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04/05/2021 Os constitucionalistas são utópicos!

- Empório do Direito

Os constitucionalistas são utópicos!


Mateus P. Gomes 24/03/2016

Por Mateus P. Gomes – 24/03/2016

Lembro-me de minha mãe, em minha tenra idade, dizendo: “Menino! Não te meta a ouvir a conversa alheia, pois
é coisa feia”. Segui o conselho de minha mãe, até em tempos hodiernos, onde não só os ouvidos, mas os olhos
estão sempre atentos à vida alheia, busco não me intrometer nem saber além do que me compete. Mas confesso
que “me meti a ouvir a conversa alheia”, na atual conjuntura política toda hora é uma bomba que estoura, então
botei meus ouvidos atentos a escutar a conversa que se passava ao meu lado, onde se discutia política, após ouvir
uma frase um tanto quanto peculiar.

Eis que, enquanto olhava ao nada e divagava sobre coisas aleatórias, ouço a frase que me tirou do eixo sideral em
que me encontrava. “Todo constitucionalista é utópico!” dizia um rapaz a uma professora de Constitucional que
sentia aversão e ojeriza ao atual cenário político e na mesma engrenagem o jurídico. Tal frase me deixou
perplexo, de imediato pensei “Porra! Num país onde defender a constituição é utopia, o que será visto como algo
tangível e possível?!”

De um estado de perplexidade fui a um estado de reflexão, qual o sentido se pode dar à Utopia, de logo pensei
em sua origem, Thomas Moore, por achar o termo um pouco caduco fui para algo mais atual e lembrei-me de
certa feita ouvir de Mário Sergio Cortella que a utopia é a chegada, é o lugar no qual almejamos chegar através
das veredas às quais caminhamos que ter utopia não é loucura e insensatez, mas, sim, ter um norte, ter um ponto
ao qual se deseja chegar; poderia, assim, talvez, os Constitucionalistas serem utópicos.

Pensei minha conclusão ser muito vaga e voltei ao Thomas Moore, lembrei-me de um texto do Darcy Ribeiro
que dizia que a utopia de Moore era baseada nos índios brasileiros. Onde o espírito primitivo, de viver em
comunidade, sem os vilipêndios que são frutos da vaidade e ganância dos homens, causara no pensamento
europeu, à época, um verdadeiro choque, dizendo estes se tratar de utopia, ou na tradução etimológica do termo:
lugar nenhum, lugar inexistente. Pensei “Bingo!” os Constitucionalistas – brasileiros! - são utópicos. Mas ainda
havia algo que me encucava.

Pensei em Moore, de novo, mais precisamente, em sua utopia; em utopia a propriedade é coisa comum, “os
habitantes de utopia aplicam o princípio da posse comum. Para abolir a ideia de posse individual e absoluta
[...]”[1], utopia “tinha um povo que ultrapassava todos os outros em população”[2]; nesse lugar para preservar a
humanidade inerente à qualquer pessoa até o serviço de matar animais era reservado a poucos[3]; o trabalho não
era a exploração do homem pelo próprio homem, “seis horas de trabalho produzem abundantemente para todas
as necessidades e comodidades da vida, e ainda um supérfluo bem superior à exigências o consumo”[4], esse era
o tempo suficiente para trabalhar e prover para as necessidades de todos e não havia trabalho para suprir
extravagâncias de uns, em detrimento do sofrimento de outros; em utopia a potencialização da capacidade de
pensar é sagrada, superior a necessidade do trabalho, visavam “cultivar livremente o espírito, desenvolvendo
suas faculdades intelectuais pelo estudo das ciências e das letras”[5]. Diante a utopia de Moore dei graças pelos
constitucionalistas serem utópicos.

Necessitamos de constitucionalistas utópicos, que vejam essa terra brasileira como lugar nenhum, para que,
assim, possa construir um novo lugar, arquitetar o nosso topos, isso Darcy já falava. Tivemos oportunidade de
criar o nosso lugar, ao nosso modo, tivemos oportunidades para isso, “o valor da exportação brasileira no século
XVII foi maior que o da exportação inglesa no mesmo período”[6]; houve tempos do ouro, onde Minas
abarrotou cofres do mundo todo; tivemos o café, em 1913, onde o Brasil desfrutou, por longo tempo, de seu
mercado; tivemos tempos de alta da borracha e do cacau junto com alto fornecimento de matéria-prima
brasileira[7]. Tivemos chance de construir o novo, de fazer diferente, não fosse a visão sempre egoística de uma
determinada classe dominante, teríamos hoje um Brasil diferente, um país feito pelo seu povo e para seu povo.
Agora brado aos quatro ventos que os constitucionalistas sejam utópicos, pois a constituição é o maior símbolo
de um Estado forte, vívido e frutífero, e quando esse símbolo traz o peso de uma visão de futuro e nesse futuro
está um Brasil feito, construído e planejado pelo seu povo e não pelos olhares alheios e gananciosos, significa
que os constitucionalistas utópicos têm em si o peso do topos que a nação brasuca merece.

Notas e Referências:

https://emporiododireito.com.br/leitura/os-constitucionalistas-sao-utopicos 1/2
04/05/2021 Os constitucionalistas são utópicos! - Empório do Direito

[1] MOORE, Thomas. Utopia. Fonte Digital: Ebooks Brasil, 2005. p. 83

[2] Ibidem, p. 75

[3] Ibidem, p. 102

[4] Ibidem, p. 92

[5] Ibidem, p. 97

[6] RIBEIRO, Darcy. Sobre o óbvio/ Ensaios insólitos. Rio de Janeiro: Guanabara, 1986. p. 4

[7] Ibidem, p. 4

. . Mateus P. Gomes é graduando de Direito da Faculdade Católica do Tocantins


e membro do CA de Direito. . .

Imagem Ilustrativa do Post: Imaginations // Foto de: Hollywata // Sem alterações Disponível em:
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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou


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