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Resumo
INTRODUÇÃO
Desde o seu surgimento, até os dias de hoje, a escrita humana sempre estabeleceu uma
estreita relação com a tecnologia, seja através do instrumento de gravação, seja no
substrato de fixação, assim como com outros fatores. Embora o resultado formal da
escrita manual esteja bastante relacionado com a tecnologia destes fatores, seria um tanto
simplista explicar a aparência das formas escriturais somente pela influência direta de
suportes, ferramentas e técnicas empregadas. Para autores como Ladislas Mandel, as
técnicas de escrita ou a maneira de empunhar a pena nunca foram as causas, mas sim os
meios escolhidos para responder às diversas funções dos textos. E isso, segundo o autor,
se explica em boa parte quando encontramos a mesma forma de escrita ancestral
adaptada a diferentes substratos e instrumentos. Como se demonstra, no caso da escrita
imperial romana que era gravada na pedra em monumentos, com cinzel, na mesma
apresentação da romana libresca manuscrita, proveniente do cálamo de ponta chata
traçada sobre o papiro ou pergaminho. No entanto, nos parece correto considerar que
esta relação existe e cada vez mais, a tecnologia vem causando impactos na demanda da
escrita manual.
Sendo assim, num atual cenário regido pelas mídias tecnológicas, no qual o
computador já se mostra como uma verdadeira extensão do homem, acreditamos na
importância da pesquisa sobre a relação estabelecida entre escrita manual, tipografia e
tecnologia.
Com o passar dos anos, e com a evolução das tecnologias tipográfica, fontes
digitais manuscritas, imitando e simulando estilos variados de escrita, provenientes de
diferentes instrumentos, surgiram com maior intensidade e variedade, possibilitando
emprestar a personalidade, a gestualidade e a expressão do texto “escrito pela mão”, para
transmitir mensagens ativas e mais humanizadas. Na virada do século XXI, as inovações
tecnológicas como a expansão do mapa de codificação de caracteres, de escassos 256 para
mais de 65 mil diferentes glifos, o avanço dos sistemas computacionais para edição da
página impressa – agora munidos de inteligência tipográfica (plataforma Adobe CS) –, e
a moderna linguagem de programação OpenType – criada pela Adobe e Microsoft em
2000 –, tem possibilitado um maior resgate da gestualidade caligráfica, simulando e
representando com mais eficiência as particularidades da escrita humana em diversas
línguas.
região com a mesma escrita, estabelecendo então, uma comunicação eficiente entre estes
povos (MANDEL, 2006).
Como a linguagem, a escrita evoluiu atingindo alta complexidade. Elo entre a
linguagem, a escrita e a comunicação, a tipografia fornece um corpo artificial e ordenado
para a sua reprodução rápida e seriada.
Como seu objeto original, a tipografia evoluiu com o passar dos séculos. Suas
ferramentas foram alteradas por diferentes tecnologias e o grau de artificialidade
impregnado na escrita variou conforme a localidade e a época. No entanto, a essência
que separa o manuscrito e a tipografia quase não se alterou. Os tipos de metal tinham
como propósito original a cópia. Desde o início, nas prensas de Gutenberg, a tarefa do
tipógrafo era imitar a produção do escriba e possibilitar uma replicação múltipla e ágil.
Produzir centenas de cópias impressas em menos tempo – e em menos material – que
um escriba consumiria para produzir apenas uma página.
No sistema de tipos móveis, milhares de caracteres de metal eram dispostos em
estruturas modulares de madeira e compostos manualmente em linhas de texto. O
impressor entintava as superfícies em relevo das letras e pressionava os tipos no papel
com o auxílio de uma prensa manual. Após a impressão, os tipos eram novamente
retornados aos seus compartimentos, na caixa de tipos, e podiam ser reaproveitados em
novos trabalhos.
No decorrer de 400 anos, quase sem grandes inovações e modificações, o
sistema de impressão de Gutenberg se espalhou pelo mundo. Em 1884, a máquina de
linotipo (Lynotype) combinou em um único processo a fundição das letras e a
composição dos caracteres nas linhas de texto. Neste processo, o operador do linotipo
aciona um teclado conectado a uma matriz de moldes; quando uma série de moldes
completa uma seqüência especificada, a máquina os preenche com chumbo derretido e
compõe uma linha sólida de caracteres que será disposta em seguida na página de texto.
Após a impressão, o chumbo das linhas sólidas será derretido para formar novos
caracteres (BIERUT et alii, 1994).
Assim, diferentes tecnologias foram desmaterializando a construção dos tipos,
substituindo metal derretido por negativos fotográficos – fotocomposição – até chegar
aos meios digitais. Entre o advento da prensa de tipos móveis e o linotipo, a filosofia que
dirigia o design de tipos desenvolveu-se num cenário de pouca tecnologia e muitas trocas
culturais. Enquanto Gutenberg referenciou seus tipos nos livros manuscritos dos monges
gótica alemã da época, representa a sua intenção de criar uma fonte legível baseada em
formas internacionalmente mais aceitas. Acreditava que a redução geométrica do tipo
romano poderia “refinar” suas formas. Além disso, achava desnecessário imitar a linha
incisa do cinzel, ou as diferenças de contraste típicos do traçado da pena (LUPTON,
MILLER, 2088, p.42).
Com o surgimento do computador pessoal, em meados dos anos 1980, e o
desenvolvimento da linguagem postscript – desenvolvida pela Adobe –, a tipografia e o
desenho de tipos abriram-se para as mentes criativas de designers em todos os cantos do
planeta. A tipografia é colocada como protagonista neste novo cenário; surgem novos
desenhos a cada dia, cada vez mais particulares, exuberantes e orgânicos. A escrita é
descoberta como a união (e dissociação) dos códigos visuais e alfabéticos. Ao firmar-se
como co-autor da mensagem em seus aspectos visuais, o designer deixa claro ao usuário os
pressupostos de sua ordenação do texto, enfatizando o poder da imagem.
O UNICODE
O padrão de codificação de caracteres ASCII (do inglês, American Standard Code for
Information Interchange) foi criado em meados dos anos 1960 e é o primeiro código
digital de caracteres utilizado em larga escala. Inicialmente, foi baseado em um código de
sete bits de informação binária, permitindo apenas 128 posições de caracteres. Destas, 33
posições estavam destinadas a códigos de controle e uma estava destinada a um espaço
vazio, restando assim 94 posições, o que não é suficiente para acomodar o conjunto
básico do idioma espanhol, francês ou alemão. O computador se popularizou e a
necessidade de utilizar acentos e outros tipos de caracteres tornou-se um problema.
Atendendo esta demanda, foi desenvolvido o padrão ISO 8859 como uma extensão ao
código ASCII, em 1980. Baseado num código de oito bits, inclui caracteres acentuados,
agrupando as variantes de idiomas em tabelas de até 256 caracteres. Cerca de 230 glifos
ocupam estas posições. Freqüentemente, os aplicativos de edição e editoração de texto
limitam sua utilização útil em 216 posições, ou menos. Este lote escasso, cerca de 216
caracteres, atende somente as necessidades básicas das línguas da Europa Ocidental e da
América. No entanto, ainda ignora as necessidades de matemáticos, químicos, físicos,
especialistas em lingüística, além de pessoas que utilizam o alfabeto latino para escrever
nos idiomas húngaro, polonês, romeno, tcheco e inúmeros outros (BRINGHURST,
2005).
Enquanto os antigos tipógrafos podiam gravar novos desenhos e fundir seus
caracteres de chumbo, conforme sua vontade ou necessidade, para alcançar esta liberdade
criativa e expressiva no mundo digital, seria necessário um salto tecnológico de oito para
dezesseis bits na codificação dos caracteres, aumentando o mapa de posições para
216=65.536 caracteres.
O Unicode, código padrão de caracteres de 16 Bits, foi desenvolvido pelo
Unicode Consortium entre 1988 e 1991 (Unicode Standard, 2009). Através da utilização
de dois bytes para representar cada caractere, o Unicode permite a representação de quase
todas as linguagens escritas do mundo. Criado com o objetivo de ultrapassar as limitações
das tabelas de caracteres tradicionais, como as definidas pelo padrão ISO 8859, que são
utilizadas por vários países mas, permanecem em sua maioria incompatíveis umas com as
outras. Muitas destas tabelas, compartilham um problema comum, ao permitirem
processamento bilíngüe – utilizando caracteres romanos e a língua local –, mas não
1
O grafema é representação gráfica dos sons da fala, ou fonemas. Consideramos maiúsculas e minúsculas porque têm funcões
diferentes na nossa língua. Exemplos - Rebeca, Joana, jarro, rosto, Brasil, calça. No código Unicode, um grafema pode ser: (1) uma
unidade mínima distintiva no contexto de um sistema de escrita. Por exemplo, ‹p› e ‹d› são grafemas distintos no sistema de escrita
português porque existem palavras distintas como todo e topo. Outros exemplos: <c>, <ç> e <ss>, que significam coisas diferentes
em caca, caça e cassa. O contrário também é verdadeiro: formas em itálico e em negrito de uma letra “A” não são grafemas
distintivos porque nenhuma palavra é distinta pela alternância dessas duas formas. Formas em maiúsculas podem ser distintivas: a
Bíblia e a bíblia dos tradutores; o Diabo (ser individual) e alguns diabos (categorias de seres); (2) O que um usuário de computador
freqüentemente entende por caractere.
2
Glifo em tipografia, é uma figura, ou imagem visual, que dá um tipo de característica particular a um símbolo, ou caracter
específico. Um glifo é um elemento da escrita. Glifos também podem ser ligaduras tipográficas que são caracteres compostos, ou
diacríticos (BRINGHURST, 2005).
Formas Caudais (swashes) Letras ornamentadas com floreios e volteios que evocam
luxo. Algumas letras caudais recebem extensões ou floreios adicionais, enquanto outras
apenas ocupam mais espaço. São geralmente letras cursivas e as fontes caudais, portanto,
costumam ser itálicas. Usadas com mais freqüência em títulos ou frases destacadas,
conferem elegância e ênfase ao texto.
conjunto ideal de numerais para ser utilizado é chamado de “algarismos de texto” (old
style figures), algarismos de caixa-baixa ou algarismos de estilo antigo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Enquanto para Bringhurst (2005), a tipografia não passa de uma escrita estilizada, para
Ladislas Mandel (2006) a atual proliferação sem precedentes dos diferentes tipos de
representação da escrita não apresenta conexões culturais, nem funcionais, e reflete a
confusão da sociedade moderna. Para ele, duas correntes de pensamento parecem dividir
o mundo: a primeira delas tem origem no início do século XX, de ambição universal,
atende às demandas da indústria e das finanças globalizadas, e produziu – sob a máscara
de uma pseudo neutralidade gráfica – uma escrita despojada de cultura e sem alma,
representada pelas tipografias geométricas e sem serifa. A segunda corrente –
representada pelas fontes serifadas de raiz renascentista – mantém as ligações com nossa
herança cultural, interessada em preservar e prolongar, em sua diversidade identificadora,
o ideal humanista, modelo cultural das sociedades ocidentais.
A rápida síntese histórica, apresentada neste artigo, não pretende maiores
reflexões sobre as condições culturais que impulsionaram as diferentes abordagens da
tipografia, seu propósito é pontuar suas relações com a escrita – ora como objeto, ora
como contraponto –, assim como com a tecnologia.
Neste cenário, dominado pelas mídia digitais, onde a maioria das demandas da
escrita é atendida pelo computador, surgem questionamentos a respeito da importância
da escrita manual nos dias de hoje e como será o seu futuro perante tais impactos. Poderá
o computador incorporar inclusive a expressão da letra de seu próprio dono, ou
perderemos cada vez mais nossa expressão caligráfica até assumirmos a fonte da máquina
como nossa letra pessoal. Assim como, no início do século XX, a máquina de escrever
se apresentava como paradigma da escrita manual, mais uma vez o avanço da tecnologia
REFERÊNCIAS
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Instituto de Artes Visuais, UNIVERCIDADE, RJ. Rio de Janeiro: Univercidade,
2001.
BLACKWELL, Lewis. Tipografia del Siglo XX. Barcelona: Gustavo Gili, 2004.
JOHNSTON, Edward. Writing & Illuminating & Lettering. New York: Dover
Publications, 1995.
LUPTON, Ellen. Pensar com tipos. São Paulo: Cosac Naify, 2006.
MANDEL, Ladislas. Escritas, espelhos dos homens e das sociedades. São Paulo:
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OGG, Oscar. The 26 Letter. New York: The Thomas Y. Crowell Company. 1962.
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