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Organização
Gisela Belluzzo
Jofre Silva
DAMT: Design, Arte, Moda e Tecnologia
Organização
Gisela Belluzzo
Jofre Silva
Promoção
Universidade Anhembi Morumbi
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
Universidade Estadual Paulista -UNESP/Bauru
D172
Vários autores.
ISBN 978-85-8050-006-6
CDD 741.6
Apresentação, 5
Conselho Científico, 6
Resumo
A corrente filosófica “Naturalismo” considera o desenvolvimento
do processo cognitivo como decorrência evolutiva da natureza
que, também, é proposta como modelo evolutivo para a cultura.
“Design” é área de estudos e campo de atividades, cujo princípio
motivador fundamental de atuação é a solução de problemas.
A perspectiva naturalista em Design revela sua fundamentação
teórica e proposição metodológica na observação e na apropriação
de soluções dos sistemas naturais, para equacionar aspectos do
projeto, sejam tecnológicos, econômicos, estéticos, ergonômicos
ou ecológicos. Os estudos de Design investem em pesquisas na
área de Biônica, cujos objetos de interesse são formas, funções e
materiais dos sistemas naturais. Esses estudos são aplicados na
proposição de soluções projetivas, em diversas áreas de atuação
do design, inclusive no Ecodesign. A aplicação da Biônica à
metodologia de Design propõe soluções simples e econômicas,
com base nas concepções naturalistas, na elaboração de produtos
ecoeficientes, objeto de estudo do Ecodesign. Há, portanto, uma
interação fecunda e promissora entre Design e Naturalismo que é
mediada por analogias entre sistemas culturais e sistemas naturais.
Introdução
No período artesanal, que antecedeu ao período histórico-industrial, não havia
uma separação clara entre as áreas de Arte e de Design. No processo artístico-artesanal,
as atividades de projeto e execução eram praticamente indissociáveis, como também se
sobrepunham as histórias de Arte e de Design. Havia um diálogo ou uma interatividade
continuada entre as instâncias do pensamento e da produção. Os resultados eram produtos
particulares, praticamente únicos, mesmo quando se buscava a produção de diversos
exemplares semelhantes. Porém, o princípio que determinou a Revolução Industrial foi de
“serialização”. Primeiramente, houve a produção manufaturada em série, como consequência
da especialização dos artesãos, em que cada um era especializado para fabricar em série
uma parte do produto. Assim, cada parte seguia o padrão de sua série, sendo compatível
com quaisquer outras partes componentes do mesmo tipo de produto. Posteriormente, os
artesãos foram sendo substituídos por máquinas na fabricação das partes dos produtos.
Como consequência da fabricação por máquinas, as formas das partes dos produtos
foram geometricamente simplificadas, para que fossem mecanicamente fabricadas. A
industrialização separou radicalmente as instâncias de planejamento dos produtos e de
produção. Portanto, separou-se o processo de projeto e o processo de produção. Os rígidos
limites da mecanização exigiram a adoção dos princípios de idealização geométrica e o
desenvolvimento de uma razão metódica, para os processos de projeto e de gestão, com
base em procedimentos científico-tecnológicos.
A sistemática de criação e de gestão de projetos fundou e caracteriza a área de Design,
como campo de estudos aplicados nas atividades de projeto, que definem a profissão de
Designer.
A serialização da produção e a separação da atividade projetivo-ideal da produção
mecanizada assinalam a intervenção idealista no processo de fabricação de bens
manufaturados. Isso é mais evidente em comparação com os processos naturais, nos quais o
desenvolvimento de cada criatura é continuado e individualizado. A defesa do trabalho manual
foi resgatada por movimentos de arte aplicada, o mais proeminente foi Arts and Crafts, que
propôs o trabalho manual como fonte de recuperação da dimensão estética dos objetos,
em oposição à esterilidade dos objetos industrializados. A valorização do trabalho manual
retomou a perspectiva naturalista, porque priorizava a relação natural, entendendo o objeto
como extensão do homem e como parte da natureza.
O percurso histórico modernista, porém, confirmou o afastamento entre os campos
de Design e de Artesanato e ambos se distanciaram do campo da Arte. Isso ratificou a
racionalidade lógico-idealista como característica de Design.
A partir disso, foi amplamente desenvolvida no campo de Design uma concepção
funcionalista, de acordo com a premissa “a forma segue a função”, a qual exerce influência
sobre as atividades projetivas até os dias de hoje, mesmo que de forma menos central. Essa
visão, de uma maneira geral, prioriza fatores racionais da relação entre homem e objeto, com
relação aos aspectos de caráter sensorial.
Por outro lado, a extinção dos recursos naturais e a degradação do meio ambiente
requerem a reaproximação entre o homem e os elementos da natureza, como partes
integrantes de um mesmo ecossistema, cujo funcionamento interfere e compete a todos
os seus componentes, mesmo que de forma diversa. No campo de Design, as pesquisas
relacionadas à área de Biônica observam os sistemas naturais para a proposição de soluções
em projetos de diversos produtos como, automóveis e joias e exercendo influência também
sobre a área do Ecodesign. A consciência ecológica exige novos estilos e padrões de consumo
sustentável, implicando em projetos de Design coerentes com essa nova realidade.
Conforme Villas-Boas (2000, p.45), Design é uma palavra inglesa originária de designo
(as-are-avi-tum), que em latim significa designar, indicar, representar, marcar, ordenar. O
sentido de design lembra o mesmo que, em português, tem designo: projeto, plano, propósito
(Ferreira, 1975).
Embora a etimologia do termo Design seja ampla, a atividade projetiva caracteriza o
campo de estudos e de atuação aqui configurado. O desenvolvimento de um projeto, por
sua vez, surge de uma necessidade a ser suprida, que se apresenta como um problema
(MUNARI, 2008). Entendendo o problema como a situação que motiva a elaboração de um
projeto de Design, mostra-se necessário considerar um método adequado, de acordo com a
investigação do problema, que é a primeira etapa do desenvolvimento projetual. Munari (2008)
destaca que, na maioria das vezes o problema é identificado pelo cliente. Mas, em alguns
casos, o designer detecta e apresenta o problema ao cliente, a partir das considerações
propostas no processo de brienfing.
Entre as metodologias e abordagens de pesquisa, que podem ser assumidas de
acordo com concepções e objetivos propostos, a abordagem naturalista pode e deve ser
considerada, buscando soluções que aproximem os objetos de design dos sistemas naturais,
concebendo-os como uma extensão do ser humano e parte integrante do ambiente natural
(PATARRNA, 2003).
Entendemos que Design associado a Naturalismo é capaz de cumprir seu designo,
equacionando fatores ecológicos, ergonômicos, tecnológicos e econômicos, na concepção
de elementos e sistemas para atender necessidades humanas e promover o desenvolvimento.
Através de soluções conceituais e práticas Design Naturalista proporciona uma concepção
de projetos e objetos ecoeficientes, com base nos estudos de Biônica e nos princípios de
Ecodesign.
Naturalismo Filosófico
Conforme o descrito em Dicionário Básico de Filosofia (JAPIASSÚ e MARCONDES,
2001), Naturalismo é uma concepção filosófica que não admite a existência de nada que seja
Empirismo e Naturalismo
O pensamento naturalista, que defende o conhecimento como decorrência de causas
naturais, é reforçado pela crítica dos cético-empiristas sobre a impossibilidade da razão explicar
logicamente a causalidade do conhecimento. Entre os empiristas, há os que se destacaram
como representantes da vertente naturalista. Um desses empírico-naturalistas é o filósofo e
lógico norte-americano Willard Quine (1908-2000) que, influenciado por Rudolf Carnap (1891-
1970), apresentou-se como defensor do empirismo no pensamento do século XX. No seu
trabalho, Quine questionou a diferença entre os dados sensoriais percebidos e o conhecimento
proposto, indicando a existência de um processo complexo de mediação entre a percepção
e a compreensão. Assim, desenvolveu um argumento mostrando a fragilidade dos critérios
em que se baseia a distinção entre os termos analítico e sintético, mostrando a fragilidade
dos critérios em que se baseia esta distinção, a partir da reflexão sobre as informações que
entram e saem do cérebro (JAPIASSÚ e MARCONDES, 2001).
Muito antes de Quine, entretanto, o filósofo escocês David Hume (1711-1776) influenciou
cientistas e filósofos que o sucederam, com sua ideia de que Filosofia era a ciência da natureza
humana fundada no “indutivismo” e no “experimentalismo”. Para Hume, o processo cognitivo
ocorre a partir da observação da natureza, que é seguida das associações de ideias sobre o
que observamos. Essa questão envolve o “princípio do Hábito”, decorrente das crenças que
desenvolvemos a partir da repetição de observações. Esse princípio faz parte da natureza
humana e, ainda, de toda a natureza, já que os animais também apresentam essa característica.
Assim, a abordagem para avaliar e discutir o conhecimento humano deve ser semelhante a
nossa abordagem para compreender outros processos naturais. Hume apresenta em sua
obra as seguintes questões fundamentais: a) não é possível nenhuma teoria geral da realidade:
o homem não pode criar ideias, pois está inteiramente submetido aos sentidos; todos os
nossos conhecimentos vêm dos sentidos; b) a ciência só consegue atingir certezas morais:
suas verdades são da ordem da probabilidade; c) não há causalidade objetiva, pois nem
sempre as mesmas causas produzem os mesmos efeitos; d) convém que substituamos toda
certeza pela probabilidade (JAPIASSU e MARCONDES, 2001).
Biônica
Hume pregava que todo conhecimento humano provem da observação do mundo a sua
volta, sendo o próprio pensamento algo natural do ser humano. O pensamento se processa
por associação de ideias, “que utilizamos em todas as nossas conclusões sobre questões
de fato e, portanto, ele é o princípio do qual dependem todas as nossas crenças factuais
ou causais sobre o mundo em que vivemos” (DUTRA, 2005, p. 87). Isso pressupõe que, em
última instância, o homem não determina seu conhecimento, porque esse é decorrente de
um processo natural do qual ele próprio é um sistema determinado. Essa consideração indica
a natureza como responsável, inclusive, pela produção cultural, que se desenvolveu pelas
mentes e mãos dos homens. Portanto, assumir os sistemas naturais como modelos para as
produções culturais é propor um processo de aproximação entre duas etapas de um mesmo
processo evolutivo.
Por volta de 1960, o major americano Jack Steele definiu Biônica como “ciência dos
sistemas cujo funcionamento foi copiado de sistemas naturais, que apresentam características
específicas de sistemas naturais ou ainda que lhes sejam análogos”. Mas, ao longo da história,
os seres humanos sempre adotaram a natureza como fonte inspiradora, para a criação de
ferramentas e soluções para os problemas do seu dia a dia. Por exemplo, Leonardo da Vinci
partiu das observações de uma libélula, um inseto que paira no ar, para projetar um artefato
semelhante ao helicóptero moderno. Assim, podemos considerar que o fundamento básico da
biônica é praticado pelo homem de forma espontânea, para extrair da natureza as soluções para
os problemas cotidianos. Esse processo de observação da natureza, coletando informações
para, posteriormente, solucionar problemas práticos ou teóricos implica na complexidade do
sistema cognitivo humano. Isso configura a questão que intrigava Quine, uma vez que o ser
humano é capaz de apreender os processos naturais e adaptá-los aos projetos culturais,
sendo que...
Biônica é, portanto, uma área que se organizou a partir de uma possibilidade difícil
A
Metodologia da Biônica a partir do Problema
B
Metodologia da Biônica a partir da Observação de Soluções
Figura 1
Os projetos de design com metodologia Biônica vão além da simples cópia dos
elementos da natureza, porque partem da observação dos sistemas naturais, mas requerem a
interpretação e a adaptação das estruturas e das dinâmicas desses sistemas. Isso é aplicado
na composição de analogias eficientes que relacionam formas, funções ou comportamentos,
visando solucionar problemas existentes ou desenvolver artefatos inovadores. Através desses
projetos, buscamos alternativas mais econômicas, mais viáveis ou sustentáveis, já que a
natureza é sábia em desenvolver soluções simples e eficazes, para manter-se em equilíbrio.
O método de buscar analogias na natureza é o que mais aproxima a biônica da filosofia
naturalista, já que essa corrente propõe, especialmente com Hume, que o conhecimento
é construído por associação de ideias, seja por semelhança, por relação de causa e efeito
ou por contiguidade de tempo ou de lugar. O sistema “velcro”, como solução de Design, é
decorrente de uma associação de causa e efeito porque, na natureza, duas superfícies com
um determinado tipo de textura tendem a aderir uma na outra. Por outro lado, as formas
naturais apresentam funções específicas, como as formas aerodinâmicas que serviram de
modelo para o carro conceito “Biônico” da marca Mercedes-Benz, que foi projetado a partir
de associações por semelhança. O design básico de um helicóptero, com relação ao animal
libélula, decorre de uma associação por contiguidade, porque houve a adaptação direta de
um sistema natural para um produto cultural, que é percebida na analogia com as formas das
asas e, mais especificamente, na reprodução de sua capacidade de voar em espiral, devido
ao funcionamento de hélices.
A metodologia de Design contextualizada na área de Biônica é relativamente recente,
todavia, diversos produtos de destaque na cultura contemporânea foram propostos a partir
desta perspectiva. Como foi citado anteriormente, o sistema velcro é um desses produtos,
que foi desenvolvido, em 1948, pelo engenheiro suíço Georges de Mestral, como um sistema
de aderência inspirado na estrutura funcional de pequenas sementes, os carrapichos, que
ficavam presos em suas roupas, durante as caminhadas no campo. Intrigado com esse
fenômeno, Mestral observou no microscópio que as superfícies das sementes eram cobertas
por minúsculos ganchos aderentes a quaisquer superfícies que fizessem laços, como fios de
cabelo ou fibras de tecidos.
Em fase experimental, há um outro sistema bastante original que, também, é inspirado
na funcionalidade da natureza e aplicado na composição de uma malha para nadadores, a
qual reproduz propriedades da pele dos tubarões. Além disso, há projetos de carros, cujo
design segue a estrutura de determinado peixe e projetos de móveis ou de outros objetos que,
também, são inspirados em soluções encontradas na natureza.
Os estudos que estão sendo desenvolvidos indicam a abordagem biônica como muito
fértil, porque o número de soluções naturais e projetos potencialmente inteligentes são quase
ilimitados. Por exemplo, o biólogo Andrew Parker, da Universidade de Oxford, estudou um
besouro que vive no calor extremo do deserto. A parte das costas do besouro é recoberta
por uma película que, alternadamente, é cerosa e não-cerosa. Isso promove a formação
de gotículas de água que o besouro bebe. Diante disso, é possível considerarmos que “a
produção comercial de um material semelhante poderia ajudar a coletar água em condições
áridas”. (HOOPER, 2004, p. 02).
Ocorreu outro exemplo na Universidade de Penn State, onde pesquisadores
desenvolvem um projeto inspirado nos pássaros chamado “morphing airplane wings” (cuja
tradução livre é “avião com asas morfológicas”). Trata-se de uma aeronave cujas asas
mudam de formato, de acordo com a velocidade e a duração do voo. A inspiração vem da
Ecodesign
A evolução dos processos de produção exigiu a exploração dos recursos naturais em
proporções alarmantes, preocupando os defensores do meio ambiente e a sociedade em
geral. Na década de 1960, houve a proposta de redução da produção, diante da falta de
sustentabilidade do planeta, durante uma reunião do clube de Roma com profissionais de
diversos países. Porém, essa proposta não foi aceita dentro de um contexto capitalista em que
produção e consumo compõem o grande motor econômico do mundo. Em 1972, houve uma
conferência das Nações Unidas, em Estocolmo, sobre o meio ambiente, na qual foi defendida
a ideia de que não era necessário consumir menos, mas consumir melhor. Portanto, devemos
aproveitar melhor os recursos naturais, para reduzir a extração e racionalizar os processos
produtivos, visando redução de resíduos. Isso determinou o conceito de “desenvolvimento
sustentável”, que inclui desenvolvimento e uso de recursos renováveis e a preservação de
recursos não renováveis..
No contexto cultural de sustentabilidade foi desenvolvido, também, o conceito de
Ecodesign, aplicado aos projetos e processos que contemplam aspectos ambientais em todas
as etapas de produção de um produto de design. O principal objetivo é a redução do impacto
ambiental, durante o ciclo de vida do produto. Ecodesign é uma concepção ou abordagem da
área de Design, que associa o que é tecnicamente possível no campo das tecnologias limpas,
com aquilo que é culturalmente desejado no campo da consciência ambiental. Ecodesign
elabora produtos denominados ecoeficientes, aliando eficiência dos recursos, que determina
produtividade e lucratividade, com responsabilidade ambiental.
Assim como a área de Biônica, a concepção Ecodesign prioriza as condições naturais
em oposição às concepções ideais, expressando o primado naturalista do movimento
Naturalismo, sobre a idealização de uma ordem sobrenatural ou artificial da realidade.
Ecodesign não se caracteriza pela apropriação de formas, sistemas e processos
naturais. Porém, toma por base a preservação ambiental e a sustentabilidade, reconsiderando
as relações entre homem e natureza, a partir de critérios de respeito e de conservação
ambiental. O desenvolvimento de projetos ecoeficientes considera a interdependência entre
homem e natureza, sendo que o primeiro é um sistema estruturado e abrigado pelo segundo
Considerações finais
A aproximação entre Naturalismo e Design, tendo em vista a interação evolutiva entre
natureza e cultura, aponta caminhos para a elaboração de soluções projetivas ecologicamente
sustentáveis ou inspiradas em sistemas naturais.
Por meio dos estudos de Biônica, as soluções propostas nos sistemas naturais são
aplicadas aos projetos e produtos de Design. Por sua vez, os princípios de Ecodesign propõem
que os produtos sejam ecoeficientes, combinando eficiência e sustentabilidade. A síntese
dessas duas concepções propõe projetos e produtos de Design inspirados na natureza e
integrados no esforço de preservação e conservação da natureza.
O contrário dessas premissas foi expresso nas tentativas históricas de idealização e
controle da natureza, por meio de projetos idealistas e artificiais, tanto no campo do pensamento
quanto na prática. Com relação ao conhecimento, a crítica naturalista de Hume desconsiderou
a prioridade idealista sobre o aprendizado empirista. Além disso, alertou os simplistas sobre
a complexidade dos processos naturais, uma vez que a aquisição do conhecimento não era
decorrência direta das sensações. Isso foi especialmente ouvido por Quine, que reforçou a
crítica, assinalando a complexa mediação entre as percepções e os conhecimentos.
Com relação aos aspectos de produtividade e de lucratividade, os projetos baseados em
abordagens metodológicas de Biônica indicam soluções mais simples e econômicas, a partir
da apropriação das qualidades presentes nos sistemas naturais. Por sua vez, os princípios
de Ecodesign propõem refletirmos sobre a relação entre o homem e a natureza, diante
dos problemas provocados pelo descontrole dos processos produtivos e da consequente
degradação do meio ambiente.
O entendimento de que o homem é um sistema cujo ecossistema é a natureza, sendo
essa diretamente responsável por sua vida e por sua produção mental e material, estabelece
o sistema e o processo cognitivo humano como decorrentes da evolução natural. Isso indica
Referências
DUTRA, Luiz Henrique de Araújo. Oposições Filosóficas. Florianópolis: Editora da UFSC,
2005.
HOOPER, Rowan. Ideas Stolen Right From Nature. Disponível em: http://www.wired.com.
Acessado em: 11/06/2010.
MUNARI, Bruno. Das Coisas Nascem Coisas. São Paulo: Martins Fontes, 2008.
NIEMEYER, Lucy. Design no Brasil: origens e instalação. 3 ed. Rio de Janeiro, 2AB Editora,
2002.
PATARRANA, Manuel. Design sustentável. In: BCSD. Portugal, n. 10, Março, 2007. Disponível
em: http://www.bcsdportugal.org/files/1022.pdf. Acessado em: 23/06/2010.
ROYO, Javier. Design digital. In: Fundamentos do Design. São Paulo: Edições Rosari, 2008.
Resumo
O objetivo deste estudo é analisar o uso de video games não
portáteis, focando o estudo no console Playstation. A partir deste
estudo foi possível identificar quais os principais usuários, além dos
efeitos fisiológicos resultantes da prática constante e excessiva do
manejo dos controles (joystick).
Introdução
Este artigo objetiva analisar o comportamento dos usuários de video games em relação
à sua posição e seu modo de manejo do controle durante a execução da atividade, buscando
gerar alternativas para melhorias nas condições de uso do objeto.
A escolha do tema se baseou na observação das atividades usuais do dia a dia das
pessoas em suas casas, que mesmo parecendo simples, possuem implicações que, com o
tempo, poderão causar problemas físicos. A análise do video game como objeto de estudo
foi selecionada pela relevância do design de produto no planejamento da atividade. A partir
da observação de relação do usuário com o produto, é possível estabelecer alguns critérios e
limites projetuais que visam evitar possíveis danos à saúde dos usuários.
História
O primeiro video game foi criado na década de 1970 (Odissey) e desde aquela época
vem seguindo a evolução gráfica computacional e de tecnologias de interação com os seres
humanos. Inicialmente, os video games, na época chamados de “tele-jogos”, eram direcionados
ao público infantil e juvenil, dos 4 aos 9 anos. Com a evolução dos equipamentos, a atenção
dos produtores passou a abranger um público cada vez maior, percebendo que o mercado
de video games era adaptável a diversos gostos da população, além de contínuo, pois grande
parte dos usuários permanecia consumindo o produto ao longo da vida. Hoje eles fazem
parte da vida de um grande número de pessoas, e mesmo ainda tendo como maior público
as crianças e jovens, já possui direcionamentos específicos inclusive para usuários da terceira
idade¹.
A tendência de desenvolvimento concomitante dos estímulos visuais, através dos
gráficos e dos estímulos táteis com os periféricos dos consoles, pode ser traçada desde as
primeiras experiências de Ralph Baer com consoles domésticos, no final da década de 1960,
até o seu ápice, na metade da década de 1980, com a adoção de diferentes dispositivos
de utilização dos video games domésticos. A SEGA, criadora do console Master System,
desenvolveu acessórios como óculos 3D e pistolas de luz, e a Nintendo incrementou as
capacidades do seu Famicom (ou NES, como ficou conhecido nos Estados Unidos), com os
acessórios NES Zapper (pistola de luz), Power Pad (tapete sensível ao toque), Power Glove
(luva que buscava simular, na tela, os movimentos reais do jogador) e NES Satellite (adaptador
para remover os fios do controle).
Somente na década de 1990, a partir da geração dos consoles 16-bits (Mega Drive
da SEGA e SuperNES da Nintendo), é que a elaboração de novas possibilidades de fruição
táteis dos videogames ficou aparentemente estagnada, em detrimento do desenvolvimento de
gráficos tridimensionais e uma busca pelo realismo fotográfico nos jogos. O joystick (também
chamado de gamepad) se tornou onipresente no cenário dos games domésticos, já que era
praticamente a única interface de interação usuário-máquina oferecida pelos consoles (Lopez,
2007). Desde então, o usuário o utiliza para efetuar os comandos do jogo, tais como andar,
pular, dar socos e pontapés ou até mesmo voar: o controle. Ele vem sendo adaptado de
acordo com as necessidades dos consoles e também às necessidades de adaptação às
mãos dos usuários. Os tamanhos são variados, e o número de botões possui tendência a
aumentar, forçando o usuário a obter ainda mais destreza no manejo dos mesmos (Perani e
Bressan, 2009).
dos dedos e da palma das mãos, pegando, prendendo ou manipulando alguma coisa. Dentre
as classificações do manejo, este pode se encaixar em manejo fino, pois é predominantemente
executado com a ponta dos dedos, também chamado de manejo de precisão, enquanto a
palma da mão e o punho permanecem relativamente estáticos.
Durante o jogo, o usuário pode se colocar em diversas posições, seja sentado ou em
pé, acarretando diferentes efeitos fisiológicos sobre o jogador. Pinto e López consideram boa
postura como sendo o “estado de equilíbrio muscular e esquelético que protege as estruturas
de suporte do corpo contra lesões ou deformidades progressivas independente da atitude nas
quais estas estruturas estão trabalhando ou repousando”.
Segundo Adams (1985), com uma postura deficiente as diversas partes do corpo ficam
em desarranjo, causando um aumento do esforço para manter o equilíbrio de toda a estrutura
corporal. Muitos são os fatores externos que influenciam este equilíbrio, entre eles os hábitos
sedentares, o modelo dos móveis, o modismo e até o grau de luminosidade e a temperatura
do ambiente. Na escola estes fatores estão muito presentes no dia a dia.
Outro fator interveniente é o fato de os jovens ficarem numa mesma posição por tempo
prolongado. A má postura e os hábitos incorretos do dia a dia podem levar ao aparecimento
dos vícios de postura. Estas anomalias podem ocorrer em todos os segmentos do corpo.
Uma pesquisa realizada através da análise postural de pessoas em frente a televisores indica
que 81% costumam assistir à programação em posições consideradas prejudiciais, e em
torno de 38% passam mais de 3 horas sem mudar a posição.
Os computadores e video games têm sido, frequentemente, utilizados na faixa etária
pediátrica. Nos Estados Unidos da América, Roberts et al (1999) evidenciou que 70% das
famílias possuíam video games e mais de dois terços tinham computador em seu domicílio. Na
Europa, dois estudos (Livingstone e Johnsson, 1998) realizados em sete países demonstraram
que entre 41 e 85% das crianças e adolescentes de 6 a 17 anos tinham computador na sua
residência, e entre 12 e 20% possuíam o aparelho em seu quarto. Nestes estudos, o tempo
diário de uso de computador e jogos eletrônicos dos usuários destas tecnologias variou de 44
a 89 minutos.
Os computadores e video games estão presentes, também, na realidade de crianças e
adolescentes brasileiros. As escolas, inclusive da rede pública estadual e municipal de algumas
cidades brasileiras, têm disponibilidade de computadores para uso dos alunos (Gazeta, 1999).
Inúmeros problemas têm sido associados ao uso de computadores e video games
por crianças e adolescentes, tais como diminuição da atividade física e prática de esportes,
obesidade, dor torácica, dor abdominal, fadiga, anorexia, ansiedade, cefaleia (Tazawa, Soukalo,
Okada e Takada, 1997), comportamentos agressivos, convulsões por fotoestimulação e,
particularmente, as dores musculoesqueléticas localizadas ou difusas (Emes, 1997).
D.O.R.T. (Distúrbio Osteomuscular Relacionado ao Trabalho), denominação utilizada para
as dores e lesões musculoesqueléticas associadas aos computadores, podem atingir qualquer
pessoa que exerça atividades que exijam esforços acima de sua capacidade física. Consiste
em um conjunto de afecções do aparelho musculoesquelético que acometem músculos,
tendões, ênteses, ligamentos, articulações, nervos e, mais raramente, vasos sanguíneos e
tegumentos. Este distúrbio é consequência da realização de movimentos contínuos, posturas
inadequadas e estresses emocionais por um período de tempo variado e pode se manifestar
em qualquer parte do corpo, principalmente membros superiores (punho, antebraço, mão),
coluna cervical e lombar (Yeng, Teixeira, Barbosa e Hsing, 1997)
O D.O.R.T. pode acometer todas as idades e qualquer atividade ocupacional,
principalmente entre 18 e 35 anos, e tem notável predominância no sexo feminino, sendo
mais frequente em áreas como indústria metalúrgica, de alimentos, químicas, têxteis, serviços
de telefonia e de computação. O uso de computadores é apontado como a principal razão
para o crescimento do número de casos (Nicolleti, 1996). Atualmente, crianças pré-escolares,
escolares e adolescentes vêm apresentando sintomas similares aos do D.O.R.T. de adultos e
adolescentes em regime de trabalho (Silva, 2005).
A utilização contínua e frequente de computadores e video games por crianças e
adolescentes pode resultar em dores musculoesqueléticas, edemas, fadiga e incapacitação
funcional. Estes sinais/sintomas aparecem após períodos variáveis da exposição aos fatores
traumáticos (dias ou até anos). A dor pode ser como queimação ou peso, podendo ser
acompanhada de formigamento e choques nas extremidades dos dedos. Na infância, é mais
comum a presença de lesões inflamatórias (tendinites, artrites, bursites e entesites) ao invés de
lesões neurológicas (hérnia de disco e síndrome do túnel do carpo) (Silva, 1998).
Silva (2006), destaca a importância de se aprofundar o estudo das dores, síndromes e
lesões do D.O.R.T. e seus possíveis fatores de risco em jovens. A melhor forma de prevenção
das lesões, particularmente no adolescente em regime de trabalho, é a utilização da ergonomia
adequada com flexibilidade corporal (exercícios de alongamento e relaxamento dos braços,
punhos, mãos e coluna) em média 10 minutos a cada hora, e postura correta em frente
aos computadores. As crianças e os adolescentes deveriam permanecer, no máximo, duas
horas por dia em frente aos computadores e video games, e em caso de dores e lesões
musculoesqueléticas, devem evitar o uso destes. A maior parte destas lesões tem cura, desde
que o diagnóstico e a terapêutica sejam instituídos precocemente (Yeng, Teixeira, Barbosa e
Hsing, 1997).
Materiais e Métodos
O estudo se dividiu em três etapas. Primeiramente, foi feita uma pesquisa com perguntas
abertas e fechadas com 105 usuários ou ex-usuários de video games com idade entre 10 e 35
anos – esta é a geração em que os video games se popularizaram, e usuários de mais idade
acompanharam a evolução dos jogos, podendo relatar alguns efeitos desta atividade – com o
objetivo de realizar um levantamento a respeito da divisão por sexo dos usuários, idade, horas
Resultados
Pesquisa
A pesquisa foi a principal fonte de informação a respeito dos usuários de video games.
Foi realizada via internet para possuir maior abrangência geográfica, utilizando redes sociais
como Orkut e Facebook, e e-mail para divulgação, permanecendo aberta durante quatro dias
para as respostas. A pesquisa conteve cinco perguntas fechadas e duas abertas, com o
propósito de conhecer o usuário sem tomar muito tempo do mesmo, para que este não
desistisse de responder. A temática, por se tratar de uma atividade de lazer, foi muito bem
recebida pelo público alvo, o que gerou um feedback bastante relevante por fora da enquete,
auxiliando na análise dos usuários.
A pesquisa visava ao esclarecimento dos seguintes itens:
Figura 5 - Relação de tempo gasto semanalmente com a atividade de jogar video game
Figura 6 - Relação de popularidade dos consoles de acordo com o acesso que os usuários obtiveram aos
mesmos
A preferência pelos controles não contemplou grande parte dos consoles apresentados
na pergunta anterior, e apareceram duas novas opções, o Atari – video game que possuia uma
alavanca como controle – e o teclado de computador. O controle de Playstation foi o mais
votado principalmente pela boa organização dos botões e facilidade de pega.
Figura 8 - Relação de controles de acordo com a preferência dos usuários: Playstation, Wii, Nintendo 64, Xbox,
Super Nintendo e Game Cube
Filmagem
Com os resultados da pesquisa, o console Playstation foi selecionado como base para
o estudo, por ser o mais popular e o que possui melhores condições de jogo de acordo
com os usuários entrevistados. Foram selecionados, então, dois usuários do console para
colaborar com a análise através de filmagem e tomada fotográfica previamente autorizadas.
Foi aberta uma discussão com os jogadores para saber que tipo de jogos teriam
diferentes tipos de interação com o controle, e foram selecionados três gêneros de acordo
com o relato dos mesmos: aventura, esporte (futebol) e luta. As filmagens e observações
duraram cerca de duas horas e foram realizadas da seguinte forma:
O primeiro jogo analisado foi “O Senhor dos Anéis: o Retorno do Rei”, do gênero aventura.
Foram realizadas duas filmagens da posição dos jogadores em dois momentos distintos,
juntamente com uma tomada fotográfica a partir de outra câmera para, posteriormente, ser
realizada uma análise de posição através do método RULA. Em seguida, foram realizados
outros dois vídeos da interação dos usuários com o controle, em que foi observada uma
interação quase total das mãos no manejo do mesmo. Os movimentos dos dedos são
frequentes e vigorosos em alguns momentos, principalmente os polegares, que comandam a
área principal do controle com dez botões disponíveis. Em outros momentos os movimentos
são suaves e calmos.
O segundo jogo foi o “Winning Eleven 9”, do gênero esporte. Novamente foram realizadas
duas filmagens e tiragem de fotos para análise de posição. Uma observação relevante que
surgiu durante esta análise foi que os jogadores piscavam os olhos em média de duas a três
vezes por minuto, intercalando com piscadas consecutivas após um período de tempo, o
que de acordo com Lavezzo (2007), é considerado o número mínimo de movimentos das
pálpebras por minuto em pessoas adultas, podendo causar ressecamento do globo ocular se
mantido por longos períodos de tempo.
Este jogo exigia maior atenção dos usuários, fazendo com que eles intercalassem as
posições de acordo com o nível de atenção necessário, diferentemente do anterior, no qual
mantinham a posição por longos períodos de maneira relaxada. O manejo por sua vez, utilizava
mais botões que o jogo anterior, e a interação com os botões era mais suave e duradoura,
Método RULA
O método RULA, ou Rapid Upper Limb Assessment, é um método ergonômico que
avalia a exposição de indivíduos a posturas, forças e atividades musculares que possam
contribuir para o surgimento de LER (Lesão por Esforço Repetitivo). Baseia-se na observação
das posturas adotadas das extremidades superiores durante a execução de uma determinada
atividade. O método consiste em uma tabela de escores onde são avaliados braço, antebraço,
punho, estática, força, pescoço, tronco e pernas. O valor resultante vai variar entre 1 e 7,
sendo que as pontuações mais altas são indicações de que aparentemente há um risco mais
elevado.
Primeira posição avaliada: escore 2. Esta pode ser considerada a posição mais
confortável segundo o método de avaliação, pois, aparentemente, não possui sérios riscos à
saúde do indivíduo (figura 11).
Segunda posição avaliada: escore 5. Esta posição requer um pouco de atenção devido
ao posicionamento da cabeça, tensão nos ombros e inclinação de tronco, podendo ser danosa
se mantida por longos períodos (figura 12).
Avaliar as posições dos jogadores, até o momento, serve apenas como uma orientação,
pois não há como exigir um modo correto de se praticar esta atividade. A evolução dos jogos
eletrônicos no futuro, assim como tem sido apresentado em feiras mundiais de games, trará
novas formas de interação com o usuário, fazendo com que o mesmo seja obrigado a se utilizar
do próprio corpo e próprias experiências para jogar, fazendo com que haja mais controle sobre
as ações do jogador, evitando que este acabe prejudicando a si, mesmo sem saber.
Conclusão
Os resultados desta pesquisa se dividem em quatro conclusões sobre pontos
específicos do estudo, uma sobre posição e atenção do jogador, e três sobre manejo e projeto
ergonômico do controle.
A posição do jogador durante a execução da tarefa é praticamente impossível de
ser padronizada quando o usuário está em sua própria casa, pois muitas variantes estão
envolvidas como posição do aparelho de televisão, local para sentar, nível de atenção do
jogador. O que se observa neste ponto, é que jogos que exigem diferentes níveis de atenção,
fazem com que o jogador mude constantemente de posição, enquanto outros que mantêm
um nível constante de atenção exigida no roteiro, fazem com que o usuário permaneça na
mesma posição durante muito tempo, prejudicando, desta forma, algumas partes do corpo
Por fim, anatomicamente a posição dos botões e pegas poderia ser ajustável de
acordo com a necessidade e conforto do usuário, pois algumas posições de botões são
desconfortáveis para quem possui mãos maiores ou menores do que as definidas como
padrão para a criação do produto, causando muita contração ou alongamento dos dedos de
maneira desnecessária (figuras 16 e 17).
Referências
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n.3, pp. 481-486.
Resumo
As constantes transformações sociais, culturais e políticas
influenciam diretamente a vida das pessoas e delimitam suas
necessidades e gostos. As tendências têm o papel de sinalizar por
meio desses fatos as preferências das pessoas em relação aos
objetos, podendo ser, portanto, grandes aliadas do design, já que
este trabalha com projeto que é uma atividade de planejamento
do futuro. Esse trabalho traz resultados de um estudo sobre as
tendências e o desenvolvimento de móveis residenciais no Brasil e
tem como principal objetivo apresentar os benefícios da utilização
das tendências como ferramenta para o projeto de mobiliário.
Apresentação
A cada mudança de ano, novas formas, cores, materiais e funções configuram o
mobiliário utilizado nas residências brasileiras. Essas mudanças obedecem a um ciclo e são
direcionadas por tendências de consumo e comportamento. Dessa forma, as mudanças
adquirem uma importância especial na vida das pessoas que passam a seguir padrões de
consumo e a considerar menos importante o que não pertence a esse conjunto.
Nesse contexto, por ser um objeto de uso particular na vida das pessoas, revelando o
que as mesmas são ou pretendem ser, modelando a casa para o uso ou apoiando recordações
e objetos pelos quais se tem afeto, tem-se a hipótese de que o mobiliário seja um produto que
tem valor distinto no que se diz respeito às tendências.
No entanto, o conceito de tendências associado ao desenvolvimento de mobiliário
é muitas vezes equivocado. Ao invés das informações que trazem a respeito do futuro do
consumidor serem convertidas em móveis que satisfaçam as necessidades físicas e psicológicas
das pessoas, são utilizadas superficialmente por meio de configurações puramente estéticas
com o objetivo de aumentar as vendas. Além do que, em alguns casos, a tendência é entendida
como a cópia de móveis estrangeiros ou então imposta por fornecedores de matéria-prima
que acabam por decidir cores, acabamentos, materiais e acessórios.
É possível integrar a esses fatos a necessidade de requerer o cultivo de uma metodologia
de desenvolvimento de móveis em que as mudanças de comportamento e consumo não
sejam vistas como causalidade, mas como um instrumento de transformação de dados em
informações projetuais.
Esse trabalho traz resultados de um estudo sobre as tendências e o desenvolvimento
de móveis residenciais no Brasil e tem como principal objetivo apresentar os benefícios da
utilização das tendências como ferramenta de projeto para o designer de móveis.
Tendências: conceituação
A compreensão do conceito de tendência pode ser confusa para a maioria das pessoas.
Principalmente, pelo fato do termo ter ganhado muitos sentidos nos dias atuais. Para Caldas
(2004) fala-se sobre tendências para quase tudo: no setor tecnológico, na atmosfera social,
na área da saúde, entre outros meios bem distintos entre si. Assim, a banalização do conceito
fez com que no entendimento popular, as tendências estejam relacionadas à construção do
futuro.
De acordo com o mesmo autor, a origem da palavra tendência vem do latim tendentia,
proveniente do verbo tendere, que tem por significado “tender para”, “inclinar-se para” ou “ser
atraído por”. De forma que sua existência possa ser entendida a partir da atração exercida por
um objeto, seja por movimento ou por abrangência. Assim, tendência é uma manifestação,
na esfera do comportamento, do consumo ou do “espírito do tempo”, de uma sensibilidade
2 - Geração de propostas
- A análise dos dados levantados que dá origem a uma lista dos limites do projeto, a
partir da qual é formulado um briefing, tendo como base os limites de compatibilização,
a avaliação comercial, industrial, de custos e a cultura setorial;
- o ciclo de vida do produto deve ser modelado de acordo com clientes futuros para
cada uma das fases do ciclo;
Etapa Preliminar
Antecede as etapas propostas no instrumento e tem como objetivo definir algumas abordagens
importantes para o projeto. Assim, são estabelecidos parâmetros denominados Norteadores do
Problema (NP) onde são definidos mais claramente os objetivos do projeto.
Etapa 1 – A construção do Personagem e seu Cenário
É determinado um perfil de personagem e o cenário para o qual o objeto será projetado. Para tal, são
aplicadas técnicas específicas para a identificação das necessidades e padrões comportamentais. É
a fase mais longa, pois envolve os dois elementos mais complexos da proposta: o personagem e o
cenário. A autora sugere que o perfil profissional dessa etapa seja uma equipe multidisciplinar.
Etapa 2 – Projeções e Simulações
Esta é uma fase mais simples, pois consiste na aplicação dos dados já coletados na fase anterior. Ela
tem como objetivo criar cenários de projeção e simulações, que possam incluir o novo objeto, para
que o entendimento da relação deste com o personagem e o entorno seja facilitada.
Etapa 3 – Uma História Possível: a descrição do novo cotidiano
Esta última etapa tem por objetivo a elaboração de um material de consulta facilitada que consiga
descrever um novo cotidiano, a partir da junção dos três elementos que o edificam: personagem,
cenário e objetos.
Tabela 1 Descrição das fases do instrumento projetual SCENARIO
uma previsão, intenção ou planejamento, o que reforça a idéia da utilização das informações
das tendências na atividade projetual.
Desse modo, é possível que se pense que as tendências ditarão um único caminho a
ser seguido em se tratando da configuração do produto. No entanto, Caldas (2004) explica
que:
Considerações Finais
A sociedade está em constante transformação e essas transformações estão ocorrendo
de forma acelerada devido à globalização e as novas tecnologias. O projeto que por uma
questão etimológica aborda uma atividade futura deve ser tratado como um trabalho de
planejamento que inclui o futuro em todos os sentidos.
As indústrias de móveis, por meio de seus representantes, precisam entender que para
sua sobrevivência e ampliação no mercado, é necessário apresentar inovações e contemplar
essas mudanças em seus produtos. Isso porque as necessidades das pessoas se modificam
com o tempo e com as circunstâncias.
Sobre a questão do conceito de tendências ser usado de maneira equivocada e ser
amplamente confundido com aqueles que dizem respeito à moda, recomenda-se o ensino do
termo e seus aproveitamentos nas disciplinas de projeto nas escolas de design.
Considerando a identificação de novas variáveis ao longo do trabalho, sugere-se para
a realização de novas pesquisas:
- Elaboração de modelos de pesquisa de tendências específicos para o setor moveleiro;
Referências
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para obtenção do título de Bacharel em Design Industrial. Florianópolis, 2006.
Resumo
Na busca por diferenciar-se perante as concorrentes e obter lugar
de destaque no mercado, as empresas utilizam de diferentes
estratégias para manterem-se competitivas. O design e o modo que
é gerenciado são fatores importantes nas empresas que buscam
a inovação. Este artigo estabelece um paralelo entre inovação
e gestão de design para então focar no objetivo principal que é
relacionar a gestão de design com princípios do design thinking.
Como metodologia para alcançar o objetivo foi utilizada uma
pesquisa exploratória e bibliográfica. Os resultados alcançados
mostram que a gestão de design está estreitamente relacionada
com os princípios do design thinking (inspiração, ideação e
implementação) e que estabelecer esta relação é importante para
empresas que tenham como objetivo a inovação.
Introdução
Um fator determinante para a competitividade é o grau de inovação e, empresas
inovadoras tendem a atingir maior lucratividade, conforme afirma Serafim (2008). E de acordo
com Gurgel:
O design, que segundo Lobach (2001) pode ser compreendido no sentido amplo como
a concretização de uma idéia em forma de projetos, tem seu papel neste contexto, pois é peça
participante do sistema de produção e consumo das corporações. Sendo assim, também é
importante a forma como é conduzida a gestão de design neste meio. Esta é definida por
Gimeno (2000, p.25) como o “conjunto de técnicas de gestão empresarial dirigida a maximizar,
ao menor custo possível, a competitividade que obtém a empresa pela incorporação e utilização
do design como instrumento de sua estratégia empresarial”.
Por sua vez, o design thinking propõe a incorporação dos métodos de solução de
problemas e de geração de idéias dos designers à organização tradicional visando ampliar
horizontes e incentivar uma orientação mais inovadora (BROWN, 2010).
No presente artigo, para tanto, é estabelecido um paralelo entre inovação e gestão de
design para chegar ao objetivo central do artigo, que é relacionar a gestão de design com
princípios do design thinking.
Como metodologia será tomada como base a taxonomia proposta por Gil (2002)
que separa a classificação das pesquisas em dois grupos: quanto aos objetivos e quanto
os procedimentos técnicos utilizados. Inicialmente foi realizada uma pesquisa exploratória
para definir os objetivos e em seguida, como procedimento técnico realizou-se pesquisa
bibliográfica. Nortearem esta pesquisa artigos e livros da área de gestão de design e design
thinking.
Fundamentação teórica
Inovação & gestão de design
Segundo Gurgel (2006), atualmente os fatores de produção tradicionais – trabalho,
capital e recursos naturais – já não são suficientes para assegurar o progresso. Cada vez mais,
o conhecimento e a tecnologia assumem papel estratégico no processo de desenvolvimento
econômico. Contudo apenas o acúmulo de conhecimento também não é suficiente. É
necessária a sua aplicação, que ele se torne tangível, ou em última instância, é preciso inovar,
aplicar o conhecimento na solução de problemas concretos.
De acordo com o mesmo autor, a capacidade de inovar se tornou um dos fatores mais
relevantes na determinação da competitividade das empresas e da economia em geral. E
os problemas que essas empresas e economias vêm enfrentando envolvem cada vez mais
transformações, tomadas de decisões e desenvolvimento de soluções que nem sempre podem
ser embasadas em experiências anteriores, o que torna a inovação fator preponderante.
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) define inovação como “(...) a
implementação de produtos (bens ou serviços) ou processos tecnologicamente novos ou
substancialmente aprimorados. A implementação da inovação ocorre quando o produto é
introduzido no mercado ou quando o processo passa a ser operado pela empresa.” (IBGE,
2003: p.18)
Para Schumpeter (1988) a inovação é um conjunto de novas funções evolutivas que
alteram os métodos de produção, criando novas formas de organização do trabalho e, ao
produzir novas mercadorias, possibilita a abertura de novos mercados através da criação de
novos usos e consumos.
Segundo o mesmo autor, a inovação pressupõe a entrada de cinco novos fatores: a
introdução de um novo produto, a introdução de um novo método de produção, a abertura de
um novo mercado (ou oceanos azuis, segundo Kim e Mauborgne, 2005), a conquista de uma
nova fonte de fornecimento de matéria, e a consumação de uma nova forma de organização
de uma indústria.
Por sua vez, Robertson (1967 apud Wylant, 2008) propõe três tipos de inovação:
- Contínua: é uma melhoria pequena sobre algo que já exista, como um novo sabor
de goma de mascar.
De acordo com Gurgel (2006) o melhor aproveitamento das políticas de apoio à inovação
depende de um processo interno da empresa: o processo de gestão da inovação. A gestão
da inovação envolve desde as idéias das pessoas, até modelos de negócio das empresas:
é uma atividade multidisciplinar e multifuncional que abrange tanto P&D, quanto produção e
operações, marketing e desenvolvimento organizacional.
Design thinking
Para Lockwood (2010), o objetivo do design thinking é envolver consumidores, designers
e empresários num processo integrativo que pode ser aplicado ao produto, ao serviço e até ao
projeto do negócio. Segundo o autor, é uma ferramenta para imaginar estados futuros e para
conduzir produtos, serviços e experiências ao mercado.
Como abordagem, o design thinking foca em capacidades que todos têm, mas são
ignoradas por práticas mais convencionais na resolução de problemas. De acordo com Brown
e Wyatt (2007) esta abordagem se baseia na habilidade do ser humano de reconhecer padrões
e de construir idéias que têm significados tanto emocionais quanto funcionais.
De acordo com Brown (2010), o design thinking é mais bem compreendido como
um sistema de sobreposição de espaços ao invés de uma seqüência ordenada de etapas.
Segundo o autor, este sistema é dividido em “três espaços de inovação”: inspiração, ideação e
implementação. Estas três etapas assemelham-se de maneira conceitual às três engrenagens
de gestão de design propostas por Lockwood (2010) e ao funil do conhecimento de Martin
(2009).
Na inspiração há a coleta de insights para compreensão de como as pessoas
experimentam o mundo física, cognitiva e emocionalmente, e como funcionam grupos sociais
e culturas. Isto requer que o gestor-designer se exponha ao mundo e dele participe. Para Fraser
(2010), é necessário entendimento profundo do consumidor. O primeiro passo é entendê-lo
de maneira profunda e ampla assim como os stakeholders que fazem parte do processo.
Isso ajuda a recompor o desafio do negócio inteiramente através dos olhos do usuário final
definitivo e estabelecer um contexto humano de inovação e criação de valor. Patnaik (2009)
acrescenta que as organizações prosperam quando aprendem a visualizar fora de si mesmas e
conectam-se aos seus clientes, sendo que a melhor maneira para fazer isto é, essencialmente,
imaginar o mundo da perspectiva destes.
No segundo espaço do processo do design thinking, a ideação, é feita a síntese das
informações obtidas durante a etapa de inspiração e geradas idéias para o projeto. Para
Fraser (2010), com a descoberta das necessidades latentes durante a primeira etapa do
processo, deve haver ampla exploração de possibilidades através de múltiplos protótipos e
enriquecimento do conceito, de preferência com usuários. Nesta etapa também é importante
um grupo de pessoas diversas e multidisciplinares envolvidas no processo. Assim, arquitetos,
psicólogos, engenheiros com seus pensamentos e visões divergentes podem contribuir de
maneira efetiva ao processo.
Na implementação há a criação e desenvolvimento dos protótipos do projeto. Eles são
fundamentais para testar e refinar as idéias geradas no espaço da ideação. Fraser (2010), diz
que protótipos rápidos e simples ajudam a chegar numa ideia potencial bem antes que muitos
recursos sejam gastos em desenvolvimento. Depois de finalizados deve ser desenvolvida
também a estratégia de comunicação para explicar as idéias. Neste sentido, Neumeier (2009)
pontua que histórias e apresentações são técnicas mais envolventes do que programas de
apresentação de slides quando se quer contar com a adesão das pessoas de fato.
Retomando a idéia de que não é necessário ser designer de formação para ser
considerado design thinker, Brown (2008) enumera algumas características do perfil deste tipo
de profissional:
Empatia: vêem o mundo de múltiplas perspectivas, conseguindo se imaginar como
clientes, colegas e usuários finais;
Para o design thinking fazer parte do exercício da inovação, Brown (2008) pontua
diversas sugestões, entre as quais:
Começar pelo começo: envolver os design thinkers desde o início do processo de
inovação.
Clark e Smith (2010) acreditam que quanto mais o design thinking é usado para inovar
e resolver problemas em várias profissões, mais o design em si será utilizado em decisões
significativas que moldam o futuro coletivo no mundo dos negócios.
Considerações finais
Com o presente artigo pode se perceber inicialmente a contribuição que pode ter a
gestão de design para que as empresas alcancem soluções inovadoras, uma vez que através
desta gestão, o design viabiliza a ligação entre a organização (e suas estratégias) à inovação.
No que tange à abordagem do design thinking, é objetivo do artigo entender como os
princípios de cada uma das três etapas abordadas relacionam-se com a gestão de design.
Na etapa inicial, da inspiração, a gestão opera em nível predominantemente estratégico,
uma vez que são analisados padrões, tendências e comportamentos que possam inspirar as
soluções para o projeto em questão. O gestor-designer deve, portanto, estar atento ao mundo
ao seu redor, já que diferentes situações – às vezes até análogas – podem proporcionar insights
para solução do problema de projeto.
Na etapa seguinte da ideação, o nível que predomina na gestão é operacional, já que
nesta etapa são sintetizadas as idéias da etapa anterior e os times multidisciplinares, de visões
divergentes partem para a geração de idéias convergentes para o projeto.
Na implementação, terceira etapa do sistema, a gestão opera de maneira equivalente
em ambos os níveis. Em nível operacional há a criação e desenvolvimento dos protótipos do
projeto e, em nível estratégico, há o desenvolvimento da estratégia de comunicação das idéias
desenvolvidas.
Pôde ser percebido que ambos os níveis de gestão de design estão presentes nos
princípios propostos pelo design thinking e, da mesma forma que empresas enxergam a inovação
como uma das principais fontes de diferenciação e vantagem competitiva, seria interessante
a elas incorporar o conceito de design thinking em seu processo organizacional. Isto, além
de mostrar novos caminhos para as empresas, facilitaria com que estas compreendessem a
importância da gestão de design no âmbito organizacional que é ser uma ferramenta facilitadora
para atingir soluções competitivas, eficientes e inovadoras.
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Resumo
Este artigo visa colocar algumas possibilidades de abordagem
dos fenômenos emergentes no contexto da pesquisa e da prática
do design, trazendo um conceito de projeto que valoriza as
abordagens bottom-up em conjunto com as técnicas projetuais
tradicionais, caracteristicamente top-down. As propostas da
aplicação de técnicas de metadesign são tratadas e colocadas
como possibilidade de estratégia na abordagem de problemas de
alta complexidade na área do design.
Vaga-lumes e amebas
O viajante que se aventurar pelas florestas do sudeste da Ásia tem boa chance de
assistir a um grande espetáculo noturno: a dança de luzes emitidas por dezenas de milhares
de vaga-lumes. O interessante é que, embora os flashes emitidos pelos vaga-lumes comecem
de forma desordenada, aos poucos entram em sincronia perfeita e assim ficam por longos
períodos. O mecanismo que efetua a sincronia, no entanto, permaneceu misterioso por muito
tempo.
O matermático Steven Strogatz (2003, p. 11) relata que, no começo do século XX
foram levantadas muitas hipóteses disparatadas sobre o assunto. Alguns atribuíam a sincronia
a condições específicas da atmosfera, outros a desqualificavam como simples coincidência.
Havia muitas teorias sobre o assunto, mas nenhum estudo científico conduzido com um
mínimo de rigor. A opinião que conseguia angariar mais apoio era a de que havia um vaga-
lume chefe que funcionava como maestro do espetáculo, regendo o resto do grupo.
Em meados da década de 60, o biólogo John Buck e sua esposa viajaram para a
Tailândia com a intenção de estudar o fenômeno. Eles coletaram um boa quantidade de vaga-
lumes dos bancos dos rios de Bangkok e os soltaram à noite no quarto do hotel. No início, os
insetos se debateram de encontro às paredes e ao teto. Assim que se aquietaram, começaram
a emitir os flashes de forma desencontrada. Aos poucos, grupos de dois ou três ganhavam
sincronia mútua. Mais tarde, os grupos entravam em sincronia entre si e, com o tempo, todos
estavam piscando juntos.
Mais tarde, através de experiências em laboratório, Buck descobriu duas coisas:
primeiro, que os vaga-lumes tinham um ritmo interno de pulsar, isto é, que não só entravam
em sincronia, mas também que havia um pulso relativamente constante entre os flashes, e
segundo, que este pulso não era absoluto e podia ser influenciado por outro pulsar. Emitindo
estímulos luminosos sobre alguns vaga-lumes, Buck conseguiu fazer com que mudassem
de ritmo. Eles entravam em fase com os estímulos emitidos no ambiente: aceleravam ou
desaceleravam conforme fosse mais fácil para entrar em ritmo com o estímulo externo.
vários agentes. Eles fazem surgir padrões a partir da troca de informações entre inúmeras
partes de um mesmo sistema. O ambiente ou contexto no qual estes padrões surgem são
chamados de sistemas complexos. São exemplos de sistemas complexos colônias de
formigas, sistemas de distribuição de mercadorias em cidades, a economia de mercado, e
o próprio cérebro humano. Estes sistemas têm em comum o fato de agregarem inúmeros
agentes que, de alguma forma, interagem constantemente, de modo que o estado do sistema
num dado momento é resultante destas interações. Uma de suas características é a robustez.
Para usar os exemplos dados acima, uma falha de distribuição de uma mercadoria numa
cidade, por exemplo, raramente causa uma crise na escala da cidade. Esta mercadoria
pode ser substituida por outra, ou sua raridade pode fazer seu preço subir por algum tempo.
A cidade, no entanto, continua funcionando. A morte de um grupo de formigas não afeta
decisivamente o formigueiro e a queda das ações de uma empresa não põe em cheque toda
a economia de mercado. Todos os dias alguns de nossos neurônios morrem, e nem porisso
temos nossas atividades cerebrais comprometidas. Os sitemas complexos têm uma série
de mecanismos de feedback negativo, que fazem com que, ao ocorrer uma perturbação no
sistema, este encontre um novo ponto de equilíbrio. Esta característica é que chamamos de
robustez dos sistemas complexos: eles estão sempre se adaptando e procurando novos
pontos de equilíbrio.
Assim, as propostas top-down raramente surtem efeito quando o problema é complexo
o bastante, pois esbarram na robustez característica dos sitemas complexos. Nós podemos,
no entanto, tentar atuar sobre o sistema de modo a ativar alguns de seus mecanismos de
feedback de forma a disparar algumas respostas. As proposições do metadesign — e são
muitos os seus formatos e abordagens — tentam fazer exatamente isto. A seguir, explicitaremos
a relação entre os fenômenos emergentes e o metadesign enquanto proposta projetual.
Metadesign e emergência
Bem, os problemas de design vêm se tornando mais dinâmicos e mais complexos,
envolvendo cada vez mais elementos. Christopher Alexander, famoso arquiteto austríaco,
antecipa, já em 1964, a questão dos novos problemas de projeto nos seguintes termos:
A questão é retomada trinta anos mais tarde por John Chris Jones, designer galês
preocupado com as questões metodológicas do design, que segue na mesma linha, afirmando
que as causas da necessidade de um novo paradigma de projeto é a complexidade crescente,
diferenciando dois tipos: a que deriva da formulação do próprio problema e a que deriva das
negociações entre os ‘atores’ do processo. Para encaminhar a questão, Jones formula quatro
perguntas:
Nessa perspectiva, como se vê acima, dá-se a inclusão dos usuários como participantes
da fase projetual. O metadesign se insere ainda no contexto das estratégias de design
contemporâneas que lidam com a falta de previsibilidade da dinâmica dos problemas a serem
enfrentados pelo projeto de design. Para uma adequada resposta a esta característica a autora
Num mundo que não é previsível, improvisação e inovação são mais do que
um luxo, são uma necessidade. O desafio do design não é uma questão de se
desvencilhar da emergência, mas de incluí-la e fazer dela uma oportunidade
para soluções mais criativas e adequadas. (GIACCARDI e FISCHER, 2004,
online).
design emergência
Caracterizado pela intencionalidade Caracterizada pela autonomia de agentes
do designer massivamente múltiplos
Cognitivo e conceitual A-cognitivo e a-conceitual
Top-down Bottom-up
Controlador Influenciador
Fixação de relacionamentos Manutenção de relacionamentos
Define contornos Explora e testa contornos
Tabela 2: Tabela comparativa entre design e emergência
(transcrito de ALSTYNE e LOGAN, online, p. 6)
Para que a inovação possa emergir com sucesso (uma ‘inovação por design’),
as atividades intencionais por trás dela devem buscar incorporar tanto design
quanto emergência, cada um com seu respectivo papel. (VAN ALSTYNE e
LOGAN, online, p. 8)
Faz parte das premissas básicas que usos e problemas futuros não podem ser
Um mundo cada vez mais complexo não pode ser mais dominado pelo
designer individualmente. A teoria dos sistemas foi reconhecida como disciplina
importante e que poderia ser útil para o design. Ela ganha hoje uma nova
atualidade, quando se procura [...] pensar o design sistematicamente, quer
dizer, de forma integral e em rede. (BÜRDEK, 2006, p. 256)
outro: o automóvel.
Na medida em que o automóvel se inseriu na malha viária urbana, o problema do
deslocamento humano começou a tomar outra dimensão: deixou de ser o do artefato e
passou a ser do sistema onde ele se insere. Obviamente, outras variáveis passaram a fazer
parte do problema: a largura das vias e as conexões entre elas, as diferentes áreas da cidade
com diferentes densidades populacionais e diferentes tendências de uso (algumas voltadas
para a moradia, outras, para a indústria ou para o comércio), os diferentes tipos de veículo,
as interfaces entre os vários tipos de transporte e mesmo o comportamento dos motoristas.
Hoje, não se trata mais de desenvolver um outro artefato, um outro automóvel — mais
rápido, mais potente — que resolva o deslocamento nas grandes cidades, pois o problema do
deslocamento não está mais no artefato, está no sistema. Um automóvel de corrida se move
com a mesma desenvoltura de um carro popular num dia de trânsito justamente porque o
problema não pode ser mais resolvido no nível do artefato, ou seja, do automóvel. O problema
do deslocamento foi se revestindo de uma complexidade tão grande que sua solução migrou
do artefato para o ambiente onde ele atua. Projetar um novo automóvel que seja menor,
menos poluente, que consuma menos combustível, é lógico, é um objetivo legítimo, mas para
aumentar a velocidade de deslocamento nas grandes metrópoles temos que abordar outro
problema e este vai muito além do artefato em si. Temos que ter — e aprender a ter, já que não
fomos formados com este paradigma em mente — uma visão sistêmica do problema.
Pensar e projetar no nível dos sistemas é, assim, fundamental. Sem a familiaridade com
este tipo de problema — e acreditamos que os problemas sistêmicos se configuram como
um tipo de problema muito diferente daquele solucionável pelo projeto de um novo objeto —
estaremos condenados a pensar o objeto como solução e, muitas vezes, a continuar focando
nossos esforços naquilo que não tem mais relevância quanto ao problema real a ser resolvido.
Ora, se o problema pode ser caracterizado como sistêmico e, como sabemos, os
fenômenos emergentes são uma forma de fomentar ordem dentro de um sistema complexo,
partir de uma concepção de projeto que possa lidar com esta complexidade — sem reduzi-la
ou evitá-la — é de importância fundamental.
Se olharmos para a área do planejamento urbano, por exemplo, que trata de problemas
de grande complexidade, aplicar uma abordagem bottom-up pura equivaleria a deixar a
cidade se autogerir, sem instâncias decisórias que possam articular a pluralidade urbana. Ora,
é fácil perceber que, conforme cresce a complexidade de uma cidade, a auto-organização
não dá conta de lidar com os problemas que surgem. Uma cidade pode lidar muito bem
com um sistema viário “natural” se a sua complexidade for mínima, se tiver, digamos, alguns
poucos milhares de habitantes. A partir do momento em que esta complexidade cresce, que
a ocupação fica mais densa, as ruas são mais utilizadas e chegam a um ponto de saturação.
Um sistema viário não tem uma capacidade infinita de dar vazão ao tráfego, pelo contrário,
é preciso de lideranças, gerenciamento, organização, ou seja, de projeto. Mas um projeto
que não se articule exclusivamente pelo viés top-down, um que tenha em conta a dinâmica
do problema e as comunidades envolvidas e saiba aprender com elas, um que saiba fazer o
cidadão — o agente do sistema — se inserir no problema.
É preciso encarar o fato de que um certo teor de poder centralizado é necessário para
um bom planejamento, pois nem toda concentração de poder é ruim, castradora e deletéria.
Ao mesmo tempo, e esta é a nossa hipótese, parece haver um estágio de complexidade
onde a abordagem puramente top-down de um problema complexo também entra em
colapso, pois a visão do todo é tão generalizante e tem que levar em conta tantas variáveis
que simplesmente não dá conta de solucionar todas as facetas do problema. O projeto top-
down tem a forte tendência de simplificar o problema para poder solucioná-lo. E, em termos
de sistemas complexos, simplificar o problema é fugir deste mesmo problema.
Acreditamos, finalmente, que o próprio discurso do design tem um caráter emergente,
pois além de podermos pensar soluções emergentes para problemas do design, podemos
também fazer com que o design — enquanto saber e enquanto prática — seja pensado de
forma emergente.
Em outras palavras: se até agora defendemos um modo de fazer com que o design se
utilize de fenômenos emergentes para chegar a soluções de problemas complexos, podemos
também fazer com que os fenômenos emergentes — como a linguagem e os discursos —
se utilizem do design para elaborar a si mesmos. Ou seja: podemos tentar imaginar como a
emergência pode pensar o design.
Afinal, tratamos aqui de uma forma de fazer com que certos problemas apresentados
ao designer sejam tratáveis através de métodos ligados aos sistemas complexos. Ora, nos
esquecemos que a rede de discursos na qual nos emaranhamos é, ela também, um sistema
complexo, com seus próprios agentes, suas próprias dinâmicas e que cria, de tempos em
tempos, seus padrões, seus grandes discursos, suas tendências e escolas de pensamento.
Assim, acreditamos que tanto o design pode se debruçar sobre fenômenos emergentes
quanto o contrário.
Se aceitarmos o que diz Krippendorff quando afirma que o “design deve continuamente
reprojetar seu próprio discurso e ele próprio” (2000, p. 93), talvez o discurso do design também
possa ser pensado não apenas como uma multiplicidade, mas como um sistema complexo,
que gera, de vez em quando, alguns padrões dos quais nos apropriamos para pensar nossos
projetos e também a dinâmica dos projetos de design. Nestes termos, esperamos que este
artigo tenha, de alguma forma, contribuído para esta dinâmica.
Referências
ALSTYNE, G. and LOGAN, R.K. Designing for Emergence and Innovation: Redesigning
Design. 2007. Online em <http://www2.physics.utoronto.ca/~logan/VanAlstyneLoganFinal.
doc> acessado em maio de 2007.
BÜRDEK, Bernhard. História, teoria e prática do design de produtos. São Paulo: Edgard
Blücher. 2006.
GIACCARDI, Elisa e FISCHER Gerhard. Metadesign: a framework for the future of end-
user development. In: End user development: empowering people to flexibly employ
advanced information and communication technology. Dordrecht, The Netherlands:
Kluwer Academic Publishers, 2004. online em < http://l3d.cs.colorado.edu/~gerhard/papers/
EUD-meta-design-online.pdf > acessado em maio/2008.
JONES, John Chris. Design Methods. New York: John Wiley & sons. 1992
STROGATZ, Steven. SYNC: How order emerges from chaos in the universe, nature and
daily life. New York: Hyperion books, 2003.
Resumo
O presente artigo estuda a relação entre a ilustração e o design
gráfico no projeto gráfico de um livro ilustrado, a discussão
acontece através de um estudo de caso do livro de Fernando
Vilela, Lancelote e o Lampião. O estudo é desenvolvido utilizando
como ferramenta de análise a semiótica Peirciana lida pelo livro
Matrizes da Linguagem e pensamento da autora Lúcia Santaella e
o objetivo é compreender através do estudo de linguagem algumas
relações entre o ilustrador e o designer na construção do signo
das páginas do livro.
A ilustração narrativa está sempre associada a um texto, que pode ser literário
ou musical, como é o caso das ilustrações para capa de CDs e DVDs. No
entanto, o que fundamentalmente caracteriza esse gênero são o narrar e
o descrever histórias através de imagens, o que não significa em hipótese
alguma uma tradução visual do texto. A ilustração começa no ponto em que o
alcance literário do texto termina, e vice-versa (Oliveira, 2008, p.44).
Assim, a utilização da classificação das matrizes funcionam mais como uma guia da
lógica abstrata que deve atentar mais à manifestação do objeto do que na classificação pura
e simples, sendo assim um processo flexível para apoio.
A matriz da linguagem visual no modelo de Santaella está alicerçada na forma, assunto
que foi desenvolvido amplamente pela Gestalt, ou, teoria da forma que surgiu na Alemanha
no princípio do século XX. A autora deixa claro que os estudos da Gestalt contribuíram para
formulação de seu modelo. Santaella dividiu as formas visuais em três modalidades, as formas
não-representativas, as formas figurativas e as formas representativas. Definindo as formas
não-representativas da seguinte forma:
Ragazzi em 2007. O livro foi escolhido devido a sua linguagem que valoriza a relação entre o
projeto gráfico e a ilustração.
Figura 1. Esta é a capa do livro de Fernando Vilela, as cores metálicas foram feitas através do processo de hot
stamping. Vilela (2006)
A mensagem
Tendo em vista o argumento apresentado acima – do designer como configurador
das linguagens – é necessário agora apresentar o termo designer da linguagem, do autor
Décio Pignatari. O Designer da Linguagem é descrito por Pignatari como: “aquele capaz de
perceber e/ou criar novas relações e estruturas de signos” (Pignatari, 2002, p.18). O designer
da linguagem está inserido na sociedade contemporânea, onde as diferentes mídias entram
em atrito, contaminação, interferência e mesclam umas às outras interferindo de modo global
no comportamento da comunidade:
sertão nordestino. No texto do livro existem duas referências de linguagem que caracterizam
cada um dos dois personagens. A narrativa em prosa e em tom épico evocam e refere-se à
Lancelote. As estrofes compostas em sextilha – ou seja seis versos – referem-se à Lampião,
sendo a estrutura de sextilha típica da literatura de cordel que é famosa na terra natal do
cangaceiro. O embate entre os dois guerreiros é também um embate cultural, de quem faz o
melhor repente. Nas ilustrações a hibridização de linguagens continua, entretanto vamos nos
aprofundar neste efeito no tópico da imagem.
No texto da página sete não é dito que o herói anunciado pelo texto é o personagem
Lancelote da lenda do rei Arthur, mas, o leitor que seguir a sequência desde as primeiras
páginas terá lido esta informação anteriormente, ou mesmo na capa do livro. Abaixo estão as
duas primeiras páginas duplas, e o padrão de páginas duplas acontece todo o livro. O livro
fechado tem um tamanho de 35x24 centímetros, e aberto o livro chega a ter 70 centímetros.
americana, Andrew Loomis. Conhecido por sua série de livros sobre ilustração Loomis seguiu
os passos do famoso ilustrador Norman Rockwell. Em seu livro Creative Illustration (1947)
Loomis define três gêneros de ilustração:
O primeiro tipo é a ilustração que conta uma história por completo, sem um
título, texto, ou qualquer mensagem escrita para ajuda. Este tipo é encontrado
em capas, cartazes, ou calendários.
O segundo tipo é aquele que ilustra o título, ou, o que visualiza e leva adiante
uma linha, um slogan, ou alguma mensagem escrita usada em junção com a
imagem. Esta função emprega força à mensagem. Neste grupo são comuns
temas que levam um curto tempo para serem lidos, como cartazes, displays
e anúncios de revistas. A história e a imagem funcionam juntas com unidade.
O terceiro tipo é aquele que a história da imagem é incompleta, é obviamente
intencional, aguçando a curiosidade, intrigando o leitor a achar a resposta no
texto. O terceiro tipo é a ilustração que poderia dizer “vem aqui” ou “advinha
o que”. Muitos anúncios são construídos neste plano, para assegurar a
compreensão do leitor. Caso a história fosse completamente contada o
propósito seria um fracasso, e o texto poderia facilmente passar despercebido.
(Loomis, 1947, p.178)
O diagrama
Podemos iniciar este tópico com a definição da designer e escritora Ellen Lupton:
Ao contrário das relações entre texto e imagem até aqui discutidas, que se
referem, em primeiro lugar, ao plano de conteúdo, Kibédi-Varga(1989: 39-42)
sugere uma tipologia das relações entre a palavra e a imagem que se relaciona
mais com a forma de expressão visual comum à linguagem (na forma escrita) e
à imagem. Seus três tipos são: (1) Coexistência: palavra e escritura aparecerem
numa moldura comum; a palavra está inscrita na imagem. (2) Interferência:
a palavra escrita e a imagem estão separadas uma da outra espacialmente,
mas aparecem na mesma página (por exemplo, em ilustrações de textos
como comentários textuais). (3) Co-referência: palavra e imagem aparecem na
mesma página, mas se referem ao mundo uma independente da outra. Como
uma outra possibilidade da relação espacial entre texto e imagem, devemos
acrescentar a esta tipologia o caso da auto-referencialidade, como ela é
conhecida na poesia visual. Como exemplo, temos o poema de Robert Herrick
sobre o altar, que é impresso tipograficamente em uma figura mostrando o
esboço de um altar. (Santaella, 1997, p.56)
A imagem
As hibridizações de linguagens que caracterizam os designers da linguagem, não se
restringem apenas ao texto, como vimos no tópico sobre a mensagem. O estilo visual de
Fernando Vilela como ilustrador provém de seu trabalho com matrizes móveis e independentes,
feitas de borracha plástica, que funcionam como carimbos. Seu estilo tem sido característico em
diversos livros infantis ilustrados pelo autor, como Eros e Psiquê e Desafios de Cordel. No final
do livro Lancelote e o Lampião há uma descrição sobre as referências de Vilela para compor as
ilustrações de Lancelote, que envolvem desde iluminuras medievais, pinturas renascentistas,
além de armas e armaduras de época. Para compor o personagem Lampião as referências
foram a xilogravura popular, e as fotografias da época do cangaceiro, além de cenas de filmes
brasileiros como Deus e o diabo na terra do sol (1963) de Glauber Rocha. Em relação às cores
da ilustração, há duas cores especiais que separam, caracterizam, identificam e comunicam
com cada uma das personagens. A cor prata para armadura e utensílios metálicos de Lancelote
e a cor cobre para os anéis, espingarda e apetrechos de Lampião. Estas cores contrastam
com o fundo escuro, comuns à quase todas as páginas do livro.
É interessante começarmos a análise da ilustração pela marca qualitativa do gesto que
a ilustração carrega. Esta marca diz respeito aos vestígios derivados do processo de produção
desta imagem. Percebemos, que a ilustração possui elementos que foram carimbados diversas
vezes na página deixando seus vestígios. Entretanto por ser um produto da era industrial não
chegou a nós como uma gravura tradicional, a ilustração foi muito provavelmente escaneada
e tratada no computador. Este processo é mais evidente quando nos deparamos com as
cores da ilustração, temos o preto impresso, o branco da folha de papel preservado, e temos
uma cor especial metálica. Os elementos de cor metálica provavelmente não estavam na
mesma página dos outros elementos quando a gravura foi artesanalmente impressa, afinal a
cor metálica foi uma característica do processo de impressão mecânico e a separação desta
cor muito provavelmente foi feita no computador. Vemos por ai como o processo de trabalho
do ilustrador hibridiza-se com ferramentas manuais e digitais. Quanto às cores especiais é
interessante dizer que na área de agradecimentos do livro Fernando Vilela agradece a um
colaborador – Sérgio Sister – pela pesquisa sobre cores especiais, o que nos mostra uma
visão do processo de criação e de resolução de um projeto gráfico de livro.
A personagem representada na ilustração, Lancelote, carrega em si a figura como
esteriótipo. Esta modalidade é definida por Santaella como “uma imagem tópica extraída do
conjunto de seus estereótipos mentais” (Santaella , 2009B, p.230). Este estereótipo foi retirado
da imaginação do autor “Não é de uma mera impressão visual que o desenhista parte, mas de
uma idéia ou conceito visualmente representável” (Santaella, 2009B, p.230). O conceito, ou,
idéia que o artista expressou foi a sua visão da série de mitos recorrentes dos guerreiros da
Távola redonda. A figura não tem a pretensão de representar o mundo real externo, possuindo
uma lógica própria de representação criada pelo ilustrador para o universo desta ilustração.
Quando falo de figura me refiro às formas figurativas da ilustração, o personagem, o cavalo,
a lança, o elmo, a armadura de placas e a capa, repletas de grafismos medievais. Todos os
objetos e características citadas dentro da linguagem de expressão e representação do artista
formam o estereótipo. O estereótipo comunica através de símbolos gráficos que carrega em
O espaço em branco fala mais na página do que o tom. Isto permite que o
desenho da área em branco receba outros desenhos em uma unidade pictórica.
Isto isola o material importante para que possa ser lido com facilidade (Loomis,
1947, p.202)
A composição depende não apenas dos elementos que inserimos na ilustração, mas,
sobre tudo da relação em que os elementos exercem uns sobre os outros, ou seja, uma
linha que guia a estrutura destes elementos direcionando o olhar e hierarquizando as formas.
Acrescentando a citação de Rui de Oliveira, esta é uma estrutura fundamental na construção
da narrativa:
O ponto focal da ilustração de Vilela está localizado no elmo da personagem, uma vez
que, por sua qualidade figurativa, o elmo exerce uma relação importante de semelhança e de
identificação com o interpretante que toma o olhar do personagem como seu, e como ponto
de equilíbrio dentro da lógica da ilustração. Virtualmente criamos uma linha do horizonte na
altura do olhar do personagem para guiar nossa percepção daquele universo. O nosso olhar
continua sendo guiado por outras forças perceptivas, como o movimento das placas metálicas
da armadura se desprendendo juntamente com os blocos de texto. Na lança encontramos
uma força ascendente que nos guia para fora da página, poética pura, lirismo mimético em
relação à ascensão na invocação do herói pelo texto. Outro efeito que caracteriza o ponto
focal no elmo é que esta é a área com o maior peso visual da ilustração, o branco, neste caso
chama atenção por sua luminosidade em meio ao fundo escuro.
O personagem, seu elmo, a lança e corpo brilham na cor branca que se expandem
sobre o preto que predomina na página e só é quebrado pela cores metálicas. Todas as
formas são preenchidas por cores chapadas e não há profundidade sugerida nas formas
separadamente. Andrew Loomis refere-se a esta organização do espaço: “O senso do
Conclusão
É evidente no trabalho de Fernando Vilela a relação do hibridismo de linguagens entre o
projeto gráfico, ilustração e texto. As imagens mentais evocadas pelo texto unem se a ilustração
compondo uma imersão imaginativa ao leitor. A linguagem do texto também caracteriza os
personagens confirmando sua procedência e adicionando referência cultural. No diagrama,
texto e imagem dividindo o espaço na página aproximam a linguagem verbal da linguagem
visual. O movimento do texto cria ritmo de leitura criando marcas gráficas que impregnam a
página de sonoridade. O estilo e o estereótipo da ilustração evocam imagens de um repertório
cultural ocidental que dão forma aos estímulos textuais. Assim, vemos o como as linguagens
são por si só híbridas. Vimos também que a escolha das cores especiais no projeto gráfico
adicionou características de linguagem que valorizaram, distinguiram e enriqueceram os
personagens. Assim, vemos que o designer gráfico não é apenas o profissional que cria uma
hierarquia de leitura, mas que criar marcas gráficas que agregam significados à mensagem, são
assim designers da linguagem e inseridos na realidade contemporânea, o ilustrador, também
participa da produção dos designer da linguagem, um pensamento propulsor da inovação.
Referências
DONDIS, Donis A. (2007). Sintaxe da Linguagem Visual. 3. Ed. São Paulo: Martins Fontes.
EISNER, Will (1999). Quadrinhos e Arte Sequencial. São Paulo: Martins Fontes.
HOLLIS, Richard (2000). Design Gráfico: Uma história concisa. São Paulo: Martins Fontes.
LUPTON, Ellen (2008). Novos fundamentos do design. São Paulo: Cosac Naify.
OLIVEIRA, Rui (2008). Pelos Jardins de Boboli. Rio de Janeiro: Nova Fronteira.
PIGNATARI, Décio (2002). Informação Linguagem Comunicação. São Paulo: Ateliê Editorial.
SANTAELLA, Lúcia; NOTH, Winfried (2009A). Imagem: Cognição, semiótica, mídia. São
Paulo: Iluminuras.
Resumo
Este artigo apresenta o Método de Ensino de Desenho Coletivo
de Caracteres Tipográficos, O MECOTipo, e discute alguns
resultados obtidos com a sua implantação em duas circunstâncias
distintas, uma delas ideal e outra desfavorável. A efetividade do
método é avaliada a partir da análise de projetos de fontes digitais
desenvolvidas entre os anos de 2009 e 2010 por alunos de
cursos de graduação em design. A resultante dessas experiências
e de outras, brevemente narradas no texto, indicam ajustes e
incrementos que podem ser promovidos.
O MECOTipo
Considerações de ordem pedagógica e técnica estão envolvidas na concepção do
MECOTipo criando condições para a sua reprodução (BUGGY, 2007). Estas considerações
fundamentam os postulados do método, os quais organizam-se em: parâmetros teóricos/
metodológicos e parâmetros práticos.
Os parâmetros teóricos/metodológicos preocupam-se em assegurar as condições
adequadas para a implementação dos parâmetros práticos que sugerem uma seqüência
de experimentos, ou exercícios específicos, na qual à medida em que a complexidade dos
desafios propostos aumenta, os designers em formação envolvidos são levados a produzir
coletivamente.
Para que tais parâmetros funcionem em conjunto há um programa de aulas que
coordena a aquisição do conteúdo teórico e técnico com a seqüência de experimentos. Esse
programa pode ser ajustado, sem perder suas características, adaptando-se aos participantes
e às mudanças ocorridas durante o desenrolar das aulas.
O MECOTipo também possui um sistema de avaliação próprio desenvolvido a partir da
formulação dos postulados que compõem os parâmetros práticos para analisar os resultados
obtidos a partir da sua execução. Projetado para avaliar desenhos de caracteres de fontes
display, esse sistema resulta em afirmações lingüísticas compreensíveis que valorizam e
orientam os designers em formação.
Todo o conteúdo teórico dedicado ao desenho de tipos necessário a uma boa evolução
durante a vivência dos experimentos ainda está contemplado pelo método. Trata-se de um
compêndio a respeito da constituição e percepção das formas de caracteres tipográficos.
Dado a complexidade do sistema de avaliação e o volume do compêndio ambos não
serão apresentados neste trabalho. Apenas o reflexo de suas configurações comporá, mais
a frente, a análise dos resultados apresentados pelo emprego do método e as propostas de
revisão do mesmo. Caberá a seguir, tão somente, uma descrição paramétrica do MECOTipo.
São quatro os postulados que constituem os parâmetros teóricos/metodológicos
propostos pelo autor do Método de Ensino de Desenho Coletivo de Caracteres Tipográficos.
Postulado 3: O desenho coletivo de ‘n’, ‘o’, ‘H’ e ‘O’ caracteres de uma fonte
de acordo com um tema predefinido.
Para o terceiro experimento os designers em formação devem ser arranjados
em grupos de até 5 indivíduos. Cada grupo terá que definir um tema capaz
de fornecer aspectos que influenciem o estabelecimento de valores para peso
de hastes, largura de letras retangulares, largura de letras redondas, altura de
caixa-alta e altura de caixa-baixa. Essa influência também deve estender-se
à configuração das junções de curvas com retas e acabamento de hastes
Postulados Objetivos
O desenho individual de um ‘a’ • Estabelecer um contato inicial com o desenho de caracteres
numa folha de papel A4. sob um ponto de vista prático;
• Explorar o potencial da força de trabalho;
• Gerar uma primeira reflexão acerca do desenho de caracteres.
O desenho individual de letras • Estabelecer um segundo contato, mais intenso e complexo,
caixas-baixas, letras caixas-altas com o desenho de caracteres sob um ponto de vista prático;
e de números através de módulos • Verificar a produtividade frente ao desafio proposto;
pré-determinados. • Proporcionar a compreensão das possibilidades das relações
de semelhança e diferença entre os desenhos dos caracteres de
uma fonte, em especial as letras;
• Exercitar a geração de soluções para traços retos, curvos e
em diagonal;
• Proporcionar a compreensão da proporção do peso das hastes
dos caracteres de uma fonte.
O desenho coletivo de ‘n’, ‘o’, ‘H’ • Desenvolver coletivamente um tema capaz de fornecer
e ‘O’ caracteres de uma fonte de aspectos que orientem a composição das características do
acordo com um tema predefinido. desenho de uma fonte;
• Desenhar coletivamente ‘n’, ‘o’, ‘H’ e ‘O’ a partir do tema
gerado;
• Explorar a equalização visual da espessura dos traços dos
caracteres desenhados;
• Explorar a uniformização do desenho das extremidades dos
traços dos caracteres;
• Explorar a uniformização das proporções entre altura e largura
dos caracteres.
O desenho coletivo de 100 • Desenvolver coletivamente um tema capaz de fornecer
caracteres de uma fonte de acordo aspectos que orientem a composição das características do
com um tema predefinido. desenho de uma fonte;
• Desenhar coletivamente um conjunto de 100 caracteres a
partir do tema gerado;
• Explorar a equalização visual da espessura dos traços dos
caracteres desenhados;
• Explorar a uniformização do desenho das extremidades dos
traços dos caracteres (serifas, esporas, terminais, incisões, etc.);
• Explorar a uniformização das proporções entre altura e largura
dos caracteres;
• Explorar a uniformização da largura dos espaços internos e
intervalos dos caracteres.
Quadro 1: Postulados que definem os parâmetros práticos do MECOTipo e seus respectivos objetivos.
Cabe destacar que para cada um dos objetivos acima listados o método aponta
aspectos que devem ser verificados para aferir seu alcance. Do mesmo modo, cada aspecto
está ligado a critérios de avaliação específicos.
Alguns resultados
Dois conjuntos de desenhos para fontes obtidos pelo Prof. Me. Leonardo A. Costa
Buggy entre 2009 e 2010 através da execução do MECOTipo serão apresentados e discutidos.
O primeiro conjunto é resultado da disciplina Tipografia 2 ministrada aos alunos do Curso
de Graduação em Design Gráfico da Faculdades Integradas Barros Melo durante o primeiro
semestre de 2009. Essa introdução ao desenho tipográfico realizou-se em 38 horas/aula
regularmente integralizadas na matriz curricular do citado curso.
O segundo conjunto também é formado pelos últimos trabalhos apresentados na
disciplina Desenho Tipográfico ministrada aos alunos de graduação do Curso de Design do
Centro Acadêmico do Agreste da UFPE durante o primeiro semestre de 2010. Diferente do que
ocorreu na primeira circunstância, a segunda contou com 60 horas, condição ideal prevista
para a reprodução do programa de aulas do método.
Desse modo, é importante destacar que o primeiro postulado dos parâmetros teóricos/
metodológicos foi infringido na disciplina Tipografia 2.
Não houve como fugir da imposição da carga horária definida pela estrutura do
curso da instituição particular de ensino e o déficit de 10 horas/aula foi compensado com
acompanhamento online via e-mails e orientações informais.
De toda sorte, o método adequou-se àquela realidade adversa. Os exercícios aplicados
em separado no ano de 2007 atestaram valer a pena investir na experiência transgressora.
A despeito das diferenças entre as condições de convivência e tempo verificadas em
cada instrução, seus resultados serão apresentados neste artigo conforme entregues por seus
autores.
Todos os conjuntos de desenhos serão tratados daqui por diante como fontes e
identificados através de um número que sucederá uma sigla usada para identificar a instituição
na qual o trabalho foi desenvolvido. A ordem numérica adotada expressa um juízo qualitativo.
Ela relaciona as fontes de forma decrescente quanto a obtenção de conceitos positivos
segundo o sistema de avaliação proposto pelo método.
Trabalhos que atingiram o mesmo conceito serão identificados com o mesmo número,
diferenciando-se apenas pela adição de letras ao final de suas nomenclaturas. Ao contrário
dos números, a atribuição dessas letras é aleatória e não expressa qualquer valor.
A sigla FIBAM será adotada para designar os trabalhos realizados na Faculdades
Integradas Barros Melo e a UFPE para os realizados na Universidade federal de Pernambuco.
identificação Fonte
FIBAM 01
FIBAM 02
FIBAM 03
FIBAM 04a
FIBAM 04b
identificação Fonte
UFPE 01a
UFPE 01b
UFPE 02
no conteúdo transmitido.
As relações horizontais entre os arquétipos podem ser melhor explicitadas no compêndio
e durante as aulas do método. Desse modo, novos aspectos podem ser incorporados para
aferir o alcance do sexto objetivo do quarto postulado prático do MECOTipo (explorar a
uniformização da largura dos espaços internos e intervalos dos caracteres). Atualmente apenas
o equilíbrio entre os espaços internos e externos dos caracteres desenhados é considerado. É
possível adotar-se também dois aspectos sugeridos por Cabarga (2004). Consistência, ritmo
e regularidade na disposição das hastes é um deles e o equilíbrio e consistência entre a
largura das letras outro. O primeiro associa-se mais indiretamente ao objetivo, o segundo está
intimamente ligado a ele.
De modo geral, as fontes em análise foram assim avaliadas:
Considerações finais
O MECOTipo é produto de um ciclo de dez anos de pesquisa, iniciado em 1996 e
concluído em 2006, no programa de mestrado em design da UFPE. Ao longo deste trajeto
excelentes resultados foram computados pelo método. Desde 2003 a sua competência vem
sendo atestada de forma científica. Os primeiros testes realizados para a dissertação do Prof.
Me. Leonardo A. Costa Buggy confirmaram a eficácia do método. O caráter coletivo inovador
desse conjunto de meios para desenhar fontes tipográficas é responsável em grande parte
por seu sucesso.
Após três anos de implantação da atual configuração do Método de Ensino de
Desenho Coletivo de Caracteres Tipográficos mostra-se adequado revisar tanto o conteúdo
do compêndio utilizado em sala, como seus parâmetros práticos. Essa revisão deve-se na
medida em que os estudos para o incremento e melhoria do método não foram cessados e
têm revelado boas perspectivas para o ensino tipográfico.
Experiências realizadas em duas circunstâncias correlatas às que produziram os
resultados apresentados e discutidos neste artigo sugerem que ampliar a quantidade de
exercícios pode ser uma boa opção para dar início a essa revisão.
Durante o segundo semestre de 2008 o pesquisador ministrou 38 horas/aula de
macro-tipografia e história a alunos do Curso de Graduação em Design Gráfico da Faculdades
Integradas Barros Melo. Na ocasião foram adotados jogos de desafio para promover a fixação
do conteúdo teórico exposto sobre aspectos da micro-tipografia relevantes a macro-tipografia,
tais como: contraste, dimensão do olho e estilos.
Um ano mais tarde, no segundo semestre de 2009, o mesmo ocorreu durante 60
horas/aula sobre o mesmo assunto ministradas a alunos de graduação do Curso de Design
do Centro Acadêmico do Agreste da UFPE.
Os resultados obtidos foram promissores na medida em que a seleção de atividades
conquistou grande simpatia do alunado e de fato contribuiu para a apreensão dos conteúdos.
Assim, preservar os exercícios já propostos e incluir mais atividades de menor complexidade
e caráter lúdico deve trazer um significativo incremento ao MECOTipo.
Uma certa inconstância pode ser observada ao analisar-se os produtos finais de cada
oportunidade de execução do método apresentada neste trabalho. A aptidão dos designers
em formação é um fator que a princípio diferencia os desenhos de caracteres tipográficos.
Pode-se reconhecer isso após apreciar o desenvolvimento de certos grupos de alunos ao
longo do período em que foram ministradas as aulas em questão.
As diferenças observadas entre os resultados obtidos por alunos mais desenvoltos
e talentosos e outros menos podem ser minimizadas mediante a exploração do sentimento
verificado durante a implantação do segundo parâmetro prático. A alegria desencadeada pelo
desafio de compor letras e números com módulos orientados por uma malha é semelhante
a observada durante um jogo de tabuleiro. Logo, acredita-se que divertimentos nos quais
os alunos façam prova da sua habilidade devem contribuir para a efetividade do método
otimizando e equalizando seus resultados.
Pequenos jogos de desafio pessoal que disponham de recursos estimulantes e
recreativos podem ser incorporados ajudando a fixar conceitos como contraste, tamanho
do corpo, altura de x e peso. O entendimento desses conceitos permite uma maior fixação
de outros como fonte, estilo e família tipográfica, o que assegura uma melhor atuação dos
membros de um grupo quando postos para atuar coletivamente.
Os exercícios individuais propostos por Darricau (2005) que estimulam a associação e
a hierarquização de formas tipográficas através do estabelecimento de conexões gráficas por
meio de círculos e traços, ou ordenação numérica são bons exemplos de breves atividades
com esse espírito. Eles contribuem para o aprendizado de conceitos ligados a tipografia e
podem ser adotados pelo MECOTipo sem descaracterizar sua estrutura, encaixando-se nos
intervalos da seqüência dos exercícios já propostos.
Também o uso de jogos coletivos pode ser estimulado como recurso didático. O baralho
Type Trumps desenvolvido por Banks (2008) é um bom exemplo. Cartas contendo imagens e
informações sobre fontes bem difundidas ao longo da história são divididas igualmente entre
jogadores que passam a competir entre si através dos valores atribuídos às características de
cada uma. Aquele que possuir o maior valor relativo a característica escolhida para competir
a cada rodada ganha as cartas dos demais. O objetivo é conquistar todo o baralho. O Type
Trumps funciona conforme as regras do jogo que conhecemos como Super Trunfo. Trata-se
de uma adaptação para o universo tipográfico.
Explorar aspectos da anatomia dos caracteres em jogos dessa natureza pode prestar-
se bem ao alcance dos fins pretendidos pelo MECOTipo. Preservar o bom estado de ânimo e
a ação conjunta dos envolvidos no processo de aprendizado é fundamental para que se possa
motivá-los a concluir os projetos tipográficos coletivamente.
Rever os parâmetros práticos certamente impactará os teórico/metodológicos e o
sistema de avaliação. A inclusão de jogos educativos e de desafio corresponde a adoção de
uma nova perspectiva conceitual que terá reflexos na formulação dos postulados que regem
as condições necessárias a implantação do método.
Todavia, para promover essas melhorias é preciso testar os jogos ou outros recursos
equivalentes durante a execução do método. O preparo desse experimento implica, entre
outras coisas, na remodelação do sistema de avaliação para tornar mensurável os resultados
e compará-los com os já obtidos com a última versão do MECOTipo.
Reconhece-se uma excelente oportunidade para simplificar e tabular em meio eletrônico
esse sistema que tem-se mostrado de difícil uso. Devido à sua complexidade muito tempo é
consumido na avaliação do desempenho dos participantes. O docente tem de comprometer-
se gravemente com o processo de ensino quando fora de sala para assegurar a integridade
dos conceitos que indicam o alcance de metas. Muitas vezes isto não é possível em virtude de
outros compromissos pedagógicos assumidos nas instituições de ensino superior.
No tocante ao compêndio, muito pode ser melhorado. Talvez esta seja a ação em
prol dos melhoramentos do método que mais demande tempo, a depender da intenção em
preservar ou não seu caráter introdutório. Independente desta possível mudança, diversos
textos merecem ser incorporados atualmente. Tanto de autores já citados como de não citados.
Entre os já citados deve-se reincidência a Adams, Bringhurst, Cheng, Frutiger e Ruder.
Todos podem contribuir para melhor descrição do processo de derivação de formas verificado
entre letras e números, por exemplo.
Já entre os não citados, destacam-se Darricau, Earls, Cabarga, Gill, Lawson, McLean,
Smeijers, Straus, Tracy e Willen. Em linhas gerais esses autores podem contribuir com mais
detalhes sobre espaçamento, pares de kerning, controle de vetores, aspecto dos caracteres e
conceituação de caligrafia, letreiramento e tipografia.
Por fim, após breve análise dos resultados obtidos com o MECOTipo durante o período
de 2007 a 2010 pode-se propor as seguintes recomendações:
- testar a inclusão de parâmetros práticos que gozem de uma prerrogativa didática
lúdica;
Referências
TYPE TRUMPS. Manchester: Rick Banks/Face34, 2008. 1 baralho (30 cartas), preto e vermelho,
em caixa 6,5 cm x 9 cm x 1,5 cm.
CABARGA, L. Logo, font & lettering bible. Cincinnati: How Design, 2004. 240 p.
FARIAS, Priscila Lena. Tipografia Digital. O impacto das novas tecnologias. Rio de Janeiro:
2AB, 2000. 120 p.
HENDEL, R. O design do livro. Tradução Geraldo Gerson e Lúcio Manfredi. São Paulo: Ateliê
Editorial, 2003. 224 p. Tradução de: On Book Design.
HEITLINGER, Paulo. Tipografia: origens, formas e uso das letras. Lisboa: Dinalivro, 2006.
400 p.
SMEIJERS, F. Counter punch: making type in the sixteenth century, designing typefaces now.
London: Hyphen, 1996. 191 p.
WONG, W. Príncipios de Forma e Desenho. São Paulo: Martins Fontes, 1998. 352 p.
Resumo
Neste texto é apresentado o reaproveitamento de ideias e
materiais como um desafio no design. O método utilizado para
a organização deste estudo apoia-se na pesquisa bibliográfica e
iconográfica, não apenas sobre o design de joias, mas também
em outras manifestações criativas, a fim de que possa ser traçado
um panorama geral sobre o que se entende por reutilização. O
embasamento teórico deste trabalho é extraído da literatura: (1)
sobre design, produzida por CARDOSO, FORTY e DAMASIO;
(2) sobre reaproveitamento os trabalhos, de BENJAMIN,
MCDONOUGH e BRAUNGART e (3) no tocante ao design de
joias, as ideias de GOLA e LLABERIA. As conclusões parciais
apontam para a possibilidade e, por vezes, inevitabilidade do
reconhecimento de processos em que há reutilização de materiais
e ideias, tanto no design de joias quanto em outras espécies de
criação contemporânea, mediante nova atribuição de sentidos às
formas. No último caso, da utilização de ideias, há consequências
jurídicas que devem ser consideradas.
Introdução
O reaproveitamento de ideias e materiais pode ser visto como desafio no design. Neste
texto buscaremos reunir elementos para elaborar um quadro sobre o tema do reaproveitamento
material e imaterial na atividade projetual. A relevância deste estudo decorre da própria
conceituação da atividade de design. Para os fins deste trabalho, o design é uma atividade de
projeto de bens materiais (DAMAZIO, 2006: 62) (FORTY: 2007: 12) e imateriais (CARDOSO:
2008: WEB).
Em seu surgimento, o design tem relação com a indústria nascente com demanda
de uma produção cada vez maior e mais mecanizada. Neste momento, foi separado o ato
de projetar do ato de executar, para deliberadamente afastar o “erro” humano da produção.
Embora na origem do design tenha havido uma vinculação desta atividade a projetos de bens
materiais, deve ser incluído, também, dentro deste conceito, o trabalho com o imaterial. A razão
de surgimento do design, então, tem ligação com a utilização de um projeto que aperfeiçoe a
produção de um determinado bem. A discussão neste texto, todavia, situa-se na utilização de
matéria ou ideias anteriormente empregadas em processos de produção.
Figura 1
HOBO- http://www.blog.iwantmyhobo.com/
Symphony II
Figura 2
http://nanahayne.wordpress.com/2010/05/28/braceletes/5-4/
“a ideia forte que ancora as assemblages diz respeito à concepção de que os objetos díspares
reunidos na obra, ainda que produzam um conjunto outro, não perdem seu sentido primeiro.”
Aproximaremos neste ponto do presente artigo, duas ideias que se complementam:
(a) apropriação e (b) reprodutibilidade. Tais ideias serão aproximadas numa tentativa de
compreender uma consequência destas ideias, a saber: a autoria, uma vez que vem sendo
construída de forma diversa desde o século passado.
O termo apropriação é “empregado pela história e pela crítica de arte para indicar a
incorporação de objetos extra-artísticos, e algumas vezes de outras obras, nos trabalhos de
arte” (Enciclopédia Itaú-Cultural – web). A construção das obras não se dá apenas por meio
de ideias totalmente inovadoras, mas também pela incorporação de outros materiais e ideias
na obra.
Se a obra de arte foi criada tendo por base a apropriação, então, a aferição de
autenticidade fica alterada. Isto porque se desloca a verificação da autenticidade apenas da
matéria empregada, para que se torne relevante a consideração sobre a organização dos
elementos de modo inovador.
Diante disso, o próximo passo é repensar conceitos de autenticidade, autoria e
originalidade na obra de arte, porque se a arte adota elementos do cotidiano, questiona-se o
que é necessário para que uma obra seja considerada como arte. Deixa de ser tão importante
uma técnica específica ou o manejo de materiais típicos da arte (suporte e materiais), ou seja,
a partir da colagem há uma diluição das fronteiras entre pintura e escultura, sendo certo que
a representação passa a ser aceita também por meio do rearranjo de objetos estranhos à
tradicional prática artística até então existente.
Além da apropriação na arte, efetuada pelas vanguardas históricas, há alteração do
modo de produção de imagem a partir da fotografia. Pode-se afirmar que a fotografia libertou
o artista plástico da obrigação com a verossimilhança, permitindo que este explorasse outros
aspectos no trabalho estético.
O termo reprodutibilidade tem ligação com a cópia de algo que foi novo e é analisado
por Walter Benjamin, segundo quem a reprodutibilidade é a possibilidade de reprodução de
uma dada peça. No texto clássico que aborda a obra de arte na era de reprodutibilidade
técnica, o crítico Walter Benjamin (1936-1955) aborda o modo em que a linguagem fotográfica
atinge a obra de arte tradicional. No artigo mencionado, Benjamin defende que obra de arte
sempre foi reprodutível, ou seja, era sempre possível a imitação (BENJAMIN: 1936-1955: 166).
O teórico antes mencionado demonstra, então, que por meio da reprodutibilidade
permitida pela fotografia é perdida a aura da obra de arte, porque não importa mais saber
qual é o original e qual é a cópia, uma vez que é inerente à produção fotográfica a realização
da reprodutibilidade técnica, perdendo a obra a sua aura. Aura para Walter Benjamin “é uma
figura singular, composta de elementos espaciais e temporais: a aparição única de uma coisa
distante, por mais perto que ela esteja”. (BENJAMIN: 1936-1955: 166)
Temos então dois “golpes” verificados pela crítica: (1) a apropriação permite que sejam
utilizados quaisquer elementos para a composição de uma obra de arte; (2) a reprodutibilidade
técnica promove uma quebra da aura da obra de arte.
pode ser entendido, desta forma, como precursor de outros na área de vídeo, cujo objetivo é
a apresentação de ideias por meio de destruição de narrativas anteriormente existentes.
Nos dias atuais é possível realizar o denominado “remix” (rearranjo ou reorganização
de ideias) com sons e imagens e fazer a divulgação do conteúdo “remixado” pela internet.
Este trabalho apoiado nas ferramentas tecnológicas disponíveis permite a utilização por meio
de recorte de sons e imagens produzidos por outros, a fim de criar obra nova. Não se trata
de interpretação de um argumento literário, por exemplo, com produção por meio de outra
linguagem, mas sim, a utilização da técnica da colagem de sons e imagens anteriormente
existentes para criação de novos significados.
William S. Burroughs no cut up, trabalhou com as suas próprias imagens. Mais tarde,
desde 1980, o grupo Negativland produziu vídeos em que foi feita a edição de imagem e
textos apropriados, ou seja, havia um reaproveitamento de ideias criadas por outras pessoas.
Um dos trabalhos deste grupo Negativland é o vídeo “Gimme The Mermaid” postado
no Youtube. Trata-se de criação realizada a partir de elementos recortados da animação “A
pequena sereia” (em inglês: The Little Mermaid) que é o 28º filme longa-metragem de animação
dos estúdios Disney, lançado em 1989, criado pela adaptação do conto homônimo do escritor
dinamarquês Hans Christian Andersen (autor de “O patinho feio”).
O grupo Negativland poderia ter utilizado apenas o argumento de “A pequena sereia” –
que trata da pequena Ariel filha do rei Tritão que se apaixona por um humano, mas não o fez.
A problemática desta construção artística do grupo mencionado encontra entrave na própria
ideia de apropriação, porque – ousamos repetir – “objetos díspares reunidos na obra, ainda
que produzam um conjunto outro, não perdem seu sentido primeiro”. Por tal razão, os adeptos
de tal técnica de criação podem ser impedidos de se expressar por força de barreiras legais
de proteção de propriedade intelectual, por se tratar de obras derivadas que dependem da
autorização do detentor dos direitos da obra original.
No vídeo “Gimme The Mermaid” vê-se que, no remix, mais importante que a narrativa
são os processos de criação visual. Assim, são deliberadamente afastados os 12 princípios
que a Disney utiliza na animação, a saber: (1) apertar e esticar; (2) antecipação; (3) encenação;
(4) ação contínua quadro a quadro; (5) seguir através de sobreposição e ação; (6) acelerar e
desacelerar; (7) arcos; (8) ação secundária; (9) timing (momento certo de cada ato); (10) exagero;
(11) desenho sólido; (12) carisma. Na verdade, conforme apresentaremos a seguir, muitos
dos princípios foram utilizados de forma reversa para o fim de desconstruir propositadamente
aquela narrativa.
No vídeo indicado, o processo de produção e seu resultado demonstram o afastamento
das regras narrativas. O objetivo no vídeo é construir um novo sentido por meio da apropriação
de outras ideias, desconstruindo uma narrativa preexistente.
O argumento do vídeo se apoia na discussão dos direitos autorais fundados no direito
de propriedade. Questiona-se o valor da propriedade e o controle da propriedade intelectual
por seu detentor, bem como a necessidade de aparato jurídico para a proteção do direito de
autor. Aponta-se, ainda, o medo dentro da indústria de ser copiado.
O som faz parte da narrativa. Se em “A pequena sereia” é possível ser levado com
suavidade pela música que além do conteúdo da letra conduz o espectador a um estágio
emocional de envolvimento com a história narrada pela personagem e seu entorno, no vídeo
“Gimme the Mermaid” a condução do espectador acontece pela combinação de ruídos,
teclados, guitarras e um pedaço da canção “Part Of Your World” (Parte do seu mundo).
A letra da canção “Part of your world” (Parte do seu mundo) trata do desejo de Ariel,
a pequena sereia, de ser humana e estar no mundo. Ela deseja “estar onde o povo está” e
“poder andar, poder correr”, ou seja, ela não quer ser uma sereia do mar.
O grupo Negativland atende ao desejo da sereia Ariel e a coloca dentro da discussão
sobre autoria e propriedade intelectual.
No trabalho analisado, utiliza-se a imagem da “pequena sereia” com narrações que
nada tem a ver com o original uso do desenho. Além disso, são feitas combinações de imagens
de gatos, imagens indianas, a sereia distorcida, caveirinhas dançantes, entre outras imagens.
Este arranjo inesperado apresenta o vídeo “Gimme the Mermaid” que nada lembra a produção
da Disney. Existe a criação de uma obra totalmente nova.
Percebe-se, deste modo, que a mensagem é transmitida por meio da transgressão
deliberada da ideia representada pela Disney na animação “A pequena sereia”.
Diante das análises propostas, é possível retomar o questionamento sobre o uso das
ideias de outras pessoas para a construção do pensamento próprio. E, mais uma vez, frisamos
a origem da apropriação, que não é criação deste século, mas existe entre nós desde o início
do século passado e foi aceita como uma forma legítima de criação artística.
Ademais, deve-se reconhecer neste reaproveitamento de outras criações o condão de
possibilitar a libertação do pensamento por meio de uma expressão criativa advinda da própria
característica humana de transformar a realidade. Neste sentido ensina MUNARI (2002:316):
“observando não apenas as características formais de cada objeto, mas também materiais,
cromáticas, táteis e outras, pode-se pensar em transformá-lo em qualquer outra coisa”.
Neste bracelete o artista compõe, com respeito a uma forma adequada ao uso nos
pulsos, por se tratar de um bracelete. A criação respeita o critério de ergonomia, mas há um
trabalho com a ideia das bolhas formadas em prata combinada ao uso de pigmento e resina.
O segundo exemplo que nos propusemos a trazer consiste em tentar aproximar o
design de um bracelete na animação Final Fantasy ao projeto Skinput (tecnologia bioacústica).
Figura 4
Final Fantasy (2001 - The Spirits Within)
Figura 5
Skinput: Appropriating the Body as an Input Surface (CHI 2010)
http://www.youtube.com/watch?v=g3XPUdW9Ryg
http://www.chrisharrison.net/projects/skinput/
Deve-se deixar claro que a aproximação tentada não tem fundamento em uma
constatação científica de uma ligação projetual entre os dois objetos, todavia, a leitura das
imagens possibilita a relação apresentada. Isto porque, tanto na animação quanto no projeto
de Chris Harrison, percebemos o uso de um artefato que se utiliza no braço e que tem como
aspecto visual comum a utilização da luz que permite apresentar ao usuário uma funcionalidade
a este artefato. Assim, além de ser acessório, é agregada outra funcionalidade.
Acrescente-se, ainda, que o trabalho com a luz em acessórios não se insere apenas
quando o criador quer atribuir uma funcionalidade à peça. Há trabalhos em que se pensa na
experiência de quem usa e das pessoas no seu entorno. Um exemplo que encontramos na
internet é o trabalho do designer Wei-Chieh Shih, de Taiwan, no portifólio online http://www.
behance.net/dontmarryme. Veja a amostra do traje de laser e o próprio traje de laser abaixo:
Figuras 6, 7 e 8
Laser suit sample e Laser suit
http://www.behance.net/dontmarryme
Nos trabalhos do traje de laser e da amostra deste traje são claras as experimentações
do designer com a luz, o que nos remete a ideia de Rafael Cardoso, segundo quem o design
tende a ser cada vez mais imaterial. Assim, percebemos que se projeta não apenas o objeto
em si, mas também a experiência. A diferença do exemplo do designer de Taiwan para os
anteriormente citados reside na funcionalidade das peças. Neste exemplo, não há comandos
ou funcionalidades que possam ser utilizadas pelo usuário, mas sim, um artefato que emite
luz, criando uma experiência incrível.
Considerações finais
Por fim, o que quisemos trazer com os exemplos escolhidos, da literatura, audiovisual
e design de joias, foi que a criação no design aproveita os passos anteriormente seguidos por
outros criadores.
A apropriação e a reprodutibilidade técnica não são invenções contemporâneas, ou seja,
desta década de 2010. Todavia, percebemos que a possibilidade de criar com fundamento
nestas técnicas já conhecidas da arte, esbarra em limitações legais que protegem a criação
de um autor anterior. Questionamos, porém, se há reais invenções nos dias de hoje ou se o
nosso papel não seria o de ler o passado e apresentar nossa versão.
Atualmente, o reaproveitamento de ideias e materiais, no design, não concerne à
pura experimentação artística, como a existente nas vanguardas históricas. O trabalho com
materiais e ideias já existentes tem relação também com: (1) a sustentabilidade ambiental e
(2) a nova atribuição de sentidos às formas criadas por outras pessoas. Ousamos defender
que estes são desafios do design porque há normas jurídicas que podem engessar a criação,
acaso não seja pensado o ato de projeto no design. Isto porque, pela lei, a proteção é dada
ao resultado final (obra, desenho, etc.) e não a processos ou a ideias. A questão do direito
Referências
BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica (1936-1955). In.:
Magia e técnica, arte e política: ensaios. São Paulo: Editora: Brasiliense. 10ª reimpressão,
1996.
CARDOSO, Rafael. Uma Introdução à História do Design. São Paulo: Edgard Blücher,
2000.
DAMAZIO, Vera. Sobre “PPD-CV Conclusão” Hoje. In. COELHO, Luiz Antonio L. (org.). Design
Método. 1. edição, Ed. PUC-RIO. Teresópolis: Novas Idéias, 2006. p. 62
FORTY, Adrian. Objetos do Desejo. Design e sociedade desde 1750. Tradução: Pedro Maia
Soares. São Paulo: Cosac Naify, 2007.
LEVAN, Marthe. 500 bracelets: an inspiring collection of extraordinary designs. New York/
London: Lark Books, 2005.
MUNARI, Bruno. Das coisas nascem coisas. Ed. Martins Fontes. São Paulo: 2002, p. 316.
______________. http://www.negativland.com/
Resumo
Este artigo tem como objetivo compreender e analisar as mudanças
ocorridas no design gráfico e na redação publicitária dos anúncios
do creme dental Kolynos da revista O Cruzeiro entre os anos 50 e
60.
Este período ficou marcado não apenas pelas turbulências
políticas e econômicas vividas em nosso país, mas por conflitos
internacionais que contagiaram as pessoas na época e as gerações
que vieram posteriormente.
No Brasil, podemos destacar o início da ditadura militar em 1964,
o milagre econômico em 1968, a instituição do AI-5 no mesmo
ano e a popularização da televisão. Além disso, grandes nomes
surgiram neste período não apenas no design e na propaganda,
mas em diversas áreas de atuação.
Procuraremos demonstrar as diferenças entre dois anúncios neste
período, tendo vista as mudanças do design gráfico e da redação
publicitária brasileira.
A Revista o Cruzeiro
Para SANT’ANNA (2002, 209), a revista, de modo geral, é o meio de comunicação mais
seletivo que existe, pois o apelo destinado a elas permite uma maior segmentação enquanto
sexo, classe social e vocação do leitor, tornado-a especialmente adequada para as campanhas
de marca. Além disso, destaca as seguintes vantagens em relação aos jornais: possui melhor
reprodução dos anúncios impressos, a vida útil da revista é mais longa, são lidas mais devagar,
tem circulação maior que a tiragem e são mais seletivas que os jornais.
Segundo BARBOSA (2002), a revista O Cruzeiro, pertencia a um conglomerado de
imprensa fundado por Assis Chateaubriand chamado Diários Associados. A primeira edição
da revista é datada de 10 de novembro de 1928 e trazia em sua capa o desenho realista
de uma mulher melindrosa, com diversidade de cores e as estrelas do Cruzeiro do Sul, que
inspirou o nome da revista.
Logo abaixo do nome da Revista, aparece o principal diferencial do periódico em
relação às demais publicações da época. Isso foi um dos grandes motivos do sucesso da
revista: Revista Semanal Ilustrada
O Discurso Publicitário
SANT’ANNA (2002:75) coloca que a publicidade deriva de público, ou seja, designa
a qualidade do que se torna público, seja um fato ou uma ideia. Já a propaganda, tem sua
origem do Latim e deriva de Propagare. Este termo foi introduzido pelo Papa Clemente VII, em
1579 ao criar a Congregação da Propaganda, que tinha o objetivo de propagar a fé católica
pelo mundo.
SANT’ANNA define comercialmente a propaganda como: “Implantar na mente da
massa uma ideia sobre o produto ou serviço.” (2002:76)
CARRASCOZZA (1999:17), diz que existem dois tipos de discurso, o primeiro visa
convencer e o segundo deseja persuadir. Para o autor, a diferença entre convencer e persuadir
é que o primeiro é dirigido à razão, ou seja, direciona-se ao raciocínio lógico do indivíduo
e precisa de provas objetivas para uma conclusão positiva do interlocutor. Já o discurso
persuasivo possui um caráter ideológico, subjetivo, e visa atingir o sentimento e a vontade
através de argumentos plausíveis ou verossímeis.
Para CARRASCOZZA (1999:18), o discurso publicitário é um discurso persuasivo,
porque sua intenção é chamar a atenção do consumidor para as qualidades do produto ou
do serviço anunciado. Analisando o discurso publicitário de maneira abrangente, as peças
publicitárias esforçam-se para alcançar alto grau de persuasão, porque devem desencadear
uma ação futura do consumidor.
Complementando Carrascozza, SANT’ANNA (2002:78), diz que existem cinco níveis
de comunicação:
Desconhecimento
Menor nível de conhecimento, o consumidor jamais ouviu falar do produto ou da empresa.
Conhecimento
Exige um pequeno esforço do consumidor para conseguir reconhecer a marca ou o produto.
Compreensão
O consumidor tem conhecimento do produto ou serviço e também da marca; reconhece a embalagem
e sabe para que serve o produto.
Convicção
Além dos fatores racionais, a preferência do produto se dá por motivos emocionais.
Ação
Realização de movimentos premeditados para realizar a compra do produto.
Tabela 1: Níveis de Comunicação
Estudo de Casos
Figura 2: anúncio do Creme Dental Kolynos Figura 3: anuncio do Creme Dental Kolynos
da década de 1950. S/D da década de 1960. S/D
Fonte: http://www.netpropaganda.com.br Fonte: http://www.nublog.com.br
Acesso em 28/08/2010 Acesso em 28/08/2010
Nas peças acima, podemos observar que a figura 2 possui um discurso formal, na qual
a intenção é informar ao público a importância da escovação dos dentes de leite, o título diz
“Conservando os primeiros dentes... os segundos serão mais fortes!”
O design gráfico da peça nos mostra uma arte aerografada de uma criança, porém não
aparece o corpo. Logo abaixo vem o título da peça publicitária, e temos um pequeno boneco
segurando a escova de dente e apontando para a boca da criança. Neste ponto, podemos
identificar uma prosopopéia, que é uma figura de linguagem, muito utilizada nas campanhas
publicitárias. Segundo ANDRÉ, prosopopéia é:”a atribuição de qualidades humanas a seres
inanimados, irracionais ou mesmo abstratos.” (1982:350)
Podemos identificar o pequeno boneco como a pasta dental que pelo formato criado
remete à letra “K” de Kolynos. Abaixo temos o tubo de pasta de dentes, ocupando mais da
metade da largura da página. Ao lado temos o texto da peça com a seguinte informação
transcrita conforme anúncio “Graças à espuma de Ação Anti-Enzimático, o Creme Dental
KOLYNOS lhe oferece uma proteção salvo contra os caries, uma sensação extra de frescor.”
Abaixo do tubo de pasta de dentes, há também uma informação sobre os tamanhos
disponíveis dos tubos “Agora também em tamanhos GIGANTE e FAMÍLIA”
SANTAELLA
(2009:54), coloca que para Barthes a imagem pode ter três formas de relação com o texto.
No primeiro caso, a imagem seria inferior, portanto apenas complementaria as informações da
escrita. Na segunda definição, a imagem seria superior ao texto e o dominaria, uma vez que
a linguagem imagética é mais informativa que a escrita. E no terceiro caso, texto e imagem
possuem a mesma importância e estão integrados. Neste caso, a relação texto-imagem se
encontra em redundância e informatividade.
No caso da figura 2, podemos considerar que a relação imagética e textual do anúncio
não está com a mesma importância, tendo vista que se olharmos apenas a imagem do anúncio
não passará uma informação precisa sobre o produto ou seus benefícios.
A figura 3, criada na década de 1960, possui uma linguagem diferente da figura 2,
nesta propaganda o público alvo é o jovem, coloca o creme dental como um “companheiro”,
que ajuda a solucionar os problemas, por exemplo, o ato de flertar uma garota.
O grande diferencial da peça é a composição da criação, que tem uma sobreposição
de texto e imagem. A expressão “AH!”, tem o objetivo de induzir o consumidor à sensação de
frescor, e é aplicado com fotografias de vários momentos do casal, ficando clara a intenção do
rapaz em conquistar a moça.
Há cinco momentos nesta primeira parte da peça: na primeira os personagens
aparecem em uma biblioteca, onde a modelo está escolhendo alguns livros e o homem está
conversando com ela.
Abaixo ele está sorrindo com um livro nas mãos e a jovem está com aparência de
desconforto ao lado do rapaz.
Na terceira cena, aparece a jovem em primeiro plano como se estivesse ignorando a
presença dele.
Na quarta cena temos a imagem da modelo caminhando, como se estivesse indo
embora e apenas uma mão masculina se aproximando das flores que estão no jardim.
Na quinta cena temos as flores em close e uma mão apanhando um botão de Rosas.
Abaixo do conjunto de imagens, aparece o texto publicitário conforme transcrito abaixo:
Além disso, temos um pequeno splash ao lado esquerdo da página, novamente com
a expressão “AH!”, reforçando a sensação de frescor causada pela pasta de dentes, do lado
direito temos o casal sorrindo com a flor que o rapaz colheu no jardim, dando a entender que
ele conquistou a moça.
A estrutura das fotos nos remete às fotonovelas, que foi um grande sucesso de venda
entre os anos de 1950 e 1970.
SANTAELLA (2009:57), define que as imagens podem determinar a interpretação de
uma imagem de duas maneiras, através da contiguidade ou da disposição sequencial.
Na disposição sequencial existe o argumento que no caso das imagens dispostas
lado a lado, há uma sequência, formando uma relação semântica pela lógica da implicação,
porque a ordem tem o efeito e a impressão de uma relação casual. Este estudo demonstra
que o contexto da imagem não precisa necessariamente do conteúdo verbal, pois as imagens
funcionam como conceito de imagem.
Neste anúncio podemos verificar a existência de um contexto aplicado à história e que
não é preciso conteúdo verbal para seduzir o leitor a adquirir o produto.
Porém, como descrevemos anteriormente, a estrutura circular faz com que a peça
publicitária se torne completa, associando texto, (título, texto e slogan) e imagens, tornando a
mensagem publicitária mais forte e consistente no inconsciente do consumidor.
Considerações Finais
Podemos concluir que entre o começo dos anos 1950 e final dos anos 1960, a
propaganda brasileira, teve grande evolução de texto e imagem. Os anúncios publicitários
deixaram de ser apenas informativos e se aproximaram dos consumidores.
Estes métodos criativos ajudaram a alavancar as vendas de produtos e ajudou as
indústrias instaladas no Brasil e o país entre os anos de 1968 e 1972. Período marcado como
o período do milagre econômico, onde o PIB da nossa economia chegou a atingir 12% ao ano
com média de crescimento no período de 10% ao ano.
As novas estruturas adotadas pelas agências de design e de propaganda, estão
presentes até os dias de hoje e faz da propaganda e do design brasileiro um dos maiores e
melhores mercados do mundo tratando-se de criatividade.
Referências
BARBOSA, Marialva; O Cruzeiro: uma revista síntese de uma época da história da
imprensa brasileira; nº7, 2002. Disponível em http://www.uff.br/mestcii/marial6.htm. Acesso
em 27 ago. 2010.
MELO, Chico Homem de; Design Gráfico Brasileiro: Anos 60; 2ª ed. São Paulo: Cosac
Naify, 2008.
SANTAELLA, Lúcia; Imagem: Cognição Semiótica e Mídia, 1ªed. São Paulo: Iluminuras,
2009.
SANT’ANNA, Armando; Propaganda: Teoria, Técnica e Prática, 7ªed. São Paulo: Pioneira
Thompson Learning, 2002.
Resumo
Dividido em seis partes, o presente artigo tem início na discussão
acerca das definições de sistema de impressão em face da
dualidade pré-digital e digital. Expostos alguns dos sistemas
de impressão mais utilizados percebe-se a necessidade de
uma classificação dos mesmos. Nesta etapa são revistas as
classificações dos principais autores da área para então tornar-se
possível a consolidação de uma nova proposta, mais completa e
que facilita o processo de escolha de um sistema de impressão.
A sugestão de avaliação dos sistemas de Villas-Boas (2008) é
revista e acrescida do critério da sustentabilidade, novo paradigma
do design. Conclui-se então que a inclusão de critérios não só
tecnológicos, mas também sociais e ambientais no debate sobre
classificação e escolha dos sistemas de impressão é fundamental
para nortear as decisões dos designers contemporâneos.
Objetivos
- Atualizar o conceito de impressão diante da dualidade pré-digital e digital;
jato de tinta enquanto impresso, já que a mesma não implica na geração de uma matriz de
corpo físico.
Tipografia
A invenção da prensa para o uso de tipos móveis proposta por Gutenberg em 1450 foi
uma inovação tecnológica revolucionária sem precedentes na historia gráfica (FRIEDL; OTT;
STEIN; 1998). Apesar dos chineses já utilizarem tipos móveis de cerâmica, madeira ou mesmo
bronze, cerca de quatro séculos antes, o uso da prensa adequado ao alfabeto latino provocou
grande impacto na produção editorial mundial (RIBEIRO, 2003). A simplicidade do sistema
de escrita ocidental combinada a tecnologia originária da xilogravura foi a chave para o seu
sucesso.
Responsável pelo surgimento da imprensa como entendemos foi o único processo
industrial de impressão durante séculos e o principal até bem pouco tempo, aproximadamente
1950 (Fernandes 2003: 131).
Primariamente a tipografia implica na composição manual de textos através da
combinação de tipos feitos com uma liga de chumbo, antimônio e estanho organizados em
bandejas metálicas, galés, com o auxilio de instrumentos que definem a largura das colunas,
componedores. Madeira e linóleo também são utilizados para a confecção de tipos de corpos
maiores.
Depois de organizados linha a linha esse tipos são presos a um quadro de perfil metálico,
rama, com o auxílio de barras de ferro, cotaços, que são pressionadas contra as paredes
internas da rama através da ação de alargadores, cunhos. Somente então a matriz, presa a
rama, será fixada a impressora (CRAIG, 1996: 16).
Os tipos possuem caracteres que encontram-se em relevo – 23,566mm no sistema
francês, mais usado no Brasil, e 23,317mmno sistema anglo-americano – para serem entintados
sem permitir que a área ao seu redor, sendo mais baixa em média 1mm, receba tinta e portanto
imprima. Após depositada na superfície alta dos tipos por meio de rolos flexíveis – operados
manual ou mecanicamente – a tinta pastosa é transferida diretamente para o suporte por meio
de pressão, semelhante ao que se faz com um carimbo (CRAIG, 1996: 80).
Todavia, o arranjo puramente de tipos móveis não é a única possibilidade de obtenção
de matriz tipográfica. O uso de clichês para a representação de ilustrações a traço e retículas
combinado aos tipos é muito comum nesse sistema.
Há três tipos básicos de impressoras tipográficas: de platina, plano-cilíndricas e rotativas.
Na de platina duas superfícies planas se juntam para imprimir, uma contém a matriz e
a outra, chamada de platina, proporciona a pressão necessária ao processo. Há dois tipos de
maquinas de platina: a de cofre plano, utilizada por Gutenberg, e a vertical, conhecida como
Minerva ou Boca de Sapo.
A plano-cilíndrica consiste num cofre plano, que sustenta a matriz e um cilindro que
substitui a platina. A primeira impressora plano-cilíndrica foi fabricada por Friederich Koenig,
em 1811 (CRAIG, 1996: 82).
Por fim, a cilíndrica, diferente das outras, possui matriz curva, que se encaixa no
cilindro ou o envolve completamente. Este cilindro da matriz recebe pressão de um outro
cilindro para realizar sua tarefa atingindo velocidades mais altas que as outras impressoras
tipográficas. Uma evolução da plano-cilíndrica utilizada pela primeira vez em 1814 pelo jornal
Times (HEITLINGER, 2006).
Atualmente a tipografia é utilizada pelos designers em pequenas e até médias tiragens
de projetos especiais e/ou para acabamento de impressos. As impressoras de platina resistem
em várias gráficas atuais que as utilizam para realizar a numeração de talonários e aplicação de
relevo seco, sendo muitas vezes adaptadas para corte&vinco e hot-stamping.
Flexografia
De acordo com a Flexographic Technical Association (2009) a flexografia é originalmente
um sistema de impressão tipográfico total que utiliza clichês de borracha e tintas líquidas de
rápida secagem. Uma adaptação das impressoras tipográficas cilíndricas para produções de
baixo custo com anilina criada por volta de 1860 nos Estados Unidos.
Atualmente a flexografia utiliza matrizes de fotopolímeros que são entintadas por
um cilindro dotado de sulcos conhecido como anilox. De modo geral, a tinta é depositada
nesse cilindro de superfície metálica ou cerâmica e transportada do tinteiro para a matriz.
Todavia Fernandes (2003: 140) afirma que a matriz de flexo é entintada diretamente por um
rolo revestido de moletom que funciona como se fosse uma almofada umedecida flexível –
mecânica somente verificada nas impressoras mais antigas.
Um entendimento mais claro do avanços tecnológicos é apresentado por Villas-Boas
(2008: 92-95) que divide as impressoras flexográficas em três tipos: rudimentar, convencional
e de ultima geração.
Offset
O offset é um sistema de impressão baseado na litografia, uma técnica de gravura
inventada em 1798 na Alemanha, por Alois Senenfelder. O principio básico da litografia é a
incompatibilidade recíproca entre água e substâncias gordurosas.
Mais de um século após a invenção da litografia o offset surge em 1903, por obra do
americano Washington Rubel. O mesmo princípio foi utilizado no offset, as zonas de impressão
das matrizes, chapas de impressão, são lipófilas e atraem a tinta gordurosa, repelindo a água.
Por sua vez, as zonas não impressoras são hidrófilas e atraem a água repelindo a tinta.
Dois avanços da litografia foram determinantes para o desenvolvimento da impressão
offset: a invenção da fotolitografia, impressão litográfica baseada nas propriedades da
albumina bicromatada, e a substituição das matrizes de pedra por lâminas metálicas de zinco
ou alumínio (BAER, 2005: 187-188).
Hoje, esse sistema é capaz de reproduzir grafismos de várias cores em diversos suportes
em uma escala industrial. A maioria das impressoras offset são fabricadas para funcionar com
uma, duas ou quatro tintas diferentes. Cada tipo de impressora dá naturalmente suporte a um
tipo de trabalho. As projetadas para operar com uma tinta por vez suportam a monocromia,
as com duas tintas suportam a bicromia e as com quatro suportam a policromia. Todavia,
esta relação não é estanque. É possível, por exemplo, realizar com sucesso trabalhos de
bicromia em impressoras concebidas para operar com monocromias. Basta imprimir o papel
duas vezes, carregando a máquina com uma tinta diferente a cada vez. Do mesmo modo, os
outros equipamentos podem adequar-se a soluções desta natureza ou simplesmente ignorar
a possibilidade de uso de uma tinta.
Muito do que é preciso saber para entender a mecânica de funcionamento da impressão
offset está ligado a dois aspectos: o funcionamento de um castelo de impressão e os tipos de
impressoras.
Castelo de impressão é o nome dado ao conjunto de cilindros, ou módulo impressor, que
compõem o mecanismos de funcionamento básico das impressoras offset. Toda impressora
desta natureza possui ao menos três cilindros que irão agir em rotação: cilindro da chapa,
cilindro de borracha e cilindro de impressão.
O cilindro da chapa é envolvido com a matriz de impressão e recebe a aplicação direta
de tinta, pela ação dos cilindro entintadores, e solução de molhagem (normalmente composta
por água e ácido fosfórico), pela ação dos cilindros molhadores.
O cilindro de borracha, também chamado blanqueta ou caucho, toca o cilindro da
chapa e recebe a imagem que é transferida para sua superfície neste momento. É o caucho
quem toca a superfície do papel. A matriz de impressão nunca toca diretamente o papel
caracterizando o processo offset de impressão como indireto.
O cilindro de impressão desempenha a função de pressionar o papel contra o caucho
para permitir a transferência da tinta ao papel.
A qualidade da impressão offset se deve em grande parte a transferência indireta da
imagem ao suporte. O excesso de tinta e sobretudo de água eliminado pela blanqueta poderia
comprometer a resistência do papel. Também a dureza da superfície da matriz em contato
com o suporte não permitiria que a tinta fosse depositada adequadamente. Mesmo que
praticamente microscópicas, as imperfeições da superfície dos papeis devem ser cobertas
de tinta em seus altos e baixos relevos para que não haja falhas nos grafismos resultantes,
operação impossível para o duro metal da chapa.
Cada cor de seleção ou especial utilizada em um trabalho determina na prática uma
impressão diferente, uma entrada em máquina e cada entrada demanda um castelo. Assim,
uma máquina própria para monocromia possui apenas um castelo, uma própria para bicromia,
dois e uma para policromia, quatro. Todos dispostos em seqüencia linear.
Cada castelo recebe apenas uma chapa de impressão por vez e por conseqüência é
carregado com uma tinta para cada entrada de máquina.
Uma curiosidade comum ao offset que pode influenciar no resultado das impressões
é o ganho de ponto das impressoras. Trata-se de uma característica praticamente única de
cada equipamento que aumenta ou diminui ligeiramente a dimensão dos pontos gravados
nas chapas. Também por conta desta característica as matrizes devem apresentar todos os
dispositivos gráficos de controle de cor presentes nos arquivos finalizados e nos fotolitos.
Planas e rotativas são os tipos mais comuns de impressoras offset.
As planas são alimentadas por folhas de papel e podem ser grandes, médias e de
pequeno porte. O dimensionamento desses portes está diretamente relacionado ao tamanho
das folhas com as quais alimenta-se essas máquinas.
As menores utilizam formatos próximos aos de uso caseiro, como A4, ofício, A3 e até
duplo ofício. As de médio porte utilizam-se de formatos baseados no chamado corte industrial,
fabricado para atender as demandas da industria gráfica. Os formatos mais comuns partem
do BB. As impressoras de médio porte são alimentadas com papéis a partir de formato 4, ou
seja ¼ de folha BB, até formato 2, ½ de folha BB, ou simplesmente B. Por fim, as impressoras
de grande porte trabalham com formatos acima de B, quase sempre com folhas inteiras.
Apesar das impressoras de menor formato terem caído em dês-uso o tamanho das
impressoras não reflete atualmente a tecnologia que elas possuem, nem tão pouco sua
qualidade. Impressoras de médio porte tem sido fabricadas com altíssima tecnologia.
As rotativas são alimentadas por bobinas de papel e normalmente apresentam reversão.
Reversão é o recurso que permite com que esses equipamentos imprimam as duas faces do
papel ao mesmo tempo. São muito utilizadas nos parque gráficos de jornais e algumas grandes
gráficas que necessitam de prazos curtos para impressão e acabamento. Em muitos casos
as rotativas possuem equipamentos de dobra, refile e encadernação de alta performance
acoplados a sua estrutura, o que acarreta ganho significativo de tempo na realização de vários
trabalhos (BUGGY, 2009: 16-18).
Rotogravura
Segundo Craig (1996) e Fernandes (2003) a rotogravura tem origem nos processos
de gravura em metal encavográficos de pressão plana, como ponta seca, talho-doce e água
forte. Curiosamente, Villas-Boas (2008) atribui esta origem a industria têxtil do século XIX.
É sabido que uma série de impressões, normalmente monocromáticas, foi desenvolvida na
Europa naquela época através da ação de rolos gravados (GINZBURG, 1993). A pressão linear
desses sistemas de impressão têxteis e a forma de suas matrizes faz plausível essa teoria,
apesar da mesma não encontrar eco na obra de outros autores da produção gráfica. De toda
sorte, o uso de matriz metálica com áreas de grafismo gravadas em baixo relevo para conter
tinta é comum às duas origens mencionadas.
A impressão rotográfica se realiza da seguinte forma: um cilindro de superfície metálica
e/ou cerâmica é imerso dentro do tinteiro e girado para ser completamente coberto pela tinta.
Este cilindro possui todas as informações do grafismo registradas em reticulas de pontos
côncavos. Para evitar excesso de tinta no contato com o suporte, a matriz é raspada por uma
espécie de rodo metálico, a racla, fazendo com que a tinta fique depositada nas cavidades do
cilindro. Após esta operação a matriz toca o suporte pressionado por um cilindro de impressão
(FERNANDES, 2003: 139). Desse modo, o suporte busca a tinta que se aloja nas pequenas
perfurações da superfície da matriz, os alvéolos.
O uso de tintas líquidas a base de solventes fortes e voláteis, como o thinner, é imposto
pela velocidade da rotogravura e pela dimensão minúscula dos alvéolos.
As impressoras de rotogravura são normalmente equipamentos de grande porte
dimensionados para execução de altas e altíssimas tiragens com grande qualidade (RIBEIRO,
2003). Os suportes podem ser os mais diversos. Papel, papelão, plásticos, tecidos, metal,
etc. Em geral, o acabamento é realizado in line (processos acoplados às impressoras)
como na flexografia, incluindo plastificação e aplicação de vernizes. É muito comum que
essas impressoras de alta performance trabalhem simultaneamente com seis a oito tintas
possibilitando impressão simultânea de cores de seleção e cores especiais (VILLAS-BOAS,
2008: 100).
Pode-se citar como impressos do processo de impressão de rotogravura os miolos de
revistas de grande tiragem, maços de cigarros e as embalagens flexíveis de produtos como
biscoito, café, etc. (FERNANDES, 2003: 139).
Tampografia
Inventado recentemente, por volta de 1970, a tampografia segundo Fernandes (2003)
é uma resposta para atender às necessidades de impressão no interior de objetos côncavos.
Todavia, superfícies de objetos convexos também podem ser impressas pelo mesmo processo.
Existem dois tipos elementares de impressoras tampográficas: a de tinteiro enclausurado
e a de tinteiro aberto.
Nas impressoras de tinteiro aberto um clichê encavográfico é percorrido por um bico
distribuidor de tinta, para que, a seguir uma racla remova a tinta das áreas de contragrafismo,
forçando também a entrada da mesma nas áreas de grafismo. Na seqüência, uma peça de
silicone muito flexível, o tampão, é pressionada sobre a matriz, a tinta adere a essa peça e é
por ela transferida para o suporte, que deve estar acomodado em um gabarito (FERNANDES,
2003: 144).
O componente mais sensível do processo tampográfico, o tampão, é um elastômero
inalterável com alto poder de transferência basicamente constituído por uma mistura de
borracha de silicone, óleo e catalisador, todos cuidadosamente dosados. Sua forma e dureza
são determinantes para a qualidade e velocidade da impressão.
Muito utilizada no setor de brindes para impressão de objetos tridimensionais a
tampografia utiliza tintas líquidas e coloidais para a produção de pequenas e médias tiragens
(FERNANDES, 2003: 144).
Serigrafia
Segundo Fernandes (2003: 141) o processo de impressão serigráfico foi inventado na
China há alguns séculos. Dov Kruman (2000) editor do jornal O Serigráfico – importante veículo
do mercado nacional especializado – indica a mesma origem datando-a, contudo, 3.000 anos
antes da era cristã. O primeiro registro desta impressão seria um selo real com o qual as
monarquias imperiais da Ásia Menor davam valor de documento a um escrito. Já Baer (2003)
acredita que sua origem esteja no Japão.
Séculos ou milênios, China ou Japão? Independente da idade e origem, este sistema
consiste em uma evolução mais de perspectiva do que de tecnologia de um método de
gravura, classificado por Fajardo (1999: 70) como gravura a estampilha, para um sistema de
impressão comercialmente aceito.
É fato que, recentemente, a serigrafia ganhou uma série de incrementos e passou
a atender tiragens de volumes sensivelmente ampliados em relação a impressão plana
convencional (VILLAS-BOAS, 2008).
Segundo Ribeiro (2003: 134) a serigrafia baseia-se num principio muito simples, consiste
no resultado da compressão de tintas líquidas ou coloidais, com uma espátula normalmente
de borracha, o rodo, através de um estêncil elaborado numa tela de fios tramados, sobre a
superfície que se quer imprimir.
De modo geral as impressoras serigráficas dividem-se hoje em dois grandes grupos:
planas e rotativas.
As planas podem ser manuais, semi-automáticas ou mesmo automáticas e utilizam o
mesmo tipo de matriz confeccionada a partir de um bastidor de madeira ou metal no qual é
tencionada uma tela de seda, náilon ou metal. As áreas de contragrafismo são impermeabilizadas
para inibir a passagem da tinta (FERNANDES, 2003: 141-142).
As rotativas partem do mesmo principio de permeabilidade, mas suas matrizes são
cilíndricas e proporcionam uma pressão linear. Esses cilindros são formados por telas metálicas
com malha de níquel confeccionadas por processo galvânico. A tinta é localizada dentro da
matriz e transferida para o suporte a partir da pressão de raclas que se localizam do seu
interior (VILLAS-BOAS, 2008: 89-90).
A serigrafia é um sistema extremamente versátil que permite a impressão não só sobre
papel e tecido, mas também sobre laminados plásticos, plásticos rígidos, tecidos, lonas,
suportes tridimensionais, metais, vidros, cerâmica e uma infinidade de materiais, inclusive em
superfícies convexas (VILLAS-BOAS, 2008: 85). Fernandes (2003) também inclui superfícies
de pouca concavidade nessa lista de possibilidades.
Se por um lado o desenvolvimento de sistemas digitais comprometeu o emprego da
serigrafia na área da sinalização – placas, banners, faixas, entre outros outrora eram quase que
exclusivamente produzidos serigraficamente – e o desenvolvimento da flexografia comprometeu
seu emprego no setor de embalagens, por outro a indústria de eletrodomésticos e placas de
circuito abriu uma nova seara para o desenvolvimento desse processo de impressão.
Jato de Tinta
Processo empregado pelas impressoras pessoais mais bem aceitas hoje no mercado
o jato de tinta é o sistema digital de mais baixo custo de aquisição (VILLAS-BOAS, 2008:
p.110). Possui boa precisão e qualidade de impressão, com fácil manuseio e manutenção
(FERNANDES, 2003: 151). Nesta condição, é muito utilizado pelos designers para geração de
provas durante a concepção dos projetos gráficos.
A Hewlett-Parkard, inventora do sistema, desenvolveu a primeira impressora jato de
tinta em 1976, todavia ela somente tornou-se um produto de consumo doméstico em 1988.
De modo geral, suas impressoras funcionam conectadas a um sistema digital de
tratamento de imagens e operam a partir do controle por arquivos de pulsos eletrônicos, como
qualquer outro sistema digital. Considerados por muito autores como matrizes não-físicas
esses arquivos impossibilitam o contato entre matriz e suporte. Toda informação de grafismo
contida neles é decodificada para a compreensão das impressoras através de uma linguagem
de descrição de página que irá controlar os cabeçotes de impressão.
Os cabeçotes, ou cabeças, são peças chave na tecnologia jato de tinta. São
responsáveis pela aspersão de jatos de tinta, geralmente líquida e a base de água, desferidos
quase sempre sob demanda contra os suportes (FERNANDES, 2003: 149-151). Além da tinta
líquida algumas impressoras utilizam tintas sólidas.
Segundo Baer (2005: 125) as impressoras jato de tinta dividem-se em dois tipos: as
que trabalham com tinta, cujo jato funciona sob demanda (drop on demand) e as de jato
contínuo (contunuous flow).
As impressoras sob demanda funcionam por meio de vaporização de gotículas de tinta,
as bubble jet (jato de bolhas), ou pela ação de bombeamento, as piezoelétricas (VILLAS-BOAS
2008: 110). Esta classificação é muito bem aceita pelos principais fabricantes de impressoras
jato de tinta, HP, Epson e Canon.
As impressoras bubble jet aquecem a tinta líquida no interior de pequenos reservatórios,
os cartuchos de impressão, através de uma resistência, formando pequenas bolhas de ar que
fazem a tinta espirrar contra o suporte orientadas por micro dutos presentes nas cabeças
de impressão. Cabe frisar que a tinta empregada neste sistema não encontra-se vaporizada
dentro dos cartuchos, apenas entra em ebulição no momento da impressão.
Por sua vez, as piezoelétricas funcionam como uma bomba microscópica, borrifando
tinta sobre o suporte. Neste caso, as cabeças de impressão possuem um pequeno canal
dentro do qual posiciona-se um cristal. Ao receber eletricidade este cristal vibra, fazendo com
que gotículas de tinta sejam expelidas para fora do cartucho (EPSON DO BRASIL, 2009).
Villas-Boas (2008) ainda chama atenção para uma terceira espécie de impressora jato
de tinta sob demanda, a de troca de estado. Essas impressoras que utilizam-se da mudança
de fase da tinta trabalham com lâminas de sólidas que são derretidas e borrifadas contra
os suportes onde tornam a solidificar-se com o auxílio de cilindros, agentes de pressão e
resfriamento.
Nas impressoras de jato contínuo a tinta não é lançada de modo intermitente. Nelas
Laser
Em termos genéricos, Baer (2005: 205) afirma existir pelo menos três sistemas
eletrográficos amplamente reconhecidos: a xerografia ou eletrofotografia indireta, a
eletrofotografia e a impressão eletroestática. Villas-Boas (2008) compartilha dessa lógica,
todavia, não há consenso claro entre os principais autores contemporâneos da produção
gráfica nacional a respeito desta divisão.
Baer (2005) se refere a impressão laser como xerográfica, Villas-Boas (2008), por sua
vez, como digital e Fernandes (2003), como eletroestática. Essas diferenças podem suscitar
dúvidas a respeito dos conceitos envoltos nesta classificação de sistema de impressão.
Apesar dos conflitos conceituais, parece sensato crer que o sistema laser é resultado
da evolução da xerografia, de sistema convencional para digital, conforme indica Fernandes
(2003: 152).
Elaborada por Carlson em 1938 e aperfeiçoada no Battelle Memorial Institute, nos
Estados Unidos, a xerografia foi associada ao laser em 1960 originando a copiadora Xerox
914 (XEROX DO BRASIL, 2009). Em 1989 a mesma empresa lança a impressora DocuThec,
um marco na transição do uso de eletricidade estática na impressão. Esse equipamento foi
criado para funcionar simultaneamente como copiadora e impressora digital (VILLAS-BOAS,
2008: 84).
Segundo Fernandes (2003: 152) originalmente as copiadoras trabalhavam apenas com
matrizes físicas – um original que servia de padrão para reprodução de cópias. Com a adição
da capacidade de comando por sistemas digitais operado a partir de arquivos os princípios do
processo laser xerográfico não foram alterados.
O funcionamento desse tipo de impressão se dá, inicialmente, pela ação de feixes
de laser que carregam eletroestaticamente um cilindro revestido de selênio nas áreas que
correspondem ao que será impresso. Simultaneamente, o toner recebe um carga eleroestática
de sinal oposto ao do cilindro. Desta forma, a eletricidade estática do cilindro, concentrada nas
áreas que formam a imagem que será reproduzida, atrai o toner, que adere então ao cilindro
e, em seguida, é transferido para o suporte, que recebeu carga elétrica de maior intensidade.
Finalmente, a imagem formada pelo toner é fixada no suporte por calor e pressão ou somente
por calor, etapa denominada de polimerização.
Toner é uma tinta não condutora, geralmente em forma de pó seco, algumas vezes
disperso em liquido, cujas partículas plásticas são carregadas eletroestaticamente e transferidas
para o suporte (BAER, 2005: 205).
Vale lembrar que o cilindro funciona como uma espécie de suporte para a matriz que
é virtual. Uma vez finda a impressão, ele se regenera para construir uma nova matriz. O uso
dessas matrizes virtuais permite ajustes e customização de impressos em qualquer tiragem
(VILLAS-BOAS, 2008: 80).
Atualmente a chamada impressão laser é muito utilizada para pequenas tiragens, pois
não possui custo de partida – custo fixo associado a chapas, fotolitos e acerto de máquina.
Porém, o custo unitário da impressão laser é maior se comparado ao offset e a outros sistemas
convencionais acima de tiragens médias.
Para pequenos formatos as opções de suportes são limitadas, normalmente reduzida
aos papeis indicados e/ou produzidos pelos fabricantes das impressoras. Já para grandes
formatos, utilizados no mercado de sinalização, as opções são mais variadas passando por
tecidos, lonas, películas auto-adesivas de vinil, filmes gráficos e papeis (VILLAS-BOAS, 2008:
80-83). Uma lógica de uso muito semelhante ao encontrado no segmento do jato de tinta.
Outros processos
Alguns processos de menor popularidade merecem certa atenção dos designers. Apesar
de pouco difundidos ocupam espaços específicos no mercado de impressão revelando-se
muitas vezes opções interessantes. Tratam-se de adaptações e/ou inovações dos demais
processos já vistos neste relato.
Di-litho é uma evolução da litografia originaria dos anos 1970. Um processo simples
que consiste no uso de chapas offset em maquinas tipográficas. Seu resultado é superior a
impressão tipográfica e inferior a offset.
Letterset foi durante muito tempo conhecido como offset seco, título hoje ostentado
pelo sistema Indigo. Também originário dos anos 1970, é um processo misto, com matrizes em
relevo de fotopolímero adaptadas a impressoras offset. Os grafismos em relevo são entintados
e transferidos para uma blanqueta de borracha para enfim chegar ao suporte.
O Indigo é conhecido como o offset digital. Um processo que alia uma matriz típica da
eletrografia, virtual e determinada por fenômenos eletroestáticos, com uma impressão indireta
por meio de blanqueta, característica comum ao offset convencional.
Sob a ação de um laser, direcionado pelos dados digitais fornecidos por arquivos
Esse equipamentos são capazes de reproduzir apenas imagens a traço. Uma vez
ajustados os arquivos a esta condição cada película auto-adesiva de vinil é recortada de forma
que a profundidade desses cortes não alcance a base de papel que protege o adesivo e que
mantém unida toda a superfície do suporte mesmo após a ação das lâminas.
Efetuando o processo no número de lâminas condizente com o número de cores
desejado, elas são afixadas de modo que uma se sobreponha à outra, formando o layout
desejado.
Muito utilizado no setor de sinalização para viabilizar a produção de banners e placas
os plotters de recorte podem auxiliar no acabamento de pequenas tiragens de impressos
oriundas de sistemas de impressão digitais ou mesmo convencionais (BUGGY, 2009).
• Planográficos. Sistemas nos quais não há qualquer relevo para determinar a impressão.
Neles a matriz é sempre plana e fenômenos físico-químicos de repulsão e atração
fazem com que a tinta se aloje nas áreas de grafismo para que sua reprodução no
suporte ocorra;
ainda não está consolidada e muitas vezes eles são mencionados como processos
digitais, processos eletrônicos, etc. devido ao fato de que os originais se constituírem
em dados informatizados;
• Digitais. Sistemas que utilizam matriz virtual formada por impulsos elétricos originários
de um sistema informatizado. Como também se caracterizam pelo fato de o original
ter a forma de dados informatizados, muitas vezes são erroneamente associados aos
eletrográficos. São sistemas muito diferenciados entre si, em geral adequados a tiragens
únicas, como provas de impressos que serão produzidos em médias ou altas tiragens;
• Híbridos. São aqueles que envolvem componentes diferentes, como a matriz própria
de um sistema aplicada à impressão própria de outro, por exemplo. Em geral referem-
se a equipamentos ou tecnologias muito específicos, quase sempre patenteados por
fabricantes do meio gráfico.
Por outro lado, se considerarmos o tipo de funcionamento dessas matrizes, levando em
conta sua interação com os suportes – conforme indicam Baer (2005: 63), Fernandes (2003:
128) e Ribeiro (2003: 129) – os sistemas podem ser divididos em apenas dois grandes grupos:
• De impressão direta. Também chamados de diretos, são sistemas nos quais ocorre
o contato direto entre a matriz e o suporte impresso (tipografia, flexografia, rotogravura,
serigrafia, etc.);
acrescentar algumas novas categorias para adequar a definição da pressão exercida pela
matriz no suporte nesses casos. São elas:
• Pressão côncava. Ocorre quando toda a superfície da matriz côncava ou de um
elemento côncavo intermediário usado para transferir o grafismo toma contato com
toda a superfície convexa do suporte;
• Sem pressão. Alguns sistemas não prescindem do exercício de pressão para realizar
a transferência de grafismos da matriz para o suporte. Nesses casos esta nomenclatura
deve ser adotada.
Assim, as definições de Ribeiro (2003) para pressão plana e linear devem ser ajustadas
da seguinte forma:
• Pressão plana. Ocorre quando toda a superfície da matriz plana toma contato com
toda a superfície plana do suporte ao mesmo tempo;
• Pressão linear. Ocorre quando só uma parte da matriz toma contato com uma parte
da superfície do suporte por vez.
composição, visto que estes elementos são tóxicos e podem causar sérios danos aos seres
vivos (JEDLICKA, 2009).
Durante a fase de produção, deve-se buscar empresas responsáveis socialmente,
que utilizem tecnologias limpas e que estejam próximas ao consumidor final, minimizando
o impacto ambiental gerado pelo transporte. No Brasil, apenas 7% das gráficas possuem
certificação ISO 14000, que contempla os critérios de sustentabilidade. Este fato dificulta a
opção por empresas certificadas, mas o SEBRAE e a ABIGRAF apontam que este número
deve dobrar até 2014 (BRITO, 2009).
Além disso, pode-se reduzir o impacto ambiental negativo da impressão offset através
de processos como a dryography (que não utiliza água), computer-to-plate (CTP) e direct
imaging (DI) (JEDLICKA, 2009). Os principais contaminantes gerados pelas empresas gráficas
advêm dos banhos necessários em vários processos, que geram efluentes líquidos que podem
conter metais pesados, óleos e graxas, solventes, soluções ácidas e alcalinas, reveladores e
fixadores (FIRJAN, 2006).
Fernandes, (2003: 128) acredita que a escolha do processo de impressão correto
para cada situação é facilitada pela classificação dos sistemas de impressão. De fato, o
estabelecimento de conexões entre os aspectos acima apresentados e as classificações
anteriormente comentadas, sobretudo as que dizem respeito a forma das matrizes de
impressão, auxilia na obtenção de respostas eficientes, tendo em vista as considerações
provocadas pelo inevitável cruzamento de dados.
Conclusão
A impossibilidade de uma matriz que não tenha corpo físico exercer pressão sobre um
suporte ou qualquer elemento intermediário e o crescente abandono de recursos puramente
mecânicos na configuração dos sistemas são os principais fatores que contribuíram para
a revisão do conceito de impressão feita no início deste artigo. Ao fazê-lo observou-se a
necessidade revisão no modo de classificação das tecnologias de impressão mais utilizadas
no cotidiano dos designers gráficos.
A complementaridade das tipologias de classificação verificada na literatura disponível
em língua portuguesa indicou a possibilidade de sua aglutinação em favor de um melhor
entendimento das diferenças e semelhanças entre os sistemas.
O estudo aqui apresentado promoveu os ajustes demandados pelo uso em paralelo das
formas de agrupamento vigentes propondo classes complementares e adequando a definição
de outras a nova realidade. Os critérios de seleção indicados por Villas-Boas (2008) também
foram apreciados e sua ampliação recomendada.
Essas propostas trazem um novo ânimo à produção gráfica, renovando a discussão
a seu respeito – a qual comumente se dá no âmbito tecnológico. Ciência e humanidade são
dimensões tocadas durante o debate sobre classificação e escolha dos sistemas de impressão
BRITO, Vanessa. Indústria gráfica nacional cresceu 9,6% em receitas entre 2006 e 2008.
Disponível em: http://www.agenciasebrae.com.br/noticia.kmf?noticia=8824730&canal=288.
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VILLAS-BOAS, André. Produção gráfica para designers. 3 ed. Rio de Janeiro: 2AB, 2008.
Resumo
A proposta deste texto é analisar como os conceitos de estilos
de vida e perfis, associados às fragrâncias, são traduzidos
plasticamente para os frascos de perfume, refletindo e refratando
elementos das relações sócio-culturais. Investiga como o design
destas embalagens, em suas dimensões técnicas, estéticas
e simbólicas, dá visibilidade aos valores culturais, reiterando
significados capazes de marcar a posição social, o perfil, o estilo de
vida e os processos tecnológicos de uma dada sociedade. O estudo
foi feito a partir dos produtos citados pelos Guias de Perfumes de
2009 e de 2010. Buscou-se, com isso, ampliar as possibilidades
de leitura dos artefatos, considerando as sensações, sentimentos e
usos sugeridos a partir das embalagens, ressaltando a construção
social da cultura material. Os frascos de perfume comunicam a
diversidade e complexidade dos conceitos que existem sobre o
mundo, num determinado período e lugar.
Não se poderia falar dos aspectos materiais da cultura (ou da cultura material)
sem falar simultaneamente da imaterialidade que lhes confere existência
(sistemas classificatórios; organização simbólica; relações sociais; conflitos de
interesse, etc.). (...) Prática e representação são tomadas como dimensões
inextricáveis da vida cultural, alimentando-se mutuamente, sem que as seja
possível compartimentar. (REDE, 1996, p. 273).
O universo dos objetos não se situa fora do fenômeno social, mas, o compõe, como
própria um sistema de diferença (SCOTT, 1991) - e dos sistemas simbólicos pelos quais são
representadas. Ou seja, através de textos literários, telenovelas, publicidade, moda, design
entre outras entidades que “delimitam espaços, estabelecem fronteiras por meio das quais
são marcadas as diferenças em relação a outras possibilidades de identificação” (SANTOS,
2008, p. 40).
Nesta direção, segundo Medeiros e Queluz (2008), todo e qualquer artefato produz e
está associado a uma identidade, tanto tecnicamente quanto culturalmente, para atingir os
consumidores que irão comprar e usar este produto, que supostamente o identificará para
sociedade. O sujeito constrói suas identidades e subjetividades através, mas não somente, de
produtos de design, ancorando-se nas imagens e nos significados simbólicos que os objetos
projetam; o consumo torna-se uma forma de comunicação.
A “discussão sobre ‘estilos de vida’ (‘lifestyle’) passou a ser um condutor principal do
design nos anos 90, não só na teoria como na prática” (BÜRDEK, 2006, p. 329). Entende-se
que o estilo de vida é projetado a partir de um conjunto de produtos, roupas, cortes de cabelo,
posturas corporais, experiências e etc. escolhidas e adequadas para externar a individualidade
de uma pessoa, aproximando ou diferenciando-o de sujeitos e grupos sociais.
O estilo de vida pode ser compreendido como “um conjunto mais ou menos integrado
de práticas que um indivíduo abraça, não só porque essas práticas preenchem necessidades
utilitárias, mas porque dão forma material a uma narrativa particular da auto-identidade”
(GIDDENS, 2002, p. 79).
Paul Poiret inaugurou o conceito de fragrância de estilista no início do século 20,
conectando o perfume à moda, uma ligação que desde então jamais foi desfeita. O perfume,
assim como a roupa, tornou-se parte integrante da personalidade do indivíduo, envolvendo
diversos discursos tais como o estilo de vida.
As propagandas sobre perfumes costumam explorar signos de estilo de vida, que
acabam por contaminar os modos de percepção dos frascos de perfume, pois estes não
existem por si só, fazendo parte de um entorno composto por mídias e mediações, que
influenciam a imaginação dos consumidores.
Em consonância com as propagandas, os frascos de perfumes são como mídias de
estilo que, de acordo com Santos (2010), favorecem a circulação de valores que afetam a
constituição, reformulação ou rompimento das identificações individuais e coletivas no interior
da cultura de consumo.
Fig. 1: Propaganda do perfume Burberry Brit, de 2004, da Burberry.. Disponível em: < http://www.okibox.com/
upload/useruploads/images/burberry_brit_for_men_2.jpg>. Acesso em: 03/05/2010.
O uso do terno e da gravata skinny parece fazer referência à cultura mod (modernist),
surgida em Londres no início da década de 1960, em oposição aos Teddy Boys. Os mods,
jovens ingleses da classe média, adotaram uma maneira clássica e comportada de se vestir,
diferentemente do estilo rebelde e roqueiro dos Teddy (VINIL, 2008). Eles costumavam vestir
ternos italianos bem ajustados para parecerem sofisticados, desfilar em suas lambretas
conhecidas como “vespas” e beber na fonte da música afroamericana como o R&B, jazz e
soul (INDIE BLOG, 2010).
O homem brit do anúncio parece ser uma releitura cool do jovem mod. Apesar de
ser elegante, ele é mais irreverente, tanto no cabelo como na postura corporal. A vespa é
substituída pelo famoso Mini Cooper, produzido na década de 50 e que ainda mantém suas
características conceituais, evocando noções de independência e liberdade assim como a
preferência por produtos da moda com apelo vintage.
O conceito do fragrante Burberry Brit, mediado pela propaganda, manifesta o estilo de
vida do homem brit: sua maneira de viver mais urbana e cosmopolita, suas preferências pela
música, arte e produtos da moda. O frasco de linhas retas do Burberry Brit (fig. 2) estampa
o famoso xadrez da grife - símbolo de elegância na Inglaterra – em tons acinzentados. A
distância entre as linhas torna o conjunto pouco discreto, conferindo certa casualidade a ele.
Reforça a um só tempo, através de suas características plásticas, as ideias de tradição e de
modernidade. A escolha da embalagem revela a preferência por artigos da moda e um modo
brit de levar a vida.
sensual seduz todos aqueles que a observam. As cores, púrpura e preta, do frasco (fig. 3)
fazem alusão à noite, quando desejos e emoções parecem libertar-se das algemas da razão.
Usar na academia Viajar para a praia Relaxar em casa Parecer que saiu do
banho
I’m going: Puma (2007) My Voyage: Nautica Acqua di Colonia Floral: Tuscan Soul: Salvatore
(2007) O Boticário (2008) Ferragamo (2008)
Tab. 01: Perfumes para usar na academia, na praia e em casa. Fonte: Bellino (2003).
Figura 4: Linha Verão da grife Harajuku Lovers. Da esquerda para direita: Love, Lil’Angel, G, Music, Baby.
Disponível em: <http://www.embalagemmarca.com.br/embmarca/content/view/full/8191>. Acesso em:
22/02/2010. & Linha Inverno da grife Harajuku Lovers. Da esquerda para direita: Love, Lil’Angel, G, Music,
Baby. Disponível em: <http://www.embalagemmarca.com.br/embmarca/content/view/full/8191>. Acesso em:
22/02/2010.
A natureza em frascos
O processo de definição de estilos de vida incorpora, frequentemente, elementos
centrais da visão hegemônica do sociedade capitalista-liberal. Neste sentido, em uma
sociedade globalizada que apresenta fortes processos de padronização e instrumentalização
Figura 5: Da esquerda para direita: Arbo (2004) de O Boticário e Uzon (2008) da Jequiti. Fonte: Guia de
Perfumes (2010).
Figura 6: Da esquerda para direita: Fleur Du Corail (2008) da Lolita Lempicka e KenzoAir (2003) da Kenzo.
Fonte: Guia de Perfumes (2010).
Figura 7: Da esquerda para direita: Amethyste (2007) da Lalique, Serpentine (2006) de Roberto Cavalli e Ice
Men (2007) de Thierry Mugler. Fonte: Guia de Perfumes (2010).
(pulsos, nuca, colo e etc.), à postura corporal, ao modo de segurar o frasco de perfume e
de borrifar o seu conteúdo. No cinema, estas técnicas aliaram-se à roupa (vestido, robe,
lingerie), ao cenário (quartos, suítes, banheiros) e ao mobiliário, especialmente às charmosas
penteadeiras, manifestando ideias de luxo, elegância e sensualidade.
Este aparato – roupa, mobiliário, cenário - acabou por ampliar as técnicas de perfumar
o corpo, suscitando modos de se portar, de se sentar, de se olhar no espelho, resultando em
um rico sistema de servir o corpo. Este conjunto de técnicas parecia fazer parte de um ritual
mágico de conquista e sedução do ser amado.
O uso do corpo humano ou de partes dele é bastante recorrente no design de frascos de
perfume. Geralmente, o uso de tal referência visa manifestar efeitos de sedução, sensualidade,
sexualidade, beleza, juventude, virilidade e etc. O frasco Shocking (fig. 8), de 1936, de Elza
Schiaparelli, foi o primeiro dos chamados perfumes comerciais (fragrantes de marca) a moldar
o formato a partir de um corpo de mulher, refletindo o estilo moderno e excêntrico da estilista:
Figura 8: À esquerda, frasco do perfume Shocking de 1936, de Schiaparelli. À direira, edição posterior com
embalagem de papel em rosa shocking. Disponível em: <http://www.superziper.com/2007/04/1938-direto-do-
tnel-do-tempo.html> e <http://vandm.com/SCHIAPARELLI_SHOCKING_PERFUME_BOTTLE_AND_BROCH>.
Acesso em: 22/03/2010.
Figura 9: Da esquerda para direita: Frasco de Le Classique Jean Paul Gautier (1993), edição limitada (sem data)
e figurino de Madonna criado por Gaultier. Disponível em: <http://www1.macys.com/catalog/product/index.ogn
c?ID=16396&CategoryID=30127>, <http://3.bp.blogspot.com/_WzBpsGzy03k/ShCv8RpzmFI/AAAAAAAAAX0/
xuxwTaxX9JA/s320/blond+ambition+tour+1990.jpg> e <http://www.toutenparfum.com/historique/jpg/jpg.
en.php>. Acesso em: 27/06/2010.
Figura 10: Da esquerda para direita: Glow After Dark (Jennifer Lopez, 2007) Bond Girl (Avon, 2008).
Fonte: Guia de Perfumes Officiel (2009).
O envoltório do perfume Bond Girl (2008) da Avon evoca a silhueta curvilínea das bond
girls, em homenagem aos filmes de ação e aventura de James Bond. A tampa da embalagem
faz menção ao pino de uma granada, suscitando ideias de perigo e aventura.
Em outros casos, o frasco, que à primeira vista parece lembrar simples formas
geométricas, ganha fortes conotações sexuais ao ser apresentado pela mídia impressa e/ou
televisiva. A publicidade do fragrante Tom Ford for men (2007), do estilista de mesmo nome,
tem um apelo sexual muito explícito. A localização do frasco de perfume no corpo da mulher,
aliada ao formato cilíndrico da tampa da embalagem, acaba por provocar a associação entre
as formas do envoltório e o órgão sexual masculino, com o intuito de suscitar o desejo sexual
nos transeuntes. A analogia é tão pregnante que contamina a embalagem (fig. 11).
Figura 11: Frasco e anúncio do perfume Tom Ford for men (2007). Disponível em: <http://www.basenotes.net/
ID26128561.html> e <http://primeirafila.files.wordpress.com/2009/09/tomfordfragrancead.jpg>. Acesso em:
22/06/2010.
Figura 12: Paul Smith Story, de 2006, de Paul Smith; Play EDT, de 2008, da Givenchy.
Fonte: Guia de Perfumes, 2010.
Figura 13: Embalagem do perfume F by Ferragamo, de 2007, da Ferragamo e de I Loewe tonight, de 2009, da
Loewe. Fonte: Guia de Perfumes, 2010.
Figura 14: Frasco do perfume Tarsila, de 2002, de O Boticário; e obra Manacá de Tarsila do Amaral (1927).
Disponível em: <http://caracol.imaginario.com/paragrafo_aberto/manaca.jpg> e <http://produto.mercadolivre.
com.br/MLB-129454028-tarsila-o-boticario-100ml-perfume-feminino-_JM>. Acesso: 05/05/2010.
O fragrante feminino “Quizás, quizás, quizás” (2007) da marca espanhola Loewe faz
menção à canção de mesmo nome, de autoria de Oswaldo Farrés (Cuba, 1947). O frasco
(fig. 15), de traços abstratos, foi desenhado por Pablo Reinoso e se baseia na tira criada pelo
matemático alemão August Moebius, em 1858 (OLIVEIRA, 2010).
Esta consiste em uma superfície de duas dimensões com um lado só; um espaço
obtido pela colagem das duas extremidades de uma fita, após efetuar meia volta em uma
Figura 15: Frasco do perfume Quizás, quizás, quizás, de 2007, da Loewe; e obra Moebius Strip II, de Escher
(1963). Disponível em: <http://sites.google.com/site/planetaaleph/> e <http://www.epocacosmeticos.com.br/
images%5Cproduct%5CLOEWE-009663.jpg>. Acesso: 05/05/2010.
O estilista italiano Franco Moschino (1950-1994) era tão apaixonado pela figura
engraçada e esquálida de Olivia Palito, que resolveu inspirar-se na personagem para criar as
embalagens para suas fragrâncias. Moschino pretendia mostrar o seu lado bem humorado a
partir das formas estilizadas e bem coloridas dos seus frascos de perfume.
Em 1996, surgia então a primeira embalagem - o frasco de Cheap and Chic (fig. 16) –
em formas curvas e orgânicas e nas cores preto, vermelho e branco - as cores do cabelo e da
roupa da personagem. A inspiração tem sido revisitada ao longo dos últimos anos, variando
em cores e texturas como no envoltório de Hippy Fizz (fig. 16), de 2008 (MAISQUEPERFUME,
2010).
Figura 16: Frasco do perfume Cheap and Chic (1996) e Hippy Fizz (2008) da Moschino.
Disponível em: <www.sepha.com.br>. Acesso em: 05/05/2010.
O frasco de vidro incolor de Only the Brave Iron Man (fig. 17) ganha as cores vermelha e
dourada da armadura do herói Tony Stark. A embalagem de papel cartão é impressa com os
quadrinhos do personagem.
Figura 17: Frascos Only the Brave e Only the Brave Iron Man da Diesel. Disponível em: <http://unitmagazine.
com/blog/wp-content/uploads/2010/04/Iron-Perfume.jpg> e <http://www.poracaso.com/imagens/2009/08/
diesel-only-the-brave.jpg>. Acesso em: 05/05/2010.
Já Isabela Capeto (1975-), estilista brasileira, inspirou-se na toy art para criar o frasco
(fig. 18) de seu primeiro fragrante lançado pela Perfumaria Phebo, em 2007. A embalagem,
configurada segundo as formas do ícone da grife, pode ser customizada com canetas hidrocor,
propondo a interação como modo de criar um objeto único.
Figura 18: Frasco do fragrante Isabela Capeto II (2008) da Phebo. Disponível em: <http://itgirls.com.br/wp-
content/uploads/2008/04/isa-perfume.jpg>. Acesso em: 27/06/2010.
Figura 19: Frasco do perfume Féerie, de 2008, da Van Cleef & Arpels.
Fonte: Guia de Perfumes, 2010.
Crenças e religiosidade
Dialogando com a tradição histórica dos perfumes como trânsito entre a concretude
da vida e a transcendência espiritual, as referências religiosas e crenças também são
materializadas nos frascos de perfume. O envoltório Boss Orange (2009) da Hugo Boss evoca
os setes chacras do corpo humano (GUIA DE PERFUMES, 2010), que foram mencionados
primeiramente nos Vedas, textos sânscritos que formam a base da religião hindu.
Os setes chacras representam “locais onde as essências atuam como metáfora da
energia que flui desses pontos” (GUIA DE PERFUMES, 2010, p. 48). O frasco (fig. 20) do perfume
foi concebido como um suporte para sete pedras preciosas. Estas alinham-se verticalmente
umas sobre as outras, apoiando-se na moldura de metal da embalagem (OLIVEIRA, 2010).
Figura 20: BossOrange, de 2009, da Hugo Boss. Fonte: Guia de Perfumes, 2010.
Em 2009, a Shiseido, empresa japonesa de cosméticos e perfumaria, lançou o fragrante
Zen. O perfume foi criado especialmente com ingredientes terapêuticos como a flor de lótus,
que aliviam o estresse (SHISEIDO, 2010). A flor de lótus, considerada sagrada em muitos
países asiáticos, simboliza elevação e expansão espiritual no budismo (VILA ASTRAL, 2010).
Assim como ela, o frasco visa manifestar a sensação de expansão e libertação do eu interior.
Sua transparência permite a passagem da luz, evocando uma fragrância com energia radiante
e cheia de vida. (SHISEIDO, 2010).
Figura 21: Zen (2009) da Shiseido. Disponível em: <www.shiseido.com.br>. Acesso em: 27/06/2010.
Figura 22: Frasco do perfume Palazzo, de 2007, da Fendi; fachada do Palazzo Fendi, em Roma.
Disponível em: <http://www.perfumenapele.com/tag/melhores-comerciais-de-perfumes/> e <http://2.
bp.blogspot.com/_teww_WLX6jM/ScyWH48sZsI/AAAAAAAAAxY/ecx6V0OlI_A/s400/fendi+outside.jpg>.
Acesso em: 06/05/2010.
A embalagem do fragrante Swiss Unlimited (fig. 23), de 2009, da empresa de cutelaria
Victorinox, deixa clara a sua alusão à Suíça, não somente pelo seu nome, mas também por
outras referências simbólicas. São elas: a cruz, a cor vermelha e o mosquetão. A primeira e a
segunda fazem parte da configuração da bandeira do país, enquanto a terceira – o mosquetão
- simboliza a atividade de montanhismo, referenciando os Alpes Suíços.
Figura 23: Frasco do fragrante Swiss Unlimited, de 2009, da Victorinox. Disponível em: <http://itsallfreeonline.
com/free-sample-of-swiss-army-for-men/>. Acesso em: 06/05/2010.
Elementos das tradições populares e artesanais também são usados como modos
de instaurar relações de tempo e espaço nos frascos de perfume. Recentemente, a grife
japonesa Kenzo recorreu aos souvenirs russos, lançando estojos inspirados nas Matrioskas
(fig. 24) para guardar as embalagens dos perfumes KenzoAmour e Flower by Kenzo (PRESS
COMUNICAÇÃO, 2010).
Figura 25: Cabaça (porongo), moringa e frasco da Água de Banho Breu Branco (2006) da Natura. Disponível
em: <http://www.madameglamour.com.br/media/catalog/product/cache/1/image/5e06319eda06f020e43594a
9c230972d/a/g/agua_breubco.jpg>, <http://fotos.sapo.pt/PyPquFuOaurLpji2QRms/s340x255> e <http://www.
acasa.org.br/midia/grande/MF-01080.jpg>. Acesso em: 27/06/2010.
De modo geral, os frascos de perfume contextuais recuperam “uma identidade nacional
que se encontra harmoniosamente fixada no nível do imaginário” (ORTIZ, 1985, p. 78) dos
consumidores. Eles caracterizam-se pelas ideias de cópia de um original segundo técnicas de
simulação e de mini ou maximização de suas proporções.
Algumas considerações
A escolha de conceitos e de elementos materiais pelo designer não é neutra. Algumas
matérias-primas (vidro, couro, metal, tecido) e configurações formais também são apropriadas
para manifestar ideologias, identidades e valores culturais. Neste universo, destacam-se
as atribuições de gênero, exprimindo conotações como fragilidade, dureza, maleabilidade,
delicadeza, transparência, sensualidade, frescor, que transitam entre o masculino e o feminino.
Por exemplo, os termos doçura, beleza, fertilidade e delicadeza costumam estar associados
ao universo das mulheres. Estes conceitos são traduzidos para os frascos femininos a partir de
cores pastéis, que conotam delicadeza; do uso de referências da natureza como pássaros e
flores; e de outros elementos simbólicos como laços e corações. De acordo com as imagens
de frascos de perfumes analisados, pode-se concluir que a grande maioria reflete modelos
tradicionais e hegemônicos do feminino e do masculino.
Para Partington (1996), a masculinização e a feminização de perfumes tem sido
construída e reforçada através do design de embalagens. Deste modo, as ideologias de
gênero, que prescrevem características e comportamentos aceitáveis para homens e mulheres
são reiterados nos componentes simbólicos na construção dos envoltórios.
Os frascos simulam personalidades e estilos de vida: priorizam as funções
simbólicas, realçam os valores semânticos, propondo formas de se portar, instaurando marcas
de construções de subjetividades. São simulacros que reinventam os corpos, as percepções
do entorno, das crenças, da arte e dos objetos cotidianos. Provocam efeitos sinestésicos que
colocam em conjunção os estereótipos e as representações das práticas sociais.
Notas
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Resumo
O trabalho traça um breve panorama do estabelecimento do
design na Finlândia, pautado na contextualização histórica, e
principalmente, no comportamento dos atores envolvidos neste
cenário: designers, indústrias e governo. Para tanto realizou-se
um levantamento teórico exploratório baseado nas investigações
do curso “Políticas em Design na Finlândia” do Programa Pós
Graduação em Design da UNESP, ministrado pelo professor Pekka
Korvenmaa da University of Art and Design Helsinki. Esse relato
aponta reflexões e críticas sobre o design brasileiro, tendo em
vista que a bem sucedida experiência na Finlândia pode fornecer
subsídios para futuras análises do design do Brasil.
Introdução
A Finlândia se desenvolveu a partir de uma nação predominantemente agrícola e pobre,
à margem da Europa. Evoluiu para um Estado bem industrializado e com um alto padrão de
vida. O design não só está presente nessa realidade, como pode ser apontado como um dos
atores na construção do sucesso internacional da indústria finlandesa.
Pautado no princípio básico do Funcionalismo – ou seja, nas necessidades práticas de
uso – o design desenvolvido na Finlândia acabou por se tornar um modelo internacional. Ao
conservar traços e identidade finlandeses em projetos com funcionalidade estética e pureza
formal, desenvolveu uma linguagem universal.
Nesse país a implantação da indústria e a institucionalização do design, ocorreram de
forma integrada, com a interação e o planejamento necessários dos três principais sistemas
envolvidos – Governo, Indústrias e Instituições de Ensino.
Portanto, esta pesquisa exploratória observou a evolução destes três sistemas e
seus reflexos para o design finlandês, a fim de conhecer como se deu o desenvolvimento de
um design de prestígio internacional e discutir algumas sugestões que poderão auxiliar no
aprimoramento da área no Brasil, provocando reflexões para implantação de futuras ações
no país. Para isso, realizou-se um estudo descritivo amparado por meios bibliográficos de
investigação, baseados em métodos descritos por Marconi e Lakatos (2000). O levantamento
teórico do trabalho resulta das investigações realizadas na disciplina “Políticas em Design na
Finlândia” fornecida ao Programa de Pós-Graduação em Design da UNESP/Bauru, ministrada
pelos professores Paula da Cruz Landim (UNESP) e Pekka Korvenmaa (University of Art and
Design Helsinki).
Referencial teórico
A consolidação da indústria na Finlândia e sua relação com o design
O movimento modernista, surgido na primeira década após 1917, ano da independência
do país, propiciou a aproximação da indústria com artistas locais, gerando soluções atrativas
para os problemas da sociedade moderna emergente. O novo estado precisava de novos
edifícios, objetos e símbolos que refletissem a necessidade de uma identidade nacional;
momento esse que culminou em um discurso progressista do design e um incentivo a sua
prática no país.
O crescimento do design sofreu com os efeitos da depressão em 1930. Os problemas
de urbanização e a industrialização descontrolada levaram os designers a refletir sobre o
funcionalismo, o significado do setor industrial enquanto força social e cultural, e a mudança
dos meios de produção de uma sociedade baseada no artesanato para uma manufatureira;
provocando uma busca de soluções para as transformações vividas na Finlândia.
Figura 02 – Unidade de propulsão Azipod de tecnologia finlandesa utilizada em navios luxo. Fonte: ABB (2010)
A década de 1960, marcada pelo grande status do design finlandês, também ficou
conhecida pela crítica ao culto da personalidade que se desenvolveu em torno dos designers
individuais. Conforme Landim (2009, p. 76),
Figura 03 – Tesoura laranja fabricada com material de sobra do espremedor de laranja. Fonte: Fiskars (2009)
O cenário econômico finlandês mudou rapidamente no começo dos anos 1990, levando
o país a sua pior crise com o ápice da recessão entre 1992 e 1994. Neste período evidenciou-se
a fragilidade da infra-estrutura da indústria nacional, gerando um consenso sobre a importância
de se redirecionar a indústria do país para áreas maciçamente tecnológicas, assim como para
informação tecnológica.
O cenário do design finlandês mudou significativamente a partir do final dos anos 90,
aumentou-se a intensidade de atividades de pesquisa e desenvolvimento (P&D), tanto nos
projetos de produtos como no nível estratégico geral. A década de 1990 viu o colapso da
supremacia dos antigos moldes de design e o aumento do design tecnológico, motivado pelas
ferramentas digitais. A atenção a essas mudanças ocasionaram a retomada econômica da
indústria e do design.
Amplamente discutida, essa função atribuída ao Design é cada vez mais compartilhada
em experiências por todo o mundo. No caso da Finlândia, o reconhecimento global, chama os
olhares para o seu sucesso e a história de seu desenvolvimento.
Com a tradição do design agindo junto às indústrias e refletindo diretamente na economia
do país, a Finlândia não só alavancou a competitividade de suas empresas como também
proporcionou bem-estar aos seus cidadãos. Como visto, as histórias da industrialização e do
design no país estão ligadas, e desde a década de 1930, essa relação é uma força social e
cultural. O perfil da população e a cultura finlandesa foram fatores cruciais para o sucesso das
políticas de design finlandesas.
O reconhecimento e qualidade internacional, gerando produtos acessíveis à sociedade,
e a proximidade com a indústria, fizeram do design finlandês um modelo. Porém, sem o
envolvimento do governo por todo esse percurso, com os planejamentos e ações efetivas, não
teria como resultado o surpreendente crescimento econômico do país. São ações que ainda
promovem investimentos em P&D, sempre contando com aproximação das empresas com as
universidades, ou seja, despertando interesses em comum que primam pela inovação.
Visto por esse ângulo, as ligações entre inovação, design e tecnologia ainda são raras
na política brasileira. Suas ações costumam ser pontuais, em centros de projetos regionais
que eventualmente se associam aos institutos de tecnologia.
Em muitos casos os centros geram resultados bem sucedidos, entretanto ainda não
contam com uma política nacional clara e de longo prazo para tais iniciativas. Na Finlândia,
estas ações são continuadas ou foram substituídas por novas estratégias aprimorando seus
resultados ao longo dos anos. Diferença que parece estar relacionada à estabilidade política
do país, visto que o apoio do governo não se alterou devido às sucessões políticas e sim pela
evolução do cenário econômico.
Ainda hoje, o design e a indústria caminham em paralelo, e as políticas governamentais
se mostram desconexas e insuficientes. Portanto, respeitando os contrates na história do
design do Brasil e da Finlândia, é preciso reconhecer que sem o envolvimento da indústria, do
governo e das instituições de ensino, como na experiência finlandesa, a indefinição no design
brasileiro permanecerá. O investimento em educação e políticas de inserção do design, a
exemplo da finlandesa, de forma a unir tecnologia, design e empresas, é fundamental para
que o país consiga aumentar a qualidade, a competitividade e principalmente, a inovação de
seus produtos.
Este estudo não propõe soluções específicas, mas espera que com a divulgação
da experiência da Finlândia se amplie as perspectivas sobre as possíveis ações de design
no Brasil, já que a realidade multi-étnica e pluri-regional do país permite explorar os mais
variados atributos locais, diversificando ainda mais a produção nacional. Como por exemplo
o crescimento sustentável, grande desafio da indústria brasileira, momento em que os
programas de design podem fornecer as bases para esse desenvolvimento. Buscando, no
Referências
ABB. Azipod Propulsion, 2010. Disponível em: <http://www.abb.com/industries/
db0003db002805/c12571f4002ab83dc1256fdf003b2929.aspx>. Acesso em: 20 jan. 2010.
MARCONI, M.; LAKATOS, E. Metodologia Científica. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2000.
KORVENMAA, P. Design, Research and Policies of Innovation: Case Finland. In: Congresso
Internacional de Pesquisa em Design, 05, 2009, Bauru/SP. Anais... Bauru/SP: UNESP, 2009.
RAULIK, M. G,; CAWOOD, G.; LARSEN, P.; LEWIS, A. A comparative analysis of strategies
for design in Finland and Brazil. In: Undisciplined! Design Research Society Conference
2008, 16-19 July 2008, Sheffield, UK : Sheffield Hallam University, 2009.
Agradecimentos
Este trabalho foi desenvolvido com o apoio da FAPESP – Fundação de Amparo à Pesquisa do
Estado de São Paulo (Proc. 2009/02991-9 e 2009/02125-0).
Resumo
A base deste artigo é explorar metodologias que levem a uma
abordagem teórica para entender o design emergente enquanto
um método de intervenção educacional por meio tecnológico.
Entender a tecnologia digital e a administração do método é
a forma de compreender o design emergente. Por meio das
ferramentas computacionais os aprendizes realizam um processo
de design e de construção e, assim, generalizam as formas de
conhecimento que possuem e ganham conhecimentos para
outras áreas e interesses. O potencial de aprendizagem por meio
coletivo é um método apontado no artigo que vem desenvolver
ações pedagógicas inovadoras com recursos computacionais,
visando apropriação criativa, por meio de dejetos computacionais,
desenvolvendo metodologias voltadas a uma forma de design
emergente de reapropriação tecnológica para transformação
social.
Introdução
Palavras representam conceitos, por isso neste artigo partiremos do entendimento de
palavras-chaves que aprofundem nossas reflexões.
Estamos vivendo uma revolução industrial tecnológica que decorre também do
computador em sua conexão com as telecomunicações.
A revolução da informática que trouxe a globalização como resultado foi também a
responsável pela sociedade da informação ao qual vivemos, onde conforme se lê em Peter
Drucker a informação é seu instrumento mais precioso e mais necessárioi.
Contudo o que se nota é que sob o “império” da tecnologia, existe um grande risco
de se perder o humanismo, ou seja, as artes, a literatura, as humanidades estão em segundo
plano e até mesmo a ciência fica obscurecida pela tecnologia.
No bojo desta questão a criação humana aparece cada vez mais como algo que
a sociedade tem de reincorporar o seu rol de prioridades, uma vez que o fator humano é
fundamental e do homem partem – filosoficamente falando – as realidades.
Essa citação nos revela que, por meio da tecnologia, o ensino ganha um novo formato
de representação e um novo processo de design e construção, onde em que a liberdade e
o contexto do sujeito, passam a ser o fator essencial para o desenvolvimento humano. O
mesmo autor, ainda complementa dizendo:
Essa metodologia apontada, que envolve sistemas educacionais por meio de tecnologia,
faz com que aprendizes ganhem conhecimentos para outras áreas e interesses. O papel do
computador nesse processo permite que as pessoas se libertem e passem a representar o
conhecimento de diferentes formas, de modo a aplicá-los em várias situações como afirma
ainda David Cavallo: “[...] Desenvolve-se, assim, uma prática de “antropologia epistemológica
aplicada” que consiste no levantamento de habilidades e conhecimentos existentes em uma
dada comunidade e a sua utilização como “ponte” para novos conteúdos” “[...]. Através do
“Design Emergente” é possível encontrar um balanço entre a tecnologia digital e o método
de administrar a organização e de transformação da organização que se torna consciente da
existência da tecnologia. (CAVALLO, 2000, s/p).
“É a junção destes dois produtos da era digital em sinergia com as bases teóricas
dos pensadores da era pré-digital que são o suporte adequado para realizar o
que os pensadores sabiam o que e como fazer, mas não tinham meios para
fazê-lo. Entre eles destaca-se Paulo Freire, mas também, estão representados
John Dewey e Jean Piaget, embora este último não tenha focado seu trabalho na
educação.” (CAVALLO, 2000, s/p).
lembra David Cavallo. Este também cita o educador Paulo Freire, que representa muito bem
essa questão, cremos que, a carta redigida aos professores, em que Freire relata o ensino e a
forma de aprendizagem como essencial ao ser humano, vem constatar essa questão:
presta atenção nos “seus vizinhos mais próximos” em vez de ficar “esperando por ordens
superiores”. As formigas agem localmente, mas a “[...] ação coletiva produz comportamento
global”. (JOHNSON, 2003, p. 54).
Há uma questão que deve ser levantada. As formigas podem ser comparadas com
relação à ação coletiva que faz acontecer um comportamento global, mas é inegável que os
seres humanos produzam cultura, e as formigas não, ou seja, o padrão biológico pode explicar
parte do nosso tipo de sociabilidade e as formigas podem nos ajudar nesta compreensão,
mas não abarcará os aspectos culturais e psíquicos do homem.
O autor Paulo Freire tem uma frase que relata bem essa questão: “Ninguém educa
ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo
mundo.” Assim como os homens dotados de conhecimento e cultura, as formigas também
de uma forma organizada aprendem não no sentido cultural, mas na vivência, umas com
as outras, vivendo a coletividade assim como o homem. Essa teoria de Deborah Gordon se
encaixa perfeitamente com as idéias de Paulo Freire (1997).
Segundo Freire, entendemos, portanto, que o termo bottom-up citado por Steven
Johnson, leva a incessante tarefa de trabalhar a coletividade, começando de baixo para
cima. Isto é, a partir do conhecimento dos alunos, “que vem de baixo”, dos seus problemas,
angústias ou desejos, aproveitando a fala e as informações do aprendiz podemos fazer a
diferença e trazer para “cima” as questões a serem resolvidas.
Para Steven Johnson, “[...] A cristalização de um fenômeno bottom-up que se mantém
no tempo” é uma das principais “leis da emergência”. Um sistema emergente é capaz de
socializar, ficando mais inteligente com o tempo e com o conhecimento isso possibilita a
integração entre pessoas. A cidade é outro exemplo citado por ele, além da pesquisa de
Deborah Gordon das formigas.
Segundo ele: “[...] as pessoas se auto organizam em sua vivência na cidade, vivem em
partes diferentes, portanto, trocam experiências, prestando atenção umas nas outras”. Assim
segundo o autor, a cidade se torna “[...] mais esperta, mais útil para seus habitantes”. Ainda
relata que, “[...] esse processo acontece sem que as pessoas percebam. “[...]. “E aqui, outra
vez, a coisa mais extraordinária é que esse aprendizado emerge sem que ninguém tenha
conhecimento dele.” ( JOHNSON, 2003, p. 79).
Nesse sentido, o autor aponta a cidade como um formigueiro, como um fenômeno
emergente que tem em seu interior praças, pessoas que interagem e possuem sempre um
vizinho para se comunicar. Sendo assim, Johnson afirma que é um mundo de interconexões
“[...] conduzindo à ordem global, componentes especializados, criando uma inteligência não
especializada, comunidades de indivíduos solucionando problemas sem que nenhum deles
saiba disto. (JOHNSON, 2003, p. 69).
MetaReciclagem.
“Eu usava internet, desde 95, 96 quando eu entrei na faculdade no Sul, mas
era limitada, não tinha intimidade, nem paciência, gostava mais de pegar a
chave de fenda e desmontar o computador, mas aí quando veio a banda
larga eu comecei a explorar comunidades, fórum, lista de discussão coisas
assim e de repente eu descobri um mundo totalmente diferente, comecei
a descobrir pessoas com que eu podia conversar, comecei a me identificar
com um grupo de pessoas que não necessariamente eram do meu cotidiano,
experiência direta, muitas delas eu não conhecia, algumas delas eu acabei
não conhecendo ao longo dos anos e tem muita gente com quem eu ainda
converso e não conheço presencialmente, mas aquilo me deu uma visão do
que poderia ser feito através da internet, como uma ferramenta para encontrar
pessoas”. (FONSECA, F. apud TAVARES, Dissertação de Mestrado PUC/São
Paulo, entrevista no SESC Paulista, 2007).
Essa outra maneira de ver a produção de conhecimento que Fonseca revela, mostra
a indignação do autor, em ver que pessoas também utilizavam a internet para comercializar
e ganhar dinheiro e não estavam interessadas em trocar conhecimentos, experiências ou
diálogos. Ele relatou sobre uma palestra que presenciou e o irritou profundamente, como
ainda revela na mesma entrevista:
“ [...]. e teve uma noite que eu fui junto com uma das pessoas que estava
também nesse ciclo de blogs e listas de discussão que é o Hernani de
Matos. Nós fomos a uma palestra sobre comunicação móvel patrocinada
por essas operadoras de telefone celular e a palestra foi uma imbecilidade.
Os caras ficaram mostrando e querendo provar que celulares, comunicação
móvel era uma boa maneira de ganhar dinheiro. Não estavam nem um pouco
preocupados e interessados nas questões da produção de conhecimento,
de mobilização de pessoas conversando com pessoas e todas as questões
referentes aos aspectos mais coletivos e mais colaborativos da rede que nós
estávamos tentando começar a entender. Então, saímos daquela palestra
totalmente frustrados com o que seria do futuro de tecnologia móvel no
Brasil e um pouco dessa frustração resultou no desejo de fazer, de ter uma
série de discussões de ter um espaço, de ter um ambiente para conversar
sobre outras possibilidades da tecnologia com quem quisesse entrar e aí no
dia seguinte a gente criou uma lista de discussão com o nome de Projeto
Metáfora. (FONSECA, F. apud TAVARES, Dissertação de Mestrado PUC/São
Paulo, entrevista no SESC Paulista, 2007).
damos como exemplo o Atelier Lab, de Etiene Delacroix que, segundo Bastos (2009),
Segundo Bastos, “[...] são experiências que serviram, como inspiração para a
política de criação de pontos de cultura do governo brasileiro, tornando-se parte
da equação uma demanda quantitativa que se descontextualiza dos debates
propostos originalmente em recomendações como o Atelier Lab ou Bricolabs.
(BASTOS, 2009, p. 29).
Tal política pode se dar não apenas enquanto ativismo (ou ferramenta de suporte para
ele) mas porque a própria prática da gambiarra implica uma ação política. E, consciente ou
não, em muitos momentos a gambiarra pode negar uma lógica produtiva capitalista, sanar uma
falta, uma deficiência, uma precariedade, reinventar a produção, utopicamente vislumbrar um
novo mundo, uma revolução, ou simplesmente tentar curar certas feridas abertas no sistema,
trazer conforto ou voz a quem são negados. A gambiarra é ela mesma uma voz, um grito
de liberdade, de protesto ou, simplesmente, de existência, de afirmação de uma criatividade
inata”. (ROSAS, apud MEGGS e ALSTON, 2001, p. 47).
“A arte tem um valor didático. Explorar o computador não é apenas uma relação
de dedos e teclados. Explorar o computador é um processo de destruir e
Essa pode vir a ser uma saída para resolver a sobra de lixo computacional, caso um
dia seja implantada a idéia desses autores que acreditam que existem alternativas mais
eficientes do que a reciclagem. Eles sustentam que a reciclagem está atrelada a um ciclo de
industrialização problemática, na medida em que estimula a obsolescência, e defendem que
é preciso pensar outras maneiras de industrialização mudando, desta forma, o funcionamento
e a mentalidade da empresa.
Portanto, podemos pensar a reciclagem ou qualquer outra terminologia usada para a
mesma finalidade, como fator educativo, para isso é necessário a inclusão digital nas escolas,
formando alunos com possibilidades de ver o mundo com outros olhos. A Fundação Intel
investiu, entre 1989 e 2002, US$ 700 milhões em educação por meio de suas subsidiárias,
inclusive no Brasil. Conforme o artigo “Giz”, caderno e Multimidia, da Revista Inclusão
Digital editado pela São Paulo Plano de Negócios, existe no Brasil a Fundação para o Futuro,
patrocinada pela Clubhouse.
Ela apresenta uma iniciativa que proporciona a jovens de comunidades carentes,
acesso a equipamento de alta tecnologia, software profissional e monitores adultos para
ajudá-los a desenvolverem a autoconfiança, as habilidades e o entusiasmo pelo aprendizado,
necessários para gerar novas oportunidades e novos futuros. Atualmente, existem mais de 60
Intel Computer Clubhouses em 10 países, sendo que no Brasil as duas unidades do programa
encontram-se no Estado de São Paulo.
Nesse sentido, percebemos a preocupação dos autores dos textos encontrados no
livro “Inclusão Digital”, é de ajudarem aos professores a inserirem em seus planos de aula o
aprendizado da informática, para que os aprendizes possam mais tarde, chegar ao mercado
de trabalho mais preparados, e qualificados como nos mostra na citação a seguir,
renda e a inclusão digital por meio de autonomia tecnológica. Essas redes colaborativas, com ações
baseadas em princípios da reciclagem e do software livre, abrem canais de geração de trabalho
e renda com base nos produtos desse processo, possibilitando obter não apenas o acesso à
tecnologia, à educação, mas à sua efetiva apropriação como meio de desenvolvimento e criação.
Considerações finais.
O artigo aponta para uma conclusão de que o potencial de aprendizagem desenvolvido
por meio do Design emergente enquanto método de intervenção educacional obtém não
apenas o acesso à tecnologia, mas proporciona ações coletivas de aprendizagem, estabelece
interações a serem construídas entre os pares, desenvolve apropriação por meio criativo.
Notas
i DRUCKER, Peter Ferdinani. A sociedade pós-capitalista. Tradução de Jr. MONTINGELLI. 21ª.
Editora Cortez São Paulo. 2000.
Referências
BASTOS, M. Recycling/Upcycling: Notas sobre a Arte e Ecologia apud: Paralelos Narrativas
em Percurso: sobre Arte, Tecnologia e Meio Ambiente, 2009. Disponível em: http://issuu.
com/virtueelplatform/docs/qaf
FREIRE, Paulo. Professora sim, tia não, cartas a quem ousem ensinar. Olho D’agua São
Paulo: 1997.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido.17ª ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra: 1987.
INCLUSÃO DIGITAL, Com a Palavra a Sociedade. Coordenação Geral I Lia Ribeiro Dias. II
FIGUEROA, Pio. São Paulo Plano de Negócios: 2003. (Vários Colaboradores).
ROSAS, Ricardo. Gambiarra apud MEGGS E ALSTON Rio de Janeiro Ed. Objetiva: 2001.
Resumo
Este texto contextualiza alguns escritos de jornal de Cecília
Meireles que não foram incluídos em suas obras completas .São
textos que visavam a modernização da Educação e do ensino das
artes e do Cinema no Brasil. Outro objetivo de Cecília Meireles era
a internacionalização do dialogo educacional.
Muito se tem escrito sobre a atuação de Cecília Meireles na área da educação. A reunião
de seus escritos de jornal sobre o assunto no quinto volume da edição de suas obras completas
contribuiu largamente para o entendimento da história da educação nos primeiros anos do
Estado Novo que ela ousa criticar muitas vezes de maneira sutil, como obrigava a situação de
censura e perseguição a educadores, jornalistas e intelectuais. Na crônica de 6 de setembro
de 1941 no jornal A Manhã do Rio de Janeiro ela escreveu: “Estes dez anos diferentes que
o Brasil tem vivido aconteceu coincidirem agora com uns anos bem diferentes para o resto
do mundo. Sejam quais forem os resultados finais destes graves dias, o indiscutível é que o
homem não está humanizado”. Palavras proféticas pois o nazismo estava em plena ascensão
na Alemanha e a perseguição aos judeus e comunistas, também em toda a Europa Ocidental.
Ela termina a crônica dizendo:
Qual é esta educação que tornará o homem bom sem ser débil, forte sem ser
monstruoso, livre de todos os excessos e fanatismo e equilibrado ao mesmo
tempo no universo a que pertence, na sociedade em que vive e no indivíduo
que é?i (MEIRELLES, 2001:38)
Como a obra educadora de Cecília Meireles vem sendo muito estudada vou me restringir
aqui ao aspecto internacionalista de sua atividade de publicista da educação, especialmente
seu esforço para interrelacionar a cultura da América Latina e a sua grande paixão pelo cinema,
tendo chegado a ser sub-Diretora Técnica da Instrução encarregada justamente do cinema.
Farei isto através de duas entrevistas uma feita com ela e outra feita por ela com um educador
uruguaio que viera ao Rio para a inauguração da Escola Uruguai, de volta de uma viagem de
estudos à Europa e aos Estados Unidos para visitar especialmente o Teachers College da
Columbia University, meca também dos escola novistas do Brasil.
No Diário de Notícias de 10/7/1930 em sua página de educação Cecília Meireles anuncia
conferência do reitor da Universidade de Montevidéu:
A imagem, que ilustra esta nota, é um aspecto da mesa tomado quando o professor
José Pedro Segundo fazia a sua conferência que não consegui recuperar tão bem como a
caricatura que ilustra a entrevista que se segue, com Crescencio Cóccaro:
Cóccaro disse que, no seu país, se cuidava da revisão dos textos escolares, a fim de
que não ficasse, em nenhum deles, uma linha que pudesse lembrar, de qualquer modo,
qualquer luta que haja existido entre o Uruguai e outros povos...
Isto significa o seguinte: que, além de amizades presentes e futuras, evidentes
e insofismáveis, o Sr. Crescencio Cóccaro ofereceu a oportunidade de nos revelar
um Uruguai que reabilita algum tempo passado que, por desgraça não tinha sido de
completa cordialidade; mostra-nos um povo que, não só quer ser irmão, nas horas de
paz, como deseja remediar as desavenças antigas.
Essa pequena informação, no meio de um discurso, fez-me ver claramente as
qualidades de educador que possui o inspetor Cóccaro. E desde ai não mais o perdi de
vista.
UMA APRESENTAÇÃO
Eu já estava resolvida a pedir-lhe uma entrevista. Mas, para proceder por um
método gradativo, comecei por pedir-lhe o discurso. O Sr. Crescencio Cóccaro,
entretanto, não m’o quis dar. E sabem por quê? Simplesmente porque o inspetor nunca
publicou escrito algum. E, com aquele seu ar de generosidade sem limites, simples,
cordial, feliz, disse-me, sorrindo:
_ “Nós somos professorezinhos... apenas... nada mais...”
_ Por isso mesmo é tanto...
Ainda que, depois disto, eu não tivesse trocado mais nenhuma palavra com Sr.
Cóccaro, a minha opinião a seu respeito já estaria devidamente consolidada. Toda a sua
personalidade de educação estava naquela frase do discurso e nesta da apresentação.
Feliz aquele que pode dizer: “Sou apenas um professor, e não desejo ser nada mais!”
Depois, voltando à cidade com a delegação uruguaia, tive ocasião de saber que,
além da sua visão pessoal em educação é preciso atender com especial cuidado à sua
formação, para manter de pé os ideais acordados.
Foi por ai, justamente, que começou a nossa palestra.
Com grande alegria, portanto, marcamos a palestra do dia seguinte, tanto mais
que o Sr. Cóccaro me punha inteiramente à vontade dizendo:
_ “As coisas que interessam não se pedem nem se concedem por favor. É um
direito. E nem ao menos terá de me agradecer.
“(Vamos concordar que seja realmente um direito, Sr. Inspetor. Deixe-me, porém,
também ter esse de lhe oferecer todos os meus agradecimentos!)
A ENTREVISTA
O Sr. Crecencio Cóccaro é uma dessas criaturas em que já exteriormente se vê a
natureza dadivosa e exuberante que possuem. Alto, forte, simples, com uma expressão
de quem está acostumado a pousar as mãos carinhosamente na cabeça das crianças.
Sem dúvida nenhuma, quando se trata da nova orientação educacional, o
problema principal que nos aparece é o da formação do professor, porque, se do
professor depende esta nova era, concursos e exames, disse-nos o inspetor Cóccaro,
o nosso ponto de vista é sempre este: reprovar o menos possível.
“(Ficamos pensando nos conceitos de Eisntein sobre a maneira comum de
examinar, em que os professores, em geral, se esforçam por fazer o aluno mostrar o
que não sabe, quando justamente se deviam esforçar por fazerem-no revelar o que
conhece...)
_ “Além disso, continuava ele, os concursos não provam nada... Moças com
um curso belíssimo, e cuja capacidade ninguém ignora, podem fracassar, por várias
circunstâncias, disputando um lugar que outras facilmente conquistam, com menos
aptidões embora, com mais serenidade...
“(Nesse ponto ocorreu-nos a força irresistível de pistolão. Mas, não tivemos
coragem para perguntar nada sobre isso, porque estamos em dúvida se é privilégio
nacional...)
Quanto à prática escolar, faz-se em diversas escolas uruguaias, e não numa,
apenas, como aqui.
Há em particular cuidado na promoção dos professores. Os preferidos são os
que mais se dedicam à escola.
“Aqueles, dizia-nos o inspetor Cóccaro, que, nas quintas-feiras ficam preparando
planos, jogos, brinquedos para os seus alunos”.
Atualmente, pretende-se a unificação das classes. Parece que a opinião do nosso
interlocutor não é favorável a esse respeito.
JARDINS DA INFÂNCIA
Deixaram-lhe muito boa impressão os Jardins da Infância, de Hamburgo. Mas
não teve tempo de nos pormenorizar as razões, porque logo lhe acudiu o problema
uruguaio: ainda não há, na sua terra, Jardins desses em todas as escolas. E isso
certamente interessa, porque insiste, com amor, nas aptidões das crianças de cinco
anos, e conta-nos o seguinte:
Fez-se uma representação da história de Chapeuzinho Vermelho, com as crianças
dessa idade. Não se ensinou como representar. Contou-se a história, e deixou-se a
interpretação correr por conta dos pequeninos atores. Imagine-se o que aconteceu:
a criança que fazia o lobo, depois do sacrifício da avozinha, escondeu atrás de uma
árvore a criança que representava esse último personagem, a fim de figurar, por meio
dessa ausência, que a tinha devorado.
Parece-lhe admirável, esse rasgo de inteligência. E concordamos, convictamente.
Até reagindo contra a lição-modelo, existe a Escola de Tirocínio.
_ “E como se adapta o professor que só assistiu ao Jardim da Infância, tendo de
enfrentar o curso primário?”
_ “Isso mesmo nos perguntávamos nós, explicou o inspetor Cóccaro. Mas é
que daí, passam para o primeiro ano, seguem com o segundo, e, depois disso, então
habilitados para trabalhar com qualquer classe.
No Uruguai há certa dificuldade em tirar do Jardim da Infância o professor que a
ele se acostumou.”
E como ainda se falasse na Itália, o nosso interlocutor disse:
_ Há mais uma coisa interessante na Itália. Em Roma e Florença, o Instituto Superior
do Magistério prepara especialmente diretores de escola, inspetores e professores para
a Escola Normal”.
(Ai está uma boa sugestão, pensamos nós. Mas logo em seguida refletimos que
não se pode, por enquanto, pensar em coisas tão transcendentes. E..... o inspetor
Cóccaro também parece um pouco séptico com os resultados...)
O DÓLAR
Não sabemos como se insinuou o dólar na nossa conversa. Mas o certo é que o Sr.
Cóccaro me falou em 106 dólares, vencimento do professor americano, e no projetado
EDUCAÇÃO ESTÉTICA
Já vimos como na “Lincoln School” se estuda canto e música ao mesmo tempo
que se compõem pequenos trechos de verso.
Na “Junior High School”, diz-nos o Sr. Crescencio Cóccaro, há cursos de
interpretação musical em que se traduzem os sons em coros. Quer dizer, já não é,
apenas, o ritmo, traduzido em linhas, aplicado a motivos de decoração – mas a impressão
sonora transformada em impressão visual.
Falando em grande respeito da cultura musical dos alemães, e dos cursos de
descrição oral das passagens de certas músicas, antes da sua execução, tem ainda
referência para a Escola Profissional que funciona, na Áustria, onde foi a célebre Escola
de Cavalaria, escola em que as crianças aprendem a esculpir utilizando um sabão
especial para esse fim, e onde a gravura em madeira é tratada com particular carinho,
bem como a arte tipográfica, e a da publicidade, na parte referente a cartazes.
MUSEUS
As suas últimas palavras são para os museus.
Fala-nos dos museus de animais vivos de Berlim. E ambos nos concentramos,
um pouco emocionados sobre um pensamento comum:
_ “Os museus de animais conservados são detestáveis. Ensinam a morte. Ensinam
a matar.”
E eu, recordando Tagore, pude concluir apenas:
_ “Um pássaro empalhado não tem nada a ver com o pássaro que a natureza
nos oferece. A sua personalidade não está na disposição das penas. O feitio do bico,
no tamanho das patas. O pássaro é o seu movimento, o seu vôo, o seu canto, as suas
expressões...”
TERMINANDO
Ao terminar a palestra, quis o Sr. Cóccaro, por extrema gentileza, fornecer-nos
alguns dados sobre a situação do ensino no seu país. E disse-nos:
_ “Pela lei de 26 de outubro de 1926, foram votados cem milhões de pesos para
edificações escolares: 50 mil pesos para mobiliário etc.; 45 mil para livros de leitura
(porque o governo uruguaio adquire as edições para as escolas); 130 mil para material
escolar; 25 mil para o material científico; 10 mil para bibliotecas; 5 mil para a aquisição
de lanternas de projeção; 26 mil destinados, unicamente, ao serviço de varrer a escola...
Não se pagam materiais para exame. Há 27 mil pesos destinados aos examinadores; 26
mil para excursões; 200 mil para copos de leite, cantinas etc. Mas, nessa obra, gastam-
se 600 mil pesos. A diferença é fornecida pelas comissões de pais. Para roupa e calçado,
há uma verba de 30 mil pesos..
Mas há um projeto para elevar esses algarismos. Não nos lembramos bem se os
pretendem duplicar ou triplicar, mas é qualquer coisa assim grandiosa.
IMPRESSÃO FINAL
O Professor Crescencio Cóccaro mostrou-se, em toda a palestra como o
advinharamos pelo discurso.
Disse-nos coisas assim:
_ “Nos Estados Unidos ensinam a criança a significação da vida. Ela sabe lidar
com dinheiro, desde pequena... Compra o seu “copo de leite”. Nós achamos que a
criança, pelo próprio fato de ser criança, deve viver isenta dessa preocupação. Tem
direito à sua infância...”
Não é uma opinião digna de respeito?
Mais adiante:
_ “Mas, os Estados Unidos têm esta coisa excelente: são ecléticos, em métodos.
Estudam tudo. E procuram dar a todas as crianças as mesmas possibilidades.”
Sobre métodos, ainda, observou:
_ “Na minha opinião não há método melhor que o professor perfeito. Quando se
sai da aula, sentindo o contato com a alma da criança, pode-se ter certeza de que ela
também ficou sentindo o contato da nossa alma...
23/07/1930
poupava espaço no jornal para elogiar os colegas desta parte do mundo em que vivemos.
Vejamos o que escreveu sobre Gabriella Mistral, também como Seguel, chilena, poeta,
educadora que veio posteriormente a receber o Premio Nobel.
O entusiasmo de Cecília Meireles pela América Latina e pelas relações com a Iberoamérica
foram muito estimuladas por seu contato com Alfonso Reyes quando foi embaixador do
México no Brasil (1930 a 1938). Ele já era um intelectual importante quando veio para o Brasil
. Desenvolveu uma relação muito fecunda para a aproximação intelectual dos dois países.
É interessante notar que editava um correio literário, Monterrey, através do qual difundiu a
cultura mexicana no Brasil dando chance a alguns poucos escritores brasileiros se fazerem
conhecer no México. A tarefa de intercambio cultural era desequilibrada . Na realidade a função
diplomática de fazer o México conhecido no Brasil prevaleceu. Mas, ele exerceu influencia
estimuladora entre políticos , como o jovem Carlos Lacerda e muito maior entre intelectuais
brasileiros que se tornaram seus amigos como Manuel Bandeira ,Ribeiro Couto, Ronald de
Carvalho e Cecília Meireles que se correspondeu com ele de 1931 até mais ou menos 1940
.Segundo Regina Aída Crespo , Reyes forneceu a Cecília Meireles “livros e revistas mexicanos
sobre educação e cultura popular” (CRESPO, 2003:207) , assuntos com os quais ela estava
muito engajada .
Como Gabriella Mistral, Cecília Meireles dentre as Artes além da Literatura valorizava
especialmente o cinema, mas nos deixou várias crônicas sobre Arte na educação de um ponto
de vista geral e nas Artes Plásticas e no Teatro em especial. Somente no Jornal A Manhã
escreveu 9 artigos sobre o assunto entre agosto 1941 e janeiro de 1942 e acredito que
escreveu muito mais entre 1929 e 1931 no Diário de Notícias.
A interrelação dos arte/educadores dos países Latino Americanos ainda está para ser
construída apesar do Mercosul e principalmente da Bienal do Mercosul que tem uma influencia
muito positiva restrita principalmente ao Rio Grande do Sul
Houve uma extraordinária tentativa como o FLAAC (Festival Latino Americano de Arte
e Cultura) idealizado por Laís Aderne com a colaboração dos professores da UNB em Brasília
na década de 80. Mais de mil Latino Americanos de todas as Áreas de Arte, de fora do Brasil
se reuniram em Brasília para celebrar nossa união. Laís Aderne , poucos anos depois ,quando
era Secretaria de Cultura de Brasília ,organizou outro Festival Latino Americano que não teve a
importância do primeiro, pois imperaram as intrigas políticas e os boicotes contra ela. Nos anos
setenta um Congresso no Rio de Janeiro organizado pela mulher de um político da ditadura
e dono de jornais ,também grandioso, em nada resultou pois era mais uma demonstração
de poder da organizadora que desempoderou os arte/educadores pois convidou para as
palestras principais apenas pessoas famosas e seus amigos. Restou apenas os anais graças
ao trabalho dedicado de Cecília Jucá, que foi além de sua tarefa de designer.
A criação do CLEA, Comitê Latinoamericano de Educação pela Arte foi criado em 1984
no Rio de Janeiro. Trata-se do comitê da INSEA que representa a América Latina. Muitos
membros criadores deste Comitê continuam até hoje lutando por intercomunicação e ações
conjuntas, mas não temos dinheiro para estas operações. Apesar disto conseguimos realizar
muitos Encontros e Congressos.
Um livro sobre a História do Ensino da Arte na América Latina foi organizado por Manuel
Pantigoso membro fundador e representante do Peru que também tem Myriam Nemes como
sócia fundadora .
Os membros fundadores Victor Kon, na Argentina, Salomon Azar no Uruguai e Dora
Aguila no Chile permanecem como os baluartes do CLEA. Perdemos em 2008 um dos
membros fundadores, a artista e educadora Olga Blinder do Paraguai. Luís Errazuriz do
Chile e eu também somos membros fundadores, contudo nos dedicamos mais a INSEA, da
qual fui presidente do que propriamente ao CLEA. Só nos últimos 14 anos, depois de minha
aposentadoria da USP é que tenho dado maior atenção ao CLEA. Olga Olaya que se juntou
ao grupo nos anos 90 foi uma força motriz da instituição e trouxe com ela seu orientador de
doutorado Ramon Cabrera de Cuba. Pela primeira vez, nos seus 25 anos de existência, a
Secretaria do CLEA (equivale a presidência) esteve no Brasil, nas mãos competentes de Lucia
Pimentel de 2006 a 2010. Lúcia Pimentel organizou um Congresso em 2009 na Universidade
Federal de Minas Gerais que juntou o CLEA e a Federação de Arte Educadores do Brasil.
A partir de 2008 encontramos na OEI, Organização dos Estados Iberoamericanos uma
aliada para intercâmbios e ações comuns que tem organizado e patrocinado encontros e
publicou em 2009 um livro, “Educação artística cultura e cidadania”, organizado por Lucina
Jimenez, Imanol Aguirre e Lucia Pimentel.
Ainda há muito que fazer pelo entendimento Latino Americano em Arte/Educação.
Vamos ao outro tópico que apaixonou Cecília Meireles e nos interessa especificamente,
o Cinema, que muitos arte/educadores esquecem que é Arte.
A Cultura Visual vem conferindo importância ao Cinema na Educação, mas para não
mediocrizar a escolha e a recepção dos filmes é preciso pensarmos que Cinema é Cultura
Visual mas antes disto é Cinema, como se depreende dos escritos de Alice Martins, uma das
pesquisadoras de cinema na educação mais atuantes do Brasil.
Segue-se uma entrevista concedida por Cecília Meirelles sobre a Cinematografia
Educativa.
A CINEMATOGRAFIA EDUCATIVA
A Sr.ª Cecilia Meirelles, entrevistada pelo O JORNAL, fala sobre a próxima
exposição e relata os resultados obtidos com a sua modesta “empresa” da Escola de
Aplicação.
UM NOVO LEMA
_ “Um dos elementos de mais imediata importância nas escolas de hoje –
continuou a Sr.ª Cecilia Meirelles – é o cinema educativo. Ao lado do “learning by doing”
das escolas americanas, poder-se-ia inscrever também o “learning by seeing”. Porque,
na verdade, nós, e as crianças, também aprendemos vendo. Há uma generalizada
cultura popular que em grande parte se deve a essa difusão de conhecimento que o
cinema-diversão insensível, mas progressivamente faz.
O cinema nos mostra paisagens de todas as zonas, animais de todas as faunas,
costumes de todos os tempos e regiões. O espírito das épocas e das raças se faz
evidente através dos filmes históricos. E os tempos atuais, com os mais recentes
inventos, com as mais arrojadas aventuras, podem ser vividos e compreendidos em
toda a sua intensidade dentro de poucos minutos sobre uma tela próxima”.
Além de instrutivo, o cinema pode ser considerado até curativo, quando projeta
um Buster Keaton, e filosófico, quando apresenta Chaplin.
Mas o que interessa ao professor, em primeiro lugar, é que a criança, como o
adulto, ou mais que ele, aprecia via mente o cinema. Isso e não mais, seria suficiente
para afirmar que o cinema é uma necessidade das escolas.
Todos que já tiveram oportunidade de fazer uma projeção luminosa numa escola,
qualquer que fosse o assunto, hão de ter observado o seguinte: que o simples fato de
pôr ao alcance da criança (??) cidade: que o cinema ou a simples projeção fixa tem
para a criança uma realidade tão grande que as menorzinhas tentam pegar com as
mãos as figuras projetadas: que, após uma projeção, a lembrança das imagens vistas
é mais nítida e mais duradoura que a das mesmas imagens oferecidas por meio de
uma lição falada, e mesmo pela simples apresentação de figuras. Chego a crer que as
coisas vistas por esse meio sejam mais bem observadas que na natureza quer porque
NECESSIDADE NATURAL
Justificando as vantagens do novo instrumento de ensino, prosseguiu a professora:
_ “A introdução do cinema nas escolas não obedece, pois, a um capricho da
moda ou a qualquer intenção apenas decorativa. Obedece a uma necessidade natural
a que as circunstâncias do progresso humano podem atender.
Se a nossa vida se resumisse no lugar que habitamos e nas coisas que estão
mais perto de nós, seria tão fácil... ... _ conduzir a criança até essas coisas. Mas a vida
se desenvolve em campos mais vastos. Nós temos de conhecer todo o mundo, e todos
os homens, para compreendermos certas coisas universais. E o cinema, o cinema
bem orientado, bem organizado e bem dirigido (orientado nas seleções, organizado de
acordo com as capacidades a que se destina, e dirigido conforme as oportunidades,
pode ser como um grande livro ilustrado, que a criança interessadamente lê, metade nas
legendas, metade nas figuras. Sem esquecer que o cinema falando completará ainda
mais o ideal pedagógico transportando a criança, como num sonho, para ambientes,
como se o fizesse realmente, dentro da vida.”
DETALHES DA EXPOSIÇÃO
Continuando, detalhou a Sr.ª Cecilia Meirelles:
- “Como a exposição se realiza no local em que se inicia a obra do Museu
Pedagógico Central, haverá uma sala em que ficarão as realizações desse Museu. Em
outras salas serão expostos exemplares dos decretos da reforma (lei e regulamento),
programas dos vários cursos (primário, complementar anexo, profissional e normal),
modelos de uniformes , plantas, maquetes e fotografias dos prédios escolares já
concluídos ou em construção etc., etc.
Já aderiram à exposição prometendo enviar aparelhos e demais artigos de que
são importadores ou fabricantes, as seguintes firmas: Theodor Wille & Cia., Casa Lohner
S.A, John Jurges & Cia., Fox Film, Meister Irmãos, Botelho Film, Pathé Baby, A .E. B.
Kodak.
Ofereceram também apoio, pondo à disposição da comissão organizadora
valiosos donativos das respectivas especialidades os seguintes estabelecimentos:
Villas Boas & Cia., Vasco Ortigão & Cia. (Parc Royal), Papelaria Americana, Casa Mattos,
Cardinale & Cia., Marcenaria Brasil, Papelaria União e Casa Pratt.
A Urania Film apresentará os tipos de aparelhos de projeção mais modernos, de
medida Universal, contentando-se a fazer correr filmes instrutivos.
A General Electric iluminará todo o recinto da exposição, sendo que uma parte
pelo moderno sistema de luz sem sombras. Instalará também um aparelho de rádio do
tipo mais moderno e, dando o seu completo apoio a essa iniciativa pedagógica fará
distribuir sorvetes preparados nos seus aparelhos de refrigeração.
Os floristas do Mercado Municipal se ofereceram para ornamentar diariamente a
exposição.
Como todos os dias chegam novas adesões de amigos do cinema Educativo, tudo
faz prever que o certame terá uma repercussão excepcional. Durante todo o tempo que
funcionar a exposição haverá demonstrações do manejo de qualquer dos aparelhos
expostos.
É de esperar que não só o professorado, que constitui, por assim dizer, a parte
diretamente interessada pelo assunto, como todas as famílias que têm filhos nas
escolas, e todas as pessoas que se interessam realmente pelo progresso do seu país,
visitem essa próxima exposição.
Agora, mais que nunca a escola deseja ser um lar, para as crianças. Os que
sentirem a grandeza desse desejo, devem procurar saber como a escola se esforça
para o realizar”.
O cinema escolar não se iniciou em 28, com a Reforma Fernando Azevedo, mas foi
esta reforma que deu ao cinema na escola um desenvolvimento que até então não se tinha
visto .Entre 1916 e 1918 houve o projeto Cinema Escolar criado pelos Inspetores Escolares do
Distrito Federal(Rio de Janeiro) José Venerando da Graça Sobrinho e Fábio Lopes dos Santos
Luz.(FERREIRA:2004) Eles produziam os scripts e contratavam alguém para filmar, pois não
dominavam a tecnologia. Produziram vários filmes e eu tive a curiosidade de ver um deles no
acervo da CENP da Secretaria de Estado da Educação em 1983, época em que trabalhei
lá por seis meses mas fui obrigada a me demitir, depois de fazer o Festival de Inverno de
Campos de Jordão com Claudia Toni e Gláucia Amaral por não agüentar o cerceamento de
ações justamente no início da segunda democratização do Brasil, depois da segunda ditadura
que sofremos. Imaginem que em uma reunião me ofereci para convidar Paulo Freire para
conversar conosco e não aceitaram. Perguntei por que, pois imaginava que todos tivessem
estado como ele e como eu contra a ditadura. A resposta foi – Porque se a gente deixar você
domina tudo aqui. Confesso que neste dia me convenci que a Universidade era mais aberta
pois não me cerceava desde que eu trabalhasse sem dinheiro, o que fiz quase a vida toda.
Havia também no acervo da CENP muitos filmes produzidos por Humberto Mauro, ícone
da historia do cinema brasileiro, que também junto com Roquete Pinto ajudou a construir a
história do cinema na educação.
Cecília Meireles se empenhava nas relações internacionais com a América Latina e
com a Europa também, como demonstra este artigo abaixo que escreveu sobre a Maison des
Petits, escola de aplicação do Instituto Jean Jacques Rousseau em Genévè dirigido na época
por Claparede
A Dra Helena Antipof assistente de Claparede no Instituto Jean Jacques Rousseau
(IJJR) já se encontrava trabalhando no Brasil, quando Cecília Meireles publicou no Diário de
Notícias este artigo sobre a Maison des Petits, laboratório teórico/prático do IJJR. De certa
forma já estava preparando a visita de Claparede ao Brasil que como sabemos chegou ao Rio
de Janeiro dois meses depois , em setembro de 1930 Nesta época no IJJR trabalhava Piaget,
que posteriormente mudou o nome do Instituto, ou pior fechou-o para no seu lugar criar uma
Faculdade de Ciências Pedagógicas onde realizou toda sua obra.
crianças sobre a origem da navegação. Com este fim organizou uma série de ilustrações
outra de uma série de narrações e construiu pequenas máquinas destinadas a fazer
com que a criança compreenda a força e o papel do vapor.
Toda organização e o ambiente da casa às conduz a esta lei pedagógica: uma
lição deve ser uma resposta (Dr. Claparede).
Cada dia de trabalho dá lugar a palestras, discussões, induz o aluno a novas
investigações, e estimula o desejo de aperfeiçoar-se. Reúne-se uma vez por semana
um curso de 2 horas, com cada grupo de alunas (primeiro e segundo ano). As alunas
adiantadas apresentam trabalhos pessoais relativos aos seus ensaios de prática; todas
juntas estudam o material empregado com a criança, os diferentes métodos de ensino
Froebel, Montessori, Dewey, Decroly, etc....
A aluna que quiser pode iniciar-se praticamente nestes métodos, reservando-se
uma pequena sala para esse fim. O material completo está a sua disposição e pode
organizar um ensaio com um pequeno grupo de crianças.
Reservam algumas horas por semana para preparação do material de ensino,
jogos educativos de toda espécie, por exemplo: Tendo uma aluna notado um defeito
qualquer de linguagem em uma criança, estudou para preparar por meio de ilustrações
exercícios próprios que o corrigissem.
Tem também de aprender a conhecer a guiar a criança nos seus brinquedos ao ar
livre, no trabalho de jardinagem, nos seus passeios, visitas aos museus, oficinas, etc...
O campo e experiências é muito grande. Só podemos falar aqui do trabalho feito
sob a nossa direção e é necessário consultar o programa do Instituto Rousseau para
inteirar-se da grande quantidade de cursos e ensinamentos que se oferecem às alunas.
A educadora digna deste nome deve ser viva, entusiasta, livre de interesses
pessoais e de idéias fragmentárias e pré concebidas. Deve possuir as qualidades
indispensáveis de espírito curioso, investigador, experimentador, e se deixará sempre
levar pelo amor e pela dedicação à criança. Sem se deixar dominar ou encadear por
nenhum método procurará não unir se à letra que mata, mas ao espírito que vivifica.
As leis de psicologia da criança ditar-lhe-ão as leis da psicologia do professor. Ai
estão algumas delas deduzidas da nossa prática diária e formuladas com nossas alunas
no decorrer de nossas palestras.
Diário de Notícias 09/07/30
O modernismo em Arte e Educação teve uma escritora como Cecília Meireles escrevendo
nos jornais para convencer o público da necessidade do “aprender fazendo”. A virada pós-
moderna que acrescentou a necessidade do ver além do fazer Arte e a necessidade de
ampliar a visão da Escola para além de seus muros tomando em consideração a cultura dos
alunos , a cultura do meio, a cultura historicamente organizada e a cultura contemporânea,
não encontrou nenhum apoio nos meios de comunicação.
Notas
i Os artigos e entrevista de Cecília Meireles apresentados neste artigo são inéditos e portanto não
fazem parte das coletâneas publicadas.
ii Agora no Brasil chamamos educação continuada.
iii Trata-se do livro AUDEMARS, Mina e LAFENDEL,Louise.La Maison dês Petits de l’Institute Jean
Jacques Rousseau.Neuchatel:Delachaux et Niestle S.A.sem data
Referências
DIÁRIO DE NOTÍCIAS. Rio de Janeiro, 9 jul. 1930.
NEVES, Margarida de Souza, LÔBO, Yolanda Lima, MIGNOT, Ana Chrystina Venâncio. Cecília
Meireles: a poética da educação. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio: Loyola, 2001.
CRESPO, Regina Aida. Cultura e política : José Vasconcelos e Alfonso Reyes no Brasil (1922-
1938). Revista de História, São Paulo, ANPUH. v. 23, n.45 , 2003 p.187-207.
Resumo
Esse trabalho analisa a interface entre a moda e a música a partir
da perspectiva de análise da constituição de modelos identitários
por ela disseminados. Tomamos como objeto empírico a Black
Music que surge nos anos 60 nos Estados Unidos, dando origem
ao movimento soul, em seus reflexos na moda e na constituição
de um ideal de identidade e orgulho negros. Entendemos que
a moda black surgida a partir dos anos 60 do século passado,
ainda hoje é um determinante na constituição da identidade de
determinados grupos sociais, como a tribo hip-hop e, sendo um
fenômeno duradouro e com características políticas marcantes,
merece uma análise mais apurada.
Os fenômenos que povoam o universo da moda, ainda que muito discutidos, ganham
perspectiva acadêmica somente a partir do final do século passado. Desde a antiguidade
os trajes já eram considerados elementos de diferenciação social. Nobres distinguiam-se de
plebeus, trabalhadores rurais do homem citadino. Distinções acerca da etnia e da religiosidade
revelavam-se pelos trajes usados. No transcorrer do século XX, principalmente no período pós
Segunda-Guerra, a moda começa a ser disseminada em grande escala, com o advento do
prêt-a-porter, com os modelos prontos, que podiam ser adquiridos nos magazines em todo o
mundo. No final dos anos 50, a geração baby-boom busca nos tipos sociais estereotipados
no cinema e na música os modelos de filiação e de afirmação de sua identidade. A grande
revolução na vestimenta começa a partir desse momento.
A moda, assim como a música, que começa a surgir a partir do final dos anos 50 tem
nos jovens seu público alvo e principais disseminadores das novas tendências. A moda para
os jovens começa a representar uma primeira forma de diferenciação e identificação dentro de
seu grupo social.
Essa preocupação com o visual diz respeito, em primeiro lugar, aos momentos de lazer.
A autora apresenta uma discussão da separação entre a vestimenta de trabalho e do lazer,
como forma de diferenciação social. Enquanto a roupa de trabalho revela o status econômico
e social, essa distinção deixa de existir na roupa de lazer. As atividades de lazer criam uma
outra esfera de inserção social, que não a da estratificação econômica.
A escolha da roupa hoje reflete muito mais a opção de apresentar-se ao outro e demarcar
questões de identidade, do que a simples imitação de um modelo sugerido pelas instâncias de
formação de opinião, surgidas geralmente a partir dos apelos midiáticos. A escolha da roupa,
muitas vezes, reflete a maneira do indivíduo perceber-se no mundo.
Aí nós criamos aquela imagem de uma pessoa forte, bem nutrida, pobre da
periferia, mas com saúde. Mostrar que a gente não vivia sob aquele [...] não
era tudo crioulo que era tudo maluco, como é que falavam: ‘esse negão aí’.
Então a gente botou aquela imagem. Minha falecida esposa, Angélica Maria,
criou a grife, criou a imagem. Ela me vestia dos pés a cabeça, mandava fazer
as botas, quer dizer, ela criou a imagem da pessoa, do King. King o forte,
gordo, bem nutrido, come bem. Eu adorei porque as pessoas me curtem até
hoje. E o que acontece no soul? Eu não posso me apresentar assim, sem
aquela vestimenta porque parece que, eu estou disfarçado, eu ando na rua
quase ninguém me conhece. Se eu botar certa touca, aí na mesma hora. Quer
dizer, ficou a imagem. (Gerson King Combo, 02 jul. 2007).
A trajetória da black music no século XX começa a ter seu papel escrito a partir do blues.
Atribui-se sua origem ao lamento dos escravos trazidos para os campos dos Estados Unidos. De
suas origens africanas, os negros trouxeram os chamados hollersii gritos de entonações fortes
e diferentes que identificavam seus emissores. Eram, a princípio, uma forma de comunicação
nos campos do sul do país, mas também podiam ser ouvidos nas grandes cidades, nas
vozes de vendedores que anunciavam seus produtos de maneira peculiar. Grande parte dos
pesquisadores atribui o desenvolvimento do blues às work-songs, canções que objetivavam
organizar o trabalho escravo, conferindo-lhes ritmo e cadência. O spirituals, hinos religiosos
criados pelos negros a partir de histórias da Bíblia, também exercem uma grande influência no
surgimento do blues, pois os seus acordes básicos são derivados da harmonia européia das
canções religiosas. A difusão massiva da música nos Estados Unidos ocorre com o advento
do rádio e da evolução da indústria fonográfica, que percebe nas diversas variantes do blues e
em seus consumidores espalhados por todo o país, um mercado potencial e em crescimento.
O período pós Segunda-Guerra, marcado por uma atmosfera de otimismo e prosperidade
econômica, alavanca a indústria dos gadgets, incluídos aí os toca-discos proporcionando
um aumento de público para os produtos musicais e a incorporação de uma nova massa
de consumidores: os jovens. A incorporação dos estilos musicais vindos dos guetos, a
crescente indústria de consumo de massa cada vez mais voltada para o público jovem e o
desenvolvimento acelerado dos veículos de comunicação tendo em primeiro lugar o rádio e
posteriormente a televisão, possibilita a difusão dos gêneros musicais e sua assimilação por
camadas cada vez maiores de jovens, ávidos pela identificação com os novos ídolos que
começam a surgir.
A novidade da década de 1950 foi que os jovens das classes alta e média, pelo
menos no mundo anglo-saxônico, que cada vez mais dava a tônica global,
começaram a aceitar a música, as roupas e até a linguagem das classes baixas
urbanas, ou o que tomavam por tais como modelo. O rock foi o exemplo mais
espantoso. Em meados da década de 1950, subitamente irrompeu do gueto
de catálogos de ‘Raça’ ou ‘Rhythm and blues’ das gravadoras americanas,
dirigidos aos negros pobres dos EUA, para tornar-se o idioma universal dos
jovens, e notadamente dos jovens brancos. (HOBSBAWM, 1999, p. 324).
O rock passa a ditar comportamentos que rapidamente são incorporados pela indústria
do entretenimento, a partir da criação dos novos grupos e artistas brancos, que incorporam os
elementos da black music abrindo espaço para o consumo de seus produtos.
aparecia como que ligado a uma condição degradante, da qual não se queria
mais ouvir falar. Em contrapartida, a Igreja conduzia a luta de libertação dos
negros e sua tradição musical - o gospel - ainda ganhava consideração.
(HERZHAFT, 1989, p. 113).
A soul music, portanto, demarca os “limites com a América branca” ao utilizarem uma
linguagem específica denominando-se “irmãos” - brothers e “irmãs” - sisters, “que reunia-se
em uma comunidade solidária e fraternal que brilhava pela alma (soul)”. A pobreza, associada à
discriminação racial, somada ao fervor religioso desencadeado pelo gospel foram os elementos
que nutriram a cultura que no final dos anos 60 seria sinônimo de reação aos maus-tratos,
da busca da igualdade entre os homens e do orgulho racial - a soul music, tanto nos Estados
Unidos, como posteriormente em outras partes do mundo, inclusive no Brasil.
A chegada do movimento soul em nosso país coincide com o auge da ditadura militar.
No final dos anos 60 e início dos 70 começam a despontar os primeiros bailes no Rio de
Janeiro. Em pouco tempo surgem várias equipes de som que promovem bailes por toda
a cidade. Em alguns bailes são apresentados filmes que exaltam o orgulho racial. Por essa
mesma razão, são fortemente controlados pelas forças policiais.
Nesse período, fortemente marcado pela repressão política, surgem os festivais de
música, promovidos pelas redes de televisão com o apoio, e até mesmo patrocínio, em alguns
casos, do governo militar.
três círculos iluminados acima das folhas de três portas giratórias por onde
surgiam os cantores. Os dois primeiros eram Mariá (revelação de cantora no
FIC anterior) e Luís Antônio (também premiado em outros festivais) à frente do
grupo com seis músicos - todos negros vestindo batas africanas coloridas,
liderados pelo pianista Dom Salvador ao órgão, para interpretar ‘Abolição
1860-1980’, dele e Arnoldo Medeiros, gênero spiritual. ‘Não, não se pode falar
em Black Power ou coisa assim’, declarou a cantora quando indagada se a
música tinha caráter político no tocante a racismo. ‘Tem grande vinculação
com a raça, raízes negras [...] mas sem intenções racistas, só musicais’. A
apresentação da primeira concorrente, bastante aplaudida, dava a pista do
que seria a tônica desse ano, a produção cênica das canções alimentada pela
soul music. Sendo artistas negros então, as chances eram maiores (MELLO,
2003, p. 373).
Nesse festival, dominado pelos ritmos da black music que esteve presente em várias
composições, dois nomes causaram sensação em suas apresentações: o maestro Erlon
Chaves, que com a composição Eu Só Quero Mocotó desafiava a plateia ao ser beijado e
reverenciado por mulheres brancas. E no estilo James Brown e do Harlem novaiorquino surge
Toni Tornado, com cabelo, dança e gestos do movimento black power, cantando BR-3. As
reações às apresentações de ambos levaram a plateia ao delírio, mas desagradaram muitos
setores da conservadora sociedade brasileira. Os problemas e perseguições acarretados
aos dois intérpretes serão mais um episódio lamentável de nossa história. No entanto, sua
participação alavancou o movimento soul em todo o país.
Mello (2003, p. 390) afirma que o “V FIC deixou um rastro de racismo, uma marca
de preconceito contra artistas da raça negra”. No entanto, se por um lado a repressão nos
bastidores aconteceu com tanta força, por outro, o que foi visto por milhares de negros foi
outra. O V FIC foi uma demonstração do poderio do negro, de seu talento e orgulho da
raça. A revolução da black music no país já estava em marcha, em um processo que parecia
irreversível.
Percebe-se que a partir dos anos 60, com a ascensão dos movimentos pela igualdade
racial, sexual, movimento feminista, movimento hippie e o movimento estudantil, entre outros, a
moda passa a ter características políticas. O vestir torna-se uma declaração político-ideológica.
A moda black representa o movimento de afirmação da identidade negra.
Pode-se afirmar que a moda soul iv, como toda moda, mantém uma relação
direta e ininterrupta com o costume. Mas, por seu compromisso específico
com um grupo étnico em condição minoritária, o diálogo estabelecido é duplo
ou, se se prefere, referido a dois diferentes costumes ou tradições. De um lado,
a moda soul dialoga com o costume dominante na sociedade envolvente,
tomando-o como referência a partir da qual procura se distanciar e diferenciar.
De outro lado, ela evoca - e dialoga - com o costume e a tradição nos quais
o grupo vai buscar resgatar sua originalidade e o que seria sua autenticidade
(GIACOMINI, 2006, p. 201).
eram umas obras de arte porque eram sapatos com tom sobre tom que eles
chamavam de salada de frutas. (Mr. Funky Santos, 03 jul. 2007).
A distinção entre os grupos era fortemente marcada pelas visões políticas com as quais
se identificavam no momento, e passava ao largo de outros setores da sociedade que não
tinham (ou ainda hoje não têm) afinidade com o estilo dos blacks. Existiam basicamente dois
grupos: o que se identificava com os ideais africanos e aquele mais próximo ao poder negro
do Black Panther. Dom Filó, responsável pelos mais prestigiados bailes no Rio e pela equipe
de som Soul Grand Prix, era adepto deste último e explica a distinção:
Você tinha aqueles que eram apaixonados pela África, usavam aquelas calças
coloridas, o cabelo também era afro ou trançado. Na época não era muito
trançado era mais afro porque não tinha ainda a leitura das tranças, mas já
tinham os coquinhos que eram feitos em casa, que ganharam publicamente
a rua com aqueles barbantes coloridos. E as batas que eram características
daquele jovem, o consciente. (Dom Filó, 03 jul. 2007).
Convivendo com o modelo afro, o visual Black, inspirado no grupo político norte-
americano Black Panthers, que era mais agressivo.
E por outro lado tinha aquele que já fazia o visual diferente que era o black, o
visual que começamos a assumir. Você tinha na época, muito pouca opção
de roupa. Não tinha silk screen, não tinha nada. Você tinha camisas que eram
pintadas pelos próprios blacks e eles tiravam, alguns especialistas pintavam,
das próprias capas dos discos que geralmente eram da Soul Grand Prix, de
James Brown. Eles pintavam aquelas camisas coladas no corpo que eram
malha Hering mais baratas, mas sempre calça jeans que na verdade deixou
de ser Alpargatas para ser a calça Lee que começaram a ser compradas
no câmbio negro, geralmente nas zonas de cais do porto. Então você tinha
algumas coisas que eram praxe, as calças jeans que vinham largas e eram
todas apertadas no contexto Black e os sapatos eram todos característicos
porque eles eram plataformas que tinham dois andares, coloridos, tinham todo
um outro traçado. Você tinha, além disso, o visual. Então o visual do cabelo
começa a ser o seguinte, quanto maior mais lindo, mais bonito, mais maneiro,
mais formoso. (Dom Filó, 03 jul. 2007).
Assim, outro elemento fundamental na composição do visual black era o cabelo, que
pela primeira vez era usado ao natural, sem alisar e em tamanho maior. No auge do movimento
soul, no final dos anos 60, a maioria dos cantores aderiu ao visual black power, de James
Brown a Toni Tornado.
Para falar a verdade naquela época você tinha dois cortes, ou esse que era
o meu e de alguns adeptos, o black-power, e aqueles que usavam o Príncipe
Danilo que era rapadinho do lado e só uma cuia na cabeça. Até dentro de casa
a gente tinha uma pressão da mamãe, do papai, eles diziam: ‘não vai cortar
esse cabelo, tá parecendo macaco’. Então a gente já tinha no subconsciente
que não podia passar de um centímetro o cabelo, ou melhor, meio centímetro.
Então, isso aí fez com que alguns começassem a discutir essa questão da
discriminação. (Dom Filó, 03 jul. 2007).
Importante também era a questão do cabelo, tinha uns caras com o cabelo
desse tamanho igual um repolho. E às vezes chegava com um ouriçador que
era uma madeira com 5 grampinhos assim de ferro para ouriçar o cabelo. Ficar
com cabelo redondão e ir para os bailes, aquilo era impressionante. (Mestre
Tito, 12 fev. 2006).
O orgulho negro revelava-se nos cabelos, que também eram um incômodo para
O cabelo também é visto como marca ou sinal que melhor e mais decididamente
que qualquer outro, expressariam - ou negariam - o orgulho negro. Trata-se
de um ato de politização do cabelo, a generalização de uma leitura política
do penteado: o penteado transformado em manifesto. (GIACOMINI, 2006, p.
203).
Um aspecto curioso, é o fato de as calças do terno zoot terem a cintura bem alta, como
pode ser percebido nas fotos abaixo. Esta é uma característica também da indumentária dos
blacks do movimento soul em Belo Horizonte, ainda hoje.
Ouriçador, suspensório, a calça era muito alta a calça pegava aqui (no meio
do peito). Inclusive a minha calça pegava aqui (no meio do peito) com dois
suspensórios e uma camisinha por dentro. Era uma coisa impressionante na
época dos blacks mesmo, essa coisa do James Brown estava tocando em
todas as casas de BH. (Mestre Tito, 12 fev. 2006).
O terno zoot [...] codificava uma cultura que exaltava uma identidade específica
de raça, de classe, de gênero e de geração. Os habitantes da costa leste
que o usavam durante a guerra eram basicamente jovens negros e latinos, da
classe operária, cujos locais de vida e círculo social limitavam-se aos guetos da
região noroeste, e o terno refletia uma luta pela negociação dessas identidades
múltiplas em oposição à cultura dominante. (MARTIN; KODAv apud CRANE,
2006, p. 362).
Outra explicação surge na fala dos frequentadores do movimento, ainda que, no fundo,
ela tenha o mesmo sentido da utilização do zoot. Os blacks de Belo Horizonte optaram pelos
trajes “formais”, entendidos como os ternos, em função da discriminação feita pela polícia.
Então é o que acontece: nós criamos, nós pensamos assim, nós temos que
mudar a cara a personalidade desse baile. Porque quem usa terno tem uma
visão diferente. Você pode ver se você colocar um cara bem vestido assim
desse estilo (mostra sua roupa, um terno). E pegar um outro com um bermudão
no meio da canela caindo, cheio de correntes e de tatuagem, assim tem uma
suspeitazinha. Então o que nós começamos a fazer? A ir para o baile de terno,
de paletó, você representando um cidadão. Nós usamos terno. Então esta
coisa está até hoje, porque o black em Belo Horizonte ele usa terno, roupa
social, sapato. (Ronaldo Black, 16 jun. 2007).
Na fala do dançarino, que ainda hoje participa do movimento soul, revela-se o sentimento
de exclusão e a tentativa, pela vestimenta, de se inserir na vida social: “você representando
um cidadão”. O sentimento de cidadania, de fazer parte da cidade não existia entre os blacks
naquele momento. Como completa Lourinho, outro dançarino que viveu a época, o terno seria
uma forma de “melhorar” sua situação frente à polícia:
O pessoal achou ‘na feira hippie dá muita batida’ então a polícia está dando
batida demais, aí o pessoal falou assim: ‘oh gente, pra melhorar, vamos usar
terno’. Isso já foi na caída de 77 pra 78. Então a gente dançava lá e começou a
usar terno porque estava dando muita batida, eu mesmo fui pra conversar com
o delegado umas seis vezes porque sem documento antigamente, menor tinha
que andar com documento, a maioria trabalhava e tal, mas a gente, negro [...]
Nos bailes os trajes tinham toda uma concepção voltada para a dança. A calça, os
acessórios, sapatos, tudo fazia parte de uma encenação de um determinado ideal de beleza.
Os modelos variavam desde aqueles que se identificavam com o personagem principal do
filme Shaft, até os que seguiam o cantor James Brown, ou os modelos dos gangsters dos anos
30/40, de clara inspiração na vestimenta zoot. O terno caracterizaria uma forma de inserção
dentro de um modelo aceito socialmente, mas não deixando de afirmar a sua identidade,
pelos acessórios a ele atrelados, como os sapatos. Os sapatos, ainda hoje, constituem o foco
da atenção dos dançarinos. Os modelos de plataforma dos anos 70 foram substituídos, em
Belo Horizonte, pelos sapatos bicolores, símbolo de elegância retrô.
Pode-se observar que a roupa, na maioria das vezes é mais simples, tecidos mais
baratos. Mas os sapatos são sempre caros. Em Belo Horizonte os dançarinos do soul
podem adquirir os modelos bicolores mais simples em apenas uma sapataria. Os modelos
mais sofisticados, ainda hoje, são produzidos e personalizados, por uma única loja - Vivaldo
Sapatos. Eles não custam menos de R$200,00, um custo bastante elevado para a maioria
dos frequentadores dos bailes e do Quarteirão do Soul, espaço que desde 2004 reúne os
blacks da velha guarda e muitos jovens, aos sábados na região central de Belo Horizonte, que
também não abrem mão dos sapatos.
Esse flutuar você usava as mãos pra se equilibrar. Então, por isso se usava luva
porque você mostrava mais a parte e as luzes que faziam efeito, geralmente
com a bengala, por que era ousado. Por que o sapato era brilhoso? Porque
a parte mais importante do black era o sapato. Era o ‘tchan’. Não existia tênis
na época. Ninguém ia de tênis. Então você tinha que fazer um sapato. Ele era
feito sob medida, duas cores, três cores e, geralmente, em verniz. Com isso
se criou uma identidade. O visual do Black tem todo um sentido. E por que a
calça era apertada? Exatamente para aparecer o sapato. Sendo boca sino era
apertada, era difícil de colocar, pois era uma calça muito justa para passar o
movimento das pernas, para mostrar o brilho das pernas. Ali você identificava
o dançarino e na hora de dar o ‘espaguete’ que é quando você abre as pernas
e dá o ‘espaguete’, tem todo um contexto, na dança e na expressão da roupa.
(Dom Filó, 03 jul. 2007).
elegantemente. Não existe nenhum traje mais elegante que um traje social, um
sapato bicolor, então tudo faz parte da dança. Às vezes você vê um dançarino
de nariz em pé e tudo é porque ali ele incorpora um personagem e ali ele
começa a soltar aquilo ali, tem uns que fazem uma postura de mafioso e tudo
porque o mafioso também ele traja bem, são impecáveis os trajes dele, então
é por isso que o traje é uma parte do Soul Music, não tem condições do
camarada de esporte fazer os passos de Soul, fica uma coisa ridícula, é a
mesma coisa que jogar futebol de calça esporte. (Stevie, 16 jun. 2007).
A gente ia com uma roupa e já deixava outra roupa pronta, aí você dançava.
Porque um dos mandamentos blacks que a gente tem é que nunca você
dança a primeira música lenta com a dama porque normalmente você está
todo molhado de suor. Então você pode ver o black sempre tem um lencinho
no bolso. Por exemplo, se pintar que você tem que dançar com uma menina,
pelo menos você disfarça o suor. Como a gente morava perto o que a gente
fazia? Ia com uma roupa, mas já pensava em outra e colocava em cima da
cama. Colocava em cima da cama, pois na hora da lenta você ia para a casa
rapidinho e trocava de roupa e já vinha com outro visual. Para você não levar
sacola. E a gente dançava até o som acabar. A gente também colocava graxa
atrás do salto do sapato de um jeito que se andasse não prejudicasse. Aí
chegava no som você pegava com um palito espalhava aquela cera no chão
para você deslizar melhor. Outra coisa é o pessoal que fumava: eles colocavam
aquela caixa de fósforos porosa que acende o palito, colocava na sola do
sapato, ali perto do salto. Aí ele estava dançando, riscava e parecia que ele
tinha feito uma mágica, aí ficava aquele glamour. (Eduardo, 16 jun. 2007).
Todos os códigos da moda black que ainda hoje permanecem no imaginário, não
apenas dos seguidores do movimento, mas das novas gerações que se identificam com a
postura do orgulho negro e da afirmação da identidade. A utilização de todos esses elementos
simbólicos proporciona a identificação e revela sua alteridade.
Considerações Finais
A identidade black hoje encontra outras variações: existem os que se identificam
com o movimento hip-hop, aqueles do movimento funk, entre outros ritmos. O que todos
esses grupos sociais têm em comum é a busca de uma identidade social que se afirma pela
identificação com a música e com os elementos visuais que compõem a moda dos músicos
de cada universo. Seja encarando uma postura mais politizada como os adeptos do hip-hop,
ou mais sexualizada como os do funk é a partir da moda que esses grupos se percebem e
afirmam as diversas identidades que povoam as ruas da cidade.
A moda é constituída a partir da reflexividade social. Portanto, as mais diversas interações
e mediações promovidas pelos meios de comunicação e pela cultura de massas refletem-se,
não apenas na produção da moda, mas também nos diversos consumos e grupos sociais que
se identificam com seus signos.
Compreender assim as relações sociais que permeiam a constituição desses
signos possibilita, não apenas aos pesquisadores, mas também aos produtores de moda,
compreender um pouco como variáveis, às vezes desconsideradas, podem ser fundamentais
na identificação do consumidor e nas diversas significações que tais produtos podem assumir
em suas vidas.
A moda Black pode ser um bom exemplo de como essas identidades se constituem
a partir dos produtos da mídia, como no caso a música e, como sua identificação com ela
pode ser um reflexo dos modos de vida e da postura político-social do indivíduo. Podemos
também, a partir de sua análise, compreender as transições inerentes aos processos sociais:
da valorização da identidade negra do soul, até pensarmos na afirmação do eu pelo hip-hop.
A roupa comunica ao mundo a identidade desses indivíduos.
A moda no século XXI pode ser entendida como uma das principais formas que o
indivíduo tem de demonstrar, de maneira mais explícita, o seu estar no mundo. A vestimenta é
hoje, muito mais que um acessório, mas uma declaração de identidade do indivíduo. Portanto,
conhecer as influências que perpassam esse universo é estar em sintonia com as diversas
variantes que compõem o corpo social e perceber, por vezes antecipadamente, as tendências
que contribuirão para a transformação desta sociedade e na afirmação da alteridade dos
indivíduos, mesmo em meio a tanta padronização.
Notas
i RIBEIRO, Rita Aparecida da Conceição. Identidade e resistência no urbano: o Quarteirão do Soul em
Belo Horizonte. 2008. 192 f. Tese (Doutorado em Geografia) - Instituto de Geociências da UFMG, Belo
Horizonte.
ii De acordo com Herzhaft (1989), estes chamados também poderiam se chamar hoolies ou arhoolies.
iii Apenas o primeiro deles (I FIC), realizado em 1966, foi transmitido pela TV Rio.
iv Giacomini refere-se à moda surgida nesse período como moda soul. Preferimos optar pela
denominação moda black por ser mais abrangente e mais característica da identidade dos seguidores
do movimento que, na maioria das vezes, se autodenominam Blacks.
v MARTIN, Richard; KODA, Harold. Jocks and nerds. New York: Rizzoli, 1989. p. 209.
Referências
CRANE, Diana. A moda e seu papel social: classe, gênero e identidade das roupas. São
Paulo: Ed. Senac-SP, 2006.
GIACOMINI, Sonia Maria. A alma da festa: família, etnicidade e projetos num clube
social da Zona Norte do Rio de Janeiro - o Renascença Clube. Belo Horizonte: Ed.
UFMG; Rio de Janeiro: IUPERJ, 2006.
HOBSBAWM, Eric. Era dos extremos: o breve século XX: 1914-1991. São Paulo:
Companhia das Letras, 1999.
MELLO, Zuza Homem de. A era dos festivais. São Paulo: Ed. 34, 2003.
MUGGIATI, Roberto. Blues: da lama à fama. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1995.
Dom Filó (Asfilófilo de Oliveira Filho) engenheiro coordena a ONG LUB, Liga Urbana de
Gerson King Combo (Gerson Côrtes) cantor carioca, considerado o James Brown brasileiro.
Teve 03 discos solo lançados: Gerson King Combo (1977), Gerson King Combo II (1978)
e Mensageiro da Paz (2001), além de diversas participações em coletâneas e trabalhos de
outros intérpretes. Atualmente trabalha para a Prefeitura do Rio de Janeiro em uma creche
comunitária em Vila Isabel, mas continua se apresentando em bailes black.
Mestre Tito (José Antônio Tito) vigilante bancário desenvolve um trabalho social voltado para
capoeira. É integrante do grupo Brother Soul.
Mr. Funky Santos (Oséias Moura dos Santos) autônomo, agora faz participações nas
apresentações da Soul, Baby, Soul e do Club do Soul.
Ronaldo Black (Ronaldo Bernardo Soares) taxista faz parte do grupo de dança BH Soul.
Geralmente vai ao Quarteirão acompanhado do filho Ronaldinho, que já segue os passos do
pai na dança.
Resumo
O presente artigo tem o propósito de apresentar um estudo sobre
Ilustração Digital em Moda. Para isto, o artigo se inicia fazendo
um levantamento sobre a história da Ilustração em si, chegando
a um conceito de Ilustração de Moda, fazendo um paralelo com
a criação do próprio computador pessoal. Em seguida, foram
apresentados os principais softwares utilizados no processo
criativo de Ilustrações de Moda, como o CorelDRAW®, o Adobe
Photoshop® e o Illustrator®, visando expor as suas principais
aplicações. Após abordar os principais softwares, por fim serão
discutidas as técnicas fundamentais usadas por Ilustradores,
relacionando-as com os softwares, expondo as suas características
e aplicações. Espera-se assim contribuir com essa área de estudo
na formação de ilustradores de moda.
Introdução
O presente artigo aborda o tema Ilustração Digital em Moda, visando esclarecer a
importância dos recursos disponíveis para esse campo e também expor as técnicas que os
ilustradores profissionais utilizam a partir destes programas. A ilustração digital teve o seu início
recentemente, a partir dos anos 1990, portanto ainda carece de maiores investigações a seu
respeito.
Buscou-se levantar informações quanto à origem da Ilustração Digital de Moda, visando
compreender a sua importância para as ilustrações criadas hoje. Também foi analisada a
utilização das novas tecnologias em comunhão com os procedimentos tradicionais, assim
como buscou-se estudar a influência do uso desses aparatos no resultado final do processo
de criação de ilustrações.
Figura 1
“Evening and Walking dress”, 1827.
Originalmente publicado por J. B. Whittaker, Londres.
De acordo com Lever,
The Lady’s Magazine começou a publicá-los [os fashion plates] a partir de 1770.
E, de repente, figurinos semelhantes estavam sendo publicados em toda a
Europa. Para nós, acostumados às ilustrações de moda, é difícil compreender
que, antes da invenção do fashion plate, obter informações sobre a última
moda era [...] trabalhoso. (1989, p. 147)
O ilustrador, na maioria das vezes, tem que se comunicar com o público leigo,
provavelmente o usuário do produto. Por isso, a imagem criada tem que ser
facilmente interpretada e ter um grande apelo visual, não importando detalhes
de um desenho (ESTEVES, 2009)ii.
Nas ilustrações, a representação real da forma deixa de ser crucial, e não é necessária
a sua reprodução fiel para que o produto em questão tenha o seu destaque. De acordo com
Carvalho (2010, p.31): “O ilustrador é, antes de tudo, um leitor e sua ilustração dá visibilidade
à sua interpretação”. Cabe ao ilustrador projetar as suas impressões, interpretá-las de acordo
com a sua visão.
Cardeal e Pedrini (2007) contribuem para essa linha de pensamento, e acrescentam
que, com as facilidades tecnológicas, a ilustração tornou-se uma forma eficaz e rápida de
comunicar, de expor uma ideia. Para Dawber (2003, p. 08) a ilustração proporciona uma
expressão artística que “apela mais ao coração que ao cérebro”.
A ilustração de moda obteve notoriedade nos últimos anos devido à sua utilização na
mídia, em campanhas publicitárias e lançamentos de produtos ilustrados. Nos anos 1990,
surge um dos artistas ilustradores contemporâneos mais importantes: Jason Brooks (Figura
2). Suas ilustrações lhe renderam o prêmio Vogue/Sotheby’s Cecil Beaton por ilustração de
moda ainda na mesma década, e suas criações estabeleceram um novo conceito a respeito da
ilustração vetorizada, antes tomada por rígida e desprovida de vivacidade. O artista produziu
várias ilustrações computadorizadas em flyers para casas de entretenimento.
Outro artista notório da época foi Graham Rounthwaite, que produziu uma série de
outdoors para a marca jeans Levi’s, o que voltou os olhos do público para a ilustração digital.
Figura 2
Ilustração de Jason Brooks
Fonte: Portfolio Online, disponível em: http://www.jason-brooks.com
Hoje, com acesso à internet, pode-se encontrar com facilidade referências e conteúdos
que orientam o manuseio desses programas, compondo uma verdadeira biblioteca de efeitos,
recursos e imagens. Torna-se possível para um ilustrador aperfeiçoar as suas habilidades
técnicas e expressividade plástica através do compartilhamento de informações que a rede
mundial de computadores disponibiliza, constituindo-se no que Gomes (2010, p.52) chama de
“um vasto arquivo poético visual e objectual”.
O avanço tecnológico expandiu as possibilidades da ilustração. Com o auxilio de
computadores e de softwares especializados, tornou-se viável adicionar texturas e movimentos
com mais realidade e praticidade. Para o ilustrador, isso também significou o contato direto
e imediato com o público. Entretanto, após o surgimento e rápida propagação dessas novas
tecnologias, os ilustradores que antes trabalhavam com técnicas tradicionais tiveram que
adaptar-se:
Um scanner de alta qualidade detém um custo elevado, então, caso o artista necessite
de uma qualidade superior, é mais viável terceirizar as digitalizações em gráficas especializadas.
Outros recursos disponíveis são as câmeras digitais, tanto para composições quanto para
eventuais aquisições de imagens que irão compor o banco de imagens do ilustrador com a
finalidade nortear futuros trabalhos.
Softwares utilizados
Pode-se considerar que as imagens no meio digital podem ser classificadas em vetoriais
ou bitmaps. Imagens vetoriais são compostas de linhas e pontos, objetos matemáticos,
definidos por vetores. Já a imagem no formato de bitmap (mapa de bits) é constituída por uma
sequência de bits que formam uma figura que consiste em centenas de linhas e colunas de
pequenos elementos, chamados pixelsiv. Dependendo da quantidade de ampliação da imagem
trabalhada, o pixel não pode ser visualizado individualmente, resultando em uma percepção
da imagem em suaves gradações de cor.
A imagem vetorial, por sua vez mantém a sua nitidez quando redimensionada, ao
contrário das imagens em bitmap, que necessitam de um número considerável de pixels para
obter uma imagem nítida. Alguns softwares só produzem imagens vetoriais, como é o caso
do CorelDRAW® que por definição de Canto (2002, p. 5), são desenhos matematicamente
ligados por vários pontos unidos por linhas. Dessa forma, é possível alterar o tamanho e o
formato de um objeto vetorial sem que ele perca as suas definições – ao redimensioná-lo, ele
é recalculado matematicamente para o novo formato, sem que haja perda na qualidade final.
No tocante à edição de imagem, a criação de softwares como Adobe Photoshop®
e CorelDRAW® coincidiram com a criação de máquinas capazes de executá-los. Em 1988
foi lançada a primeira versão do programa CorelDRAW®, mas apenas em 1995 surgiu a
primeira versão do programa em 32 bits, ou seja, em cores. Este programa facilitou em muito
a criação de desenhos técnicos de moda, que é a expressão gráfica primordial do ambiente
industrial, sendo assim de significativa importância. Além da maior rapidez com que as peças
são desenhadas, a utilização desse software possibilita uma imagem perfeitamente simétrica,
dentre outros padrões de exigência específicos da representação técnica, que costumavam
requerer mais tempo e atenção para serem atingidos com ferramentas tradicionais.
Houve uma evolução gradativa em que as ferramentas vetoriais do CorelDRAW®
passassem a ser utilizadas não somente para desenhos técnicos, mas também para desenhos
estilizados e ilustrações. Para isso, torna-se necessário não somente dominar as principais
ferramentas do programa, como também possuir conhecimento também sobre o desenho
de moda. Além de linhas retas e desenhos planificados, o CorelDRAW® também permite a
criação de traços mais fluidos, transparências e outros efeitos que auxiliam na suavização da
imagem.
Outro programa da Corel Corporation é o Corel® PHOTO-PAINT, um software voltado
para edições de imagens em bitmap. Através dele é possível aplicar efeitos em imagens, como
alterar seu brilho e contraste, redimensioná-las e, assim, aprimorar o seu feitio. Também há
o Corel® Paint Shop Pro®, criado em 1991, inicialmente apenas para auxiliar usuários de
computador a modificar o formato das imagens, com alterações básicas na cor e algumas
manipulações, como alterações em brilho e contraste das imagens.
O CorelTRACE®, por sua vez, permitia converter bitmaps em gráficos vetoriais. O
programa transforma uma imagem escaneada num vetor, que pode ser editado futuramente no
CorelDRAW®, viabilizando assim o processo de vetorização de imagem. Hoje o programa foi
incorporado como ferramenta dentro do CorelDRAW®, sob o nome de Corel PowerTRACE®.
Também desenvolvido pela Corel Corporation o programa Corel Painter® destaca-se
na ilustração digital, especialmente no quesito de pintura. De acordo com Grossman (2010,
p. 11): “O Painter foi o primeiro programa de emulação de mídias naturais, criado por artistas
para artistas”. Ele tem a capacidade de imitar virtualmente qualquer técnica tradicional, e
possui uma vasta quantidade de estilos de ferramentas que permitem uma pintura digital
com muitos atributos. Grossman (2010) compara o programa com o Adobe Photoshop®,
que também é voltado para imagens com pixels, declarando que enquanto o Photoshop®
é ideal para manipulação de imagens, o Painter é mais completo em termos de ferramentas
para a pintura digital; ainda de acordo com Grossman(2010), com o passar dos anos, os dois
programas têm se tornado cada vez mais compatíveis, tornando-se assim possível criar uma
imagem utilizando os melhores recursos dos dois programas.
O Adobe Photoshop® surgiu há mais de 20 anos, e tem o seu uso geralmente ligado à
edição e retoques de imagens. Com ele torna-se possível alterar cores, ajustar a luz, adicionar
texturas e estampas e mais uma infinidade de ferramentas. Com o auxílio de um scanner e a
ajuda de uma mesa digitalizadora, pode-se finalizar um croqui feito à mão, adicionando cor
e aperfeiçoando o traço. Também é possível criar uma ilustração ou desenho de moda sem
a necessidade de um esboço inicial digitalizado: na sua área de trabalho é possível a criação
espontânea, com ajuda dos recursos do programa e da tablet:
A Adobe não batizou o seu produto como Illustrator® sem razão. Artistas
podem criar ilustrações para livros infantis, capas de revistas e artigos e uma
enorme variedade de produtos, e eles utilizam o Illustrator® para aproveitar
a alta qualidade e precisão disponíveis no programa. Uma variedade de
instrumentos, [...] permitem que os ilustradores possam traduzir as imagens
que vêem em suas mentes para a realidade. (GOLDING, 2009, pág. 17)
Técnicas e ilustradores
No campo da ilustração digital, constata-se que, apesar de inúmeras possibilidades de
ferramentas e efeitos que podem ser criados com o auxilio de softwares, algumas técnicas se
destacam.
A técnica mais utilizada pelos ilustradores é a de fazer um esboço a lápis, escaneá-lo
e então aperfeiçoá-lo em softwares específicos. A artista espanhola Carmen Garcia Huerta é
adepta a esse método: ela produz um rascunho a lápis e o digitaliza, então faz o traçado da
imagem inteira no Adobe Illustrator®. Neste ponto, são escolhidas as cores que virá a utilizar,
e então utiliza o Photoshop® para adicionar volumes, luzes, suavizar a pele (Figura 3).
Figura 3:
Ilustração de Carmen Garcia Huerta
Fonte: Portfolio Online, disponível em: http://www.cghuerta.blogspot.com/
Figura 4
Ilustração de Yuko Shimizu
Disponível em: http://koikoikoi.com
O trabalho de Miles Donovan (Figura 5) se destaca por ser digital, mas ao mesmo aliado
a recursos tradicionais, como a fotografia e a colagem. Inicialmente ele utiliza uma foto, que
é escaneada e manipulada no Adobe Photoshop®. A partir da imagem manipulada, utiliza
então o Illustrator® para separar as cores da imagemv, criando estênceis individuais, que serão
impressos. Os estênceis são cortados e pintados com spray em imagens individuais, que
serão mais uma vez digitalizadas e montadas em camadas no Photoshop®. É um processo
longo e trabalhoso, mas que garante que o artista possua controle absoluto nas formas e nas
cores de todos os elementos de seu trabalho.
Figura 5:
Ilustração de Miles Donovan
Fonte: Portfolio Online, disponível em: http://www.milesdonovan.co.uk/
Figura 6:
Ilustração de Stephen Campbell
Fonte: Portfolio Online, disponível em: http://www.art-dept.com/illustration/campbell/index.html
Nice Lopes é uma ilustradora brasileira que recentemente teve seu trabalho publicado
no livro Illustration Now, vol. 2 (TASCHEN, 2007). Ela utiliza o CorelDRAW® em conjunto com
o Adobe Photoshop® para criar as suas ilustrações vetorizadas (Figura 7). A argentina Evelyna
Callegari também produz as suas ilustrações utilizando o CorelDRAW®, criando bonecas
estilizadas e com um ar infantil, além de também produzir ilustrações mais complexas que
retratam a mulher moderna. Já o designer de moda praia e ilustrador Roger Hahn também
utiliza o CorelDRAW® para compor as suas ilustrações vetorizadas, utilizando as ferramentas
dos programas para alterar as cores dos trajes de banho das modelos com maior facilidade e
fidelidade ao modelo original.
Figura 7:
Ilustração de Nice Lopes
Fonte: Portfolio Online,
disponível em: http://nicelopes.blogspot.com
Discussão
Talvez por ser uma expressão artística mais midiática e popular, tenha sido
excluída do campo artístico durante muito tempo e hoje ela faça parte do
campo de artes visuais. Esteticamente ela se compõe de vários elementos
significativos que colaboram com o resultado final. (2009, p. 2)
de seus inúmeros recursos. Para isso, o ilustrador pode ampliar o seu repertório expressivo
através da utilização dos softwares, para assim poder aplicá-los em seus trabalhos da melhor
forma possível. Entretanto, torna-se necessário ressaltar a importância de um conhecimento
prévio em estilos e técnicas de representação tradicionais, para que a utilização dos meios
digitais sirva para aperfeiçoar todo o processo de composição das ilustrações.
Conclusão
Com a utilização de softwares e demais recursos digitais, torna-se possível criar
ilustrações com um grau de complexidade que só seria alcançada no desenho tradicional
através de muita habilidade técnica e detalhamento. Com o auxilio desses programas, pode-
se retocar, alterar e colorir as ilustrações digitalizadas, atribuindo tanto mais vivacidade quanto
mais uniformidade ao desenho. Também se podem incorporar tecidos e texturas, sobrepondo-
as ao traço, e também representar estampas com mais precisão.
O universo dos recursos digitais enriquece o trabalho, valorizando o traço manual.
Existem inúmeras possibilidades de utilização, tanto na criação direta da ilustração quanto na
combinação entre o desenho digital e outras técnicas tradicionais. Torna-se assim necessário
deter conhecimento abrangente a respeito das ferramentas e programas existentes, assim como
adquirir referências para compor o processo. Todas essas ferramentas auxiliam na elaboração
de uma ilustração autoral, com significação e impacto, diferindo-se dos desenhos de moda.
Uma ilustração que seja capaz de refletir a contemporaneidade, atingindo o expectador por
meio da sensibilidade e da experimentação:
Não obstante possuir domínio das mídias artísticas tradicionais, como também
conhecimento abrangente sobre as ferramentas disponíveis dos softwares, o ilustrador
possui o desafio também de se diferenciar dos demais. A inclusão digital permite que muitos
outros artistas exponham o seu trabalho, gerando assim uma rede vasta de ilustrações,
ilustradores e imagens. Pode-se considerar que um dos maiores obstáculos para o ilustrador
na contemporaneidade é atingir a identidade visual de sua produção imagética.
Por outro lado, é exatamente o caráter personalizado e diversificado da ilustração que
têm lhe conferido o prestígio perdido para a fotografia. As imagens de moda retratadas através
dos ilustradores refletem além das inovações digitais, uma longa tradição pictórica, aliada ao
seu poder de comunicação. As ilustrações digitais fazem parte de nosso contexto cultural e
unem arte e tecnologia na busca da representação da expressividade contemporânea.
Notas
i Termo em inglês que significa, em tradução livre, tela de moda. As fashion plates eram imagens
que circulavam em revistas especializadas e através de costureiras, expondo o que havia de novo no
mundo da moda em forma de ilustração.
ii Disponível em: http://www.cadesign.com.br/artigos/comunicacao-entre-o-projetista-e-o-ilustrador.
html
iii Disponível em: http://www.webartigos.com/articles/3892/1/Cefetinho---A-Ilustracao-Pedagogica/
pagina1.html#ixzz16mcCZnn1
iv Pixel: abreviatura de picture element - elemento da imagem.
v As imagens na tela do computador são formadas por camadas de cores sobrepostas, chamadas de
RGB (a abreviatura do sistema de cores aditivas formado por Vermelho - Red, Verde - Green e Azul -
Blue). A união dessas camadas dá a cor da foto.
Referências
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Distância. In: Modapalavra E-periódico, ed. 4, 2009.
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KOERS, Diana. Picture Yourself Learning Corel® Paint Shop Pro® Photo X2. Boston:
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LAVER, James. A roupa e a moda. São Paulo: Cia. das Letras, 1989.
TALLON, Kevin. Digital Fashion Illustration with Photoshop and Illustrator. London:
Bastford, 2008.
Resumo
O presente artigo tem o objetivo de analisar e compreender
algumas relações possíveis entre moda e música ao longo
do séc. XX e início do século XXI. Analisa-se a importância e
influência da moda e da música na construção da subjetividade
do indivíduo assim como na construção de grupos e tribos sociais
e culturais. Assim, são conceituadas moda e música, citando
as suas principais semelhanças e lógicas enquanto sistemas,
assim como os principais movimentos históricos em que ambas
enunciam a mesma estética de comportamento. Por fim, situa-
se a ligação e materialização da união entre moda e música na
contemporaneidade. Almeja-se assim contribuir com essa área
de estudo na formação de estudiosos de moda, música e afins,
considerando que pouco foi pesquisado sobre esse assunto tão
importante devido ao seu rico caráter cultural e interdisciplinar.
Introdução
Realizou-se uma pesquisa com o objetivo de analisar e compreender a relação entre
moda e música ao longo do séc. XX e início do século XXI. O séc. XX é o ponto de partida deste
artigo, já que foi a partir dele que observamos o surgimento denovas mídias e tecnologias de
gravação, o rádio foi popularizado, a música tornou-se portátil e a moda se transformou em
um meio poderoso de expressão e criação de valores da sociedade.
Com a finalidade de comprovar as possíveis relações de afinidade entre moda e música,
é necessário observar as manifestações sociais e movimentos criados no interior dessas duas
representações artísticas que tanto revelam o indivíduo, o espaço e o tempo a que se referem
em determinada época histórica.
Com o advento do séc. XX, a figura da mulher ganhou mais autonomia dentro da
sociedade, que passou a se desenvolver em prol dos valores do consumo e da juventude
(LIPOVETSKY, 1989).Pollini (2007) diz: “Durante a Primeira Guerra, as mulheres tiveram de
assumir trabalhos que antes eram exclusivamente desempenhados por homens, o que
impulsionou de certa forma uma nova postura da mulher” (pág.45). Para Braga (2007) o
“conturbado” e “empolgante” séc. XX fez com que os interesses da moda passassem a ser
outros como as atividades de trabalho, o esporte e o divertimento, especialmente a dança.
Assim, as roupas iam se adaptando às novas necessidades.
Busca-se descobrir qual o papel da música no nascimento e difusão de um estilo de
moda assim como a influência da moda na propagação e fama de determinado estilo musical.
Descrevendo as primeiras décadas do século XX e constatando a união entre a moda e a
música, Braga (2007) articula que: “A diversão fazia parte da vida das pessoas e um dos
valores muito em voga nesse período foi a dança e, por incrível que pareça, contribuiu para as
mudanças da moda”.
Com tantas semelhanças em suas lógicas e conceitos, é necessário refletirmos acerca
da ligação forte entre duas correntes que exploram os sentidos e funcionam como poderosos
meios de comunicação a nível individual e social. E finalmente, são mencionados os movimentos
históricos mais importantes a fim de clarificar a interrelação da moda e da música em nossa
contemporaneidade.
Observa-se que a moda está presente no figurino dos ícones da música, que por sua
vez, inspiram e influenciam a criação dos estilistas, assim como cada vez mais a moda vende
e apropria-se das tendências e ideias criadas pela música.
Polhemus (1994), vestuário e ornamentos são utilizados há milhões de anos com o intuito de
comunicar as suas necessidades, fossem elas pessoas, tradição ou autenticidade.
A moda é um fenômeno peculiar aos seres marcados pela linguagem, representa as
atitudes que o sujeito adota, seja na escolha de uma peça do vestuário ou na preferência
de determinado estilo musical. Para Baldini (2006), a roupa fala e geralmente transmite
informações ambíguas, pois utilizamos o vestuário com o intuito de satisfazer necessidades
pessoais, sociais ou simplesmente pelo simples prazer estético.
A moda cria uma identidade mutável, simplesmente por pregar posições que o sujeito
deve ou não adotar. Através da sua linguagem visual, tão carregada de significações nos
mostra características de um indivíduo assim como as transformações de uma sociedade.
De acordo com Pearson:
Aliando som, letra e imagem, os videoclipes se tornaram cada vez mais difusores de
moda a partir da década de 1980, quando estrelas do pop como Madonna e Michael Jackson
exibiam seus figurinos bem elaborados através de uma música forte e envolvente. Segundo
Braga (2007, pág. 100): “Ídolos musicais foram grandes formadores de opinião na identificação
de moda jovem. Prince, Madonna e Michael Jackson deixaram suas contribuições na moda,
não só norte-americana, como também na de todo o mundo.
Os movimentos que criam estilos musicais geralmente são ditados e difundidos pela
juventude. E é aí que a música se une à moda, mesclando símbolos e criando códigos de
identificação. A escolha de determinada moda ou música funciona como uma espécie de
veículo de comunicação do eu, pois ambas possuem caracterizações específicas que definem
o indivíduo de acordo com seus gostos, aquisições e preferências. Assim, moda e música
possuem uma linguagem própria, são dois ricos meios de expressão, e estão em constante
mutação ao longo de suas evoluções enquanto manifestações históricas. Agem criando
desejos, aspirações e ídolos a serem cultuados e imitados. Ferron discorre acerca da interação
dinâmica de cada indivíduo com o coletivo e o meio no qual ele está inserido, instaurando um
processo que ele chama de percepção inventiva:
Nos anos 1920, o ritmo musical do jazz era compatível com as mudanças aceleradas
que o séc.XX trazia para todos. Segundo Braga (2007) eram os chamados “anos loucos” e
as mudanças foram tantas e tão marcantes que fica difícil desvincular a palavra “novo” dessa
década. Foi um período que vivenciou prosperidade e foi ilustrado pela figura das melindrosas,
que eram as mulheres mais modernas da época, por frequentarem os salões de dança e
traduzirem através de seu comportamento, e modo de vestir, o sentimento e o espírito da Era
do Jazz.
A dança pedia movimento e o vestuário ofereceu o padrão: vestidos curtos com franjas,
costas de fora e longos colares. Com o embalo da música, os padrões de moda da época são
rompidos e as mulheres passam a mostrar mais o corpo e a conquistar aos poucos cada vez
mais autonomia.
As décadas de 1930 e 1940 foram marcadas pela crise financeira mundial, originada
pela queda da Bolsa de Valores de Nova York, em 1929 e pela eclosão da Segunda Guerra
Mundial, respectivamente. Porém, Braga (2007, pág.75) afirma que: “Paradoxalmente à crise
econômica, a moda refletiu um momento de grande sofisticação, luxo e esplendor.” Nessa
época, o cinema passa a ter destaque e refletia-se no comportamento de moda. A música
popular passa a ser um fenômeno de proporções continentais e de massa. Para Canellas
(2008), o estilo musical em ascensão, em meados dos anos 1930 era o swing, estilo de jazz
próprio para dançar e adotado fortemente pela mídia com o intuito de estimular e entreter a
população.
O rock and roll, por exemplo, embalou e caracterizou o novo mercado jovem dos anos
1950. O vestuário passa a representar um verdadeiro símbolo de pertencimento a um grupo,
atribuindo papéis e reconhecimento entre pessoas que acreditam em uma mesma atitude
perante o mundo. Segundo Pearson (1994, pág.5): “a cultura rock, evolução de um estilo
musical (rock and roll) para um movimento mundial foi, talvez a primeira fórmula criativa dos
jovens que influenciou a moda entre 1955 e 1965, aproximadamente.”
Nos anos 1960, a moda era questionar o sistema vigente. É nesse momento histórico
que surge a figura dos beatniks e a febre chamada Beatles. O espírito de contestação é a
bandeira dos beatniks. O termo beat, origina o nome Beatles, mania de toda uma geração.
Esses jovens vivem a certeza e o conforto da sociedade de consumo. Evitam luxo e brilho,
usam calças caquis, suéteres longos e sandálias. Possuíam uma imagem doce, amável e
pacífica.
Já a moda disco teve origem em 1976 e nasceu nas discotecas, através de uma música
dita “comercial” e de ritmo simplificado. As discotecas eram o palco principal para a exibição
de uma moda sexy que exalta corpos e com conteúdo musical desprovido de contestação
política ou social. As divas da dance music como Donna Summer, Grace Jones e Gloria Gaynor
influenciaram o comportamento da época. Braga (2007, pág. 92) fala acerca da ligação entre
moda e música da época: “(...) surgiu uma proposta muito excêntrica para a moda jovem
associada aos grupos musicais em alta, em que a palavra de ordem era o “glamour”.”.
Enquanto na Inglaterra nascia o movimento punk, nos EUA a voz de Barry White e os
grupos Shirley andCo. e The Hues Corporation retratam o estilo da era Disco, que foi levada
aos clubes noturnos cheios de fumaças e luzes coloridas, virando uma mania entre os jovens.
Conhecida por celebrar o amor, a alegria e a dança, a música disco é eletrônica, e se utiliza
de sintetizadores e guitarras. É praticamente uma música dita negra, composta por notas de
soul e blues, pois:
A descoberta da AIDS e Off the Wall, o primeiro disco solo de Michael Jackson, são
acontecimentos responsáveis por retratar o fim do movimento disco, que em 1980, já era quase
que por completo inexistente, com muitos de seus artistas e estilos caindo no anonimato.
Com a crise econômica dos anos 1970, muitos movimentos perderam a força. Porém, a
própria crise inspirou o surgimento do expressivo movimento dos punks, cujo lema “No Future”,
falava justamente da dificuldade de viver com a violência e agressividade presente em todos
os lados da vida moderna. A cultura punk defende a autonomia individual e a simplicidade no
viver. Provocativa e contestadora em sua essência, a música punk é considerada uma vertente
do rock: é composta, em sua grande maioria, por letras rebeldes, sarcásticas, politizadas, e
cheias de subversão à cultura vigente.
A primeira manifestação do estilo punk-rock surge nos Estados Unidos com a banda
The Ramones, em 1974. É caracterizado pela combinação do revivalismo da cultura rock and
roll (com suas músicas curtas, simples e dançantes) e do estilo rocker/greaser (jaquetas de
couro estilo motociclista, camiseta branca, calça jeans, tênis e o culto a juventude, diversão e
rebeldia).
O estilo punk expressava-se a respeito da crise econômica, o desemprego, a falta de
opções e perspectivas; e defendia a total insanidade, ou seja, nada de sonhar ou planejar
demais a vida, o importante é viver o hoje com muita rebeldia, se possível. Seus trajes remetem
a uma linguagem, inusitada, diferente etransgressora (Braga, 2007): couro, tatuagens, botas,
correntes, taxas, óculos escuros, corpos sujos e suados. O movimento punk surgiu em 1977
na Inglaterra. A estilista Vivienne Westwood e o seu então marido, Malcon McLaren, músico
e líder do grupo “Sex Pistols” exemplificaram a afinidade entre moda e música do movimento
punk:
Já em 1978 surge a estética chamada New Wave. Surgindo após a era Disco, o
movimento New Wave é mais intelectual, possui caráter dançante e é conduzida musicalmente
por sintetizadores. O destaque vai para o clube GBGB, localizado no bairro de Manhattan, em
Nova Yorque, onde as bandas do momento se apresentavam, como Elvis Costello, Blondie e
Television.
A imagem visual é alinhada, com roupas bem cortadas, cores fortes, brilho, ombreiras
e caracterizada por uma variada mistura de tendências. Vale ressaltar que estamos falando
do início da década de 1980, contexto marcado pela extrema valorização do trabalho e da
riqueza pessoal. Bandas como Duran Duran e Spandau Ballet, com um pop neo-romântico,
ou grupos como The Police, que possuía um viés musical mais punk, são ícones da época.
A irreverência também é uma característica forte do movimento New Wave. The B52´S
representa essa vertente que é ilustrada por cores cítricas, tecidos tecnológicos, perucas e
meias coloridas.
Nos anos 1980 começamos a nos deparar com uma explosão e variedade de imagens
e sons que no começo do século XXI servem de referência ao trabalho de moda e música. A
noção de identidade se torna mais fragmentada diante da variedade de códigos e significados
escondidos em simples escolhas do cotidiano.
dragqueens, cybers, ravers, dentre outros grupos, e a ordem foi a moda jovem, ousada e
irreverente.”
A roupa e a música servem mais do que nunca como retratos do estilo de vida de
cada um. Polhemus (1994) defende que a geração atual parece às vezes ser tão absorvida
pelo passado que chega a ser difícil discernir o seu presente e muito menos o seu futuro.
Observamos a mistura e a ligação entre o mundo real e a realidade virtual. Há também uma
variação de estilos e silhuetas já existentes e uma relativa falta de novidade. Para Lipovetsky
(1989):
Polhemus (1994) defende que assim como na música pop, a tendência predominante
hoje em estilo de aparência é regida por misturas diversas, ecléticas e muitas vezes
contraditórias. E acredita que é justamente nessa mistura que encontraremos a nossa própria
realidade. Baseado nesse pensamento, a cantora Lady Gaga desponta como o nome mais
expressivo da contemporaneidade onde moda e música são explorados. Em suas músicas,
fala de temas atuais com humor, irreverência e personalidade. Fazendo dos padrões de beleza
e comportamento ditados pela sociedade, suas obras primas.
Ironizando atitudes através de suas letras provocantes e ambíguas, ou com seu figurino
extravagante e assinado por grandes estilistas, Lady Gaga mostra que não só utiliza a última
moda, como a lança de uma forma ousada e bastante particular.
Discussão
Mais do que um mero produto cultural dentre tantos outros, moda e música representam
conceitos, são manifestações que expressam a própria definição do homem ao longo da
história.
Através de seus ícones, a música acaba por criar e difundir um estilo de moda. Em
contrapartida, a moda se utiliza da música oferecendo fortes significados simbólicos, que
definam determinado estilo musical para os seus seguidores. Segundo Moraes:
Nota-se que um figurino bem elaborado é responsável pela construção visual da melodia
de uma música. Assim, acabará por ser apoderado por aqueles que se identificam e seguem
determinado estilo musical.
Em um ambiente repleto de símbolos, gêneros e códigos, tanto a moda quanto a
música se apropriam desses elementos a fim de contar uma narrativa, expressar uma idéia
ou comportamento social. Para M. FILHO (1994, pág. 17): “As tribos são agrupamentos com
um idioma claro no que diz respeito à linguagem, incluindo aí atitudes, fala, gostos, hábitos e
gestos.”A dificuldade de se definir os limites dos movimentos da juventude, que expressam
Conclusão
Pode-se observar o quanto as tendências e novidades musicais assim como as
tendências de moda são fortes formadoras de opiniões, comportamentos e atitudes para o
indivíduo. São instrumentos utilizados com o objetivo de comunicar e expressar. A música,
através da letra e melodia; e a moda, através do vestuário, são capazes de traduzir e transmitir
sentimentos e desejos.
As revistas de moda e os clipes musicais são ótimos exemplos em que moda e música
se transformam em meios difusores de tendências de comportamento e por consequência,
meios poderosos de comunicação. Originando assim o surgimento e formação de tribos
sociais que são organizadas de acordo com a aceitação ou não do conjunto de códigos
lançados a cada novidade que aparece no mercado cultural midiático
Observa-se que moda e música representam universossemelhantes, com expressões
e denominações que se complementam e até se fundem. Uma agrega valor à outra. A moda
determina o visual de determinado estilo musical e a música embala a fama de qualquer estilo
de moda. A música costuma dizer o que queremos ouvir, enquanto a moda aponta o que
desejamos ver e vestir.
A moda está presente no figurino dos ícones da música, que por sua vez, inspiram e
influenciam a criação dos estilistas. É notório: cada vez mais a moda vende e se apropria das
tendências e ideias criadas pela música.
Há artistas da música que criam suas próprias marcas de roupas, aonde elaboram e
vendem ainda mais a imagem que querem passar. Assim como também existe um fenômeno
recente aonde os profissionais da moda invadem os palcos, atuando como DJ ou formando
suas próprias bandas.
Assim, observa-se que influências e inspirações musicais sempre ditaram e continuam
ditando e também reeditando, através das releituras, verdadeiros estilos de moda. Uma arte
necessita da outra para criar o novo ou simplesmente evocar estilos do passado já consagrados
como caminho seguro para não fracassar no mercado.
Referências
BALDINI, Massimo. A Invenção da Moda - As Teorias, os Estilistas, a História ,2006.
Disponível em: http://www.almedina.com.br/catalog/Livros/prefacios/9724412601.pdf.
Acesso em: 27/01/2011
BRAGA, João. História da moda – 6ª edição. São Paula: Editora Anhembi Morumbi, 2007.
Jourdain, R. (1998). Música, Cérebro e êxtase. Rio de Janeiro: Editora Objetiva. Disponível
em: http://www.musicaeadoracao.com.br/efeitos/musica_cognicao.htm. (Acesso em:
15/01/2011)
MOUTINHO, Maria Rita; VALENÇA, Máslova. A moda no século XX. Rio de Janeiro:
MORAES, J. Jota. O que é música. (Coleção primeiros passos, 80). São Paulo: Brasiliense,
1983. Disponível em: http://www.ceart.udesc.br/modapalavra/edicao6/arquivos/E4-Rebeca-
AInfluenciadaMusicanoProcessodeCriacao.pdf. (Acesso em: 24/01/2011)
POLLINI, Denise. Breve História da Moda. São Paulo, Ed. Claridade, 2007. Disponível em:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Moda. (Acesso em: 15/01/2011)
Resumo
Este estudo discute a complexidade da moda, promovendo a
reflexão de algumas interfaces possíveis entre campos do saber.
Diversas teorias se conectam buscando um alinhamento conceitual
que dê suporte à promoção de conhecimento relacionando a moda
ao vestuário, ao design e à arte sem, no entanto, confundir seus
limites. Por fim, a explanação dos motivos que levam o consumidor
a procurar um produto-roupa que contenha elementos de moda,
de certo colabora para a evolução do pensamento sobre o tema.
Introdução
É certo que não há unanimidade na definição do que é moda. Ao longo da história, a
moda pode ser entendida como um jogo de distinção da classe dominante (BARNARD, 2002).
Já de acordo com Lauwaert (2006), “o vestuário não é um meio de representação, mas um
meio de apresentação. O vestuário não define, ele posiciona. É pragmático, não é semântico.
O vestuário não mente, mas irrevogavelmente denuncia você”i
Hoeks e Post (2006) dizem que o aspecto complementar que une moda e vestuário
fica claro com as estações do ano: a moda, para ser moda precisa estar em voga mas o que
materializa as mudanças fica óbvio por meio das roupas. Ainda de acordo com os autores,
enquanto a indústria do vestuário vende produtos, a indústria da moda não comercializa
objetos e sim significados. E é esta combinação que garante a satisfação das necessidades
dos consumidores.
Ao mesmo tempo, tanto a moda quanto o vestuário são as commodities mais
fetichizadas produzidas e consumidas na sociedade capitalista. ...Moda e vestuário talvez seja
a maneira mais significativa na qual as relações sociais são construídas, experimentadas e
compreendidasii.
Sabe-se que os consumidores e consumidoras tem necessidade de ser sociedade e
indivíduo simultâneamente, e a combinação entre moda e vestuário parece ser uma boa maneira
de negociar essa complexidade humana. Campos do saber como Estética, Ciências Sociais,
Estudos Culturais, Psicologia, Antropologia, Gestão, Economia, Marketing, Comunicação,
Design e Produção possuem inter-relações em cada nível que se investiga a combinação
entre moda e vestuário.
Como a moda e o vestuário englobam uma diversidade de disciplinas, cada uma
delas deve ser considerada quando da análise do conceito moda-vestuário. Além disso,
cada disciplina procura encontrar uma maneira específica de explicar a moda e o vestuário
usando termos precisos e as análises teóricas necessárias. O desafio posto é combinar tudo
como normalmente o consumidor vê e experimenta todos estes conceitos em conjunto.
Considerando isso, o conceito do pensamento complexo desenvolvida por Morin (2003)
parece ser uma base adequada para se examinar a questão.
Morin (2000) explica que o conhecimento científico, por razões metodológicas, é
fragmentado. Estas divisões facilitam uma compreensão profunda do fenômeno, mas a forma
ocidental do pensamento científico tem ensinado os pesquisadores a submergir em campos
separados, e há uma falta de movimento no sentido de re-envolver esses campos um com o
outro. O autor afirma que “as coisas” separadas são ligadas, são distintas e são necessárias
para o desenvolvimento da sociedade.
Os indivíduos, as sociedades e todas as “espécimes” são entidades distintas e não
podem ser isolados por conta de sua função cooperativa na compreensão da humanidade.
Assim, o pensamento complexo se baseia na distinção (não separação) e na ligação; não é
composto apenas pela ciência ou apenas pela filosofia, mas permite a comunicação entre
os campos dos saberes, atuando como uma ponte. O paradigma da complexidade deve ser
considerado como aquele que une enquanto distingue.
Seguindo a abordagem do Pensamento Complexo, um diagrama foi desenvolvido a fim
de identificar alguns dos fatores que tornam a combinação moda-vestuário em um tema da
complexidade atual. As abordagens relacionam um conjunto de elementos, tais como o ciclo
de vida do produto, o meio ambiente, a individualidade, a inclusão social, a adequação física
e estratégia para influenciar ou promover a satisfação do consumidor.
O ato de consumir é composto por sete fases: (1) reconhecimento da necessidade, (2)
procura, (3) pré-compra, (4) compra, (5) consumo, (6) avaliação pós-consumo e (7) descarte,
que são afetadas por influências ambientais e diferenças individuais (BLACKWELL ET AL.,
2002). Por outro lado, o sistema de moda é baseado nas fases da difusão que são influenciadas
pelas culturas e ambientes locais e globais.
Frequentemente, o consumo de moda é dividido em dois tipos distintos “universos”
que devem ser devidamente equacionados: primeiramente aquele que poderia ser chamado
de “tendências, estilo ou comportamento “e, em segundo lugar, aquele outro responsável pelo
desenvolvimento das roupas. O primeiro é mais provável em receber a atenção das áreas de
Psicologia, Sociologia, Comunicação e Antropologia enquanto que o último é mais plenamente
analisado através de Ergonomia, Antropometria e Fisiologia Humana.
É a aproximação das tendências com as roupas que cria o produto moda-vestuário,
objeto desta pesquisa. Esta abordagem permite que o negócio seja adicionado à equação
reforçando a complexidade da compreensão do consumo.
Vale lembrar que o ciclo de consumo, quando concluído, gera satisfação ou insatisfação
do consumidor, e este resultado influencia os próximos ciclos do consumo, num movimento
contínuo de retroalimentação do sistema.
Todos os elementos presentes na discussão foram extraídos de teorias ou representam
um insight a partir de uma teoria já existente. Como essas teorias são provenientes de campos
muito diversos, estão classificados nas áreas-chave de investigação que compõem o diagrama
do sistema moda-vestuário.
Citando Barnard (2002), este trabalho é sobre “todas estas coisas: é sobre moda,
roupa, vestimenta, adorno e estilo.”iii. Este estudo foi concebido para fornecer rumo a um
modo holístico de visualizar o fenômeno e onde o leitor encontrará conceitos e reflexões que
ajudam a esclarecer a complexidade da moda.
Por razões metodológicas e respeitando os objetivos da pesquisa, todas as explicações
relacionadas com produtos de moda se referem a peças de roupas com valor de moda,
excluindo os acessórios, sapatos, bolsas, mobiliário, equipamentos, automóveis, etc., mas
incluindo as marcas de moda-vestuário no contexto. A Figura 1 ilustra a área de produtos que
esta pesquisa investiga (em amarelo).
de vários trabalhos que creditam à sazonalidade como o principal catalisador do curto ciclo
de vida das roupas, a subseção a seguir apresenta um dos mais conhecidos e reconhecidos
estudos relacionados à motivação para estar vestido.
Como este estudo se preocupa diretamente com vestuário é importante introduzir a
obra de Flügel (1930), difundida na década de 30 do século passado. Tal como definido por
Flügel proteção, enfeite e pudor são a base, as motivações originais para o surgimento das
roupas. A forma com o autor discute a passagem do nu para o vestido implica numa viagem
que se inicia com a natureza e finda na cultura (CARTER 2003).
De acordo com o conceito de Flügel (1930) a proteção do corpo contra a sensação
desagradável de frio no período pré-histórico, e posteriormente contra qualquer elemento ou
organismo nocivo à saúde, é uma das razões fundamentais para se vestir. Devido à evolução
científica, as considerações sobre higiene mudaram e o vestuário tende a ter uma ligação forte
tanto física quanto psicológica com a proteção. Assim, as roupas possam ser utilizadas como:
Em civilizações tropicais, a função original de enfeite ou adorno, descrita por Flügel está
relacionada com a sua finalidade essencial de distinguir a aparência física a fim de atrair os
olhares de admiração dos outros. O autor cita habitantes indígenas para explicar os instintos
exibicionistas natural da Humanidade embora o trabalho mostre alguma das realidades
contemporâneas de enfeite como exposição sexual, rivalidade política, traje cerimonial e
condição social entre outras.
A função de pudor, de acordo com Flügel (1930), é ocultar as características físicas,
geralmente afetando o destaque de uma pessoa dentro de um grupo, podendo ser no sentido
de permissão ou proibição. Flügel explica o pudor como algo que não é geneticamente
determinado e varia entre as sociedades.
Ainda de acordo com Flügel, nas sociedades “‘civilizadas”, a proteção, o enfeite e o
pudor desempenham seus papéis simultaneamente, embora os antagonismos entre enfeite
e pudor seja uma importante questão defendida pelo autor como um “conceito da condição
da vida humana”. É interessante fazer referência ao fato que no mundo natural, os animais
já carregam todos esses atributos. Segundo Carter (2003, p.84), Flügel identifica diferentes
atitudes para roupa:
valor de moda: o primeiro, intangível, que compreende as tendências, atitudes, valores e estilos
de vida (SOLOMON E RABOLT 2004) e o segundo, o tangível, que se preocupa com o corpo,
a sua forma, os materiais e os fatores sensoriais (COOPER E PRESS 1995). Nota-se que há
uma tendência dentro da indústria de moda para minimizar os aspectos tangíveis.
Mas, o produto de moda - vestuário - atua sobre o corpo como uma segunda pele
e deve ter um desempenho compatível com o formato do corpo do consumidor. Uma das
variáveis mais ignorada na concepção dos produtos da moda é o formato do corpo devido às
tendências ditatoriais do padrão “alta e magra” e a forma do corpo pode não variar somente
por fatores genéticos, mas também é determinada pela dieta, estilo de vida, nível de aptidão
física e idade (LI 2003).
Segundo Pheasant (2006), o produto deverá coincidir com características do usuário,
sendo necessário levar em conta os seguintes critérios para um bom caimento: eficiência
funcional, facilidade de utilização, conforto, qualidade de vida no trabalho e na saúde e segurança.
Na área de design, os produtos de moda-vestuário são um dos poucos desenvolvimentos
nos quais é possível (e necessária) adotar uma abordagem verdadeiramente sob medida,
utilizando tabelas de tamanhos, diferentemente de produtos como automóveis ou cadeiras.
Nesse sentido, o uso da antropometria é relevante, principalmente devido às variações
do corpo, que se altera primeiramente entre os sexos e origens raciais e, de forma contínua,
devido ao envelhecimento. Essas mudanças afetam não apenas a identidade visual do
consumidor, mas seu comportamento e atitudes e, certamente, determinadas diferenças no
formato do corpo têm implicações para o consumo de moda.
Rasband (2002) recomenda muita atenção no ajuste ao vestir uma roupa, pois ela deve:
(1) realçar a aparência e a atratividade; (2) contribuir para a auto-confiança; (3) cair suavemente
sobre a figura; (4) melhorar a relação entre o vestuário e o formato corporal; (5) enfatizar
as áreas mais atraentes do corpo; (6) tirar a atenção das imperfeições físicas (7); se ajustar
naturalmente no corpo em movimento (8) dar suporte a uma vida ativa.
Ainda segundo Rasband (2002), a forma do corpo pode variar devido a seis
características: estatura (baixa, média e alta), estrutura óssea (delgada, média e graúda), peso
(há uma proporção ideal entre peso, estatura e estrutura óssea), áreas do corpo proporcional
(um diagrama do conjunto de medidas), tipo de figura (o polígono formado por seus ombros,
cintura e quadris) e postura (o alinhamento de partes do corpo em relação a outras).
Sheldon (1940) introduziu o conceito de somatotipo, derivado da antropologia física,
definindo três classificações diferentes para os tipos de corpo, numa combinação de
tamanho, peso e formato: endomorfos, mesomorfos e ectomorfos. Embora seja raro que um
indivíduo se encaixe inteiramente dentro uma classificação é possível identificar características
preponderantes em cada pessoa, visto que a classificação é baseada em medidas físicas
utilizando uma escala de um a sete para cada um dos tipos, resultando numa combinação
relacionada a uma das três opções.
O tipo físico endomorfo é caracterizada por ombros estreitos, quadris largos, cabeça
grande e uma tendência a gordura corporal, principalmente em braços e pernas. O corpo
mesomorfo apresenta ombros amplos, quadris estreitos, cabeça quadrada, baixo acúmulo
de gordura e braços e pernas musculosas. O tipo de corpo ectomofo compreende ombros
e quadris estreitos, pouca gordura corporal e músculos pouco desenvolvidos, rosto, braços e
pernas finas.
Considerando o exposto, os consumidores e consumidoras freqüentemente enfrentam
problemas de dimensionamento no tamanho das roupas. Faust et al. (2006) adiciona
mais uma variável à complexidade do design de vestuário: a imprecisão das empresas no
dimensionamento de seus produtos. Os autores analisam a variação dos tamanhos de roupa
no mercado do Canadá e as dificuldades que os consumidores enfrentam para encontrar
peças adequadas. Segundo eles, o problema comporta, entre outras coisas, a falta de
padronização no dimensionamento de tamanhos e falhas nos procedimentos de controle
relativos às especificações. Como a especificação é uma ação diretamente vinculada à
atividade de design, apresenta-se a seguir conceitos e teorias que podem apoiar o argumento
deste trabalho.
Segundo Cooper e Press (1995), “o design se localiza entre os mundos da cultura e do
comércio, entre a paixão e o lucro” (p. 4) e nas palavras do designer de moda japonês Issey
Miyake, “sonhamos entre dois mundos”. Walker (1990) sugere uma falta de atenção analítica
para a prazerabilidade no ato de consumir, partindo da noção de Marx sobre o fetichismo da
mercadoria para justificar o aumento do consumo na pós-modernidade e identificando cinco
fontes de satisfação do ato de consumo: o desejo, a aquisição, o objeto, o uso e a percepção
de terceiros.
De acordo com Jones (1992), os objetivos do designer estão menos relacionados
com os próprios produtos e mais relacionados para a realização bem sucedida de previsões
interrelacionadas e especificações em resposta a um briefing. Esta hipótese introduz a
complexidade no processo de desenvolvimento de produtos onde existem pelo menos três
atores: a empresa (o ordenador), o designer (o mediador) e o usuário (o receptor). Nesta
seara há ainda um conceito a acrescentar: a autoria, e o equilíbrio entre a racionalidade e
subjetividade é uma questão central para essa relação. A sub-secção seguinte introduz a
questão da subjetividade do designer.
Considerações Finais
Este estudo procurou demonstrar a complexidade do sistema moda e as diferentes
formas de ver e tratar algumas das variáveis que divergem em campos do saber mas convergem
no processo de desenvolvimento de produtos com valor de moda, e especificamente, na
indústria do vestuário. Por outro lado, as reflexões apresentadas procuraram demonstrar suas
influências no ambiente de escolha do consumidor. Neste trabalho é possível perceber que,
apesar da moda ser cada vez mais estudada, por meio de diversos pontos de vista, há ainda
lacunas na literatura referenciada acima a serem preenchidas no que tange suas inter-relações,
determinações e mediações.
Neste sentido, buscou-se a inclusão de autores comumente não considerados na
discussão sobre os temas desenvolvidos, visando especialmente a possibilidade de influenciar
estudos posteriores. Procurou-se ainda trazer ao debate algumas relações de causalidade
vinculadas à realidade concreta e mediar reflexões a respeito de vínculos possíveis entre dois
ou mais elementos distintos no sentido de contribuir, principalmente, para a solução de conflitos
de interesse entre campos do saber. Em particular, o fenômeno da moda foi analisado sob
uma perspectiva ontológica, considerando os aspectos psicossociais e envolvendo também a
contribuição de aspectos da anatomia e da fisiologia nas atitudes dos consumidores. Desta forma,
vislumbra-se a possibilidade de uma moda cada vez mais inclusiva e de estudos mais plurais.
Notas
iTradução livre da autora do trecho original: ‘clothing does not represent, it presents. Clothing does not
define, it positions. Clothing is pragmatic, not semantic. Clothing does not lie, but irrevocably betrays
you.’ (p.17).
ii Tradução livre da autora do trecho original: ‘At the same time, fashion and clothing are the most
fetishised commodities produced and consumed within capitalist society. …Fashion and clothing may
be the most significant ways in which social relations between people are constructed, experienced and
understood.’ (Barnard, 2002, pp.8-9).
iii Tradução livre da autora do trecho original: ‘all these things: it is about fashion, clothing, dress,
adornment and style.’ (Barnard 2002, p.9).
iv Tradução livre da autora do trecho original: … a protection against the general unfriendliness of the
world as a whole; or, expressed more psychologically, a reassurance against a lack of love. If we are
in unfriendly surroundings, whether human or natural, we tend, as it were, to button up, to draw our
garments closely round us. (Flugel 1930, p.77).
v Tradução livre da autora do trecho original: Some see clothes as equivalent to the outmost layer of
their selves and so incorporate them into their life-world with little difficulty. Others locate their clothing
almost wholly within the external environment; clothing is “other” to their sense of themselves. Carter
(2003, p.84).
vi Tradução livre da autora do trecho original: ‘They should be light, warm, permit free transpiration, or,
in other words, ventilate well; they should exert no pressure on any part, and they should be free from
all poisonous particles, whether of dirt or of dye.’ (Ballin 1885 in Johnson 2003)
vii Tradução livre da autora do trecho original: Millions of Americans and Europeans and hundreds of
international manufacturers visited the Exposition, which has often been called a ‘shoppers’s paradise’.
French department stores (‘museums for people’) and a ‘rue des Boutiques’ (‘shopping centres for
modern women’) along the Pont Alexandre III were represented, with carefully orchestrated window
displays intended to underline Paris’s position as a world centre for shopping. (Mackrell 2005, p.128).
viii Showtime, le défilé de mode, exposição realizada no período de 4 de Março a 30de Julho de 2006
no Palais Galliera - Musée de la Mode la Ville de Paris.
Referências
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Resumo
A moda é uma especialidade que nos últimos anos se apropriou
de metodologias do design para sistematizar a sua atuação e
adequar-se às necessidades do mercado. Assim também ocorreu
com a pesquisa científica em design de moda, que atualmente está
em acentuada expansão. No entanto, tal como no design, grande
parte dessas pesquisas envolvem abordagens junto a usuários,
consumidores ou agentes do processo produtivo, o que requer a
observação de aspectos éticos em seus materiais e métodos. O
objetivo desse estudo foi avaliar quantitativamente a consideração
desses critérios na produção científica em design de moda nos
principais eventos científicos/acadêmicos brasileiros da área.
Introdução
Atualmente, constata-se uma acentuada convergência entre a moda e o design,
com múltiplas interações, seja na busca de referências visuais ou estéticas, ou na busca
de metodologias que permitam sistematizar e integrar processos produtivos. O design,
que em suas origens se associou à racionalidade e à função, passou a buscar elementos
inspiradores, como formas, cores e estampas no universo da moda. Por outro lado, a moda
busca no design o embasamento metodológico projetual,e/ou científico, visando se adequar
às exigências produtivas do mundo globalizado. Dessa união surgem diversos aspectos que
podem e devem ser analisados para um desenvolvimento progressivo não só da área da
moda, mas também do design em suas diversas especialidades.
Como regra geral o designer atua no projeto das interações dos produtos com os seres
humanos, tornando a utilização dos produtos mais efetiva, eficiente e confortável, melhorando
assim a qualidade de vida dos usuários. Assim também atua o designer de moda, gerando
produtos que interagem diretamente com o ser humano, como o vestuário ou acessórios
(calçados, joias e ornamentos). Com a incorporação de metodologias do design à produção
desses itens, também são adquiridos métodos de análise e pesquisa científica, que geram os
parâmetros para a produção desses produtos.
Grande parte das pesquisas científicas em design envolve a participação direta de
indivíduos, seja por meio de entrevistas, questionários ou experimentos laboratoriais; e esta
participação é motivo para o questionamento ético das abordagens, uma vez que é reguladopor
códigos de ética ou resoluções normativas, mas nem sempre considerado.
Este estudo teve como propósito identificar se a produção científica em design de
moda compartilha dessa característica da pesquisa em design no Brasil, e se os aspectos
éticos da participação de seres humanos estão sendo observados. É importante destacar
que não cabe a esse artigo julgar os métodos dos pesquisadores, o intuito é, por outro lado,
divulgar e fortalecer esse aspecto no meio científico do design.
e filosóficos de cada comunidade. Do ponto de vista etimológico, o termo ética tem origem
do grego ethiké (ou ethos), que significa “costume”, apresentando como objeto de estudo os
valores oujuízos valorativos daquilo que se considera“certo” ou “errado” na conduta humana.
Da mesma forma, o termo moral (do latim mores) também significa “costume” e se caracteriza
pelo aspecto subjetivo da ação reconhecida pelo sujeito praticante (LADRIÈRE, 1994).
La Taille 2006) afirma que os termos contém o mesmo significado, variando apenas
na sua origem etimológica (grega e latina). Paim (1992) trata sobretudo da evolução histórica
do tema, indicando que os princípios da ética grega estão relacionados à virtude humana e
associada ao saber. Posteriormente, na Idade Média, os preceitos gregos foram associados
à teologia, criando um vínculo entre moral e religião. Durante o século 20, houve um esforço
por dissociar novamente a ética da religião, e diversos pensadores ora atribuíram soluções
racionais (Kant), ora puseram por terra a possibilidade de uma sociedade racional (Weber).
De qualquer maneira, o código moral ocidental é de origem judaico-cristã, e tem o
pressuposto de universalidade. O principal aspecto do modelo ético atual é o ideal de pessoa
humana, que representa o seu núcleo e fonte de inspiração de grande parte dos preceitos
abrangidos pela moralidade. A moral, portanto, deve ser interiorizada e incorporada à vivência
individual, o que exige um diálogo contínuo sobre a universalidade da cultura. Assim, se conclui
que a moral é o acordo entre a consciência individual e os preceitos consagrados, sendo a
primeira o juiz das atitudes (PAIM, 1992).
Porém, o mesmo autor afirma que alguns homens tendem a desviar-se dos
comportamentos morais, o que fez surgir uma nova instância apta a agir de forma preventiva
ou punitiva: o direito. As relações entre moralidade e lei jurídica geralmente são, ao menos
nas sociedades democráticas ocidentais, apoiadas pela comunidade, sendo justamente esse
o traço que as distingue do totalitarismo. Portanto, as considerações de natureza moral (ou
ética), por serem amplamente adotadas pela comunidade, transitam para a esfera do direito
(legislação).
Existem amplas discussões de cunho filosófico sobre o assunto, normalmente em livros
específicos da área, não cabendo a esse artigo se aprofundar demasiadamente no tema.
Para esse estudo, foi adotada a diferenciação por fronteiras utilizada em Paschoarelli et al.
(2008), que possui caráter menos agressivo. O termo “ética” é comumente adotado quando
o julgamento realizado se limita ao grupo no qual se insere o praticante, num âmbito mais
específico. Como exemplo, podem ser citadosdiversos Comitês de Ética responsáveispor
regular o comportamento de determinada categoria e, com isso, manter a integridade do
grupo diante da população. Já o termo moral é adotado num contexto amplo, ou seja, como
a ação pontual de um praticante é avaliada por umindivíduo externo a esse grupo.
Os aspectos éticos e morais são variáveis segundo o tempo e o espaço (PASCHOARELLI
et al., 2008), o que requer uma constante revisão dos códigos que regem as condutas de
determinados grupos. Esses códigos são comumente baseados em comportamentos que
devem ser evitados ou proibidos, embora também possam ser utilizados aquelesconsiderados
virtuosos, éticos ou socialmente responsáveis. McKinneyet al. (2010) ressalta que o
desenvolvimento moral de um indivíduo se caracterizaria por este ter o comportamento ético
como um objetivo, visto que teria consciência de que é o “certo a se fazer”.
Segundo Lau (2010), o primeiro passo no processo de decisão ética é reconhecer a
natureza moral da situação. Uma decisão ou ação pode afetar interesses, expectativas ou o
bem estar alheio, de modo conflitante com um ou mais aspectos éticos. O comportamento
ético pressupõe um questionamento a priori, que segundo Ladrière (1994), se caracteriza
por“[...]uma reflexão sobre a ação”, na ocasião em que é evidente “[...]um apelo à iniciativa do
homem, enquanto essa iniciativa não é condicionada (inteiramente em todoo caso) pelo curso
das coisas, pela necessidade natural” (p. 29).Portanto, as questões éticas se caracterizam
como um dos aspectos metodológicos da pesquisa científica, devendo considerar uma ação
equânime dos indivíduos e as suas possíveis consequências (PASCHOARELLI et al., 2008).
“[...]o respeito devido à dignidade humana exige que toda pesquisa se processe
após consentimento livre e esclarecido dos sujeitos, indivíduos ou grupos
que por si e/ou por seus representantes legais manifestem a sua anuência à
participação na pesquisa” (CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE, 1996).
Objetivo
O objetivo deste estudo foi mensurar quantitativamente o relato de quaisquer
preocupações éticas na pesquisa envolvendo seres humanos no design de moda, por meio
Metodologia
Objeto de estudo
Foram analisados 5883 artigos científicos, nos anais dos seguintes eventos:
A escolha por esses bancos de dados (anais de eventos) se deu pela representatividade
e expressividade com que são caracterizados na área do conhecimento do design.
Critérios avaliados
Os critérios analisados foram semelhantes aos descritos em Paschoarelli et al. (2008),
sendo:
• Participação de sujeitos;
• Submissão a um CEP;
Procedimentos
Tanto para os anais impressos (anais do P&D Design até a edição de 2002), quanto
para os anais em formato digital, recorreu-se a leitura integral dos artigos envolvendo a área
Resultados
Colóquio de Moda
O Colóquio de Moda é o maior congresso científico em moda no Brasil. Reúne
pesquisadores de diversos locais e especialidades, caracterizando-se por sua diversidade. A
análise bibliométrica de suas cinco edições permitiu a contagem de 688 artigos (Figura 01).
Como visto na Figura 01, a produção científica é crescente nesse evento. Em 61 dos
artigos analisados foi possível identificar a participação de seres humanos, o que representa
8,9% do total, e apenas em um dos artigos houve atendimento às questões éticas (na edição
de 2005). Nesse único caso, o projeto foi também submetido e aprovado por um CEP. No
entanto, todas as demais publicações não mencionaram nenhum tipo de atenção aos aspectos
éticos.
ABERGO
O Congresso Brasileiro de Ergonomia ocorre a cada dois anos, reúne pesquisadores
e especialistas do país todo, bem como do exterior, sendo um dos principais congressos em
ergonomia e design do Brasil. A análise bibliométrica permitiu identificar 56 artigos relacionados
à moda ao longo de todas as edições, o que representa 3,6% da produção total (Figura 02).
Também é possível notar o crescimento do número de publicações, tanto em outras áreas
quanto especificamente para a moda.
P&D Design
O Congresso Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento em Design – P&D Design é o
maior congresso em design do Brasil. Esse evento é realizado a cada dois anos, reunindo
pesquisadores das mais diversas especialidades. A participação do design de moda ao
longo das edições tem crescido consideravelmente, representando cerca de 7% do total da
produção total do evento (Figura 03).
Figura03: Infográfico da produção em moda no P&D Design por edição do P&D Design.
Como visto na Figura 03, a produção científica em design de moda é crescente nesse
evento. Ressalta-se aqui que,dos 146 artigos analisados, 56 foram realizados com participação
de voluntários, e nenhum desses mencionou qualquer critério ético.
CIPED
O Congresso Internacional de Pesquisa em Design – CIPED conta com a participação
de pesquisadores de diversas áreas do design, em nível internacional. A análise bibliométrica
permitiu identificar 95 artigos relacionados à moda ao longo das edições de 2003 a 2009, o
que representa 10,4% da produção total (Figura 04).
Ergodesign
O Congresso Internacional de Ergonomia e Usabilidade de InterfacesHumano-tecnologia
– Ergodesign surgiu por iniciativa da pesquisadora Anamaria de Moraes e colaboradores, no
Rio de Janeiro, em 2001. Éum dos principais congressos em ergonomia e design do Brasil,
reunindo pesquisadores de diversas regiões e áreas temáticas.A análise bibliométrica permitiu
identificar 36 artigos relacionados à moda ao longo de todas as edições, o que representa
5,2% da produção total (Figura 05).
Como visto na Figura 05, a produção científica em design de moda está num patamar
relativamente estável nesse evento. A participação de voluntários se deu em 24 dos 36 estudos
publicados, com a menção a questões éticas em apenas dois deles, ambos na edição de
2009. No entanto, embora tenham utilizado o TCLE, apenas um deles relatou a aprovação dos
procedimentos por um CEP.
Considerações finais
O presente estudo propôs contextualizar a pesquisa em design de moda no Brasil,
sob o ponto de vista dos critérios éticos envolvidos nos estudos científicos que envolvem a
participação de seres humanos. É importante destacar que o caráter desse artigo é meramente
uma preocupação no que concerne à participação humana nesses estudos. Como exemplo,
foi citado um estudo onde foi garantido aos participantes o sigilo de suas informações. Assim,
mesmo não atendendo plenamente aos critérios éticos normativos, foi demonstrada uma
preocupação com a integridade dos participantes.
Os resultados desse estudo são relativos a 1021 artigos em design de moda, nos
diversos eventos analisados. Os dados corroboram aqueles obtidos por Paschoarelli et al.
(2008), pois foi encontrada uma expressiva taxa de participação de voluntários nas pesquisas
científicas, representando um total de 216 artigos (21,15% do total). Considerações a critérios
éticosainda são escassas, ocorrendo em apenas 6 artigos e, dentre esses, a submissão
a um CEP foi relatada em apenas 3 casos (0,3% do total). É importante destacar que os
resultados verificados no presente estudo, não indicam necessariamente o não cumprimento
das exigências éticas, mas sim que, não foram mencionados tais procedimentos de pesquisa
quando da descrição da metodologia empregada.
Nesse aspecto, é importante destacar que os dados levantados referem-se apenas a
uma das especialidades do design (a moda), no entanto, partiu de uma inferência a partir de
estudo mais amplo e que, portanto, as ressalvas realizadas aqui reafirmam as anteriores e se
aplicam a qualquer domínio do design. De maneira geral, a pesquisa em design de moda já
conta com iniciativas quanto aos aspectos éticos, demonstrados em alguns poucos estudos,
os quais já relatam preocupações com consentimento dos participantes ou quanto ao uso das
informações obtidas.
Um aspecto notável é que, embora fossem encontrados indícios de participação
de sujeitos em vários estudos, muitos deles não expuseram os resultados dessa interação
diretamente. Dessa forma, vários artigos parecem deixar claro que a abordagem a um indivíduo
foi meramente para coletar informações a respeito do mercado, das necessidades do usuário
ou simplesmente para auxiliar na geração de ideias, o que não os exime de acatar os princípios
éticos da pesquisa científica.
Também foi notado que grande parte das fotografias utilizadas na produção dos
artigos analisados (quer abordem humanos ou não) permite a identificação do sujeito. Embora
possivelmente tenham sido publicadas com autorização do indivíduo, pode ser interessante
uma postura mais segura do pesquisador, como desfocar os rostos nas imagens, o que não
abriria margem para questionamentos futuros.
De qualquer forma, discussões sobre os conceitos de ética e moral são muito vastos
e ainda serão alvo de muitas publicações, não se pretendendo aqui elucidar todos os seus
termos e particularidades. Quanto à história da moda, omissões possivelmente foram feitas,
mas como resultado de síntese de um ponto de vista que buscou apenas posicionar e entender
a importância da área junto ao conjunto de especialidades do design,bem como outras áreas
do conhecimento.
Os resultados demonstram que é necessária uma ampla discussão sobre o assunto, quer
seja pela adoção dos critérios, quer seja pela sua menção quando da publicação das pesquisas
da área. Nesse sentido, destaca-se que ainda há muito espaço para aperfeiçoamentosno
desenvolvimento de estudos de caráter científico na área do design de moda, o que pode ser
considerado inerente a uma área do conhecimento recente e que ainda traça os caminhos
para sua consolidação.
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Resumo
Este artigo discute as funções estéticas e simbólicas do design
de calçados para mulheres portadoras de deficiência física.
Combinamos os estudos fenomenológico e de caso conforme o
Código de Ética de Pesquisa da CONEP – Resolução 196/96 para
realizar entrevistas semi-estruturadas que apresentou imagens
e produtos. As usuárias revelaram os desejos por calçados
que remetam à sensualidade e à feminilidade como diretrizes
fundamentais da pesquisa projetual do design de calçados para
mulheres com necessidades especiais. Concluímos que a adoção
destas diretrizes conceituais no desenvolvimento de calçados
podem aprimorar a qualidade de vida de nossas usuárias com
relação ao bem estar social.
Introdução
O presente artigo possui como objetivo descrever os desejos e anseios das usuárias
portadoras de deficiência física do aparelho locomotor com diferença de membros inferiores
entre 2 a 5 cm com relação ao objeto de design de moda - calçados. Este estudo inicia-se
com a vivência das usuárias entrevistadas.
na composição do look feminino. Das 1.291 voluntárias, 53% consideraram os sapatos a peça
principal. Para Garcia e Miranda (2005) entende-se por look uma organização na construção
de determinadas roupas, associadas à postura corporal, à atitude, ao cabelo, à maquiagem
e etc. Nossos calçados foram identificados com significativa importância na composição de
nossos guarda-roupas e por consequência de nossos looks.
Podemos ser atraídos primeiro pelas qualidades estéticas de um determinado produto,
como a cor vibrante do calçado, ou sua textura macia ou até mesmo a forma sinuosa e sensual
de um salto fino que nos remete historicamente ao poder e fetiche dos calçados. Fetichismo
entendido como adoração a objetos animados ou inanimados produzidos pelo homem. Steele
in Riello e McNell (2006) afirma que os saltos altos exercem um charme poderoso para muitas
pessoas, são os substitutos dos corselets da Belle Époque, e estão associado à feminilidade
e sensualidade da mulher do século XX.
Os calçados são ferramentas protéticas poderosas no sentido de ampliar os valores
simbólicos de nossos corpos, reforçam identidades pessoais ou coletivas. Argumento
reforçado por Castilho e Martins (2005) ao comentar que a moda é um sistema de linguagem,
um discurso de ideias transformadas em produtos, e que estes, por sua vez, refletem os
valores e preocupações socioculturais pela interpretação subjetiva de seu criador.
Relembramos que os produtos de moda utilizam-se dos fatores emocionais
intensamente, estes por sua vez são associados à estética, segundo Norman (2000). São
objetos lúdicos, capazes de satisfazer o usuário através da estimulação sensorial de seus
sentidos. O design de moda é um território de sonhos e desejos, adquirir um par de sapatos
novos, provavelmente não o será para suprir as necessidades básicas do indivíduo, mais sim
desejo, o mesmo vale para não nos desfazermos dos mesmos.
O design com foco na emoção tenta desvendar estas relações entre usuário e produto:
o porquê do calçado, em vez da blusa, o porquê deste sapato específico, daquela marca,
daquele modelo. As teorias de Jordan (2000) com enfoque no prazer são comumente citadas
pelos pesquisadores do design e emoção.
O prazer, construto abstrato, encontra-se na relação entre o usuário, os produtos e o
ambiente onde tais produtos são usados. Os objetos podem ser vistos como objetos vivos
com os quais o ser humano se relaciona, podem nos deixar alegres, tristes, seguros, ansiosos,
etc. “É necessário não somente ter compreensão sobre como as pessoas usam os produtos,
mas também o papel que tais produtos têm na vida das pessoas.”iv afirma Jordan (2000). O
autor apresenta os quatro tipos de prazer: físico, social, psicológico e ideológico. Sua teoria
está baseada nos estudos antropológicos do canadense Lionel Tiger.
O físico é derivado da relação do objeto com os órgãos sensoriais. O prazer social
é a interação entre várias pessoas proporcionada por um objeto. Já o psicológico está
associado às reações emocionais e cognitivas das pessoas em relação ao produto. Refere-
se ao prazer da mente em realizar tarefas relacionadas à usabilidade e compatibilidade dos
produtos considerados amigáveis. O prazer ideológico está associado aos valores estéticos e
éticos de uma determinada cultura, geração ou indivíduo. Encontram-se aqui os valores ecos-
sustentáveis, responsabilidade social, política e moral.
Sob esta perspectiva, o conforto é abordado tanto como uma relação física entre
usuários e objetos como uma relação social por meio dos objetos. Na segunda, os modismos
podem mais uma vez inserir ou excluir um grupo de indivíduos. Aqueles que não possuem
o último lançamento da Apple podem se sentir constrangidos (desconfortáveis) em relação
àqueles que possuem. Segundo nossas entrevistas as telenovelas brasileiras possuem forte
influência social, ou seja, a informação e cultura de moda que é transmitida para as usuárias é
por intermédio dos canais de comunicação que massificam os modismos e não pelas imagens
das publicidades de moda significando, portanto, que os desejos por calçados sejam aqueles
que as telenovelas demonstram “estar na moda”.
Ao questionarmos nossas entrevistadas sobre conforto dos calçados, as respostas
foram em relação às funções de uso diretamente relacionadas às questões físicas e fisiológicas,
como “este sapato me machuca, faz bolhas, calos”, ou ainda “este outro é muito quente”,
“este aqui aperta meus dedos”, ou “este é o único que consigo usar”. E ainda, “este tem salto,
mas parece que estou descalça”.
O conforto depende, em grande parte, da percepção da pessoa que está experimentando
a situação, não existindo uma definição universalmente aceita. (Lueder, 1983; Slater, 1985;
Zhang, 1991). Recentemente, alguns pesquisadores sugeriram que o conforto está relacionado
com o prazer, o que apresenta fronteiras mal definidas com a usabilidade e a funcionalidade
(Slater, 1995; Jordan, 2000). Simultaneamente, outra corrente assume que o conforto e o
desconforto estão em duas dimensões: o conforto associado a sentimentos de relaxamento e
bem estar, e o desconforto ligado a fatores biomecânicos e à fadiga (Zhang, 1992; Zhang, et
all, 1996; Goonetilleke, 1999). Apesar da falta de consenso acadêmico sobre o tema, nossas
usuárias consideram o conforto um aspecto importante relacionado diretamente ao uso do
objeto, relacionados, portanto, à usabilidade e funcionalidade do produto e ao prazer físico.
No Brasil existe uma análise biomecânica dos calçados realizado pelo Instituto Brasileiro
de Tecnologia do Couro, Artefatos e Calçados (IBTeC), responsável pelo “Selo Conforto”. Seus
critérios incluem: a qualidade das costuras, da cola, a resistência dos materiais utilizados,
a espessura da palmilha, os pontos de apoio da alma de aço, os pontos de pressão da
modelagem. Os testes biomecânicos são realizados simulando a marcha normal do corpo
humano, durante determinado tempo. São fundamentais para verificar o conforto físico e
fisiológico dos calçados.
A usabilidade (neologismo traduzido do inglês usability) é definida como “efetividade,
eficiência e satisfação com as quais os usuários específicos atingem metas específicas em
ambientes particulares”, segundo a ISOv apud Jordan (2000, p. 07). Não depende das
características do produto, mas da interação entre usuário, produto e ambiente. O importante
é como usar um produto para fazer alguma coisa. A usabilidade tende a ser limitada, defende
o autor, os critérios de avaliação tendem a enxergar os produtos como ferramentas das quais
os usuários realizam tarefas.
Martins (2006) acrescenta que a usabilidade representa a interface que possibilita a
utilização eficaz dos produtos, tornando-os amigáveis e prazerosos. A autora desenvolveu
a Oikos, metodologia de avaliação de usabilidade e conforto de vestuário: são estudados as
tarefas de vestir e desvestir; a facilidade de manutenção, assimilação, manuseio, os índices
de conforto e os riscos de segurança, ao considerar os aspectos psicofisiológicos do usuário.
Sobre funcionalidade, Silveira (2008, p. 21-39) argumenta: não é uma característica do
objeto em si, “mas uma série de relacionamentos complexos entre hábitos e usos, técnicas
de fabricação e significados simbólicos.” A autora observa a funcionalidade sob o prisma da
linguagem, com foco na semiótica por intermédio de Bürdek (2005), esta é indissociável das
funções estéticas e simbólicas do design de produtos.
Neste sentido, podemos entender que a usabilidade e a funcionalidade estão
relacionadas diretamente ao uso do objeto e suas funções práticas. Correlacionam-se também
com as questões estético-simbólicas do mesmo, ou seja, o uso do objeto depende também
de sua comunicação, do contexto do usuário, de seu repertório de experiências anteriores,
aspectos estes subjetivos.
Muitos produtos desenvolvidos para pessoas com necessidades especiais possuem
uma estética médica ou clínica facilmente reconhecida por meio da aparência destes aspectos.
As aparências de tais produtos comunicam as restrições de seus usuários contribuindo para a
exclusão social, e não para inclusão. Uma situação social de desprazer e desconforto para o
usuário, caso dos sapatos para diabéticos que, por sua aparência, denunciam a restrição do
usuário, um benefício emocional de valor negativo, acrescenta Roncoletta (2009a).
Devemos acrescentar que muitas mulheres sacrificam a saúde de seus corpos pelo
poder mágico destes aspectos estéticos e simbólicos. As nossas entrevistadas não o fazem
mais, admitem que já sacrificaram seus corpos, mas atualmente procuram artefatos mais
equilibrados entre suas funções. Devido às suas restrições físicasvi elas necessitam de
calçados seguros e desejam calçados sensuais. Encontrar estes dois conceitos no mesmo
par de calçados é uma tarefa praticamente impossível e extenuante, acrescenta Karin, uma de
nossas entrevistadas.
autoria do produto ou à época. Para o autor, a palavra estilo ainda pode ser empregada para
representar valores socioculturais atribuídos a determinado produto.
Na área de moda, segundo Roncoletta (2009b) o styling é considerado a maneira de
comunicação do conceito de uma marca, editorial ou indivíduo. Ferramenta de comunicação
simbólica, é a criação do conceito da imagem de moda: o como a imagem é elaborada envolve
a seleção do suporte (casting vivo ou inanimado), ambientação cenográfica, edição dos looks
(roupas, acessórios, cabelo, maquiagem), atitude (coreografia) e, inclusive, trilha sonora
inseridas num determinado contexto. Estes elementos compõem o conceito da imagem, que,
na moda, tende a ser valorizado. Nos desfiles, representa o conceito da marca; nos editoriais
das revistas, a interpretação daquele título sobre determinado assunto; já na esfera pessoal,
representa a forma de comunicação do indivíduo. Esta pesquisa explora a comunicação do
indivíduo, conhecido na área de moda pelo termo em inglês: personal styling.
Relembramos que, na pós-modernidadevii, a comunicação pessoal não está
necessariamente relacionada a um único estilo: podemos querer ser um determinado
personagem num dia, e vestir outro personagem em outra ocasião. O antropólogo Ted Polhemus
(1994) cunhou o termo Supermercado de Estilos que já apontava para estas possibilidades.
Representamos diversos personagens durante nossas vidas, não pertencemos a um único
grupo social, ou a um único estilo de representação visual. Neste sentido, o styling, forma
de comunicação imagética, representa nossas imagens variáveis de acordo com diferentes
contextos em diferentes situações.
Nelly, outra de nossas entrevistadas, inicia nossa conversa comentando: “Nós somos
um sem roupa nenhuma, sem sapato nenhum, mas nós somos outro, um ser social que quer
acertar sua própria imagem.” Acertar sua própria imagem, comunicar através do look aquilo
que o indivíduo gostaria de comunicar é entendido na área de moda como styling.
O calçado faz parte da composição do conceito do look. Solicitar que nossas usuárias
usassem botas ortopédicas no baile de formatura, ou durante seu próprio casamento, ou até
mesmo numa reunião de negócios é NÃO permitir que elas possam assumir os personagens
que queiram. É admitir que os portadores de deficiências físicas não podem construir
imagens lúdicas e poéticas de si mesmos. É negar-lhes o poder de construir suas próprias
representações simbólicas de acordo com seus valores estéticos, sociais, políticos e morais
e, portanto, de acertar sua própria imagem social. Neste sentido, a moda por intermédio do
styling pessoal, pode ser positiva, proporcionando prazer social, psicológico e ideológico/
intelectual ao construir personagens.
Materiais e métodos
Estudo fenomenológico com enfoque nas experiências e vivências das usuárias com
relação as funções práticas dos calçados combinado com pesquisa de campo. Utilizamos
imagens, produtos e entrevistas semi-estruturadas com foco nos aspectos subjetivos –
Fig. 4: Sophie Cox – trabalho de graduação em design de produtos da australiana em 2004. Fonte: blog
GizMag.
Fig. 5: Hilo Shoes - projeto iniciado em 2000, comandado pela designer de moda Rosemary Wallin, recebeu
recentemente 500.000 libras para o desenvolvimento industrial do produto. Fonte: site Britsh Council.
Fig. 6: Camileon - desenvolvidos por Donna e David Handel, existem em vários modelos e são comercializados
desde 2004 nos EUA. Custam de US$ 210, 00 a 350,00. Fonte: site Camileon Heels.
Com o auxílio destas imagens, verificamos alguns aspectos relacionados aos quesitos
estéticos do objeto, como cores, formas e materiais de confecção. A adaptação do calçado
Mercadal (fig. 7), utilizada como objeto tridimensional em conjunto com o protótipo (fig. 8),
construído pela autora durante o curso de extensão de design de calçados da FASM, são
indispensáveis para percepções táteis de materiais, construções de formas e análise de
composição cromática, além dos requisitos ergonômicos utilizados na construção deste
calçado. Estes objetos permitiram, também observações relacionadas às questões de prazer
social.
Vale ressaltar que, devido às diferenças de tamanho nas numerações de pés e de
membros inferiores, as entrevistadas não puderam usar os calçados: esta é uma limitação do
método de nossa pesquisa. Os aspectos levantados nesta pesquisa com relação às funções
de uso do objeto vieram de depoimentos relacionados às suas próprias experiências com
calçados anteriores. Alguns aspectos subjetivos também foram levantados através destas
experiências.
Fig. 7: A vista frontal dos sapatos adaptados Fig. 8: Calçado construído pela autora de couro macio,
simulando o movimento da macha. Fonte: a com salto de madeira e solado antiderrapante; possui a
autora. diferença de altura de 3cm, sendo 1cm na planta e 2cm
de salto. Fonte: a autora.
dinheiro do sorvete para comprar meu primeiro sapatinho vermelho de alcinha e botão. Era
macio, tinha um cheiro delicioso, e eu dormia tão feliz do lado do sapato.”
Podemos observar que os sapatos têm um valor especial na vida de Nelly; ela
necessitava solucioná-los depois da fatalidade de seu acidente. Seu armário possui 42 pares
de calçados adaptados, até nossos encontros. Suas primeiras experiências foram com tênis
de cano alto; por serem mais fechados, davam suporte à nova movimentação de seu corpo,
protegendo os tornozelos e diminuindo a probabilidade de virar os pés para o lado. Ela já
tinha resolvido as questões físicas com o tênis de cano alto, mas sua paixão por calçados,
associada a diversas situações sociais, como festas, casamentos, ou até mesmo caminhadas,
exigiam outras soluções. As figuras 9, 10, 11 e 12 demonstram algumas destas adaptações
realizadas pela entrevistada.
Durante sua marcha, ela manca um pouco e seu corpo se projeta para os lados; outras marcas
reconhecíveis pelo outro seriam através de suas cicatrizes. Não existe mais uma aparência física
que possa denunciá-la como deficiente física, conforme a fig. 13. Suas limitações encontram-
se no movimento de seu corpo, e talvez seja por isso que estas questões são fundamentais
para ela.
Fig. 13 e 14: Na imagem da esquerda podemos observar a bota feita sob medida com plataforma de 14
cm utilizada na perna arqueada de Vanessa. Na imagem 71 da direita, observamos a solução realizada com
sobreposições de solas de Havaianas da mesma cor de seu vestido de festa. Fonte: doação da entrevistada.
Com relação aos aspectos estéticos, podemos observar o cuidado com as cores
selecionadas pela usuária ao adaptar sua Havaiana em tons de verde e branco que se
harmonizam com seu vestido de festa na fig. 14. A composição do styling do look para esta
ocasião especial demonstra o cuidado da usuária com sua aparência: maquiagem, vestido
e chinelos estão cuidadosamente elaborados para simbolizar harmonia e vaidade, para
comunicar o cuidado com sua aparência independente do aparelho Ilizarovx.
Aos aspectos socioculturais, podemos acrescentar ainda o ambiente em que vivia
quando as entrevistas foram realizadas. Vanessa é formada em biomédicas com TCC que
discute a acessibilidade em trilhas para portadores de restrições físicas. Em seu ambiente
de estudo, “professores doutores e alunos são largados [se refere à preocupação com a
aparência deles] usam bermuda e Havaianas”, ainda acrescenta que o melhor calçado pra ela
são as Havaianas, que permitem movimento e ainda são leves, o peso dos sapatos também
é uma grande preocupação.
Seu critério de escolha é muito claro: o calçado precisa proporcionar segurança
e equilíbrio, em primeiro lugar. As experiências de seu próprio corpo remontam às suas
preocupações com os aspectos de funcionalidade e usabilidade de qualquer produto
associados ao prazer físico e ao conforto.
Notas
i A obra Phénoménologie de la Perception foi publicada originalmente em 1945 pelo filósofo francês
Maurice Merleau-Ponty.
ii Para Löbach (2001), os produtos possuem três funções: a) a função prática – relações entre o
produto e seus usuários no nível fisiológico de uso; b) a função estética – relação entre o produto e o
usuário no nível dos processos sensoriais, um aspecto psicológico da percepção sensorial durante o
uso; e c) função simbólica – determinada pela capacidade psíquica e social de fazer conexões entre a
aparência percebida sensorialmente e a capacidade mental de associação de ideias (símbolos).
iii CHIC, disponível em: http://chic.ig.com.br/materias/444501-445000/444935/444935_1.html.
Acesso em agosto de 2007 a setembro de 2008.
iv “It’s necessary not only to have understanding of how people use products, but also of the wider role
that products play in people’s life” Jordan (2000, p.08) Tradução da autora.
v Referindo-se a ISO DIS 9241-11. ISO – International Standards Organization.
vi Todas as nossas entrevistadas passaram por diversas cirurgias devidos às suas restrições físicas.
Além das cirurgias ortopédicas, são necessários anos de tratamento fisioterapêutico para recuperarem
ou aprimorarem o máximo possível do potencial de força, resistência e equilíbrio muscular. Ainda
são recomendados tratamentos como acupuntura, para alívio de dores, e re-conexões dos eixos
energéticos do corpo; tratamentos como pilates e RPG, para redescobrirem o alinhamento corporal,
e até mesmo a conscientização postural, um tratamento que alia corpo e mente, e refaz as sinapses
cerebrais. São anos de dedicação, que também envolve alto custo financeiro.
vii A sociedade pós-industrial descreve a rápida queda entre o número de operários, a partir
da década de 1970, e o avanço do setor de serviços. “O termo pós-moderno mostra ser um
campo minado de noções conflitantes. Embora de caráter controvertido, consegue porém
caracterizar, melhor do que outros, a cena cultural atual. A predominância de seu emprego
talvez explique porque expressa adequadamente o clima de mudança cultural em que vivemos.
Mas há quem prefira chamar a era atual de modernidade tardia (Ulric Beck), neomoderno
(Rouanet), hipermodernidade (Lipovetsky) ou – para se contrapor à rigidez da modernidade
de outrora denominada sólida – modernidade liquida (Bauman)”. O autor ainda acrescenta: “A
produção [de artefatos] é feita segundo o gosto do consumidor, adaptada aos seus desejos
e necessidades muito específicos, em estado constante de alteração.” Carmo (2007, p. 179).
viii Neste projeto, unimos as opiniões dos sujeitos do Instituto do Pé do Hospital das Clínicas da
Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC), da Clínica de Ortopedia e Fisioterapia
(COF), ambas na cidade de São Paulo, e da Clínica Nivaldo Baldo (CNB) - especialista em
fisioterapia para atletas, da cidade de Campinas. Ele trabalha com diferenciação de membros
inferiores desde 1978. O termo sujeito é utilizado pela Comissão de Ética em Pesquisa para
descrever todos os envolvidos, sejam eles usuários, ortopedistas, fisioterapeutas ou designers.
Referências
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Paulo: Edgard Blücher, 2006. 496p.
CARMO, Paulo Sérgio do. Sociologia e sociedade pós-industrial. Cap. 9: Para além da
sociedade pós-industrial. São Paulo: Paulus, 2007.
COELHO, Luiz Antonio. Conceitos chave em design. Rio de Janeiro: Editora PUC – RIO,
2008.
JORDAN, Patrick W. Designing pleausurable products. Londres: Taylor & Francis, 2000.
NORMAN, Donald. Emotional Design why we love (or hate) everyday things. Nova York:
Basics Books, 2004.
PORTINARE in COELHO, Luiz Antonio. Conceitos chave em design. Rio de Janeiro: Editora
PUC – RIO, 2008.
STEELE in RIELLO, Giorgio e McNELL, Peter. Shoes – a history from sandals to sneakers.
Nova York: Berg, 2006.
s Alves Ferrei
Natalie Rodrigue
com.br Anhembi Morum
bi
nativolpe@yahoo. n: U ni ve rs id ad e
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es qu ita ; P ro fe ss ora Dra. do PPG
Cristiane M
mbi.br
cfmesquita@anhe
Resumo
A partir de uma breve análise da produção em design de calçados,
assim como do uso deste artefato em obras de arte no período
Moderno e na contemporaneidade, este artigo investiga possíveis
diálogos e interseções entre os campos do design, da arte e da
moda ao longo do século XX, apoiada nas ideias de GRANDI,
LIPOVETSKY, McDOWELL e O’KEEFFE.
Introdução
Uma análise do artefato calçado, em determinado período da história do século XX e do
início do século XXI, é capaz de nos fazer visualizar contágios e cruzamento de fronteiras entre
linguagens e conceitos de arte, moda e design. Este diálogo é frequente a partir do surgimento
de movimentos artísticos de vanguarda, por meio de criações de moda de costureiros e
sapateiros no início do século, além de estilistas e designers no século XX.
Segundo GUMBRECHT (1998), as primeiras décadas do século XX — denominada
de “Alta Modernidade” — são períodos produtivos na história ocidental, incluindo as artes
com experimentos audaciosos tais como o cubismo, o surrealismo e o dadaísmo, com
manifestações artísticas que rompem com a representação.
Não existe uma definição que imponha limites à arte e seus conceitos são contraditórios
em alguns momentos. Para os modernistas, a arte seria produto de um esforço individual,
enquanto o design seria produto de empreendimento coletivo típico da sociedade industrial.
Em definições mais reducionistas, a arte é considerada “atividade específica que visa
produzir objeto — em geral, de caráter simultaneamente material e visual — capazes de
suscitar uma resposta estética em espectadores através de sua contemplação e fruição” —
podendo ser produzido através de processo artesanal, industrial ou outro qualquer (COELHO,
p.18, 2008).
Para MOURA (2008), a arte tem servido como fonte de pesquisa e referência para a
criação e o desenvolvimento de projetos e produtos na esfera da moda e do design. Vários
artistas na história da arte desenvolveram objetos de moda ou design e talvez utilizem os dois
campos como referência ou foram despertados pelo objeto utilitário para a criação de obras
artísticas.
A criação é livre em todas as direções, tanto na arte como na moda. As relações entre a
moda e design são estreitas, ligadas pelo mundo dos projetos, pelos desejos e estilos de vida
dos usuários. Ambos compartilham da novidade como motivação (MOURA in PIRES, 2008).
Na contemporaneidade, os artefatos e objetos são projetados por designers que os
atribuem diversos significados, que testemunham suas subjetividades e também vínculos
estéticos, culturais e sociais como afirma PRECIOSA (2007).
FIORINI (2008, p.71), descreve que “o design é em sua essência um processo criativo
e inovador, provedor de soluções para problemas de importância fundamental para as esferas
produtivas, tecnológicas, econômicas, sociais, ambientais e culturais”. Em seu termo, estão
vinculadas questões expressivas, simbólicas e estéticas e não somente questões produtivas
e técnicas.
Os conceitos de design podem ser baseados no objeto ou no processo. Porém,
não é apenas a união entre estas duas formas a maneira mais coerente de analisar suas
atividades, pois é importante considerar que os produtos desenvolvidos por um determinado
processo podem conter significados não percebidos de forma clara. O objeto pode adquirir
O Surrealismo e a Moda
Um dos movimentos das chamadas “vanguardas históricas”, o Surrealismo, apresentou
traços da associação da arte com o comportamento, trazendo a grande novidade de libertação
do inconsciente e negação da própria razão. “Enquanto Salvador Dali explora o inconsciente a
todo custo, sem muita preocupação além de fazê-lo aflorar por imagens, René Magritte (Figura
4) o faz pelo caminho da discussão dos próprios estatutos simbólicos” (AGRA, 2006, p.124).
Um outro exemplo de diálogo é a obra “Original Sin” (Figura 9), pintado por Salvador
Dalí em 1941, apresenta-nos uma mensagem complexa. As botas (velhas e desgastadas, mas
bem cuidadas) foram retiradas às pressas e os pés estão envolvidos pela cobra. Dalí contrasta
o exótico e monótono, levando as botas e os pés descalços como paradigmas do cotidiano
de trabalho do homem, ligado à terra e
às mulheres livres e desembaraçadas, prontas para decolar em mundos exóticos e
românticos (McDOWELL, 1989).
O´KEEFFE (1996) destaca a importância dos calçados dizendo que estes sempre
refletiram o estatuto social e a situação econômica de quem os calça, porém não refletem só
a história social, mas também através do calçado encontramos um registro pessoal através
de memórias.
Para criar o seu sapato “Topless”, uma das suas fantasias mais divertidas, cobriu
uma sola acolchoada com cetim vermelho e, nos pontos onde o calcanhar e
o meio do pé tocavam a palmilha, colocou pequenas esponjas embebidas da
cola usada nas barbas falsas. As esponjas colavam-se à sola do pé e o salto
parecia ser uma extensão do calcanhar. (O´KEEFFE, 1996, p.478 e 479)
O curador do The Metropolitan Museam of Art’s Costume Institute, Harold KODA (2010)
descreve que Beth explorava uma variedade de vertentes do modernismo, exotismo oriental e
pop arte, influenciada pelo estilo de vida americano.
Outro exemplo do diálogo entre as três áreas do design, arte e moda são algumas
obras do artista americano pop Andy Warhol (1928-1987), uma das figuras mais conhecidas
e publicizadas da atualidade. O artista, no início, ilustrador comercial, desenhava sapatos, um
fetiche cultuado e amado, desde 1949, para anúncios da indústria de calçados americana
I.Miller, um dos primeiros fabricantes de calçados dos Estados Unidos.
Segundo GRANDI (2008), a Pop Art abriu um diálogo com a linguagem do design e
a comunicação de massa, estabelecendo uma horizontalidade entre as artes e a produção
visual e gráfica dos fenômenos de consumo.
Na década de 1980, Warhol volta ao tema e cria uma obra impressa chamada “Shoes”,
onde mostravam imagens de calçados de saltos coloridos em fundo preto, que foi comentada
da seguinte maneira por SCHMIDT (2003):
Ele transformou os sapatos em objetos de desejo, assim como ele fez com
Marilyn Monroe e Jacqueline Kennedy. Também é intrigante que os sapatos
não são mostrados em pares, como se de propósito Warhol destaca-se em
cada sapato propriedades únicas, dando a cada um uma identidade.
Figura 11 e 12: “Shoes, Shoes, Shoes”, 1955 e “Diamond Dust Shoe”, 1980-81, Andy Warhol.
Fonte: http://www.artesdoispontos.com/cvs.php?tb=cvs&id=6, acessado em 23/05/2010.
identidade e a cultura são as idéias centrais. É a era da produção dos significados, que se
refletem por meio das três áreas analisadas. Questões urgentes relacionadas ao cotidiano
são intensificadas nos conceitos artísticos a partir da década de 1960, época de reviravoltas
ligadas à política e à cultura, mudando intensamente os paradigmas vigentes.
Desde os movimentos de vanguarda, grupos de arte procuram aproximar a arte da
vida. Artistas e designers — inclusive designers de moda — presenciam uma mudança
significativa de ordem material e sensível, como afirmam PRECIOSA e BELLUZZO (2008).
Para estas autoras, as esferas, situadas entre estética e o consumo, como a moda e o design,
costumam absorver das artes seus conceitos, atitudes e padrões, que posteriormente se
tornam linguagens acessíveis a um grande público.
Neste momento, a realidade não será apenas representada, surgem movimentos
valorizando “o comum”, o cotidiano e principalmente o individualismo. Segundo LYPOVETSKY
(1989, p.12) “A moda está nos comandos de nossas sociedades; a sedução e o efêmero
tornam-se, em menos de meio século, os princípios organizadores da vida coletiva moderna;
vivemos em sociedades de dominante frívola, último elo da plurissecular aventura capitalista-
democrática-individualista”.
As áreas da arte e a da indústria influenciam o design com seus valores característicos,
o que demonstra que as criações de moda de calçados, assim como no vestuário, possuem
influência dos dois campos na construção de seus discursos e significados. No final da
década de 1980 e na de 1990, diversos artistas criaram sapatos como obras de arte. Alguns
exemplos destas criações são os da artista Yone Levine, nascida em Israel, que concebeu
com minúsculas contas de vidros antigas, presos à estrutura de arame, um sapato e a artista
Gaza Bowen, que confeccionou uma série de sapatos com materiais do cotidiano, como
esfregões, esponjas e escovinhas, elaborando uma crítica feminista ao questionado papel
tradicional feminino (O’KEEFFE, 1996).
Neste contexto, um olhar que explore tais diálogos poderá perceber que também no
campo do design de moda essas relações se complexificam. Podemos visualizar tais relações
a partir de criações de calçados contemporâneos de estilistas como Alexander McQueen e de
grifes como Dolce & Gabanna e Prada trilham novos caminhos para a linguagem artística e de
significados na dos trajes urbanos. Para MARINHO (2006, p.5):
Seria possível afirmar que criar constitui, por si, só um fenômeno apropriativo,
seja para o designer ou para o artista. Essa apropriação, contudo, como jogo
de linguagem, explicita-se quando o artista, e também o designer, deslocando
elementos do seu contexto, deixa nas formas finais, do projeto ou da obra, os
rastros que revelam o modo como foram apreendidas as informações e sua
origem.
momentos, pode “... concorrer com o artista no setor da pesquisa e da experimentação visual,
que por seu maior poder comunicativo e de imagem, quer por seu inegável poder econômico,
que, ao contrário, falta ao produtor de arte”.
Figuras 13, 14 e 15: Alexander McQueen primavera-verão 2010, Marc Jacobs primavera-verão 2008 e Prada
primavera-verão 2008. Fonte: www.style.com, acesso em 02/06/2010.
Segundo GRANDI (2008) moda e arte devem ser analisadas como repositórios culturais
que participam das mudanças dos modos de vida, de pensamento, de sintonia com o próprio
tempo, pois juntas, assim como o design, atravessam um período de intenso intercâmbio,
como em diversas áreas da produção material e ideacional, envolvidos nas mudanças sócio-
econômicas e tecnológicas que contribuíram para mudar o nosso panorama de referência
global.
Considerações Finais
Desde a década de 1990, tornam-se cada vez menos evidentes as fronteiras entre a
arte e a moda pois, para GRANDI (2008), estas duas áreas, assim como outras relacionadas
à cultura, estética e criatividade, mesclaram suas modalidades expressivas e comunicativas,
perdendo em alguns momentos, sua especificidade de linguagem, facilitando o fenômeno de
sobreposição de uma área sobre a outra, dificultando a percepção do que pertence a uma
área ou a outra. O vocabulário da moda passa a utilizar com frequência termos da arte como
“instalação”v e “concept”vi.
Um exemplo que contribui para a visualização dessas conexões é o trabalho da artista
performática italiana Vanessa Beecroft (1969), que participou da 25°Bienal Internacional de
São Paulo. Suas obras de arte desconstroem a delimitação da arte e da moda, demonstrando
a existência de um contágio entre estas áreas em suas performances nas quais se utilizam
modelos nuas com características bastante parecidas, calçadas com sapatos de grifes famosas
como Gucci, Prada e Helmut Lang. Beecroft é aficionada por calçados de grife e diz apreciar
a combinação entre a consciência feminista e o clichê da mulher- objeto (ALZUGARAI, 2005).
Figura 16: Performance “VB 45”: as modelos vestem apenas botas de Helmut Lang.
Fonte: http://www.terra.com.br/istoegente/138/reportagens/vanessa_beecroft.htm, acesso em: 03/06/2010
Desta forma, podemos então refletir que a arte, os artistas contemporâneos, estilistas
e designers possuem diversos pontos de contato enriquecedores em suas atividades,
apropriando-se da moda e seus meios de difusão, com suas estratégias comunicativas e
promocionais e seu aparato glamoroso para atingir uma visibilidade, como argumenta GRANDI
(2008). Desta forma, os conceitos de áreas como a da arte, design e moda estão em constante
diálogo, propiciando a interdisciplinaridade, através de relações complexas e criativas.
Este diálogo se desenvolve também por meio de criações de calçados, com suas
formas, volumes, proporções, detalhes, cores e significados, assim como na concepção de
uma obra de arte, representando uma época, pois notamos o crescente desejo de autonomia
entre os consumidores, que abrem espaço para o desejo de peças autênticas e inovadoras
em conexão com a cultura e a sensibilidade.
Notas
i A Art Decó foi um movimento internacional de design decorativo dos períodos da década de 1920
a 1930.
ii O cabedal é termo calçadista que significa parte superior do calçado.
iii O “telefone lagosta”, criado em 1938 foi realizado com as técnicas de metal pintado, gesso, borracha
e papel.
iv O “sofá de lábios” de Mae West foi construído com armação de madeira e coberta por cetim rosa,
realizado nos anos de 1936-37.
v Na arte contemporânea, obra tridimensional concebida e montada para ocupar uma área num
determinado recinto, e cujos diversos elementos ou dispositivos agem sobre o imaginário do expectador.
Sua exposição é temporária e a obra desmontada, subsiste através de registros fotográficos.
vi Arte Conceitual.
Referências
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Morumbi, 2ºed., 2006.
ALZUGARAY, Paula. Toda nudez será praticada. Site Istoé Gente, São Paulo, 25 de maio de
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htm acesso em 03 de junho de 2010.
BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios. São Paulo: Editora: Brasiliense.
10ª reimpressão, 1996.
CALLAN, Georgina O’ Hara. Enciclopédia da Moda: de 1840 à década de 90. São Paulo:
Companhia das Letras, 2007.
CARDOSO, Rafael. Uma introdução à história do design. São Paulo: Editora Blücher,
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COELHO, Luiz Antonio L.(org.). Conceitos-chave em design. Rio de Janeiro. Editora PUC -
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DORFLES, Gillo. Moda da Moda (Arte e Comunicação). São Paulo, Livraria Martins Fontes
Editora Ltda, 1988.
Resumo
O presente artigo tem como objetivo estudar a evolução do
underwear masculino com ênfase no período do século XX aos
dias atuais, identificando aspectos inovadores de design e sua
relação com o contexto sócio-cultural.
Introdução
A palavra underwear é entendida hoje, dentro do contexto atual da moda, como
conceito que extrapola o sinônimo de cueca ou roupa de baixo. Dentro do sistema de moda
o underwear está ligado a elementos e significados que remetem a um estilo de vida. Porém,
este conceito foi instituído na década de 1980, até então encontrávamos produtos com foco
na função de uso.
Com exceção às camisolas ou túnicas usadas por homens e mulheres como roupa
interior, a diferença na anatomia ditou variações básicas das peças íntimas masculinas e
femininas. O underwear feminino tem um maior apelo voltado para a estética e a sexualidade
ao invés de praticidade. Já com as peças masculinas a primeira preocupação foi por muito
tempo apenas funcional, confeccionadas de acordo com a forma do corpo, em materiais
resistentes e na cor branca.
O que chamamos de roupa íntima ou roupa de baixo, enquanto produto de design,
passou por inúmeras inovações incrementais, tecnológicas e até sustentáveis para chegar aos
produtos que encontramos no mercado atualmente.
Os “shorts íntimos” foram a novidade que chegou com o século XX. De acordo com John
de Greef (1989), duas invenções na década de 1930 modificaram o conceito de underwear,
aproximando-o das peças que conhecemos hoje. A primeira foi quando Jacob Golomb, o
fundador da marca Everlast, aplicou um cós elástico nos calções íntimos, deixando-o com
a aparência do short de pugilista, esta peça ficou conhecida como boxerii e a segunda foi a
criação do Jockey Breif ®iii ou slip Jockey (figura 8).
A cueca slip Jockey foi criada em 1934 por Arthur Kneibler, um executivo e designer da
Cooper Inc. A inspiração para o modelo veio de cartão-postal da Riviera Francesa, mostrando
um homem em um maiô estilo biquíni. Depois de algumas experiências, Kneibler introduziu
um novo tipo de roupa interior, confortável sem pernas, com uma sobreposição em Y invertido
parte da frente. Tal formato trazia benefícios funcionais, oferecendo aos seus usuários mais
conforto e suporte do que as outras roupas íntimas masculinas disponíveis no momento.
Com certeza este dois produtos revolucionaram o mercado de roupa íntima na década
de 1930, mas discordamos de John de Greef quando ele afirma que a concepção da cueca
boxer é uma invenção, trata-se sim de mais uma inovação incremental nesta linha de produtos.
Já o modelo de cueca slip, pode ser considerado uma invenção, que conforme Gomes (2001)
apresenta-se como um produto novo, desenvolvido a partir da manifestação da criatividade
utilizada com foco no incremento funcional do mesmo. Um invento dotado de novidade,
atividade inventiva e utilidade industrial, torna-se suscetível de concessão de patentes. O que
aconteceu com a Jockey Breif ®, patenteada no mesmo ano de sua invenção.
Conforme Bernhard Roetzel (2000), o modelo slip tornou-se “uma cueca verdadeiramente
Figura 9: Anúncio da marca Munsingwear 1945 Figura 10: Ilustração do modelo slip Kanguru
O sucesso da slip Jockey não eliminou o modelo boxer. Seu uso passou a ser uma
questão de escolha, pois por mais conforto que a slip pudesse oferecer, para os adeptos da
boxer, ela era sempre apertada. As boxers tinham a vantagem de poder ser feitas sob medida
por um alfaiate, o que simbolizava uma questão de status.
De acordo com John de Greef (1989), nos anos de 1930, o raiom foi introduzido na
produção de cuecas, uma novidade vendida sob a denominação de seda artificial. Outro
marco importante, foi a introdução dos Fasteners Gripper, um pequeno fixador de pressão.
A publicidade da Scovill Manufacturing Companyiv divulgada na Publication Unknown em
1937 (figura 11), anunciava as vantagem destes fixadores sobre os botões. Para isto usava
o depoimento de Ralph Guldohl e Sam Snead, dois jogadores premiados de golf, sobre a
facilidade dos fixadores na prática de esporte, pois estes ficavam embutidos, não faziam volume
e não machucavam. E de donas de casa, que destacavam que os grippers não quebravam, o
que acontecia constantemente com os botões comuns durante o uso ou a lavagem da peça.
A anúncio destacava ainda, marcas de underwear que usam seus Fasteners Gripper.
A revista Life abriu uma nova era de foto jornalismo em 23 de novembro de 1936. Logo
Jockey, Scovill, Quickees entre outras empresas estavam utilizando fotografias em vez de linha
de desenhos em anúncios de suas roupas íntimas, como observado na figura acima.
As inovações não se restringiram às cores, novos materiais como raiom, dracon, nylon,
lycra e o spandex entraram no mercado, mas o algodão ainda era o material mais usado. Já nos
anos de 1960 a busca por novos e melhores estilos de roupas íntimas causou uma propulsão
nas empresas de produtos químicos para aprimorar as fibras sintéticas, tornando popular
as cuecas em malha de nylon, ou poliamida. John de Greef (1989), afirma que a Du pont e
designers italianos criam novos produtos e as cuecas se tornam mais elásticas e menores.
Quanto às formas, a tangav e o fio dentalvi foram introduzidos como uma opção entre uma
nova geração de jovens determinados a desafiar o sistema. Também foram foi introduzidas
estampas de leopardo, tigre e estampas de zebra. Havia no mercado uma grande variedade
de produtos, oferecidos em materiais, modelagens, cores e estampas diferenciadas (figura
13), possibilitando que a escolha do underwear figurasse como uma expressão da identidade
de cada homem. Conforme Dario Caldas (1997) no final dos anos 1960, a maior parte dos
homens que seguiam um pouco as tendências de moda começaram a efetuar mudanças em
seu modo de se comunicar através da roupa e do corpo. Ainda na década de 1960 a marca
Zorba introduz o modelo slip no Brasil.
Faz-se importante lembrar que qualquer relação estabelecida entre um grupo social
e os padrões estéticos que o identificam ocorra, é preciso que tais padrões sejam aceitos e
compartilhados pelos integrantes do grupo, mesmo se considerarmos que essa estética foi
forjada pela indústria da moda e imposta através da mídia. Assim, vemos que estas primeiras
mudanças no padrão de masculinidade foram possíveis por que estavam em sintonia com os
acontecimentos sócio-culturais vigentes, com destaque para cultura jovem.
Para Marco Sabino (2007) a clássica cueca samba-canção, com altura no meio das
coxas, nunca deixou de ser consumida, mas, nos anos 1970, passou a ser sinônimo de
“caretice” e uma peça adotada por pessoas mais tradicionais. Nesta época ganharam espaço
propagandas enfatizando a sexualidade do underwear, relacionando-o com a revolução sexual
em curso, o corpo masculino passou a ser mostrado de forma mais descontraída e jovial.
“Como nunca antes, os homens eram adorados como símbolos sexuais e, muitas vezes
expressava sua sexualidade recém-descoberta em boates popular conhecido como “discos”.”
(BOXER, 1995, p. 27). Quebraram-se tabus na representação masculina (figura 14), o homem
conservador, provedor da família e com foco no sucesso, pode ser substituído por um jovem,
alegre e sem muitas preocupações, que se permite tomar café em uma caneca tão colorida
quanto sua cuecavii. Parte do corpo da mulher vestindo uma camisola de seda e renda, que
aparece de costas, sugere que a felicidade no jovem também pode estar relacionada a suas
atividades sexuais, porém de forma muito sutil. Como o próprio titulo, “a great understatement
by Jockey” (um grande eufemismo por Jockey) indica. A figura feminina, mesmo que colocada
de forma secundária na imagem, auxilia no equilíbrio da publicidade, para que este homem
não seja percebido como gay.
Há uma mudança significativa na tônica dos discursos que venda, os produtos além
de conforto passam a vender estilo, diversão, juventude, sensualidade e uma diversidade de
Figura 15: Outdoor Calvin Klein na Times Square - NY 1982. Figura 16: Imagem aproximada
consumo. A sua liberação progressiva de exigência e de censuras lhe permitiu se fazer notar
e reivindicar uma atenção cada vez maior. A dimensão do corpo também está associada às
lógicas das marcas, tornado-o suporte de múltiplas questões simbólicas. E essa dimensão
simbólica é ainda mais dominante nos territórios do adorno, da beleza e do erotismo, que
fazem do corpo um verdadeiro instrumento de socialização.
Toda esta ênfase no underwear masculino, fez com que o valor destas peças aumentasse
no mercado. Desde então, a Calvin Klein tem dominado o mercado da publicidade cuecas
com modelos como o Mark Wahlberg, ex-jogador de futebol Freddie Ljungberg, o ator africano
Djimon Hounsou, entre outros. Nos anos 1980, uma época em que o espírito lúdico tornou-se
tendência, a cueca samba-canção reapareceu como produto de moda, trazendo estampas
de bichinhos, personagens de Walt Disney e dos desenhos de Hanna Barbera. Este retorno
de formas amplas no underwear, influenciou também na roupa exterior, com o volume das
cuecas, as calças com pregas voltaram a moda. Em 1980 a marca Mash é lançada no Brasil.
Joe Boxer (1995), diz que nos 1990 o fenômeno “cueca de grife” tornou-se ainda mais
forte, e mais uma vez a marca Calvin Klein sai na frente, estampando seu nome no cós de
elástico das peças. Este ato transformou a relação do homem com seu underwear novamente,
a cueca passou de uma peça do vestuário que se escondia sob as calças para um produto
de moda, uma escolha de estilo de vida. Astros pop passaram a exibir o cós grifado de suas
cuecas e adolescentes passaram a optar por calças largas no quadril, estilo conhecido como
grungeviii (figura 17).
Figura 17: Anúncio da Calvin Klein Jeans mostrando o cós da cueca com a marca.
Também nesta época, a lojas de varejo começaram a vender cuecas tipo short mais
ajustados, conhecida nos Estados Unidos como boxer briefs ou midle boxers. Aqui no
Brasil estas peças são o que chamamos de cueca boxer. Em 1991 a marca Lupo lança
uma linha íntima masculina no mercado nacional. Nos anos 1990 a lingerie masculina evoluiu,
principalmente no que diz respeito aos materiais e técnicas de produção. As inovações das
malhas, naturais e químicas, possibilitaram o desenvolvimento de produtos voltados para usos
específicos, inclusive para diferentes práticas de esporte. O maior destaque ficou com as
peças em microfibra e com costuras invisíveis.
No século XXI, as inovações continuaram com foco nos materiais e acabamentos,
buscando cada vez mais, unir beleza e conforto. As peças sem costura ganharam uma boa fatia
do mercado. A partir dos anos 2000 vemos um número crescente de inovações no mercado
nacional, as empresas brasileiras investem em tecnologia para produzir novos produtos e se
tornam lançadoras de tendências para o mercado mundial. Segundo Márcia Mariano (2006),
a marca gaúcha Upmanix foi a primeira marca a lançar uma cueca em fibra de bambu, com
propriedades bactericidas e anti-odor, além de modelos dupla face e peças perfumadas no
Salão da Lingerie em São Paulo, em agosto de 2006.
O status de artigo fashion e moderno do underwear masculino de hoje, levou a uma
série de modismos. Seguindo as tendências de moda a Zorbax, lançou em 2009 quatro novos
modelos de cuecas, voltados para diferentes públicos. A Boxer Silver dirigida aos jovens, com
elástico mais largo, de 40 mm de largura para ser exibido por fora da calça. ZBoxer Extreme
Action, confeccionada em microfibra, tecido que facilita a transpiração e tem secagem rápida,
além de proporcionar ajuste perfeito ao corpo; Boxer Extreme Nitro com predominância do
algodão, resultando em um produto com ênfase no conforto; e Slip Seamless Algodão, que
utiliza a tecnologia sem costura, proporcionando muito mais liberdade de movimento no dia-
a-dia. Outra novidade foi o lançamento da Zorba Orgânica, desenvolvida especialmente para
os consumidores preocupados com a preservação do meio ambiente.
As tendências mundiais alertam para necessidade de preservação do ambiente. Além
dos teóricos da área, vemos esta informação começa a ser disseminada também para o
público em geral. E o design é apontado como um dos grandes possíveis mediadores da
sustentabilidade. Mas para que isto aconteça é necessário que haja mudanças também nas
formas de compreender, ensinar e fazer design. Para Silva & Santos (2009) a sustentabilidade
mediada pelo design, depende de uma abordagem ampla e integrada das competências
do designer, passando pela modificação projetos voltados para os produtos para projetos
sistêmicos, que valorizem requisitos ambientais, sociais, culturais e, sobretudo éticos. Atentas
às novas tendências, as empresas estão buscando desenvolver produtos a partir de processos
e materiais mais limpos.
Dentre as inovações sustentáveis podemos destacar ainda, a cueca de malha PET da
marca D’Uomoxi, que utiliza onze garrafas PET de dois litros para produzir um quilo de malha
PET, suficiente para criar dezesseis cuecas, figura 18.
Figura 19: Foto do desfile Figura 20: destaque da cueca da linha “Banana” – Aussiebum
Figura 21: Foto do desfile Figura 22: destaque da cueca com GPS - Lindelucy
Conclusão
Acreditamos que o homem burguês voltou seu primeiro pensamento para roupas
íntimas quando viu em seu acumulo um valor simbólico, uma forma de diferenciação e de
status. Mas, os aspectos funcionais foram pela maior parte do tempo, no decorrer da história
da roupa íntima, o fator principal da modificação das formas e dos materiais destes produtos,
visando a usabilidade e o conforto, porém estas não são mais as únicas preocupações do
mercado.
Atualmente existem diversas marcas que comercializam roupa interior masculina de
grande qualidade, unindo aspectos de funcionalidade às tendências da moda e à qualidade
do design. São utilizados na confecção desta peças diversos tecidos, padrões e modelagens
anatômicas. Tecnologias modernas na confecção foram agregadas ao produto final, permitindo
uma sensação de maciez, toque suave e elasticidade na medida certa. Mas, acima de tudo a
partir dos anos de 1960, e com maior ênfase no anos 1980, observamos início de uma forma
de apresentação do underwear e da representação do corpo masculino, buscando introduzir
elementos simbólicos contidos no discurso da moda que passa a vender um estilo de vida e
não uma peça de roupa do vestuário.
Cada vez mais presente, em maior quantidade e variedade de modelos, no guarda-
roupa masculino, as cuecas evoluíram com o tempo e ganharam adeptos que antes não se
preocupavam com o que vestiam por baixo de suas roupas. Hoje, o homem está mais atento
aos produtos que o deixam mais bonito e confortável, e autoconfiante.
Constantes inovações e elementos de design foram agregados à roupa íntima no
século XX. Destacando primeiro, as questões de usabilidade e conforto, dando ênfase à
função prática do produto. E chegamos ao século XXI com peças diferenciadas, bonitas,
tecnológicas, versáteis e confortáveis. Neste processo foram atribuídas as funçõesxiv estéticas
e simbólicas, tornando o underwear um verdadeiro produto de design e de moda.
Notas
i Duofold – tecido feito com duas camadas de lã entrelaçada proporcionando isolamento contra o frio
e separando o suor do corpo.
ii O modelo boxer americano, parece-se com o que conhecemos como samba-canção. Já o que
chamamos de boxer corresponde ao midle-boxer americano.
iii A Jockey Breif ® ou slip Jockey é o modelo que conhecemos como cueca slip.
iv Empresa que criou e patenteou o Fastener Gripper.
v Tanga – modelo de cueca pequena com duas partes de malha unidas na entreprenas são presas a
uma cintura de elástico.
vi Fio dental – modelo de cueca com a parte traseira muito pequena.
vii A frase “que se permite tomar café em uma caneca tão colorida quanto sua cueca” foi escrita para
indicar mais uma quebra de convenções no padrão familiar vigente, onde a família ao acordar se reúne
à mesa para tomarem o café juntos, provavelmente em louças tradicionais. Busca-se mostrar aqui o
rompimento com a forma convencional de ver homem na sociedade patriarcal, em consonância com
os acontecimentos vigentes.
viii O estilo grunge aparece nos anos 1990 como um movimento de anti-moda, baseado no estilo
de rock do mesmo nome. Nos anos 80, a moda também se apropriou largamente da anti-moda-
punk. A inspiração para a moda grunge era a classe proletária de Seattle, com roupas muito largas
e desleixadas, muitas vezes doadas, um ícone desta moda é camisa xadrez semelhante a usada por
lenhadores.
ix www.upman.com.br
x www.zorba.com.br
xi www.cuecasduomo.com.br
xii www.aussiebum.com
xiii www.lindelucy.com.br
xiv Löbach (2001), fala que um produto de design apresenta três funções básicas: a função prática,
ligada a finalidade de uso do produto, bem como sua adequação às necessidades fisiológicas de uso
como segurança, conforto e facilidade de uso. A função estética se refere aos aspectos psicológicos da
percepção sensorial durante o uso, tem como principal atributo a fruição da beleza e esta subordinada
a aspectos sócio-culturais e ao repertório de conhecimento do usuário. E a função simbólica, a
mais complexa, de acordo com autor, tem como fundamento o aspecto estético-formal do produto
reforçado pela base conceitual das dimensões semióticas. Envolve fatores sociais, culturais, políticos
e econômicos e, também, associa-se a valores pessoais, sentimentais e emotivos. A função simbólica
revela-se, sobretudo, por meio dos elementos configuracionais de estilo. Para mais informações ver
LÖBACH, Bernard. Design industrial: bases para configuração dos produtos industriais. Rio de Janeiro:
Blücher, 2001.
Referências
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Ambiente & Sociedade – Vol. VII nº. 1 jan./jun. 2004. Disponível em: www.scielo.br/pdf/
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São Paulo: Ed. SENAC, 1997.
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BOXER, Joe. A brief history of shorts: the ultimate guide to understanding your underwear.
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em processos e seus fatores contribuintes em um ambiente industrial - um estudo de caso. In:
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Subtil de Oliveira (Orgs.). Jundiaí : Editora Fontoura, 2005. Disponível em www.simpep.feb.
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Magalhães Simão
Luisa de Almeida
bi
luisasimao@live.co
m
ig n: U ni ve rs id ad e Anhembi Morum
PG em Des
M es qu ita ; P ro fessora Dra. do P
Cristiane
mbi.br
cfmesquita@anhe
Resumo
O presente artigo propõe uma reflexão sobre o valor do traje
moderno na herança cultural da moda contemporânea. Através
de um estudo a respeito da existência do terno, há cerca de
dois séculos, bem como dos significados sociais que a ele são
atribuídos, o objetivo deste trabalho é discutir como a moda
contemporânea dialoga com a tradição do terno sob medida e de
que maneira essa tradição se perpetua até os dias de hoje.
Introdução
No momento em que o corte masculino clássico, conhecido por alfaiataria, foi criado,
em meados do século XIX, as técnicas manuais e artesanais de produção ainda eram um
dos únicos, senão o único recurso para a construção do vestuário da época. Tal limitação,
considerando as inúmeras possibilidades produtivas advindas da era industrial que hoje nos
são comuns, fez nascer algo que há muito se perdeu, de um valor imensurável, de uma poesia
que agrada aos olhos e ao espírito: a autenticidade.
O que chamamos de “autêntico” está, naturalmente, atrelado à exclusividade. A roupa
feita sob medida, possui características que a determinam como única, e a ela é atribuído um
valor que vai muito além de sua materialidade, um valor que refere-se a sua autenticidade.
A definição de aurai, proposta por Walter Benjamin, facilita a compreensão do que
chamamos de autenticidade. Aqui, esse conceito está relacionado ao objeto único para um
corpo único. O terno entra em cena para ilustrar essa relação entre objeto e corpo, entre
roupa e memória.
Pode resumir-se essa falta no conceito de aura e dizer: o que murcha na era da
reprodutibilidade da obra de arte é a sua aura. O processo é sintomático, o seu
significado ultrapassa o domínio da arte. Poderia caracterizar-se a técnica de
reprodução dizendo que liberta o objeto do domínio da tradição. Ao multiplicar
o reproduzido, coloca no lugar de ocorrência única a ocorrência em massa.
(BENJAMIN, 1992, p. 79)
Nesse sentido, perceber o valor intrínseco inerente ao ternoii sob medida, facilita
a continuidade de nosso estudo para a compreensão dos seus valores simbólicos e dos
significados que lhe foram atribuídos, e que, em grande medida se mantém até os dias de
hoje.
A mudança de valores proveniente da transição da peça única, feita sob medida, para
a peça reproduzida em larga escala, com o advento da reprodutibilidade, gerou uma série
de transformações no comportamento do consumidor e na maneira como ele passa a se
relacionar com as peças de roupa. Compreenderemos quais são os signos que o terno carrega
que nos remetem à sua tradição e origem e que, mesmo diante de suas adaptações, de sua
apropriação pelo vestuário feminino, de seu caráter formal e permanentemente evolutivoiii , se
perpetua e se relaciona tão intimamente com a pluralidade da moda contemporânea e com a
fragmentação de nosso tempo.
critérios objetivos de seu consumidor, dá lugar ao design centrado no ser humano, o que
significa grandes mudanças na pós-modernidade. Nasce uma preocupação com a maneira
através da qual vemos, interpretamos e convivemos com os artefatosiv . A materialidade dos
signosv que envolvem o objeto, em especial, o terno, passam a ser de suma importância.
Em uma sociedade industrial onde os objetos são programados para serem obsoletos
em um tempo determinado, o terno continua a se afirmar como um objeto clássico, atemporal.
Os artefatos que povoam nossos corpos não o fazem mais pela nossa necessidade e sim,
pelos elementos simbólicos que a eles atribuímos. Além de forma e função, passam a ser
recheados de significados que definem o lugar social do indivíduo. Nossos pertences nos
revelam, são a extensão de nossos desejos e escolhas e, porque não, de nossos corpos,
compondo nossa identidade.
Segundo Cardoso (1998), devemos considerar que os produtos desenvolvidos a partir
de um determinado processo podem ser investidos de significados que não são restritos aos
percebidos através da sua natureza. Os seus produtos não oferecem apenas soluções para
necessidades objetivas dos usuários, já que estes também possuem necessidades subjetivas,
provenientes de seus desejos, anseios e expectativas. Logo, um objeto adquire significados
que vão além de suas questões estruturais e funcionais, e cumpre assim variadas funçõesvi.
O terno faz surgir um imaginário que atrai quem o porta e, gradualmente, constitui um
padrão de vestuário civil para o mundo inteiro, sugerindo competência, articulação, prudência e
desprendimento. O traje permanece sexualmente poderoso e com sua força intacta, dividindo
a cena com outras maneiras de vestir, mas permanece como “um espelho da moderna
auto-estima masculina”, nas palavras de Hollander (1996, p. 76). De acordo com a autora, o
terno possui um caráter abstrato e apresenta uma mensagem de continuidade formal que é
profundamente satisfatório no mundo contemporâneo, por isso o seu não desaparecimento e
a mudança do seu campo de atuação também para o universo feminino e casual, o que trouxe
Ao terno são atribuídos significados de diversas naturezas. Sabemos que a base estética
que deu origem ao ideal moderno de elegância masculina procurou imitar a elegância e a
eficiência da natureza clássica. De acordo com Richard James, alfaiate inglês de Savile Row,
o homem expressa-se através de seu terno. Por ser a roupa mais masculina que já se viu e
de uma versatilidade significativa, capaz de trazer anonimato e, ao mesmo tempo, visibilidade
àquele que o veste, demonstra respeitabilidade e define, quase sempre, os acessórios que o
acompanham.
Na reflexão de Nicholas Antongiavanni (2006), o terno é para o homem o que sua casa
é para sua vida, ou seja, é, de certa forma, um abrigo, uma proteção para o corpo e uma
armadura diante das relações sociais que se estabelecem. Veste-se um uniforme de batalha,
um uniforme que assemelha e distingue ao mesmo tempo, sempre com o intuito de proteger,
resguardar e ao mesmo tempo, exaltar as características daquele homem.
De fato, há algo no vestuário masculino que o torna mais moderno. Talvez por possuir
uma superioridade estética, uma “maturidade” em seu design extremamente satisfatória. Suas
formas são visivelmente mais avançadas, e estabeleceram, dessa maneira, a permanência
do terno durante tantos anos nos códigos do vestir. Ele é associado, por tais motivos, ao
poder, à capacidade intelectual, à seriedade e ao profissionalismo. Isso pode ser comprovado
pela apropriação feminina do vestuário masculino, quando estas precisam emanar maior
credibilidade e competência profissional. Com maior ou menor deliberação, segundo Simmel,
“o indivíduo cria, muitas vezes, para si mesmo uma conduta, um estilo que se caracteriza
como moda pelo ritmo de sua manifestação, de seu fazer-se valer e sobressair” (2008, p. 47).
O desejo dos homens de parecerem descontraídos marcou todo o desenvolvimento do
terno. O conceito de “moderno” significava uma forma abstrata sugerindo um envelope que se
ajustava folgadamente ao corpo, demonstrando seu caráter confortável e utilitário. Esse ideal
masculino era feito de partes separadas, dispostas em camadas e destacáveis com braços,
pernas e troncos visivelmente indicados oferecendo grande mobilidade física e ajustando-se
ao corpo estático e em movimento.
Segundo Hollander (1996), desde 1800, as roupas masculinas mostravam-se variáveis
e expressivas, fluidas e criativas. A diferença, no entanto, é que surgem de maneira consistente.
Os detalhes modificam-se constantemente mas sua estrutura se mantém a mesma. O paletó
tradicional, por exemplo, se mantém, o que muda são suas lapelas, seus detalhes como
botões, bolsos, etc.
O itinerário percorrido pela indumentária masculina, de acordo com Gilda de Mello e
Souza, em vez de estar sujeito a ciclos, a um ritmo estético de expansão de um determinado
elemento decorativo levado ao limite máximo, se simplifica progressivamente, tendendo a
cristalizar-se num uniforme (1987, p. 64).
De acordo com Hollander (1996), ao longo do século XIX, o prestígio da roupa sob
medida se mantinha na Inglaterra e na França, enquanto as roupas prontas para vestir
despontavam nos EUA. A indústria do pronto para vestir desenvolveu-se naturalmente neste
Considerações finais
Pensar a moda é pensar o corpo e suas possibilidades. O corpo como suporte, dialoga
com o terno desde o seu surgimento, e este constrói sobre aquele variadas formas e sentidos,
gerando significações sociais e culturais na história da moda.
A moda, segundo Hollander, “ao enfatizar a proposta de um corpo individual, ilustra a
idéia de que a sexualidade, com sua dependência da fantasia individual e da memória, governe
a vida de cada pessoa” (1996, p. 51). Para Castilho, “O corpo sempre se oferece como suporte
gerador de significação, articulador de um discurso que permite a ação da plasticidade da
decoração corpórea nas situações de interação, presentificação e representação pelo contato
que determina valores positivos e negativos que podem ser, em linhas gerais, polêmico ou
contratual, implícito ou explícito” (2005, p. 141).
Nas palavras de Castilho, “quando utilizados pelo grupo masculino, certos trajes
assumiam significados específicos, como a glória na hierarquia militar, civil ou religiosa. No
conjunto, a indumentária masculina conferia aos homens o poder, a grandeza, a riqueza, a
dignidade no contexto de uma determinada coletividade” (2005, p. 115).
NOTAS
i “Manifestação única de uma lonjura, por muito próxima que esteja”. (BENJAMIN, Walter. Sobre Arte,
Técnica, Linguagem e Política. Relógio D’Água Editores, 1992. p. 81.)
ii Os termos “terno” ou “traje” são utilizados para nomear o conjunto clássico de paletó, calça e colete,
originado no século XIX.
iii HOLLANDER, Anne. O sexo e as roupas: a evolução do traje moderno. Rio de Janeiro: Rocco,
1996. (p. 14)
iv Palestra proferida pelo Prof. Klaus Krippendorff durante o P&D Design 2000 (IV Congresso Brasileiro
de Pesquisa e Desenvolvimento em Design), realizado em outubro de 2000, na FEEVALE, Nova
Hamburgo – RS.
v BAUDRILLARD, Jean. A sociedade de consumo. Rio de Janeiro: Elfos Ed.; Lisboa: Ed. 70, 1995. (p.
58)
vi DENIS, Rafael Cardoso. Design, cultura material e o fetichismo dos objetos. Artigo, 1998.
Referências
ANTONGIAVANNI, Nicholas. The Suit. NY: HarperCollins Publishers, 2006.
BAUDRILLARD, Jean. A sociedade de consumo. Rio de Janeiro: Elfos Ed.; Lisboa: Ed. 70,
1995. (p. 58)
BENJAMIN, Walter. Sobre Arte, Técnica, Linguagem e Política. Relógio D’Água Editores,
1992.
CASTILHO, Kathia. Moda e Linguagem. São Paulo: Editora Anhembi Morumbi, 2004.
DENIS, Rafael Cardoso. Design, cultura material e o fetichismo dos objetos. Artigo, 1998.
SOUZA, Gilda de Mello e. O espírito das roupas: a moda no século dezenove. São Paulo:
Companhia das Letras, 1987.
PIRES, Dorotéia Baduy (org.). Design de Moda: olhares diversos. Barueri, SP: Estação das
Letras e Cores Editora, 2008.
SIMMEL, Georg. Filosofia da moda e outros escritos. São Paulo: Edições Texto & Grafia,
2008.
STALLYBRASS, Peter. O casaco de Marx: roupas, memória, dor. Belo Horizonte: Autêntica
Editora, 2008.
Palestra proferida pelo Prof. Klaus Krippendorff durante o P&D Design 2000 (IV Congresso
Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design), realizado em outubro de 2000, na
FEEVALE, Nova Hamburgo – RS.
Artigo publicado pela Revista Dobras. MOTTA, Eduardo. Fevereiro de 2009. Pg. 31.
Resumo
Este estudo é o resultado de uma investigação de natureza
bibliográfica que busca apresentar algumas definições para o
design, retratar a profissão “designer” na atualidade e relatar as
principais vertentes que vem surgindo com a difusão das escolas
de ensino superior nessa área de conhecimento, especialmente o
design de moda.
Introdução
A origem do profissional de design remonta ao século passado, influenciado
principalmente pela Revolução Industrial e pela contribuição das vanguardas artísticas que
assumem a estética da máquina, incorporando-a as suas criações.
Dorfles (2002) afirma ser errado defender que o design sempre existiu, pois segundo o
autor, uma das premissas básicas para que um elemento seja pertinente ao design industrial é
que ele seja produzido de modo industrial e mecânico, exclusivamente e, assim, seja passível
de repetição em série, o que não acontecia antes do advento da máquina.
Portanto, podemos considerar o inicio do design em conjunto com o advento da
máquina e na produção de objetos pelo homem.
Ainda na atualidade, descrever uma definição clara e axiomática do design é quase
impossível do ponto de vista de alguns estudiosos. O design é um termo muito citado, porém
ainda não completamente compreendido em relação ao seu conceito. O número infinito de
pensamentos ligados a essa atividade faz dessa profissão uma área incompreendida e sem
definições para grande parte da sociedade.
Ainda falta reconhecimento do design como área e a contribuição específica que ele
tem a dar para a cultura em geral e para a brasileira em particular. Stolarski apud Junior, (2006)
afirma que o problema não é o preconceito, mas sim falta de informação: “o design é muito
comentado e celebrado, mas nunca se sabe direito o que quer dizer a palavra. Assim, o termo
acaba por virar sinônimo de “luxo”, “arte”, “sofisticação”, que estão muito distantes de dar
conta do que a atividade faz”.
Juntamente com esse panorama de desinformação sobre o verdadeiro significado de
design encontra-se uma difusão de novos cursos com diversas abrangências e especialidades
das áreas de atuação do design.
O design de moda é uma dessas áreas que vem destacando-se no panorama atual. O
design de moda cria produtos para produzir experiências significativas nos corpos, em tecidos
e roupas são trabalhadas formas, silhuetas e texturas que produzem experiências sensoriais
e por sua vez criam percepções diversas nas pessoas. Os objetivos e procedimentos da
concepção do vestuário assemelham-se ao processo de desenvolvimento de objetos
de design, pois consideram a importância da metodologia de projeto e da satisfação das
necessidades e anseios dos usuários.
Nesse sentido, Feghali e Dwyer (2001, p.103) definem:
Desta forma, este artigo tem como objetivo apresentar algumas definições sobre o
design, relatar as principais vertentes que vem surgindo com a difusão das escolas de ensino
superior nessa área de conhecimento, entre elas o design de moda, foco desta pesquisa.
Design
A raiz da palavra design em inglês tem origem da palavra latina designare, que também
dá origem na nossa língua às palavras desejo, desenho e designo (ARRIVABENE, 2009). Essas
palavras juntas auxiliam na compreensão deste termo. Por desejo, entende-se o potencial que
o design possui de despertar o interesse e de agregar valor. Por desenho, a preocupação
estética, forma, beleza e a comunicação visual. E designo, a funcionalidade, ergonomia,
preocupação com o usuário e principalmente a atividade projetual.
A palavra Design tem sido empregada desde o ano 1580, mas sua primeira acepção
foi documentada em 1588 no Oxford English Dictionary, que o definia como “um plano ou
um esboço concebido pelo homem para algo que se há de se realizar, um primeiro esboço
desenhado para uma obra de arte ou um objeto de arte aplicada, necessário para a sua
execução” (PIRES, 2008, p.96).
A partir do século XX, novas definições mais complexas para o termo foram traçadas,
e o design foi sendo configurado, cada vez mais, como um processo projetual. O design
hoje, enquanto uma atividade engloba inúmeras áreas de trabalho e pesquisa, que tiveram,
inclusive, percursos históricos diferentes, os quais só cruzaram-se quando o perfil do design
como uma atividade multidisciplinar foi traçado.
As definições atuais para o termo situam as atividades do design num patamar ainda
mais abrangente. Diversos autores, entre eles Niemeyer (2000), Pires (2008) e Cardoso (2004),
entende-se o design como sendo o conjunto de atividades teóricas e práticas que objetivam
o desenvolvimento de projetos industriais, que por sua vez, têm como finalidade a realização
de produtos ou serviços que buscam suprir as necessidades humanas. Lobach (2000, p.22)
define design como “o processo de adaptação do ambiente artificial às necessidades físicas
e psíquicas dos homens na sociedade”. Sendo assim, o design deve estar relacionado com
todas as dimensões do produto, sejam elas funcionais, estéticas ou simbólicas.
O design também deve atuar em todo o ciclo de vida do produto e não apenas na sua
concepção - desde a sua criação, até a fabricação, distribuição, uso e descarte. Segundo
definição do International Council Design of Societies of Industrial Design (ICSID, 2008) o
design é uma atividade criativa cuja finalidade é estabelecer as qualidades multifacetadas de
objetos, processos, serviços e seus sistemas, compreendendo todo o seu ciclo de vida.
Assim, hoje o design pode ser entendido como uma atividade multi e interdisciplinar,
que permeia todo o processo destinado à reprodução industrial realizando a manipulação de
um conjunto de conhecimento e informações de ordem técnica, ergonômica, psicológica,
mercadológica, estética, econômica e cultural, gerando alternativas, até o encontro de uma
solução final para o produto. É um trabalho de caráter multidisciplinar, onde diversas áreas do
conhecimento relacionam-se, de acordo com a natureza do projeto, contribuindo para uma
solução final em termos de produto.
A profissão
No Brasil, a profissão designer não é regulamentada, embora ela conste no Catálogo
Geral de Profissões do Ministério do Trabalho (ESCOREL, 1999). Existem, no entanto,
associações profissionais, de caráter cultural e representativo.
Cursos especializados têm sido abertos todos os anos, o que gera um aumento
significativo da oferta de mão-de-obra. “O aumento da porcentagem de profissionais formados,
por sua vez, coincidiu com a chegada do computador que revolucionou a maneira de projetar
e produzir, acarretando, entre outras coisas, uma redução substancial dos preços cobrados”
(ESCOREL, 1999, p.92).
O avanço da tecnologia e da informação facilitou o acesso ao uso de certas ferramentas
do design, e neste panorama surgiram os famosos “micreiros” – profissionais capazes de
operar os softwares, porém sem formação suficiente para realmente aplicar a tecnologia,
usando-a muitas vezes de forma aleatória.
Muitas pessoas e empresas contratam este “designer” para desenvolver seus trabalhos,
pelo valor que normalmente é cobrado por esse profissional – abaixo do custo real – ou
pelos prazos ou pelas facilidades que eles oferecem ao cliente. “Por vezes, estes clientes
relatam posteriormente que o gasto foi ainda maior que se tivessem realmente contratado
um profissional da área, ou que o trabalho desenvolvido não atingiu a qualidade esperada”
(ALBUQUERQUE, 2008, p.2).
Neste sentido, apesar de todas as tentativas realizadas por profissionais e teóricos
para estabelecer o real significado e abrangência da profissão “designer”, esta ainda é vista,
pela sociedade em geral, como uma atividade meramente empírica, que preocupa-se apenas
com questões estéticas. Tal visão obviamente traduz de forma errônea e simplificada os
aspectos da profissão, pois, segundo Whiteley (1998), cabe aos designers considerar não
apenas as questões artísticas, mas também as questões sociais, econômicas, políticas, éticas,
tecnológicas, ecológicas e ambientais de seus projetos.
Entre os próprios designers, pode-se encontrar duas vertentes mais comuns: aqueles
que acreditam no potencial artístico do design e aqueles que defendem um maior tecnicismo
e formalismo do design, baseados principalmente nas duas maiores escolas de design do
século XX, a Bauhaus (Alemanha 1919-1933) e Escola de Ulm (Alemanha 1953-1968). Whiteley
(1998) aborda de forma mais detalhada este tema, classificando em seis os diferentes tipos
de designers existentes: o designer formalizado, o designer teorizado, o designer politizado,
o designer consumista, o designer tecnológico e, por fim, o designer valorizado, sendo este
último uma proposta do próprio autor, considerada ideal, pois define um profissional mais
completo, que une de forma coerente a teoria e a prática.
Todos os anos surgem novos profissionais de design, e a cada ano são criados novos
espaços e abrangências. Segundo Albuquerque (2008) atualmente existe mais de seis difusões,
que ramificam-se, tais como o design gráfico, design de produto, design editorial, design de
embalagem, design de multimídia e/ou mídia eletrônica, design ambiental e design de moda.
Nesse sentido, Gomes Filho (2006, p.15) explica que “o campo do design se fraciona
cada vez mais em diversas especialidades ditadas pelo mercado”. As particularidades das
áreas de atuação do design encontram-se amplamente subdivididas, como mostra a Tabela 1.
O que acaba por resultar em certa confusão na medida em que determinadas especialidades
se desdobram e se sobrepõe, quando na verdade possuem significados muito próximos.
Contexto internacional Equivalência aproximada Contexto nacional
Industrial Design Design Industrial
Object Design Design do Objeto
Furniture Design Design de Equipamentos Urbanos
Automobile Design Design de Mobiliário
Computer Design Design Automobilístico
Hardware Design Design de Computador
Packging Design Design de Máquinas e Equipamentos Design de produto
Food Design Design de Embalagens
Jeweley Design Design de Alimentos
Sound Design Design de Jóias
Lighting Design Design de Sistemas de Som
Textile Design Design de Sistemas de Iluminação
Design Têxtil
Communications Design Design de Sistemas Comunicativos
Commercial Design Design gráfico
Corporate Design Design de Identidade Corporativa
Information Design Design de Sistemas de Informação
Design Gráfico
Tabletop Design Design de Editoração
Media Design Design de Meios de Comunicação
Software Design Design de Programas
Figura 2 – As diversas áreas do Design (distribuição de artigos por área no P&D 2006)
Fonte: Amstel 2006
Design de Moda
As pesquisas na área do design voltam-se cada vez mais para o universo da moda.
Essa aproximação não está somente marcada pela inserção da palavra designer para nomear
o profissional de moda, mas sim a partir de seu conceito, que passou a participar e conduzir
os processos da moda.
Segundo Palomino (2003), o termo moda surgiu por volta dos séculos XIV e XV, na Europa
Ocidental e atingiu sua plenitude com os processos industriais de produção e aprimoramento
dos aspectos estéticos e técnicos dos produtos industrializados.
O fenômeno moda serviu de alicerce para manutenção de tradições, elementos
distintivos entre classes, funções sociais, simbolismos, suporte para informações a respeito do
individuo e de grupos a que pertence. O vestuário tornou-se, em grande parte por seu caráter
simbólico, a primeira materialização do fenômeno moda.
A moda possui significado abrangente por estar presente nos mais diversos produtos e
como fenômeno social. Rech (2002, p.29) a define pelas “mudanças sociológicas, psicológicas
e estéticas, intrínsecas à arquitetura, às artes visuais, a musica, à religião, à política, à literatura,
à perspectiva filosófica, à decoração e ao vestuário”.
O vestuário inserido no sistema de moda tem por finalidade, além de vestir o corpo,
outras associações como satisfação de necessidades emocionais do consumidor-usuário.
Produtos destinados ao consumo como as roupas denotam aspectos sociais, econômicos,
ambientais e mercadológicos. Diante dessa premissa Montemezzo (2003, p.34) afirma:
Considerações Finais
A atividade do designer fortaleceu-se com o surgimento das indústrias e escolas de
design, já que por meios destas, grande parte dos objetivos da área tornaram-se mais claros
e definidos, como o foco de produção com um fim social.
Ainda que não regulamentada, a profissão vem sendo delineada e continua modificado-
se e adquirindo novas ramificações atreladas à inovação e ao comportamento humano e suas
necessidades, as quais também evoluem e alteram-se todos os dias.
Referências
ALBUQUERQUE, Vanessa Gomes. Design, impasses e perspectivas: história e evolução.
Revista Educação, Guarulhos, v.03, n.02, p.01-04, 2008. Semestral. Disponível em: <http://
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AMSTEL, Frederick Van. 7° P&D Design: um grande evento. 2006. Disponível em: <http://
usabilidoido.com.br/7_pd_design_um_grande_evento.html>. Acesso em: 07 out. 2010.
CARDOSO, Rafael. Uma introdução à história do design. São Paulo, Edgard Blücher, 2004.
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gráfico/ design de moda/ design de ambientes/ design conceitual. São Paulo: Escrituras, 2006.
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LOBACH, Bernd. Design Industrial: Bases para a Configuração dos Produtos Industriais.
São Paulo: Edgard Blucher, 2000.
MONTEIRO, Daniel. O futuro, a tecnologia, o design e o homem. Disponível em: < http://
blogenxame.blogspot.com/2005/09/o-futuro-tecnologia-o-design-e-o-homem_09.html>.
Acesso em: 01 out. 2009.
NIEMEYER, Lucy. Design no Brasil: origens e instalação. Rio de Janeiro: 2AB, 2000.
PIRES, Dorotéia Baduy (org). Design de moda: olhares diversos. São Paulo: Estação das
Letras e Cores, 2008.
RECH, Sandra Regina. Moda: por um fio de qualidade. Florianopolis: UDESC, 2002.
SOUSA, Cyntia Santos Malaguti de; Et al Regulação do ensino do design de moda – para
quem?. São Paulo, 2010. Disponível em: <http://blogs.anhembi.br/congressodesign/anais/
artigos/69520.pdf>. Acesso em: 05 Jan 2011.
WHITELEY, Nigel. O designer valorizado. Revista Arcos, volume 01, número único,
1998.
Resumo
Ao longo dos anos, o design passou por transformações que
alteraram seu discurso e objetivo inicial, o que, em certa medida,
reflete seu amadurecimento e seu reconhecimento social,
principalmente ao deixar de ser uma vanguarda, ou um projeto
alternativo, e passar a ser absorvido pela empresas e pela
sociedade, através da consolidação de um mercado de design. E
apesar de aparentarem certo distanciamento, o pensamento cético
e o design possuem relação estreita. Este artigo objetiva confrontar
o design e algumas de suas perspectivas com o pensamento
cético, no intuito de constituir uma relação entre as abordagens
de design e suas possíveis bases epistemológicas. Como
metodologia para alcançar o objetivo foi utilizada uma pesquisa
exploratória e bibliográfica. Os resultados alcançados ressaltam
que a divisão entre as abordagens de design é, em certa medida,
artificial, como se elas pudessem representar categorias distintas
e grupos exclusivos de indivíduos. É possível também notar que
o pensamento cético e o design possuem íntima relação e tanto
a abordagem de design, como a postura cética ou dogmática em
relação a tal abordagem, devem, ambas, ser fruto reflexão dos
designers.
Introdução
Mesmo aparentemente distantes, o pensamento cético e o design possuem uma
relação estreita. De modo que o ceticismo e seu oposto, o dogmatismo, estão presentes
cotidianamente no modo de agir e pensar dos profissionais ligados a atividade de design.
A proposta do artigo é confrontar o design, em suas principais perspectivas, com as
bases do pensamento cético, a fim de estabelecer uma relação entre as abordagens de design
e suas possíveis bases epistemológicas.
Com o passar dos anos, desde sua fundação, o design passou por transformações que
alteraram seu discurso e objetivo inicial, que, em certa medida, reflete seu amadurecimento
e seu reconhecimento social, principalmente ao deixar de ser uma vanguarda, ou um projeto
alternativo, e passar a ser absorvido pela empresas e pela sociedade, através da consolidação
de um mercado de design.
Essa discussão tem como embasamento a análise de Nuno Portas (1993), sobre as
três principais correntes ou tendências em Design, que, segundo ele, norteiam a formação e
a visão da maioria dos profissionais da área sobre a atividade e, conseqüentemente, as ações
projetuais e as políticas desenvolvidas pelos mesmos.
Como suporte e complementação a abordagem de Portas, utilizaremos a reflexão
crítica de Norberto Chaves (2001) sobre os discursos assumidos pelo design no decorrer
de sua trajetória, polarizados e contrastados como discurso dos fundadores e discurso do
mercado, mas também se referindo a uma terceira corrente pós-moderna, que nesse ponto se
diferencia de Portas, e assim expande as perspectivas sobre os rumos da atividade de design.
O pensamento cético, em síntese, pode ser encarado como a suspensão do juízo,
sem aceitar ou negar uma teoria, o que demonstra seu caráter de investigação permanente.
O cético pirrônico, conforme Sexto Empírico, também pode propor teorias, mas, no entanto,
a diferença entre ele e o dogmático, é que o cético suspende o juízo e continua investigando.
Conforme o Dicionário Básico de Filosofia (JAPIASSÚ, 1990), por oposição ao ceticismo, o
dogmatismo é a atitude que consiste em admitir a possibilidade, para a razão humana, de
chegar a verdades absolutamente certas e seguras. Na concepção cética geral, portanto, a
especulação filosófica daria lugar ao senso comum e à vida prática.
Considerando apenas o que é aceito no senso comum entre os autores de design
utilizados que, como vimos, é uma das essências do pensamento cético, a ênfase se dará,
então, na abordagem funcionalista relacionada com o discurso dos fundadores da teoria do
design, e a abordagem do Styling adotada pelos agentes do mercado. Essa duas abordagens
são aproximadas do pensamento cético, através de seus principais expoentes - como
Sexto Empírico, Descartes, Hume, Kant entre outros, e assim, buscar estabelecer relações
epistemológicas das duas principais correntes de design. As outras perspectivas também
são indicadas no texto, como concepção sistêmica ou ecológica (Portas) e a pós-moderna
(Chaves), porém sem o mesmo destaque das duas anteriores por não serem consensuais
entre os autores.
Em suma, o presente estudo aborda também a transformação do design no decorrer
dos tempos, de sua origem até a atualidade, traçando um paralelo com o pensamento
cético. Busca contrastar as principais correntes de design, desde a origem funcionalista e
mais dogmática, passando pelo Styling e pelo pragmatismo em relação ao êxito de mercado.
Encerra-se com as correntes mais recentes, como a pós-moderna e o design sistêmico,
que de certa forma se caracterizam, respectivamente, como uma postura mais cética e mais
dogmática em relação ao design.
De certa forma, portanto, o designer é cético com relação ao fato de ter alcançado
definitivamente a melhor forma para uma determinada função. Pois, como no exemplo anterior
(fig.01), os produtos sempre se transformam para atender uma mesma função, quando não é
a própria a função que se altera. Por outro lado, o designer também precisa ser pontualmente
dogmático, porque cada produto é uma espécie de teoria, ou enunciado, que corresponde a
uma resposta considerada verdadeira com relação ao atendimento da necessidade proposta.
Nesse sentido, em certos casos, o designer assume o pragmatismo dos céticos, considerando
certos procedimentos e produtos úteis, apesar de não serem necessariamente “verdadeiros”.
Em outros casos, entretanto, assume o dogmatismo ao mostrar-se convencido de que design
é ciência capaz de encontrar a verdade.
Conforme Burdek (1999), todo objeto de design há de ser entendido como resultado
de um processo de desenvolvimento que sempre reflete nas condições sob as quais surgiu:
o contexto histórico, social e cultural, as limitações da técnica e da produção, os requisitos
ergonômicos, ecológicos, os interesses econômicos, políticos e até as aspirações artísticas.
A partir disso, podemos considerar as constantes mudanças sócio-culturais que, com
o passar dos anos, mudam as necessidades, gerando demandas por novas funções para
produtos já existentes e, também, por novos produtos. O designer, como atuante fundamental
no sistema de produção e consumo, deve estar atento às mudanças, visando aprimorar e
adequar o sistema sócio-produtivo.
o processo de construção do objeto de modo a facilitar sua produção pela máquina. Assim,
a partir do modelo industrial de produção, o processo de concepção do objeto passou a ser
entendido como design, ou mesmo, como desenho industrial.
Com origens histórica na Europa Central do primeiro pós-guerra, sobretudo, lançado
pela escola alemã Bauhaus, o design assumia um discurso essencialmente funcionalista, na
medida em que a criação da forma dos produtos deveria traduzir a constituição lógica da
produção do objeto e, sobretudo, a lógica da sua função – da utilidade, do uso – a que se
destinava. O que levou ao desenvolvimento de múltiplos estudos – como a ergonomia - da
adaptação dos utensílios e espaços ao homem (PORTAS, 1993).
Isso porque, segundo Portas (1993), o designer honestamente funcionalista deve
racionalizar a concepção do produto para, sobretudo, torná-lo mais útil e adaptado, melhor
manipulável pelo usuário, cujas atividades ou necessidades se vão conhecendo pela via
científica e não por questões de marketing. Preocupando-se principalmente com o uso
imediato do objeto e em melhorar sua utilidade dentro das condições econômicas e técnicas
aceitáveis pela indústria. (grifo nosso)
Conforme Chaves (2001), este é o estágio inicial da emergência do design, aparecendo
como uma alternativa a todas as formas prévias de definição da forma dos produtos de uso
e do habitat. Em seguida o design foi englobando praticamente a totalidade da produção
material. Dessa forma, o design veio ser a linguagem e a expressão da própria revolução
industrial.
Ainda segundo Chaves (2001) o discurso funcionalista, não somente segue vivo,
como em alguns casos é o único possível, pois para certos problemas possui uma eficácia
incontestável. Porém, a relação imaginária que os designers estabeleciam com o usuário, como
este sendo uma espécie de ser supremo dotado de necessidades objetivas, imaginado a partir
de um modelo de “usuário” concebido como imagem e semelhança da utopia intelectual do
setor. Este usuário era um ente anatômico e fisiológico carregado de necessidades práticas,
privado de história e pré-disposições culturais socialmente adquiridas, que não coincidia com
nenhum setor concreto da população.
De certo modo, este corrente ou escola de design, é que mais se aproxima da postura
puramente dogmática, com fortes influências epistemológicas do Racionalismo e do Positivismo.
Isso porque a ênfase na racionalização do produto e até mesmo do próprio usuário aproxima-se
do Racionalismo, que tem na razão o fundamento de todo o conhecimento possível, e, portanto
somente ela é capaz de conhecer o real. Nesse ponto, em relação ao pensamento cético, a
perspectiva funcionalista do design aproxima-se do ceticismo metodológico de Descartes,
que, segundo Dutra (2005) é voltado para a compreensão do ceticismo como atitude de
duvidar de nossas opiniões - Cogito, ergo sum -, confiando que aquelas que realmente forem
expressão da “verdade” irão resistir a qualquer dúvida, e assim, defender opiniões, teorias e
teses ou, conforme os céticos, estabelecer dogmas.
dente do que e onde, pois o produto, como objeto concreto, tende a ter sua importância
econômica diminuída em relação ao universo imaginário que o rodeia. Nessas condições, os
designers tornam-se as “estrelas”, definindo-se pela sua capacidade de inovação estética e
simbólica, porque o que vale agora é a incorporação de um elemento de inovação, que pro-
ponha um acontecimento atraente para o mercado, sem necessariamente buscar a solução
de problemas relacionados às necessidades objetivas do usuário.
Neste ponto, cabe destacar outra contribuição do ceticismo de David Hume para a
filosofia e para a ciência, considerando também sua contribuição para o design, cujo objetivo
é determinar os limites da razão lógica e definir o domínio que lhe é próprio, a fim de evitar que
ela se perca em problemas insolúveis (VERDAN, 2005). Essa é uma contribuição fundamental,
principalmente, para a abordagem sistêmica, no que consiste em definir os limites do sistema-
produto. Pois, em última instância um produto se relaciona com praticamente todos os outros
sistemas existentes.
Considerações Finais
A tradição do design clássico-positivista é incompatível com o ceticismo moral ou fi-
losófico, porque é alinhada ao dogmatismo científico-positivista. A origem teórica do design
é idealista/racionalista e sua prática é funcionalista, como decorrência direta da Revolução
Industrial, que foi um fenômeno material e social decorrente da matriz ideológica positivista.
Na cultura ocidental, entretanto, o positivismo foi superado pelo liberalismo, promo-
vendo a superação do racionalismo pelo pragmatismo, que uma das expressões possíveis do
ceticismo. O percurso que destituiu o racionalismo dando lugar ao pragmatismo foi expresso
e percebido na evolução do design no Ocidente.
O imediatismo pragmático, contudo, está sob suspeição, na medida em que o con-
sumo desenfreado provoca o desperdício dos recursos materiais não renováveis em função
da necessidade de renovação simbólica como estratégia de renovação do próprio consumo.
Essa situação de calamidade eminente propôs o discurso da sustentabilidade ambiental que
envolve o reaproveitamento de matéria prima e a suspensão do abuso sobre os recursos na-
turais.
O design sistêmico que prevê o planejamento de todo ciclo do produto, da concepção
ao descarte, apresenta-se como a solução possível para garantir a renovação dos recursos de
produção e a renovação dos ciclos de consumo, ampliando a esfera do consumo simbólico e
restringindo o desperdício de recursos não renováveis.
A divisão entre as abordagens do design é, portanto, em certa medida, artificial, porque
não representam realidades ou categorias totalmente distintas. Essas abordagens diferencia-
das assinalam a própria evolução da cultura industrial e pós-industrial com relação:
1- A necessidade primeira de atendimento à grande demanda reprimida de consumo
de bens industrializados, que vinha como herança da era artesanal;
nos setores produtivos, mas sem colocar ainda mais em risco a vida no planeta terra.
REFERÊNCIAS
BURDEK, Bernhard; Diseño. História, teoría y práctica del diseño industrial - Barcelona:
LÖBACH, Bernd. Design Industrial: Bases para a configuração dos produtos industriais.
Tradução Freddy Van Camp. São Paulo: Editora Blucher, 2001.
de Astrid de Carvalho. 1ed. 1reimpr. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2005.
PORTAS, Nuno; Design: política e formação in Design em aberto: uma antologia. Centro
Português de Design, 1993.
VERDAN, André. O ceticismo filosófico; tradução Jaimir Conte,- Florianópolis: Ed. da UFSC,
1998.
Resumo
Este artigo apresenta alguns tópicos da pesquisa realizada no
trabalho de conclusão de curso como requisito para graduação
em Design de Moda e Tecnologia da Universidade Feevale. São
apresentados conceitos de conforto e risco, bem como parâmetros
associados a eles. A pesquisa observacional descritiva realizada
através de conceitos da ergonomia investigou a percepção das
usuárias quanto ao conforto de modelos pré-definidos de calcinha.
Como resultado, o conforto psicológico se sobrepõe ao conforto
físico, quando se trata deste tipo de vestimenta.
Introdução
Este trabalho tem como tema a ergonomia aplicada ao vestuário para avaliação de
conforto e risco no uso de calcinhas. Através da percepção do comportamento das usuárias,
surgiu o problema de pesquisa: como a usuária de moda feminina percebe o conforto no uso
de calcinhas? Como hipótese infere-se que o conforto físico é preterido quando o modelo de
calcinha representa conforto psicológico para a usuária.
Os projetos de design do vestuário que são desenvolvidos industrialmente, a partir
de tabelas de medidas (antropometria estática), possuem um alcance restritivo em relação
ao consumidor. Segundo Rosa e Moraes (2009), destacam-se como limitações: a íntima
relação entre o produto e o corpo humano, a diversidade de estilos e segmentos do mercado
consumidor e, o lançamento da maioria das peças sem testes de aceitação do consumidor,
visto que se trata de um processo de alto custo, além da conseqüente facilidade com que uma
nova idéia pode ser imitada ou copiada.
Segundo Baxter (2003), o projeto de novos produtos envolve riscos e é preciso gerir
estes riscos com competência. Sendo a calcinha um produto de moda, de característica
efêmera, pode ser aplicado a esse conceito. É preciso, dentre outros tantos aspectos, garantir
a qualidade dos produtos, com ferramentas de design que sejam efetivas. Pois, segundo o
mesmo autor, os projetos de produtos que são aplicados de forma eficiente nas indústrias
minimizam as perdas em relação à conquista e satisfação do consumidor final.
Conforme Iida (2003), todos os produtos destinam-se a satisfazer necessidades
humanas e, para tanto, entram em contato com o homem. Desta forma, possuem características
desejáveis de qualidade. O autor coloca três características, que são: qualidade técnica, que
considera a eficiência com a qual o produto executa sua função; qualidade ergonômica,
que leva em conta itens de conforto e segurança como facilidade de manuseio, adaptação
antropométrica e compatibilidade de movimentos; e qualidade estética, que atende a
combinação de formas, cores, materiais e texturas para que os produtos sejam visualmente
agradáveis.
Moraes e Mont’alvão discorrem sobre a importância de projetar o produto adequado
ao usuário:
O valor desta pesquisa está na busca de qualidade, visto que o conforto no vestuário,
dentro da área da ergonomia, é ainda pouco explorado no meio acadêmico brasileiro e não
existem pesquisas quantitativas em relação à percepção de conforto no uso do produto de
vestuário. O objetivo da pesquisa é identificar a percepção de conforto pelas usuárias de
calcinha.
Para avaliar a percepção do usuário, foi feita uma pesquisa observacional-descritiva
qualitativa e quantitativa, baseada na metodologia de LINDEN (2004). Nesta pesquisa, foi
realizada uma entrevista com referências verbais e de imagem para ilustrar pontos de risco
relacionados ao uso do produto, bem como para identificar quais os modelos de lingerie
mais utilizados pelas participantes da pesquisa. Após a entrevista, foi realizada com cada
participante uma fotogrametria para identificar pontos de interferência na silhueta.
Conforto
O conforto, segundo Heinrich (2009) é um elemento-chave para o sucesso de
produtos de vestuário. Segundo a autora “é precisamente no que diz respeito aos aspectos
do conforto do vestuário que a Ergonomia desempenha um papel crucial e ao mesmo tempo
muito peculiar” (Ibidem, p.2), pois o conforto percebido depende da interação ente o usuário
e a roupa. “Assim, se os produtos não apresentarem as características técnicas mínimas
capazes de propiciar o conforto físico isto pode causar, para além da incômoda sensação de
desconforto, implicações sobre a saúde e o bem-estar do indivíduo” (Ibidem, p.3).
Conforme Senthilkumar & Dasaradan (2007), o conforto é uma das características
desejáveis nos produtos de moda. Para os autores, conforto não é uma propriedade têxtil, mas
sim um sentimento humano, uma condição de tranqüilidade e bem-estar, que é influenciado
por muitos fatores, incluindo propriedades têxteis. Designers de vestuário podem cuidar dos
aspectos físicos e psicológicos de conforto por meio da seleção adequada de cores, texturas,
estilo, modelagem, entre outros fatores.
Linden reconhece a natureza multidimensional do conforto como resultantes das
dimensões física, psicológica e fisiológica. O atendimento das três dimensões é indicação
de harmonia. O autor afirma que o conforto psicológico está relacionado a questões como
autoimagem, relacionamento com outras pessoas e privacidade. Os aspectos fisiológicos têm
relação com o funcionamento do corpo humano que envolve ações de regulação involuntárias.
Já o conforto físico corresponde à interação com a natureza e aos efeitos nas dimensões
psicológica e fisiológica. (LINDEN, 2004).
Broega (2007, p.3), também concorda com Hertzberg, ao passo que traz em seu
trabalho o conceito de Slater, para quem o conforto é “a ausência de dor e de desconforto em
estado neutro”. A autora também afirma que o conforto total do vestuário se divide em quatro
aspectos fundamentais:
– Conforto Ergonômico – capacidade que uma peça de vestuário tem de “vestir bem”
e de permitir a liberdade dos movimentos do corpo;
Dessa forma, para o autor “o desconforto decorre de uma ativação negativa, de natureza
fisiológica ou física” (LINDEN, idem, p.90), o que implica em um sentimento de carga hedônica
negativa.
É difícil descrever o conforto de forma positiva, mas o desconforto pode ser facilmente
descrito, em termos como: pinica, coceira, quente e frio. Portanto, uma definição amplamente
aceita para o conforto é liberdade da dor e do desconforto como um estado neutro (Senthilkumar
& Dasaradan, 2007). Os autores ainda destacam algumas definições para o conforto sensorial,
que é percebido através de várias sensações quando um tecido entra em contato com a
pele, para o conforto de movimento, que é a capacidade de um tecido de permitir liberdade
de movimento e moldar o corpo, conforme a exigência, e para o apelo estético, que inclui os
cinco sentidos ativados pela roupa e contribui para o bem-estar do usuário.
Para este estudo relativo à percepção de conforto no uso de calcinhas, somente serão
analisadas as percepções de conforto físico e psicológico e não será enfoque o conforto
Figura 2 - modelo para relação do conforto no uso do produto de acordo com as necessidades do consumidor
Linden (2004) supõe que o uso do calçado de salto alto e fino e bico fino é motivado
pela aparência. Além disto, apenas 10% das mulheres consideram que este tipo de calçado é
seguro e confortável, além de ter boa aparência, o que corrobora com a suposição do autor.
Supõe-se que para o uso de calcinhas, este comportamento seja semelhante, visto que
lingerie e calçados femininos são elementos da moda que são ícones do imaginário fetichista
e sensual, o que pode justificar um resultado semelhante a esta pesquisa.
Resultados e Discussões
A hipótese do trabalho foi parcialmente confirmada. Isto porque a usuária percebe o
risco apresentado – interferência na silhueta –, porém o conforto físico é de fato preterido em
função do conforto psicológico. Das 40 participantes da pesquisa, 30 afirmaram que trocariam
o modelo de calcinha para evitar formação de marca na silhueta.
Entretanto, a figura 4 mostra um comparativo entre uso e percepção de conforto das
usuárias, que revela que o modelo percebido como mais confortável é o menos utilizado e que
o modelo percebido como o maior causador de marca na silhueta é o segundo mais utilizado.
Além disso, o conforto é item recorrente nos critérios de escolha, entretanto a estética
tem valor praticamente igual. Este resultado vai ao encontro do estudo da semântica de
produtos que afirma que o ser humano responde ao que as coisas significam para ele, não as
qualidades físicas destas, conforme Linden e Kunzler (2001).
É válido ressaltar que esta pesquisa poderia ser mais aprofundada com o uso de
software específico para sobrepor e cruzar as imagens obtidas, o que geraria dados mais
concretos para a avaliação da interferência corporal. Aqui se observou, a princípio, apenas a
percepção das usuárias, porém há a perspectiva de continuar o desenvolvimento deste tipo
de investigação acerca do conforto de vestuário, principalmente de moda íntima, que é um
dos setores industriais mais produtivos do Brasil. Para tanto, é preciso gerar conhecimento
e novas tecnologias para a indústria de vestuário e é pertinente o questionamento: Como
agregar conforto físico e psicológico ao design de produto de moda íntima?
Referências
AREZES, P., Barroso, M., Cordeiro, P., Costa, L., Miguel, A. Estudo Antropométrico da
População Portuguesa. Lisboa: Instituto para a Segurança, Higiene e Saúde no Trabalho,
2006.
FAN, J., YU, W, HUNTER, L. Clothing Appearance and Fit: Science and Technology.
Cambridge: Woodhead Publishing Ltd., 2004.
GRAVE, Maria de Fátima. A modelagem sob a ótica da ergonomia. São Paulo: Zennex
Publishing, 2004.
IIDA, I.. Ergonomia: projeto e produção. São Paulo: E. Blucher, 2ª Ed., 2005.
LINDEN, Júlio Carlos de Souza Van Der. O conceito de conforto. Revista Tecnologia e
Tendências, Novo Hamburgo, v.2, n.2, ano 2, p. 21-30, dez. 2003.
LINDEN, Júlio Carlos de Souza Van Der. Um modelo descritivo da percepção de conforto
e de risco em calçados femininos. 2004. Tese (Doutorado em Engenharia de Produção) -
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre-RS, 2004
Resumo
Este artigo versa sobre design e arte quando inseridos no universo
urbano, na interação com a urgência, a inovação e a criatividade.
Busca discutir as possibilidades destes campos nas ruas e, mais
precisamente, no diálogo com as artes cênicas. Propõe um olhar
apurado para o processo projetual da cena e dos espetáculos de
rua, dando a esse processo a denominação de “design cênico”.
Introdução
No mundo contemporâneo, o ato inovador é volátil – envelhece rápido, perde o
encantamento e produz a necessidade de algo mais moderno, mais criativo e mais inovador
ainda. É assim nas ciências, no cotidiano das pessoas, no mundo corporativo e também nas
artes. O tempo se renova constantemente, e com ele muitas coisas também se renovam. O
que é hoje, certamente não o será amanhã. As culturas, as tradições, os usos e costumes,
por mais tradicionais que sejam, por mais salvaguardados que possam estar, passam por
processos de transformação, não porque não exista quem os preserve, mas sim por que os
sentidos das coisas mudam.
O tempo na contemporaneidade é fatalizado pela ordem das urgências que significa
uma oscilação na razão instrumental, o culto dos meios e esquecimento dos fins. Ele é o reino
das revoluções tecnológicas do progresso (MATOS, 2009, p. 93).
Este preâmbulo serve para iniciarmos um diálogo sobre a urgência urbana e as inquietudes
dos artistas que se inserem nas questões referentes às artes que acontecem nas ruas. Todas
as expressões de arte podem entender a rua como mais um ponto para o escoamento de suas
produções: o graffite, o cinema, a música, a pintura, entre tantas outras formas, encontram
nela um espaço alternativo de troca. Neste canal de comunicação, os artistas, em sua obra,
devem levar em conta as pessoas às quais ela se destina, considerando o ambiente público
composto sempre de indivíduos (PALLAMIM, 2002). Dá se o espetáculo, a cena, e recebe-se em
contrapartida a admiração, os aplausos, a compreensão, ou o inverso disso.
As ruas e praças das cidades, da mesma maneira que as galerias de arte, os teatros ou
as salas de espetáculos, constituem uma dinâmica específica e têm características próprias. Os
espaços de artes, projetados para receber produções artísticas variadas, apresentam diversas
formas de adequação e customização aos interesses de uma determinada obra. Há, portanto,
a possibilidade de interferências no projeto original da estrutura física, momento propício à
atuação de um cenógrafo, de um iluminador, de um sonorizador e de outros profissionais
intimamente ligados às propostas do artista, concretizando a obra de arte de acordo com
sua concepção. Em contraponto às possibilidades mutáveis dos “templos das artes”, as ruas
e as praças dos centros urbanos não se adaptam à obra de arte, mas sim às urgências do
cotidiano das pessoas que se utilizam deles. Esta mesma urgência pode ser o mote para o
diálogo criativo e inovador entre o artista e seu público.
Como exemplo, olhando para a obra do artista Flávio de Carvalho, encontramos em seu
manifesto “A cidade do homem nu”, de 1930, um exercício de observação crítica às cidades
e seus espaços urbanos, apontando um descontentamento com os rumos estabelecidos pelo
status quo da sociedade da qual fazia parte e afirmando que o homem caminhava para um
processo destrutivo em função do organismo doentio destas cidades. A proposição de sua
arte, nos parece, instigava as pessoas à criatividade e às mudanças:
A cultura moderna, burguesa, fez uma separação brusca entre o mundo das
artes e o mundo da técnica e das máquinas, de modo que a cultura se dividiu
em dois ramos estranhos entre si: por um lado, o ramo científico, quantificável,
“duro”, e por outro ramo estético, qualificador, “brando”. Essa separação
desastrosa começou a se tornar insustentável no final do século XIX. A Palavra
design entrou nessa brecha como uma espécie de ponte entre esses dois
mundos (FLUSSER, 2008, p. 183).
Em sua análise, Flusser norteia a discussão sobre design deste artigo. Nos parece que,
com essa afirmação, arte e técnica, apesar de possuírem conceitos distintos, podem e devem
coexistir harmonicamente. Isto nos remete aos diferentes tipos e formações das pessoas que
circulam pelas ruas das cidades, que, diferentes entre si, convivem e se relacionam.
Ainda tendo Flusser como referência, encontramos em sua análise fundamentos para
a questão da diversidade de significados da palavra design, e acreditamos que ele aponta
evidencias para o que será entendido por nós como premissa para o estudo do design cênico,
ou seja, para o significado de planejamento, de projeto, que nos remete ao processo projetual.
Todos os homens são designers. Tudo o que fazemos quase todo o tempo
é design. O design é básico em todas as atividades humanas. Planejar e
programar qualquer ato, visando a um fim específico, desejado e previsto,
isto constitui um processo de design [...] design é compor um poema épico,
executar um mural, pintar uma obra de arte, escrever um concerto. Mas design
também é limpar e organizar uma escrivaninha, arrancar um dente quebrado,
fazer uma torta de maçã, escolher os lados de um campo de futebol e educar
uma criança (conforme PAPANEK,1995 apud BOMFIN, 2002, p. 9).
Design cênico
Partimos do princípio do ato projetual. Design é projeto. É pesquisa. É experimentação.
Assemelha-se à criação de uma cena em um espetáculo de artes cênicas, que necessita do
desenvolvimento de um projeto que a viabilize e que a transforme em realidade. A integração de
diversos elementos, tais como treinamento e preparação, planejamento e criação, coordenação
e cooperação (HEWARD e BACON, 2006), possibilitam a concretização do objetivo final, ou
seja, o alcance de uma plasticidade cênica capaz de transmitir ao público exatamente o que
foi elaborado dentro da mente do encenador do espetáculo.
As artes cênicas, em geral, constituem o meio de comunicação mais eficaz entre artistas
e público no que se refere à troca de sensações e experiências que levam ao aprendizado
mútuo e ao trânsito entre a formação e as informações. Nos espetáculos de rua, o artista, ou
grupo de artistas, tem a intenção de passar uma mensagem ou um recado ao público, e para
que isso ocorra a cena, seja de circo, de teatro ou de dança, passa por um processo projetual.
Focando nossa atenção nas artes circenses realizadas em ruas e praças, nos remetemos
aos artistas denominados “saltimbancos”i, que percorriam as ruas das cidades européias
levando às populações espetáculos de malabarismo, de equitação e pantomimas. Havia,
mesmo que de forma inconsciente, um planejamento. Não havia tecnologia a ser aplicada
às artes desses artistas, porém havia um planejamento referente ao vestuário utilizado, aos
gestos aplicados às personagens e às mascaras. Não se usava um figurino qualquer, mas sim
vestimentas pensadas para garantir um diferencial, assim como eram igualmente pensadas as
gesticulações, as pinturas no rosto e as cores. Todos os componentes dos personagens eram
elaborados a fim criar um ambiente lúdico, mágico, com o intuito de diversão e crítica social.
Circo Sells-Floto e sua trupe de saltimbancos – Início do século XX. (Foto: Dave Leach)
Planejar uma cena ou um espetáculo de artes cênicas para a rua requer um projeto
especial. Não se trata apenas de fazer a transposição do espetáculo que é realizado em um
palco ou em galpão. A rua exige um olhar diferenciado, dinâmico, urgente como os passos
dos transeuntes, uma vez que tanto o artista quanto sua mensagem serão expostos ao acaso,
a um público indeterminado, não segmentado e, portanto, imprevisível em suas reações.
A rua é o imponderável
Inúmeros exemplos poderiam ser analisados neste artigo, mas concentramos nossa
atenção em uma apresentação artística, realizada em São Paulo em junho de 2002, a qual
podemos considerar como um marco, por ter se configurado como a perfeita harmonia entre
o meio ambiente urbano e as artes cênicas.
O Vale do Anhangabaú, na cidade de São Paulo, SP, é um espaço aberto, rodeado
por prédios gigantescos. De um lado, é cortado pelo Viaduto do Chá; do outro, pelo Viaduto
Santa Ifigênia; e uma de suas laterais dialoga com a Praça Ramos de Azevedo, com vista
para a imponente edificação do Teatro Municipal de São Paulo. Trata-se de um local público,
central e nobre, com fluxo incessante de pessoas que transitam pelo seu calçadão em direção
Como descrito antes, propomos observar que tanto o espaço (Vale do Anhangabaú)
quanto a companhia (Strange Fruit) se inseriam no universo do design e vice-versa, criando um
ambiente propício ao design cênico. Quando esta interação se dá, qualquer que seja a ocasião,
a essência da cena, idealizada, planejada e projetada pelos seus criadores, se concretiza e
cumpre a função de levar encantamento aos espectadores, no caso, aos transeuntes das ruas.
Como um produto de design sofisticado, esta produção imaterial passa a compor o repertório
de cada um dos presentes no ato de espetáculo, e esse encantamento é reprodutível na
mente desses espectadores pela quantidade de vezes que eles quiserem.
Considerações finais
A cena artística só poderá cristalizar-se na mente dos transeuntes das ruas e praças
das cidades se houver verdadeira interatividade entre o discurso da arte e o urbano. A arte
encenada nesses espaços serve de contraponto entre o lúdico e o real, entre as possibilidades
e a concretude, entre o presente e o futuro acontecendo simultaneamente na urgência das
ruas. Cabe ao idealizador do espetáculo a função de organizar o fluxo produtivo da obra,
tendo por base o processo projetual que converterá idéias em realidade. Retornando ao texto
de Flusser, temos:
[...] e isso foi possível porque essa palavra [design] exprime a conexão interna
entre técnica e arte. E por isso design significa aproximadamente aquele
lugar em que arte e técnica (e, conseqüentemente, pensamentos, valorativo e
científico) caminham juntas, com pesos equivalentes, tornando possível uma
nova forma de cultura (FLUSSER, 2008, pp.183, 184).
Notas
i CUNHA, 2003, pp. 584, 585.
Referências
BACON, John U.; HEWARD, Lyn. Cirque du Soleil: a reinvenção do espetáculo. Rio de
Janeiro: Elsevier, 2006.
CARVALHO, Flávio de. “A cidade do homem nu”. São Paulo: Publicação original no Diário da
Noite, 1º/Jun/1930 in catálogo da exposição A Cidade do Homem Nu, MAM. São Paulo,
2010.
CUNHA, Newton; Dicionário SESC: a linguagem da cultura. São Paulo: Perspectiva, 2003.
FLUSSER, Vilém. O mundo codificado: por uma filosofia do design e da comunicação. São
Paulo: Cosac Naify, 2008.
PALLAMIN, Vera M.. Cidade e cultura: esfera pública e transformação urbana. São Paulo:
Editora Estação Liberdade, 2002.
ROUBINE, Jean Jacques. A linguagem da encenação teatral. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
1998.
Resumo
Este artigo discute a utilização da observação participante no Design
e na Moda. Além do debate em torno do método etnográfico,
também se propõe a problematizar acerca do manuseio e
conservação do material coletado, compreendido aqui como
documentos de processo e registro de reflexões, que guardam
suas particularidades tanto na coleta quanto na conservação e
no manuseio. Desta forma, o texto objetiva repensar formas de
reintegrar o conteúdo do material coletado por meio do registro
de fontes orais e visuais, da observação participante no cotidiano,
associados à riqueza encontrada no universo multifacetado por
meio da memória dos interlocutores da pesquisa e à necessidade
de apresentar resultados, também, em formato de texto acadêmico.
Introdução
Começo com uma pequena apresentação para depois compartilhar uma inquietação.
Tenho trabalhado há alguns anos na docência em cursos de Moda – Design e Negócios.
Atualmente faço parte do corpo docente do Programa de Mestrado em Design da Anhembi-
Morumbi. Apresentada minha inserção neste universo que não é o da minha formação, já que
venho da Antropologia, inicio o que me proponho neste artigo – discutir as aproximações entre
áreas que, guardadas suas particularidades, partilham de uma substanciação comum – o
humano.
Trabalhar com a observação participante, a primeira vista, parece muito sedutor. No
entanto, trata-se de uma escolha de muita responsabilidade e desafios, que ultrapassa, por
vezes, o próprio método. O que significa isto? Quero dizer, que independe da boa vontade
do (a) pesquisador (a) e igualmente de uma aplicação muito técnica de um conjunto de
procedimentos metodológicos. De fato, entrar nesta questão é discutir a construção de
conhecimento por meio de religação de saberes.
Formada em História pela PUCSP, minha inserção na Antropologia aconteceu com
populações nativas de São Sebastião, Ilhabela e Ubatuba, o que resultou em uma dissertação
de mestrado, uma tese de doutorado, dois livros, alguns artigos científicos, matérias jornalísticas
em imprensa local e, muitas questões acerca do que pude aprofundar e compreender do
presenciado, do que consegui captar, desvelar, desvendar do que me foi revelado e do que
meus olhos, coração e mente observaram e discerniram. Digo isto porque optei em trabalhar
com narrações livres por meio de coleta de histórias orais, depoimentos e histórias de vida;
assim, trabalhando com a memória dos antigos moradores pude registrar como pensavam a
história de seu lugar perpassando a sua própria história.
Para deixar mais claro, o recorte de minha pesquisa de campo durante uma década
abriu a possibilidade de conhecer outras faces e ouvir outras vozes destes lugares. Deparei
com o universo caiçara negro, aprofundei os estudos em relação às transformações ocorridas
com o turismo na região e como os antigos moradores rememoraram sua existência. Percebi
que da memória afro-brasileira pouco se evidenciava como uma possível contribuição a esse
universo, mesmo quando perguntava, a um caiçara negro participante da congada, acerca da
presença negra no lugar. Ao indagar sobre o negro, os depoimentos logo caíam na justificativa
de que em Ilhabela não existia racismo, e, às vezes, mesmo nas narrações livres, esta versão
era explicitada entre negros e brancos. Ao longo da pesquisa e convivência, ao criarmos laços
de amizade e confiabilidade, no entanto, outras verdades começaram a surgir trazendo a tona
o racismo sofrido e vivido por tais populações, revelando por intermédio do trabalho com a
Memória, outra história local refletindo as relações raciais no seio da nação brasileira.
Além desse aprendizado humano, compreendi o quanto o trabalho com abordagens
teórico-metodológicas em torno da Memória, utilizando-se da observação participante,
é oneroso, inquietante e exige uma postura ética do (a) pesquisador (a). Ao tratarmos da
história vista como ciência de síntese para todas as outras ciências humanas
e sociais (POLLAK, 1992, p. 208).
Como Pollak, também, acredita-se neste projeto que fazer um trabalho de memória
apoiado nas fontes escritas e nas orais é trazer para dentro do universo científico “um discurso
sensível à pluralidade das realidades. Temos uma possibilidade não de objetividade, mas de
objetivação, que leva em conta a pluralidade das realidades e dos atos” (ibidem, p. 211).
Ao ouvir as histórias de uns e de outros, assim como ao olhar para os objetos/artefatos
que permeiam a vida social, o pesquisador percebe-se compondo um mosaico em que os
pedacinhos (fragmentos) das lembranças/histórias de um vão se encostando aos de outros,
formando uma paisagem do passado baseada no presente vivido. A lembrança é também o
momento da revisão. O que a movimenta é o presente, que ao sinalizar o vivido direciona o
rememorar aos processos vividos, assim como aos não-ditos, silenciados, clandestinos, de
acordo com o que se objetiva neste ato.
Pollak ao constatar o silêncio, o não-dito, nos faz pensar na memória subterrânea e
sobre os processos silenciados no cotidiano de nossas existências. O autor, ao nos esclarecer
o porquê dos não-ditos, aponta para um possível motivo do silenciamento das memórias e
também o porquê de, em alguns momentos, quando se tem uma escuta e uma situação-
limite, emergirem lembranças, rompendo os silêncios:
(...) há uma permanente interação entre o vivido e o aprendido, o vivido e
o transmitido. E essas constatações se aplicam a toda forma de memória,
individual e coletiva, familiar, nacional e de pequenos grupos. O problema que
se coloca a longo prazo para as memórias clandestinas e inaudíveis é o de sua
transmissão intacta até o dia em que elas possam aproveitar uma ocasião para
invadir o espaço público e passar do ‘não-dito’ à contestação e à reivindicação;
o problema de toda memória oficial é o de sua credibilidade, de sua aceitação
e também de sua organização (POLLAK, 1989, p. 9).
A veracidade do narrador não nos preocupou: com certeza seus erros e lapsos
são menos graves em suas conseqüências que as omissões da história oficial.
Nosso interesse está no que foi lembrado, no que foi escolhido para perpetuar-
se na história de sua vida (BOSI, 1979, p. 1).
que se vê, pois se compreende a cultura como um texto que se lê, e, em uma sociedade onde
há o apelo (superexposição) ao visual, o visto será lido e revisto.
Entre as narrativas, estabelece-se a relação entre o narrador e a substância do que
se conta, assim como podemos incluir a “coisa” narrada - o objeto da Memória. Walter
Benjamin em seu texto “O narrador”, expõe uma questão crucial e que nos leva a pensar o
tempo presente contido no desejo de lembrar ou esquecer. O entorno (ou substância) de toda
memória é o tempo presente, o que se vive, o que se lembra, o que se viveu que não pode
mais ser vivido, mas pode ser lembrado. Assim como, o que não se viveu necessariamente,
mas, de tanto sentido que faz, torna-se algo tão íntimo e seu, que pode ser contado. Neste
sentido, também vejo aproximação entre o Design e a Memória dos objetos.
A narrativa (...) é ela própria, num certo sentido, uma forma artesanal de
comunicação. Ela não está interessada em transmitir o ‘puro em si’ da coisa
narrada como uma informação ou um relatório. Ela mergulha a coisa na vida
do narrador para em seguida retirá-la dele. (...) Assim, seus vestígios estão
presentes de muitas maneiras nas coisas narradas, seja na qualidade de quem
as viveu, seja na qualidade de quem as relata. (BENJAMIN, 1985, p. 205)
Quanto ao historiador oral ter de ser um bom ouvinte, é claro, mas o informante torna-se
mais do que um “auxiliar” ativo, pois ele torna-se um interlocutor, já que é visto como produtor
cultural, como foi dito anteriormente. Essa concepção do fazer histórico encontra morada
na literatura, e em José Saramago há uma passagem que demonstra como tudo passa pela
interpretação, até mesmo o não-dito, como afirma Pollak. O literato diz:
Sendo assim, parece que cabe ao designer tornar-se um observador atento, um bom
ouvinte e, portanto, propor-se vir a ser um pesquisador qualificado.
Nesse processo de trocas encontra-se o dinamismo do fazer histórico e compreende-
se a importância da lembrança e do apreendido pelo dito, não-dito, feito e observado, como
uma recriação do vivido:
Notas
i É importante frisar que ao se colocar origem, não há nenhuma intenção purista na análise, pois
desacreditamos dessa existência, mas o que se quer dizer aqui é como cada um dos interlocutores de
uma pesquisa onde o mote é a lembrança pensa a sua história em relação ao seu meio social. O que
em sua memória ficou interpenetrado da história do seu lugar e do que lhe foi transmitido por gerações
passadas, ou ainda, o que interpenetrou em sua consciência da memória histórica, do ponto de vista
mais oficial e, sobretudo, do como interpreta sua vida e o seu lugar.
ii Aqui se entende lugar de forma amplo. Pode ser a moradia, assim como o lugar profissional e social,
por exemplo. O lugar antropológico é aquele que o sujeito circunscreve sua atuação/ autuação em
múltiplos sentidos.
Referências
BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas. 4ª.ed., São Paulo: Brasiliense, 1985.
BOSI, Ecléa. Memória e sociedade: Lembranças de velhos. São Paulo: T. A. Queiroz, 1979.
FGV/Indipo/CPDOC, 1981.
MERLO, Márcia. Memória de Ilhabela: Faces ocultas, vozes no ar. São Paulo, EDUC/FAPESP,
2000.
NORA, Pierre. “Entre memória e história. A problemática dos lugares”. Trad. de Yara Aun
Khoury. In: Projeto História, nº 10, dez., São Paulo, CEDUC, p. 7-46, 1993.
_____________. “Memória e identidade social”. In: Estudos Históricos, Vol. 5, nº 10, p. 200-
12, Rio de Janeiro, 1992.
Resumo
Este artigo intenciona identificar e explorar o design de marcas,
tendo como suporte de pesquisa a análise da trajetória de uma
marca brasileira de moda, no caso, a Colcci. Objetiva-se estudar
a procura dessa marca por um design característico que a
propulsione dentro do mercado nacional, que busque estruturar
seu trabalho por meio do relacionamento com o consumidor e
que caminhe rumo a um reconhecimento internacional. Trata-se
de um processo de reflexão que pretende revelar os rumos que
traçaram o design da marca Colcci, anunciando os passos que a
empresa está inclinada a seguir e que poderão levá-la a trabalhar
um redesign, contrariando seu discurso de ser apenas uma moda
jeanswear e não uma grande lançadora de tendências.
Introdução
Este artigo parte da pesquisa realizada com uma marca brasileira de moda. O propósito
do estudo se concentra em identificar e explorar o design de marcas, tendo como suporte de
pesquisa a análise da trajetória da Colccii.
A reflexão aqui proposta perpassa o projeto de design de marcas na contemporaneidade,
sobretudo em como se configuram seus símbolos, valores, imagem, produtos, pontos de
venda, comunicação, merchandising e o relacionamento com o cliente; tudo convergindo para
a busca de um único objetivo: o de proporcionar os significados, funcionais e emocionais, que
serão traduzidos por um grupo de pessoas que compartilham o mesmo código.
Nota-se que a marca, portanto, fornece mais que a simples identificação de um produto,
serviço ou empresa; ela se constitui em significado simbólico para a experiência do indivíduo
quanto ao consumo de objetos e sistemas.
Os pressupostos estão evidenciados em uma discussão teórica que envolve exposições
de diversos autoresii, fundamentação esta que procurou embasar as análises da marca Colcci.
Nesse sentido, objetiva-se entender a procura dessa marca por um design característico que
a propulsione dentro do mercado nacional, que busque estruturar seu trabalho por meio do
relacionamento com o consumidor e que caminhe rumo a um reconhecimento internacional.
O trabalho apoiou-se em pesquisa qualitativa, utilizando, para as análises da marca,
o modelo comparativo, com base em levantamento bibliográfico. Dentre os procedimentos
técnicos, estão o levantamento e análise de livros, dissertações e teses; publicações em
revistas e jornais; ilustrações e fotografias; e entrevistas com designers, estilistas, gestores de
marca, franqueados e consumidores.
Das informações coletadas delineou-se um percurso histórico que acompanha
mudanças no âmbito mercadológico da empresa, com decisões estratégicas que implicam
reconfigurações de seu designiii relativas à marca e seu objeto de moda. Para melhor
entendimento do processo de análise da marca Colcci e dos resultados obtidos, o trabalho
dividiu-se em três fases, apresentadas a seguir.
Figura 1 – A primeira marca da Colcci, ainda um logotipo. Imagem fornecida pela empresa.
Figura 2 – Digby em sua primeira versão. Arquivo pessoal do pesquisador, 1986 - 1988.
Com base nas colocações de Perez (2004), percebe-se que Digby nasceu como
um mascoteiiii que pretendia, em um primeiro momento, trazer sentimentos de felicidade,
proximidade e afetuosidade aos consumidores que procuravam a marca.
Wheeler (2008, p.116) afirma que “frequentemente, um logotipo é justaposto com um
símbolo em um relacionamento formal.” A procura dos consumidores pelo cachorrinho Digby
levou os proprietários da empresa, Lila e Jorge Colzani, a vislumbrar que o sentimento agregado
à sua figura poderia chamar mais atenção sobre o logotipo inicial. Foi nesse momento que o
lettering Colcci passou a se apresentar de uma forma diferente, porém, ainda não de maneira
oficial. Essa nova marca aparecia ora em sua primeira versão (apenas como logotipo), ora com
Digby.
Figura 3 – Segunda marca com Digby agregado ao logotipo. Arquivo pessoal do pesquisador, 1986 - 1988.
Ao perceber que, cada vez mais, os consumidores simpatizavam pela figura de Digby,
os fundadores da marca decidem investir na sua imagem e redesenhá-lo. Ele abandona
seus traços livres de rascunho e ganha uma imagem aproximada da personificação de um
cachorrinho.
O redesign de Digby não foi uma mudança impelida pelo primeiro logotipo, apenas uma
atualização do personagem, que passa a agregar, cada vez mais, a marca inicial da empresa.
Figura 5 – A terceira marca da Colcci. Substitui-se o personagem inicial pelo novo desenho de Digby.
Melo (2009) informa que no início a loja foi aberta em um espaço sem identidade visual
definida. Tudo construído nos moldes de uma loja cujo interesse era apenas oferecer malharia
de qualidade, com preços acessíveis. O personagem da marca era muito explorado em
letreiros retroiluminados, sacolas, embalagens e adesivos. Afinal, Digby conquistava a simpatia
dos consumidores e era um dos grandes responsáveis pela ascensão da marca e das vendas.
Um detalhe, porém, chama a atenção: Digby era, comumente, visto nesses materiais
em orientação vertical, apesar de seu uso na marca ser horizontal, o que leva à seguinte
análise: a Colcci buscava, mesmo que não declaradamente ou ainda de forma desorganizada,
uma identidade visual. O fato reforça o exposto por Melo (2005), anteriormente, sobre a cultura
da identidade visual difundida pelas empresas no período que permeia os anos 1960 até
meados dos anos 1990.
Essa identidade visual ainda não declarada era um trabalho de experimentações,
testavam-se as várias aplicações do personagem e logotipo, buscando um formato ideal que
organizasse a aplicação da marca. A administração da empresa, coordenada por Jorge Colzani,
entendia que em certos materiais de comunicação ou merchandising – como cartões de visita,
etiquetas para presente e adesivos – a orientação vertical poderia proporcionar um melhor
reconhecimento do logotipo e personagem. Porém, ao mesmo tempo, em fachadas, a melhor
aplicação condizia com o horizontal, até mesmo porque era o formato oficial da marca.
Figura 6 – À esquerda, a terceira marca estampada em um letreiro retroiluminado na fachada de uma
das primeiras lojas. Acima, cartão de visita com o logotipo e o personagem dentro de uma orientação vertical.
Foto e imagem do arquivo pessoal do pesquisador, 1992.
Pode-se verificar, ainda, que essa experimentação se estendia a outros fatores, como,
por exemplo, a cor. Apesar de os materiais de cunho institucional trazerem marca e personagem
dentro das tonalidades amarela e azul (cores padrão da empresa), em outras aplicações Digby
e o logotipo podiam aparecer em cores diferenciadas e alternadas, como é o caso de alguns
adesivos.
Figura 7 – Digby, estampado junto ao logotipo, em adesivo. Orientação vertical, contrária à versão oficial.
Detalhe para a camiseta na cor rosa, destacando o objeto de manufatura principal da fábrica.
Todo esse esforço por acertar o padrão visual na exposição dos produtos, somado à
expansão dos pontos de venda, levou a empresa a buscar também uma identidade visual. E
a Colcci apresenta uma nova marca.
olhar”. O autor amplia a discussão, ao considerar que, nesse sentido, uma das funções do
designer é proporcionar soluções não verbais, comandadas por questões relativas à dimensão,
forma, posição, cores, texturas, etc., o que, particularmente, mostra que essa versão da marca
não apresenta diferenciações relativas apenas à cor: Digby aparece com um desenho ainda
mais trabalhado, com volume e textura emborrachada.
Dondis (1997, p.70) considera ser a textura “[...] o elemento visual que com frequência
serve de substituto para as qualidades de outro sentido, o tato”. Já o volume, para a autora,
é proporcionado por uma ideia de dimensão. Assim, a textura e o volume funcionam como
uma alusão ótica, ao instigar o sentido tátil de querer afagar o personagem, como se ele fosse
tangível, aproximando-o ainda mais de uma humanização e seus sentidos reais.
Sancionando a análise anterior sobre a orientação vertical na aplicação de Digby junto
ao logotipo, a quarta marca da Colcci atesta a condição de relacionamento formal: o logotipo
é apresentado com o símbolo (WHEELER, 2008), resultando no que autores, como Costa
(2008), Melo (2005) e Strunck (2003), adotam como assinatura visual ou marca.
Para Wheeler (2008), a marca com um personagem é criada vislumbrando a incorporação
de atributos e valores que, geralmente, estão vinculados a um produto. A concretização da
inserção de Digby ao logotipo Colcci é a fundamentação para agregar à marca os valores que
foram transmitidos à imagem do personagem e experimentados pelos clientes.
A partir do crescimento com o modelo inicial de franquia, até 1994 foram 50 franquias,
chegando, em 1997 a 200 estabelecimentos em todo o país. “Em 1993, 1994, a Colcci já estava
em uma fábrica maior, com muitos funcionários (de 250 a 300), isso entre administradores,
financeiro, vendas, estilistas, designers, costureiros, empacotadores, produção...” (MELO,
2009, registro gravado).
Figura 9 – Segunda fábrica da Colcci: construída para abrigar sua expansão, com espaço para todos os
departamentos e setores de produção. No detalhe à direita, setor de estamparia, em processo serigráfico.
Arquivo pessoal do pesquisador.
Nesse mesmo período, a Colcci começou a diversificar as peças que oferecia: vestidos
leves, blusinhas, calças jeans, bermudas, jaquetas, jardineiras, bonés, meias, carteiras, bolsas
para viagem, nécessaires, toalhas, agendas, materiais de cunho promocional, como chaveiros,
canetas, lápis e adesivos; foram agregados ao mix de produtos que a marca oferecia. Segundo
Melo (2009), em 1994, já existia uma coleção “devido à variação das peças que estavam
sendo acrescentadas ao que se trabalhava na loja, tínhamos que ir de duas a quatro vezes ao
ano à fábrica de Brusque para fazer a compra das coleções” (registro gravado).
Figura 11 – Meias, parte do mix de produtos que a empresa começava a oferecer, diversificando-se.
Perez (2004), Strunck (2003) e Wheeler (2008) lembram que, apesar de as ideias que
transmitem a personificação de um personagem se mostrarem atemporais e universais,
raramente elas conseguem se manter atualizadas; precisam ser redesenhadas e adaptadas à
cultura da época. Foi pensando assim que a Colcci aprimorou sua marca, para se atualizar. Na
sua quinta versão, Digby volta a ser bidimensionalizado e vetorizado, o que ajuda na aplicação
da marca em materiais gráficos. Com um visual descolado e jovem, o personagem continua a
ser bem explorado em materiais de merchandising e estampas dos produtos, aparecendo em
diversas aventuras que fazem parte do cotidiano dos seus consumidores.
Percebe-se, pelo percurso das análises apresentadas, que existe uma busca constante
da marca no sentido de cada vez mais personificar Digby, aproximando-o de uma humanização,
o que é respaldado por Perez (2004).
Nessa quinta versão da marca, isso se comprova pelo movimento que o personagem
adquire (desprendendo-se dos contextos estáticos e com a face voltada para apresentação
frontal), por sua cor alaranjada (mais representativa dos seres humanos, no universo dos
quadrinhos e animação) e, principalmente, pela vestimenta. Esta, que antes compreendia
apenas a camiseta, agora compõe um look com o tênis e a calça (consequência da diversificação
das peças, que começavam a ser confeccionadas pela marca).
O logotipo, por sua vez, é mantido dentro dos contextos originais. Em decorrência
de tantas modificações no personagem, algo precisava ser mantido para que houvesse um
reconhecimento por parte dos consumidores, uma garantia dos valores intrínsecos ao seu
consumo simbólico (MIRANDA, 2008). E é pensando na construção simbólica que a Colcci se
apresenta com um novo projeto.
Figura 13 – À esquerda, estampa de camiseta que começava a compor a nova coleção da Colcci.
Foto do pesquisador.
Figura 14 – À direita, nova etiqueta: “invisibilidade” que buscava transparecer apenas o design do produto.
comunicar ao consumidor as novas propostas. E o objetivo era mostrar que a empresa estava,
gradualmente, adaptando-se a um novo universo.
Figura 18 – Maleabilidade na aplicação da marca: ora aparece assinatura visual, ora somente símbolo, ora
logotipo.
Zanon (2009) relata que todas as mudanças ocorridas com o logotipo foram
acompanhadas por reformulações internas no layout da loja, além da aplicação da identidade
visual no material dos pontos de vendas, de crescimento em ações de comunicação. Enfim,
sempre houve uma preocupação com design, marketing e comunicação.
Figura 19 – A oitava marca Colcci aplicada em fachada de loja da marca. Fotos do pesquisador.
O processo de compra pelo grupo AMC Têxtil, segundo Zanon (2009), passou por um
período de maturação, necessário para que a empresa se enquadrasse nesse novo universo
para, assim, ter uma visão dos novos rumos a serem seguidos. Uma etapa que levará a novas
oportunidades e, ao longo do tempo, acarretará novas mudanças. Em um processo que vai
definir o design da marca Colcci.
Figura 20 – À esquerda, imagem do primeiro desfile Colcci realizado com Paris Hilton, em janeiro de 2004, no
Fashion Rio. Fotos divulgação cedidas pela Colcci.
Figura 21 – À direita, imagem do primeiro desfile Colcci realizado com Gisele Bündchen, em janeiro de 2005, no
Fashion Rio. A coleção Outono/Inverno 2005 tinha como título/tema “Confidential Hotel”.
Fotos divulgação cedidas pela Colcci.
dia da entrevista com Geane Zanon (23 de outubro de 2009), a Colcci estava abrindo uma loja
franqueada no Chile e organizando sua inauguração com a presença do modelo Jesus Luz, o
que, mais uma vez, alinha as estratégias da marca ao pensamento de Erner (2005), Miranda
(2008) e Perez (2004), reforçando-o.
Em 2007 Jéssica Lengyel assume o design das coleções da Colcci e tem, em janeiro
do mesmo ano, a sua premier, apresentando a coleção Outono/Inverno 2007. Lengyel vem
reforçar a intenção da empresa ao apostar no jeanswear. Porém, a Colcci não esconde – nas
peças desfiladas na passarela – o forte apelo fashion, além da intenção de lançar tendências.
Figura 22 – Peças com design assinado por Lengyel e sua equipe. Coleção Primavera/Verão 2008.
A Colcci satisfeita com o resultado positivo das participações no Fashion Rio, em 2008,
transfere a apresentação das coleções para o São Paulo Fashion Week. Zanon (2009) analisa
positivamente o papel das duas semanas de moda na marca: o Fashion Rio foi uma grande
vitrine para a empresa, colocou sua marca no mercado, chamando atenção para a proposta
inovadora de moda que é trabalhada; em São Paulo, teve-se a oportunidade de consagrar,
de forma institucionalizada, a capacidade da Colcci para fazer moda e mostrar que veio para
lançar tendência no jeanswear.
Em sua primeira participação no São Paulo Fashion Week, a Colcci trouxe um reforço à
imagem de Bündchen nas passarelas. Rodrigo Hilbert vem formar, com Gisele, o casal que a
empresa precisava para consagrar o uso do people – como propõem Erner (2005) e Miranda
(2008).
Figura 27 – Colcci em estreia no SPFW. Gisele Bündchen e Rodrigo Hilbert fazendo casal na passarela da
marca. Primavera/Veão 2009.
A empresa também leva a imagem “do casal Colcci” aos materiais de comunicação
– que ganham tratamento e trabalhos especiais, com fotógrafos renomados (nomes como
Gui Paganini e David Sims) e agência de propaganda (PrCom) especializados no universo da
moda.
Figura 28 – Imagens do catálogo Primavera/Verão 2009 Colcci. Consagração para a marca no uso do people.
Com Lengyel, a empresa decide fazer outras alterações no seu trabalho, mudando:
etiquetas das peças, bem como as que possuem função instrutiva e de identificação; materiais
de comunicação, publicidade, merchandising; layout das lojas; e, mais tarde, a semana de
moda da qual participava.
A Colcci percebe que esses materiais são parte do significado que possibilita construir
os valores que a empresa insere no design de sua marca, proporcionando oportunidades de
contato da marca com seus consumidores; permitem ser diferenciados e renovados a cada
coleção, já que acompanham as mudanças de estilo e geralmente são desenhados dentro do
que propõe o tema da estação.
Figura 23 – Etiquetas encontradas em peças como calças, camisetas, bolsas e tênis. A cada estação um novo
formato que acompanha o tema/título da coleção. Fotos arquivo pessoal.
Nota-se uma setorização na loja, cuja idealização foi concebida para destacar as
linhas segmentadas da marca. Isso valoriza as linhas dos produtos quanto à exposição e cria
ambientes diferenciados, que permitem ao público, ao misturá-las, experimentar o novo, ousar.
Assim, o consumidor pode compor o seu look de forma particular e assumir as propostas
construídas pela marca.
Figura 25 – Existe uma setorização na loja, trabalho que valoriza os produtos. Fotos do pesquisador.
Figura 26 – Novas sacolas, novo acabamento interior e nova aplicação para o endereço eletrônico da marca.
Fotos do pesquisador.
As embalagens dos produtos também recebem novo redesenho. Sacolas e caixas
de presentes ganham elegante acabamento: o logotipo é aplicado em dourado, no centro
dos materiais, optando-se por deixar de fora o símbolo da marca, visto que os filetes que o
compõem poderiam desaparecer sobre o arabesco. Entre as alças encontra-se o símbolo
da empresa, compondo o endereço eletrônico de seu site, o que só reforça o ideal de ler
Colcci, visualmente, com o espectro da vocalização formada pelo nome da marca, ao ser
pronunciada, e retoma a discussão da flexibilidade na sua aplicação.
Vale ressaltar que o endereço eletrônico aplicado nesses materiais vem descrito apenas
com a denominação internacional de sites, o “.com”, sem a aplicação da extensão de sites
brasileiros, o “.br”, o que vem mais uma vez reforçar a intenção da marca quanto a um trabalho
internacional, alinhado a uma linguagem de comunicação única.
Esse novo trabalho com o design de etiquetas e tags, comunicação e merchandising,
desfiles e lojas, mostra a preocupação da Colcci em, junto com as novas propostas da designer
Considerações Finais
Algumas constatações levam a uma análise que contesta o contraditório discurso da
marca. A Colcci agora divide Gisele Bündchen com outro rosto internacional, Danny Schwarz
– modelo inglês que tem trabalhos com Calvin Klein, D&G e Pepe Jeans. As fotos foram
clicadas por um fotógrafo de renome internacional no universo da moda, David Sims – que
possui experiência com Gap, Prada, Levi´s, Louis Vuitton, Hugo Boss, Givenchy e Nike. Tais
fatos levam a acreditar que a empresa esteja cada vez mais focada no mercado internacional.
Afinal, existe todo um movimento de internacionalização das linguagens em seus materiais de
comunicação e merchandising, que contam com nomes consagrados do mundo da moda.
Figura 29 – Imagens do catálogo e anúncios da coleção Outono/Inverno 2010 (Viajantes do tempo – Time travelers).
Notas
i Esta pesquisa resultou na dissertação intitulada O Design da Marca Colcci, elaborada por Alvaro de
Melo Filho, defendida em agosto de 2010, pelo Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Design
da Anhembi Morumbi, sob a orientação da Profa. Dra. Márcia Merlo.
ii Cauduro e Martino (2005), Costa (2008), Lupton (2006), Melo (2005), Miranda (2008), Perez (2004)
e Wheeler (2008).
iii Aqui também tratado como redesign.
iv [...] mascote remete à figura de pessoas, animais ou coisas consideradas capazes de trazer ou de
proporcionar sorte e felicidade. [...] o objetivo principal da utilização do mascote é o de humanizar a
marca. Normalmente são animaizinhos (reais ou criados, desenhados) que possuem vida própria, têm
sentimentos e participam do cotidiano humano (PEREZ, 2004, p.94 - 95).
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WHEELER, Alina. Design de Identidade da Marca. Trad.: Joaquim da Fonseca. 2. ed. Porto
Alegre: Bookman, 2008.
Resumo
Este artigo busca analisar a diversidade da obra de Flávio Império e
identificar suas referências, processos de criação e singularidades
em relação a outros artistas e cenógrafos, bem como entre suas
obras que transitam pelos campos das artes plásticas, cenografia,
figurinos e arquitetura. Buscou-se obter as informações necessárias
por meio de referências em livros, desenhos e documentos de
processo e relatos de pessoas que conviveram e trabalharam com
ele diretamente. Foram eleitas três peças com cenários e figurinos
de sua autoria para estabelecer relações entre seus estilos e
maneiras de criar e produzir.
Introdução
Este artigo é resultado de um projeto de Iniciação Científica sobre o papel e a importância
do desenho no processo de criação e na construção de cenários e figurinos teatrais de Flávio
Império.
Flavio foi um dos maiores cenógrafos brasileiros que produziu entre as décadas de
1950 e 1980, tendo criado cenários e figurinos de peças como Morte e Vida Severina, de João
Cabral de Melo Neto, no Teatro Experimental Cacilda Becker, em 1960; Um Bonde Chamado
Desejo, de Tenessee Williams sob direção de José Celso Martinez Corrêa, no Teatro Oficina,
em 1962; Roda Viva de Chico Buarque de Hollanda, em 1964; criou também a cenografia de
shows como Rosa dos Ventos, de Maria Bethania, no Teatro da Praia, no Rio de Janeiro, em
1971, entre muitos outros.
O artigo busca explicitar, em um primeiro momento, a importância de Flávio Império
no contexto de sua época – um conturbado momento na historia do Brasil, marcado pela
ditadura militar e pela censura acirrada sobre os meios de comunicação e, principalmente,
sobre os artistas. Discorremos também acerca da interdisciplinaridade e do processo criativo
de sua trajetória e, por fim, analisamos três peças afim de identificar elementos desse processo
criativo, enfatizando as singularidades e usos de seu trabalho diante do contexto teatral da
época, especificamente aquela que culminou na criação dos cenários e figurinos das peças
Pano de Boca, Andorra e Noel Rosa: o Poeta da Vila e seus Amores.
A pesquisa foi embasada, principalmente, na análise e na observação de desenhos
realizados para projetos de seus cenários e figurinos. Paralelamente, foram consultados
documentos de projetos tais como fotografias, maquetes e escritos em cadernos pessoais
de Flávio, disponíveis, juntamente com os desenhos, no acervo da Sociedade Cultural Flavio
Império, localizada na casa de sua irmã Amélia Império Hamburger. Um grupo de alunos e
arquitetos da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo cuida
da catalogação e reorganização deste acervo, que, segundo Amélia, será doado em breve
para alguma instituição ainda não definida. A pesquisa se apoiou ainda em textos autorais
e informativos de comentadores de sua obra que auxiliaram a desvendar o processo e a
construção de seus trabalhos.
Ao observar todo este material podemos entender um pouco como funcionava seu
pensamento, quais eram suas referências e o que ele buscava com suas obras cenográficas.
“O teatro me ensinou a vida, a arquitetura o espaço, o ensino a sinceridade, a pintura a
solidão.” (IMPÉRIO In HAMBURGER; BENEDETTI, 1997).
Contexto
Arquiteto, artista plástico e professor, Flávio foi um dos cenógrafos mais importantes do
teatro brasileiro. Durante os anos de sua produção, de 1956 a 1985, não se pode pensar a
história do teatro brasileiro sem mencionar Flávio Império. Formado em arquitetura e professor
da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo na década de 1950,
Flávio iniciou sua carreira como cenógrafo e figurinista com um grupo de crianças. A partir daí
ingressou em companhias de teatro como o TBC (Teatro Brasileiro de Comédia) e Teatro de
Arena. Paralelamente exercia uma produção no âmbito das artes plásticas, produzindo telas
muitas vezes contendo críticas sociais e políticas.
Pouco antes de Flávio iniciar sua carreira, no ano de 1948, o teatro paulista passava
por grandes transformações. Neste ano foi fundado o Teatro Brasileiro de Comédia, TBC.
Nesta época havia apenas três teatros em São Paulo, o Boa Vista, o Santana e o Municipal,
cujas agendas eram preenchidas por bailes, festas e temporadas de companhias de teatro
estrangeiras, ou seja, não havia espaço para os grupos locais. Esta situação criava uma
dificuldade para os grupos amadores de São Paulo alugarem o Teatro Municipal, a fim de se
apresentarem.
Diante disto, o industrial italiano Franco Zampari, que se encontrava em boa situação
econômica em São Paulo, como forma de retribuição ao que a cidade havia lhe proporcionado,
reformou uma garagem localizada na Rua Major Diogo e a transformou em um teatro com
365 lugares, ainda simples, que seria melhorado ao longo do tempo – o TBC. Este espaço
era destinado à apresentação destes grupos amadores. Ainda em 1948 os grupos vão se
revezando com diversas montagens no recém criado TBC.
O TBC inaugura o teatro profissional em São Paulo, em 1949, que nesta época, era o
mais homogêneo do Brasil, sendo todo ele pertencente à uma geração que compartilhava os
mesmos princípios estéticos. Em 1954, o TBC ocupa o Teatro Ginástico do Rio de Janeiro. Em
1955, passa a ser considerado parte integrante da identidade de São Paulo, um bem coletivo
que pertence à cidade, do mesmo modo que “o prédio do Banco do Brasil, o viaduto do Chá,
os nossos museus e o Parque do Ibirapuera” (MAGALDI e VARGAS, 2001, p. 219).
Em 1958 um grupo de estudantes de direito do Centro Acadêmico XI de Agosto, no Largo
São Francisco, começa a reunir-se para fazer teatro. Inspirados pelas idéias existencialistas
de pensadores como Jean Paul Sartre, estes amadores tinham ainda em comum o desejo de
fazer um teatro diferente, que fugisse do caráter burguês do TBC e de seu italianismo. Surge
então o Teatro Oficina. José Celso Martinez Corrêa, um de seus fundadores, é o nome mais
expressivo do Oficina, sendo diretor da maioria das peças. Ele tem uma posição bastante
radical em relação ao TBC:
É importante lembrar que naquele momento o mundo assistia ao auge da Guerra Fria
e o maior receio destes grupos era que o Brasil se inclinasse para o socialismo. O estilo de
governo apresentado por João Goulart causava uma grande preocupação nos EUA que, assim
como os grupos conservadores brasileiros, sentiam-se ameaçados por um golpe comunista.
Este clima de tensão culminou com o golpe político-militar de 1964 que depôs o
presidente João Goulart, obrigando-o a refugiar-se no Uruguai. O general militar Castello Branco
foi eleito pelo Congresso Nacional e, ao contrário do que propunha em seu pronunciamento,
logo que inicia seu governo assume uma postura autoritária que suprimia direitos assegurados
pela Constituição.
O Oficina, assim como toda a classe artística e também os veículos de comunicação, teve
sua liberdade de expressão vigiada pela censura. Intelectuais, estudantes, membros da classe
trabalhadora e todos os que se opunham ao regime militar, eram violentamente reprimidos,
muitas vezes sofrendo perseguição política. Zé Celso e o Oficina tiveram muitas montagens
mutiladas pela censura e, naquele momento, as condições adversas que enfrentavam não os
inibia, ao contrário, fazia com que buscassem expor através de suas montagens sua postura
crítica e insatisfeita com a realidade social em que viviam. Segundo o diretor do Oficina, havia a
necessidade de falar do “aqui e agora”. Flávio era parte desta expressão artística da época, ao
trabalhar em teatros como o Oficina e também o Arena, fundado nos anos 1950, e, ao mesmo
tempo, realizar trabalhos no TBC, o que demonstra sua versatilidade, sua preocupação com
a causa criativa e não apenas política e social.
A técnica usada também varia de acordo com a peça teatral na qual está trabalhando;
as peças de cunho político geralmente demandavam soluções mais simples e criativas devido
à falta de recursos.
Flávio contemplou a diversidade do contexto teatral da época com técnicas e desenhos
com estilos diferentes. Como já foi dito, o desenho é a linguagem comum entre as áreas
exploradas por Flávio: arquitetura, artes plásticas, cenografia e figurino. Os estilos diversos
se confundem e se misturam, porém sua precisão técnica e liberdade criativa estão sempre
presentes. O desenho tem várias funções em suas criações: é a parte lógica da criação, é
o projeto de toda obra final e é também o documento de processo. Segundo Cecília Salles,
os documentos de processo são índices do percurso mental realizado durante a criação. A
materialidade destes índices varia de acordo com o artista (SALLES, 2001). Observando os
desenhos de Flávio podemos entender o caminho mental de sua criação. Alguns deles surgem
em papéis de guardanapo e, depois, são desenvolvidos e se tornam parte de seus projetos.
Como diz Renina Katz, Flávio não tem um estilo, ele tem uma marca (KATZ, 1997).
Não persegue estilisticamente nada, tem sim, uma necessidade de experimentação, por isso
transita por diversas técnicas artísticas e faz uso dos mais variados materiais. Flávio é dotado,
segundo Gianni Ratto, de uma polimorfia estética (RATTO, 1997).
Cenografia
“A cenografia pode ser considerada uma composição em um espaço tridimensional
– o lugar teatral. Utiliza-se elementos básicos, como cor, luz, formas, volumes e linhas”
(MANTOVANI, 1989, p.8).
Segundo Beneh Mendes, em uma montagem teatral o texto é o elo fundamental, ainda
que para negar determinadas criações. O cenógrafo propõe ao diretor um determinado cenário,
e guia-se pelo texto, o que não significa que este seja a regra para a criação do cenógrafo. O
artista da cenografia faz sua re-leitura, uma interpretação da história.
No teatro não há uma fórmula, bem como não havia na criação de Flávio. Para uma
montagem realizada em locais como o SESC, era necessário um projeto mais apurado e
detalhado, por questões de aprovação de orçamento. Já em outros teatros sua criação podia
ser mais livre, a exemplo da peça Pano de Boca. Neste caso, Flávio fazia um desenho com
o intuito de passar a noção do projeto, o qual não precisava ter um caráter didático, pois ele
estava presente durante toda a montagem, “criando os figurinos no corpo dos atores, bem
como esticando tecidos para o cenário e criando objetos com um apuro estético e visual
impressionantes” (MENDES, 2010)
O fato de ele estar presente durante a montagem possibilitava executar mudanças não
planejadas, improvisos criativos que surgiam a partir do acompanhamento do projeto.
Alguns cenógrafos constroem maquetes, para facilitar o entendimento da proposta de
forma tridimensional, Flávio tinha este hábito.
Flávio era um artista por essência, sua formação como arquiteto apurou sua
noção de espaço, proporcionando uma visão do espaço cênico diferenciada.
Ele pensava no todo. Seus cenários eram projetados de modo a facilitar a
marcação do diretor e movimentação dos atores. O desenho da cenografia,
entretanto, não deixa de ser um projeto de arquitetura, porém trata-se de uma
arquitetura efêmera (PAULO, 2010).
Outro aspecto que podemos considerar em relação a diferença entre seus projetos era
a verba disponível em cada montagem.
O cenário pode sofrer alterações durante o processo de construção, adaptações
podem ser necessárias, diferenciando-se, desta forma, do desenho inicial.
Documentos de processo
Ao analisar os cadernos de anotação de Flávio nos deparemos com referências de
todos os tipos, tais como santinhos de campanhas eleitorais, fotos de viagens, cartas de
amigos, desenhos, telegramas, muitas reflexões pessoais, poesias, escritos sobre cenografia
e sobre suas aulas na FAU-USP. A sensibilidade de Flávio se evidencia ao percorrer estas
páginas nas quais é possível se sentir quase em contato com ele. Um de seus escritos em
forma de versos fala sobre seu entendimento sobre a profissão de cenógrafo:
O cenógrafo
Em geral
É pessoa calada
Porque sempre
Tem
Quem
Fale... muito mais,
E,
Antes.
Eu acabei ficando
Com “prisão de boca”
Semelhante a de ventre
Porque,
Ultimamente,
Não tenho ouvido
Nada muito melhor
Do que me vem a cabeça
Flavio Império, São Paulo, 9-9-82.
Optamos por abordar os desenhos relativos aos projetos de cenário e figurino de três
peças criados por Flávio: Andorra, de Max Frisch, encenada no Teatro Oficina em 1964, Pano
de Boca de Fauzi Arap, montada no teatro 13 de maio em 1976 e Noel Rosa, o Poeta da Vila
Andorra
Percebe-se, nos desenhos de Flávio criados para esta peça, a presença do arquiteto
pela precisão técnica. Não há, entretanto, especificações de medidas ou estruturas, evidência
de que Flávio estava sempre presente durante a montagem do projeto. Os croquis dos
figurinos apresentam alguns detalhes coloridos, entretanto, a maior parte deles é feita apenas
com uma caneta esferográfica resultando em desenhos precisos que, ao mesmo tempo, têm
um estilo próprio e característico, nos quais, aparece, então, o artista. Flávio conta que a idéia
desta peça era realizar um teatro próximo do épico, com uma perfeição estética. Em algumas
de suas anotações encontramos as definições de Flávio para o uso de determinadas cores
e sua relação com a história contada, contextualizada na época do nazismo e que trata de
preconceitos e perseguições. “O branco e o preto eram o preconceito. O marrom e o azul
eram o homem no seu universo complexo e incoerente, esbarrando por todos os lados com o
bloqueio dos preconceitos, tanto brancos como pretos” (IMPÉRIO, 1997, p. 89).
Figs.1 e 2. Desenhos para cenário e figurinos da peça Andorra, de Max Frisch, 1964
Fontes: KATZ, Renina e HAMBURGER, Amélia (org). Flávio Império. P. 90. Catálogo da Exposição Flávio
Império em Cena, realizada no Sesc Pompéia em 1977, p. 23
Pano de Boca
Nos desenhos projetuais da peça Pano de Boca nota-se o contraste estilístico – parecem
até mesmo terem sido realizados por outra pessoa. São esboços menos normatizados, mas
que ainda assim exprimem a desenvoltura técnica de seu criador. Novamente percebemos o
artista presente. Encontramos indicações técnicas em relação a medidas em alguns destes
desenhos. Talvez por serem menos precisos, Flávio sentiu necessidade de colocá-las.
Em meio ao material desta peça, acessível na Sociedade Cultural Flávio Império,
encontram-se folhas de um de seus diversos cadernos de anotações, onde verifica-se a
explicação detalhada de cada etapa da construção dos cenários, bem como listas de compras
de tecidos e materiais para confecção dos figurinos. Tivemos acesso ao texto da peça e a
única referência ao cenário é: “o cenário é um palco cheio de coisas velhas, retalhos de velhos
cenários, roupas jogadas, um baú, muita sujeira”.
Lendo o relato de Flávio entendemos sua interpretação das referências do texto e sua
intenção de fazer com que o palco parecesse um teatro abandonado, situação real do Teatro
13 de Maio quando o cenógrafo o visitou pela primeira vez: “[...] um velho depósito parado,
com um monte de coisa velha, onde se tentava uma nova produção era só uma espécie de
documento do documento” (IMPÉRIO, 1997, p.117). Flávio concebeu elementos cenográficos
com materiais recolhidos em galpões de escola de samba e em depósitos de teatros.
Fig. 3 Desenho de cenário para a peça Pano de Boca, de Fauzi Arap, 1976
Fonte: KATZ, Renina e HAMBURGER, Amélia (org). Flávio Império. P. 120
Fig. 4 Desenho de cenário para a peça Pano de Boca, de Fauzi Arap, 1976
Fonte: KATZ, Renina e HAMBURGER, Amélia (org). Flávio Império. P. 120
[...] essa (Noel Rosa, o poeta da Vila e seus Amores) não é uma peça realista.
Isso é um musical. Então tem que encher de música e o espaço tem que ficar
livre porque não tem jeito de atravancar. Então a narrativa ficou sujeita a um
espaço eminentemente livre como se fosse para a dança e para o canto. E cada
elemento que descia só circunstanciava mais ou menos de forma decorativa,
nem era uma coisa realista. Era para dar um fundo (IMPÉRIO, 1997, p. 69).
Figs. 5 e 6. Desenhos de cenário e figurinos para a peça Noel Rosa, o Poeta da Vila e Seus Amores, de Plínio
Marcos, 1977. Fonte: Catálogo da Exposição Flávio Império em Cena, realizada no Sesc Pompéia em 1977,
pág. 34
Fig. 7. Desenho de cenário e fotografia da peça Noel Rosa, o Poeta da Vila e Seus Amores, de Plínio Marcos,
1977. Fonte: Catálogo da Exposição Flávio Império em Cena, realizada no Sesc Pompéia em
1977, p. 34
Considerações Finais
Os cenários e figurinos criados por Flávio para estas três peças relacionam-se com os
respectivos textos. Entretanto, possuem uma interpretação pessoal, mensagens refinadas de
um entendimento de mundo muito apurado, digno de um verdadeiro artista, no significado
mais profundo desse termo, isto é, uma pessoa com a mente aberta, com um conhecimento
amplo de técnicas e com maneiras próprias de expressar os significado dos textos teatrais.
Pesquisar os desenhos realizados para a obra cenográfica de Flávio Império é ter a
oportunidade de ampliar a percepção sobre o fazer artístico, de entender a relação constante
entre o conteúdo e a forma – necessárias em uma obra cenográfica – e, ao mesmo tempo,
perceber sua visão de mundo: como se portava diante das dificuldades de uma época de
repressão e censura, período em que uma arte que não fosse política não era considerada
importante. Em sua trajetória, Flávio soube aliar o trabalho direcionado para uma arte social
com produções pessoais, capazes de satisfazer os desejos mais íntimos de um artista, por
exemplo, pinturas sobre telas. Flávio pintava para fugir um pouco do espaço tridimensional do
teatro, para entrar em contato consigo mesmo: “[...] eu pinto toda vez que volto para casa do
palco, e neste caminho de volta do palco para casa é que a minha cabeça vai sintonizando
outra vez o trabalho com a superfície plana, que é muito diferente do trabalho no espaço do
palco.” (IMPÉRIO In HAMBURGER; BENEDETTI, 1997).
Seus cadernos pessoais revelam suas pesquisas, principalmente de materiais, revelando
seu vasto conhecimento – fundamental para seu processo criativo.
Estas características demonstram o caráter interdisciplinar de seu trabalho e o trânsito
entre territórios diversos – característica que se acentua no trabalho de artistas contemporâneos,
bem como a experimentação de novos suportes, técnicas, temas e espaços. Flávio Império
não só transitava pelas mais diversas áreas, como as praticou com perícia, paixão e primor.
“Flávio Império era um homem livre, um artista livre, um criador, como deve ser, como manda
o figurino” (BETHÂNIA, Maria apud HAMBURGER; BENEDETTI, 1997).
Referências
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ZAMBONI, Silvio. Pesquisa em Arte: um paralelo entre arte e ciência. Campinas: Autores
Associados, 2006.
Resumo
A proposta deste artigo é discutir algumas intervenções realizadas
por designers no processo de confecção de artefatos artesanais,
que possam contribuir para uma compreensão dos caminhos de
sua produção na contemporaneidade. Há inúmeros experimentos
relacionando arte, design e artesanato, que se aproximam de
projetos sociais e por meio deles percebe-se, por vezes, que
os papeis do designer e do artesão se misturam. Diante de tal
complexidade, escolhemos apresentar algumas discussões
sobre intervenções, no intuito de introduzir uma reflexão sobre a
importância do papel dos profissionais envolvidos nesse processo
e sobre o objeto em si.
Introdução
Neste processo, tal como afirmou Nestor Canclini, é necessário preocupar-se menos
com o que se extingue do que com o que se transforma. Ou seja, a separação entre o artesanal
e o industrial se mostra como um grande equívoco. Ainda segundo Canclini “o artesanato,
bem como as festas e outras manifestações populares, subsistem e crescem porque
desempenham funções de reprodução social e na divisão do trabalho, necessárias para a
expansão do capitalismo” (CANCLINI, 1983). Podemos complementar essa ideia, dizendo
que as festas assim como o artesanato não precisam, necessariamente, ser entendidos
como meros reprodutores sociais. Ainda que mantendo certa ordem social, podem também
apresentar ricas variáveis no saber-fazer e realizar que contrarie ou diferencia-se do corriqueiro
ou sistematizado. Dito de outra forma, o artesanato, as festas e manifestações da cultura
popular, mais precisamente, seus agentes sociais, são compreendidos aqui como produtores
culturais e reprodutores simbólicos eficazes, já que não se trata simplesmente de uma atividade
mecânica e repetitiva e, sim, de expressões sociais e identitárias fortíssimas.
Mesmo que o artesão seja visto como o produtor de objetos de utilidade prática e
cotidiana e o artesanato, como a recriação e reprodução de elementos formais, com função
utilitária, ambos estarão sempre presentes na cultura de um grupo ou sociedade. O artesão
precisa de um retorno financeiro imediato, pois não dispõe de tempo ou recursos para investir
em técnicas, estética, qualidade, capacitação e pesquisa ou para esperar que o mercado
reconheça o valor, imaterial, do seu trabalho. Por mais que a estrutura utilizada nessa produção
artesanal balize a escala de produção, o artesão passa a produzir “em série” para sobrevivência.
A tradição contida nesse saber-fazer não é perene, é mutante, revelando de forma impressionante,
por vezes, um saber local e múltiplo altamente inventivo e reinventivo. Tanto é que repensado e
redimensionado nos dias de hoje como indicadores criativos de oportunidades de negócios.
A pesquisa feita pelo SEBRAEv, em 2002, segundo dados do Ministério do
Desenvolvimento, Indústria e Comércio, falou em 8,5 milhões de artesãos, que movimentaram
em 2002, R$ 28 milhões de reais. Hoje esse número deve ser maior, e o artesão tem consciência
de que deve atender as informações econômicas para sustentar a produção artesanal.
Com o aumento dos índices de desigualdades sociais, também aprofundado com o
decréscimo da oferta de empregos, crescem iniciativas de produção artesanal e, talvez até
por falta de escolha, acabam atendendo a finalidade da liberdade econômica tornando-se
exemplo de desenvolvimento diferenciado. Nos últimos anos as intervenções de design no
artesanato começaram a surgir com mais frequência, protegidas por instituições públicas ou
privadas, com a alegação de proteger o patrimônio cultural e ir contra a exacerbação do
consumo de produtos industrializados (BARROSO, 1999).
Ainda não está muito claro que rumos estas práticas discursivas estão tomando. Por
outro lado, famílias artesãs permanecem ganhando a vida com o saber tradicional seja para
vender um ou outro artefato como souvenir para turistas amantes das “coisas” locais, seja
para reproduzir formas aprendidas com as antigas gerações também na geração de alguma
rentabilidade familiar. Também, é possível identificarmos iniciativas públicas e privadas no sentido
de aproximar o fazer artesanal de uma produção sustentável, onde, por vezes, encontramos
alguma atuação do designer como mediador cultural e agente social em parceria com o artesão.
Considerações Finais
Há que se superar qualquer tipo de idéia que coloque, em campos opostos, o designer
e o artesão. Não basta falar das aproximações como qualidade intrínseca dessas áreas. Parece
que tanto ao designer como ao artesão cabe pensar e trabalhar o resgate das vocações
regionais, levando em conta a diversidade, a preservação das culturas locais e a formação de
uma mentalidade empreendedora, por meio da capacitação das organizações e de seus artesãos
para uma sociedade de mercado, se possível e no mínimo, mais equitativa, onde o padrão de
qualidade e a capacidade de produção sejam tão importantes como o respeito à dignidade dos
sujeitos que determinam a aceitação deste produto no mercado interno e externo. Para tanto, o
diálogo ético faz-se necessário, assim como se coloca o desafio de estabelecer critérios para tal
aproximação entre designer e artesão e estes em relação ao mercado.
Outro ponto a ser pensado do exposto é o do nível de intervenção do designer no
artesanato em si, pois equilibrar esta balança não é tarefa fácil, sobretudo porque requer clareza
e honestidade de intenções, tomando como ponto de partida o conhecimento do artesão e o seu
desejo de compartilhar novas experiências em relação as suas tradições. O que não podemos
deixar de falar é da fragilidade do discurso que utiliza o artesanato como mero objeto exótico de
consumo para turista comprar, pois o que perpassa a relação entre design e artesanato hoje é
muito mais abrangente e merece muito mais da nossa atenção e vontades.
Nesse contexto podemos ver o valor social do artesanato, que funciona como um equilíbrio
diante das relações de produção do mundo globalizado. O modo de produção artesanal persiste
compondo uma estrutura econômica muito particular dentro do sistema capitalista. Assim, o
artesanato se consolida na sociedade pós-industrial como um dispositivo social, fazendo parte
de um sistema produtivo diferenciado que é essencial para a vida humana.
Notas
i Acreditamos que todas as manifestações artísticas e produções criadas pelo povo se enquadram
na cultura popular, e não podem ser separadas diante de outras formas culturais e artísticas, sendo
desnecessário identificá-la a partir de certos objetos ou modelos culturais.
ii De acordo com Cardoso era o termo utilizado nos primórdios da organização industrial para definir
o inventor ou criador das formas a serem fabricadas. Geralmente era o artesão com maior habilidade
e conhecimentos técnicos.
iii Modernidade aqui entendida como a prática dos valores criados pelo Renascimento e consolidados
com o Iluminismo, principalmente no que se refere ao uso da razão, a idéia de progresso e a intervenção
da ciência na realidade.
iv Termo utilizado por Canclini, em sua obra “Culturas Híbridas”, onde ele apresenta suas reflexões
sobre o fenômeno da hibridação cultural nos países latino-americanos, procurando compreender o
intenso diálogo entre a cultura erudita, a popular e a de massas, que nós emprestamos para definir o
objeto concebido nos modos de fazer artesanal dentro da concepção industrial.
v Para saber mais Revista SEBRAE, n.5 julho-agosto 2002.
Referências
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Textos Design), 2009.
Resumo
Este artigo busca refletir sobre a relação do Design na Arquitetura
de espaços universitários, partindo da premissa de que o arquiteto,
diante de uma concepção idealizada do que é Instituição, concretiza
sua proposta em um edifício que apresenta signos físicos e
simbólicos; o usuário ao percorrer seu espaço, interage com o
ambiente e reconhecem significados pessoais, isto proporciona
uma leitura particular do lugar. Compreender a influência do Design
na Arquitetura possibilita refletir sobre a relação entre o partido
arquitetônico e a sociedade com enfoque no repertório cultural e
emocional de quem projeta e de quem usa o espaço.
seus significados. Para projetar um espaço de educação é preciso entender qual a sua função,
qual o seu público e as expectativas da Instituição.
A Universidade, o lugar, que segundo Wanderley (1988), é privilegiado para conhecer a
cultura universal e as várias ciências, cria e divulga o saber com a finalidade da Educação com
base no ensino, na pesquisa e extensão.
Lauanda (1987) posiciona-se frente à questão sobre o que é Universidade dizendo que
é preciso voltar-se para o homem tal qual qualquer questão de Filosofia da Educação, isto
porque, acredita que a Universidade apoia-se no caráter livre do conhecimento, bem além das
estruturas políticas da instituição.
Já Minogue (1981), acredita que as universidades são capazes “de criar seu próprio
interesse na busca do conhecimento”, sendo que esta busca pode ser influenciada por outros
tipos de excitação; tais como politica, religião, patriotismo entre outros.
Ter consciência do contexto histórico, econômico e político na qual a instituição se
situa, possibilita o entendimento do seu desenvolvimento e como este pode influenciar o
funcionamento e a política de suas estruturas internas. Contudo não deixa de apresentar sua
função primordial que é produzir e difundir conhecimento através de um sistema simples de
ensino e o aprendizado.
Os agentes usuários das Instituições de Ensino, definidos por Wanderley (1988), são os
professores, alunos e funcionários.
É possível, ainda, incluir outros agentes usuários deste espaço, tais como: familiares
dos alunos e convidados externos (palestrantes, auditores, prestadores de serviços e afins).
Este público, que mesmo pequeno e esporádico, tem grande influência na permanência
dos usuários tradicionais deste lugar de conhecimento. O contato possibilita intercâmbio de
ideias e participações construtivas e reforça a ideia de espaço inclusivo e disseminador de
experiências.
Conhecer o usuário da Universidade proporciona identificar as peculiaridades de projeto,
os fluxos, acessos, demarcações territoriais de público e privado, administrativo e acadêmico,
dimensionamento de áreas, tipologia de partido, prioridades de espaço e expectativas de
usos.
• Numa análise feita por Onusic (2009), o Ensino Superior no Brasil apresenta uma
evolução histórica de quatro fases:
• Entre 1980 a 2002, com o aumento de oferta de vagas do setor privado, o crescimento
de vagas não preenchidas e evasão acadêmica.
Atualmente, das 2.314 IES registradas pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais Anísio Teixeira (INEP), cerca de 90% são privadas (gráfico 1), estando mais
concentrada numa classificação de pequeno porte com até 1.000 alunos (gráfico 2). Pode-
se notar que a característica da Educação Superior no Brasil está calcada em um modelo
privatizado com ininterrupta expansão.
Gráfico 2 - Distribuição do número de IES por porte da IES na Educação Superior segundo
Categoria Administrativa - Graduação Presencial - Brasil - 2009.
Fonte: Censo da Educação Superior / MEC / Inep / Deed
Morosini (2005) avalia que a demanda por Educação Superior é responsável pela abertura
da Educação no setor privado, visto que o crescimento da economia do conhecimento, as
mudanças demográficas paralelas as limitações orçamentárias do Estado não conseguem
atender todo o movimento para a educação continuada.
De acordo com Silva Jr e Sguissard (1999), as políticas públicas para a educação
superior brasileira e as reações dos diferentes setores (públicos e privados), promoveram um
reordenamento no espaço social através do fortalecimento de processos mercantilistas, o que
tem acentuado a transformação das identidades das IES particulares.
Este processo pode ser entendido como reflexo da transição do modelo de capitalismo
fordiano para o atual capitalismo pós-moderno vivenciado de forma mundial, contudo não é
foco deste artigo centrar-se nesta questão. O entendimento deste novo contexto, apenas,
sugere, de forma isolada, que num predomínio de IES particulares, que buscam atender a
demanda de mercado, estão cada vez mais modificando sua identidade, profissionalizando as
empresas, racionalizando sua estrutura organizacional interna e buscando atender o seu mais
novo objetivo: o lucro.
Além de transitar pelo entendimento da cultura e sociedade nacional, este contexto
interfere no perfil institucional e, consequentemente, no processo construtivo dos seus espaços
físicos. As IES particulares, numa tentativa de atingir nichos de mercado e diferenciar-se de suas
concorrentes, estabelecem, a partir do seu corpo administrativo, medidas que a individualizem
ou minimizem seus custos como forma de garantir destaque. Desta forma, é comum verificar
instituições sendo amplamente reformadas e instalando materiais de acabamentos luxuosos
como atrativos para alunos de classe A e B, enquanto outras instituições apelam para baixo
investimento em infraestrutura com foco no público de classes inferiores.
O reflexo deste mercantilismo da educação preocupa a Arquitetura, não só na questão
da descaracterização da identidade, mas também na forma como esta política faz com que o
Edifício apresente aspectos de baixa qualidade do espaço físico até a uma apartação social.
Enquanto a escolha e intervenção no tipo de acabamento de um Edifício possam, por
um lado, alterar somente a estética do edifício; por outro, podem indicar uma segregação
de público onde, culturalmente, alguns usuários sintam-se deslocados e excluídos; já a
falta de investimento na construção pode acarretar má qualidade espacial, impossibilitar a
acessibilidade, prejudicando a ergonomia e o conforto ambiental.
leitura e interpretação. Ou seja, elementos projetuais do espaço urbano são observados pelo
usuário, concretizando sua imagem e identificando a sua existência; o que resulta em (re)
conhecimento do espaço.
Compreender o Design e como está relacionado à Arquitetura sugere reflexões sobre
como a arquitetura apresenta elementos de design em sua concepção, principalmente
vinculado ao conceito de signos.
Kahn (2010) exemplifica bem esta relação entre a Arquitetura e o Design, classificando
o Design como um ato circunstancial, sendo o “como”; enquanto a Arquitetura é a Forma,
ou seja, o “o quê”. Sendo na harmonia dos espaços que se satisfaz a atividade humana. Ele
escreve:
“Reflita então sobre o que caracteriza, de forma abstrata, a Casa, uma casa,
lar. A Casa é a característica abstrata de espaços bons para se viver. A Casa é
a forma, deveria estar lá sem corpo ou dimensão, na mente do sonhador. Uma
casa é a interpretação condicional desses espaços. Isso é design. Na minha
opinião, a grandeza do arquiteto depende do seu poder de percepção daquilo
que é Casa, em vez de seu design de uma casa, que é um ato circunstancial.
O Lar é a casa e seus ocupantes. O Lar se torna diferente com cada pessoa
que nele vive. (...) Reflita então a respeito do sentido de escola, uma escola,
instituição. A instituição é a autoridade de onde extraímos suas necessidades
de áreas. Uma escola ou um design específico é o que a instituição espera de
nós. Mas a Escola, o espírito escolar, a essência do desejo de existir, é o que o
arquiteto deveria converter em seu design. E eu digo que ele deve, mesmo que
o design não corresponda ao orçamento. O arquiteto, portanto, se distingue
do mero projetista.” (Kahn, 2010, p. 9-11)
Projetar em arquitetura apresenta, em seus elementos e princípios fundamentais, formas
e maneiras de resolver o espaço. Cabe ao arquiteto conseguir traduzir seu conhecimento
para o edifício, resolvendo seu programa de necessidades, a implantação, definindo seus
acessos, a ocupação, a orientação, seus fluxos, as condicionantes de conforto térmico e
acústico e afim. Explorando o design, o campo projetual apresenta diversidade de soluções,
incorporando valores e manifestações culturais e gerando novas possibilidades de partidos
arquitetônicos.
De acordo com Montaner (2007), “a arquitetura depende de uma série de fatores e
deve responder a uma grande quantidade de solicitações de diversas índoles.” Para responder
as solicitações utilizou-se de paradigmas para se legitimar, através de linguagens metafóricas
que sustentassem suas referências iconológicas de cada período, tais como:
Considerações finais
Não se pode negar que para a elaboração de um projeto arquitetônico de IES, o arquiteto
pode modificar o projeto diante de diretrizes, avaliação e aprovação da gestão que administra a
instituição, fazendo, muitas vezes, com que o projeto inicial não seja concretizado. No entanto,
a Instituição deve considerar que, ao solicitar um projeto, existe um olhar proposto para o que
se constrói, pois isso possibilita a compreensão, por meio de uma linguagem simbólica, sobre
o que é o projeto.
Segundo Ferrara (2007), percorrer a construção supõe não só ler os materiais e
competências estruturais existentes, mas também perceber “que a espacialidade cria
uma teoria do espaço enquanto comunicação ideológica da cultura e exige o resgate das
manifestações presentes nas suas constituições históricas.”
Para Okamoto (2002), os arquitetos devem desenvolver projetos que atendam a
permanente necessidade de interação afetiva do homem com o meio ambiente, favorecendo
o crescimento pessoal, a harmonia no relacionamento social e melhorando a qualidade de
vida.
Isto são os elementos de Design na Arquitetura, uma linguagem arquitetônica selecionada
pelo arquiteto com intuito de criar ambientes com formas arquetípicas de construção numa
tentativa de humanizar a arquitetura, a partir da inspiração no lugar, no clima, no programa e
no usuário. Estes elementos, quando bem projetados, sugerem ao usuário um sentido ao que
se vivencia. Ao contrário, ambientes que não tiveram dedicação projetual desagradam pela
rigidez e monotonia, impossibilitando que o usuário se aposse deste lugar.
A partir da compreensão do Design na Arquitetura, pode-se refletir em como se pensa
a arquitetura universitária hoje em dia. E em como o espaço universitário tem traduzido a
forma de ensino, a função educadora exercida nos usuários que o vivenciam e experimentam
seu espaço, e se tem sido capaz de transmitir informações, aglutinar pessoas e produzir
sensações que evidencie a identidade da Instituição.
Notas
i Segundo Vitrúvius, a lei ateniense procurava educar através da arte que era exercida através da
aprendizagem da literatura e conhecimento geral de todas as disciplinas, deleitando-se de temas
literários e artísticos, bem como sobre obras em forma de comentários para alimento do espírito e
normas para vida. Tratado de Arquitetura, pag. 290-291.
ii“O design em espaços é, portanto, uma realidade tanto fenomênica como epistemológica. Ou seja,
é flagrado concretamente nas manifestações sígnicas, nas marcas passíveis de serem percebidas e
lidas no espaço, ao mesmo tempo em que as correlações interpretativas desses signos acabam por
gerar um conhecimento do espaço enquanto objeto que tem no design sua dimensão representativa.”
(Ferrara L. D., 2002, p. 7)
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