Você está na página 1de 84

Bacharelado em

Teologia

Fundamentos
Bíblicos-Históricos
Organizadora
Suely Xavier dos Santos

www.metodista.br

1o semestre de 2019 – 2a edição


Universidade Metodista de São Paulo
Conselho Superior de Administração:

Presidente: Valdecir Barreros


Vice-presidente: Aires Ademir Leal Clavel
Conselheiros titulares
Secretária: Esther Lopes
Assistente do Conselho Geral da Instituições Metodistas de Educação: Bispa Marisa de
Freitas Ferreira, Marcos Gomes Torres, José Erasmo Alves de Melo, Renato Wanderley de
Souza Lima, Jorge Pereira da Silva, Andrea Rodrigues da Motta Sampaio, Cassiano
Kuchenbecker Rosing, Luciana Campos de Oliveira Dias
Conselheiros suplentes: Eva Regina Pereira Ramã, Josué Gonzaga de Menezes

Diretor Geral: Robson Ramos de Aguiar


Reitor: Paulo Borges Campos Jr.

Diretor de Graduação: Sérgio Marcus Nogueira Tavares


Diretor de Educação a Distância: Marcio Araujo Oliverio
Diretora de Pós-Graduação e Pesquisa: Adriana Barroso de Azevedo
Diretora de Extensão e Ações Comunitárias: Alessandra Maria Sabatine Zambone
Diretor da Faculdade de Teologia: Paulo Roberto Garcia
Diretor do Campus Rudge Ramos: Kleber Nogueira Carrilho
Diretor do Campus Planalto: Nilton Abreu Zanco
Diretor do Campus Vergueiro: Carlos Eduardo Santi

Coordenador do Curso de Teologia Assessoria Pedagógica


Eber Borges da Costa Ana Claudia Betonio Rubio
Ana Neri Macedo Inacio
Organizadores Eliana Vieira dos Santos
Dra. Suely Xavier dos Santos Fabiana Cabrera Silva Santos
Ms. João Batista Ribeiro Santos
Coordenação Editorial Profa. Dra.
Professores Autores Suely Xavier dos Santos
Prof. Dr. Edson de Faria Francisco
Prof. Dr. José Carlos de Souza Produção de Materiais Didático-
Profa. Dra. Magali do Nascimento Cunha Pedagógicos EAD Marcio Araujo
Prof. Dr. Nicanor Lopes Oliverio
Prof. Dr. Rui de Souza Josggrilberg Prof.
Prof. Dr. Tércio Machado Siqueira

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


expediente

(Biblioteca Central da Universidade Metodista de São Paulo)

Universidade Metodista de São Paulo

Fundamentos Bíblico - Históricos / Universidade Metodista de São Paulo.


Organização de Suely Xavier dos Santos. 2. ed. São Bernardo do Campo : Ed.
do Autor , 2015.
86 p. (Cadernos didáticos Metodista - Campus EAD)

Bibliografia
ISBN: 978-85-7814-156-1

1.Teologia 2. Ciências de religião I. Lopes, Nicanor II. Título CDD 230

UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO


Rua do Sacramento, 230 - Rudge Ramos
09640-000 São Bernardo do Campo - SP
Tel.: 0800 889 2222 - www.metodista.br/ead

É permitido copiar, distribuir, exibir e executar a obra para uso não-comercial, des-
de que dado crédito ao autor original e à Universidade Metodista de São Paulo.
É vedada a criação de obras derivadas. Para cada novo uso ou distribuição, você
deve deixar claro para outros os termos da licença desta obra.
Bacharelado em
Teologia

Fundamentos
Bíblicos-Históricos
Organizadora
Suely Xavier dos Santos

www.metodista.br

UMESP
1o semestre de 2019 – 2a edição
4
Universidade Metodista de São Paulo
Teologia

Módulo: História do Cristianismo


moderno e contemporâneo

7 As reformas na história do cristianismo

11 As reformas no século XVI

15 A consolidação dos movimentos de reforma

19 As igrejas na sociedade contemporânea

23 Filosofia e religião

29 Teologia e filosofia são esferas distintas de reflexão

Módulo: Exegese e teologia do Antigo Testamento

33 Introdução ao hebraico bíblico


sumário
39 Exegese e teologia do Antigo Testamento – Parte I

43 Exegese e teologia do Antigo Testamento – Parte II

47 Exegese e teologia do Antigo Testamento – Parte III

51 Exegese e teologia do Antigo Testamento – Parte IV

55 Características gerais do hebraico bíblico


Fundamentos Pedagógico-pastorais
e Estruturas Eclesiásticas

62 Por uma prática pedagógica libertadora

65 A igreja como comunidade aprendente

69 Introdução às teorias organizacionais e modelos


de estruturas eclesiásticas

73 Modelos de ação da Igreja e metodologias


de planejamento

77 Elementos fundamentais para a administração


eclesiástica

81 Treinamento, liderança, autoridade e responsabilidade


na administração eclesiástica
História do Cristianismo
moderno e contemporâneo

As reformas na
Módulo

história do
cristianismo

Prof. Dr. José Carlos de Souza

Objetivos do tema:
Analisar as diferentes inter­preta­ções dos
múltiplos movi­mentos de reforma nos períodos
moderno e contemporâneo;
Identificar as origens e raízes das propostas
de reforma na cristandade medieval.

Palavras-chave:
Interpretação; reforma; conciliarismo;
movimentos religio­sos populares.

www.metodista.br/ead
Neste módulo, nós vamos estudar a história do cris- Imagem 1
tianismo do século XVI aos dias atuais. Embora o período a
ser analisado seja mais breve do que o anterior, o volume
de acontecimentos e interpretações é suficientemente am-
plo para renunciarmos a qualquer abordagem exaustiva. E
já que teremos de ser rigorosamente seletivos, elegemos a
ideia de reforma como categoria-chave para entendermos
as épocas moderna e contemporânea. Assim, nesta unidade
temática, examinaremos como a Reforma tem sido compre-
endida, bem como os seus inícios no período medieval mais
recente. A ruptura que ocorre no século XVI, com Lutero e O desembarque de Colombo em São Salvador
outros, não brota do nada, nem é a primeira manifestação nas Bahamas.
do desejo de mudança, mas é parte de um processo histórico
cujo impacto experimentamos ainda hoje.
Imagem 2
A importância das Reformas na história – A revista
americana Life, republicada em português pela Veja, em
dezembro de 1998, após consultar diversos especialistas
em vários campos do conhecimento humano, organizou em
ordem inversa de importância “os 100 fatos que mudaram
o mundo do ano 1001 até hoje”. O protesto de Lutero ficou
em 3º lugar, atrás apenas da chegada de Colombo à Amé-
rica e da publicação da Bíblia por Gutenberg. O fato atesta
o reconhecimento generalizado do impacto exercido pelos
movimentos de Reforma sobre as sociedades e as culturas
no Ocidente. Porém, essa unanimidade acaba quando per-
guntamos sobre a singularidade e o significado da Reforma.
As Reformas no conflito das interpretações – De
saída, percebemos que estamos num campo minado com Lutero
muitas e polêmicas leituras, condicionadas por compromis-
sos confessionais e ideológicos bem diversos. Por exemplo,
de acordo com a visão protestante dominante, a Reforma,
ao criticar a obediência cega à Igreja em nome da liberdade
Imagem 3
cristã, constituiu-se num marco fundamental no advento dos
tempos modernos. Não apenas a pureza do evangelho teria
sido resgatada, como também a democracia e o progresso
foram assegurados pela expansão dos ideais dos refor-
madores. Como era de se esperar, a compreensão católica
tradicional caminha em direção oposta. O questionamento
das autoridades eclesiásticas contribuiu para fomentar des-
crença, e a exaltação do indivíduo levou as instituições ao
descrédito. O sectarismo e a divisão, por sua vez, deixaram as
portas abertas para a desintegração da civilização ocidental.
Um exemplar da Bíblia de Gutenberg na
Nesse contexto, Lutero aparece, desde o início, associado à Biblioteca do Congresso em Washington D.C
imagem do porco selvagem que pisou na sacrossanta vinha
do Senhor, como consta na bula papal que o condenou em 1520.
Felizmente, o diálogo ecumênico tem levado a novas interpretações e, ainda que lamente as
divisões ocorridas, reconhece a inestimável contribuição de Lutero e dos demais reformadores na
história do cristianismo. Eles são igualmente testemunhas do Evangelho de Cristo. Deste modo, são
superadas a intolerância e as controvérsias envelhecidas pelo tempo, e se ressaltam os elementos
convergentes e a mútua cooperação entre as diferentes tradições.

10
Universidade Metodista de São Paulo
Temas em aberto – Obviamente, tal convergência Imagem 4
não resolve todas as questões envolvidas, e a compreensão
das reformas permanece em aberto. Entre outros, temas
como o da periodização – a Reforma Protestante deve ser
situada nos limites da cosmovisão medieval ou inaugura a
época moderna? –, do significado econômico, social e po-
lítico dos movimentos de reforma, e da singularidade dos
fatores propriamente religiosos, continuam a ser objetos de
acalorados debates. No atual estágio da pesquisa, podem-se
identificar, ao menos, dois consensos: (1) a Reforma é um fe-
nômeno plural (daí, falarmos, com frequência, em reformas);
e (2) não deve ser restrita ao século XVI. Antes, convém se
reportar ao tempo das reformas, indicando suas raízes na
baixa Idade Média, e assinalando a sua consolidação nos John Hus
séculos subsequentes.
Projetos de reforma na cristandade medieval – Não apenas aspirações, mas propostas
concretas de mudanças se tornam crescentes no cenário social e eclesiástico da Europa, espe-
cialmente a partir do século XII. Se sempre houve críticas à Igreja, elas agora alcançam a sua
máxima expressão. Portanto, é certo dizer que o foco central dessas reivindicações se concentra
exatamente sobre a eclesiologia, então centrada numa visão piramidal, hierárquica e sacramental
de igreja. Um fator decisivo foi a emergência dos Estados modernos e o consequente naciona-
lismo que se mostrou incompatível com as pretensões universalistas da Igreja. Na verdade, tais
pretensões estavam em contraste evidente com o processo de decadência do papado que, en-
tre os anos 1309-1377, foi transferido para a cidade de Avinhão e submetido aos interesses da
França, episódio conhecido como o cativeiro babilônico da Igreja. A situação se agravaria ainda
mais no final desse período com o chamado grande cisma, ou seja, com a eleição de dois e até
três papas rivais (1378-1417). Tais conflitos favoreceram a expansão do movimento conciliarista,
liderado, sobretudo, por mestres da Universidade de Paris, que exigiam a reforma da Igreja, da
cabeça aos membros, por meio de um Concílio Geral. Muito embora tenham solucionado o cis-
ma papal, os conciliaristas não tiveram êxito em implementar as transformações desejadas na
vida da Igreja e, logo, foram superados pela reafirmação da autoridade papal. O ideal conciliar,
entretanto, sobreviveu ainda que enfraquecido.
O anseio por mudanças se espalha – A partir das Universidades de Oxford e de Praga,
porém, alcançando o conjunto da sociedade, dois outros movimentos se destacaram. Seus líderes,
John Wycliff (1328?-1384) e John Hus (1373-1415), postularam a autoridade central das Escritu-
ras, denunciaram os abusos que se multiplicavam na Igreja, condenaram a hierarquia clerical e
o papado, e rejeitaram a identificação pura e simples da verdadeira igreja com a sua instituição
vivível. As ideias de ambos foram condenadas e Hus conduzido à morte pelo fogo, mas nada disso
pôs fim ao movimento que eles iniciaram. Na região da Boêmia e da Morávia, houve protestos
armados contra a Igreja e o Império, alguns mais moderados, como os dos utraquistas – para os
quais, a Ceia deveria ser celebrada em ambas as espécies, sub utraque, isto é, o pão e o vinho –
outros mais radicais, como os dos taboritas – que anunciavam o advento do milênio, quando os
pobres e os justos reinariam.
Forte apelo popular – É bom lembrar que as críticas contra a Igreja não ficaram restritas
ao ambiente das universidades. Ao contrário, alcançaram as ruas e encontraram expressões em
inúmeros movimentos religiosos populares. Estes, em geral, se dirigiam contra a riqueza, o poder
e a ostentação da Igreja e seus líderes, e se caracterizavam por um estilo de vida marcado pela
pobreza e simplicidade. Muitos desses movimentos foram integrados à instituição, como os de
Francisco de Assis (1182-1226) e de Domingos (1170-1221); outros, perseguidos duramente pela
Inquisição, jamais foram incorporados, como os valdenses, liderados por Pedro Valdo (+1218) e
sobreviveram até nossos dias; outros, ainda, não resistiram e desapareceram, como o dos cátaros
11
www.metodista.br/ead
ou albigenses. Muitas manifestações religiosas populares, no Imagem 5
entanto, mesmo evitando o confronto direto com a instituição
eclesiástica, fugiam quase por completo de seu controle. É o caso
das beguinas e dos begardos, homens e mulheres que faziam op-
ção pela vida consagrada, de oração e celibato, fora dos quadros
dos conventos. Além disso, o descrédito generalizado da Igreja
induzia muitas pessoas a buscarem respostas às suas inquietações
espirituais fora dos meios estabelecidos pela Igreja. Leve-se em
conta, por exemplo, aqueles que buscavam no ritual de autofla-
gelação um caminho alternativo de salvação, mas, principalmente,
não nos esqueçamos dos místicos que ansiavam pela união da
alma com Deus sem apelar para quaisquer meios exteriores. Em
resumo, o desejo por reformas não estava apenas latente, mas já
havia encontrado vigorosa expressão em inúmeros movimentos
presentes em contextos sociais e culturais bem diversos, quando
os reformadores do século XVI deram início à sua pregação.

Início do Evangelho de João, em uma


cópia da tradução para o inglês da
Bíblia de Wyclif

Referências

CHAUNU, Pierre. O tempo das reformas (1250-1550): história religiosa e sistema de civili-
zação. Lisboa: Edições 70, 1993. (A Crise da Cristandade, 1).

GEORGE, Timothy. Teologia dos reformadores. São Paulo: Vida Nova, 2004, p. 15-51.

LINDBERG, Carter. As reformas na Europa. São Leopoldo: Sinodal, 2001, p. 13-73.

Referências de imagens:
Imagem 1
Disponível em:<http://pt.wikipedia.org/wiki/Imagem:Gutenberg_Bible.jpg> Acesso em: 09 jan 2007.
Imagem 2
Disponível em:<http://pt.wikipedia.org/wiki/Imagem:Christopher_Columbus 4.jpg> Acesso em: 09
jan 2007.
Imagem 3
Disponível em:<http://pt.wikipedia.org/wiki/Imagem:Luther46c.jpg> Acesso em: 09 jan 2007.
Imagem 4
Disponível em:<http://pt.wikipedia.org/wiki/Imagem:Wycliffe_John_ Gospel.jpg> Acesso em: 09 jan
2007.
Imagem 5
Disponível em:<http://pt.wikipedia.org/wiki/Imagem:Jan_Hus.jpg> Acesso em: 09 jan 2007.

12
Universidade Metodista de São Paulo
História do Cristianismo
moderno e contemporâneo

As reformas no
Módulo

século XVI

Prof. Dr. José Carlos de Souza

Objetivos do tema:
Elaborar um quadro geral das principais
correntes e tendências de reforma da Igreja
atuantes no século XVI;
Distinguir suas
caracterís­ticas e ênfases peculiares,
bem como reconhecer os aspectos que
partilham em comum.

Palavras-chave:
Humanismo; Lutero; tradição reformada;
reformadores radicais; anglicanismo;
contrarreforma.

www.metodista.br/ead
Um mundo em convulsão – Todas as pessoas que inves- Imagem 6
tigam hoje os movimentos de reforma que sacudiram a Europa
no século XVI, levando a rupturas duradouras no cristianismo
ocidental, reconhecem que é impossível descrever o seu impacto
e influência recorrendo apenas a um único fator explicativo. São
múltiplos os fatores envolvidos nesse processo histórico. Mudan-
ças estruturais na economia decretam o fim do sistema feudal
enquanto o capitalismo mercantil se consolida. As assim denomi-
nadas “grandes descobertas” alargam os horizontes e inauguram
o comércio em escala mundial, instituindo áreas coloniais que
orbitam em torno das metrópoles européias. A organização de
novos estados nacionais está na contramão da autoridade universal
reivindicada pela Igreja. A ascensão da burguesia altera profun-
damente as relações sociais. O espírito laico e urbano toma conta
das instituições e molda as tendências culturais. Uma nova cosmo-
visão questiona a orientação ascética, corporativista e teocêntrica Erasmo de Roterdã
dominante no período medieval. Também não se deve subestimar
o papel da imprensa na difusão de ideais antes restritos às elites
intelectuais e dirigentes. Os elementos enumerados acima indicam
que estava em curso uma transformação significativa a requerer
uma pronta resposta das comunidades cristãs. Nesse sentido, as
diversas propostas de reforma nada mais são do que tentativas de Para Erasmo
corresponder aos desafios daqueles tempos conturbados.
de Roterdã, era
O programa humanista – Era voz corrente à época dizer
que Erasmo de Roterdã (1466-1536) pusera o ovo chocado por
fundamental
Lutero, indicando com isso que os humanistas haviam precedido que todos
o reformador alemão nas críticas às práticas religiosas vigentes. De tivessem acesso
fato, repugnavam-lhes não somente os excessos da religiosidade à Bíblia e,
popular – com suas peregrinações, promessas aos santos, culto de
relíquias e indulgências –, mas igualmente os sinais de ostentação e assim,
o clericalismo da Igreja. Também se mostravam inconformados com pudessem beber
as sutilezas e os labirintos nos quais a teologia escolástica havia mer- das águas vivas
gulhado, desvirtuando a singeleza da pregação apostólica. Erasmo,
em especial, mostrou-se inteiramente consistente em apregoar a
e frescas da fé
volta às fontes cristãs. Para ele, era fundamental que todos tivessem cristã, e não
acesso à Bíblia e, assim, pudessem beber das águas vivas e frescas das cisternas
da fé cristã, e não das cisternas estagnadas da religião medieval. O
estagnadas da
seu trabalho editorial, publicando o Novo Testamento Grego e os
escritos dos pais da Igreja, estava de acordo com esse princípio. religião
A valorização do laicato e da educação, por sua vez, seriam meios medieval.
privilegiados para promover a reforma sem rupturas. Embora Erasmo
jamais tenha se apartado da Igreja Católica, o teor crítico e irônico
de obras, como o Manual do Cristão Militante (1503) e o Elogio da
Loucura (1511), fez com que a maioria de seus escritos figurasse na
lista de livros proibidos. A sua confiança nas virtudes humanas e,
em particular, na razão, contudo, o levaram a opor-se frontalmente
a Lutero que, por insistir na gravidade da condição humana sob o
pecado, ensinava que a salvação depende apenas da graça de Deus.
O protesto de Lutero – Foi exatamente a redescoberta da
mensagem paulina da justificação somente pela fé que levou o monge
agostiniano Martinho Lutero (1483-1546) a protestar com veemência
contra a venda de indulgências. Costuma-se fixar o marco inicial da
Reforma Protestante no dia 31 de outubro de 1517, quando Lutero
tornou públicas as suas 95 teses sobre o tema. Contudo, em nenhum
momento, Lutero teve a intenção de fundar uma nova Igreja.

14
Universidade Metodista de São Paulo
Apesar disso, o rompimento foi inevitável como Imagem 7
resultado da sucessão de acontecimentos e do vigor da
experiência religiosa de Lutero que não podia ser contida
nos moldes desgastados da religião estabelecida. Olhando
retrospectivamente, o reformador alemão declarou: “Sim-
plesmente ensinei, preguei, escrevi a Palavra de Deus; não
fiz mais nada... A Palavra fez tudo”. O apoio generalizado
conquistado nos primórdios, aos poucos, foi se desfazen-
do. Conflitos, separações, condenação por parte da Cúria
Romana e da autoridade imperial, revolta da baixa nobreza
e dos camponeses, ameaças, nada foi capaz de interromper
o avanço da Reforma. De qualquer modo, Lutero revelou-se
como líder, pastor e pensador capacitado para estabele-
cer as bases sobre as quais a Reforma seria construída: a
primazia da graça divina, a justificação somente pela fé, a
centralidade da Palavra de Deus, o sacerdócio universal de
todos os crentes, e o valor singular dos sacramentos do
batismo e da Ceia do Senhor. Acrescente-se que a heran-
ça luterana fincaria raízes permanentes primeiramente na
Alemanha e nos países nórdicos.
A tradição reformada – É preciso distinguir a refor- João Calvino
ma luterana da vertente reformada, cujas raízes remontam,
sobretudo, a Ulrich Zwínglio (1484-1531), reformador de Zurich, e João Calvino (1509-1564),
reformador de Genebra. Embora impactada pelo protesto luterano, a Reforma seguiu caminhos
próprios na Suíça. A quebra do jejum da Quaresma, em 1522, marca o início da obra reformadora
no cantão de Zurich. Já o francês Calvino, que pertence à segunda geração de reformadores, adere
efetivamente à causa evangélica entre os anos 1532 e 1534. Em 1536, publica a 1ª edição de sua
obra magna, As Institutas da Religião Cristã. Sucessivas revisões (oito edições em latim, e cinco em
francês) ampliam e aprofundam o conteúdo, estendendo os 6 capítulos iniciais para 80 distribuídos
em quatro livros. É um verdadeiro sistema teológico redigido do ponto de vista da fé evangélica.
Mais sensível ao lema humanista de “volta às fontes”, a herança reformada tende a ser mais racio-
nalista e biblicista do que a teologia luterana. Centralizada no tema da majestade ou soberania de
Deus, enfatiza a depravação total da humanidade, a providência divina, a eleição incondicional e a
vida de disciplina e santidade na Igreja, e diverge
do ensino luterano principalmente na compre-
ensão da Santa Ceia. Calvino admitia a presença
espiritual de Cristo no sacramento, mas recusava
interpretá-la em termos físicos como Lutero o fazia.
Vale assinalar que a tradição reformada rompeu _________________________________________
inúmeras fronteiras geográficas, expandindo-se
_________________________________________
para países como Holanda, Hungria, Alemanha,
França, Escócia, Inglaterra e suas colônias. _________________________________________
Reformadores radicais – Muitos pregado-
res julgaram que Lutero, Zwínglio e outros ficaram _________________________________________
no meio do caminho e exigiram que o ideal da
Reforma fosse levado às últimas consequências. _________________________________________
Se, a princípio, apoiaram os reformadores, logo
_________________________________________
romperam com eles pelas mais diversas razões,
entre as quais, a dependência do poder político. _________________________________________
São os chamados reformadores radicais cuja
teologia não é, de forma alguma, homogênea. É _________________________________________
comum identificar, pelo menos, três tendências:
os anabatistas, que rejeitam a Igreja Estatal e o _________________________________________
batismo de crianças; os espiritualistas, que menos-
prezam as formas externas da prática religiosa e __________________________________________

15
www.metodista.br/ead
os racionalistas evangélicos, que romperam com os dogmas trinitário e Imagem 8
cristológico. Michael Sattler (1490-1527), Thomas Müntzer (1489-1525)
e Miguel Servetus (1511-1553), entre outros, poderiam ser citados
respectivamente como representantes dessas correntes que, de resto,
foram duramente reprimidas, com a aplicação da pena de morte, tanto
em territórios católicos quanto protestantes. Não obstante, há igrejas
derivadas dessas correntes que existem até hoje, como os menonitas.
A reforma inglesa – A Reforma na Inglaterra tem contornos parti-
culares. A resistência à autoridade papal já era uma marca da monarquia
inglesa. As ideias de Wycliff também nunca foram, de todo, eliminadas. As-
sim, quando Henrique VIII rompeu com Roma (1534), abriu-se uma brecha
para que a pregação da Reforma se fortalecesse. Mas é apenas com seus
sucessores que isso ocorre. Sob Eduardo VI (1547-1553), o protestantismo
chega ao poder; com Maria (1553-1558), o catolicismo é restaurado; e,
finalmente, com Elisabeth I (1558-1603), a Igreja da Inglaterra assume a for-
ma com que é conhecida. A política religiosa elisabetana buscou pautar-se Miguel Servetus
pela via média, ou seja, ao mesmo tempo em que sustentou uma teologia
levemente calvinista (cf. Trinta e Nove Artigos de Religião), manteve muito Imagem 9
da liturgia e da constituição (por exemplo, o episcopado) da Igreja Medieval
(cf. Livro de Oração Comum). O anglicanismo tornou-se, desse modo, uma
espécie de igreja-ponte entre Roma e Genebra.
A reforma católica – Há fortes evidências de que, mesmo antes
de Lutero, a espiritualidade católica experimentava uma onda de renova-
ção. Porém, com o advento das reformas protestantes, esse movimento
adquiriu um caráter de oposição. Por isso, muitos autores preferem falar
em Contrarreforma, indicando três pilares sobre os quais ela se assenta: 1)
o Concílio de Trento (1545-1563); 2) a fundação da Companhia de Jesus
por Inácio de Loyola (1491-1556); e 3) a restauração da Inquisição. Por
meio desses instrumentos, Roma enfrentou o desafio do protestantismo,
Elizabeth I
efetivou as mudanças necessárias em suas estruturas internas, recuperou
territórios e expandiu a fé católica na Ásia, África e América.

Referências
DOLAN, John Patrick (org.). A filosofia de Erasmo de Roterdã. São Paulo: Madras, 2004.
GONZÁLEZ, Justo L. A era dos reformadores. São Paulo: Vida Nova, 2004 (Uma História
Ilustrada do Cristianismo, 6 v.
LIENHARD, Marc. Martim Lutero: tempo, vida e mensagem, 1998.

Referências de imagens:
Imagem 6
Disponível em:<http://pt.wikipedia.org/wiki/Imagem:Holbein-erasmus3.jpg> Acesso em: 09
jan 2007.
Imagem 7
Disponível em:<http://pt.wikipedia.org/wiki/Imagem:John_Calvin.jpg> Acesso em: 09 jan
2007.
Imagem 8
Disponível em:<http://pt.wikipedia.org/wiki/Imagem:Elizabeth1England.jpg> Acesso em: 09
jan 2007.
Imagem 9
Disponível em:<http://pt.wikipedia.org/wiki/Imagem:Michael_Servetus.jpg> Acesso em: 09
jan 2007.

16
Universidade Metodista de São Paulo
História do Cristianismo
moderno e contemporâneo

A consolidação
Módulo

dos movimentos
de reforma
Prof. Dr. José Carlos de Souza

Objetivos do tema:
Examinar o processo de estabilização dos diferentes
projetos de reforma e suas conseqüências imediatas,
especialmente nos séculos XVII e XVIII;
Avaliar os conflitos presentes no continente europeu
nessa época, a institucionalização das reformas,
e os movimentos de renovação que procuraram
recuperar a vitalidade da experiência religiosa.

Palavras-chave:
Ortodoxia; pietismo; meto­­­­dismo; protestan­­­tismo
norte-americano; transformações sociais.

www.metodista.br/ead
Tempos de guerras – Com Imagem 10
o advento das reformas, a Europa
não seria mais a mesma. A unidade
religiosa, sob o papado e a tradição,
havia sido definitivamente desfeita,
assim como o sonho da unidade
política, sob um só império, fora
varrido pelo surgimento do nacio-
nalismo. Essa combinação explosiva
de divisões religiosas e políticas deu
origem a conflitos e guerras que
os acordos de paz, como a Paz de
Augsburgo (1555), interrompiam
apenas temporariamente. Católicos
e protestantes, militando em campos
opostos, deixaram um rastro marcado
pelo derramamento de sangue e pela
violência. Se estabelecer a distinção Mapa da Europa em 1648, após o Tratado de Westfália. A área em
cinza representa os Estados alemães do Sacro Império.
entre as motivações religiosas e os
interesses políticos, nessa época, é
quase impossível, não há dúvida de que a religião desempenhou um papel importante nessas
tensões. Em geral, supunha-se que a estabilidade política de um Estado estava condicionada à
opção por uma única alternativa religiosa. A tolerância religiosa
e a ideia de um Estado leigo iriam se impor apenas lentamente.
Antes que isso ocorresse, no entanto, o poder das armas falava
sempre mais forte. O auge desse confronto, envolvendo a maioria
das nações européias, foi a Guerra dos Trinta Anos (1618-1648).
A paz celebrada no Tratado de Westfália trouxe o reconhecimen-
A paz celebrada no
to das fronteiras estabelecidas e a liberdade religiosa, embora Tratado de Westfália
somente para católicos, luteranos e reformados. trouxe o reconheci-
Tempo de ortodoxias – Não causa surpresa que, nessa mento das fronteiras
atmosfera, a consolidação das reformas assumisse traços de estabelecidas e a
rigidez e inflexibilidade. Usualmente não eram permitidas, entre
os próprios correligionários, quaisquer interpretações diver- liberdade religiosa,
gentes do que se considerava a reta doutrina, enquanto que se embora somente
mantinham com vigor os limites que definiam a sua identidade para católicos,
em oposição a das demais igrejas. A ênfase recaía mais sobre
luteranos e
normas doutrinárias e definições dogmáticas, expressas nos
documentos confessionais, do que sobre a vivência religiosa. reformados.
O desejo de preservar o legado dos fundadores fechava as
portas para a criatividade teológica. Assim, entre os luteranos,
estabeleceu-se o que foi denominado como “escolasticismo
protestante” em função de algumas semelhanças com a teologia
medieval, tais como, o caráter sistemático, o emprego da filo-
sofia de Aristóteles, o vínculo com as universidades mais do que com a vida eclesial, a tendência
intelectualista e a orientação polêmica. Algo similar ocorreu entre os reformados. Na Holanda, o
Sínodo de Dort (1618-1619), rechaçando as ideias de Tiago Armínio (1560-1609), definiu os cinco
pontos do calvinismo clássico: eleição incondicional, expiação limitada aos eleitos, depravação
total do ser humano, graça irresistível e perseverança dos santos. Na mesma direção, grupos que
desejavam purificar a Igreja da Inglaterra do que consideravam resquícios medievais – por isso
mesmo chamados de puritanos –, expuseram suas convicções na Confissão de Westminster (1646).
Já entre os católicos, o que sucedeu, após as definições antiprotestantes do Concílio de Trento,
foi a imposição de um único modelo de reflexão e prática eclesial, com a condenação de todas
as manifestações contrárias, como o jansenismo, que reavivava as ideias de Agostinho com seu
pessimismo acerca da participação humana no processo de salvação, o galicanismo, que pleiteava

18
Universidade Metodista de São Paulo
a autonomia dos bispos (franceses) frente ao papa, e as
tendências místicas do quietismo.
Entre a descrença e a renovação espiritual – O
apego às verdades dogmáticas e a intolerância resul-
tante, bem como o formalismo e conservadorismo reli-
gioso, não ficaram sem respostas. De um lado, geraram
o seu oposto: a incredulidade, o questionamento dos
valores cristãos, ou, ao menos, a busca de perspectivas
religiosas mais conformes à razão e à natureza, como
podemos notar no deísmo e no iluminismo. De outro Imagem 11
lado, as condições vigentes despertaram movimen-
tos de profunda renovação espiritual. Um dos mais
vigorosos, o pietismo, teve lugar na Alemanha, com o
pastor de Frankfurt, Philipp Jacob Spener (1635-1705).
Em 1670, ele começou a reunir pequenos grupos de
paroquianos, os collegia pietatis, para o estudo bíblico,
a oração e cultivo da vida de piedade. Cinco anos após,
escreveu a obra Pia Desideria (Desejos Piedosos), na
qual expôs tanto as suas preocupações quanto as suas
propostas para melhorar a situação crítica da Igreja
Evangélica. Os meios indicados incluíam o estudo Pia Desideria
intenso da Bíblia; o exercício efetivo, da parte dos lei-
gos, do sacerdócio universal dos crentes; a valorização
da prática da fé e do amor acima da reta doutrina; a
primazia da caridade nas disputas teológicas; a refor-
ma nas escolas de teologia (a vida de santidade e o
conhecimento deveriam ter o mesmo peso na formação); o reconhecimento da pregação como
instrumento para gerar e fortalecer a fé, e não apenas instruir a comunidade. A oposição a Spener
logo se manifestou e ele foi acusado de se afastar dos padrões luteranos. Contudo, não faltaram
pessoas que se associaram aos seus esforços, entre elas, August Hermann Francke (1663-1727),
que transformou a Universidade de Halle num centro de difusão do pietismo, e o Conde Nicholas
Ludwig von Zinzendorf (1700-1760), que veio a ser bispo da Igreja Morávia e ardoroso propagador
da “religião do coração”. Aliás, a importância dada aos sentimentos e à experiência imediata de
conversão levou frequentes vezes à negligência da razão na reflexão teológica e a uma certa dose
de fanatismo. Porém, o saldo final é abertamente favorável ao pietismo. Ele trouxe nova vida ao
protestantismo dogmático, ao mesmo tempo em que restaurou as suas raízes.
O reavivamento metodista – Na Inglaterra, onde sociedades religiosas, à semelhança
do pietismo alemão, procuravam revitalizar a vida cristã, os irmãos John (1703-1791) e Charles
Wesley (1707-1788) foram protagonistas de um dos mais dinâmicos movimentos na história
do cristianismo moderno. Embora descendessem de famílias puritanas, seus pais decidiram re-
gressar à Igreja da Inglaterra. Seus filhos se tornaram ministros anglicanos e, até o final da vida,
afirmaram a sua fidelidade à Igreja estabelecida. Sob inspiração de autores católicos medievais,
reuniram, na Universidade de Oxford, um grupo de estudantes interessado em buscar a santi-
dade de coração e vida, o que lhes valeu o apelido pejorativo de clube santo e de metodistas.
Em 1738, após experiências, até certo ponto, frustradas como missionários na colônia inglesa
da Geórgia, a influência dos irmãos morávios os leva a redescobrir a mensagem da justificação
pela fé. As palavras de John, em seu Diário, “senti meu coração estranhamente aquecido” se tor-
nam lugar-comum para descrever a certeza do perdão divino entre os seus seguidores. Porém,
foi a decisão de pregar ao ar livre, de ir ao encontro dos mais pobres, em 1739, que imprimiu ao
movimento a sua força revolucionária. Por detrás da prioridade dada à pregação do evangelho,
vieram outras inovações conforme o padrão aceito: organização de sociedades, reunião em pe-
quenos grupos, pregação leiga, inclusive de mulheres, sistema conexional e itinerante, etc. Apesar
dos obstáculos que enfrentou, o metodismo se expandiu para a Irlanda, Escócia, País de Gales e
colônias da América do Norte, onde, após a Independência, organizou-se como Igreja (1784). Na
Inglaterra, a separação do anglicanismo só ocorreria quatro anos após a morte de John Wesley.
19
www.metodista.br/ead
Do ponto de vista teológico, o metodismo representou uma espécie de Imagem 12
síntese das correntes de reforma, a católica inclusive, embora não se
confunda com nenhuma delas. Wesley procurou manter conjugados as-
pectos que usualmente são mantidos em separado, tais como a piedade
e a razão, a experiência pessoal e compromisso social, a soberania de
Deus e a responsabilidade humana.
Para além da Europa – Portugueses e espanhóis haviam estabele-
cido colônias no continente americano, desde o final do século XV, sob a
bandeira da fé católica. Com a derrota da esquadra espanhola, a Inglaterra
passa a disputar o controle dos mares e também se lança, com determi-
nação, na empresa colonial nos primórdios do século XVII. Deste modo,
são estabelecidas, na América do Norte, as treze colônias que, no futuro,
constituiriam os Estados Unidos. Vale destacar que a motivação religiosa
Charles Wesley
estava presente entre muitos colonos que, perseguidos por causa de sua fé
na Europa e, particularmente, em solo inglês, buscavam refúgio nas novas
terras. É verdade que a tendência predominante era reproduzir a intolerância, porém, aos poucos,
colônias como a Pensilvânia demonstraram que a liberdade religiosa era possível. De qualquer modo,
a ampla diversidade confessional abria o caminho para o respeito mútuo existente no chamado
denominacionalismo.

Referências
GONZÁLEZ, Justo L. A era dos dogmas e das dúvidas. São Paulo: Vida Nova, 2003 (Uma
História Ilustrada do Cristianismo, 8 )
SPENER, P. Jacob. Mudança para o futuro: pia desideria. Curitiba: São Bernardo do Campo:
Encontrão; Instituto Ecumênico de Pós-Graduação em Ciências da Religião, 1996.
WALKER, Williston. História da Igreja Cristã. 3. ed. São Paulo: Aste, 2006.

Referências de imagens:
Imagem 10
Disponível em:<http://pt.wikipedia.org/wiki/Imagem:Europe_map_1648.PNG> Acesso em:
09 jan 2007.
Imagem 11
Disponível em:<http://www.uni-leipzig.de/~agintern/uni600/bilder/piadesid.jpg> Acesso
em: 09 jan 2007.
Imagem 12
Disponível em:<http://pt.wikipedia.org/wiki/Imagem:Charles_Wesley.jpg> Acesso em: 09
jan 2007.

20
Universidade Metodista de São Paulo
História do Cristianismo
moderno e contemporâneo

Módulo

As igrejas na
sociedade
contemporânea
Prof. Dr. José Carlos de Souza

Objetivos do tema:
Apresentar temas básicos da história do
cristianismo, em suas múltiplas manifestações,
nos dois últimos séculos;
Prover subsídios históricos para a reflexão
sobre os grandes desafios para a vida e a missão
das igrejas nos tempos atuais.

Palavras-chave:
Movimento missionário; liberalismo;
fundamentalismo; pentecostalismo;
ecumenismo.

www.metodista.br/ead
Grandes transformações sociais – As mudanças ocorri- Imagem 14
das nos últimos dois séculos não têm paralelo algum quando
comparadas com toda a história humana pregressa. Tanto o
volume quanto a qualidade das transformações se desenvolvem
em ritmos cada vez mais alucinantes. A revolução tecnológica,
iniciada com o surgimento das indústrias, hoje se amplia para
campos bem diversificados como a informática, as comunicações,
as viagens espaciais e a manipulação genética. O avanço das ci-
ências desafia a fé oferecendo explicações para fenômenos que,
outrora, eram encarados como mistérios divinos. Os horizontes
econômicos e políticos sofreram igualmente alterações radicais.
O imperialismo das nações européias e dos Estados Unidos, as
guerras mundiais, a ascensão e desmantelamento do comunismo,
o processo de descolonização, a globalização, a crise ambiental, e
os conflitos sociais e religiosos, entre outros eventos e processos,
afetaram e afetam a forma como os cristãos põem em prática
e compreendem a sua missão. Evidentemente, a atmosfera cul-
tural, os sentimentos dominantes, numa ou noutra fase, podem
se constituir em barreiras ou facilitar a pregação cristã. Se no
século XIX e início do século XX, por exemplo, vários pensado-
res vislumbraram o fim próximo das crenças religiosas ou a sua David Livingstone
reclusão nos limites da consciência individual, hoje a presença
pública da religião é amplamente reconhecida, embora não sem
tensões. Com esse cenário em mente, vamos revisar algumas das
mais importantes questões que caracterizam o passado recente
das comunidades cristãs. David
O movimento missionário – Um dos fatos mais notáveis Livingstone foi
na história moderna, sem dúvida alguma, é a extraordinária ex-
pansão do cristianismo. Não há precedentes em nenhuma outra
um dos
época para a difusão tão excepcional que a fé cristã, em suas responsáveis por
diferentes expressões, alcançou a partir do século XIX; propria- manter vivo o
mente designado pelo historiador Kenneth S. Latourette, como “o interesse pelas
grande século das missões”. O empreendimento missionário se
expressava, então, em diferentes ações que iam desde o esforço missões e
sistemático para levantar recursos humanos e financeiros, bem espalhar a fé cristã
como traduzir e publicar o texto bíblico em diferentes idiomas, em áreas distantes
até o planejamento, envio, sustento e acompanhamento de mis-
sionários. Inúmeras sociedades missionárias, tanto nos Estados
da Ásia, África,
Unidos como em vários países da Europa, foram organizadas Oceania e
para atender as essas finalidades. Figuras notáveis como William América Latina.
Carey (1761-1864), David Livingstone (1813-1873) e James
Hudson Taylor (1832-1905), para mencionar apenas poucos
nomes, foram responsáveis por manter vivo o interesse pelas
missões e espalhar a fé cristã em áreas distantes da Ásia, África,
Oceania e América Latina. Basta lembrarmos que o protestantismo
fixa suas raízes no Brasil exatamente nesse período. Desafiados
pelo avanço protestante, os católicos também multiplicam o seu
empenho pela obra de evangelização em territórios estrangeiros.
O resultado final é que, pela primeira vez em sua longa história,
o cristianismo se torna efetivamente uma religião universal. Em
nossos dias, estima-se que um terço da população mundial esteja
ligado, real ou nominalmente, a alguma comunidade cristã.
Um traço que não podemos omitir, nessa breve retrospecti-
va, são os vínculos entre o movimento missionário e o colonialismo
promovido pelas nações desenvolvidas. O comércio e a missão

22
Universidade Metodista de São Paulo
caminhavam lado a lado e, muitas vezes, uma atividade
antecipava a outra.
Os missionários não traziam apenas o evangelho,
mas igualmente um modelo de civilização, que debilita-
va as culturas locais, destruía as estruturas tradicionais
de autoridade e facilitava o domínio colonial. Eventu-
almente, os missionários tomaram consciência dessas
contradições e protestaram, mas, em geral, criam que re-
Imagem 15
alizam o melhor possível para as populações alcançadas.
Hoje a missão não é mais vista como um movimento do
centro para a periferia, e sim como o cerne da prática
cristã que acontece em todos os lugares.
Liberalismo versus fundamentalismo – Outro
aspecto significativo que consumiu boa parte das
energias das igrejas cristãs foi o relacionamento com a
cultura moderna, marcada pelo racionalismo, secularis-
mo, e confiança quase ilimitada na ciência e progresso
humanos. Muitos pensadores cristãos, temendo que
a teologia e a prática cristã fossem cada vez mais en-
caradas como fósseis vivos de épocas ultrapassadas,
assumiram o risco de reinterpretar a fé de acordo com
o espírito e a linguagem do seu tempo. Por levaram a Walter Rauschenbusch
sério o caráter histórico da revelação e as descober-
tas da ciência, e questionarem convicções assentadas
apenas na autoridade, em vez da razão, foram desig-
nados como liberais. Um importante movimento relacionado com o liberalismo teológico, mas
não totalmente identificado com ele, foi o Evangelho Social. A exacerbação do individualismo e
a identificação das igrejas com os valores da classe média norte-americana tornavam-nas des-
preparadas para enfrentar os desafios da urbanização e do crescimento econômico nos moldes
capitalistas. Walter Rauschenbusch (1861-1918), o teólogo mais influente dessa corrente, insistia
na necessidade de um despertamento social para reavivar a força profética da mensagem bíblica.
Do lado oposto, firmaram-se os grupos conservadores, receosos de que as demasiadas conces-
sões à cultura vigente implicassem no desvirtuamento do que consideravam os fundamentos da
fé, entre outros, a inerrância da Bíblia, a divindade de Cristo, o caráter sobrenatural da revelação,
a depravação do gênero humano e a visão apocalíptica da história. Nos primeiros decênios do
século XX, as principais denominações protestantes dos Estados Unidos foram agitadas por áspe-
ras polêmicas e disputas de poder entre liberais e fundamentalistas. Na Europa, onde as guerras
mundiais varreram o otimismo da teologia liberal, os ventos de renovação teológica vieram com
a teologia neo-ortodoxa ou dialética.
A experiência pentecostal – Outra forma vigorosa de reação ao racionalismo e ao imobi-
lismo institucional das igrejas protestantes foi o pentecostalismo. Embora suas raízes remontem
ao movimento de santidade, considera-se como seu início formal a Missão da Rua Azuza, em Los
Angeles, Califórnia, liderada pelo pregador negro William J. Seymour. Em 06 de abril de 1906, um
menino de oito anos, logo seguido por outras pessoas, começou a falar em línguas, o que foi
interpretado como evidência do batismo com o Espírito Santo. Em reuniões subsequentes, outras
manifestações do poder divino – conforme criam – prosseguiram e alcançaram grande publicida-
de, apesar de a imprensa local buscar, de todos os modos, ridicularizar os fatos. Não tardou para
que a experiência pentecostal desse origem a novas igrejas e se difundisse autonomamente em
várias partes do mundo. No Brasil, os primórdios do pentecostalismo remetem a Luigi Francescon,
fundador da Congregação Cristã no Brasil (1910) e aos suecos Daniel Berg e Gunnar Vingren, fun-
dadores da Assembleia de Deus (1911). O pentecostalismo, desde então, tem passado por muitas
transformações sendo, inclusive, parcialmente incorporado no chamado movimento carismático.
A atualização da Igreja Católica Romana – Mudanças surpreendentes também ocorreram
entre os católicos romanos. O Concílio Vaticano II (1962-1965), convocado pelo papa João XXIII,

23
www.metodista.br/ead
promoveu, por assim dizer, a paz com o mundo moderno, procurando Imagem 17
ajustar as estruturas e as práticas da Igreja Católica às exigências da
sociedade contemporânea. Ainda que a recepção das decisões con-
ciliares não tenha sido uniforme, elas são
Imagem 16 fundamentais para se compreender as
múltiplas características do catolicismo
romano em nossa época.
O movimento ecumênico e o
futuro dos projetos de reforma – Se
a busca pela unidade entre cristãos se
manifestou tão logo as separações se
consumaram, foi apenas no século XX
que tal esforço assumiu formas institu-
cionais e mobilizou não apenas indiví-
duos, mas Igrejas inteiras. Com certeza,
foi por essa razão que William Temple William Temple
(1881-1944), Arcebispo de Cantuária,
declarou que o movimento ecumênico
Luigi Francescon era “o grande fato novo de nossa era”. O fato de que essa preocupa-
ção tenha surgido principalmente nos campos missionários e entre
as pessoas engajadas nas tendências do cristianismo prático é da mais alta importância simbólica.
Indica que a unidade dos cristãos não pode ser compreendida como fim em si mesmo, mas como
testemunho e serviço. Em função disso, ousamos concluir que o futuro dos caminhos de reforma
depende de sua abertura recíproca uns aos outros e Àquele que é, Ele próprio, “Caminho, Verdade
e Vida” (João 14.6).

Referências

COMBY, Jean. Para ler a história da igreja II: do século XV ao século XX. São Paulo: Loyola,
2001.

DREHER, Martin N. A igreja latino-americana no contexto mundial. São Leopoldo: Sinodal,


2007 (História da Igreja, 4).

GONZÁLEZ, Justo L. A era inconclusa. São Paulo: Vida Nova, 2003. (Uma História Ilustrada
do Cristianismo, 10).

Referências de imagens:
Imagem 14
Disponível em:<http://pt.wikipedia.org/wiki/Imagem:Davidlivingstone.jpg> Acesso em: 09 jan 2007.
Imagem 15
Disponível em:<http://www.uni-leipzig.de/~agintern/uni600/bilder/piadesid.jpg> Acesso em: 09 jan
2007.
Imagem 16
Disponível em:<http://www.etsu.edu/cas/history/resources/Private/Faculty/Fac_From1877Chapter-
Doc/ChapterImages/Ch20WalterRauschenbusch.jpg> Acesso em: 09 jan 2007.
Imagem 17
Disponível em:<http://www.balliol.ox.ac.uk/history/portraits/images/144%20William%20Temple.jpg>
Acesso em: 09 jan 2007.

24
Universidade Metodista de São Paulo
História do Cristianismo
moderno e contemporâneo

Módulo

Filosofia e religião

Prof. Dr. Rui de Souza Josgrilberg

Objetivos do tema:
Estudar o modo como os filósofos e teólogos abordam a
pergunta sobre Deus do ponto de vista da Filosofia.
Analisar, com a delimitação do campo da disciplina, o
pensamento de alguns dos filósofos, especialmente
contem­porâneos, a respeito do lugar e da experiência de
Deus em suas filosofias.

Palavras-chave:
Filosofia e teologia; razão e fé; Deus, experiência.

www.metodista.br/ead
1. Origem e delimitação de nosso estudo
A Filosofia da Religião remonta, enquanto campo de estudos e
disciplina acadêmica, ao século XVIII. Parece derivar-se da chamada
teologia natural. Desenvolveu-se tanto como esforço para compre-
ender positivamente a religiosidade bem como um ataque crítico
às possíveis ilusões da religiosidade (“estágio da humanidade”, para
Comte e Hegel; “projeção humana”, para Feuerbach; “alienação”, para
Marx; “des-valor do humano”, para Nietzsche; “neurose” e “ilusão”,
para Freud, etc...) Hoje há uma tendência para uma abordagem mais
descritiva e de reconhecimento do fenômeno religioso como uma
esfera específica da experiência humana. Especialmente a fenome- Filosofia da
nologia da religião (Schleiermacher, Otto, van der Leuwen, Eliade,
Martin Velasco, Tillich, etc) procura descrever o fenômeno religioso
Religião:
a partir de sua manifestação em relação ao sujeito humano distin- uma reflexão
guindo seus aspectos essenciais. descritiva da
Dentre as múltiplas possibilidades de entendermos o que seja experiência
Filosofia da Religião, vamos privilegiar aquela que afirma ser uma humana de
reflexão descritiva da experiência humana de Deus ou do divino em Deus ou do
seus muitos modos de manifestação. divino em seus
Os temas da Filosofia da Religião são imensamente variados. muitos
Aborda as expressões históricas das várias religiões, como os relatos modos de
míticos, os rituais, os símbolos, etc... Como não podemos abordar
todos, vamos selecionar o que mais diretamente se reporta à te-
manifestação.
ologia cristã. Um dos temas escolhidos é o da relação entre fé e
reflexão filosófica; o outro é o tema da experiência com Deus que
os filósofos revelam em suas filosofias. Assim restringimos o campo
de nosso estudo.

2. Filosofia e fé cristã
Para Calvino, o conhecimento de Deus e o conhecimento
de si mesmo estão entrelaçados. Calvino se inspira em Agostinho.
Ele começa as Instituções da Religião Cristã com a célebre expres-
são: “Quase toda a doutrina cristã pode reduzir-se a duas coisas:
ao conhecimento de Deus e ao conhecimento de nós mesmos”. E Imagem 18
acrescenta: “Em conhecendo Deus cada um a si se conhece. Pois, o
conhecimento de nós mesmos nos aguilhoa a conhecer Deus. Mas
devemos ser levados pela mão para conhecê-lo”(referência?). Calvino
defende a ideia de uma sabedoria cristã e de uma filosofia cristã, mas
recusa a razão entregue a si mesma (o racionalismo moderno que
se anunciava) como uma ameaça à fé.
Muitos filósofos cristãos perguntaram se existe uma filosofia
cristã ou se devemos buscar na reflexão filosófica maiores luzes para
o crer. Alguns responderam que não (Tertuliano, Lutero), muitos res-
ponderam que sim (Orígenes, Justino, Gregório de Nyssa, Agostinho,
Tomás de Aquino, Calvino, Wesley).
Inegavelmente existe um imenso acervo de obras filosófico- Tomás de Aquino
-teológicas dos mais volumosos e mais ricos do mundo (corpus
philosophicum christianum). De início, devemos esclarecer que nem

26
Universidade Metodista de São Paulo
a filosofia nem a Teologia cristã pretendem “provar” a veraci-
dade da fé (ou sequer confirmá-la, o que contraria a própria
dimensão de mistério que acompanha a “fé”). A fé busca in-
Toda “prova” da existência de Deus implica na aceitação teligência na
de pressupostos e concepções que são próprios de uma época reflexão e no
(concepção de natureza, de razão, de pessoa, etc).
diálogo com out-
ras esferas de
3. Deus em busca do homem compreensão e de
Embora alguns tentem provar a existência de Deus, esse busca de sentido
não é o principal objetivo da aproximação entre fé e filosofia. para vida.
Trata-se muito mais de, sem prejudicar aquilo que é essencial
à fé, esclarecer a sua coerência e consistência em face da nossa
experiência com o outro, com a cultura, com os problemas
principais de uma época. Nem a teologia nem a filosofia po-
dem dar motivos exclusivamente racionais para crer. A fé tem
princípios que lhe são próprios. Por isso, as “provas” da existência de Deus são sempre questio-
náveis ou insuficientes. Para a reflexão cristã, a busca de Deus tem muito mais sentido depois do
reconhecimento de que Deus nos buscou primeiro.
A fé tem uma luz própria (na totalidade da experiência da vida e suas relações) que leva as
pessoas a reconhecerem e a confessarem a experiência de Deus em Cristo e pelo Espírito. A confissão
é a inteligência primeira e originária da fé; e sua linguagem primeira é o culto, e a sua atitude nesse
reconhecimento é a adoração; a vida ativa se traduz em seguimento e na prática do testemunho
em sua múltiplas formas. Essa é sua inteligência primeira. A mensagem cristã, nesse nível, não se
confunde em nada com uma filosofia.
Mas a fé busca inteligência de si mesma.
A fé busca inteligência na reflexão e no diálogo
com outras esferas de compreensão e de busca
de sentido para vida. _________________________________________

_________________________________________
4. A fé não é filosofia, mas se abre para
o conhecimento filosófico _________________________________________
Há uma divergência clássica na história de _________________________________________
Igreja sobre essa questão. A atitude favorável ao
entrelaçamento da fé e da filosofia que busca e _________________________________________
necessita do conhecimento é representada, entre
_________________________________________
outros, por Agostinho e Anselmo que tipificam
todos os pais da Igreja que desenvolveram uma _________________________________________
teologia com a ajuda de uma filosofia de ins-
piração cristã. Daí as conhecidas fórmulas de _________________________________________
Agostinho, credo ut intelligam (creio para enten-
der, isto é, a fé é necessária para uma verdadeira _________________________________________
inteligência da vida, da cultura, da história e do __________________________________________
mundo, e da filosofia mesma), e de Anselmo, fides
quaerens intellectum (a fé busca a inteligência, __________________________________________
isto é, a fé traz com ela um impulso natural para
se esclarecer pela inteligência, especialmente a __________________________________________
teologia e a filosofia). A verdade primeira e divina
_________________________________________
da fé não é um pensamento (ou uma filosofia)
ou a inteligência humana que possamos ter de
27
www.metodista.br/ead
Deus, mas a fé se abre para o conhecimento.
A fé, intuição por força da graça, movimento e impulso divino em nós, luz por iniciativa
divina da revelação, constrange-nos a unir esse movimento com a nossa inteligência e prolonga-
-se em nosso conhecimento (ainda que não dependa dele para existir em sua forma primeira). A
fé busca sua expressão no culto, na ação e no conhecimento. Um dos ideais mais profundos dos
pais da Igreja era o de unir amor e conhecimento. Esse era o desejo dos irmãos Wesleys expresso
no famoso hino: “queremos unir essas duas coisas há tanto tempo separadas, o amor e o conhe-
cimento, a graça e a sabedoria, a fé e a ciência” (referência).
Mas essa posição não existiu sem contestação. Um de seus opositores clássicos foi Tertuliano,
em sua fórmula credo guia absurdum (creio porque é absurdo). Esse modo de ver a fé a coloca em
oposição à razão e se trata mais de uma resposta ao pagão que dizia “não creio porque é absurdo”.
A fé é, em sua expressão primeira, um escândalo para a razão (como escreveu o apóstolo Paulo).
Porém essa tensão entre fé e razão possui diferentes níveis. Em outros níveis ela é fundamental para
um bom relacionamento da fé com as outras instâncias da vida que requerem mediações reflexivas.
Afirmar uma oposição entre fé e razão em todos os níveis é uma contradição. Toda reflexão
ou interpretação bíblica, toda análise teológica, toda afirmação do conhecimento da fé em palavra,
envolve tanto o conteúdo originário da fé quanto a reflexão sobre ele. A inteligência humana não
pode ser recusada radicalmente.
A questão é muito mais de manter a primazia e integridade da fé como uma obra da graça1
divina e, portanto, acima do esforço humano. Mas, uma vez assegurado e afirmado a evidência dessa
fonte, somos empurrados ao conhecimento teológico da fé e à fronteira com outros conhecimentos.
Não se trata de uma “fé filosófica”. Ela existe, como monstrou Karl Jaspers, mas, essa sim,
independe da fé cristã. Uma teologia e uma filosofia de inspiração cristã não proclamam uma
“fé filosófica”, mas falam da fé cristã produzida pela ação da graça que nos move na direção da
Revelação.

5. Lutero, Calvino e Wesley: sobre filosofia e religião


Imagem 19
Nessa tarefa, a teologia e a filosofia cristãs têm sido
ajudadas e têm ajudado, como parceiras, a problematização
filosófica e a consciência científica da realidade, como também
tem cometido equívocos enormes (como não se lembrar das
condenações das ciências de Galileu, Servet, Bruno, Freud, Da-
rwin, e tantos outros?).
No protestantismo a filosofia cristã sofreu igualmente as
mesmas querelas e questionamentos. Houve os que a defen-
deram como uma necessidade e os que a atacaram como uma
ameaça. Assim, Lutero manifestou uma profunda desconfiança
da razão e da liberdade humana. Pensou que a afirmação do
princípio absoluto da luz da fé e da Palavra de Deus impunha
uma humilhação da razão.
Exemplo disso está em uma das suas melhores obras, De
Tertuliano Servo Arbítrio. Entretanto, Lutero não desqualifica inteiramente

1 - Graça que para muitos é movimento e iniciativa de Deus de buscar o ser humano para salvá-lo, mas que é
também o impulso de Deus para que o ser humano busque servi-lo também com sua mente.

28
Universidade Metodista de São Paulo
a razão que se deixa conformar pela graça e pela Palavra, e cita Imagem 20
muitos pais da Igreja com aprovação quando usam a filosofia
subjugada pela fé.
Calvino foi mais humanista e filósofo que Lutero.
Reconhecendo a iniciativa divina na produção do conheci-
mento e das evidências da fé, adotou uma posição semelhante
a de Agostinho. Tanto Lutero quanto Calvino foram muito in-
fluenciados pelo agostinismo e pela filosofia de Guilherme de
Ockham, por intermédio de discípulos deste. Para Calvino a razão
é necessária à fé.
Já Wesley teve uma avaliação francamente positiva da
razão desde que bem usada. Não hesitou em colocar a teologia
natural (teologia da criação) e a razão como fontes da Teologia
ao lado da tradição patrística, da experiência pessoal e, no centro
de tudo, a Bíblia. Wesley foi muito influenciado pelo empirismo
John Wesley
inglês, como o de Locke, e valorizou a ciência e dedicou-se pes-
soalmente a cultivar o saber da medicina da época. Na base foi
mais humanista que os pioneiros da Reforma. Evidentemente um humanismo cristão com absoluta
prioridade para a fé, a graça e a palavra de Deus.
Típico da posição de Wesley são as suas objeções a Lutero e a Calvino. Concorda com os dois
nos pressupostos basilares de Reforma, mas opõe-se a Lutero na sua concepção de santificação
como um processo que se segue à fé e não se limita ao seu surgimento. A santificação implica em
crescimento e em obras. E leva consigo um princípio de sinergia (co-atuação de Deus e do homem).
Um exemplo marcante dessa posição pode ser dado pela interpretação que Wesley dá de Rm 8.16:
“O próprio Espírito dá testemunho com o nosso espírito, de que somos filhos de Deus”. Esse ver-
sículo é interpretado do seguinte modo: O testemunho do Espírito não violenta o nosso espírito,
nossa liberdade, nossa razão. Ele dá testemunho com. Essa preposição é enfatizada por Wesley:
com o nosso espírito. O nosso espírito é livre e a autonomia da razão não é ofendida. E o sentido
da palavra grega do texto syn-martyria (testemunho com). Wesley não dissolve a liberdade e a
razão na fé, mas dá a primazia à fé e a Palavra de Deus. O humanismo de Wesley e sua apreciação
da razão e da liberdade são ilustrados pela sua aproximação com o arminianismo.
Já em relação a Calvino, Wesley se opõe a ação da graça preveniente em sua amplitude uni-
versal alcançando a todos os homens e mulheres, o que torna a perspectiva de Wesley muito mais
universalista, em princípio, que a de Calvino, pelo menos naquilo que a graça antecede a liberdade
e a razão. Portanto, Wesley está muito à vontade no reconhecimento de uma teologia e de uma
expressão intelectual inspirada pela fé cristã. E sem ferir os fundamentos centrais da Reforma. São
exemplos de como a reflexão influencia a compreensão da fé.

Referências
BOEHNER, Philotheus; GILSON, Etienne. História da filosofia Cristã. Petrópolis: Vozes, 1970.
FORTE, Bruno. À escuta do outro. São Paulo: Paulinas, 2003.
OLIVEIRA, Manfredo A.; ALMEIDA, Custódio. O Deus dos filósofos modernos. Petrópolis:
Vozes, 2002.
PENZO, Giorgio; GIBELLINI, Rosino. Deus na filosofia do século XX. São Paulo: Loyola, 1998.
TILLICH, Paul. Perspectivas da teologia protestante nos séculos XIX e XX. São Paulo: ASTE, 1986.

29
www.metodista.br/ead
Referências de imagens:

Imagem 18
Disponível em:<http://pt.wikipedia.org/wiki/Imagem:Saint_Thomas_Aquinas.jpg> Acesso
em: 09 jan 2007.

Imagem 19
Disponível em:<http://www.uni-leipzig.de/~agintern/uni600/bilder/piadesid.jpg> Acesso
em: 09 jan 2007.

Imagem 20
Disponível em:<http://www.etsu.edu/cas/history/resources/Private/Faculty/Fac_From1877-
ChapterDoc/ChapterImages/Ch20WalterRauschenbusch.jpg> Acesso em: 09 jan 2007.

_________________________________________ _________________________________________

_________________________________________ _________________________________________

_________________________________________ _________________________________________

_________________________________________ _________________________________________

_________________________________________ _________________________________________
_________________________________________ _________________________________________

_________________________________________ _________________________________________

_________________________________________ _________________________________________

_________________________________________ _________________________________________

_________________________________________ _________________________________

__________________________________________ __________________________________

__________________________________________ _________________________________

_________________________________________ _________________________________

_______________________________________ _________________________________

_______________________________________ _______________________________________

______________________________________ _______________________________________

______________________________________
30
Universidade Metodista de São Paulo
História do Cristianismo
moderno e contemporâneo

Teologia e filosofia
Módulo

são esferas distintas


de reflexão

Prof. Dr. Rui de Souza Josgrilberg

Objetivos do tema:
Discutir as diferentes formas de tratar da existência de
Deus na Filosofia e na Teologia
Analisar o modo como a Filosofia reflete sobre
a existência de Deus em diferentes períodos históricos

Palavras-chave:
Existência de Deus; filosofia contemporânea; filosofia
medie­val; filosofia antiga.

www.metodista.br/ead
O conhecimento humano da fé provoca desenvolvimentos e refle-
xões filosóficas. O que distingue uma da outra?
Na Teologia, a fé busca entender-se a si mesma na reflexão da Pala-
vra de Deus e sua revelação, na articulação de suas ideias fundamentais,
na compreensão dos atos do culto, na práxis cristã, na reflexão de sua tra-
dição e história, no esclarecimento de seu compromisso missionário com
o mundo, etc. A Teologia move-se na inteligência do mistério revelado
(mistério como uma profundidade e uma presença que conhecemos em
parte, que a nossa linguagem humana apenas toca sem poder esgotá-lo).
A filosofia de inspiração cristã busca interpretar o seu conteúdo em
diálogo com as estruturas humanas de conhecimento do mundo, da exis-
tência, da história, das ciências, etc. É por meio da filosofia de inspiração Uma grande
cristã que é possível o diálogo com as ciências (cada uma delas vistas em parte dos
suas luzes próprias ou em suas autonomias enquanto ciências, enquanto filósofos
competências específicas nas diferentes regiões do conhecimento), onde
é possível uma visão crítica (no sentido de submetida a critérios de exame contemporâ-
rigoroso) do mundo, da sociedade e em especial da pessoa humana. Essa neos, mesmo
filosofia não é a base para uma cultura cristã (como na Idade Média). A quando
filosofia cristã funda as bases de um diálogo filosófico com a realidade
em suas múltiplas manifestações éticas, estéticas, lógicas, ontológicas,
propõem
científicas, etc... uma rein-
Teologia e filosofia cristãs são atos humanos precedidos, inspirados terpretação
e exigidos pela fé (tanto quanto o amor exige obras). da experiên-
cia cristã de
Deus e a filosofia ocidental Deus, trilham
Deus tem sido uma preocupação constante da filosofia. Na Filosofia
o caminho
Contemporânea, a diversidade de caminhos acontece, principalmente, do horizonte
em torno da pluralidade de experiências e de subjetividades e moti- histórico
vações distintas. A experiência de vida e de reflexão gera respostas e cultivado
interpretações diferentes. Alguns, num processo de negação da cultura
ou das expressões religiosas observadas na sociedade, podem fazer da pela tradição
experiência de Deus um processo crítico da sociedade e um distancia- cristã.
mento das formas existentes de cristianismo. Uma grande parte dos
filósofos contemporâneos, mesmo quando propõem uma reinterpretação
da experiência cristã de Deus, trilham o caminho do horizonte histórico
cultivado pela tradição cristã.
Cada época reflete, além de um fundo comum de experiência
própria de cada ser humano, a característica de uma determinada épo-
ca. As diferenças de experiência, conforme a época, colocam diferentes
problemas; e diferentes modos de se pensar e perceber Deus na expe-
riência humana.
Na Antiguidade, Agostinho toma e presença de Deus como con-
dição e fundamento metafísico da existência humana e de todo o mundo criado. Na Idade Média
Tomás de Aquino propõe cinco provas metafísicas da existência de Deus. A razão era tida como
serva da teologia. Na Idade Moderna, os filósofos se preocupam mais com a possibilidade de
uma filosofia da divindade em geral (teodicéia, ou o que podemos racionalmente falar de Deus).
Na Filosofia Contemporânea, os filósofos já não se preocupam com as teodicéias, mas falam de
Deus tal como eles o experimentam ou de como suas filosofias revelam a preocupação, temática
ou não, a respeito de Deus.
As experiências humanas possuem uma base comum, mas, ao mesmo tempo, se configuram
de modo diferente em épocas diferentes. A experiência não é a mesma exatamente na Antiguidade

32
Universidade Metodista de São Paulo
e na Idade Média. Também já mudou em pontos importantes no Imagem 20
mundo moderno e no mundo contemporâneo. Por isso, o modo
de falar de Deus é diferente em Agostinho e Tomás de Aquino,
em Kant ou Kierkegaard. As chamadas provas da existência de
Deus eram fundamentais em épocas em que a Metafísica era
o centro da filosofia e se fundava num mundo sustentado pela
razão divina absoluta. Os filósofos contemporâneos já não se
preocupam tanto com essas provas. Olham mais para a experi-
ência humana para falarem de Deus de acordo com o que são
capazes de verificar em suas próprias vivências. Deus é expresso
mais em termos existenciais e como disposição para vida que
como um puro ente de razão. Há um fator de liberdade e de
opção existencial para falar e se relacionar com Deus. O ponto
de vista é mais relacional. O ser humano hoje admite que a vida
não se alimenta de clareza absoluta ou de provas racionais sobre
Deus. Por isso, conta muito a atitude do filósofo perante a vida David Hume
e os outros seres humanos.

“Nunca damos
O Deus dos filósofos e o Deus de Abraão um passo além de
“O Deus de Abraão, Isaac e Jacó; não o deus dos filósofos nós mesmos”.
e sábios.”
Pascal
Os filósofos partem de suas experiências para falarem de Deus ou para negá-lo. Essa limita-
ção ao mundo de nossa experiência é expressa por David Hume (1980. p. 67). “Nunca damos um
passo além de nós mesmos”. Isso acontece mesmo quando o outro ou o mundo vem de encontro
a nós como revelação.
São as experiências articuladas e refletidas que alimentam a filosofia: não podemos falar
senão daquilo que de algum modo é parte de nossa experiência. Os filósofos falam de Deus a
partir de suas experiências do mundo, de si mesmos, do outro, da natureza, da história, etc. Para
alguns filósofos, nossas experiências fundamentais são incompletas e nos inspiram uma saudade,
uma aspiração por algo divino que nos complete. Para outros, como (Martin Buber e Emmanuel
Lévinas) a experiência do “outro” implica na ideia de Deus. Ainda outros pensam que, como ser
inteligente e livre, o ser humano descobre sua dependência do outro e de Deus em gênese como
pessoa: o ser humano se desenvolve como outro-dependente e como Deus-dependente.
O filósofo, em princípio, não reflete a partir da revelação bíblica. Ele parte de suas experiên-
cias. Entretanto, o filósofo de inspiração cristã sabe orientar suas reflexões para uma integração
ou diálogo da razão com a revelação. De um modo geral, os escritores bíblicos partem do um
pressuposto de que o ser humano tem, de um modo ou de outro, uma ideia de Deus.
Assim parece indicar Paulo em Rm 1,19-20: “porquanto o que de Deus se pode conhecer
neles se manifesta, porque Deus lho manifestou. Porque as suas coisas invisíveis, desde a criação do
mundo, tanto o seu eterno poder como a sua divindade, se entendem e claramente se vêem pelas
coisas que estão criadas, para que eles fiquem inescusáveis”. A argumentação de Paulo no Areópago
de Atenas, onde encontrou os filósofos epicureus e estóicos, é bem indicativa (At 17,16-34). Paulo
afirma que são religiosos e, dentre os deuses, referem-se ao Deus desconhecido. Eles já o adoram
sem o conhecerem plenamente. Mas Paulo pressupõe um certo conhecimento prévio de Deus:
“Esse, pois, que vós honrais não o conhecendo é o que eu vos anuncio (...) para que buscassem ao
Senhor, se, porventura, tateando, o pudessem achar, ainda que não está longe de cada um de nós
porque nele vivemos, e nos movemos, e existimos, como também alguns dos vossos poetas disseram:
Pois somos também sua geração...”
A famosa máxima de Pascal levou pensadores modernos e contemporâneos a afirmarem um
abismo entre o Deus da Bíblia e o Deus dos filósofos, o Deus dos sentimentos e o Deus da razão.
Pensamos ao contrário, que necessitamos de uma certa visão ou compreensão prévias (natural,
das religiões, ou filosófica) para que Deus se revele historicamente como portador de um nome
e de uma personalidade. Essa parece também ser a atitude dos cristãos, que como Paulo, pres-
supõem algumas crenças prévias. Mesmo depois de encarnarmos a fé cristã, as relações entre as
condições prévias e a nova compreensão necessitam ser esclarecidas por uma reflexão que não é
apenas teológica.

O homem em busca de Deus


A busca de Deus na Filosofia Antiga foi marcada por uma certa concepção de natureza e de
ordem que emerge da natureza. A busca de Deus na Filosofia Medieval foi marcada pela ideia de
Criação e da ordem fixa estabelecida pela razão e vontade divinas. A busca de Deus na Filosofia
Contemporânea foi marcada por uma nova ideia de ciência, de natureza entendida pela experiência
empírica e por uma nova compreensão da subjetividade humana como sujeito do conhecimento.
A busca de Deus na Filosofia Contemporânea é marcada por uma relativização da experiência
empírica da ciência e uma valorização da experiência humana prévia à ciência. Essa experiência é
compreendida de um modo que, por ser mais ampla que os limites da ciência, não depende dela
e, ao contrário, é capaz de compreender a ciência sem necessidade de contradizê-la no plano
empírico.
A busca de Deus na Filosofia Contemporânea acontece, de um modo geral, por uma amplia-
ção da melhor compreensão da experiência. Os filósofos questionam uma determinada concepção
de Deus, mas abrem espaço para uma reinterpretação que seja mais coerente com a experiência
ampliada do mundo, do outro, da pessoa, da história, dos valores, etc.
Essas características podem ser observadas no estudo da concepção de Deus nos filósofos
contemporâneos, conforme aparecem na bibliografia indicada e nos exemplos que veremos na
teleaula.

Referências

BOEHNER, Philotheus; GILSON, Etienne. História da filosofia Cristã. Petrópolis: Vozes,


1970.

DAVID HUME, A Treatise of Human Nature, Book I, Part II, Section VI, Oxford University
Press, Oxford, 1980. p. 67.

FORTE, Bruno. À escuta do outro. São Paulo: Paulinas, 2003.

PENZO, Giorgio; GIBELLINI, Rosino. Deus na filosofia do século XX. São Paulo: Loyola,
1998.

TILLICH, Paul. Perspectivas da teologia protestante nos séculos XIX e XX. São Paulo: ASTE,
1986.

Referência de imagem:

Imagem 18
Disponível em:<http://pt.wikipedia.org/wiki/Imagem:Saint_Thomas_Aquinas.jpg> Acesso
em: 09 jan 2007.
34
Universidade Metodista de São Paulo
Exegese e teologia
do Antigo Testamento

Introdução
Módulo

ao hebraico
bíblico

Prof. Dr. Edson de Faria Francisco

Objetivos do tema:
Introdução histórica do hebraico bíblico;
Introdução ao alfabeto e à vocalização
do hebraico bíblico.

Palavras-chave:
Bíblia Hebraica; hebraico bíblico; alfabeto
hebraico; voca­­­­lização; massoretas.

www.metodista.br/ead
1. Introdução: as Línguas Semíticas Imagem 23

A língua hebraica pertence ao grupo das línguas


semíticas surgidas no Oriente Médio há vários séculos.
As línguas semíticas são classificadas em diversos grupos:
Grupo nordeste: acádico, assírio e babilônico.
Grupo noroeste: hebraico, aramaico, siríaco, ugaríti-
co, fenício, cananeu, moabita, edomita, púnico, nabateu e
hebraico samaritano.
Grupo meridional: árabe, etíope, sabeu e mineu.
Todas as línguas semíticas são escritas da direita para
a esquerda, exceto o acádico e o etíope, que são escritos
da esquerda para a direita. Os alfabetos empregados em
Códice de Leningrado B19a: David
todas elas são consonantais e só tardiamente surgiram N. Freedman et alii (eds.), The Lenin-
sinais de vocalização. grad Codex: A Facsimile Edition. Grand
Rapids-Cambridge-Leiden-New York-
Algumas línguas semíticas desapareceram há tem- Köln: Eerdmans-Brill, 1998, fólio 6b, p.
pos, como o acádico, o ugarítico, o fenício, o moabita, o 24. Texto: Gênesis 11.6b-9b.
assírio e o babilônico, enquanto outras são ainda faladas
por pequenas populações do Oriente Médio: o aramaico,
falado por cerca de 300 mil pessoas, e o hebraico samari-
tano, por algumas centenas (cerca de 300 pessoas). Outras
tornaram-se línguas litúrgicas, como o siríaco e o etíope, que
são usadas por comunidades cristãs orientais. O árabe é a
língua semítica mais falada atualmente. O hebraico, depois
de ressurgido no século XVI, e como língua falada desde o
século XIX, é hoje usado por cerca de mais de cinco milhões
de pessoas no atual Estado de Israel.

2. Os períodos históricos do hebraico bíblico


O hebraico sofreu alterações durante a sua evolução
O vocabulário da
como idioma falado e escrito do povo judeu. Através dos Bíblia
séculos, sua morfologia, fonologia e vocabulário sofreram Hebraica é
modificações, sendo possível constatar as alterações por relativamente
meio de muitos documentos antigos e modernos. Alguns limitado,
estudiosos classificam e datam da seguinte forma os perí-
odos históricos da língua da Bíblia Hebraica:
compreendendo
cerca de 8.000
Hebraico arcaico: séculos XIII a X a.C. Textos: Gênesis
49, Êxodo 15, Números 23 e 24, Deuteronômio 32 e
vocábulos, dos
33, Juízes 5, Salmo 18, Salmo 68 etc. quais 2.000 são
Hebraico pré-exílico ou hebraico clássico: séculos X a
palavras ou
VI a.C. Textos: Pentateuco, Josué, Juízes, 1 e 2 Samuel, expressões que
1 e 2 Reis, Isaías, Jeremias, Ezequiel, Amós, Oséias, ocorrem uma
Miquéias etc. única vez.
Hebraico pós-exílico ou hebraico tardio: séculos VI a II
a.C. Textos: Esdras, Neemias, 1 e 2 Crônicas, Ester, Rute,
Lamentações, Eclesiastes, Daniel, Cântico dos Cânticos,
Joel, Obadias, Ageu, Zacarias, Provérbios etc.

36
Universidade Metodista de São Paulo
Códice de Leningrado B19a:
BHS: Karl Elliger; Wilhelm Rudolph (eds.). Biblia Hebraica Stuttgarten- David N. Freedman et alii (eds.),
sia. 5. ed. Stuttgart: Deutsche Bibelgesellschaft, 1997, p. 335. Texto: The Leningrad Codex: A Facsimile
Deuteronômio 28.15a-22a. Edition. Grand Rapids-Cambridge-
Leiden-New York-Köln: Eerdmans-
Brill, 1998, fólio 6b, p. 24. Texto:
Gênesis 11.6b-9b.

3. O hebraico bíblico: aspectos gerais


A Bíblia Hebraica foi composta entre o século XII e II a.C. e seus livros refletem mais de um
estágio na evolução da língua hebraica durante o período bíblico. Percebe-se mais de um dialeto
empregado em seus textos (o dialeto de Judá e o de Israel). O vocabulário da Bíblia Hebraica é
relativamente limitado, compreendendo cerca de 8.000 vocábulos, dos quais 2.000 são palavras
ou expressões que ocorrem uma única vez.
O hebraico era uma das línguas faladas em Canaã durante o segundo milênio a.C. Os
israelitas, depois que entraram em Canaã no século XIII a.C., aprenderam o idioma canaanita, do
qual, posteriormente, surgiu o hebraico. Os ancestrais dos israelitas eram provavelmente arameus
e falavam uma antiga forma de aramaico (cf. Gn 31.47 e Dt 26.5). No texto bíblico, o idioma dos
israelitas nunca é chamado de hebraico, mas de “língua de Canaã” (cf. Is 19.18). Em outros textos
bíblicos, a mesma língua é chamada de “judaico” (cf. Is 36.11, 13, 2Rs 18.26, 28, Ne 13.24 e 2Cr
32.18), denotando, assim, ser o “idioma oficial” de Judá e de Jerusalém, sendo utilizado como forma
padrão de linguagem para a composição de textos da Bíblia Hebraica.
4. Sistemas alfabéticos
Durante o período bíblico, a língua hebraica conheceu mais de um tipo de alfabeto para re-
presentar suas letras consonantais. Como os israelitas eram vizinhos dos povos do antigo Oriente
Médio e mantinham contatos constantes com todos eles, acabaram por adotar antigos sistemas
alfabéticos. Tanto a antiga escrita hebraica (paleohebraica) como a escrita hebraica quadrática (es-
crita assíria) eram adaptações de alfabetos já existentes e usados pelos povos de origem semítica.

a. O Alfabeto Paleohebraico
O alfabeto paleohebraico foi usado na composição dos livros bíblicos surgidos no período
entre os séculos XII e VI a.C., quando os escribas usavam o hebraico arcaico e o hebraico pré-
-exílico como formas de linguagem literária. Tal alfabeto foi substituído aos poucos pela adoção
do abecedário hebraico quadrático após o período pós-exílico (cf. abaixo). Porém, o antigo sistema
alfabético continuou em uso, principalmente em alguns momentos de conflito na história judaica,
do século II a.C. a II d.C.

37
www.metodista.br/ead
Abaixo, alguns vocábulos hebraicos compostos nesse alfabeto:

b. O alfabeto assírio ou alfabeto quadrático


Após o Exílio da Babilônia (século VI a.C.), o povo judeu adotou outro sistema alfabético
na composição dos textos bíblicos em hebraico. O aramaico tinha se tornado a língua franca dos
impérios assírio, babilônico e persa quando estes estavam ativos entre os séculos XII e IV a.C. Do
século VI a.C. em diante, os judeus acabaram por adotar o aramaico em sua comunicação com
seus dominadores e com seus vizinhos.
O novo sistema alfabético tomado do aramaico para substituir o antigo abecedário paleo-
hebraico é conhecido pelos nomes: escrita quadrática ou quadrada, ou escrita assíria. O nome
“quadrático” deve-se ao formato das letras hebraicas, que é similar a um quadrado

Os textos bíblicos escritos antes do Exílio babilônico no antigo alfabeto hebraico tiveram
seus textos totalmente reescritos e adaptados ao novo padrão de escrita; essa transição foi lenta,
sendo concluída por volta do século III a.C. Alguns livros bíblicos escritos no hebraico pós-exílico
foram compostos, originalmente, já na escrita quadrática.
Abaixo, alguns vocábulos hebraicos compostos nesse alfabeto:

38
Universidade Metodista de São Paulo
5. O alfabeto hebraico
Abaixo, há uma tabela com as 22 letras do alfabeto hebraico, com seus respectivos nomes
e pronúncia.

6. Letras Finais

39
www.metodista.br/ead
6. Vocalização
O sistema de vocalização do hebraico bíblico foi elaborado entre os séculos VII e X d.C. pelos
escribas judeus, conhecidos como massoretas. O sistema conhecido hoje é denominado tiberiense,
pois foi elaborado em Tiberíades, na Palestina, pelas duas principais escolas de massoretas do local:
Ben Asher e Ben Naftali, ambas ativas no século X d.C.
A seguir há duas tabelas com os sinais vocálicos e com as semivogais, com seus respectivos
nomes e pronúncias.

Bibliografia
FRANCISCO, Edson de Faria. Manual da Bíblia Hebraica: Introdução ao Texto Massorético – Guia In-
trodutório para a Biblia Hebraica Stuttgartensia. 3. ed. São Paulo: Vida Nova, 2008.
FRANCISCO, Edson de F. (trad.). Antigo Testamento Interlinear Hebraico-Português. vol. 1: Penta-
teuco. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 2012.
HOLLADAY, William L. Léxico Hebraico e Aramaico do Antigo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 2010.
KELLEY, Page H. Hebraico Bíblico: Uma Gramática Introdutória. São Leopoldo: Sinodal, 1998.
RABIN, Chaim. Pequena História da Língua Hebraica. São Paulo: Summus, s.d.
TREBOLLE BARRERA, Julio. A Bíblia Judaica e a Bíblia Cristã: Introdução à História da Bíblia. Rio de
Janeiro: Vozes, 1996.
WALTKE, Bruce K; O’CONNOR, Michael P. Introdução à Sintaxe do Hebraico Bíblico. São Paulo: Cul-
tura Cristã, 2006.
Textos Complementares
FRANCISCO, Edson de Faria. “O Alfabeto Hebraico” (apostila).
______. “Hebraico: Consoantes, Vogais e Semivogais” (apostila).
Página na internet
www.bibliahebraica.com.br

Referências de imagens:
Imagem 23 e 24
Arquivo pessoal do autor. http:://www.bibliahebraica.com.br.
40
Universidade Metodista de São Paulo
Exegese e teologia
do Antigo Testamento

Módulo

Exegese e teologia do
Antigo Testamento
Parte I
Prof. Dr. Tércio Machado Siqueira

Objetivos do tema:
Neste tema, vamos iniciar o estudo da exegese bíblica,
primeiramente, definindo-a, para, em seguida, apresentar uma
das ferramentas mais antigas e necessárias para a interpreta-
ção da Bíblia: a Crítica Textual. A teoria e a prática deste méto-
do serão bastante observadas neste estudo.

Palavras-chave:
Exegese; crítica bíblica; Texto massorético;
Septuaginta e Vulgata.

www.metodista.br/ead
I. Tentativa de definir “exegese”
A palavra exegese vem da língua grega, e significa explanação, interpretação, tal qual encon-
tramos no Novo Testamento: “E eles narraram os acontecimentos do caminho e como o haviam
reconhecido no partir do pão” (Lucas 24, 35). “Ninguém jamais viu a Deus; o Deus unigênito, que
está no seio do Pai, é quem o revelou”. (João 1,18). “Cornélio (...) explicou-lhes tudo e enviou-os a
Jope” (Atos 10,8; conforme 15,12 e 14).
Por ser um livro especial para o ser humano, a Bíblia sempre provocou interesse. Daí o gran-
de número de comentários bíblicos dedicados à interpretação das Escrituras Sagradas. Esse forte
interesse das pessoas pelo conhecimento da Bíblia pode ser comparado ao diálogo de Filipe e o
eunuco, descrito no livro de Atos dos Apóstolos:

Filipe: Entendes o que lês?


Eunuco: Como o poderia (...) se alguém não explicar? (Atos 8,30-31).

A questão do eunuco é um perfeito exemplo do que ocorre a cada De modo


dia. Há muito interesse de entender e interpretar a Bíblia. Ele mostra-se
geral, entre
um competente estudante: necessitava de um método, ou melhor, uma
ferramenta adequada para “abrir” a sua compreensão. Enfim, Filipe foi um os cristãos,
bom exegeta para o estudioso eunuco. a exegese
Portanto, exegese é um processo pelo qual um texto é explicado de é baseada
modo sistemático. É a tarefa do arauto de comunicar a mensagem para o sobre a pres-
seu destinatário. É bom entender que o texto bíblico é o item mais funda- suposição de
mental nesta tríade – arauto, texto e destinatário –, pois ele é a razão de que a Bíblia
ser do intérprete e do estudante.
é a Palavra
De modo geral, entre os cristãos, a exegese é baseada sobre a pres- de Deus e
suposição de que a Bíblia é a Palavra de Deus e que o ser humano é o
que o ser
recipiente dessa mensagem.
humano é
o recipiente
II. Os métodos de interpretação da Bíblia dessa
O método é uma espécie de ferramenta que se usa na tarefa de inter- mensagem.
pretar o texto bíblico. Na verdade, ele varia de acordo com o gosto de cada
intérprete. Este esforço para interpretar a Bíblia é baseado em alguns pontos
críticos. Não é difícil perceber que há uma distância temporal, geográfica
e cultural entre o povo bíblico e nós. Da mesma forma, é real a percepção
de que há uma profunda distância entre a forma de comunicação do povo
bíblico e a nossa. Se não bastassem essas diferenças, é preciso pensar também que a forma de
cultuar a Deus tem um jeito alterado. Entretanto, o mais importante de tudo é que servimos o
mesmo Deus e estudamos a mesma Escritura Sagrada.
Assim, o estudo da Bíblia, usando um método exegético, não necessariamente a desvaloriza
como Palavra de Deus. Pelo contrário, mostra que somos pequenos e humildes diante dessa gran-
diosidade que é a Palavra de Deus, escrita há milhares de anos para um povo de cultura semita e
de mentalidade pastoril que vivia nas estepes ou regiões periféricas de Canaã. A tarefa exegética
pode ser comparada a dos astrônomos que usam modernos telescópios para estudar os astros
celestes. As simples lunetas não trazem resultados satisfatórios.
Diante disso, é preciso explicar que, ao longo da história de interpretação da Bíblia, foram
criados muitos métodos exegéticos para clarear, facilitar e sistematizar a exegese dos textos da

42
Universidade Metodista de São Paulo
Bíblia. Muitas pessoas têm medo da crítica bíblica,
como ameaçadora para a integridade da Palavra
de Deus. A bem da verdade, a crítica bíblica pode
ser definida como uma investigação ou um exame
apreciativo com a intenção de analisar os fatos e as
circunstâncias que trouxeram o texto bíblico. A aná-
lise crítica da Bíblia não tem nada de depreciativo.

Imagem 19
Crítica Textual
Antes de falar sobre a tarefa da Crítica Textual
(CT), é necessário explicar que o/a pesquisador/a
da Bíblia tem à sua disposição dois textos originais:
o Texto Hebraico do Antigo Testamento (Texto
Massorético) e o Texto Grego do Novo Testamen-
to. Em se tratando do Antigo Testamento, existem
cerca de quatro versões consideradas de grande
valor para o estudo do texto original. São elas: a
Septuaginta, tradução do hebraico para o grego;
Fragmento da Septuaginta
o Targum, tradução do hebraico para o aramaico;
a Siríaca ou Peshitta (Pexita), tradução do hebraico
para a língua síria; e a Vulgata, tradução do hebraico
para o latim. Além dessas versões básicas, há muitas
outras menos valorizadas, especialmente, por se
tratar de traduções tardias. Entre outras, mencionamos: Samaritana, Áquila, Teodocião, Símaco.
O trabalho da CT é feito sobre esses textos.
A função e propósito da CT têm duas naturezas. A primeira função é resgatar ou recupe-
rar a fraseologia do texto bíblico original. A bem da verdade, essa é uma tarefa hipotética e, às
vezes, inatingível. O segundo propósito é reconstruir a história da transmissão do texto bíblico
através dos séculos, à luz das traduções do texto original.

O resultado desse importante trabalho é a defe-


Imagem 20
sa e a preservação do texto bíblico original, evitando
que ele seja corrompido pela ação de pessoas mal
intencionadas. Ao mesmo tempo, o trabalho desses/
as especialistas tem proporcionado, aos estudiosos/as
da Bíblia, informações seguras sobre os textos bíblicos.
Como se percebe, a CT tem uma tarefa bastante
específica. Ela se preocupa somente com a transmissão
do texto final, por meio do texto original e das cópias
e traduções existentes. Assim, a CT tem como função
principal ser guardiã e preservadora do texto bíblico.

Targum do século 11 d.C.

43
www.metodista.br/ead
Exemplos de exercício da Crítica Textual:

Texto: Êxodo 3,6


No Texto Hebraico, lê-se: “Eu sou o Deus de teu pai”;
Na Septuaginta lê-se: “Eu sou o Deus de teu pai”;
Na Samaritana, lê-se: “Eu sou o Deus de teus pais”;
Em Atos dos Apóstolos 7,32, lê-se: “Eu sou o Deus de teus pais”.

Texto: Êxodo 3,6


No Texto Hebraico, lê-se: “o Deus de Isaque”;
Na Septuaginta, lê-se: “e o Deus de Isaque”;
Na Samaritana, lê-se: “e o Deus de Isaque”;
Em Atos dos Apóstolos 7,32, lê-se: “o Deus de Abraão, Isaque”.

Texto: Salmo 40,7 (6)


No Texto Hebraico, lê-se: “cavaste os meus ouvidos”;
Na Septuaginta, lê-se: “formaste um corpo para mim”;
Na Vulgata, lê-se: “formaste um corpo para mim”.

Conclusão
A importância da Crítica Textual é muito grande para a interpretação da Bíblia. As traduções
variantes não representam empecilhos para o exegeta, mas uma grande contribuição para clarear o
texto e ampliar as possibilidades de interpretação. A verdade é que a Crítica Textual é uma guardiã
do texto original.

Referências
FRANCISCO, Edson de Faria. Manual da Bíblia Hebraica. São Paulo: Vida Nova, 2005.
BORTOLINI, José. Conhecer e rezar os salmos. São Paulo: Paulus, 2000.
KRAMER, Pedro. Sofonias. São Paulo: Fonte Editorial, 2012.
SCHWANTES, Milto. Da Vocação à provocação. São Leopoldo: Oikos, 2011.

Referências de imagens:

Imagem 19
Disponível em:<http://pt.wikipedia.org/wiki/Imagem:Lxxminorprophets.gif> Acesso em: 10
jan 2007.
Imagem 20
Disponível em:<http://pt.wikipedia.org/wiki/Imagem:Targum.jpg> Acesso em: 10 jan 2007.
44
Universidade Metodista de São Paulo
Exegese e teologia
do Antigo Testamento

Exegese e teologia do
Módulo

Antigo Testamento
Parte II

Prof. Dr. Tércio Machado Siqueira

Objetivos do tema:
Neste tema, vamos estudar dois métodos de interpre-
tação bíblica: primeiramente, a Crítica literária será abordada
tanto na teoria como sua prática de ler o texto bíblico; a seguir,
a Crítica da tradição terá o mesmo tratamento.

Palavras-chave:
Literatura; redação; tradição e oralidade.

www.metodista.br/ead
Crítica Literária Imagem 21

Bem próximo da CT está a Crítica Literária (CL). Esta tem


como alvo o estudo da história do texto bíblico anterior à sua
redação final e editoração. Juntas, a CT e a CL, podem contribuir
para o trabalho de investigação sobre a transmissão dos textos
originais do AT e NT.
A Bíblia, particularmente o AT, é uma literatura que co-
munica a história sagrada de um povo nos diversos âmbitos da
vida. Por isso temos, no AT, textos legais, profecias, históricos,
sabedoria, litúrgicos, entre outros. O estudo dessa vasta literatura
deve obedecer alguns critérios: (a) os textos do AT foram escritos
na língua hebraica, um idioma inteiramente teológico; (b) os
livros do AT não foram escritos por um mesmo autor, mas eles
refletem a voz de diferentes pessoas e diferentes comunidades
ao longo do período bíblico; finalmente (c) é preciso levar a
sério o dado de que há uma razoável distância entre nós e os
escritores bíblicos, especialmente na maneira de comunicar a
ideia e transmitir a fé. Por essa razão, duas observações fazem-se
necessárias: (a) é justificável afirmar que a interpretação literal
da Bíblia é uma forma incorreta de ler o texto sagrado; (b) na Bíblia
interpretação da Bíblia, não se pode impor conceitos filosóficos
e categorias ocidentais aos escritos bíblicos.

No esforço de interpretar a Bíblia, a CL se aproxima do texto com os seguintes ob-


jetivos: (1) descobrir se o texto possui integridade literária, isto é, da mesma origem, do
mesmo autor; (2) caso o texto contenha diferentes camadas literárias e adições redacio-
nais, tentar identificá-las, bem como situar suas origens; (3) estabelecer uma correlação
entre o texto, ou as camadas de texto, com a história de Israel e, finalmente, (4) fazer uma
avaliação da teologia do texto, ou camadas de texto.
O reconhecimento de camadas literárias, em um dado texto bíblico, pode ser de-
tectado sem muita dificuldade. Várias indicações literárias podem sinalizar a presença de
adendos provenientes de outras mãos em um dado texto bíblico: (a) mudança de estilo
dentro de uma perícope, ou de um parágrafo; (b) variação no vocabulário; (c) interrupção
na continuidade do pensamento; (d) mudanças na teologia; (e) duplicidade de material
literário, e (f) presença de inconsistência cronológica no texto.

Um exemplo do exercício da Crítica Literária:


Texto: Gênesis 1,1; 2,25
Integridade literária:
Uma cuidadosa análise literária dos dois primeiros capítulos de Gênesis mostrará a
possibilidade de dois relatos da Criação.
Primeiro relato da Criação: 1,1-2,4a e as razões literárias para esta suposição:
a) Em Gn 1,1-2,4a, a linguagem se mostra ligada ao culto. O interesse é acentuado
em prescrições sacerdotais e instituições cultuais;
b) A narrativa é monótona, semelhante a uma liturgia;
c) Sua exposição é feita por meio de esquemas (a Criação é efetuada em etapas
diárias, ordenadas);

46
Universidade Metodista de São Paulo
d) O nome do Criador é Eloim; Imagem 22

e) Ele cria todas as coisas pela palavra;


f) A descrição da Criação é mais completa;
g) O verbo usado na descrição na obra criadora de Eloim
é bara‘ (criar);
h) A linguagem mostra interesse cosmológico (céu, lua,
sol, estrelas).

Segundo relato da Criação: 2,4b-25 e as razões literárias


para esta suposição:
a) Em Gn 2,4b-25, a linguagem se mostra ligada ao
meio agrícola, pois tudo é colocado dentro da visão de um
agricultor;
b) O estilo dessa narrativa é vivo e pinturesco;
c) O verbo usado para descrever a obra criadora de Deus Antigo Testamento - Livro do Gênesis,
Bíblia em Tamil de 1723
é ´asah (fazer), desconhecendo, assim, o verbo bara‘ (criar);
d) O nome do Criador é Javé;
e) A obra criadora do Deus Javé é descrita por antropomorfismo, isto é, Deus agindo à ma-
neira do homem;
f) O elenco das obras de Deus é menos completo e a ordem parece ser diferente;
g) Toda narrativa gira em redor do homem e do seu destino;
h) O estado primitivo é na forma de estepe, isto é, semideserto.

Conclusão
A CL, diante destas constatações, afirma que as irregularidades de estilo devem-se à plura-
lidade de relatos. Como se observa, o relato da Criação, em Gênesis 1 e 2, apresenta informações
divergentes nos detalhes secundários, mas unânimes no fundamental. Outro detalhe básico: não
se pode confundir autoria humana e inspiração divina nos livros da Bíblia. Deus usou os seres
humanos para concretizar as suas obras.

Crítica da Tradição
A Crítica da Tradição (CT) é definida como o estudo das tradições orais durante o período
de suas transmissões. Entre outros interesses, o objetivo principal da CT é essencialmente o estudo
das tradições orais. É sabido que todas as culturas possuem suas tradições, isto é, suas heranças
culturais, legados de fé, conjuntos de valores morais, entre outros. Entre o povo bíblico, essas tra-
dições foram passadas de geração a geração, transmitidas nas formas de histórias e de narrativas,
ditados, canções, poemas, declarações de fé.
A preocupação do método exegético CT gira em torno da análise da natureza dessas tradi-
ções, bem como saber o porquê de elas terem sido empregadas e modificadas no curso da história
de uma sociedade. Assim, a CT procura, em primeiro lugar, reconstruir a história completa de uma
unidade literária, ou perícope, desde a sua origem (muitas vezes hipotética) e seu desenvolvimen-
to no seu estágio oral até a sua composição e redação final, tal como a temos na Bíblia Hebraica
(Antigo Testamento). Em segundo lugar, o método da CT busca investigar as diferentes correntes

47
www.metodista.br/ead
da tradição (com seus ambientes sociológicos) que deram forma e significado a certos veios lite-
rários de uma mesma história. Além desses dois alvos básicos, a CT tem interesse no estudo da
situação geográfica onde nasceu e organizou uma dada tradição. Por exemplo, é importante saber
se a tradição vem de Jerusalém ou Siquém, pois essas localidades são geradoras e transmissoras
de diferentes culturas e legados de fé.

Um exemplo do exercício da Crítica da Tradição:


Texto: 2 Samuel 7,11-16 e 1 Crônicas 17,10-14 (comparando narrativas paralelas)
a) São duas narrativas do mesmo evento;
b) Cada uma tem em comum as informações e tradições;
c) O texto de 1 Crônicas parece ter usado como fonte principal os livros de Samuel e Reis,
ou outra fonte muito próxima a eles;
d) Os livros de Samuel têm afinidades literária e teológica com os livros de Josué, Juízes e
1 e 2 Reis;
e) Os livros de Crônicas têm afinidades literária e teológica com os livros de Esdras e Neemias;
f) Enquanto os livros de Samuel tratam os materiais a partir do ponto de vista histórico – seja
econômico, político ou religioso –, os livros de Crônicas tratam os materiais a partir do ponto de
vista do culto;
g) A diferença mais marcante entre esses textos está na maneira de ver a promessa da di-
nastia de Davi;
h) As diferenças textuais entre 2 Samuel 7,11-16 e 1 Crônicas 17,10-14, em todos os versos,
são consequências de duas tradições. Há, por trás de cada texto, uma tradição teológica sobre a
formação da dinastia de Davi.

Conclusão
Diante desses dois textos, a CT levanta algumas questões: (1) Como essas duas narrativas do
mesmo evento se formaram com divergências? (2) Como as partes foram formadas e transmitidas?
(3) Como se deu o desmembramento dessa tradição em dois veios? (4) Como se deram as suas
vinculações aos grupos separados? (5) Os cenários geográfico e regional tiveram influência na for-
mação de cada tradição? (6) É possível identificar grupos particulares na formulação de cada texto
e tradição? (7) É possível encontrar o significado de tais textos na época em que foram formulados?

Referências
FRANCISCO, Edson de Faria. Manual da Bíblia Hebraica. São Paulo: Vida Nova, 2005.
BORTOLINI, José. Conhecer e rezar os salmos. São Paulo: Paulus, 2000.
KRAMER, Pedro. Sofonias. São Paulo: Fonte Editorial, 2012.
SCHWANTES, Milto. Da Vocação à provocação. São Leopoldo: Oikos, 2011.

Referências de imagens:
Imagem 21
Disponível em:<hhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Imagem:Bibel-1.jpg> Acesso em: 10 jan 2007.
Imagem 22
Disponível em:<http://pt.wikipedia.org/wiki/Imagem:Genesis_in_a_Tamil_bible_from_1723.
jpg> Acesso em: 10 jan 2007.

48
Universidade Metodista de São Paulo
Exegese e teologia
do Antigo Testamento

Módulo

Exegese e teologia do
Antigo Testamento
Parte III
Prof. Dr. Tércio Machado Siqueira

Objetivos do tema:
Neste tema, vamos estudar os métodos da Crítica da
Forma e da Exegese Sociológica: primeiramente, o método da
Crítica da Forma será estudado como um dos mais abordados
na atualidade; em segundo lugar, será apresentado o método
Sociológico, como a mais nova ferramenta para
a interpretação da Bíblia.

Palavras-chave:
Forma, gênero literário, intenção, fatores
sócio-econômico e político.

www.metodista.br/ead
Crítica da Forma
A Crítica da Forma (CF) é um importante método exegético que tenta interpretar uma perí-
cope (unidade literária bíblica), levantando algumas questões fundamentais para a interpretação
da mesma: (1) Qual é a estrutura do texto? (2) Qual é a forma pela qual o texto se apresenta? (3)
Qual é o gênero literário com que a perícope se apresenta? (4) Qual é o lugar vivencial do texto
perícope? (Entende-se por “lugar vivencial”, não o lugar histórico, político, social ou econômico no
qual o texto foi composto, e sim uma situação que motiva o surgimento do jeito de se expressar).
Por que a CF acha estas quatro questões fundamentais e norteadoras para a exegese? A CF
entende que, para toda individualidade de expressão que temos nos textos bíblicos, há um fenôme-
no repetido, em todos eles, que são típicos. Tais expressões não são apenas formas escolhidas por
um pregador ou escritor em sua liberdade. Assim, quando Jeremias diz: “Assim disse Javé” (6,22),
estamos diante de um tipo literário do meio profético. Como esta expressão é usada por outros
profetas em diferentes gerações (Ez 21,1,13.23; Os 3,1; Am 1,3.6.9) com
variantes, deduz-se que ela não é resultado da criação artística e literá-
ria de Jeremias. O que temos visto e observado é que essas expressões
pertencem a uma determinada tradição, carregando formas idênticas
ou similares. Assim, é possível perceber que, para toda individualidade,
há um veio de tipicidade que os une e os combina. É essa tipicidade no
texto bíblico que precisa ser explicada.
Quatro questões
fundamentais e
Surge, então, outra pergunta: de onde vem essa tipicidade lite-
rária? Será que ela ocorre de modo acidental? Na verdade, essas frases norteadoras para
que apresentam formas literárias similares ou típicas refletem uma a exegese:
espécie de realidade da vida do povo. A CF entende que os diferentes
gêneros existentes nos livros do AT refletem convenções da sociedade, (1) Qual é a estru-
e essa realidade tem a ver com a vida concreta da sociedade de onde
esses textos vêm.
tura do texto?
(2) Qual é a forma
Para ser mais claro, devemos acrescentar que os diferentes textos
bíblicos não refletem apenas uma convenção literária e vôos criativos pela qual o texto
de escritores individuais, ou mesmo estilos literários. Antes, tais tipici- se apresenta?
dades refletem realidades da sociedade a que elas se referem. Partindo (3) Qual é o gêne-
do ponto de que a linguagem foi, nos tempos bíblicos, muito menos ro literário com
individualizada do que em nossos dias, e que ela foi padronizada e
governada pelas estruturas da vida, que era basicamente societária, a que a perícope se
CF opera sobre a base de uma hermenêutica da linguagem, segundo apresenta?
o qual a vida e a linguagem refletem história de vida e seu significado. (4) Qual é o lugar
vivencial do texto
Um exemplo do exercício da Crítica da Tradição perícope?
Texto: Salmo 12
(1) Gênero literário: Salmo de lamentação. Este é o gênero mais
popular do livro de Salmos. Este tipo de poesia hebraica é marcante na
Bíblia. Cada lamentação é mostrada dentro de uma mesma estrutura:
apelo, lamento, praguejamento, declaração de fé, praguejamento, entre outras formas. O Salmo
12 mostra uma estrutura bastante formal:
I. Apelo: “Socorro, Javé!”
II. Lamento: “Não há homem fiel...” (v. 2b-3)
III. Praguejamento contra os inimigos: “Corte, Javé, todos os lábios...” (v.4-5)
IV. Palavra de Javé – anúncio de salvação: “Por causa do pobre (...) agora me levanto” (v.6)
V. Declaração de fé: “As palavra de Javé são sinceras...” (v. 7-9)

50
Universidade Metodista de São Paulo
(2) Lugar vivencial: Trata-se da circunstância de vida que gerou o texto. É possível perceber
que o salmista lamenta em função de agressões de pessoas psicologicamente doentias que usam
da palavra para ferir as pessoas. Cercado e sem alternativa, o salmista queixa e apela para que
Deus o livre daquele poderoso grupo de agressores. A maldição (v. 4-5) significa que o queixoso
não deseja a violência física.
(3) Intenção: A finalidade da queixa era buscar proteção contra os perigosos opressores,
presentes na sociedade.

Leitura Sociológica da Bíblia


Entre os métodos exegéticos aqui apresentados, o da Leitura Sociológica (LS) é o mais recen-
te. Ele surgiu nas últimas décadas, e tem sido aplicado com muita intensidade na América Latina.
Basicamente, este método procura abordar e examinar a realidade social do povo bíblico, bem
como as forças sociais subjacentes ao texto.
A LS se propõe estudar a Bíblia, partindo de dois pres­
supostos: (a) os escritos bíblicos não representam o produto de um
profissional da poesia ou da literatura que procurou produzir uma
obra de grande valor literário, mas (b) os textos bíblicos representam
a realidade do povo. Os diferentes aspectos, mostrados no texto
bíblico, são determinantes e de suma importância dentro da vida
Leitura Sociológica
do povo. Por isso, cada perícope, bloco literário ou livro representa (LS):
a realidade da vida nele refletida com nitidez, e nunca a imaginação surgiu nas últimas
de um escritor ou escritora. O método parte do pressuposto de que décadas, e tem sido
a pessoa ou grupos sociais, envolvidos no texto, necessariamente aplicado com muita
foram atingidos por fatores materiais da vida. Com isso, o método
LS parte do princípio de que os atores e as atrizes da história bíblica
intensidade na
não se relacionavam somente com a vida religiosa. América Latina.
Em consequência disso, o método LS propõe: (1) Que a exe-
gese bíblica aplique, em sua análise de interpretação, os critérios
usados pelas Ciências Sociais; (2) Que o/a exegeta afaste-se das
ilusões idealistas e supernaturalistas que ainda encantam e atraem
a tentativa de interpretação dos religiosos; (3) Que o/a intérprete
amplie a análise do texto bíblico para os aspectos econômicos, sociais, políticos e ideológicos.

Um exemplo do exercício da Leitura Sociológica


Texto: 1 Reis 21,1-3p
Lado econômico: Nabot era um proprietá­rio na fértil região de Jezrael. Ele era um produtor
de uva. Economicamente, a uva era importante e valiosa, pois dela era produzido o vinho e as
passas. Do vinho obtinha-se o remédio para muitas enfermidades.
Lado político: O rei Acab trouxe muita prosperidade para o Reino do Norte (874-853 a.C.),
mas provocou muita fome (1Rs 17,1-24). Como rei, ele exerceu o poder com força e tirania.
Lado social: A atuação do profeta Elias parece nascer a partir da injustiça praticada contra
Nabot. Todavia, a história de Nabot reflete a situação da população camponesa do Reino do Norte.
Lado ideológico: O texto bíblico mostra o rei Acab com uma atitude própria de um domi-
nador tirânico. Ele vê as pessoas como propriedade sua e tenta persuadi-las a fazer a sua vontade.
Entretanto, ele encontrou em Nabot uma pessoa sóbria, fiel ao seu Deus e leal à tradição recebida
de seus pais. A fidelidade lhe custou a vida, mas o seu exemplo ficou como sinal.

51
www.metodista.br/ead
Referências
FRANCISCO, Edson de Faria. Manual da Bíblia Hebraica. São Paulo: Vida Nova, 2005.
BORTOLINI, José. Conhecer e rezar os salmos. São Paulo: Paulus, 2000.
KRAMER, Pedro. Sofonias. São Paulo: Fonte Editorial, 2012.
SCHWANTES, Milto. Da Vocação à provocação. São Leopoldo: Oikos, 2011.

_________________________________________ _________________________________________

_________________________________________ _________________________________________

_________________________________________ _________________________________________

_________________________________________ _________________________________________

_________________________________________ _________________________________________

_________________________________________ _________________________________________

_________________________________________ _________________________________________

_________________________________________ _________________________________________

_________________________________________ _________________________________________

_________________________________________ ____________________________________

__________________________________________ ____________________________________

__________________________________________ ____________________________________

_________________________________________ ____________________________________

_______________________________________ ____________________________________

_______________________________________ ____________________________________

______________________________________ _______________________________________

__________________________________________ _______________________________________

_________________________________________ ______________________________________

_______________________________________ ____________________________
_______________________________________ ____________________________

______________________________________ ___________________________

52
Universidade Metodista de São Paulo
Exegese e teologia
do Antigo Testamento

Exegese e teologia do
Módulo

Antigo Testamento
Parte IV

Prof. Dr. Tércio Machado Siqueira

Objetivos do tema:
Neste tema, vamos avaliar o uso e a preocupação dos
métodos exegéticos para a interpretação da Bíblia. Os métodos
exegéticos nada mais são do que ferramentas, e os seus usos e
aplicações têm muito a ver com a ideologia de cada intérprete.
Para tanto, será bastante valorizado cada método, porém não
abandonando a espiritualidade do texto bíblico.

Palavras-chave:
Hermenêutica; espiritua­lidade; fator sócio-econômico

www.metodista.br/ead
A sucinta apresentação desses quatro métodos tem a finali-
dade de mostrar a prática exegética que tem sido feita nos últimos
séculos por intérpretes de todos continentes. Na verdade, esses
métodos podem ser definidos como ferramentas de interpreta-
ção da Bíblia. Apesar da seriedade dos motivos com que essas
fer­ramentas foram criadas e são usadas, elas, por vezes, falham Os países do
em não resgatar o sentido histórico e espiritual original a que se Primeiro Mundo
propôs o autor do texto. O erro encontra-se na raiz do processo têm
de interpretação, ou melhor dizendo, na tarefa hermenêutica.
desempenhado
Uma observação merece ser destacada: Os países do Primeiro um papel
Mundo têm desempenhado um papel preponderante na pesquisa
bíblica. O esforço desses/as exegetas tem chegado a tal nível de
preponderante
especialização que paulatinamente eles têm deixado de lado a na pesquisa
intenção original do texto bíblico. bíblica.
Uma nova leitura bíblica, na perspectiva da libertação, tal
qual o povo bíblico fez nos seus dias, está fazendo surgir uma
renovada teologia no Brasil, na América Latina e no mundo. Essa
leitura bíblica é caracterizada pelo encontro dos/as exegetas com
o povo. Nessa nova maneira de ler e interpretar a Bíblia, as pes-
soas têm lido o texto sagrado com novos olhos. Elas têm visto a
Bíblia refletindo os problemas do dia-a-dia, como o povo bíblico
na celebração da Páscoa.
A Bíblia Hebraica é um texto formado de pequenas nar­
rativas e pronunciamentos proféticos e curtas instruções jurídicas,
bem como poesias e ditados, entre outras perícopes. Na origem
desses textos estão os seus autores, que são pessoas anônimas,
em sua maioria, mas que puseram nesses pronunciamentos toda
fé e esperança no Deus Javé.
Portanto, a falha dos métodos exegéticos está nas suas
demasiadas preocupações com detalhes secundários à intenção
na formulação do texto. A prioridade da exegese deveria estar no
discernimento do sentido espiritual que o texto carrega desde a
sua origem. Aqui é bom recordar que a Crítica da Forma tem uma
proposta interessante: Ela parte do texto bíblico e pergunta sobre
o seu gênero literário; ciente do gênero do texto, o/a exegeta en-
contra o ambiente que levou o autor a produzi-lo; e, finalmente,
Banco de Imagens

Uma nova leitura


bíblica, na perspectiva da
libertação, tal qual o povo bíblico
fez nos seus dias, está fazendo
surgir uma renovada teologia no
Brasil, na América Latina e no
mundo.

54
Universidade Metodista de São Paulo
de posse dessas informações, o/a exegeta está em
condições de responder sobre a intenção do autor do
texto analisado.
Sendo assim, a proposta da Crítica da Forma abre
a possibilidade para o/a exegeta abordar, em sua análi-
se, as condições econômica, social, política e ideológica
que exerceram influência sobre o autor.
Um exemplo de exegese que resgata a espiritua­ A Bíblia Hebraica é
lidade do texto:
um texto formado de
pequenas narrativas
Texto: Salmo 133 e pronunciamentos
proféticos e curtas
A. Leitura do Salmo 133
instruções jurídicas,
bem como poesias e
Eis!
ditados, entre outras
Quão bom
perícopes.
e quão agradável!
Sentar irmãos juntos em união.
Como óleo fino sobre a cabeça,
o que desce sobre a barba
barba de Aarão, o que desce,
sobre a gola de sua roupa.
Como o orvalho do Hermon que desce,
sobre os montes de Sião.
Atenção!
Aí ordena Javé a bênção,
_________________________________
a vida para sempre.
_________________________________

A mecânica deste texto deve ser vista a partir de _________________________________


sua frase principal: _________________________________
Eis!
_________________________________
Quão bom
e quão agradável!
__________________________________

Sentar irmãos juntos em união (v.1b). __________________________________


Atenção! __________________________________
Aí ordena Javé a bênção,
_________________________________
a vida para sempre (v. 3).
____________________________ ______
Os versos 2-3a são tentativas para explicarem e
enaltecerem a importância de as pessoas sentarem-se ___________________________________
juntas.
_________________________________
B. Comentário exegético
Os termos hebraicos tob e na´im qualificam o sentar juntos em união. O salmista escolheu
dois adjetivos com o mesmo significado de prazeroso, útil, encantador, belo, delicioso. Enquanto a
palavra tob é abundantemente usada no AT (390 vezes), o termo na´im ocorre somente 13 vezes.
Entretanto, nessas poucas ocorrências, o adjetivo na´im é usado para qualificar Davi como mavioso
(2Sm 23,1), a Saul e Jônatas como amados e encantadores (2Sm 1,23), ou definir a alegria que a
presença de Deus traz (Sl 16,11), bem como a suavidade do som da harpa (Sl 81,1). No poema
dos amantes, na´im é usado para definir a beleza e a doçura do leito nupcial (Ct 1,16). Os Salmos
135,3 e 147,1 fazem uso de tob e na´im em paralelismo, conforme o Salmo 133,1. Assim, enquanto
tob carrega o conceito orientado para definir a perfeição da vida e do mundo criado por Deus, a
palavra hebraica na´im está voltada para descrever a beleza que encanta e traz prazer. Assim, os
dois termos juntam-se no Salmo 133 para mostrar que o ato de sentar juntos em união é compa-
rado ao ato criador de Deus (Gn 1, 4.10.12.18.21.25.31), bem como à beleza da presença divina.
Se não bastasse isso, a decisão de sentar juntos em união traz uma segunda consequência
para a família e o povo de Deus: a bênção e a vida para sempre (v.3).
Lendo o texto ao inverso, podemos concluir que a bênção e a vida só virão sobre o povo
quando as pessoas sentarem juntas em união.

Referências
FRANCISCO, Edson de Faria. Manual da Bíblia Hebraica. São Paulo: Vida Nova, 2005.
BORTOLINI, José. Conhecer e rezar os salmos. São Paulo: Paulus, 2000.
KRAMER, Pedro. Sofonias. São Paulo: Fonte Editorial, 2012.
SCHWANTES, Milto. Da Vocação à provocação. São Leopoldo: Oikos, 2011.

_________________________________________ _________________________________________

_________________________________________ _________________________________________

_________________________________________ _________________________________________

_________________________________________ _________________________________________

_________________________________________ _________________________________________

_________________________________________ _________________________________________

_________________________________________ _________________________________________

_________________________________________ _________________________________________

_________________________________________ _________________________________________

__________________________________ __________________________________

_________________________________ _________________________________

56
Universidade Metodista de São Paulo
Exegese e teologia
do Antigo Testamento

Características gerais
Módulo

do hebraico bíblico

Prof. Dr. Edson de Faria Francisco

Objetivos do tema:
1. Introdução ao vocabulário do hebraico
bíblico e aos nomes bíblicos; 2. Introdução ao
sistema verbal do hebraico bíblico;
3. Introdução à Bíblia Hebraica.

Palavras-chave:
Bíblia Hebraica; vocabulário; nomes; verbos.

www.metodista.br/ead
1. Vocábulos hebraicos
Geralmente, os vocábulos (substantivos) hebraicos são derivações de alguma raiz verbal.
Como exemplo, abaixo, há vocábulos derivados da raiz verbal (mâlakh, reinar).

A seguir há uma relação com os vocábulos que ocorrem mais de 100 vezes no texto bíblico
hebraico. Nesta relação, constam os possíveis campos semânticos de cada vocábulo. Por fim, a
maioria das palavras possui um significado teológico importante.

58
Universidade Metodista de São Paulo
2. Nomes próprios
Na Bíblia Hebraica, os nomes de personagens bíblicos possuem algum significado relaciona-
do a alguma característica da personalidade do personagem ou referem-se a algum fato ocorrido
na vida do mesmo. Abaixo, há uma seleção de nomes próprios e topônimos com seus possíveis
significados.

3. Nomes e títulos divinos


Na Bíblia Hebraica, Deus é denominado por diversos títulos e por um nome pessoal. O nome
próprio de Deus ( , yhwh) aparece cerca de 5.321 vezes. A seguir estão os títulos divinos e o
nome pessoal do Deus de Israel.

59
www.metodista.br/ead
4. Raízes verbais importantes
No hebraico bíblico, o sistema verbal é caracterizado por possuir uma base (raiz) que é o
núcleo de formas verbais. Normalmente, a raiz é formada por três letras consoantes (cf. abaixo).
Além disso, o hebraico possui sete construções verbais e cada qual possui um tipo de ação:
qal: ação simples – voz ativa
nifal: ação simples – voz passiva
piel: ação intensiva – voz ativa
pual: ação intensiva – voz passiva
hifil: ação causativa – voz ativa
hofal: ação causativa – voz passiva
hitpael: ação reflexiva.
Abaixo, há algumas raízes verbais freqüentes na Bíblia Hebraica (algumas ocorrem mais de
300 vezes):

60
Universidade Metodista de São Paulo
5. A Bíblia Hebraica
A edição acadêmica da Bíblia Hebraica mais utilizada hoje em dia é a denominada Bíblia
Hebraica Stuttgartensia, geralmente conhecida como BHS. Essa edição tem por base um manuscrito
massorético conhecido como Códice de Leningrado B19a, o qual surgiu por volta de 1008/1009,
no Cairo, Egito. Tal documento é um dos principais representantes do sistema massorético desen-
volvido pela família Ben Asher, em Tiberíades, na Palestina. Portanto, a BHS apresenta um texto
muito próximo da época de desenvolvimento das atividades dos massoretas tiberienses.

Bibliografia

ALONSO SCHÖKEL, Luis. Dicionário Bíblico Hebraico-Português. São Paulo: Paulus, 1997.

ELLIGER, KARL, RUDOLPH, Wilhelm (eds.). Biblia Hebraica Stuttgartensia. 5. ed. Stuttgart,
Deutsche Bibelgesellschaft, 1997.

FRANCISCO, Edson de Faria. Manual da Bíblia Hebraica: Introdução ao Texto Massorético


– Guia Introdutório para a Bíblia Hebraica Stuttgartensia. 3. ed. São Paulo: Vida Nova, 2008.

FRANCISCO, Edson de F. (trad.). Antigo Testamento Interlinear Hebraico-Português. vol.


1: Pentateuco. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 2012.

HARRIS, R. Laird et alii (orgs.). Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento.


São Paulo: Vida Nova, 1998.

HOLLADAY, William L. Léxico Hebraico e Aramaico do Antigo Testamento. São Paulo: Vida
Nova, 2010.

LAMBDIN, Thomas O. Gramática do Hebraico Bíblico. São Paulo: Paulus, 2003.

KELLEY, Page H. Hebraico Bíblico: Uma Gramática Introdutória. São Leopoldo: Sinodal, 1998.

KIRST, Nelson et alii. Dicionário Hebraico-Português & Aramaico-Português. São Leopoldo-


Petrópolis: Sinodal-Vozes, 1987.

MITCHEL, Larry A., PINTO, Carlos O. C., METZGER, Bruce M. Pequeno Dicionário de Línguas
Bíblicas: Hebraico e Grego. São Paulo: Vida Nova, 2002.

WALTKE, Bruce K; O’CONNOR, Michael P. Introdução à Sintaxe do Hebraico Bíblico. São


Paulo: Cultura Cristã, 2006.

Página na internet

www.bibliahebraica.com.br

61
www.metodista.br/ead
_________________________________________ _________________________________________

________________________________________ _________________________________________

________________________________________ _________________________________________

_________________________________________ _________________________________________

_________________________________________ _________________________________________

________________________________________ _________________________________________

________________________________________ _________________________________________

________________________________________ _________________________________________

________________________________________ _________________________________________

_________________________________________ _________________________________________

_________________________________________ _________________________________________

_________________________________________ _________________________________________

_________________________________________ _________________________________________

_________________________________________ _________________________________________

_________________________________________ _________________________________________

_________________________________________ _________________________________________

_________________________________________ _________________________________________

_________________________________________ _________________________________________

_________________________________________ _________________________________________

_________________________________________ _________________________________________

_________________________________________ _________________________________________

_________________________________________ _________________________________________

_________________________________________ _________________________________________

_________________________________________ _________________________________________

_________________________________________ _________________________________________

_________________________________________ _________________________________________

________________________________________ ________________________________________

__________________________________________ __________________________________________

62
Universidade Metodista de São Paulo
Fundamentos Pedagógicos-Pastorais
e Estruturas Eclesiásticas

Módulo

Por uma prática


pedagógica
libertadora
Profa. Dra. Magali do Nascimento Cunha

Objetivos do tema:
Introduzir elementos básicos da teoria da educação que
devem ser aplicados à reflexão da prática pastoral, como o
conceito de educação e a educação como fenômeno social;
Abordar o tema da pedagogia sob uma perspectiva pas-
toral, estimulando os estudantes a adotarem uma ação peda-
gógica libertadora, e não bancária, em sua ação pastoral, com
base na prática de Jesus identificada na narrativa dos evan-
gelhos relacionados aos princípios desenvolvidos por Paulo
Freire.

Palavras-chave:
Educação; pedagogia; Paulo Freire; diálogo; participação.

www.metodista.br/ead
Pedagogia é a área que se dedica à forma de realização de
um processo educativo, isto é, a aplicação de práticas e métodos de
ensino e o acompanhamento da aprendizagem. No que a pedagogia
se relaciona à ação pastoral? Um pastor, uma pastora, uma liderança
leiga, nas comunidades religiosas, tem uma tarefa pedagógica; afinal,
precisa educar as pessoas com quem se relaciona e trabalha nos prin-
cípios cristãos, acompanhando o processo de aprendizagem delas.
A educação cristã acontece de diversas formas: no culto, na
pregação da palavra, no oferecimento de estudos bíblicos e temáticos
(seja nas tradicionais escolas dominicais ou/e em espaços alternati-
vos), na orientação dos vários grupos que compõem a comunidade
Pedagogia é
(lideranças, grupos etários, casais, pessoas que se preparam para o
batismo, dentre outros). O desenvolvimento de uma pedagogia apro- a área que se
priada e coerente com os princípios cristãos determinará a eficácia dedica à forma
da ação pastoral e o pleno envolvimento das pessoas participantes de realização
do processo educativo com a comunidade e com a missão de Deus. de um processo
O que é educação? É importante, pois, primeiramente, com- educativo, isto
preender o sentido de educação que deve orientar esta reflexão. é, a aplicação de
Podem ser vários os significados da palavra “educação”. Adotamos
práticas e
aqui o conceito desenvolvido por Carlos Rodrigues Brandão, quando
afirma: métodos de
ensino e o
acompanha-
É uma prática social cujo fim é o desenvolvimento do que, na
mento da
pessoa humana, pode ser aprendido entre os tipos de saber
existentes em uma cultura, para a formação de tipos de sujeitos, aprendizagem
de acordo com as necessidades e exigências de sua sociedade,
em um momento da história de seu próprio desenvolvimento.
(Cf. O que é educação. São Paulo: Brasiliense, 1981. ( Primeiros
Passos, 1981.). Colocar esta referência em nota e rodapé com a
devida numeração suspensa.

Portanto, é importantíssimo se ter em mente que educação é


uma prática social, que se inicia desde que as primeiras relações so-
ciais são estabelecidas, o que está diretamente relacionado à cultura,
Imagem 25
ao modo de vida de um grupo. Educa-se para viver, e o tipo de saber
que é transmitido e assimilado diz respeito às necessidades da vida
em sociedade, mas também às exigências dessa mesma sociedade,
de acordo com o momento histórico que ela experimenta. Por isso,
podemos afirmar que não é só escola que promove educação: a famí-
lia também educa, bem como a vizinhança, o ambiente de trabalho,
de lazer, e certamente a igreja e as demais comunidades religiosas.
A educação bancária. O grande educador/pedagogo brasileiro,
Paulo Freire, é uma referência *para se pensar um processo educativo que
leve em conta esta dimensão social e supere os vícios de se enquadrar
o ensino e a aprendizagem em esquemas que, em vez de possibilitar o Paulo Freire
crescimento das pessoas como seres humanos, domesticam-nas e as
submetem a sistemas e ideologias. Sug. ... é uma referência quando se
quer pensar um processo educativo...

64
Universidade Metodista de São Paulo
Paulo Freire, que aprendeu com sua experiência com a Bíblia
(ele era cristão, católico-romano) e com o movimento estudantil e de
alfabetização, elaborou suas reflexões sobre educação e pedagogia
alertando que, frequentemente, a relação educador-educando se
baseia somente na narração, na apresentação de conteúdos. As pessoas são
Há aqui um sujeito da ação educativa (o narrador) e objetos
domesticadas, por
pacientes dessa ação, ou ouvintes (os educandos), quando se fala da meio da educação
realidade como algo parado, estático, e algo completamente alheio bancária, a
à experiência existencial dos educandos. assimilarem
Nesse tipo de educação, o educador aparece como um indis- conteúdos que vão
cutível agente, o real sujeito, cuja tarefa é “encher” os educandos fazer delas as
dos conteúdos de sua narração. Nessa educação narrativa (de mesmas pessoas de
apresentação de conteúdos), o que importa é memorizar (decorar):
“três vezes três, nove”; “Pernambuco, capital: Recife”. O educando
sempre, pensando
fixa, memoriza, repete, sem perceber o que realmente significa três as mesmas coisas
vezes três. O que verdadeiramente significa capital, na afirmação de sempre, e
“Pernambuco, capital: Recife”. O que significa Recife para Pernam- aceitando as
buco e Pernambuco para o Brasil. mesmas coisas de
Nesse processo, a narração transforma os educandos em sempre.
“vasilhas”, em recipientes a serem “enchidos” pelo educador. Des- Paulo Freire
sa maneira, a educação se torna um ato de depositar, em que os
educandos são os depositários e o educador um depositante. Aqui
temos o sentido que Paulo Freire construiu de “concepção bancária
da educação”: o processo de educação em que a ação que se oferece
aos educandos é a de receberem os depósitos de conhecimentos,
guardá-los e arquivá-los. Os educandos são colecionadores ou ar-
quivistas das coisas que assimilam.
Paulo Freire, na sua visão crítica desse processo, afirma que, no fundo, as grandes arquiva-
das são as pessoas. Tanto educador e educandos se arquivam porque não há criatividade, não há
transformação, não há saber que leve adiante. Paulo Freire alerta que só existe saber quando há
invenção, reinvenção, busca inquieta, impaciente, permanente, que as pessoas fazem no mundo,
com o mundo e com as outras. Na visão “bancária” da educação, o saber não é interpretado assim:
é visto como uma doação dos que se julgam sábios aos que julgam nada saber. O educador será o
que sempre sabe, e os educandos serão sempre os que não sabem, os que moram na ignorância.
Paulo Freire vai além quando reflete que a educação “bancária” é uma dimensão da “cultura
do silêncio”, construída especialmente por quem está no poder de uma sociedade, e para quem
não interesse que as pessoas pensem, cresçam como seres humanos e se pronunciem. Pensar
autenticamente aqui é algo interpretado como perigoso. Daí a estratégia que Paulo Freire deno-
mina “domesticação”. As pessoas são domesticadas, por meio da educação bancária, a assimilarem
conteúdos que vão fazer delas as mesmas pessoas de sempre, pensando as mesmas coisas de
sempre, e aceitando as mesmas coisas de sempre.
A educação libertadora. Uma forma de educação que se proponha “libertadora” não pode ser
a do depósito de conteúdos, mas a que leva as pessoas a pensarem e problematizarem as suas rela-
ções com o mundo. Em vez de narrativa, é uma educação questionadora, que promove o pensar e a
participação. É uma educação que nega os comunicados, o depósito de conteúdos, e torna concreta
a comunicação. Identifica-se com o que é próprio da consciência que é sempre ser “consciência de”.
Nesse tipo de educação, supera-se a contradição “educador-educandos”. Ela se afirma no
diálogo e se faz dialógica. Paulo Freire afirma, então, a partir destas ideias: “Ninguém educa nin-

65
www.metodista.br/ead
guém, ninguém se educa a si mesmo, as pessoas se educam entre si,
mediatizadas pelo mundo” (ano, p.). Isso quer dizer que o educador não
é o que apenas educa, mas é aquele que enquanto educa é educado, em
diálogo com o educando que, ao ser educado, também educa. Ambos
são sujeitos e crescem juntos. Aqui os “argumentos de autoridade” já “Ninguém educa
não valem. Participação e interação são palavras-chave nesse processo. ninguém,
A reflexão não é sobre algo abstrato, mas sobre as pessoas e suas ninguém se
relações com o mundo. Aqui todos têm alguma coisa a oferecer ao pro- educa a si
cesso educativo: tanto quem ensina quanto quem aprende – as funções mesmo, as pes-
são trocadas dependendo de cada situação do processo. É permitido ter soas se educam
consciência da sua condição a partir da pergunta “por quê?”, e, a partir
entre si,
disso, elas próprias refletem as possibilidades de mudança.
mediatizadas
A pedagogia libertadora de Jesus. A prática pedagógica na pers-
pelo mundo”
pectiva libertadora, não-bancária, é aquela que mais se aproxima dos
valores do evangelho. A pedagogia assumida por Jesus, conforme os
escritos dos evangelistas, indica ações que: (1) não apenas baseavam-se
na narrativa, mas no diálogo, no levantamento de questões, no pensar, na
problematização; (2) valorizavam a experiência, as atitudes; (3) valiam-se
de vários recursos (símbolos, parábolas, locações). Estes são indicativos para uma prática peda-
gógica pastoral contemporânea.

Bibliografia
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é educação. São Paulo: Brasiliense, 1981. (Primeiros Passos).

. Lutar com a palavra. Rio de Janeiro: Graal, 1982.

CÉSAR, Ely Eser Barreto. A prática pedagógica de Jesus: fundamentos de uma filosofia edu-
cacional. Piracicaba: Agentes da Missão, 1991.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.

GROOME, T. H. Educação religiosa cristã. São Paulo: Paulinas, 1985.

STRECK, Danilo. Correntes pedagógicas. Petrópolis: Vozes, 1994.

Referências de imagens:
Imagem 25
Disponível em:<http://freire.idoneos.com/img.seccionesforos/paulo_freire_.pjpeg> Acesso
em: 10 jan 2007.

66
Universidade Metodista de São Paulo
Fundamentos Pedagógicos-Pastorais
e Estruturas Eclesiásticas

Módulo

A igreja como
comunidade
aprendente
Profa. Dra. Magali do Nascimento Cunha

Objetivos do tema:
Refletir sobre as bases eclesio­ló­­­­­­gicas das
primeiras comunidades cristãs que colaboram
para a compreensão do sentido de vida
em comunidade;
Identificar e estudar a condição da igreja
como comunidade aprendente, como um
princípio que deve orientar as práticas
pedagógicas pastorais.

Palavras-chave:
Igreja; pedagogia libertadora;
comunidade aprendente.

www.metodista.br/ead
Num tempo em que a chamada sociedade global se orgulha de não ter fronteiras – é flexível,
aberta, livre –, muitas pessoas evitam participar formalmente e estabelecer laços com uma comu-
nidade religiosa, porque isso parece interferir no desejo que elas têm de liberdade individual e da
espiritualidade pessoal. O alcance desse desejo ficaria prejudicado por conta de um compromisso
com uma organização religiosa, nesse entender. Muita gente acaba preferindo frequentar gran-
des igrejas ou as chamadas “igrejas de massa” que não exigem vínculo formal, ou mesmo optam
por cultivar a espiritualidade mais intimista promovida pelos meios de comunicação (rádio, TV,
impressos) religiosos.
No entanto, ao mesmo tempo, esta era de mobilidade, liberdade e mudança, é também um
tempo de busca, de solidão, de desenraizamento, de falta de referência. Muitas pessoas procuram
por uma comunidade de fé que cuide delas, que as nutra e as desafie para crescer e servir. Buscam
comunidades de sentido de identidade (referência) e propósito.
A educação cristã é fundamental nesses casos: deve prover oportunidades para as pessoas
que buscam pertencimento traçarem sua jornada de fé. A igreja precisa ser, então, esse espaço para
todas as pessoas: para aquelas que querem ser parte e assumem compromisso com a comunidade
e se engajam nela e também para aquelas simpatizantes que se sentem bem com o espaço da
igreja e nele encontram paz e alegria.
Nesse sentido, a educação cristã precisa oferecer uma variedade de oportunidades para
crescimento individual e comunitário. Uma pedagogia que permita isto é necessária e urgente.
Como acompanhar todo o tipo de pessoas que frequentam uma igreja? Como educá-las para
assimilarem e viverem os princípios cristãos? Para responder a estas perguntas é preciso ter em
mente a noção de que a igreja é e deve ser sempre uma comunidade aprendente.
A comunidade aprendente. Muito frequentemente as igrejas se
dividem em duas categorias: a dos educadores, os transmissores do
conhecimento bíblico e doutrinário; e a dos aprendentes, os fiéis e
passivos receptores. Esta divisão não considera o fato de que cada pes-
soa precisa ser ensinada para ser aprendente e precisa ser aprendente
para se tornar e continuar a ser professor. Ou seja, cada membro da Na comunidade
comunidade (inclusive as lideranças) precisa transmitir para saber se cristã
o que se transmite tem recepção e receber para elaborar o conteúdo aprendente,
da transmissão.
todos são
A noção de comunidade aprendente assume que a igreja é um porta-vozes da
espaço que reúne ensinadores e também aprendentes. Isto quer dizer
que embora haja pessoas treinadas e responsáveis pela educação cristã
Palavra, bem
(líderes na comunidade, desde o pastor, a pastora, às lideranças leigas), como ouvintes
de alguma forma todos os membros são educadores e aprendentes (na perspectiva
para o resto da vida: formal ou informalmente, comunicam e incor- da educação
poram as formas de crer, os valores e as práticas da comunidade. Na participativa,
comunidade cristã aprendente, todos são porta-vozes da Palavra, bem
como ouvintes (na perspectiva da educação participativa, libertadora).
libertadora).
Os fundamentos para esta concepção da comunidade cristã
aprendente podem ser encontrados nas bases eclesiológicas das co-
munidades cristãs primitivas. Como referência, tomemos o primeiro
capítulo da primeira carta do apóstolo Paulo aos Coríntios.

1. A Igreja é de Deus, portanto é comunidade de fé.


Em 1 Co 1.2 lemos: “À Igreja de Deus que está em Corinto”. Este é um elemento significativo
da compreensão do que é “igreja” . Geralmente nos referimos “À Igreja Metodista em”, “À Igreja

68
Universidade Metodista de São Paulo
Batista em...”, “À Missão Pentecostal em...” Precisamos
nos lembrar que a Igreja pertence a Deus, portanto,
a Igreja, a comunidade daqueles que se reúnem A sociedade espera,
em nome de Deus, em Jesus Cristo, é maior do que e a igreja encoraja
qualquer comunidade religiosa. Esta perspectiva deve educadores cristãos a
dar o tom do nosso ensino a partir da seguinte com-
preensão: “as pessoas nesta comunidade pertencem
apresentarem
a Deus. Elas são filhas de Deus, batizadas, amadas, “coisas suaves”, para
cheias de graça”. Essas pessoas são chamadas a serem não ofender; “a
santas, não por suas ações, mas pelo que Cristo fez facilitarem as coisas”,
por elas. São chamadas a serem santas, juntas, com para que ninguém
todas aquelas que em todo tempo e lugar chamaram
ou vão chamar pelo nome de Jesus.
erre; “ou tornarem as
coisas agra­dáveis”,
2. Viver na promessa (escatologia) significa
sonhar juntos.
para que a igreja
seja admirada.
Esta comunidade de aprendentes e educadores
é chamada, por meio do seu aprendizado conjunto, a
viver na promessa futura de Deus (1 Co 1.7-8). Somos
chamados a ensinar escatologicamente – a expec-
tativa, o aperitivo do futuro (os primeiros frutos do
que ainda não é completamente, cf. Rm 8); o “já, mas
ainda não”. Vemos que essa introdução de Paulo não
é uma simples introdução, mas um fundamento da
compreensão do que é Igreja: uma comunidade que _________________________________
vive na promessa e que espera/sonha junto.
_________________________________

_________________________________
3. Unidade na diversidade.
Paulo chama à não-divisão (1 Co 1.10). A co- _________________________________
munidade cristã aprendente deve ser o lugar onde as _________________________________
pessoas sentem que podem trazer suas discordâncias
e diferenças, sem prejuízo para o todo. A grande tarefa __________________________________
é então estabelecer um ambiente onde as pessoas
podem ensinar e aprender juntas e onde a diversidade _________________________________
signifique crescimento.
__________________________________

_________________________________
4. O conteúdo do ensino
(1 Co 1. 17-18). Paulo chama a comunidade em _____________________________ ______
Corinto a não usar a sabedoria humana, mas a da cruz.
___________________________________
A sociedade contemporânea banaliza a educação re-
ligiosa. Isto até mesmo nas igrejas. A experiência com _________________________________
Deus, o que se sente na comunhão com Ele, basta.
A sociedade espera, e a igreja encoraja educadores _________________________________
cristãos a apresentarem “coisas suaves”, para não
__________________________________
ofender; “a facilitarem as coisas”, para que ninguém
erre; “ou tornarem as coisas agradáveis”, para que _________________________________
a igreja seja admirada. “Já há sofrimento demais no
mundo”, “o trabalho já é pesado no dia-a-dia”, por- _________________________________
tanto “pronunciamentos e estudos nas igrejas devem
ser agradáveis”. _____________________________
69
www.metodista.br/ead
Não! Paulo vai além da banalização: devemos ensinar a profundidade do Evangelho para
que a cruz de Cristo não se esvazie do seu poder. O conteúdo do ensino da comunidade cristã
aprendente é a cruz de Cristo. Esta mensagem não faz sentido para a sociedade – é loucura, pois
é se esvaziando que Jesus se fortalece; é do sofrimento que vem a força.
Construindo uma comunidade de educadores e aprendentes. A educação cristã se dá no
contexto da comunidade. Ela é o espaço do diálogo. São juntas que as pessoas se educam. Um
é professor do outro; uma é aluna da outra. Sem dúvida, o pastor, a pastora ou a liderança leiga
pode provocar a comunidade para que dê um salto à frente. Fazendo parte do grupo e da sua
caminhada, o pastor, a pastora ou a liderança leiga deve contribuir para o crescimento da comu-
nidade por meio do que ele/ela mesmo vê e sabe.
Essas lideranças precisam construir uma atmosfera na qual a comunidade cristã como um
todo (por exemplo, ministérios, grupos musicais, equipes) aproveite e valorize as oportunidades
de educação sempre que as pessoas estiverem reunidas. A congregação precisa ser e ter um am-
biente de aprendizado no qual as pessoas possam crescer na fé. É lamentável que muitas vezes ela
não proveja isto para as pessoas. O ambiente pode ser cheio de conflitos ou de apatia. As igrejas
devem avaliar o seu jeito de ser comunidade e decidir tornar-se um espaço mais saudável para
ensinar e aprender juntos.
Se acreditamos que todas as pessoas na comunidade de fé são educadoras e aprendentes,
as lideranças estabelecerão como alta prioridade criar e sustentar a comunidade inteira como uma
comunidade aprendente. Fazendo isto, elas vão realmente gerar uma atmosfera na qual o ensino
e o aprendizado é assumido, e onde mais pessoas vejam a si mesmas nesses papéis.

Bibliografia
ASSMANN, Hugo. Reencantar a educação: rumo à sociedade aprendente. Petrópolis: Vozes,
2000

FOWLER, James W. Estágios da fé. São Leopoldo: Sinodal, 1992.

GROOME, T. H. Educação religiosa cristã. São Paulo: Paulinas, 1985.

LIBÂNEO, João Batista et al. Educação para uma sociedade justa. São Paulo: Loyola, 1981.

STRECK, Danilo (Org.). Educação e igrejas no Brasil: um ensaio ecumênico. São Leopoldo /
São Bernardo do Campo: Celadec / IEPG / Ciências da Religião, 1995.

Obra de referência
EVERIST, Norma Cook. Church as a learning community: a comprehensive guide to christian
education. Nashville: Abindgon Press, 2002.

70
Universidade Metodista de São Paulo
Fundamentos Pedagógicos-Pastorais
e Estruturas Eclesiásticas

Introdução às teorias
Módulo

organizacionais e
modelos de estruturas
eclesiásticas
Prof. Dr. Nicanor Lopes

Objetivos do tema:
Conhecer e analisar diversos modelos de
estruturas e documentos eclesiásticos;
Analisar modelos de estrutu­­ras eclesiásticas
das principais igrejas protestantes.

Palavras-chave:
Governo da Igreja; estruturas eclesiásticas;
organização eclesiás­ticas; congregacionalismo;
presbite­rianismo; episcopal.

www.metodista.br/ead
Introdução
Existe uma resistência natural quando se fala sobre as estrutu-
ras eclesiásticas. Isso não significa que as igrejas não devam ter uma
organização pontual e definida, o que não se deve estabelecer é uma
radicalidade a ponto de afirmar que a Igreja não necessita de nenhuma
estrutura pelo simples fato de ser Deus o Senhor da mesma. Por outro
lado, não se deve, nas igrejas, criar estruturas ortodoxas a ponto de a
organização ficar centrada em poucas pessoas e comprometendo assim
a participação comunitária. Segundo Maximiano (2000):
Uma organização é uma combinação de esforços individuais que tem Uma
por finalidade realizar propósitos coletivos. Por meio de uma organização organização é
torna-se possível perseguir e alcançar objetivos que seriam inatingíveis uma
para uma pessoa. Uma grande empresa ou uma pequena oficina, um la-
boratório ou o corpo de bombeiros, um hospital ou uma escola são todos
combinação
exemplos de organizações.1 de esforços
Fica claro, na história da Igreja, que ela é uma organização e, como
individuais
tal, deve estabelecer objetivos e se organizar para alcançá-los. O equilí- que tem por
brio na compreensão da Igreja como um organismo divino e humano é finalidade
essencial para uma análise das formas organizacionais das igrejas. realizar
Nosso propósito neste tema é aprofundar a compreensão das propósitos
formas de organizações mais conhecidas nas igrejas cristãs. coletivos.

1. Introdução às teorias organizacionais


Para melhor compreendermos o universo teórico das organizações,
faz-se necessário definirmos o foco ou o olhar da sociedade. É comum no
universo das igrejas uma tendência humana de leitura a partir de um teo-
logismo ou teocentrismo. Isto é, um olhar humano que atribui à realidade
tudo como desígnio divino. Essa tendência em explicar as relações na sociedade tendo como centro
a ideia de que Deus é o responsável por tudo, de forte tendência calvinista deve ser analisado por
outros ângulos, tais como o da liberdade humana.
Por outro lado, existe também uma forte tendência humanista em explicar as relações da
sociedade a partir da ideia da centralidade do desígnio humano, ou seja, uma tendência antropo-
cêntrica – centrando-se no Homem.
Atualmente a percepção da realidade organizacional procura criar espaços de reflexão que
contemple tanto uma visão teocêntrica como antropocêntrica. Nas empresas, discute-se muito a
denominada inteligência espiritual. Veja as publicações de Augusto Cury2.

1 - MAXIMIANO, Antonio Cesar A.Introdução a administração. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2000.
2 - Em O Mestre dos Mestres, primeiro volume da coleção Análise da Inteligência de Cristo, Augusto
Cury faz uma original abordagem da vida desse grande personagem, revelando que sua inteligência
era bem mais grandiosa do que imaginamos. Quando soube que seria preso, em vez de fugir, Jesus
entregou-se ao destino e à morte. Tamanha era sua capacidade de gerenciar as emoções que, apesar
das inúmeras provações por que passou, Jesus tornou-se o símbolo maior da esperança, do amor,
da dignidade e da compaixão. Nessas páginas, você fará uma viagem pelos mistérios da mente do
Mestre dos Mestres.

72
Universidade Metodista de São Paulo
2. Modelos de estruturas eclesiásticas
O formato organizacional dado à Igreja é conhecido como Governo da Igreja ou Estrutura
Eclesiástica, analisaremos as principais formas de organização eclesiástica na história da Igreja.

2.1. Congregacional
O sistema congregacional é aquele que assegura à igreja local uma completa autonomia.
Esse modelo de organização garante às assembleias locais pleno poder decisório, pra tratar de
questões surgidas na caminhada da igreja. A centralidade do poder nas igrejas regidas pelo sistema
congregacional está em suas assembleias; esse modelo tem sua origem no movimento puritano
inglês que desejavam sua independência da Igreja da Inglaterra. Portanto, as raízes do
movimento congregacionalista estão na Declaração de Fé e Ordem de Savoy3, quando os
puritanos, reunidos no Palácio de Savoy, Londres, e representando cento e vinte igrejas,
redigiram essa declaração que estabelece os princípios
do congregacionalismo.
Essa forma de estrutura eclesiástica permite que a __________________________
igreja local estabeleça de forma autônoma sua reflexão
teológica, sua organização local, suas frentes missioná-
__________________________________
rias, etc. Para evitar um isolacionismo, as igrejas con- __________________________________
gregacionais geralmente se agrupam em organizações
voluntárias, como a União das Igrejas Evangélicas Con- __________________________________
gregacionais do Brasil, que afirma em sua constituição,
no preâmbulo, a seguinte recomendação bíblica: “A pre- __________________________________
sente Constituição é inspirada no princípio sintetizado
__________________________________
nas palavras do profeta: ‘Não por força nem por violên-
cia, mas pelo meu Espírito, diz o Senhor dos Exércitos’ ___________________________________
– Zacarias 4.6.” 4 Esse modelo organizacional é comum
em denominações como Igreja Batista e, obviamente, a ___________________________________
própria denominação que deu nome ao termo: a “Igreja
Congregacional”.
__________________________________

____________________________ ______
2.2. Episcopal ___________________________________
A estrutura eclesiástica estabelecida no modelo
_________________________________
conhecido como Governo Episcopal tem a sua ênfase
no ministério dos bispos. O episcopado, nesse modelo _________________________________
de organização, é revestido de um carisma especial.
As ordens eclesiásticas, nessa forma administrativa da __________________________________
Igreja, ocupam um papel importante, pois mesmo esta-
belecendo modelos de decisões compartilhadas, como _________________________________
assembleias, concílios, etc, os ministros ordenados como _________________________________
presbíteros e diáconos têm seus papéis definidos em
questões, por exemplo, da doutrina e/ou do governo _____________________________

3- Consulte online http://www.reformed.org/documents/Savoy_Declaration/, [capturado em outubro de 2006]


4 - Cf. CONSTITUIÇÃO DA UNIÃO DAS IGREJAS EVANGÉLICAS CONGREGACIONAIS DO BRASIL, Rio de Janeiro,
10 de janeiro de 2004, p.1.

73
www.metodista.br/ead
da igreja. Esses cargos ou ministérios nas igrejas de regime episcopal são inspirados nos relatos
do Novo Testamento.
No Brasil, igrejas de tradição protestante como a Igreja Metodista, assim como as igrejas an-
glicanas, têm sua forma de governo episcopal. No metodismo, o episcopado surgiu na Conferência
de Natal de 1784, que fundou a Igreja Episcopal Metodista, em Baltimore, nos Estados Unidos. No
Brasil, o primeiro bispo só foi eleito em 1930, ano da autonomia da Igreja Metodista do Brasil, e,
em 1934, foi eleito o primeiro bispo metodista brasileiro: Revmo. Cesar Dacorso Filho.
O Colégio Episcopal da Igreja Metodista é responsável pelo governo e unidade doutrinária
da igreja, porém o modelo decisório, isto é, as deliberações são em assembleias que ocorrem em
períodos eclesiásticos (os períodos variam conforme decisão da própria assembleia; pode ser de
quatro, cinco ou seis anos), essas assembleias são chamadas de Concílio Geral. Portanto o meto-
dismo é misto de regime episcopal com regime representativo, porque seus concílios têm suas
composições por representantes das comunidades locais para concílio regional, e representante
regionais para concílios gerais.

2.3. Presbiterianismo
O presbiterianismo é uma forma de organização eclesiástica híbrida; tem um pouco de
congregacionalismo e do modelo episcopal. Sua estrutura está centrada na herança calvinista
das ordens; este modelo distingue as funções dos ministros clérigos e leigos. O presbiterianismo,
com base e inspiração na organização eclesial paulina, confia o governo da igreja a “presbíteros”,
ministros e anciãos laicos.
A Igreja Presbiteriana do Brasil exerce seu governo por meio de concílios e indivíduos regu-
larmente instalados. Os concílios da Igreja Presbiteriana do Brasil são assembleias constituídas de
ministros e presbíteros regentes. Os concílios guardam entre si gradação de governo e disciplina, e,
embora cada um exerça jurisdição original e exclusiva sobre todas as matérias da sua competência,
os inferiores estão sujeitos à autoridade, inspeção e disciplina dos superiores.
Esses são os principais modelos de organiza­ções eclesiásticas praticadas no mundo cristão.

Bibliografia
BRIGHENTI, A. Reconstruindo a esperança: como planejar a ação da Igreja em tempos de
mudança. São Paulo: Paulus, 2000.

CARVALHO, V.A. Planejando e administrando as atividades da igreja. São Paulo: Exodus,


1997.

GIBSON, James L. Organizações: comportamento, estrutura e processos. São Paulo: Atlas,


1981.

MAXIMIANO, A.C.A. Introdução à administração. São Paulo: Atlas, 2000.

CAMPANHÃ, Josué. Planejamento estratégico. São Paulo: Vida, 2000.

74
Universidade Metodista de São Paulo
Fundamentos Pedagógicos-Pastorais
e Estruturas Eclesiásticas

Modelos de ação da Módulo

Igreja e metodologias
de planejamento

Prof. Dr. Nicanor Lopes

Objetivos do tema:
Conhecer e analisar os modelos de ação da
Igreja;
Analisar quatro métodos de planejamento
eclesiástico das principais igrejas protestantes;
Aprofundamento no mé­todo participativo.

Palavras-chave:
Ação pastoral; pastoral orgânica; pasto-
ral de comunhão e participação;planejamento
normativo;planejamento es­traté­
gico;planejamento parti­cipativo.

www.metodista.br/ead
Introdução
A Igreja é um organismo vivo, o apóstolo Paulo a define como
Corpo vivo de Cristo: “Ora, vós sois o Corpo de Cristo” (1 Co 12.27). Por
entender esta dinâmica da Igreja é que pensamos em ações pastorais que
valorizam o carisma (ou o dom) que existe nas pessoas individualmente
e coletivamente na vida da comunidade de fé.
Para melhor compreendermos esse tema, é necessário estudar-
mos as formas possíveis de ação pastoral. É importante deixar claro que
ação pastoral não se resume nas atividades do pastor ou da pastora,
isso nós chamamos de pastorado. Portanto, ações pastorais são todas
as atividades que a comunidade de fé (Igreja) desenvolve, quer seja por
meio do pastorado, quer seja por meio das ações dos leigos e leigas.
Afinal, quais são os modelos mais conhecidos? Neste estudo, des-
tacaremos, dentre os modelos existentes, dois deles, a saber: a pastoral
orgânica e de conjunto e a pastoral de comunhão e participação.
Este modelo tem por excelência manter as diretri-
zes institucionais da Igreja na sua ação. Geralmente esse
modelo de ação segue as regras estabelecidas por órgãos
superiores da Igreja, e todos os segmentos subalternos são
Pastoral obrigados a seguir os planos estabelecidos. No universo
protestante, esse modelo fica visível no seguinte procedi-
orgânica e mento: Quando uma igreja se reúne em Assembleia Geral,
de conjunto. Supremo Concílio, Concílio Geral, etc., esses órgãos tomam
decisões que afetam toda a vida institucional das igrejas
locais que estão debaixo dessas estruturas. Esse modelo,
apesar de muito usual, é muito falho, porque substitui o
envolvimento das comunidades locais, do povo; e geral-
mente a proposta desse modelo de plano é realizada por
pessoas tidas por especialistas no assunto.

Somente este modelo pode garantir a participação da maio-


ria das pessoas. Esse modo de ação pastoral inclui os diferentes
olhares (dons) da comunidade de fé; ele não possui somente a
ênfase dos clérigos (pastores, bispos, presidente), mas permite uma
participação daqueles e daquelas que têm uma vivência cotidiana
Pastoral de
da igreja. “É com este modelo de ação pastoral que, verdadeira- comunhão e
mente, vai dar-se à passagem do primado do administrativo ao
primado do pastoral, do institucional ao carisma da Igreja”1. participação.
Após conhecermos os modelos de ação pastoral, precisamos
aprofundar nosso estudo nos modelos de planejamento. É muito
comum utilizarmos modelos de planejamentos equivocados aos
modelos de ação pastoral. A ação pastoral precisa de um modelo
de planejamento que represente uma ferramenta compatível ao
seu modo de ser e realizar.

1 - BRIGHENTI, Agenor. Reconstruir esperança: como planejar a ação da Igreja em tempo de mu-
dança. São Paulo: Paulus, 2000, p.39

76
Universidade Metodista de São Paulo
Dos modelos de planejamento existentes, trataremos apenas de três em nosso estudo:

É importante destacar que este modelo está centrado na


Planejamento autoridade. A questão principal está no processo decisório, e as
normativo. decisões são registradas em normativas da Igreja. Por exemplo: A
autoridade, que pode ser: bispo, pastor, ou junta de presbíteros
(cada igreja tem um nome para esses organismos), etc., decide e
posteriormente regulamenta a decisão, que passa a ser uma norma
para a instituição. Esse modelo funciona em harmonia com a ação
pastoral orgânica e de conjunto.

Este modelo é inspirado no mundo militar e muito apli-


cado ao mundo empresarial. Muitas igrejas têm adotado esse
modelo, inclusive aquelas que definem seu projeto missionário
como uma estratégia de batalha espiritual. Planejamento
Esse modelo de planejamento se divide em quatro mo- estratégico.
mentos: o primeiro é chamado de normativo, onde se definem a
missão e a visão da instituição; o segundo é o analítico, que tem
a responsabilidade de avaliar a situação da instituição, o terceiro
é chamado de estratégico, onde os objetivos da instituição são
definidos. Finalmente, pensa-se no momento tático-operacional,
onde se estabelece a estratégia para conquistar as metas.

Este modelo de planejamento é inspirado em


movimentos populares e muito utilizado por órgãos pú-
blicos. Muitas prefeituras já realizam seus planejamentos
de forma participativa. A participação possui duas bases
complementares: “uma base afetiva – participamos por-
que sentimos prazer em fazer as coisas com outros; e
uma base instrumental – participamos porque fazer as
coisas com outros é mais eficaz e eficiente que fazê-las
sozinhos”2. Para garantir a participação das pessoas, o Planejamento
método do planejamento participativo precisa garantir
os seguintes procedimentos: a) marco de realidade – participativo.
isso significa respostas às demandas, como: para quem
planejamos? em que ambiente vivem essas pessoas? etc.
b) marco doutrinário – não basta conhecer a realidade,
é necessário permitir que a realidade dialogue com as
intenções da igreja. A realidade precisa ser confrontada
com a proposta da fé. Após a definição desses marcos,
é necessário o estabelecimento da operacionalidade do
plano, isto é, o marco operacional.

2 - BORDENAVE, Juan E. Diaz. O que é participação? São Paulo: Brasiliense, 1994, p.16

77
www.metodista.br/ead
Essa parte do plano define, após o diálogo entre realidade e doutrina, os objetivos
gerais e específicos. O estilo de ação pastoral participativa é um elemento importan-
tíssimo nesse momento. Por fim, o planejamento participativo necessita de um marco
organizacional. Isso significa que os planos necessitam de uma execução que expresse
fidelidade à proposta, e que os mecanismos de avaliação permanente assegurem a
realização das decisões. Segundo Bordenave: “A democracia participativa promove a
subida da população a níveis cada vez mais elevados de participação decisória, aca-
bando com a divisão de funções entre os que planejam e decidem lá em cima e os que
executam e sofrem as consequências das decisões cá embaixo”3.

Com isso, concluímos o estudo dos principais modelos de ação pastoral e modelos de pla-
nejamento. Não se esqueça de realizar a leitura complementar do texto “O que é participação?”.

Bibliografia
BRIGHENTI, A. Reconstruindo a esperança: como planejar a ação da Igreja em tempos de
mudança. São Paulo: Paulus, 2000.

BORDENAVE, Juan E. Diaz. O que é participação? São Paulo: Brasiliense, 1994.

CAMPANHÃ, Josué. Planejamento estratégico. São Paulo: Vida, 2000.

2 - BORDENAVE, Juan E. Diaz. O que é participação? São Paulo: Brasiliense, 1994, p.34.

_____________________________________ _________________________________________

_____________________________________ _________________________________________

_____________________________________ _________________________________________

_____________________________________ _________________________________________

_____________________________________ _________________________________________

_____________________________________ _________________________________________

_____________________________________ _________________________________________

_____________________________________ _________________________________________

________________________________ ____ _________________________________________

78
Universidade Metodista de São Paulo
Fundamentos Pedagógicos-Pastorais
e Estruturas Eclesiásticas

Elementos
Módulo

fundamentais para
a administração
eclesiástica
Prof. Dr. Nicanor Lopes

Objetivos do tema:
Conhecer e analisar os elementos adminis-
trativos da Igreja;
Integrar as ferramentas administrativas e
conceitos bíblicos de organização da Igreja.

Palavras-chave:
Processo; pessoas; dele­gação de autorida-
de; estru­tura; organização; objetivos.

www.metodista.br/ead
Introdução
Algumas organizações eclesiásticas criam estruturas tão rígidas, que as pessoas acreditam
que as formas administrativas dessas igrejas, em vez de abençoar, escravizam as pessoas. Isso
significa que esse modelo de organização, além de estar equivocado, precisa de fundamentos
bíblicos e teológicos.
Se você é ou já foi vítima de uma administração eclesiástica que não lhe proporcionou liber-
dade de ação e o seu sentimento é que administração da igreja só serve para quem exerce poder,
você é convidado, com esta aula, a rever seus conceitos sobre esse tema.

Processo
Administração eclesiástica é um processo empolgante e dinâmico. O
primeiro exemplo que se pode verificar na Bíblia é que o relato da Criação é
processual. As atividades de Deus na Criação foram processadas dia após dia.
A experiência religiosa identifica o processo da Criação como projeto ideal de
Deus. Sempre na conclusão de um dia na Criação, encontramos o relato “e viu Apóstolo
Deus que isso era bom”. Mas o que era bom para Deus foi corrompido pela raça Paulo afirma
humana. É por isso que se afirma que a administração, seja ela eclesiástica ou que a Igreja
não, é sempre um processo dinâmico que precisa de avaliação constante para
é o Corpo de
proporcionar eficiência, na intenção de cumprir o objetivo inicial. Deus, ao criar,
afirmou que a sua obra era boa. Porém, logo após a Criação, observam-se as Cristo, e os
dificuldades de convivência humana. Já no capítulo 6 de Gênesis, encontra-se dons repre-
o relato da correção de rota. O que na Criação foi dito que era bom, agora sentam os
é anunciada uma inundação para destruir todas as pessoas que não eram membros
obedientes a Deus. Assim, na história da salvação, encontramos vários relatos
desse corpo.
onde se verifica a ação de Deus corrigindo essa caminhada.

Pessoas
Há uma forte tendência nos sistemas administrativos totalitários em
valorizar as estruturas e subestimar as pessoas. Nenhuma organização sobrevive sem pessoas,
porque são elas que dão vida à organização.
O apóstolo Paulo descreve, de maneira muito clara, que as pessoas são importantes na orga-
nização da Igreja. Ele afirma que a Igreja é o Corpo de Cristo, e os dons representam os membros
desse corpo. Esta tese de Paulo deixa claro que as pessoas da Igreja devem se agrupar pelos seus
dons para construir ministérios eficazes. Um bom exemplo para justificar esse modelo de gestão
encontra-se no livro de Neemias, pois ele utiliza-se deste método na restauração de Jerusalém.
Neemias aproveita o agrupamento das famílias na distribuição de tarefas.
As pessoas representam o ponto central de uma administração; para tanto é necessário que
as pessoas tenham seus papéis (direitos e deveres) bem definidos. Quando Deus chamou Moisés
para ser o libertador de seu povo da opressão de Faraó, Ele conduziu o povo para o êxodo. Nesse
período o povo aumentou em grande quantidade, e Moisés manteve seu estilo administrativo.
Todas pessoas o procuravam para resolver suas questões.
Podemos afirmar que até o dia em que Moisés recebeu conselho de seu sogro, ele era um
administrador centralizador, porém esse modelo não era bom nem para ele e nem para o povo
(ver relato em Êxodo 18) Jetro, ao observar o estilo de administração de Moisés, advertiu-o com
as seguintes palavras “Que é isso que fazes ao povo? Por que te assentas só, e todo o povo está em
pé diante de ti, desde manhã até o por do sol?” (Ex. 18, 14). Este é um típico exemplo de uma ad-

80
Universidade Metodista de São Paulo
ministração que não leva em conta as pessoas. É certo
que este modelo é prejudicial para quem governa e
também para quem é governado. Por isso, é necessário
delegar autoridade. Alguns confundem a delegação
com a simples atribuições de tarefas rotineiras. Pelo
contrário, a delegação de poderes permite que mais
pessoas tenham poder de decisão, além do presidente
da igreja, bispo, pastor titular, etc. Nos variados níveis A delegação de
de administração da Igreja, as pessoas que ocupam poderes permite
funções de liderança devem receber delegação de que mais pessoas
poderes para decidir. Vamos construir uma situação
tenham poder de
que poderia ser real: Certa igreja trabalha com grupos
familiares e tem cerca de 35 grupos que se reúnem
decisão, além do
toda terça-feira. Assim como aconteceu em 2006, surge presidente da igreja,
novamente, em uma determinada semana, uma onda bispo, pastor
de violência na cidade, fruto da organização criminosa. titular, etc.
Os líderes desses grupos familiares não têm autonomia
para decidir sobre a mudança do dia e horário das reu-
niões. Você poderia imaginar como ficaria o telefone
do pastor nessa situação?
A delegação de autoridade é importantíssima
na administração de uma igreja; as pessoas precisam
ter claros seus direitos e deveres. E o lado positivo da
delegação de autoridade é que o líder nunca terá de
carregar sozinho o peso da organização.

Objetivos
Toda igreja precisa ter claro o seu objetivo. _________________________________________
Quando organizamos as pessoas na igreja, como
processo administrativo organizacional, nós deve- _________________________________________
mos ter em mente qual o objetivo que desejamos
alcançar com esta organização. _________________________________________
Ninguém arruma as malas e vai para a rodo- _________________________________________
viária ou aeroporto, e permanece no saguão, na
frente dos guichês de venda de passagem, com a _________________________________________
interrogação para onde eu vou mesmo?
_________________________________________
Saber onde queremos chegar significa obje-
tivo. A Igreja tem um objetivo muito bem definido; _________________________________________
observe que Jesus foi claro ao afirmar que a Igreja
_________________________________________
tem por responsabilidade: ir, fazer discípulos, ba-
tizar e ensinar. _________________________________________
Uma vez definido o objetivo, o processo ad-
_________________________________
ministrativo eclesiástico precisa escolher o proce-
dimento, isto é, como vamos realizar a tarefa para __________________________________
conquistar o objetivo. Na aula anterior, analisamos
os processos metodológicos de planejamento. Um _________________________________
dos quesitos desta ação exige compromisso com
o marco doutrinário. Isso significa que na admi- _________________________________
nistração eclesiástica isso é muito relevante. Na

81
www.metodista.br/ead
administração secular, nem sempre se observa o meio; as empresas, nas suas políticas de concor-
rências, ignoram os meios para conquistar os fins. Na administração da Igreja é muito importante
assumir compromissos com os meios. Nenhuma igreja séria pode banalizar o projeto missionário
de Deus na sua intenção de salvar a humanidade. Mesmo que o mundo atual desconfie dos meios
de graça, porque colocaram na cabeça das pessoas que tudo deve ser pago – e as grifes estão aí
para comprovar esta tese – , nós Igreja de Cristo não podemos perder o nosso objetivo maior que
é de anunciar a salvação de Jesus por meio do grande amor de Deus, e isso é graça divina para a
humanidade e não existe nenhum tipo de negócio que possa comprar esse ideal de Deus.
No próximo encontro, vamos tratar um pouco de princípios de liderança, treinamento na
igreja e mecanismos de avaliação.

Bibliografia
BRIGHENTI, A. Reconstruindo a esperança: como planejar a ação da igreja em tempos de
mudança. São Paulo: Paulus, 2000.

DOUGLAS, Stephen. O ministério de administração. São Paulo: Candeia, 1999.

CARVALHO, Antonio Vieira de. Planejando e administrando as atividades da igreja. São


Paulo: Exodus, 1997.

____________________. Treinamento na igreja de Cristo. São Paulo: Agnos, 2005.

_________________________________________ _________________________________________

_________________________________________ _________________________________________

_________________________________________ _________________________________________

_________________________________________ _________________________________________

_________________________________________ _________________________________________

_________________________________________ _________________________________________

_________________________________________ _________________________________________

_________________________________________ _________________________________________

_________________________________________ _________________________________________

_________________________________ _________________________________

__________________________________ __________________________________

_________________________________ _________________________________
Fundamentos Pedagógicos-Pastorais
e Estruturas Eclesiásticas

Treinamento,
Módulo

liderança, autoridade
e responsabilidade
na administração
eclesiástica
Prof. Dr. Nicanor Lopes

Objetivos do tema:
Analisar métodos e técnicas de treinamento na
administração da Igreja;
Abordar os procedimentos de autoridade e
responsabilidade no contexto da administração da Igreja;
Estudar os princípios de liderança no contexto bíblico.

Palavras-chave:
Treinamento; liderança; autoridade; responsabilidade;
controle; métodos de avaliação.

www.metodista.br/ead
Introdução
Neste capítulo, analisaremos os princípios de liderança a
partir do modelo bíblico, com ênfase especial nos conceitos de
autoridade e responsabilidade. Espera-se que o embasamento que
oferecemos para o treinamento da igreja local assegure o processo
de aprendizagem “tendo em vista o aperfeiçoamento dos santos,
para a obra do ministério, para edificação do corpo de Cristo” (Ef Os métodos
4,12). O aperfeiçoamento da obra de Deus necessita de métodos de treinamento mais
de avaliação que garantam controle das ações eclesiásticas. apropriados para
utilização na
Treinamento da liderança Igreja são:
a) Discussão
Pergunta-se: é necessário treinamento na Igreja de Cristo?
não é o Espírito Santo quem concede a capacitação aos crentes? em grupo,
A resposta às duas perguntas é sim. É necessário treinamento e b) Brainstorming,
também cremos que o Espírito Santo capacita a comunidade dos c) Demonstração,
fiéis. Mas nem por isso as igrejas devam deixar de treinar seus d) Estudo de caso
membros; e o exemplo maior foi o próprio Jesus que não abriu
e) Painel.
mão de treinar e capacitar seus discípulos em todo o seu minis-
tério terreno. O treinamento faz-se necessário para se conquis-
tar: eficiência, que significa fazer as coisas bem feitas, como diz:
eficácia significa fazer as coisas certas. Conforme Antonio Vieira
de Carvalho1, os métodos de treinamento mais apropriados para
utilização na Igreja são:

Discussão em grupo: Este método é geralmente empregado nas reuniões de


debates, discussão de problemas, e proporciona aos participantes o intercâmbio
de idéias e aprofunda o espírito de trabalho em grupo.
“Brainstorming”, que significa tempestade de idéias. Essa experiência permite
que muitas pessoas ofereçam, livremente, as suas idéias para se conquistar um
ideal. Nesse momento não é permitido que as idéias sejam censuradas, para que
assegure o direito de participação de todos.
Demonstração: Como o próprio nome diz, é o método de se treinar pessoas por
meio da mostra de como se executa determinada tarefa. É importante, neste
método, garantir uma rotina que contemple todos os passos da instrução.
Estudo de caso: É a análise de uma situação real, ocorrida no universo da igreja,
que pode ser analisada por um grupo. É a construção de uma teoria para um
acontecimento prático.
Painel: Esse método garante a apresentação de um tema por mais de uma pes-
soa, que tenham domínio do assunto. Para obter-se sucesso com um painel, os
apresentadores do tema devem enfocar questões diferenciadas, mas dentro do
tema. O coordenador deve assegurar a participação do plenário ou participante
do painel.

1 - CARVALHO, Antonio Vieira de. Treinamento na igreja de Cristo. São Paulo: Agnos, 2005, p. 95-105

84
Universidade Metodista de São Paulo
Liderança
Muitas igrejas até conseguem realizar bons planos,
porém esses planos acabam ficando nas gavetas por falta de
liderança. Liderar é uma arte. A Igreja conta com uma forte
presença de voluntários; e as pessoas se envolvem nas ações
da Igreja porque elas acreditam que o serviço da Igreja é o
cumprimento de um mandato divino. Diferentemente dos
processos de liderança das empresas, onde as pessoas são
obrigadas a participar de processos independentemente de
suas opções, na igreja, as pessoas só se envolvem nas ativi-
dades, se forem motivadas e, ao mesmo tempo, acreditarem Liderar é a arte de
que a ação tem fundamento no projeto do Reino de Deus. motivar pessoas
Liderar é a arte de motivar pessoas a desenvolverem a desenvolverem
suas responsabilidades com entusiasmo para alcançar efi- suas responsabili-
ciência naquilo que fazem. dades com entusi-
Uma liderança eficaz não manipula pessoas, pelo con- asmo para alcançar
trário, se observarmos o exemplo de Jesus, encontraremos a eficiência naquilo
afirmação: “Assim como o Pai me enviou eu envio a vós”(Jo
que fazem.
20, 21). Liderança, no conceito bíblico, é capacitadora. Jesus
deixa claro que sua liderança no exercício terreno de seu
ministério não termina com ele. Por isso, Jesus comissiona
seus discípulos a darem continuidade ao seu ministério
com a afirmação: “... como o Pai me enviou eu envio a vós”.
É fundamental, na gestão eclesiástica, seguir este exemplo, pois muitos exemplos de liderança
nas igrejas fracassam, porque as pessoas querem se perpetuar nos cargos ou nas funções, e não
desenvolvem uma liderança capacitadora; pelo contrário, optam pelo caminho de uma liderança
controladora.

Autoridade e responsabilidade
Muitos entendem que as palavras autoridade e responsabilidade são sinônimas. Mas o que
significa autoridade e responsabilidade no contexto da administração eclesiástica? Entende-se que,
mesmo sendo conceitos distintos, autoridade e responsabilidade caminham juntas. A autoridade
é o que legitima as ações de responsabilidade. É importante ter-se em mente que o conceito de
autoridade de Jesus está intimamente ligado ao serviço:
Jesus, pois, chamou-os para junto de si e lhes disse: Sabeis que os governadores dos gentios
os dominam, e os seus grandes exercem autoridades sobre eles. Não será assim entre vós; antes,
qualquer que entre vós quiser tornar-se grande, será esse o que vos sirva; e qualquer que entre
vós quiser ser o primeiro, será vosso servo(Mt 20, 25-27).
Autoridade na administração da igreja deve ser um eixo articulador de ações que identifiquem
o ministério de serviço da Igreja em favor das pessoas.
Responsabilidade e autoridade são temas sempre presentes nas tomadas de decisões, isto
é, no processo administrativo da igreja, é necessário tomar posições; definir o caminho a ser per-
corrido; analisar as influências das decisões sobre as pessoas envolvidas nas atividades da igreja
que serão afetadas, etc. São nesses momentos que a autoridade transfere ou encaminha as res-
ponsabilidades às pessoas que participam das etapas que a decisão interfere.
Controle e métodos de avaliação
Chegamos à conclusão deste módulo. Não basta um bom planejamento, motivação e estilo

85
www.metodista.br/ead
de liderança inspirado por Jesus, é necessário que a administração eclesiástica tenha processos de
controle e avaliação. Comumente as pessoas não gostam de avaliações; elas confundem os meca-
nismos de controle e avaliação como um julgamento pessoal. Portanto, avaliação não é julgamento
das pessoas que estão envolvidas na administração da igreja; segundo Brighenti: “Avaliação é o
ato que busca confrontar os resultados alcançados com os resultados desejados e detectar as causas
de possíveis desacertos, para evitar novos desvios na ação futura”2.
Controlar as ações administrativas da Igreja é acima de tudo uma atitude. Pois, quando a Igreja
define um plano de ação, as atividades ou programações devem atender as metas estabelecidas
no plano. A fidelidade ao plano só é aferida quando existe uma atitude para controlar as ações.
É comum verificarmos em igrejas que as ações desenvolvidas por determinadas congregações
não indicam fidelidade ao plano de ação da denominação; essa falta de fidelidade ocorre pelos
seguintes fatores:

falta de comprometimento com a visão e missão da igreja que faz parte;

falta de mecanismos de controle. Esses fatores acima descritos são os responsá-


veis pelas inúmeras divisões nas igrejas.

Por fim, eis o grande desafio pastoral na área do planejamento. Muitos não assumem esta
responsabilidade por julgarem mais prático fazer as coisas por fazer, e, como resultado, colhem a
insatisfação dos fiéis que acabam abandonando a igreja.
Espera-se que este módulo tenha contribuído para o aperfeiçoamento de uma administração
eclesiástica com excelência.

Bibliografia
BRIGHENTI, A. Reconstruindo a esperança: como planejar a ação da Igreja em tempos de
mudança. São Paulo: Paulus, 2000.

CARVALHO, Antonio Vieira de. Planejando e administrando as atividades da igreja. São


Paulo: Exodus, 1997.

____________________. Treinamento na igreja de Cristo. São Paulo: Agnos, 2005.

DOUGLAS, Stephen. O ministério de administração. São Paulo: Candeia, 1999.

2 - BRIGHENTI, Agenor. Reconstruindo a esperança: como planejar a ação da igreja em tempos de mudanças.
São Paulo: Paulus, 2000, p.144

Você também pode gostar