que reinou por
volta do séc. XXVII a.C. A tabuinha 8 conta como Gilgamesh chora e lamenta longamente a
morte de seu amigo EnKídu. No texto bíblico do evangelho de João há o ato de chorar e
lamentar pela morte do amigo Lázaro, semelhante a Gilgamesh, com Jesus como protagonista
e foi popularizado pelo poeta Mano Bronw, na composição intitulada “Jesus Chorou”, da obra
“Nada como um dia após o outro dia”, lançada em 2002.

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O ato de chorar depende de vários fatores biológicos, mas também de tantos outros
componentes, tais como: grupo étnico, status social, situação hormonal, gênero e limiar
individual (CAPPS et al., 2013).

O fenômeno biológico envolvido na produção de lágrimas, nas contrações faciais e,


às vezes, nos ruídos audíveis é um reflexo psicogênico, resultante da interação entre
as áreas límbicas do cérebro que regulam a experiência consciente das emoções
internas e das respostas fisiológicas (WIDMAIER; RAFF; STRANG, 2011, p. 189-
197).

O diálogo entre emoção e fisiologia humana leva à redução de excitação, liberação de


certos opioides endógenos, os quais podem ter um efeito sedativo, redução da dor e diminuição
da produção de cortisol, promovendo a recuperação do balanço homeostático no corpo. Essas
lágrimas são aquelas produzidas em resposta às emoções. Elas contêm hormônios, entre os
quais prolactina e serotonina, que também são secretados por outros órgãos como uma resposta
e alívio ao estresse (VINGERHOETS; SCHIERS, 2001, p. 227-246).

O choro da mulher pecadora amante, de Lucas 7, produziu lágrimas suficientes, descritas


pelo texto, para lavar os pés de Jesus no lugar da água para purificação, a qual o fariseu não
ofertou em sua chegada. Esta quantidade de lágrimas, segundo a referência acima, está ligada
ao alívio de um nível alto de estresse. Uma variedade de fatores dados na narrativa pode
desencadear tal situação: a) a mulher entra em um ambiente claramente hostil à sua presença;
b) ela está diante de um “homem”, o qual, versos antes, havia ressuscitado um jovem; c) sua
intenção de ofertar unção demonstra algum tipo de gratidão ou adoração, principalmente se
lido em paralelo ao texto de João 12, em que é Maria, irmã de Lázaro e Marta, quem unge Jesus
e seu ato é tido como preparatório para sua morte.

Marie também chora. Seu choro geralmente está ligado à tristeza da situação a qual ela
vivia em seu vilarejo, à situação de pecadora. Ela também chora aos encontros com seu
“salvador” e com as crianças que, em dado momento da narrativa, se afeiçoam a ela de tal
forma que são elas as primeiras a cuidar de Marie quando ela cai de cama pouco antes de sua
morte. Sua tristeza e choro são marcas da sua existência. Evelyn Roe chora em apenas um
momento. Depois de ser “amada”, ela se alimentava e o alimento descrito por Brecht era pão e
vinho, os mesmos alimentos da eucaristia cristã. Seu choro é derramado ao redor da mesa.
Choro é “eventividade”, momento que comunica emoção pungente, sem escolhas do que não
dizer.

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1.5.2. Cabelos

Desde tradições antigas gregas, que contam histórias como Medusa, que tem seus cabelos
transformados em cobras pela deusa Atenas, motivada por ciúmes de Poseidon, até contos da
modernidade, como a jovem Rapunzel dos irmãos Grimm, cabelos têm sido um importante
ponto de identificação nas narrativas.

Iemanjá, que na mitologia Ioruba é a mãe de todos os outros orixás (PRANDI, 2001, p.
382), é a senhora dos oris de todos os mortais (PRANDI, 2001, p. 399). Este título lhe é dado
por Oxalá, após ter seu ori, sua própria cabeça, curada por Iemanjá. Desde então, as oferendas
a ela e sua própria imagem estão fortemente associadas a cabelos.

Marie de Dostoievski é descrita por cabelos desgrenhados. Evelyn Roe, que no começo da
jornada para a Terra Santa tem como característica destacável um cabelo generoso, ao final da
saga tem apenas uma mecha de cabelo sebenta caída sobre o rosto.

Os cabelos da mulher de Lucas 7 e o ato de secar os pés com seus cabelos leva,
geralmente, ao entendimento deste ato como algo sexual, ligando-se à informação do fariseu
de ela ser uma pecadora na cidade. Uma vez que cabelos soltos poderiam ser interpretados
como disposição ao ato sexual e à forma como prostitutas apresentavam-se.

Joaquim Jeremias, em “Jerusalém nos tempos de Jesus”, conta sobre uma mãe que viu seus
sete filhos se tornarem sacerdotes. Acredita-se que tal feito é recompensa pela austeridade da
mulher, pois seu zelo e rigor foi tal que nem as traves da casa viram seus cabelos. Ele ainda
cita que apenas no dia do casamento, se a noiva fosse virgem e não viúva, deveria aparecer
com a cabeça descoberta no cortejo (JEREMIAS, 1983, p. 474).

No artigo “A woman’s unbound hair”, Charles Cosgrove (2005) trabalha que toda a
interpretação dos cabelos soltos das mulheres pode ser entendida pelo mesmo código social de
todo o Mediterrâneo. Sua contestação parte de dois fatos: (1) antigas evidências judaicas com
convenções greco-romanas gerais sobre cabelo; (2) Lucas e sua audiência representam um
cristianismo urbano e predominantemente gentio e, provavelmente, entenderam a história em
termos gerais.

Ele apresenta algumas possibilidades de leitura dos cabelos soltos: a) sugestão de atos
sexuais; b) expressão de devoção religiosa; c) penteado para moças solteiras ou penteado
associado ao conjuro, d) um meio de se apresentar em um estado natural em iniciações
religiosas; e) sinal de luto; f) expressão simbólica de angústia ou uma maneira de suplicar a

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cura ou favor dos que estão no poder, sejam deuses ou homens; g) uma precaução contra levar
demônios ou objetos estranhos às águas do batismo; h) para expressar um estado de
extremidade ou liminaridade.

Diante disso e de outras considerações, Cosgrover propõe duas possíveis leituras para a
interpretação dos cabelos da “mulher pecadora” da cidade: (1) que ela foi perdoada antes da
narrativa e vem mostrar sua gratidão e devoção ou (2) que ela vem oprimida pela culpa,
buscando perdão e aceitação, o que ela recebe no final.

1.5.3. Beijos e unção

O ato de beijar surge, constantemente, ligado ao ato de adoração, petição ou gratidão.


Principalmente se os beijos, como no caso da mulher de Lucas, forem dados nos pés ou mãos.
Os beijos, assim como todas as ações da mulher, ganham caráter austero, um completo
contraste com o caráter, geralmente, associado a beijar. É apenas no relato de Lucas 7 que a
unção é acompanhada de beijos.

Beijos também são atos que podem ser desencadeados por eventividade, impulso e
caridade. Como o beijo que Michikin dá em Marie. Ele não foi encontrá-la para dar-lhe um
beijo. O encontro era para dar oito francos da venda de um alfinete, para ajudar no seu sustento.
Mas a infelicidade que ele via em Marie levou ao beijo. Marie, por sua vez, carrega também
essa importante marca da mulher do evangelho: beijar seu mediador. Ela, após o evento do
beijo dado por Michikin, o beija as mãos, incessantemente, sempre que o vê. Os beijos também
são colocados como momento importe entre as crianças e Marie. Evelyn Roe ganha um único
beijo, à semelhança de Judas e Jesus, dado pelo capitão do barco, pouco antes de culpá-la pelo
fato de nunca chegarem à Terra Santa.

Os beijos, neste caso, seguem o mesmo sistema simbólico da unção. O ato de ir ungir a
Jesus é, junto com a descrição sobre seu caráter de pecadora, as duas informações que o autor
dá sobre a mulher. Das ações, é a primeira a ser citada por Lucas, mas a última a ser realizada.
É o perfume que leva a mulher ao cenário, onde sua presença não era esperada.

Para Tolentino, o valor icônico do perfume está na comunicação sem palavras que o
perfume é capaz de estabelecer entre Jesus e a mulher:

O seu referente semântico é o odor. Um referente que flui como uma espécie de
pretexto para a intimidade se expressar, para o pacto autobiográfico acontecer. Atrás
dele seguem-se memórias, confidências silenciosas, lágrimas. Ele entreabre, por
assim dizer, o mundo secreto das identidades ou ajuda tornar evidade os espaços do
interior (TOLENTINO, 2018, p. 163).

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Para além do valor material do perfume, levantado nas narrativas dos outros três
evangelhos, ou de quem o faz, a unção fecha o ciclo da fala silenciosa da mulher. A unção
sobre os pés lavados com lágrimas, seco com os cabelos e adornado de beijos sela o derramar
não do perfume, mas do diálogo da sua própria existência, externados em suas ações.

Entre elas há um DNA compartilhado do imaginário comumente empregado a esse “tipo


de mulher” que vai se desdobrando, criando esta figura simbólica social. Elas adquirem,
portanto, a representação do todo, assim, sendo transformadas em tipo. Como representação,
todas serão retratadas, umas com mais contornos e outras com mais sutilezas, apenas em um
lugar social. Sendo esvaziadas de qualquer outra identidade que não a tipificada e padronizada
pela representação que lhes cabe. No caso da Mulher de Lucas, a falta do nome e da narrativa
em primeira pessoa é o que a objetifica, transformando-a, assim, em um signo, ao qual ela deve
corresponder.

Neste sentido, ler suas ações pode libertar do sistema cultural que a significa, dando a
possibilidade de acessar informações armazenadas por sua autoria, criando para a mulher de
Lucas 7 uma possível linguagem.

No intuito de aprofundar a visão dessas figuras atribuídas a amigos de Jesus e alvo da


pregação dos textos cristãos, seguindo a perspectiva de Nogueira, considera-se como análise
míope ver o CP como movimento isolado da sociedade do Mediterrâneo (NOGUEIRA, 2018,
p. 60), e que passamos à investigação, não exaustivamente, da busca pela camada mais
subalterna da estratificação social: mulheres, escravas prostituídas no séc. 1 E.C. no mundo
Mediterrâneo. Como elas eram identificadas, quais eram os tipos de acessos culturais e sociais
que essas mulheres tinham e o que poderia ser considerado como gestos de desafios dessas
mulheres à sociedade de sua época?

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CAPÍTULO 2

SEXO, PROSTITUIÇÃO E O MUNDO SOCIAL

Quando o vulcão Vesúvio acordou e a cidade inteira de Pompeia dormiu, no ano 79 desta
era. A cidade foi soterrada sob um denso material vulcânico, seu sono preservou uma
impressionante quantidade de escritos, grafites, pichos e desenhos eróticos encontrados nas
piscinas de banhos e espaços públicos, nas casas de prostituição, tabernas, casas de moradia e
comércios. A ênfase maior dos escritos é sobre aspectos de cunho sexual, sentimental e
amoroso presentes naquelas inscrições, que estão catalogados e publicados no volume “IV do
Corpus Inscriptionum Latinarum” [CIL] (FEITOSA, 2005, p. 17).

Também nas escavações, cuja grande parte do material está no Museu Nacional de
Nápoles, foram achados mosaicos, lamparinas, estátuas, sinos dos ventos, placas com símbolo
fálico e moedas com cenas eróticas. Essa comunicação não verbal são expressões da cultura de
sua época, não apenas de cunho exclusivamente erótico, mas também da mediação das relações
nas esferas de religião e poder dessa sociedade.

Entretanto, seria inocência acreditar que grande parte desses exemplares historiográficos
não fossem, de fato, produzidos por pulsões sexuais. No dia da erupção do vulcão Vesúvio,
estima-se que a cidade abrigava entre 10 e 15 mil habitantes e por volta de 25 prostíbulos.

2.1. Sexo apotropaico

No âmbito das representações religiosas, Pedro Paulo Funari afirma que o membro
masculino em ereção era, na Antiguidade Clássica, associado à vida, à fecundidade, à sorte e
afastava malefícios. Tinha poder de amuleto e já era cultuado em Roma. Na Antiguidade, as
esferas religiosa e sexual estavam interligadas, ou seja, não se pode pensá-las separadamente
(FUNARI, 2003, p. 319).

Em outro texto ele enfatiza: “As representações e ilustrações fálicas eram usadas,
especialmente, para afastar as forças negativas (a raiz do verbo grego apotropein – “desviar”),
atraindo assim boas vibrações e prosperidade” (FUNARI, 1994, p. 2).

Uma das crenças mais populares no poder mágico do falo é o fascinus. Tratava-se da
crença do falo ser um talismã. Podia ser um sino de casa, anéis, pingentes e até mesmo

34
luminárias, sendo eficazes contra as forças do mal, os malefícios, enfim, tudo o que impediria
ou contraria o crescimento e o desenvolvimento feliz das criaturas, homens, animais ou plantas,
além de ser colocado em crianças pequenas, já que a mortalidade infantil era muito alta, e nos
desfiles triunfais preservava os vencedores do perigo do orgulho (OLIVA NETO, 2006, p. 24).

Os fascinus poderiam ter formas híbridas, falos com adição de patas, rabos, asas, por vezes
olhos e orelhas. Expressam duas ideias: primeiramente, transformar o falo em um animal-
entidade independente; segundo, potencializar o poder fálico ao dar o vigor animal a essas
figuras. Alguns eram feitos de materiais nobres, como ouro e bronze, e outros de materiais
relacionados à ritualística, como ossos de animais e coral, considerados sagrados e, por isso,
conferiam maior potencialidade ao poder fálico (SANFELICE, 2016, p. 124, 130).

O falo carrega outros significados, ou seja, não se trata apenas de poder relacionado à
virilidade masculina, mas de algo ligado a receber a sorte, prosperidade, livrar de doenças e
morte, desviando e afastando os maus espíritos.

Como exemplo dessa devoção existia o culto ao Deus Priapo. A origem de seu culto é
provavelmente na Ásia menor, precisamente na cidade de Lâmpsaco, Turquia, tendo chegado
ao mundo romano por meio das relações comercias e culturais. Priapo era representado na
iconografia como um homem com um grande falo ou ainda como um hermafrodita, ainda que
menos usual.

Seu prestigio religioso era maior entre as classes mais baixas, onde suas atribuições divinas
estavam ligadas, no início, em proteger campos e hortas, usando o seu falo como se fosse uma
arma para defender as plantações contra ladrões. Neste caso, o seu falo representava uma
ameaça e uma manifestação de poder (MORAIS, 2009, p. 508). Progressivamente, sua imagem
e culto passam ao jardim e finalmente ao interior das casas, comércios e vias públicas. Oliva
Neto diz: “Com efeito, o processo religioso, e ao mesmo tempo mitológico e icônico, por meio
do qual em Priapo se isolou o falo, para depois ser ampliado até que personalização significasse
em alto grau capacidade fecundante, frutígera e apotropaica” (OLIVA NETO, 2006, p. 28).

Em Priapo, a parte equivale ao todo. No seu caso, a figura fálica sempre ereta e
desproporcional, diferentemente do homem onde essa condição é passageira e proporcional.
Na figura de Priapo é parte principal, fazendo com que tudo nele esteja subjugado e
personificado ao falo.

Figura 1 -

35
2.2. Sexo, organizador social

Esta estrutura da personificação religiosa também perpassa as estruturas de poder político.


Feitosa entende que a atividade sexual idealizada garante o papel ativo na relação, que segue a
regra do pensamento da dominação, estabelecendo a relação sexo/social/poder/identidade,
“não deixar submeter-se”. O que está em jogo não são questões morais, mas uma licitude e
normalização que cabe à ação de penetrar, independentemente do gênero sexual do penetrado.
A norma a ser seguida era social: não penetrar jovens ou adultos cidadãos e mulheres
aristocratas, independentemente da situação conjugal. Já aos escravos, a obrigação era
satisfazer os desejos de seu senhor, até mesmo os sexuais (FEITOSA, 2005, p. 99). Veyne diz
que, para o liberto, essa obrigação é moral (2013, p. 147).

Uma vez associado à ideia sexo/poder como sendo forma de organização social, a questão
de ser “ativo” nas relações poderia simbolicamente, por seu status, dar a uma mulher aristocrata
poderes de penetração com um menor, no qual ela estaria em posição ativa. Na análise de um

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grafite em Pompeia, Funari (1995, p. 186) interpreta que o verbo “foder” está na voz ativa para
o feminino: “ea quae futuitur” [aquela que fode].

No artigo “Muito além do prazer”, ainda de Funari, analisando as representações de


relações sexuais, presentes em cunhagens romanas do período imperial, acredita-se que essas
podem ser lidas tanto como referências a práticas sexuais como também como alusões, ainda
que indiretas e sutis, às relações entre governantes e governados. Em sua conclusão, ele entende
que em uma dimensão mais política, na medida em que as moedas eram e são uma manifestação
oficial voltada a propagar certos valores.

Todas as imagens analisadas em seu artigo são de relações heteronormativas e mesmo


onde há a leitura do ato sexual com consentimento e certa paridade social entre o casal, o
homem está em posição de domínio.

Sendo essas mulheres representação da dominação e superioridade romana a outros povos,


subjugados debaixo de uma força escravista ou por aliança, as imagens sexuais de dominação
cunhadas nas moedas eram lidas pelas pessoas também como a forma com que as relações
sexuais poderiam acontecer naquela sociedade. Simbolicamente, sendo o imperador a
representação do cidadão romano, as mulheres disponíveis para satisfazer sexualmente a esses
seriam aquelas das quais a lei não se ocupava, as não cidadãs.

2.3. Sexo dos comuns

Lourdes Feitosa lembra que entre a maior parte da população romana, os 99,5% da
população de comuns, não tinha entre si relações amorosas/sexuais pautadas pelas prescrições
da legislação. Assim, suas relações eram pautadas por um comum acordo entre as partes. Olhar
para a sexualidade entre os subalternos, fora das relações de poder da pequena aristocracia, é
imanente a vida destes, estando descrita nos grafites das paredes, assim como os atos de dormir,
comer e beber são a existência do cotidiano popular (FEITOSA, 2005, p. 127). A seguir, alguns
grafites analisados por ela exemplificam essa ideia de cotidianidade do sexo na vida dos
pompeianos:

• Felix bene futuis / Felix fode bem (CIL, IV, 216);


• Miduse fututrix / Miduse possuidora (CIL, IV, 4196).

Feitosa destaca o uso geral do verbo “foder” estar na voz ativa, tanto para masculino quanto
para o feminino (2005, p.105).

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Outros escritos que ela analisa com a mesma temática são os que envolvem as
representações de Cunilíngua;

• Lucundus cunun lingit Rusticae/ Iucundo lambe a boceta de Rústica. (CIL, IV,4264).

Outras tantas inscrições com poesias ou registros de infortúnios amorosos ou ainda votos
de júbilo aos seus amantes são analisados:

• Eulale bene ualeas cum Vera tua coniuge et bene ftue eam / Tchau Eulale, que você
vá bem com Vera sua mulher, e que possa foder bem (CIL, IV, 1574);
• Staphilus hic cum Quieta / Estáfilo aqui com Quieta (CIL, IV, 4087).

As desobrigações legais, que a falta do status de cidadão romano lega aos subalternos, os
liberta das amarras do jogo relacional entre si. Traduzido em sua sexualidade, na leitura desses
grafites pode parecer que levavam uma vida de perversão, infame ou de pessoas
desclassificadas, mas, com salienta Feitosa:

Embora fragmentados e de difícil interpretação, os grafites amorosos de Pompéia,


quando analisados como referências próprias da esfera social em que foram
produzidas, possibilitam uma viagem pela mentalidade, ou mentalidades, do universo
popular pompeiano ali representado, e outras leituras sobre a concepção de amor, de
sexualidade e as bases das relações entre o feminino e o masculino (FEITOSA, 2005,
p. 128).

Mesmo a relação com o feminino e as referências aos atos de cunnum lingere devem ser
entendidos dentro dessa diferença. Para o não cidadão, este ato não seria vexatório. Feitosa
acredita que as inúmeras inscrições registradas na parede descrevem elementos constitutivos
próprios da relação entre mulheres e homens comuns pompeianos (FEITOSA, 2005, p. 127).

Se entre as mulheres comuns a busca por prazer poderia ser vista pela aristocracia romana
como “mulheres de costumes livres”, Paul Veyne acrescenta que aí há dois bodes expiatórios:
esse comportamento era admitido pela lei, elas não são cidadãs e, pela moral, elas não são
cidadãs: “Estereótipo social: com plebeias, o pecado não tem importância; estereótipo moral:
uma mulher de costumes muito livres era, consequentemente, uma cortesã; estereótipo cívico:
a categoria das libertas tem estruturalmente uma moral particular” (VEYNE, 2013, p. 133).

A prostituição é, neste sentido, um mecanismo de regulamentação e mantenedora do


negócio “casamento” da aristocracia. O “amor sem riscos”, com as mulheres que não precisam
ser pervertidas, regula o status quo da cidadã romana. Mantém, como afirma Veyne, “as belas
damas nos costumes” (VEYNE, 2013, p. 133). Knapp diz que “a chave aqui é a herança e a

38
não violação da família. Sexo com prostitutas seria não pôr em risco a linha de sangue das
famílias. Não comprometer a pureza sexual de uma potencial esposa” (KNAPP, 2011, p. 205).

Knapp estima ganhos altos. Segundo ele, o preço médio para se ter uma refeição com pão,
um punhado de queijo e um copo de vinho custava dois “asses”. Uma prostituta, em um dia
regular de trabalho, cobrando dois “asses” por transa, no final do dia poderia ter ganho, em
média, cerca de vinte “asses” ou dois denários (2011, p. 221).

2.4. Prostituição

Desde o texto mais antigo que se tem notícias hoje, a figura da mulher que usa ou é
usada pelos seus atributos sexuais é noticiada. “A Epopeia de Gilgamesh, ele que o abismo
viu” narra logo na primeira tabuinha, sobre a meretriz Shámahat, que deve acompanhar o
caçador no encontro com Enkídu. Ela deverá, no encontro com esse primitivo, “fazer o que faz
uma mulher”, oferecer seus seios, abrir seu púbis e deixar que ele toque seu sexo e deixar que
ele deite sobre ela. Depois de seis dias e sete noites em que Enkídu esteve ereto e inseminou
Shámhat, o texto diz que ele perde a pureza de seu corpo e os bichos da estepe, os quais eram
seus companheiros, fogem da sua figura. Assim, Enkídu estava diminuído, porém, a narrativa
diz que agora ele tinha entendimento, amplidão de saber e sentou-se aos pés da meretriz para
ouvir sua sabedoria.

O que de fato sabe-se sobre esta sabedoria? Uma vez que a subalternidade dessa grande
parcela até pouco tempo não era alvo da percepção das pesquisas ou, quando o eram, partiam
de uma visão de cima para baixo, relegando mais uma vez, nas análises, o lugar subalterno nas
pesquisas.

Essa perspectiva está mudando e ampliando os campos do saber sobre a prostituição no


período do Império Romano. Em muitos casos, a grande maioria toma como lugar de partida e
objeto de estudo a cidade de Pompeia, por motivos aqui já comentados.

Anise K. Strong em “Prostitutes and Matrons in the Romam World”, de 2016, tem uma
forte tese das relações sociais que estabelece, segundo ela, rótulos do que seria a boa e a má
mulher nas sociedades do primeiro século. Strong acredita que, para além das questões de sexo
por dinheiro, estão mulheres que eram socialmente proeminentes, economicamente autônomas
e consideradas sexualmente ativas e tantas que foram cantadas por poetas em suas elegias. Ela
tenta entender como a sociedade negociava ao redor dessas categorias e os desafios dessa
normativa dicotomia social segmentada pelo arquétipo de boas ou más mulheres.

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Outro autor que observa a sociedade romana desse período, a partir do arquétipo de
mulheres cantadas a partir dos poetas Propércio, Tibulo e Ovídio, é Paul Veyne, em seu livro
“Elegia Eróticas Romanas”, publicado pela ed. Unesp em 2013. Traça questões legais, sociais
e literárias referentes a essa sociedade e os diversos princípios de verdades, que no seu entender
é o que permite uma “compreensão” histórica. Veyne acredita que nessa natureza plural e
análoga da verdade é fundada a estética, na ficção dos poetas que se apoiam deliberadamente
em duas verdades ao mesmo tempo e que desmente uma a outra. Cria-se assim um idearia da
mulher na sociedade, tanto a partir das descrições que os poetas fazem do comportamento
dessas mulheres quanto na sua forma social de apresentar-se. Qual é a mulher que pode ser
assediada?

“Invisible Roman”, de Robert Knapp, lançado em 2011, faz um sério trabalho ao focar seus
olhos e pesquisa para os invisibilizados historicamente. Seu livro conta a história dos comuns
romanos no começo do século. Seu alvo é: homens e mulheres ordinários, os escravos, entre
eles prostitutas e os gladiadores, libertos e os completamente fora da lei como bandidos, piratas.
Ele parte, para isso, de documentos que até então eram pouco usuais para a historiografia
tradicional, como: novo testamento cristão, cartas pessoais e de comércio, papiros mágicos
gregos e até interpretação de sonhos, tão narrada no Antigo Testamento.

Já Lourdes Conde Feitosa, em “Amor e Sexualidade: o masculino e o feminino em grafites


de Pompéia”, de 2005, trabalha a partir dos grafites estampados nos muros, casas de banho,
prostíbulos e casas particulares para traçar o perfil das relações cotidianas dos pompeianos pré-
erupção. Seus personagens principais são escravos, libertos e livres de baixo extrato social. Sua
abordagem é muito objetiva e clara e vincula seu olhar histórico à perspectiva das análises de
gênero e cultura. Tratando Pompeia como uma parte que ajuda a revelar o contexto da visão
do mundo romano contado pelos populares que ali habitavam.

Também de 2005, “Prostitutes and Courtesans in the Ancient World”, organizado por
Christopher A. Faraone and Laura K. McClure, o livro faz um apanhado da prostituição. Em
uma primeira parte, das questões da sacralidade da prostituição, abordando desde os tempos
antigos na Mesopotâmia, na antiga sociedade israelita e também nos santuários gregos. Depois,
parte para uma leitura das questões legais e morais concernentes à prostituição, de novo,
partindo das perspectivas gregas e romanas. O livro se encerra na terceira parte, trabalhando a
representação da prostituição na comédia grega de Aristofane e das ações de atrizes e cortesãs
em festas.

40
2.5. Como se parecem as prostitutas

Segundo Alberto Manguel em “Lendo imagens”, editado em 2001 pela Cia. das Letras, ler
imagens,

de qualquer tipo, sejam pintadas, esculpidas, fotografadas, edificadas ou encenadas -


, atribuímos a elas o caráter temporal da narrativa. Ampliamos o que é limitado por
uma moldura para um antes e um depois e, por meio da arte de narrar histórias (sejam
de amor ou de ódio), conferimos à imagem imutável uma vida infinita e inesgotável
(MANGUEL, 2001, p. 27).

Sendo assim, os afrescos eróticos pintados em Pompeia tornam, de certa forma, o passado
adormecido dessa cidade em presente. As narrativas contadas pelas imagens ajudam a ler esta
sociedade. Não há a presunção de explicar a imagem e muito menos discorrer sobre seu caráter
técnico, os quais faltariam recurso para fazê-lo, mas comentar a respeito da imagem e as ideias
as quais elas podem suscitar.

A escolha das imagens está atrelada à posição da representação do feminino que cada uma
delas faz. A intenção é sondar imagens que ajudem, nesse trabalho, a pensar a figura sexual e
imagética de mulheres destinadas à prostituição nesse período. Os afrescos com imagens
sexuais estão por toda Pompeia, não apenas nos prostíbulos ou casas de banhos e espaços
públicos, mas também, em casas particulares.

Figura 2 - Sexo frontal - Lupanar

Homem reclinado sobre a cama, relaxado, apoiado no braço direito. Mulher encaixada
sobre ele, apoiando-se na cama com o braço direito. A posição da cabeça acompanha o corpo,

41
um em direção ao outro. Isso permite que seus olhos também estejam olhando um para o outro.
O sexo parece consensual e a perspectiva da pintura coloca os dois no mesmo plano. A mulher
tem, aparentemente, os cabelos presos e parece ter em sua cabeça algo como uma tiara e seus
seios são cingidos.

Figura 3 - Casa do centenário – sexo frontal

Semelhantemente à cena anterior na posição do casal, observam-se agora os mesmos


detalhes na relação. O relaxamento do corpo de ambos, a disposição de um em direção ao outro
e a perspectiva que seus corpos ocupam na cena a mesma paridade. A mulher, do mesmo modo
da pintura encontrada no Lupanar, tem os cabelos presos, seios cingidos e uma tornozeleira,
assim como em seu braço há um tipo de bracelete, que a falta de nitidez impede de supor qual
o material.

42
Esta pintura é de um cubículo de uma casa particular. Anise Strong argumenta, sobre
essa pintura, que esse quarto poderia ser designado para voierismo (STRONG, 2016, p. 123) e
que o fato de ela ter os seios cingidos significaria que esta mulher não seria uma prostituta
(STRONG, 2016, p. 125). Porém, a figura feminina desse afresco segue exatamente o mesmo
padrão da figura feminina da pintura encontrada no prostíbulo. Salvo que, na primeira imagem,
a falta de nitidez e desgaste impede de ver se a mulher usa acessórios em seus braços e
tornozelos.

Sobre os seios cingidos, Perola de Paula Sanfelice, em seu doutorado intitulado “Sob As
Cinzas Do Vulcão: Representações Da Religiosidade E Da Sexualidade Na Cultura Material
De Pompeia Durante O Império Romano”, defendido em 2016 na Universidade Federal do
Paraná, argumenta:

O mito de Vênus diz que essa possuía um cinturão e que tinha a propriedade de inspirar o
amor. Outra variante diz que Vênus possuía uma fita que usava cingindo o seio, uma fita
bordada, de desenhos variados, onde residem todos os seus encantos. Tudo o que serve para
seduzir se encontra nesse objeto que a deusa do amor guarda amarrado ao redor de seu célebre
busto (SANFELICE, 2016, p. 229).

Figura 4 - Cunnum Lingere – Casa de banho

Nesta cena, a mulher recostada sobre o braço esquerdo, no que parece uma cama, com o
corpo extremamente relaxado, visto claramente pela posição que se encontram suas pernas em

43
abertura total, recebe sexo oral. O homem está em primeiro plano, na posição agachado, o que
o coloca no plano baixo da cena. A mulher ou tem cabelos curtos ou presos e está adornada
tanto com braceletes quanto com tornozeleiras, à semelhança da figura anterior. Também há,
ao que parece, em sua cabeça uma espécie de tiara e, circuncidando seu corpo, uma corrente
que passa entre seus seios à mostra, colocando-os ainda mais em evidência.

Sanfelice acredita que este tipo de colar seria análogo ao mesmo cinturão de Vênus e que
“esse adorno se torna significativo, pois pode ser interpretado como uma forma de inspirar o
amante a dar prazer feminino, e também demarca um elevado status social desta mulher”
(SANFELICE, 2016, p. 125).

Figura 5 - Vênus e Marte

Nesta representação de Vênus e Marte vemos Vênus em destaque em primeiro plano, à


frente de Marte. A Deusa está completamente despida, a não ser por um véu que lhe cobre as
coxas. Ela está ricamente adornada com tiara, brincos e, à semelhança das duas representações
anteriores, ela também tem tornozeleira e braceletes. Seus cabelos igualmente parecem presos.

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Em sua mão esquerda há um anel e ela segura uma espécie de lança, provavelmente da
armadura do Deus da Guerra, uma vez que suas armas seguem espalhadas pelo resto da cena.
Em volta dos seus seios em evidência, as correntes correspondentes ao que seria o seu cinturão.
Na parte superior, à sua direita, o que parece ser um anjo cupido, usual em suas representações.
Na parte inferior há uma figura, de aspecto infantil, se cobrindo com o elmo de Marte.

Em suas análises das moedas eróticas romanas, Funari salienta:

Vênus tinha papel importante no mundo Romano, sendo venerada com diversos
epítetos, tanto como protetora do poder, como das prostitutas, a deusa tinha como
apanágio os valores ligados ao sexo: a fertilidade, que dentro do contexto cultural
mais requintado se traduz por riqueza, substituição já estabelecida entre os gregos,
mas que não apagou os temas sexuais implícitos em seu culto (FUNARI, 2015, p.
120).

Fato é que em todas as representações as mulheres e Vênus estão com cabelos presos. Esta
informação é de extrema relevância ao lembrar do texto analisado no cap. 1 deste trabalho, em
que a mulher acusada de pecadora tem na cena cabelos que estão soltos. Não há indicações na
narrativa se ela entra na casa do fariseu com os cabelos soltos ou se ela os solta ao secar os pés
de Jesus com os próprios cabelos.

Porém Veyne, citando Ovidio, diz:

Jamais tomei como alvo as camadas legítimas; escrevi somente sobre mulheres cujos
cabelos não são cingidos pudicamente pelo bandó e cujo vestido não desce até os pés;
jamais quis que se seduzissem as prometidas, que se dessem bastardos a um marido;
falei apenas daquelas de quem a lei não se ocupa (VEYNE, 2013, p. 127-128).

2.6. Joias

Em consequência da análise dos afrescos pompeianos, com a intenção de observar


possíveis pistas, como cabelos cingidos das personagens das representações sexuais, outra
similaridade surgiu entre as pinturas: as joias usadas por elas.

Um artefato encontrado em meados dos anos 2000 em Pompeia é o objeto da análise de J.


A. Baird no artigo “On Reading the Material Culture of Ancient Sexual Labor”, publicado em
2015. O achado consiste em uma pulseira de ouro, com formato de cobra e com três voltas em
torno de si. Ela foi encontrada no braço de uma mulher que se acredita ter por volta de trinta
anos. Na pulseira há uma inscrição: “dom(i)nus ancillae suae/ Do mestre para sua própria
escrava”. Ela também usava uma espécie de presilha na cabeça e em sua mão esquerda havia
um anel, à semelhança da imagem da Deusa padroeira e protetora das prostitutas. Com ela
ainda foi encontrado uma bolsa com um pequeno tesouro, que consiste em duas outras

45
pulseiras, uma tornozeleira e uma corrente de ouro medindo cerca 242 cm. Essa corrente é
similar ao chamado cinturão de Vênus, descrito nas imagens acima. Com ela havia mais três
corpos, o de outra mulher que teve a idade divulgada, uma jovem que deveria ter por volta de
quatorze anos e uma criança por volta de quatro anos de idade.

Figura 6 -

Este artefato tem importância por si só. Não apenas por se tratar de um material cultural,
mas pela possibilidade de ver neste material a vida de uma escrava fora das pinturas e grafites
pompeianos. Essa possibilidade se deve à inscrição dentro do bracelete: “do mestre para sua
própria escrava”. Baird conclui que a mulher que carrega esse bracelete é uma escrava e que a
principal forma pela qual sua escravidão é vivida é de forma sexual.

Outro ponto de destaque é a idade da mulher. Veyne salienta que escravos da cidade eram
alforriados no mais tardar por volta dos trinta anos de idade (VEYNE, 2013, p. 46). Em outra
citação, em que Veyne discute sobre o tipo de roupa que identificaria uma matrona de uma
concubina, ele destaca que havia escravas sexuais particulares, que apenas a seu senhor estava

46
reservado o direito ao sexo (VEYNE, 2013, p. 136). Este direito, apesar da condição de escrava
da mulher, era assegurado ao senhor por lei: qualquer um que tocasse sua propriedade estaria
cometendo crime. Neste caso, um bracelete seria um aviso, indicando que aquela mulher era
propriedade de alguém e não apenas uma prostituta qualquer.

Knapp e Strong comentam sobre um grafite e um afresco na denominada casa dos Vetti.
O afresco está em um pequeno quarto da casa, perto de um cômodo que provavelmente era
usado como cozinha.

Nesta pintura, o ato sexual é, como visto anteriormente, heterossexual. O casal está de
frente um para o outro, de modo que os olhares se cruzam. O homem está reclinado,
relaxadamente. Ao que parece, apoiado sobre um braço e o outro braço está em direção aos
seios dela. A mulher está sentada sobre ele e também parece estar confortável com o ato sexual.
Uma de suas mãos está apoiada na cabeça do homem. Seus cabelos, assim como nas pinturas
anteriores, parecem presos e igualmente seus seios estão cingidos. Na perspectiva da pintura,
eles ocupam basicamente o mesmo plano e também estão em paridade de tamanho.

Figura 7 - Casa de Vetti

Não há consenso entre Knapp e Strong na tradução do grafite. Knapp cita: “Eutychis, uma
moça grega com caminhos doces por dois asses” (KNAPP, 2011, p. 213). Já Strong: “Eutychis,
escrava nascida em casa por dois asses” (STRONG, 2016, p. 125).
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Em todo caso, parece se tratar de uma escrava da casa que era destinada ao trabalho sexual.
Strong argumenta que uma das hipóteses é que tal quarto e escrava estavam destinados para
amigos privilegiados da casa (STRONG, 2016, p. 126). De acordo com Veyne havia aqueles
que usavam de prostitutas para conseguir negociar acordos comerciais, uma vez que na cama
essas mulheres poderiam, durante o ato sexual, convencer seu parceiro, dando vantagens
(VEYNE, 2013, p. 154). Esse jogo faria parte das relações de amicitia de seu senhor.

2.7. Programmata

Foram encontrados cartazes de propaganda política do século I d.C., denominados


programmata, que mostram mulheres participando de campanhas eleitorais. Pode-se verificar
que pelo menos 24 inscrições trazem 21 mulheres declarando apoio a candidatos. Há apoios
familiares, como o caso Taedia Secunda pedindo votos para seu neto, L. Popidius Secundus
(CIL, IV, 7469), até apoio de prostitutas, que foram estudados por Feitosa e Faversani (2003,
p. 7):

Ainda no sentido de tentar desvendar a atuação feminina, temos uma inscrição


bastante elucidativa: Cassia e seu marido, Cerialis, pedem seu voto a A. Trebius
Valens em uma mesma inscrição (CIL, IV, 7669). Aqui parece claro que Cassia tinha
independência para apoiar um candidato diferente daquele escolhido por seu marido.
Não fosse assim, para que seu nome ser explicitado? Mesmo porque, se o apoio da
esposa necessariamente acompanhasse o marido, o nome de nada valeria. (FEITOSA;
FAVERSANI, 2003, p. 8).

Os autores salientam que isso não quer dizer que a atuação feminina nas campanhas
eleitorais estivesse vinculada a orientações masculinas. Há outros grafites, como vimos acima:
a avó que pede votos ao neto, trabalhadoras, donas de tabernas, esposas com ou sem seus
maridos e parentes de candidatos que davam apoio eleitoral.

Dentre essas, destaca-se Caprasia, com a seguinte declaração: “Peço que façam edil a A.
Vétio Firmo, pois é digno do cargo. Caprasia com Ninfio e com os vizinhos pedem que o façam
(edil)”, (CIL, IV, 171). Feitosa e Faversani acreditam que Caprasia fosse uma mulher que
colocara a servil de seu candidato uma rede de relações pessoais razoavelmente expandida e
não apenas seu apoio pessoal (2003, p. 9). Essa ideia de certa independência social aponta,
segundo os autores, para outra questão: por não poderem votar, os autores acreditam que uma
justificativa seria poder estar na possibilidade de elas exercerem poder político por meio da
amicitia e clientela. Veyne, citando Plutarco, diz:

Entre as mulheres famosas em Roma por sua beleza e encanto, havia uma tal Praecia;
ela não se comportava melhor que uma cortesã, mas sabia se servir de suas relações
e frequentações para favorecer as ambições políticas de seus amigos; unia aos seus

48
encantos a fama de mulher dedicada aos seus e eficiente, de modo que sua influência
era considerável (Veyne, 2013, p. 148).

Era uma atividade coletiva da qual mulheres faziam parte como membros ativos, dando
suas opiniões, discutindo política, apoiando e indicando candidatos e que, talvez, esta
participação na organização da comunidade fosse mais importante do que as eleições em si
mesmas. A vida em “rede”, entregue ao interesse do jogo social, era também lucrativo, uma
vez que favores eram negociados por causa dos conselhos de uma alcovitreira (VEYNE, 2013,
p. 154).

Com as programmatas havia também apoio de prostitutas. O primeiro exemplo vem de


Aegle, de origem grega, e Maria, judia, duas prostitutas que apoiam um mesmo candidato a
edil (Cn. Helvius Sabinus) em duas inscrições diferentes (CIL, IV, 7862 e 7866; 2003, p. 8).
Há aí o indício de pluralidade cultural trazida pela origem dessas mulheres.

Maria é uma prostituta judia que sabia escrever em latim. Joaquim Jeremias fala de moças
judias serem vendidas por seus pais. A moça deveria ser menor de idade, ou seja, menor de 12
anos. Se ela fosse vendida a um judeu e no final do sexto ano da venda ela não fosse desposada
nem pelo seu senhor e nem por algum de seus filhos, ela poderia ser resgata pelo pai. Mas, caso
a venda fosse feita a um “pagão”, a menina nunca seria resgatada (JEREMIAS, 1983, p. 416-
417).

Por meio dos escritos de programmata descobre-se também Asellina, que era a chefe de
um grupo de prostitutas na casa em que trabalhava. Aegle e Maria estavam a seu serviço e
também havia Smyrna e Palmyra, que estava ao dispor de Hermes. Aselina e Smyrna coincidem
em um candidato e elas fazem uma única inscrição para manifestar sua preferência por C.
Lollius Fuscus. Quanto ao outro candidato, há divisão. Asellina prefere L. Ceius Secundus e
Smyrna, C. I. Polybius (CIL, IV, 7863, 7864, 7873; 2003, p. 8). Cada uma delas tinha
independência para escolher seus candidatos. Ao que tudo indica, assim como qualquer outra
mulher, as trabalhadoras da prostituição também eram articuladoras sociais.

Os autores relatam que esses mesmos candidatos apoiados pelas prostitutas também
tinham o apoio de vários outros grupos: Islíacos (CIL, IV, 787) dos alunos do pórtico (CIL, IV,
673), de Valentino com os seus seguidores (CIL, IV, 698), entre outros. (2003, p. 8). Essa
aceitação no apoio das prostitutas pode se dar pela ideia de que, para além da prostituição, elas
são mulheres trabalhadoras. Este é o pensamento por trás do manual de sonhos de Artemidoro.
Por exemplo: ter sexo com prostitutas pode ser bom nas questões comerciais, uma vez que elas
são vistas como trabalhadoras (ARTEMIDORO, 2009). Se essa cultura, assim como parece,
49
entendia que os sonhos refletem as situações sociais vividas por quem sonha, neste caso, sonhos
são reguladores desta ordem.

A maioria das escravizadas e algumas poucas libertas retratadas acima conseguiram


minimamente, ao que parece, deixar rastros das suas contribuições culturais. Seja por meio das
redes de clientes que elas desenvolveram e por onde conseguiam de certa forma manipular as
estruturas vigentes, pela pouca escrita que conseguiram ter acesso ou ainda por representações
que expuseram a busca por seu prazer sexual. Resistiram ao tempo e depositaram na cultura
algo sobre si.

Suas vivências têm, obviamente, caráter muito mais amplo do que o abarcado neste
capítulo, porém, os aspectos da prostituição aqui tratados visão investigar em quais dessas
perspectivas se encaixam e se assemelham as mulheres geralmente inominadas, ou
representada por nomes que as façam símbolos de desordem e impureza, descritas nos textos
cristãos.

A forma que aparentavam, adornavam-se, o que escreviam e o que confabulavam, nos


lança para a próxima discussão. Como esse tipo de mulher foi narrada e contada nessas
comunidades, como lidaram com mulheres que, se libertas, possuíam recursos financeiros
expressivos para a época, a ponto de derramar uma boa quantia de óleos caros nos pés do
nazareno. De mulheres que tinham o poder da escrita, sendo que a maioria desses líderes vinha
de um mundo onde poucos homens eram os que tinham o trato das letras ou ainda o poder da
oratória e convencimento, apreendidos nas alcovas e nos tratos dos jogos sociais.

50
CAPÍTULO 3

PECADORAS EVANGELISTAS

Neste capitulo objetivamos buscar a identidade da inominada, pois essa identidade é a


identidade de todas as inominadas, que são várias na narrativa desse evangelho. Algumas
considerações são possíveis nessa busca que, de certo modo, torna-se uma parte que representa
o todo das inominadas dos evangelhos. Nesse caminho, traçamos paralelos entre o trabalho
realizado no capítulo 1 e as informações encontradas no capítulo 2 deste texto. É nessa
intersecção que acreditamos estar localizada a mulher representada na narrativa de Lucas 7.

Na última parte do capítulo 1 abordamos das ações da mulher mais amada de Lc 7, no


intuito de traduzir suas ações em narrativas. Com isso, buscamos encontrar digitais que dessem
pistas de origem geográfica e sua posição cultural e social. Entrar na casa de um rigoroso
religioso judeu, sem ser convidada, lidar naturalmente com o fato de soltar ou estar de cabelos
soltos, derramar sobre Jesus produto de alto preço, derramar suas lágrimas e beijar seus pés
sem nenhum sinal de constrangimento, isso chama atenção.

Desse modo, partindo das evidências internas, como o fato de Jesus ser amigos de pessoas
ditas pecadoras, e também que a única notícia dada sobre essa mulher inominada é que ela seria
uma pecadora da cidade, o segundo capítulo deste texto, se destinou a investigar parte da vida
de mulheres prostitutas/prostituídas. Em perspectiva, estudamos mulheres subalternas
romanas, encontradas nos vestígios e achados arqueológicos da cidade de Pompeia. A vida
dessas mulheres pode oferecer caminhos que ajudem a iluminar acerca de mulheres inominadas
descritas e ocupam a construção do texto dos primeiros cristãos. Claro que são apenas pontos
de referências que podem ajudar a entender quem são essas mulheres que cercavam Jesus e
podem ter sido propagadoras de seus preceitos.

Diante dos caminhos adotados descritos acima, encontramos pistas que permitiram
realizar um recorte que pudesse emprestar contornos à mulher que mais ama e às outras
inominadas desse evangelho. Encontrando a partir daí bases de argumentação que ligue pontos
em comum e os contrastes entres essas mulheres, que fazem da pecadora inominada mais
amada de Lc 7 um destaque, tanto pelo fundo dialogal do fariseu quanto pelo de Jesus.

51
Mesmo que sem destaque histórico aparente contado na rede textual do cristianismo
primitivo, suas marcas podem estar incrustadas em aparentes lacunas, mas que, ao encontrar
novos elementos, força a realimentar a situação, conferindo ao texto, com diz Nogueira,

duas características aparentemente contraditórias: concretude e fluidez. É concreto,


pois o leitor tem que tomar novas atitudes diante do texto no processo de leitura, mas
é fluído, pois essas novas atitudes forçam modificações no processo. A leitura,
portanto, é um acontecimento, e a realidade é constituída de acontecimentos (2015,
p. 131).

Ou nas palavras de Bakhtin, a obra permanece inalterada em sua estrutura formal, o leitor-
intérprete não a modifica como produto estético; o que ele acrescenta são os novos sentidos
que nela descobre à luz das conquistas de sua época (2017, p. 95).

Ser uma pecadora da cidade, impura aos olhos do fariseu, não nomeada pelo narrador de
Lucas, ter independência financeira, a subversão da importância sobre as normas de pureza ou
impureza com que vivia uma casa farisaica, expor seus cabelos em público, são de certo modo
subversivas para um paradigma dado como feminino. A postura de se colocar aos pés do mestre
acompanhado de suas ações de beijar e untar podem ser lidos como gratidão e devoção, ou
ainda pode ser lido como lugar de discipulado, de quem se põe em posição de aprendizado.

A reunião desses fatos, se lidos além do viés doutrinário comumente usados para
interpretar esse texto, pode, como salienta Bakhtin na citação acima, usando novas bases de
analises, como por exemplo, os dados do capítulo anterior e os protagonismos da linguagem
encontrado nas ações da mulher, não alterar a estrutura da narrativa, mas impulsiona no
encontro de novos possíveis olhares e caminho para o texto.

3.1. Mulher de Lc 7: pecadora que mais ama, inominada, estrangeira e


financeiramente independente

Uma vez que o autor de Lucas não dá um nome próprio à mulher, esse texto a trata como
a pecadora que mais o ama. Esse título evoca os dois únicos adjetivos dados a ela na narrativa,
“uma pecadora da cidade” e a “que mais amou Jesus”. Essa personagem carrega em sim um
conjunto de categorias diametralmente oposta à normatividade estabelecida pela figura do
fariseu. Parece ser aqui onde o autor do texto lucano concentra as diferenças e os
enfrentamentos culturais dessa narrativa. Ele, homem conhecido por cumprir a lei e os
costumes judeus, devidamente nomeado por Simão, de origem judaica, e aparentemente ele
está no lugar do que seria um patrono, ao oferecer a Jesus e outros um banquete em sua casa.

52
Ela, uma conhecida pecadora da cidade, sem nome, de origem desconhecida, que oferece a
Jesus lágrimas, beijos e unguento perfumado.

Essas formas de narrar geram algumas combinações de elementos, produzindo uma forma
que emprega valores aceitos que distinguem um do outro. Essa forma pode passar a ser uma
regra, caso, segundo Saussure, esses meios de expressão se tornem convenção, que só ganha
conotações simbólicas diante da coletividade (SAUSSURE, 2012, p. 160).

Sendo assim, a normatividade das características empregadas à figura do fariseu atribui à


mulher, que não se enquadra nessas categorias, uma aparente desidentificação de suas próprias
características, ao deixar de fora da narrativa, por exemplo, seu nome e origem. Mas é a partir
do conjunto simbólico escolhido pelo autor para narrar sobre a mulher de Lc 7, pecadora, sem
nome, sem origem determinada, é onde repousa os contornos da sua identidade.

3.1.1. Pecadora e impura

Para os judeus narrados nos textos cristãos, o momento à mesa e a comensalidade são de
intensa preocupação. Em Lc 7.33, Jesus, ao comparar o profeta João Batista consigo, o faz
diante do ato de beber e comer: “Veio João, o Batista, que não come pão nem bebe vinho, e
dizeis: ‘Tem um demônio’. Veio o Filho da Humanidade comendo e bebendo e dizeis: ‘Eis um
comilão e bêbado, amigo de cobradores de imposto e de pecadores’”. Imediatamente, após esta
fala, ele é convidado pelo fariseu Simão a comer em sua casa, dando origem a narrativa de
7.36-50. Tolentino diz: “Os judeus, que aceitavam relacionar-se com pagãos nas sinagogas,
mercados e nas ruas, mantinham uma separação estrita no momento de compartilhar a mesa.
Porque pela comensalidade passa a preservação da identidade do povo judeu” (2004, p. 73).

Uma passagem sobre a morte do rei Acab em 1 Rs 22.38 diz que “enquanto se lava o carro
na piscina de Samaria e os cães lambiam o sangue de Acab, as prostitutas ali se lavavam,
conforme a palavra que dissera o Senhor”. Tão imundo eram os cães lamberem o sangue do
“mal” rei Acab quanto ele ser misturado com os fluídos das prostitutas.

Há ainda outros episódios que demonstram a vigilância dos judeus com a contaminação e
o ato de se alimentar. Por exemplo, Mt 15.2: “Por que razão transgridem os teus discípulos a
tradição dos antigos? Pois não lavam as mãos antes de comerem pão”. No evangelho de João
2.6, essa necessidade de lavar-se fica clara: “Havia ali seis vasilhas de pedra preparadas para
os ritos de purificação dos judeus, com capacidade de duas ou três medidas cada uma”. As
talhas ficavam fora da casa, para que purificassem tudo ao entrar na casa, pois caso tivessem

53
tocado algo impuro no caminho não levariam a impureza para a casa. Assim sendo, a limpeza
e pureza no momento é um fundamento.

O fariseu se incomoda com a mulher em seu espaço destinado à comensalidade: sua


desaprovação está ligada ao fato de Jesus não se importar em ser tocado por tal mulher. Devido
ao toque da mulher, todo o sistema de pureza do fariseu fica, segundo sua visão, contaminado
pelo pecado da mulher. O pecado da mulher e sua contaminação também estão dentro do campo
simbólico de seu sistema de pureza como antagonista. Ainda que a mulher não fosse uma
“pecadora”, ela se torna uma dentro do sistema de pureza do fariseu. Ser pecadora, nesse
sentido, se identifica com o ponto de vista escolhido na forma de narrar.

É aí que se dá a consistência da repreensão de Jesus ao fariseu. O texto posto na boca de


Jesus confronta ação por ação entre a mais amada e o fariseu: a) fariseu não oferece água para
Jesus se purificar, ela lavou seus pés com lágrimas e secou com os cabelos; b) fariseu, como
anfitrião não o honrou com um beijo, a inominada não parou de beijar seus pés; c) também não
houve da parte do fariseu a unção, que seria mais uma demonstração de honra, porém a mulher
derramou perfume nos pés de Jesus.

A honra de ser o anfitrião, e a mesma honra que este deveria oferecer aos seus convidados,
é deslocada pela justaposição fariseu x pecadora que mais ama, toda a purificação, que deveria
ser provida a Jesus pelo fariseu, é feita pelos fluídos e perfume derramado pela mulher. A
pecadora que mais o ama cria, através de seus atos, um paralelo representativo inversamente
proporcional: pecadora da cidade = atributos de anfitrião x fariseu = quem é pouco perdoado.
Tratando-se a narrativa lucana de tentar reproduzir fatos definitivos na narração da história de
Jesus, o autor demonstra aqui um embate entre a cultura do anfitrião seus próprios atos. A
honra do fariseu, baseado em códigos de pureza alimentar, entre outros códigos, tão
fundamental no sistema religioso de pureza do fariseu, desmorona no seu não cumprimento das
ações primordiais listadas por Jesus e cumpridas pela pecadora que mais o ama. Ela cumpre
cada uma dessas ações, não pelo fardo da busca de honra dada através das normas religiosas,
extremamente criticadas por Jesus, mas pelo compartilhamento do amor.

3.1.2 Inominadas

A escolha do autor lucano em insistir em não nomear a mulher pecadora que mais ama a
Jesus é a criação de um sistema, o qual o texto atribui intrinsecamente uma simbologia a essa
falta de nome. Principalmente porque a mulher ocupa na narrativa um lugar antagônico ao do
fariseu devidamente nomeado. Outro exemplo dessa escolha dentro do texto de Lucas é a lista

54
do início do capítulo 8. Essa oposição cria um sistema de valores dos quais os nomes ou a falta
deles se correspondem, dependendo de sua posição.

Maria, chamada Madalena, Joana, mulher de Cuza, administrador de Herodes e Suzana


não teriam, por si só, poder de fazer compreender a diferença essencial do valor do nome. Seus
nomes formam um conjunto e esse conjunto cria um conceito: algumas mulheres que seguiam
e viajavam com Jesus tinham nomes, outras não. Esse conceito, criado nesse sistema de
linguagem que é o texto lucano, confere condições de representação, ainda que ele o faça
arbitrariamente, de um tipo de mulher que é contada por seu nome e de outro tipo que não
recebe nome.

O nome não é um valor por si só, mas passa a ser signo linguístico na medida comparativa
do jogo de palavras do texto. Os nomes evocam formas atribuídas a eles, são conceitos de
mulheres que caminhavam com Jesus. Assim sendo, o nome dessas mulheres cria um vínculo
associativo no imaginário lucano: mulheres que andavam com Jesus e tinham nome x mulheres
que não tinham nome.

O signo linguístico une não uma coisa e uma palavra, mas um conceito e uma imagem
acústica. Esta não é o som material, coisa puramente física, mas a impressão psíquica
desse som, a apresentação que dele dá o testemunho de nossos sentidos; tal imagem
é sensorial e, se chegamos a chamá-la “material”, é somente nesse sentido, e por
oposição ao outro termo de associação (SAUSSURE, 2012, p. 106).

Essa oposição se dá exatamente em relação às “muitas outras, que os serviam a partir das
suas próprias posses”. Cria um tipo de sentido para as que são nomeadas e outro tipo de sentido
para as que não são nomeadas. Ainda Saussure: “Vê-se, pois, que nos sistemas semiológicos,
como a língua, nos quais os elementos se mantêm reciprocamente em equilíbrio de acordo com
regras determinadas, a noção de identidade se confunde com o valor e vice-versa” (2012, p.
156). Nessa perspectiva, por trás da escolha em não nomear, de trocar suas identidades pela
generalização ou “metaforização” destes, o autor de Lucas cria outro sistema de equivalência,
“muitas outras” = ninguém, desaprovadas, sem identidade e sem valor.

Essa fórmula de determinação de valores dada pelo nome ou falta dele, fariseu Simão x
uma mulher pecadora da cidade, é também paradigmática com a relação da associação de
gênero que cada personagem ocupa: homem da lei x uma mulher. Ainda que suprimido o nome
Simão, esse valor aparece intrínseco na normatividade das características de identificação.

55
Assim a ausência de nome da pecadora que mais ama e das também inominadas de Lc.8,
criam um novo sistema de linguagem dentro da narrativa lucana. Esse sistema permite criar
uma analogia entre essas mulheres, formando uma identificação de uma em todas as outras, ou
seja, elas formam um bloco de representação de todas as mulheres inominadas.

3.1.3. Independência financeira

A independência financeira não era uma possibilidade para as mulheres judias. Se


existissem ganhos, eles seriam, no caso das casadas, direito do marido, a mulher não ficava
com nada. No caso da solteira, seus ganhos eram automaticamente do pai (JEREMIAS, 1983,
p. 478).

Nos relatos paralelos de Lc 7.36-50, encontrado nos sinópticos de Mt 26.6-13 e Mc 14.3-


9 e também no texto do evangelista Jo 12.3-8, a reclamação sobre o alto preço do óleo/perfume
que unge Jesus está presente. É provável, então, que mesmo sem a participação dos discípulos
na reclamação do desperdício do dinheiro do produto, tal valor esteja empregado no frasco de
alabastro com perfume, trazido pela mulher que mais o ama.

Esta talvez seja mais uma marca que aponte para a forma de ganho financeira dessa mulher,
suas origens geográficas e culturais, que poderia dispor de suas finanças livremente a ponto de
derramá-los aos pés de Jesus. Devido ao alto preço do perfume, provavelmente, é baixa a
probabilidade de essa mulher ter escondido o possível lucro do seu pai, marido ou dono, no
caso de ela ser uma escrava da prostituição.

E, de acordo com Tolentino, há uma cadeia analéptica nos episódios de Lucas (2011, p.
50). Seguindo essa cadeia, a qual Tolentino emprega na narrativa de Lucas, mais uma vez é
possível estabelecer a ligação da mulher de Lc 7 e as mulheres no início do capítulo 8: mulher
liberta de seus pecados/mulheres que serviam Jesus a partir de suas posses. E ainda um paralelo
possível e da narrativa que finda o capítulo 8. O texto da filha do chefe da sinagoga que Jesus
ressuscita é entrecortado por uma mulher, também inominada, que gastara todo o seu
patrimônio tentando curar-se de um fluxo de sangue ininterrupto por doze anos. A narrativa
fantástica por si só, segundo Tolentino, tem paralelos como: a) permanecem inominadas; b)
por trás de Jesus; c) tocá-lo, quando seria impróprio e afronte a uma mulher judia; d) surgem
com características específicas pecado/doença; e) “intrometendo-se” num episódio em
andamento (2011, p. 50-51). Essa mulher também é, pelo que conta a narrativa, dona de suas
posses.

56
3.1.4. Estrangeiras

Sobre a ascendência geográfica da pecadora que mais o ama, a proposta mais plausível é
que ela seja uma estrangeira no mundo judaico. Isso devido a algumas questões como: 1) ser
dona de suas posses, 2) ao invés de um nome, seguido de uma orientação da origem ou casa de
onde vem, a semelhança das mulheres nominadas de Lucas 8, ela tem esse título de pecadora
da cidade, 3) a forma de se apresentar só na casa do fariseu.

Para uma cultura que preza por manter as tradições tão preservadas, a relação com as
mulheres não era diferente. As regras do convívio social com as mulheres eram também de
rigor absoluto. A regra sustentava que mulheres não poderiam sair sozinhas de casa, nem com
cabeça e rostos descobertos. A mulher deveria passar despercebida. Seus assuntos deveriam ir,
no máximo, até a soleira da porta (JEREMIAS, 1983, p. 471). Porém, da mesma forma que na
sociedade romana, as mulheres que detinham menos recursos econômicos geralmente não
podiam manter a mesma separação dos espaços públicos e privados (JEREMIAS, 1983, p.
478).

Pensando na mulher de Lc 7 e na situação de ocupação da Palestina no século I d.C., pelo


Império Romano, não seria absurdo a proposta de ser esta mulher uma estrangeira. No começo
do capítulo 7, Lucas narra a cura do escravo de um centurião que tinha muitos soldados debaixo
do seu comando. Diante disso pode-se entender a ocupação das legiões romanas em todo
território judaico. Esses soldados, como atesta Knapp (2011, p. 189), eram encorajados a não
ter famílias estabelecidas, principalmente por causa do deslocamento das legiões e o alto custo
de sustento em deslocar-se com eles e suas famílias. Se as regras para mulheres judias eram
extremamente rigorosas no contato masculino, ou melhor, da falta de contato. Knapp observa:

Entretanto existia duas saídas facilmente acessíveis, não violentas e que não tinham
repercussão e duração a longo prazo: prostitutas e escravas, que eram geralmente a
mesma pessoa. Perto dos acampamentos provavelmente tinha prostitutas junto com
outras mercadorias (KNAPP, 2011, p. 191).

Essa pode ser a fonte da notícia dada por Lucas e o fariseu: “uma pecadora da cidade”.
Uma mulher, talvez liberta, que se prostitui nas ocupações romanas. Essa era provavelmente
uma forma muito comum de ganho para mulheres libertas romanas e, obviamente, para
senhores de escravas que deveriam lucrar alto, tendo em vista a quantidade de soldados
espalhados por todo Império. É provável também que essas mulheres se deslocavam com

57
frequência, acompanhando o deslocamento das tropas. Assim, não seria problema que o mesmo
acontecesse para acompanhar o mestre peripatético, como atesta Lc 8.1-3;

E aconteceu que, em seguida, Jesus ia de cidade em cidade, de aldeia em aldeia,


proclamando e anunciando a boa-nova do reino de Deus e os doze iam com ele, assim
como algumas mulheres, que tinham sido curadas de espíritos malignos e de doenças:
Maria chamada Madalena, da qual tinham saído sete demônios; Joana, mulher de
Cuza, administrador de Herodes; e Suzana e muitas outras, que os serviam a partir
das próprias posses.

Como já comentado, às mulheres judias era empregado alto rigor na relação vida
pública/vida privada, portanto, não se aplica a uma mulher judaica sair em viagem e muito
menos aprender “esse discipulado”. Joaquim Jeremias cita duas recomendações dadas pelo
doutor da lei R. Eliezer: “Aquele que ensina a Lei à sua filha, ensina-lhe a devassidão [ela fará
mau uso do que aprendeu]” e ainda “Mais vale queimar a Torá do que transmiti-la às mulheres”
(1983, p. 490). Há também a indagação de Marta, em Lucas 10, 40, de qual seria o lugar da
mulher, uma vez que ela servia a mesa e a casa cheia de ouvintes de Jesus, enquanto Maria, a
mesma que lhe ungiu no texto de João 12, à semelhança da mulher de Lc 7, ficava sentada aos
pés de Jesus aprendendo como qualquer outro homem.

Ainda o texto de Lc 8 apresenta outra questão sobre a identidade nacional dessas mulheres
sem nome que acompanhavam Jesus e os doze: elas o serviam a partir de suas próprias posses.
Assim, dispor de seus recursos para financiar treze homens andando por Israel, provavelmente,
é mais uma marca de mulheres estrangeiras seguindo o discipulado de Jesus nas terras judaicas.

Apesar da ruptura do final de Lucas 7.36-50 e começo de Lucas 8.1-3, Tolentino diz que:

Podemos entrever, também aqui, uma linha de continuidade forte, até surpreendente
– o que atesta o génio narrativo de Lucas - entre a mulher curada dos seus pecados
por Jesus, e estas mulheres dos vv.1-3 a quem ele cura de espíritos e doenças, que
servem com seus bens (2004, p. 50).

Para ele, o jogo narrativo de Lucas se dá em transversalidade, como se cada episódio


estivesse encadeado aos que o precedem e aos que vêm depois. Com isso, a pecadora inominada
que mais o ama de Lc 7 poderia figurar entre as inominadas de Lc 8.

Ainda há os cabelos soltos da pecadora, outro fator que pode denotar seu lugar de
estrangeira. De fato, a lei judaica, em seu rigor, proibia as mulheres, principalmente as casadas,
de andar com os cabelos à mostra.

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A mulher que saía de casa sem ter a cabeça coberta, quer dizer, sem o véu que
ocultava o rosto, faltava de tal modo aos bons costumes que o marido tinha o direito,
até mais, tinha o dever de despedi-la sem ser obrigado a pagar a quantia que, no caso
de divórcio, pertencia à esposa, em virtude do contrato matrimonial (JEREMIAS,
1983, p. 474).

Contudo, a narrativa lucana não diz se a mulher entra na cena com cabelos soltos. Tudo
que o escritor de Lucas diz é que ela seca os pés de Jesus com seus cabelos. E mesmo que a
mulher estivesse de cabelos atados ou cobertos, ainda assim não passaria despercebido na cena.

A naturalidade com a qual a mulher lida em secar os pés de Jesus com seus cabelos, mesmo
que este fato esteja ligado à eventividade do choro que a levou à ação de usar seus cabelos para
tal ato, pode ser uma marca da sua origem natal e, portanto, cultural. Pois ainda que fosse uma
“pecadora da cidade”, mas de descendência judaica, é presumível que, ao entrar na casa de um
fervoroso da Lei, ela se lembrasse do rigor do ensino.

Apesar da leitura das cinco imagens no capítulo 2, onde todas as mulheres, desde as
retratadas em atos sexuais até a representação de Vênus, todas estavam de cabelos atados, não
ajudando assim a concluir o tipo de penteado ou forma pela qual mulheres do trabalho sexual
apresentavam suas madeixas, elas podem apontar, como obra de construção imagética de
linguagem do período de sua produção, para algum tipo de fetiche com as classes mais altas.
Pois, como Veyne, citando Ovídio diz que, “nunca destinou a escrever sobre as mulheres
legítimas, das quais os cabelos são pudicamente cingidos pelo bandó”.

3.2. Uma construção cultural da pecadora que mais ama

Uma das teses de Anise Strong, analisando as estruturas fundantes da Pater familia
romana, do início do Império, entende que o termo “prostituta”, usado para definir mulheres
que trocavam sexo por dinheiro, sendo escravas ou não, se tornou também um rótulo moral
usado para condenar qualquer mulher que tivesse liderança pública, fosse economicamente
autônoma, que tivesse vida sexualmente ativa. Strong conclui que esse rótulo começa a ser
empregado a essas mulheres porque causavam um problema: não estavam subjugadas a
nenhuma estrutura masculina. Nem à casa, nem a um senhor, nem a um marido. Ela ainda
destaca a importância da literatura que exaltava as matronas e mulheres, ainda que não fossem
cidadãs que se comportavam moralmente como matronas. Essa literatura era didática de
comportamento, tanto para os jovens homens quantos às jovens mulheres.

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Este exemplo pode ser usado como paralelo nas sociedades cristãs e no seu
estabelecimento em todo Império. Se assim for, o cristianismo usa a mesma base cultural,
política e de sistematização familiar para criar suas estruturas. Com isso, o caráter social do
mundo em que o cristianismo se desenvolve tem o mesmo correspondente em sua cosmovisão.
Ross Kraemer entende e indaga:

Na fase inicial, o cristianismo adotou um artificial igualitarismo que teve


consequências significativas para as mulheres, não há dúvida de que o cristianismo
finalmente surge como um dos principais autores e legitimadores do misoginismo na
cultura ocidental até o século XX. Para as feministas cristãs, tornou-se crucial indagar
se esse misoginismo representa uma característica inevitável do cristianismo ou se é
uma perversão do núcleo da crença cristã mais antiga e, portanto, mais autêntica
(1992, p. 198).

As inominadas dos textos do CP, nesta medida, se tornam mais perigosas do que as
romanas analisadas por Strong. Religião é um sistema discursivo poderoso de significação e
criação de mundos (NOGUEIRA, 2018, p. 40). Mulheres que não estão subordinadas a um
senhor, pai ou marido, são pessoas que representam a si mesmas e não um ideal normativo
social dado à partir da normatividade masculina. O que significaria no movimento recém-
criado do cristianismo mulheres que fossem independentes de uma autoridade masculina e que
performance lado a lado na proliferação das boas novas. Qual seria o recado social dado à
recém-chegados à nova seita?

3.3. A mulher de Tiatira

Mulheres, possivelmente estrangeiras, libertas que viajavam com Jesus de cidade em


cidade, de aldeia em aldeia e o serviam com seus ganhos, que poderiam ser oriundos da
prostituição provavelmente com soldados romanos, cobradores de impostos e outros
“pecadores” dos quais Jesus se julgava amigo, que encontravam no caminho. Mulheres que
dominavam, em algum nível, a comunicação em mais de uma língua e que possivelmente a
escrita em um mundo em que a regra era não escrever. Esse seria um provável perfil de
mulheres que ajudaram a disseminar o evangelho pelo mundo conhecido na época.

Segundo Paul Veyne:

Essas ex-escravas compunham um meio urbano que havia servido à boa sociedade,
conhecia seus modos, era heterogêneo, ousado, endurecido na luta pela vida e pela
liberdade, pouco sensível aos valores comuns; era entre as ex-escravas que se poderia
encontrar mulheres inteligentes, que não se intimidariam com o chileiro e a plumage

60
dos escrevinhadores e não reclamariam do escândalo, do ridículo e do esnobismo
(2015, p. 146).

Essas mulheres, como discutido acima, tinham, além das descrições que Veyne salienta,
certa independência financeira, conhecimento de mais de uma língua, sabiam viver na vida de
estradas. Todas essas características e qualidade as colocam na categoria daquelas que
poderiam ser enviadas por Jesus a plantar as boas-novas, à semelhança dos setenta enviados,
narrado em Lc 10.1.

Talvez um destino seguido por essas mulheres tenha sido as cidades da Ásia Menor, que
era onde estavam localizadas as principais vias romanas e, portanto, as cidades fora da Itália
que viviam seguiam seus costumes. Assim, parece natural que essas cidades fosse alvo do
evangelho e de seus enviados. Mesmo que em Mediterrâneos opostos, essas mulheres dotadas
das capacidades listadas acima, poderiam ter ajudado na semeadura das sementes do
evangelho.

Não há intenção aqui de trabalhar ou dar cabo do gênero literário apocalíptico, no qual se
encontra a narrativa da carta enviada à igreja de Tiatira, situado em Ap 2.18-29, mas apenas
como exemplo de possível destino dessas prostitutas discípulas que viajavam com Jesus. Não
podemos deixar de salientar, que é o próprio texto que admite que há uma mulher na liderança
espiritual dessa comunidade. Como se adquire tal influência sendo mulher no século 1? Faz
sentido vir de uma notícia que, essa mulher era daquelas que andavam com Jesus e que
contribuiu financeiramente para que ele fosse de cidade em cidade? As perguntas de como,
podem ser varias. O fato relatado pelo texto é que, havia uma mulher poderosa em palavras e
que precisava ser combatida.

As cartas enviadas às igrejas da Ásia Menor seguem um padrão. Primeiro, é feito um elogio
vindo “da parte do Senhor” e, na sequência, uma repreensão que seria aquilo que o Senhor tem
contra a congregação e é algo do qual elas necessitam se arrepender.

No caso de Tiatira, o elogio refere-se às obras de amor e fé e o serviço de perseverança.


Porém, essa igreja tem recebido o ensino da mulher denominada Jezabel, que se afirma
profetiza e desvia os escravos do Senhor de seus ensinamentos, fazendo-os fornicar e comer
carne sacrificada a ídolos. O castigo dessa mulher será ser lançada à cama junto com os que
com ela cometem adultério e esses terão grande aflição. O Senhor “matará de morte” os seus
filhos e isso será para mostrar que aqueles que conhecem a profundeza de Satanás serão
retribuídos conforme suas obras.

61
Köster entende que o material elaborado pelo autor do Apocalipse de João tem grande
influência dos apocalipses judeus e que o Antigo Testamento desempenha uma função
fundamental na narrativa (1988, p. 777). Isso é verificável diante de alusões à figura de Jezabel
que, segundo o livro de 1 Rs 16.31, era uma princesa sidônia que tinha por prática religiosa o
culto ao deus Baal. Ela foi casada com o rei Acab que, segundo o livro bíblico, fez o mal aos
olhos do Senhor. A morte da rainha está descrita no livro de 2 Rs 9 e conta que ela foi atirada
da janela, provavelmente do palácio, por dois eunucos. O texto conta que, ao ver seu algoz, ela
pintou os olhos e enfeitou sua cabeça. Seu corpo foi pisoteado por cavalos e seus restos comidos
por cães. Os filhos deles também foram mortos, degolados por seus preceptores, segundo a
narrativa de 2 Rs 10.

Ross Kraemer, em “Her share of the blessing”, ao analisar comunidades que acreditavam
em um eminente fim do mundo, sugere que era extremamente valorizada a ideia de ascetismo
sexual, uma vez que as estruturas deste mundo acabariam a qualquer momento e que, assim, a
ideia de transmissão de propriedade a herdeiros, que seria o motivo moral que justificaria o
sexo, não teria mais sentido. Para ela:

Nessas comunidades, as divisões tradicionais do trabalho seguindo a linha de gênero


são atacadas, pois, se as mulheres não tiverem filhos, uma das principais divisões do
trabalho desaparece, liberando as mulheres para participar da vida pública da
comunidade (1992, p. 200).

Kraemer ainda diz que, nesses grupos, o crescimento se daria através da conversão e não
através do nascimento de mais membros. Ainda completa que, em um mundo de escassez, ter
crianças para alimentar também seria um problema (1992, p. 201).

É plausível, então, que em Tiatira houvesse mulheres que se ocupavam da vida pública da
comunidade e, de certa forma, liderava e ensinava tal grupo, assim como fariam com seus
filhos. Isso é o que a narrativa da carta deixa a entender, uma vez que essa mulher tem
seguidores/filhos que juntamente com ela irão pagar com grande aflição.

Essa memória que lê a mulher de Tiatira como Jezabel evoca culturalmente um símbolo,
empregando a figura dessa mulher como exemplo daquilo que não se deve ter em uma
comunidade cristã: mulheres que ensinam, profetizam e lideram. “Símbolos culturais guardam,
no entanto, muito de sua numinosidade ou ‘magia’ original. Sabe-se que podem evocar reações
emotivas profundas em algumas pessoas, e esta carga psíquica os faz funcionar um pouco como
os preconceitos” (JUNG, 2016, p. 117).

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Uma proposta, seguindo Jung, é que a opção do redator em comparar essa líder de Tiatira
a uma famosa rainha do Antigo Testamento evoca a esse comportamento feminino a mesma
carga de desagravo. Na cultura israelense, do qual o autor tem grande conhecimento, mulheres
não devem passar além dos assuntos domésticos, não devem apreender os preceitos religiosos,
sendo melhor queimar a santa palavra do que ensiná-la a uma mulher, demonstrando quão
grave seria aprender delas.

Tina Pippin, em “Apocalyptic Bodies”, comenta o fato de o simbolismo “Jezabel” ser o


equivalente rival de Elias, e que essa oposição ao grande profeta israelita se relaciona, no Novo
Testamento, na mesma proporção de oposição do Antigo Testamento (1999, p. 33). Ela ainda
destaca que “Jezabel é a influência estrangeira que é perigosa e traz destruição. Considerando
Jezabel, sua reputação a precede, independente de quão restrita ou misógina seja sua
apresentação” (1999, p. 34).

Também no que concerne à morte da rainha Jezabel, a mulher de Tiatira terá morte
igualmente trágica e, assim como os filhos da rainha do Antigo Testamento, os da Jezabel de
Tiatira serão erradicados da terra, mortos violentamente. Não sobrará nenhum tipo de
lembrança.

Assim, o autor de Apocalipse, através do uso da memória de Jezabel para identificar essa
mulher que ensina, lidera e profetiza em Tiatira, cria o discurso de que mulheres com esse
comportamento terão o mesmo fim, ela e os que ousarem segui-la. De volta a Jung:

Esse exemplo mostra a maneira pela qual os arquétipos aparecem na experiência


prática: são ao mesmo tempo imagem e emoção; e só podemos nos referir a arquétipos
quando esses dois aspectos se apresentam simultaneamente. Quando existe apenas
imagem, ela equivale a uma descrição de pouca importância. Mas, quando carregada
de emoção, a imagem ganha numinosidade (ou carga psíquica) e, tornando-se
dinâmica, acarretando várias consequências (2016, p. 122).

Jezabel, em Ap 2.18-29, não é um nome e sim um acúmulo de tudo que mulheres não
devem ser. O autor usa o símbolo para coerção da comunidade. Socialmente, a mulher continua
inominada, ela perde a identidade para um arquétipo generalizante. Através da metáfora
Jezabel, o autor escolhe as bases de percepção social da comunidade e universaliza esse
conceito.
Sua estrangeirisse, não está apenas em concordância geográfica, mas nos contornos que
o jovem cristianismo começava cristalizar. O mais importante nesse sentido é a proteção de
normas, valores e princípio da insurgente comunidade cristã, e o lugar dos que compõem essa

63
sociedade. Ainda que o sustento viesse de mulheres, vista pelo sistema religioso cristão como
Jesabéis, elas deveriam aparentar como Marias e Isabéis. Pois essas estão de baixo do controle
imposto pelo conjunto de categorias aceitáveis para a construção do feminino dentro do CP.
O recado fica claro: ou as mulheres poderiam ter seus nomes apagados ou serem
identificadas com a rainha estrangeira e perigosa, que termina a vida comida por cães, caso
ousassem ser independentes das estruturas patronais, ou poderiam ser lembradas como as bem-
aventuradas mães, Maria e Isabel, contado no começo do evangelho lucano.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nem romana, nem judia, nem prostituta, nem matrona, apenas mulher. Entre essas
mulheres plurais, das quais a rede textual do cristianismo nos dá pistas de sua existência, e os
narradores que relatam essa sociedade cristã, há um verdadeiro choque correspondente à
construção simbólica de seus universos. Entretanto, esse encontro tem uma narrativa unilateral,
sendo a cultura cristã, no caso dos textos do CP, a única interprete da cultura que o rodeia e
permeia. Esses redatores, responsáveis por comunicar esta cosmovisão, parecem seguir a
mesma estrutura da cosmovisão religiosa de seus pais. Os textos, não apenas se aproximam na
forma estilística, mas na moralidade e estrutura social judaica e romana.

Como forma de organizar a vida em sociedade dessas comunidades, os textos do CP


carregam em si a necessidade de normatizar e dar significado a seus acontecimentos. É a partir
daí que estruturam, manipulam e criam seus sistemas simbólicos. Como observa Paulo
Nogueira:

Dominar categorias de percepções de mundo é uma forma estratégica de exercer poder.


Essas formas de percepção são, no entanto, tão fundamentais que mesmo os que as controlam
não se encontram isentos de seu poder de formação da realidade. Essa rede textual é
estruturante (2018, p. 41).

Diante disso, é possível afirmar que a perspectiva masculina das narrativas e o


apagamento/silenciamento e a difamação da figura feminina nos textos não são apenas por
acaso, mas é a forma de normatizar a estruturação social do cristianismo primitivo, segundo a
imagem e semelhança de seus transmissores. A construção da divindade é o detalhe da
construção social (KRAEMER, 1999, p. 199).

Este transmissor é quem emoldura o discurso do outro, assim, a forma com que as mulheres
inominadas do evangelho são descritas, principalmente a de Lc 7, acontece através do que
Bakhtin chama de fundo dialogante de quem realiza o discurso. Ela não é a que mais ama, ela
segue sendo descrita pela combinação de escolhas do narrador. Não é a forma dada a mulher,
nem a que a mulher comunica de si, mas quem escolhe a forma:

A questão aqui pode não concernir às formas de representação, mas apenas aos meios de
transmissão. Esses meios são muito diversos tanto pela informação verbo-estilística do discurso
do outro quanto pelas formas de sua molduragem interpretativa, de sua reinterpretação e

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reacentuação, indo da literalidade direta na transmissão à deturpação paródica maldosa e
premeditada e à calúnia da palavra do outro (Bakhtin, 2015, p. 133).

Não há, assim, a negação dos meios pelos quais é plausível que a mulher de Lc 7, ou outras
tantas inominadas do evangelho, ganhassem sua vida. Ser uma pecadora da cidade ou
prostituta, não é neste sentido a questão. Mas é a escolha da forma de narrar. Moralmente
construída para um fim: formar um mundo, criar categorias para sistema reconhecível do tipo
de mulher aceitável. Escolher não nomear é uma forma de esquecimento.

A leitura do feminino é tão plural quanto à leitura dos cristianismos. A distância das
leituras doutrinárias e dogmáticas tiram os velhos moldes inquestionáveis que essas
interpretações tentam perpetuar, no intuito da manutenção do controle hierárquico que as
constitui. Como diz Paulo Nogueira:

Os produtos ficcionais religiosos podem servir para questionar os modelos de realidade de


uma dada cultura, mostrar que são apenas construções, que seus modelos podem ser invertidos,
e também podem propor novas percepções de construção de mundo (2015, p. 140).

Fazer o diálogo entre, representantes das culturas que os textos se sedimentam e criar o
contato com culturas das quais eles se distanciam no tempo, é criar novas possibilidades de
sentidos e assim libertar o texto, abrir as janelas, sacudir a poeira, criando à partir desses novos
ares, novas possibilidades de interpretação da cultura. Segundo Bakhtin, é assim que nascem
os diálogos culturais:

Interpretar é dialogar com o outro e, dialogando, auscultar de uma posição extra localizada
(como um supradestinátario incluindo no conjunto da cultura de sua época), os sentidos que o
preenchem e revolvê-los, colocá-los em contato com o universo de sentidos e valores do
intérprete ou supradestinatário, pois só assim, só aos olhos da cultura do intérprete, a cultura
do outro (o interpretado) “se revela com plenitude e profundidade”. Assim, interpretar uma
obra significa completá-la no tempo como objeto estético (2017, p. 95).

É necessário um observador, para que a cultura ganhe cor e contorno, seja lá qual sejam
essas cores e contornos. A escolha do caminho que constrói a interpretação é do observador,
de acordo com sistema pré-estabelecido onde este, está inserido em sua cultura e para onde ele
deseja que a cultura aponte ao fazer suas escolhas.

Na primeira parte, este trabalho se destinou a deslocar a centralidade da interpretação na


notícia do pecado para as potentes ações que acompanham a personagem de Lc 7.36-50, com

66
o intuito de desorientar ou reorientar a visão deste texto, fazendo convergir para a mulher uma
nova atenção e identidade. Não mais a de pecadora da cidade, mas, em oposição ao seu
acusador, ao homem da Lei, que segue os preceitos de honra, hospitalidade para com o
convidado, e que faz bom julgamento das sãs doutrinas. “Vês essa mulher” é colocá-la em seu
lugar, ao centro da ação da cultura, lugar em que nascem as boas novas, no lugar de quem mais
ama, de quem é mais perdoada e liberta de seus muito pecados, através da fé que lhe salvou. E
na centralidade do ato que ela ocupa na cena, em que se chocam a doutrina do fariseu e a
nascente ideologia do Cristo, onde nasce a cultura cristã.

Para isso, analisamos brevemente conceitos clássicos de abordagem exegética para esse
tipo de texto, tais como: período de composição, possível região de sua confecção, e autoria.
Ainda que não fosse o alvo da nossa pesquisa, esses conceitos ajudam a localizar um período,
criam um objeto possível de análise.

A partir de então, buscamos novas formas possíveis de ler Lc 7.36-50. Começamos


examinando o fundo dialogal onde, os falantes da cena, Lucas, Simão e Jesus, apresentavam a
mulher que adentra a cena sem convite e com a intenção de ofertar perfume a Jesus. Desse
lugar foi possível observar o quão importante é o campo simbólico que moldam a interpretação.
O ato do pecado e o ato de devoção traduzido por amor se encontram na mesma proporção na
mulher.

Bem, nesse ponto assumimos a pecadora que mais ama como objeto central da cena,
apesar de essa não apresentar um fundo dialogal sobre si. Porém, mesmo sem apresentar
narrativa em primeira pessoa suas ações criam uma narratologia, onde acreditamos está o self
narrativo. Para tanto tivemos que abandonar, momentaneamente, a ideia do falante na cena e
assumir as potentes ações da mulher como sua forma de existir, suas ações a transformaram
em falante.

Como forma de checar a potência das suas ações e a influência cultural destas, nossa
proposta foi ler as ações da pecadora que mais: Choro que banha os pés, cabelos que secam o
choro, beijos e unção, em paralelo com duas personagens, Marie, personagem do capítulo 6 de
“O Idiota”, de Fiódor Dostoievski e a personagem central de Bertolt Brecht no poema “A lenda
da prostituta Evelyn Roe. O intuito dessa leitura foi observar a existência da visão desse “tipo
de mulher” e como as características se desdobram e se amalgamam na descrição cultural e do
lugar social que elas ocupam, a subalternidade.

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Consequentemente, a constatação desse lugar subalterno para esse "tipo de mulher”,
junto com as evidencias internas que indicam a audiência do evangelho, nos levou no capítulo
dois, seguir na busca por mulheres que poderiam dar mais pistas do tom, altura e afinação que
a voz da mulher de Lc 7 poderia ter. Encontrou-se mulheres escravas de um sistema, que as
tinham por mercadorias e posse. Porém, dentre essas, algumas que subverteram esse sistema
de alguma forma e, mesmo através da dura penalidade atribuída às curvas daquilo que limitava
seus seres, conseguiram deixar na cultura marcas de sua existência. Faziam o que as mulheres
fazem: trabalham, são inteligentes, adornam-se, organizam a cultura, fazem a cultura e também
fazem sexo.

Para isso, a cidade de Pompeia serviu como estudo de caso pela sua preservação
arqueológica que ajudou a contar parte da mentalidade dos viventes pompeianos que,
aparentemente, viam nas relações sexuais atos do cotidiano, tais como dormir, alimentar-se e
trabalhar.

Uma introdução apontando para possíveis formas com que os pompeianos lidavam com as
relações sexuais. De forma apotropaica, ou seja, como forma de proteção e patronato espiritual,
em Pompéia o deus Priapo, por exemplo, é amplamente cultuado. Também há a visão do sexo
como um regulador social, esse fato é importante, pois, nas regras sociais para manter a
virgindade das cidadãs que seria passada do patriarcado do pai para o do marido, a prostituição
entre outros fatores, ganha importante papel. Já os sexos dos comuns, os mais de noventa
porcento da população do império, interessam principalmente pelas “pegadas" deixadas nos
pixos e grafites espalhados pela cidade. Esses, criam um retrato da vida amorosa/sexual
importante dessa população.

As pinturas pompeianas de relações sexuais e a forma de retratar a mulher, um pequeno


tesouro encontrado com uma possível escrava sexual e inscrições de propaganda eleitoral que
apontam a multiculturalidade das prostitutas pompeianas, que tinham algum domínio de escrita
e uma certa rede de relacionamentos.

Ler as imagens dessas mulheres retratadas nas pinturas pompeianas, nos ajudou a pensar
como se pareciam mulheres “pecadoras”. O texto de Lucas 7, aponta para poucas características
da mulher, mas, uma evidência forte e a ocorrência do ato de secar com os cabelos os pés de
Jesus. No caso de nossas mulheres de Pompéia, todas as pinturas analisadas, tinham seus
cabelos cingidos e usavam algum tipo de adereço, colar, corrente no tornozelo e ou bracelete.
Que nos levou ao próxima ponta do triângulo. Um pequeno tesouro encontrado com uma

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mulher de aproximadamente 30 anos de idade. Era uma espécie de bolsa com algumas joias, e
em uso no braço da mulher, um bracelete com inscrições "Do mestre para sua própria
escrava”. Fechando a última ponta, o alvo foi, uma coleção de propaganda politicas
denominadas programmata, onde foi encontrado muitas mulheres como assinantes do apoio
ao cargo político, inclusive algumas prostitutas, onde descobrimos a multiculturalidade dessas,
percebendo que eram estrangeiras em Pompéia e tinham algum conhecimento em mais de uma
língua.

Esses três eixos, nos ajudaram a fazer um recorte de mulheres prostitutas e prostituídas.
Esse recorte nos permitiu delinear uma mulher possível, que no encontro com a pecadora que
mais ama, geraram possibilidade de existência.

E por último, o capítulo três, faz um encontro dessas mulheres romanas e das inominadas
dos evangelhos, principalmente através da pecadora mais amada de Lc 7. Essas mulheres se
arriscaram, quebraram as normas, viajaram, financiaram o movimento de Jesus com seus
recursos, ensinaram e espalharam as boas-novas pelo império romano.

Segundo Mikhail Bakhtin, novos elementos de analise não mudam a estrutura formal da
obra, o leitor-intérprete não a modifica como produto estético; o que ele acrescenta são os
novos sentidos que nela descobre à luz das conquistas de sua época.

As informações sobre o recorte da vida das prostitutas/prostituídas de Pompeia, nos trouxe


o contorno de mulheres libertas e ex-escravas, que continuaram se mantendo através dos seus
ganhos com a venda de seus corpos, além de vantagens e troca de favores obtidos pela
perspicácia no trato social adquirida devido as necessidades de sobrevivência. Os contornos
das mulheres pompeianas apontaram através de suas imagens pintadas, da amostra de joias
usadas e de amostras de textos em primeira pessoa, criaram um paradoxo provável de possíveis
características comuns às mulheres que acompanharam Jesus em seus dias e as possibilidades
de destino dessas mulheres. Na sua soma e de volta ao texto de Lucas 7. 36-50, encontramos
possibilidades de suas existências nas entrelinhas das narrativas dos textos, uma vez que elas
continuam às margens das recém-criadas estruturas cristãs.

Metodologicamente criamos quatro ponto de fricção entre esses encontros: pecadora que
mais ama, inominada, estrangeira e financeiramente independente. Estas categorias estão em
paridade com características que podem ser lidas nas entre linhas das ações da pecadora que
mais ama e na narrativa sobre ela. Assim criamos um paralelismo entre a personagem de Lucas

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7 e essas personagens que deixaram seus vestígios por Pompéia. E é nessa intersecção onde
repousa os contornos da sua identidade.

Esses atributos listados acima, apesar de analisados individualmente, foram lidos em


conjunto, e apontaram para uma possível figura de quem seriam essas mulheres inominadas,
que serviam Jesus com suas próprias posses, que tinham liberdade de viajar com homens que
não eram nem seus pais e nem maridos e que possivelmente, devido essas características, eram
estrangeiras na palestina.

Esse híbrido, nos lançou para outra questão; qual o destino dessas mulheres que viveram
e ajudaram a plantar as sementes das palavras do Nazareno? Mulheres que tinha independência
financeira, traquejo social, se comunicavam pela escrita e também tinham algum domínio de
mais de uma língua? Nossa proposta foi a leitura do texto Apocalipse 2, 18-29, com foco na
identidade da mulher descrita na carta a igreja oriental de Tiatira. Ainda que Lucas e Apocalipse
estejam localizados em pontos opostos do Mediterrâneo, o cristianismo se estruturou com a
mesma estrutura de ensino de seu mestre peripatético. E devido aos atributos que surgiram no
encontro da Pecadora que mais Ama e da pompeianas, sugerimos que essas mulheres podem
ter migrado, seguindo a rota de conquista do império romano até chegar no império
Mediterrâneo oriental. O cristianismo é a religião do Ide.

Essas mulheres abriram caminho para dar novos sentidos às inominadas do cristianismo
primitivo. Essas amadas, que conseguiram se manter e manter as viagens dos homens, de
cidade em cidade, de aldeia em aldeia, de vila em vila. Que sabiam comunicar-se em mais de
um idioma e não só pelo idioma, mas pela habilidade social que tiveram que apreender a duras
penas, mas que lhes foi fundamental nas estradas onde o cristianismo se desenvolvia. Uma
religião peripatética.

Mulheres que assumiram corajosamente a responsabilidade de ser quem eram, de enfrentar


os poderes religiosos e sistemas de condutas rigorosos com o simples fato de ser mulher. Do
sistema que tem desde sua fundação a necessidade de culpabilizar as mulheres: “a mulher que
puseste ao meu lado, foi ela quem me deu do fruto da árvore, e comi” (Gn 3.12). Que mudaram
a forma de conhecer. Ao comer, mudaram a epistemologia do mundo. Que criaram filhos para
morrerem e terem sua descendência exterminada. Mas que ainda assim ensinaram, falaram. E,
ao falar, falaram com a linguagem mais genuína, a linguagem que não escolhe o que nomear
ou não nomear, o choro.

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Esse foi o percurso deste presente trabalho: pesquisar as camadas que por tempos e mais
tempos, foram sufocadas e silenciadas; as inominadas do evangelho. Ainda que de forma nada
exaustiva, pois a este trabalho não cabe uma única pesquisa. Porém, tentou ser grata e honrar
algumas que replantaram a semente daquele primeiro fruto, para que a árvore não pare de
produzir conhecimento. Foi, no mínimo, a tentativa de deixar a luz entrar e colocar em primeiro
plano essas mulheres que ainda que declaradas como o modelo das que são mais amadas pelo
homem que carrega o título pela qual se denomina esta doutrina, ainda são lidas como
pecadoras, endemoniadas, sem nomes e esquecidas nos horizontes interpretativos da religião.

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