Você está na página 1de 65

TELA CHEIA SUMÁRIO

Copyright 2019 Futebol Interativo / Natal – RN ©

Coordenador
Marcos Antonio Mattos dos Reis

Autores
Maickel Padilha
Marcos Antonio Mattos dos Reis

Designer Editorial e Interação


José Antonio Bezerra Junior

Capa
Marcus Arboés

Para sua melhor interação clique em nossa navegação.

2 INICIAÇÃO E FUTEBOL DE BASE


TELA CHEIA SUMÁRIO

Sumário
Introdução
INICIAÇÃO E FUTEBOL DE BASE

Capítulo 1
DESENVOLVENDO ATLETAS DE FUTEBOL

Capítulo 2
INICIAÇÃO ESPORTIVA X ESPECIALIZAÇÃO PRECOCE NO FUTEBOL

Capítulo 3
COORDENAÇÃO TÉCNICA NO FUTEBOL DE BASE

Capítulo 4
COORDENAÇÃO METODOLÓGICA NO FUTEBOL DE BASE

Capítulo 5
O PROCESSO DE APRENDIZAGEM DO JOGADOR DE FUTEBOL

Capítulo 6
COMO ENSINAR O FUTEBOL

Capítulo 7
IDENTIFICANDO TALENTOS X PROCESSOS DE AVALIAÇÃO

3 INICIAÇÃO E FUTEBOL DE BASE


TELA CHEIA SUMÁRIO

introdução

INICIAÇÃO E FUTEBOL DE BASE

4 INICIAÇÃO E FUTEBOL DE BASE


TELA CHEIA SUMÁRIO

Este material didático tem como finalidade dar suporte para o curso online
“Iniciação e Futebol de Base” debatendo assuntos sobre o processo de formação,
identificação e seleção de jogadores de futebol, desde as fases iniciais da vida
humana até as últimas categorias competitivas do futebol de base. Neste sentido,
este material possui uma visão holística acerca do futebol de base, apresentando
diversos conteúdos que permitam os alunos mergulharem em diferentes e ricas
áreas da formação de jogadores de futebol. Ao abordar o futebol de base, pode-
-se dividir em três estágios: iniciação esportiva (6-10 anos de idade), especializa-
ção esportiva (11-15 anos de idade) e categorias de base (16-20 anos de idade). A
iniciação esportiva consiste no primeiro contato do sujeito com qualquer prática
esportiva. Já a especialização esportiva coloca o indivíduo em um contexto mais
restrito do futebol, visando focar em habilidades motoras específicas da modali-
dade. Obviamente, a utilização do futsal nesse processo ainda pode ser bastante
utilizada, inclusive como transição da iniciação à especialização esportiva, tendo
em vista que é um esporte que faz parte da família dos jogos jogados com os pés.
Por fim, a categoria de base, que é a fase coloca os jogadores em contato com o
alto rendimento, a partir de diversos cuidados, como o aumento da quantidade
diária de prática, por exemplo.

Essa divisão não é um produto fechado, mas ajuda a entender o quão com-
plexo é a formação de um jogador de futebol a partir das finalidades específicas
de cada categoria. Existem diversas formas que permitem enxergar o futebol de
base e nos próximos capítulos iremos abordá-las de acordo com cada conteúdo
específico. Neste sentido, esse material didático traz diversas informações que
podem ser transformadas em conhecimento no processo de ensino e apren-
dizagem do futebol, mostrando fatores biopsicossocioculturais que afetam a
formação dos jogadores e ferramentas que permitem identificar e selecionar
o talento esportivo. Além disso, tanto esse material didático, quanto o curso “Ini-
ciação e Futebol de Base”, trazem conteúdo sobre duas funções emergentes no
futebol contemporâneo: coordenação técnica e coordenação metodológica no
futebol de base.

Formado por um corpo de professores com experiências teóricas e práticas,


que trabalham em grandes clubes do futebol brasileiro, como América MG, Co-
rinthians, Flamengo e Vasco, o curso “Iniciação e Futebol de Base” apresenta uma

5 INICIAÇÃO E FUTEBOL DE BASE


TELA CHEIA SUMÁRIO

estrutura de conhecimento que visa promover a qualificação de quem deseja


trabalhar no processo de formação de jogadores de futebol em diferentes pers-
pectivas. A figura 1 mostra a estrutura curricular do curso e a sequência de conte-
údo do material didático. Tenham todos uma excelente leitura e um ótimo curso.

Figura 1 – Estrutura curricular do curso “Iniciação e Futebol de Base”

6 INICIAÇÃO E FUTEBOL DE BASE


TELA CHEIA SUMÁRIO

1
DESENVOLVENDO ATLETAS DE FUTEBOL

MARCOS REIS

7 INICIAÇÃO E FUTEBOL DE BASE


TELA CHEIA SUMÁRIO

A
formação de jogadores de futebol é influenciada por diferentes restrições
que interagem entre si: tarefa, ambiente e sujeito (figura 2) (NEWELL, 1986).
As restrições das tarefas estão relacionadas às manipulações dos exer-
cícios geralmente feitas pelo professor/treinador, que serão discutidos nos pró-
ximos módulos (em especial módulo 6). Já as restrições do ambiente e do sujeito
são constrangimentos que não podem ser manipulados pelo professor/treinador,
mas que afetam diretamente no processo de formação de jogadores e estão
relacionadas ao desenvolvimento humano (ARAÚJO et al., 2010). Elas podem ser
consideradas como fatores biopsicossocioculturais que determinam as possibi-
lidades do sujeito se tornar jogador de futebol e que quando caminham juntas,
se tornam mais preponderantes do que as restrições das tarefas (REIS, 2016).

Figura 2 - Modelo de restrições adaptado de Newell (1986).

Dentro desta perspectiva, os professores/treinadores devem conhecer esses


fatores biopsicossocioculturais a fim de ajustar as restrições das tarefas que per-
mitam potencializar as habilidades dos jogadores a partir dos diferentes perfis.
Neste módulo, serão abordados os seguintes fatores biopsicossocioculturais:
maturação biológica, efeito da idade relativa, cegueira inatencional e local de
nascimento e criação (REIS, 2016). Contudo, existem diversos outros fatores que o
treinador precisa conhecer a fim de ofertar os estímulos adequados a partir das
características de cada jogador.

8 INICIAÇÃO E FUTEBOL DE BASE


TELA CHEIA SUMÁRIO

Imagine o seguinte contexto...


Pensando
a prática

Você foi contratado para trabalhar no departamento de captação de um


grande clube do futebol brasileiro. Você foi escalado para selecionar um zaguei-
ro para a categoria sub-13 em uma competição no interior de Minas Gerais. No
final da competição, você selecionou gostou de dois zagueiros: Anderson Vital e
o Ricardo Pedra. Os dois nasceram no dia 1º de janeiro de 2006 e apresentaram
o mesmo nível de habilidade (tanto nas ações com bola, quanto nas ações sem
bola). Contudo, o Anderson Vital tinha 1,72 metros de estatura e o Ricardo Pedra
1,60 metros de estatura. Qual dos dois você selecionaria? (após chegar a uma
resposta, veja figura 3).

Figura 3 – Os zagueiros Anderson Vital e Ricardo Pedra


(personagens fictícios) e suas respectivas estaturas nos anos de 2019 e 2024.

Na figura 3, os zagueiros Anderson Vital e Ricardo Pedra (personagens fictícios)


apresentam estaturas muito distintas aos 13 anos de idade cronológica. Porém,
após 5 anos, aos 18 anos de idade de idade cronológica, essa distância na esta-
tura praticamente desapareceu. Será que aos 13 anos de idade cronológica eles
apresentavam uma idade biológica diferente e isso fez com que você selecionas-
se o Anderson Vital simplesmente pela estatura? Será que essa questão biológica
pode afetar no processo de formação desses jogadores? Vamos debater sobre
essas implicações a seguir.

9 INICIAÇÃO E FUTEBOL DE BASE


TELA CHEIA SUMÁRIO

As categorias de base no futebol são organizadas com base na idade crono-


lógica dos jogadores (MALINA et al., 2015). Porém, não é incomum encontrar jovens
jogadores cuja idade cronológica não acompanhe a idade biológica (podendo
estar abaixo ou acima dela) (como por exemplo o caso fictício da figura 3), o
que pode representar características funcionais distintas dentro de um mesmo
grupo de indivíduos (MALINA et al., 2015; MALINA, 2014; MIRWALD et al., 2002). Isso
ocorre por conta da maturação biológica, que consiste no processo natural em
que os tecidos, órgãos e sistemas de todo ser humano passam para chegar na
fase adulta (MALINA et al., 2015; MALINA, 2014). Ela pode ser identificada através de
diferentes sistemas biológicos do ser humano: sexual, ósseo e somático (MALINA,
2014).
A maturação óssea reflete na proliferação de células da cartilagem do es-
queleto humano ossificando-o por completo nas placas de crescimento (MALINA,
2014). A maturação sexual consiste no desenvolvimento dos eixos hipotalâmico-
-hipofisário-gonadal e adrenal do sistema neuroendócrino e é identificada a
partir do incremento dos órgãos genitais e dos pelos pubianos (MALINA et al.,
2015; MALINA, 2014). Já maturação somática, método mais utilizado e acessível
por conta do baixo custo e por não ser invasivo (BACIL et al., 2015; MIRWALD et al.,
2002), é identificada a partir da distância em anos que o indivíduo se encontra
do pico de velocidade de crescimento (PVC) (MIRWALD et al., 2002).
A avaliação do nível maturacional dos jogadores através do PVC é feita a
partir da obtenção das seguintes variáveis antropométricas, além da idade cro-
nológica do indivíduo: estatura (cm), massa corporal (kg), altura tronco-cefálica
(cm) e comprimento de membros inferiores (cm). Em seguida, os dados são co-
locados na seguinte equação a fim de gerar um coeficiente que representa a
distância em anos que os jogadores se encontram dos seus respectivos PVC:

Equação para encontrar

o nível de maturação biológica através do PVC

-9,236 + 0,0002708 x
(comprimento de membros inferiores x altura tronco-cefálica) -
0,001663 (idade x comprimento de membros inferiores) +
0,007216 (idade x altura tronco-cefálica) +
0,02292 (massa corporal / estatura)

Com base no coeficiente gerado pela equação, os jogadores podem ser es-
tratificados em três grupos: Pré-Estirão (jogadores que não atingiram o PVC, coe-
ficiente < -0,5), Estirão (jogadores que estavam atingindo o PVC, coeficiente entre
-0,5 e 0,5) e Pós-Estirão (jogadores que já tinham atingindo o PVC, coeficientes
> 0,5). A partir disto, o professor/treinador terá uma referência de qual estágio

10 INICIAÇÃO E FUTEBOL DE BASE


TELA CHEIA SUMÁRIO

maturacional o jogador se encontra e quando ele atingirá o PVC, podendo per-


sonalizar os estímulos de acordo com a necessidade de cada sujeito. Por quê é
importante essa identificação no processo de formação, identificação e seleção
de jogadores?
Muitas das vezes no processo de seleção de jogadores de futebol, os aspectos
físicos acabam se tornando o cerne das atenções (DODD e NEWANS, 2018). Isso
faz com que a maturação biológica seja um fator simultaneamente discrimina-
dor e de confusão na formação, identificação e seleção de jogadores, favore-
cendo aqueles já amadurecidos biologicamente, que passam a produzir mais
testosterona, o que altera as características antropométricas influenciando na
capacidade neuromuscular, gerando uma vantagem no desempenho atlético
(MOREIRA et al., 2017). Nessa perspectiva, jogadores de futebol amadurecidos pre-
cocemente possuem vantagens no desempenho físico, visto que costumam ser
mais fortes (MURTAGH et al., 2018; BIDAURRAZAGA-LETONA et al., 2017a; BORGES et
al., 2017), mais velozes (ROMMERS et al., 2019; BROWNSTEIN et al., 2018), mais ágeis
(KURANTH et al., 2017) e mais resistentes aeróbica (BIDAURRAZAGA-LETONA et al.,
2017a; BORGES et al., 2017) e anaerobicamente (VALENTE-DOS-SANTOS et al., 2012b)
do que os jogadores amadurecidos tardiamente.
Bidaurrazaga-Letona et al. (2017b) observaram mais jogadores maturados
biologicamente entre os novos integrantes do que entre os que já faziam parte
da equipe sub-15. Em outro clube de futebol, na categoria sub-17, os jogadores
recrutados no início da temporada eram mais altos, possuíam mais massa ma-
gra e atingiram o PVC antes do que os jogadores que foram dispensados do
clube (AQUINO et al., 2017). Importante frisar que em ambos estudos o desem-
penho físico e/ou atlético não foi explicitamente considerado como critério de
seleção. Essas evidências dão suporte à premissa de que treinadores de futebol
tendem a associar implicitamente o talento esportivo ao tamanho do jogador
(PEÑA-GONZÁLEZ et al., 2018; FURLEY e MEMMERT, 2016; MASTERS, POOLTON e VAN DER
KAMP, 2010).
Em função disso, é possível que o processo de formação, identificação e sele-
ção de jogadores esteja sujeito a um viés ao privilegiar jogadores amadurecidos
biologicamente, sem respeitar o tempo necessário para o desenvolvimento dos
jogadores que ainda não atingiram esse estado. Nesse sentido, Aquino et al. (2017)
e Malina et al. (2005) identificaram melhor desempenho em habilidades técnicas,
tais como, controle de bola, drible, passe e chute em jogadores de futebol com
maturação biológica precoce em relação à tardia. Porém, quando a maturação
biológica foi controlada, o desenvolvimento das habilidades com bola evoluiu
com o avanço da idade cronológica, independentemente do estado matura-
cional (VALENTE-DOS-SANTOS et al., 2012a). Cabe destacar que nesses estudos,
os procedimentos de avaliação não simularam situações de jogo, ou seja, sem
interações de cooperação e oposição, o que pode gerar interpretações equivo-
cadas do desempenho, favorecendo ainda mais o viés físico.

11 INICIAÇÃO E FUTEBOL DE BASE


TELA CHEIA SUMÁRIO

Em jogos reduzidos, a literatura científica traz que não foi encontrada corre-
lação entre maturação biológica e habilidades com bola (SILVA et al., 2011), joga-
dores de diferentes níveis maturacionais obtiveram desempenho tático pareci-
dos, apesar da correlação moderada entre eficácia ofensiva e potência aeróbia
(BORGES et al., 2018), e jogadores que já tinham atingindo o PVC realizaram mais
ações táticas com bola para frente, ações táticas sem bola de criação de linha
de passe próximo do colega portador da bola e linha de passe para trás distante
dele do que os jogadores que ainda não tinham atingido o PVC (BORGES et al.,
2017).
Reis (2016) avaliou o comportamento tático de 78 jogadores divididos em três
grupos de acordo com o nível de maturação somática deles: pré-estirão (que
ainda não tinham alcançado o PVC), estirão (que estavam passando pelo PVC) e
pós-estirão (que já tinham alcançado o PVC). Foi encontrado que os jogadores do
pós-estirão e do estirão tiveram melhor desempenho na penetração (progressão
com bola na direção da baliza ou linha de fundo adversária), enquanto os joga-
dores do pré-estirão apresentaram maior variabilidade tática dos que os seus
pares que já tinham alcançado ou estavam alcançando a maturação biológica.
Esses resultados mostram que os jogadores amadurecidos biologicamente
podem se favorecer da vantagem física por conta de aspectos biológicos para
realizar ações com bola, que geralmente são as mais observadas na seleção de
jogadores. Por outro lado, os jogadores que ainda não amadureceram biologica-
mente criam mais repertório de jogo para que possam se manter competitivos
diante da desvantagem biológica que apresentam. Retomando ao exemplo da
figura 3, provavelmente o Ricardo Pedra buscou estratégias cognitivas e motoras
para poder jogar o jogo de futebol e, ao atingir o nível maturacional biológico
do Anderson Vital, pode ter ultrapassado o nível de habilidade do Anderson Vital
(caso ele tenha sido estimulado a jogar a partir da sua vantagem física). A figura
4 mostra um exemplo real dessa questão no futebol contemporâneo, o jogador
Lucas Paquetá quase foi dispensado das categorias de base do Flamengo por
causa da sua baixa estatura, tendo em vista, muito provavelmente, que o jogador
atingiu o PVC de forma tardia em relação aos seus pares de idade cronológica.

Figura 4 – Reportagem do globoesporte.com destaca


o alcance do PVC de Lucas Paquetá em um curto período

Fonte: http://globoesporte.globo.com/futebol/times/flamengo/noticia/2015/12/joia-2016-apos-
ganhar-27-centimetros-em-tres-anos-paqueta-mira-topo-no-fla.html

12 INICIAÇÃO E FUTEBOL DE BASE


TELA CHEIA SUMÁRIO

Desta forma, o professor/treinador deve criar estratégias metodológicas que


permitam aos jogadores que ainda não atingiram a maturação biológica re-
alizem mais habilidades com bola, enquanto os seus pares que já atingiram a
maturidade biológica possam realizar mais habilidades sem bola relacionadas à
coordenação interpessoal voltada para ocupação e criação de espaços vazios
(REIS, 2016). Além disso, mais uma alternativa para diminuir o impacto da matu-
ração biológica e deixar o processo de formação mais holístico é a organização
de categorias competitivas e competições esportivas a partir da idade biológica
(CUMMING et al., 2018).
Outro fator que pode ser influenciado pela maturação biológica e que influen-
cia o processo de formação de jogadores de futebol é o efeito da idade relativa
(FURLEY e MEMMERT, 2016). O efeito da idade relativa consiste na categorização
assimétrica de indivíduos de uma mesma faixa etária e categoria competitiva,
a partir de um ponto de corte (geralmente 1º de janeiro), sendo que eles podem
apresentar quase 12 meses de diferença entre as suas idades cronológicas. Isso
pode implicar vantagens e desvantagens físicas e cognitivas afetando o desem-
penho esportivo ao longo de todo o processo de formação (HELSEN et al., 2012).
Por exemplo, Williams (2010) verificou que que cerca de 40% de jogadores de
futebol que disputaram Copas do Mundo Sub-17 nasceram no primeiro trimestre
do ano (janeiro, fevereiro, março) e apenas 16% deles nasceram no último tri-
mestre do ano (outubro, novembro, dezembro). Ishigami (2016) verificou que os
jogadores de futebol nascidos próximo do ponto de corte (ou seja, nos primeiros
meses do ano), possuem mais chances de se tornarem jogadores de futebol do
que os indivíduos que nasceram no final do ano. Furley, Memmert e Weigelt (2016)
verificaram que dos 100 jogadores de futebol mais valiosos (economicamente
falando) cerca de 60% nasceram no primeiro semestre do ano.
Desta forma, percebe-se que o efeito da idade relativa influencia no processo
de formação, identificação e seleção de jogadores de futebol. Portando, os pro-
fessores/treinadores de futebol das categorias de base devem estar atentos a
isso a fim de que ofereçam oportunidades igualitárias para todos os jogadores,
aumentando a possibilidade de sucesso na formação de jogadores.
Por outro lado, Côté et al. (2006) chamam a atenção para quando o “onde” é
mais importante do que o “quando” em relação ao nascimento dos praticantes
de esportes coletivos. Esse “quando” está relacionado ao local de nascimento
do jogador. Os pesquisadores encontraram que indivíduos que nascem em ci-
dades americanas entre 50 e 99 mil habitantes apresentam mais chances de
se tornarem jogadores de basquetebol, hóquei, beisebol e golfe em relação as
outras cidades com menor e maior porte. Isso ocorre porque essas cidades são
grandes o suficiente para oferecer infraestrutura e suporte técnico para a prá-
tica esportiva de qualidade, porém não são tão grandes para oferecer outras
atividades que diminuiriam o tempo de prática dos jogadores.
Em relação ao futebol, Costa, Cardoso e Garganta (2013) verificaram que 82,3%
dos jogadores que disputaram o Campeonato Brasileiro da Série A de 2010 foram

13 INICIAÇÃO E FUTEBOL DE BASE


TELA CHEIA SUMÁRIO

oriundos de cidades com índice de desenvolvimento humano (IDH) médio (entre


0,501 e 0,800). Além disso, somente 2,0% dos jogadores nasceram em cidades com
IDH abaixo de 0,500. Tais resultados reforçam os achados de Côté et al. (2006)
para outros esportes.
Contudo o estudo de Costa, Cardoso e Garganta (2013) não apresenta se es-
ses jogadores foram formados de fato nas cidades que nasceram. Mas já é uma
informação importante para entender a importância do local de nascimento e
as políticas públicas que podem ser implementadas para o desenvolvimento de
jogadores de futebol em conjunto com os clubes.
Por fim, após serem apresentados fatores biológicos, sociais e culturais, será
apresentado um fator psicológico que pode afetar na formação dos jogadores
de futebol que é a cegueira inatencional (SCHMIDT e LEE, 2016). A cegueira inaten-
cional consiste na ação de negligenciar características, gestos e movimentos em
um ambiente por conta do foco de atenção específico em determinada tarefa.
Por exemplo, quando um treinador solicita ao seu jogador que ele faça marcação
individual em determinado adversário, esse jogador irá focar somente naquele
jogador, negligenciando todo e qualquer tipo de movimentação ao seu redor. Isso
pode gerar uma falha na detecção de um objeto ou sujeito inesperado (outro
adversário ocupando um espaço vazio próximo da baliza, por exemplo) mesmo
que esteja na frente do jogador (SCHMIDT e LEE, 2016; MEMMERT, 2011).
Memmert (2011) destaca que existe uma relação entre criatividade, experiên-
cia esportiva e cegueira inatencional, pois os jogadores experientes conseguem
perceber os colegas de equipe livres e podem tomar decisões originais para
realizar passes, por exemplo. Enquanto os jogadores inexperientes ficam “cegos”
e não conseguem perceber as oportunidades de passe que o ambiente oferece,
caracterizando o famoso “olhei, mas não consegui ver”. Furley, Memmert e Heller
(2010) verificaram que jogadores de basquetebol experientes possuem menos
chances de não enxergar em um vídeo um gorila passando no meio de uma
troca de passes do basquetebol.
Desta forma, o professor/treinador de futebol deve entender esse mecanismo
psicológico e criar exercícios adequados para diminuir a cegueira inatencional
e permitir que os jogadores possam perceber as oportunidades que o ambien-
te de jogo oferece tomando decisões e executando habilidades que permitam
solucionar os problemas do jogo (CORRÊA et al., 2014). Por outro lado, também
deve-se tomar cuidado com os estímulos que são ofertados aos jogadores para
que eles não ampliem a cegueira inatencional.

14 INICIAÇÃO E FUTEBOL DE BASE


TELA CHEIA SUMÁRIO

Acesse o link abaixo, faça o teste e veja o seu desempenho atencional

TESTE DE ATENÇÃO
Leia clicando
no conteúdo
O que você acha de aplicar esse teste com seus jogadores?

O seu treino está potencializando esse fator cognitivo?

Boas questões para serem refletidas!

15 INICIAÇÃO E FUTEBOL DE BASE


TELA CHEIA SUMÁRIO

REFERÊNCIAS
AQUINO, R. et al. Multivariate Profiles of Selected Versus non-Selected Elite Youth
Brazilian Soccer Players. Journal of Human Kinetics, v. 60, n. 1, p. 113-121, 2017.

ARAÚJO, D. et al. The Role of Ecological Constraints on Expertise Development. Ta-


lent Development & Excellence, v. 2, n. 2, p. 165-179, 2010.

BACIL, E. et al. Physical activity and biological maturation: a systematic review.


Revista Paulista de Pediatria, v. 33, n. 1, p. 114-121, 2015.

BIDAURRAZAGA-LETONA, I. et al. Does a one-year age gap modify the influence


of age, maturation and anthropometric parameters as determinants of perfor-
mance among youth elite soccer players? Journal of Strength and Conditioning
Research, 2017a.

BIDAURRAZAGA-LETONA, I. et al. Progression in youth soccer: selection and identifi-


cation in youth soccer players aged 13-15 years. Journal of Strength and Condi-
tioning Research, 2017b.

BORGES, P. et al. Relationship Between Tactical Performance, Somatic Maturity and


Functional Capabilities in Young Soccer Players. Journal of Human Kinetics, v. 64,
n. 1, p. 160-168, 2018.

BORGES, P. et al. Tactical Performance, Anthropometry and Physical Fitness in young


soccer players: a comparison between different maturational groups. Journal of
Physical Education, v. 28, n. 1, p. 2-9, 2017.

BROWNSTEIN, C. et al. The Effect of Maturation on Performance During Repeated


Sprints With Self-Selected Versus Standardized Recovery Intervals in Youth Foot-
ballers. Pediatric Exercise Science, v. 30, n. 4, p. 500-505, 2018.

CORRÊA, U. et al. Informational constraints on the emergence of passing direction


in the team sport of futsal. European Journal of Sports Sciences, v. 14, n. 2, p. 169-
176, 2014.

COSTA, I.; CARDOSO, F.; GARGANTA, J. O Índice de Desenvolvimento Humano e a


Data de Nascimento podem condicionar a ascensão de jogadores de Futebol
ao alto nível de rendimento? Motriz, v. 19, n. 1, p. 34-45, 2013.

CÔTÉ, J. et al. When “where” is more important than “when”: birthplace and birthdate
effects on the achievement of sporting expertise. Journal of Sports Sciences, v.
24, n. 10, p. 1065-1073, 2006.

16 INICIAÇÃO E FUTEBOL DE BASE


TELA CHEIA SUMÁRIO

CUMMING, S. et al. Premier League academy soccer players’ experiences of com-


peting in a tournament biobanded for biological maturation. Journal of Sports
Sciences, v. 36, n. 7, p. 757-765, 2018.

DODD, T.; NEWANS, K. Talent identification for soccer: Physiological Aspects. Journal
of Science and Medicine in Sport, v. 21, n. 10, p. 1073-1078, 2018.

FURLEY, P.; MEMMERT, D. Coaches’ implicit associations between size and giftedness:
implications for the relative age effect. Journal of Sports Sciences, v. 34, n. 5, p.
459-466, 2016.

FURLEY, P.; MEMMERT, D.; HELLER, C. The dark side of visual awareness in sport: Inatten-
tional blindness in a real-world basketball task. Attention, Perception, & Psycho-
physics, v. 72, n. 5, p. 1327-1337, 2010.

FURLEY, P.; MEMMERT, D.; WEIGELT, M. “How Much is that Player in the Window? The
One with the Early Birthday?” Relative Age Influences the Value of the Best Soccer
Players, but Not the Best Businesspeople. Frontiers in Psychology, v. 7, n. 1, p. 1-3, 2016.

HELSEN, Werner F., et al. The relative age effect in European professional soccer:
did ten years of research make any difference? Journal of Sports Sciences, v. 30,
n. 15, p. 1665-1671, 2012.

ISHIGAMI, H. Relative age and birthplace effect in Japanese professional sports: a


quantitative evaluation using a Bayesian hierarchical Poisson model. Journal of
Sports Sciences, v. 34, n. 2, p. 143-154, 2016.

KURANTH, C. et al. Maturação somática e aptidão física em jovens jogadores de


futebol. Revista Andaluza de Medicina del Deporte, v. 10, n. 4, p. 187-191, 2017.

MALINA, R. et al. Biological maturation of youth athletes: assessment and implica-


tions. British Journal of Sports Medicine, v. 49, n. 13, p. 852-859, 2015.

MALINA, R. et al. Maturity-associated variation in sport-specific skills of youth soccer


players aged 13 – 15 years. Journal of Sports Sciences, v. 23, n. 5, p. 515-522, 2005.

MALINA, R. Top 10 Research Questions Related to Growth and Maturation of Relevan-


ce to Physical Activity, Performance, and Fitness. Research Quarterly for Exercise
and Sport, v. 85, n. 2, p. 157-173, 2014.

MASTERS, R.; POOLTON, J.; VAN DER KAMP, J. Regard and perceptions of size in soccer:
Better is bigger. Perception, v. 39, n. 1, p. 1290-1295, 2010.

17 INICIAÇÃO E FUTEBOL DE BASE


TELA CHEIA SUMÁRIO

MEMMERT, D. Sports and Creativity. In. RUNCO, M.; PRITZKER, S. (Eds.). Encyclopedia
of Creativity. San Diego: Academic Press, 2011. p. 373-378.

MIRWALD, R. et al. An assessment of maturity from anthropometric


measurements. Medicine & Science in Sports & Exercise, v. 34, n. 4,
p. 689-694, 2002.

MOREIRA, A. et al. Is the technical performance of young soccer


players influenced by hormonal status, sexual maturity, anthropo-
metric profile, and physical performance? Biology of Sport, v. 34, n.
4, p. 305-311, 2017.

MURTAGH, C. et al. Importance of Speed and Power in Elite Youth Soc-


cer Depends on Maturation Status. Journal of Strength and Condi-
tioning Research, v. 32, n. 2, p. 297-303, 2018.

NEWELL, K. Constraints on the development of coordination. In. WADE, M.; WHITING,


H. (Eds.). Motor development in children: Aspects of coordination and control.
Boston, MA: Martinus Nijhoff, 1986. p. 341-360.

PEÑA-GONZÁLEZ, I. et al. Relative Age Effect, Biological Maturation, and Coaches’


Efficacy Expectations in Young Male Soccer Players. Research Quarterly for Exer-
cise and Sport, v. 89, n. 3, p. 373-379, 2018.

REIS, M. Fatores determinantes da aplicação do conhecimento específico de jo-


vens futebolistas. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-graduação em
Educação Física da Universidade Federal de Sergipe, 2016.

ROMMERS, N. et al. Age and maturity related differences in motor coordination


among male elite youth soccer players. Journal of Sports Sciences, v. 37, n. 2, p.
196-203, 2019.

SCHMIDT, R.; LEE, T. Aprendizagem e performance motora. Porto Alegre: Brasil: Art-
med, 2016.

SILVA, C. et al. Exercise intensity and technical demands of small-sided games in


young brazilian soccer players: effect of number of players, maturation, and relia-
bility. Journal of Strength and Conditioning Research, v. 25, n. 10, p. 2746-2751, 2011.

VALENTE-DOS-SANTOS, J. et al. Modeling Developmental Changes in Functional


Capacities and Soccer-Specific Skills in Male Players Aged 11-17 Years. Pediatric
Exercise Science, v. 24, n. 1, p. 603-621, 2012a.

18 INICIAÇÃO E FUTEBOL DE BASE


TELA CHEIA SUMÁRIO

VALENTE-DOS-SANTOS, J. et al. Longitudinal study of repeated sprint performance


in youth soccer players of contrasting skeletal maturity status. Journal of Sports
Science and Medicine, v. 11, n. 1, p. 371-379, 2012b.

WILLIAMS, J. Relative age effect in youth soccer: analysis of the FIFA U17 World Cup
competition. Scandinavian Journal of Medicine & Science in Sports, v. 20, n. 3, p.
502-508, 2010.

19 INICIAÇÃO E FUTEBOL DE BASE


TELA CHEIA SUMÁRIO

2
INICIAÇÃO ESPORTIVA X ESPECIALIZAÇÃO
PRECOCE NO FUTEBOL

MARCOS REIS

20 INICIAÇÃO E FUTEBOL DE BASE


TELA CHEIA SUMÁRIO

O esporte é um patrimônio cultural da humanidade, pois foi construído e trans-


mitido a partir de um conjunto de valores, podendo ser analisado em diferentes
perspectivas, sendo uma delas a organização hierárquica. Por exemplo, o esporte,
enquanto todo, pode ser dividido em partes: esportes coletivos e esportes indi-
viduais. Posteriormente, cada uma dessas partes se torna todo e geram novas
partes, criando ramificações hierárquicas a partir das existentes (figura 5). Neste
sentido, o todo atua como mecanismo restritivo das partes, mas não as contro-
lam, pois elas apresentam características particulares de acordo com a lógica
interna de cada modalidade esportiva (TANI e CORRÊA, 2006).
A partir disso, ao observar os esportes coletivos de invasão (nível de análise
3 da figura 5), nota-se que existem denominadores em comum que fazem com
que essas modalidades esportivas se assemelhem entre si, como por exemplo:
móbil (objeto a ser disputado pelas equipes, vide a bola, por exemplo), terreno de
confronto, relações de cooperação e oposição entre os jogadores, regras, alvo a
ser atingido, entre outros (GARGANTA, 1995). Dentro desta perspectiva, quando se
fala de iniciação esportiva, será que é melhor as crianças praticarem somente
uma modalidade esportiva ou será que a prática de vários esportes não seria
melhor para a sua formação? Por exemplo, no caso do futebol, não seria interes-
sante o sujeito praticar diferentes esportes?

Figura 5: Organização hierárquica do esporte

A partir desses questionamentos, o debate sobre como deve ocorrer a ini-


ciação esportiva no processo de formação de jogadores de futebol é de funda-
mental importância. A iniciação esportiva pode ser entendida como o primeiro
contato que o indivíduo tem com qualquer modalidade em uma perspectiva
formal, caracterizada por uma sistematização de treinamento e pela disputa de
competições (escolar, interclubes, etc.). A iniciação no esporte pode ser feita sob
uma perspectiva generalista ou uma abordagem específica, denominada de
especialização precoce (MEMMERT e ROTH, 2007; GRECO, 1998).

21 INICIAÇÃO E FUTEBOL DE BASE


TELA CHEIA SUMÁRIO

Na iniciação esportiva generalista, o sujeito pratica diferentes modalidades


esportivas sem perder o foco principal (no caso desse material, será o futebol)
(MEMMERT e ROTH, 2007). Essa permissividade a diversidade de práticas esporti-
vas ao indivíduo pode ser intra ou inter-sessões. Na intra-sessão, ou seja, dentro
de um treino, o professor cria um ou dois exercícios (pode ser no aquecimento,
entre os exercícios do futebol ou no final do treino) que são de outras modalida-
des esportivas (handebol, basquetebol e hóquei, por exemplo). Na inter-sessões,
ou seja, entre treinos, o professor dedica um dia de treino para que as crianças
realizem exercícios de outros esportes coletivos de invasão.
Já na iniciação esportiva específica, as crianças praticam somente exercícios
do futebol de campo, priorizando as habilidades motoras específicas (com e sem
bola) da modalidade. Portanto, percebe-se que são abordagens de iniciação
esportiva diferentes e que podem gerar mecanismos de adaptação diferentes
nas crianças. Abaixo, vamos observar como a literatura científica tem investigado
essas abordagens e como os resultados encontrados podem nortear e auxiliar
escolas e clubes de futebol no processo de formação de jogadores.
Memmert e Roth (2007) fizeram um estudo com o objetivo de verificar os efei-
tos da iniciação esportiva generalizada e específica na tomada de decisão cria-
tiva de crianças com a média de 7 anos de idade durante 15 meses de interven-
ção. Eles dividiram as crianças em seis grupos experimentais: futebol específico,
handebol específico, hóquei específico (as crianças desses três grupos apenas
praticavam essas modalidades e, inclusive, participavam de competições), fute-
bol não específico, handebol não específico e hóquei não específico (as crianças
desses três grupos praticaram durante seis meses exercícios de todas as mo-
dalidades e durante nove meses participaram apenas das suas modalidades,
contudo, sem participar de competições).
Em relação ao futebol, tanto os grupos específico e não específico melhora-
ram a tomada de decisão criativa relacionada ao passe e às movimentações
sem a posse de bola. Também foi verificado que o grupo do hóquei não específico
permitiu melhor desempenho na prática do futebol. Além disso, as crianças dos
grupos específicos melhoraram o desempenho 35% nos primeiros seis meses de
intervenção, enquanto os indivíduos dos grupos não específicos aumentaram
apenas 10%. Contudo, nos últimos nove meses de intervenção, os sujeitos dos
grupos específicos melhoraram 21% e os grupos não específicos 32% (MEMMERT
e ROTH, 2007).
Oppici et al. (2017) fizeram uma comparação entre o desempenho de joga-
dores de futsal que nunca tinham praticado futebol e jogadores de futebol que
nunca tinham jogado futsal. Os jogadores tinham aproximadamente 13 anos de
idade. Foi verificado que os jogadores de futsal realizam mais passes por minuto,
possuem menor área individual de jogo ao redor do portador da bola e menor
tempo para receber a bola do que os jogadores de futebol de campo.

22 INICIAÇÃO E FUTEBOL DE BASE


TELA CHEIA SUMÁRIO

Após a identificação desses resultados, Oppici et al. (2018) fizeram outro expe-
rimento em que colocaram os jogadores de futsal para jogar futebol de campo
e vice-versa. Foi verificado que os jogadores de futsal tiveram mais passes bem-
-sucedidos no futebol de campo do que no futsal, enquanto os jogadores de
futebol de campo se mantiveram os seus desempenhos estáveis nos dois jogos.
Além disso, os jogadores de futsal tiveram mais passes bem-sucedidos do que
os jogadores de futebol de campo no jogo de futebol de campo.
Antes do primeiro toque na bola, os jogadores de futsal direcionavam sua
atenção para outros jogadores mais vezes do que os jogadores de futebol de
campo no jogo de futebol. Além disso, o jogo de futsal promoveu maior atenção
orientada para outros jogadores do que o jogo de futebol (OPPICI et al., 2018). O
que é uma característica de jogadores experientes no futebol de campo, que
olham mais para os jogadores e o espaço vazio no campo, enquanto os joga-
dores inexperientes olham mais para a bola (ROCA et al., 2011).
Müller et al. (2016) também verificaram que o futsal promove maior eficácia
defensiva do que o futebol. Com isso, os contributos do futsal para o futebol vão
além dos aspectos ofensivos do jogo. Neste sentido, percebe-se os motivos, tes-
tados cientificamente, pelo qual o futsal é considerado um esporte doador para
o futebol de campo, em especial no Brasil. Por isso ele é caracterizado como uma
das principais ferramentas na formação de jogadores de futebol (TRAVASSOS,
ARAÚJO e DAVIDS, 2018).
Desta forma, observa-se através da literatura científica que as duas aborda-
gens (iniciação esportiva generalizada e específica) são eficazes na melhora do
desempenho dos jogadores na iniciação esportiva, com a perspectiva genera-
lizada permitindo a transferência de habilidades. A transferência da aprendiza-
gem de habilidades pode ser definida como o processo de adaptação de deter-
minado comportamento a um novo contexto de prática, avaliada na obtenção
de desempenho e não em um movimento estereotipado (NEWELL, 1986). Conclui-
-se que a prática de outros esportes pode ajudar na formação de jogadores de
futebol, tanto em aspectos ofensivos, quanto defensivos, e que o professor pode
manipular a utilização de outras modalidades esportivas durante as sessões de
treinos ou deixando um dia de prática alternativa no seu planejamento.

23 INICIAÇÃO E FUTEBOL DE BASE


TELA CHEIA SUMÁRIO

Figura 6: A transferência de habilidades (perceptivas, cognitivas e motoras)


de diferentes esportes coletivos para o futebol.

24 INICIAÇÃO E FUTEBOL DE BASE


TELA CHEIA SUMÁRIO

REFERÊNCIAS
GARGANTA, J. Para uma Teoria dos Jogos Desportivos Coletivos. In. GRAÇA, A.; OLI-
VEIRA, J. (Org.). O ensino dos jogos desportivos. Porto: Centro de Estudos dos Jogos
Desportivos, 1995. p. 11-25.

GRECO, P. Iniciação Esportiva Universal 2. Metodologia da iniciação esportiva na


escola e no clube. UFMG, 1998.

MEMMERT, D.; ROTH, K. The effects of non-specific and specific concepts on tactical
creativity in team ball sports. Journal of Sports Sciences, v. 25, n. 12, p. 1423-1432,
2007.

MÜLLER, E. et al. Comportamento e desempenho táticos: estudo comparativo entre


jogadores de futebol e futsal. Revista Brasileira de Ciência e Movimento, v. 24, n.
2, p. 100-109, 2016.

NEWELL, K. Constraints on the development of coordination. In WADE, M.; WHITING,


H. (Eds.), Motor development in children: Aspects of coordination and control,
Boston, MA: Martinus Nijhoff, 1986. p. 341-360.

OPPICI, L. et al. Futsal task constraints promote transfer of passing skill to soccer
task constraints. European Journal of Sport Science, v. 18, n. 7, p. 947-954, 2018.

____________. Long-term Practice with domain-specific task constraints influen-


ces perceptual skills. Frontiers in Psychology, v. 8, n. 1, p. 1-9, 2017.

ROCA, A. et al. Identifying the processes underpinning anticipation and decision-


-making in a dynamic time-constrained task. Cognition Processing, v. 12, n. 3, p.
301-310, 2011.

TANI, G; CORRÊA, U. Esportes coletivos: alguns desafios quando abordada sob uma
visão sistêmica. In. DE ROSE JR., D. (Org.). Modalidades Esportivas Coletivas. Editora
Guanabara Koogan, 2006.

TRAVASSOS, B.; ARAÚJO, D.; DAVIDS, K. Is futsal a donor sport for football?: exploiting
complementarity for early diversification in talent development. Science and Me-
dicine in Football, v. 2, n. 1, p. 66-70, 2018.

25 INICIAÇÃO E FUTEBOL DE BASE


TELA CHEIA SUMÁRIO

3
COORDENAÇÃO TÉCNICA
NO FUTEBOL DE BASE

MARCOS REIS

26 INICIAÇÃO E FUTEBOL DE BASE


TELA CHEIA SUMÁRIO

A coordenação técnica é a função que visa gerenciar todo o processo de


formação de jogadores de futebol na base, incluindo a identificação e seleção.
A partir disto, o coordenador técnico deve dominar duas habilidades essenciais
para a função: conhecimento técnico e gestão de recursos humanos (CARRA-
VETTA, 2012).
Entende-se como técnica o conjunto de procedimentos que permitem a reso-
lução de problemas e a efetividade de determinado processo (TANI, 2016). Neste
sentido, o coordenador técnico deve estudar para conhecer de maneira profun-
da a cultura de jogo e objetivos com a formação de jogadores dentro do clube
que trabalha. A cultura de jogo consiste no conjunto de valores e conquistas de
determinado clube de futebol produzidos ao longo do seu processo histórico até
a contemporaneidade (REIS e ALMEIDA, 2019).
Partindo deste ponto, se o objetivo do clube é formar jogadores para a equipe
profissional, o coordenador técnico vai adaptar todo o processo para essa fina-
lidade (perfil de profissionais contratados, metodologia de treinamento, conte-
údo dos treinos por categorias competitivas, etc.). Contudo, caso o clube tenha
como meta a negociação de jogadores da base na primeira oportunidade de
negócio que aparecer (dentro da legislação esportiva vigente), a abordagem do
coordenador técnico deverá ser totalmente diferente nesse processo. Ou seja,
a abordagem do coordenador técnico depende do contexto em que ele está
inserido no clube (processo histórico e cultural, missão, visão e valores do clube,
entre outros fatores, por exemplo).
Já a gestão de recursos humanos consiste na habilidade em lidar com dife-
rentes perfis profissionais (comissão técnica e jogadores) retirando o melhor de
cada sujeito (CARRAVETTA, 2012). Esta dimensão também envolve o processo de
recrutamento de profissionais que irão trabalhar diretamente na formação dos
jogadores (treinadores, auxiliares técnicos, preparadores físicos, etc.). A depender
do clube, o coordenador técnico não é o único a participar desta escolha (por
exemplo, o diretor ou o gerente de futebol de base podem estar em um nível hie-
rárquico acima nesse processo), contudo ele deve ter seus mecanismos de sele-
ção de profissionais, pois isso implicará diretamente na eficácia do seu trabalho.
O quadro 1 apresenta as funções do coordenador técnico no futebol de base.
Existem duas abordagens (tarefa e motivação) e quatro mecanismos para cada
abordagem (comportamentos do coordenador técnico, processos, condutas da
comissão técnica e dos jogadores e os resultados obtidos) (adaptado de KATTU-
MAN, LOCH e KURCHIAN, 2019).

27 INICIAÇÃO E FUTEBOL DE BASE


TELA CHEIA SUMÁRIO

Figura 7: Abordagens e mecanismos inerentes à função do coordenador técnico no futebol

As duas abordagens são as seguintes: tarefa e motivação. A abordagem da


tarefa consiste naquilo que quer ser alcançado no futebol de base a partir da
intervenção do coordenador técnico. Já a abordagem da motivação é o quanto
o profissional consegue otimizar a energia do sistema (interação entre as dife-
rentes partes que compõem) mantendo-os determinados a alcançar a tarefa
estabelecida. Para cada abordagem, quatro mecanismos devem ser controlados
pelo coordenador técnico.
Por exemplo, em relação ao mecanismo comportamento do coordenador
técnico, ele deve criar e/ou desenvolver a filosofia de jogo da equipe (abordagem
da tarefa). Já em relação a abordagem da motivação, o fornecimento de feed-
back (informações sobre o que está sendo feito) aos treinadores se o trabalho
deles está de acordo com os estilos de jogo que o clube deseja implementar na
sua categoria competitiva é umas das funções do coordenador técnico.

28 INICIAÇÃO E FUTEBOL DE BASE


TELA CHEIA SUMÁRIO

Quadro 1: Funções do coordenador técnico no futebol de base


(adaptado de KATTUMAN, LOCH e KURCHIAN, 2019).

Conduta da co-
Abordagem Comportamento Processo missão técnica Resultado
e dos jogadores
Objetivos
Aspectos específicos
Estilo de jogo Planejamento
coletivos por categoria
competitiva
Eficácia e
Filosofia de Aspectos
Avaliação eficiência nos
Tarefa trabalho individuais
jogos
Filosofia de jogo Formação
Gestão de
continuada e Eficácia e
Identificação recursos
permanente eficiência em
e seleção de humanos dos
dos competição
jogadores treinadores
profissionais
Coesão
Estilo de (comissão
Afetividade
interação técnica e
jogadores)
Metas
Comunicação Suporte social traçadas
Motivação (curto, médio
Estados
e longo
Feedback do emergentes
prazo)
desempenho (estresse, Avaliação
nível de individual
competição,
foco, etc.)

No que concerne aos mecanismos do processo de formação de jogadores


de futebol, o coordenador técnico deve planejar os treinos em conjunto com
as comissões técnicas, avaliar os planejamentos e criar ambientes de forma-
ção continuada e permanente dos profissionais, através de ciclo de palestras,
reuniões periódicas e permissão da ida a cursos, por exemplo (abordagem da
tarefa). Além disso, ele deve perceber e estimular a coesão das equipes, tanto nas
relações entre os profissionais da comissão técnica, quanto nas relações entre
os profissionais e os jogadores da sua categoria competitiva, além das relações
entre os jogadores (abordagem da motivação).
Em relação à conduta da comissão técnica e dos jogadores, o coordenador
técnico deve buscar agregar sujeitos que ao interagirem possam ter eficácia e
eficiência, além de retirar o melhor desempenho de cada indivíduo (abordagem
da tarefa). A afetividade (laços emocionais equilibrados nas relações humanas),
o suporte social (demonstração de preocupação sobre aspectos da vida de

29 INICIAÇÃO E FUTEBOL DE BASE


TELA CHEIA SUMÁRIO

cada indivíduo) e avaliações individuais periódicas compõem a abordagem da


motivação nesse mecanismo.
Nos resultados, no que se refere a abordagem da tarefa do coordenador téc-
nico, ele deve traçar objetivos específicos tangíveis por categoria competitiva,
além de avaliar a eficácia (alcance do objetivo) e a eficiência (meios para al-
cançar o objetivo) tanto nos jogos, quanto em competições. A abordagem da
motivação nesse mecanismo é justamente traçar metas a curto, médio e longo
prazo que estejam intimamente ligadas aos objetivos a fim de estimular os pro-
fissionais e os jogadores.
Outra questão a ser observada pelo coordenador técnico é a interação entre
as diferentes funções e áreas que compõem o futebol de base do clube. Durante
muito tempo, o futebol ficou restrito ao conceito de multidisciplinaridade, ou seja,
cada profissional realiza a sua função e não ocorre uma sinergia entre os sujeitos
de diferentes áreas de atuação profissional do futebol de base. Esse conceito e
sua aplicabilidade prática vem sendo substituído pela interdisciplinaridade e, até
mesmo, pela transdisciplinaridade (figura 8).

Figura 8: Conceitos e aplicações de comportamentos de interação que o coordenador


técnico pode estimular entre os diferentes profissionais que gerencia no futebol de base.

Sintetizando, nota-se que o coordenador técnico é uma função primordial no


processo de formação de jogadores, dada a quantidade de atributos, caracte-
rísticas, competências e habilidades que precisa ter. É uma função emergente
no futebol brasileiro, mas que já apresenta um caráter protagonista, pois o coor-
denador técnico deve buscar convergir todo o processo complexo de formação
de jogadores, pautado pelos diferentes contextos e finalidades (categorias com-
petitivas, por exemplo), com os objetivos da instituição a partir da interação com
profissionais com distintas formações e expertises. Porém, é importante ressaltar

30 INICIAÇÃO E FUTEBOL DE BASE


TELA CHEIA SUMÁRIO

que é uma função que pode gerar oportunidades únicas para profissionais que
almejam trabalhar com futebol.

Assista o vídeo abaixo sobre os conceitos da multidisciplinaridade, interdisci-


plinaridade e transdisciplinaridade no ambiente escolar
Leia clicando
no conteúdo

O que você achou? Com qual mentalidade você mais se identifica? Como os
conceitos desse vídeo podem ser transferidos para a coordenação técnica do
futebol? Essa é uma boa reflexão para aplicar na prática.

31 INICIAÇÃO E FUTEBOL DE BASE


TELA CHEIA SUMÁRIO

REFERÊNCIAS
CARRAVETTA, E. Futebol: a formação de times competitivos. Editora Sulina, 2012.

KATTUMAN, P.; LOCH, C.; KURCHIAN, C. Management succession and success in a


professional soccer team. PLoS ONE, v. 14, n. 3, p. 1-20, 2019.

REIS, M.; ALMEIDA, M. Futebol, arte e ciência: construção de um modelo de jogo.


Editora Primeiro Lugar, 2019.

TANI, G. Aprendizagem motora: uma visão geral. In. TANI, G.; CORRÊA, U. (Eds.). Apren-
dizagem motora e o ensino do esporte. São Paulo: Blucher, 2016. p. 19-38.

32 INICIAÇÃO E FUTEBOL DE BASE


TELA CHEIA SUMÁRIO

4
COORDENAÇÃO METODOLÓGICA
NO FUTEBOL DE BASE

MARCOS REIS

33 INICIAÇÃO E FUTEBOL DE BASE


TELA CHEIA SUMÁRIO

O coordenador metodológico é uma função incipiente no futebol brasileiro.


Tal função tem como objetivo desenvolver formas de ensino e treinamento do
futebol que permitam a aprendizagem dos conteúdos estabelecidos no docu-
mento norteador de formação de jogadores do clube. Portanto, o coordenador
metodológico deve criar e/ou desenvolver um conjunto de técnicas e procedi-
mentos, juntamente com os treinadores e suas respectivas comissões técnicas,
a fim de atingir as finalidades do clube no processo de formação de jogadores.
Partindo deste ponto, são competências e habilidades que um profissional
deve ter para poder assumir tal função no futebol de base: a) conhecimento
aprofundado sobre a natureza do jogo de futebol; b) conhecimento aprofunda-
do sobre as diferentes habilidades com e sem bola do futebol; c) conhecimen-
to aprofundado sobre aspectos estratégicos-táticos relacionados ao aspectos
coletivos do futebol; d) conhecimento aprofundado sobre os diferentes tipos de
métodos de ensino e treinamento aplicados no futebol, suas qualidades e limi-
tações; e) conhecimento aprofundado sobre diferentes instrumentos de avalia-
ção individual e coletiva aplicados ao futebol; f) conhecimento sobre tecnologia
aplicada ao futebol; g) conhecimento aprofundado sobre a cultura de jogo da
equipe que irá trabalhar; i) criatividade e inovação.
Todas as competências e habilidades apresentadas anteriormente servem
para a construção dos conteúdos que serão desenvolvidos ao longo da iniciação
esportiva até as últimas categorias competitivas da base. A lógica dos conteúdos
deve buscar desenvolver a coordenação intra e interpessoal (SANTOS et al., 2018;
DAVIDS et al., 2013; PASSOS e BARREIROS, 2013; NEWELL, 1985).
A coordenação intrapessoal consiste na organização do controle do arca-
bouço motor do jogador, ou seja, tornar a multiplicidade de microcomponentes
do sistema controlável para alcançar os objetivos da tarefa (SANTOS et al., 2018;
NEWELL, 1985). Neste sentido, o coordenador metodológico deve pensar acerca da
interdependência dos componentes do desempenho individual no futebol: tática,
técnica, físico e psicológico/emocional (figura 9) (BRADLEY e ADE, 2018). Portanto,
os conteúdos devem contemplar todos esses diferentes desempenhos que se
relacionam a fim de formar jogadores com a mais alta performance possível
nesses aspectos.
Já a coordenação interpessoal está relacionada ao mecanismo de auto-or-
ganização do sistema, que pode ser estimulada para gerar ordem e estrutura
a partir da interação entre os indivíduos (SANTOS et al., 2018; PASSOS e BARREI-
ROS, 2013). Neste sentido, os conteúdos devem respeitar um dos atributos mais
essenciais do jogo de futebol: as interações de cooperação e oposição entre
os jogadores (SANTOS et al., 2018; GARGANTA, 1995). Desta forma, o coordenador
metodológico deve entender esses aspectos a fim de ofertar os melhores mé-
todos para os treinadores e coordenação técnica no processo de formação de
jogadores de futebol na base.

34 INICIAÇÃO E FUTEBOL DE BASE


TELA CHEIA SUMÁRIO

Figura 9 – Exemplo da interdependência dos componentes do jogo de futebol e


de conteúdos que devem estar presentes no documento norteador da formação
de jogadores de um clube de futebol, que tem o coordenador metodológico como
responsável por sua criação e, principalmente, por sua operacionalização.

Nesta perspectiva, a escolha dos procedimentos metodológicos deve ser


norteada a partir de três dimensões: conceitual, atitudinal e procedimental. As
três dimensões podem ser mais bem compreendidas a partir de três questio-
namentos: quais os conceitos de jogo que os jogadores precisam desenvolver?
(dimensão conceitual); quais as atitudes os jogadores precisam apresentar ao
longo da sua formação? (dimensão atitudinal); quais as técnicas e procedimen-
tos que devem ser escolhidas para operacionalizar? (dimensão procedimental)
Nota-se que apesar do coordenador metodológico precisar conhecer, e até
mesmo dominar, as dimensões conceitual e atitudinal, a base do seu trabalho é
a dimensão procedimental. Desta forma, a resposta para a terceira pergunta é
basicamente o que o coordenador metodológico precisa responder e dar como
devolutiva do seu trabalho ao clube. Não obstante, o domínio das dimensões
conceitual e atitudinal precisam ser conhecidas e até mesmo trabalhadas em
uma perspectiva interdisciplinar ou transdisciplinar, em conjunto com o coorde-
nador técnico e comissões técnicas, por exemplo.

35 INICIAÇÃO E FUTEBOL DE BASE


TELA CHEIA SUMÁRIO

Figura 10 – Dimensões conceituais e atitudinais, e exemplos de possibilidades para


operacionalização delas (dimensão procedimental) na formação de jogadores de futebol.

36 INICIAÇÃO E FUTEBOL DE BASE


TELA CHEIA SUMÁRIO

REFERÊNCIAS
BRADLEY, P.; ADE, J. Are Current Physical Match Performance Metrics in Elite Soccer
Fit for Purpose or Is the Adoption of an Integrated Approach Needed? International
Journal of Sports Physiology and Performance, v. 13, n. 5, p. 656-664, 2018.

DAVIDS, K. et al. How Small-Sided and Conditioned Games Enhance Acquisition of


Movement and Decision-Making Skills. Exercise and Sport Sciences Reviews, v. 18,
n. 7, p. 947-954, 2013.

GARGANTA, J. Para uma Teoria dos Jogos Desportivos Coletivos. In. GRAÇA, A.; OLI-
VEIRA, J. (Org.). O ensino dos jogos desportivos. Porto: Centro de Estudos dos Jogos
Desportivos, 1995. p. 11-25.

NEWELL, K. Coordination, control and skill. In. GOODMAN, D.; WILBERG, R.; FRANKS, I
(Org.). Differing Perspectives in Motor Learning, Memory,and Control. North-
-Holland: Elsevier, 1985. p. 295-317.

PASSOS, P.; BARREIROS, J. Aprendizagem e coordenação interpessoal. In. PASSOS,


P. (Org.). Comportamento motor, controlo e aprendizagem. Lisboa: FMH Edições,
2013. p. 195-213.

SANTOS, R. et al. Interpersonal Coordination in Soccer: Interpreting Literature to


Enhance the Representativeness of Task Design, From Dyads to Teams. Frontiers
in Psychology, v. 9, n. 1, p. 1-6, 2018.

37 INICIAÇÃO E FUTEBOL DE BASE


TELA CHEIA SUMÁRIO

5
O PROCESSO DE APRENDIZAGEM
DO JOGADOR DE FUTEBOL

MARCOS REIS

38 INICIAÇÃO E FUTEBOL DE BASE


TELA CHEIA SUMÁRIO

A aprendizagem é um processo singular e relativamente permanente de alte-


ração comportamental. Ela pode ser apresentada a partir de diferentes aspectos
(individual, específico e geral) e o desempenho é utilizado como principal medi-
da de aprendizagem de alguma habilidade (PACHECO e NEWELL, 2018; TANI, 2016;
BARREIROS e PASSOS, 2013). Habilidade é definida como uma ação propositiva,
intencional e consciente, apresentada através do processo de parametrização
da função (otimização do controle), que visa solucionar problemas dentro de um
contexto (SCHMIDT e LEE, 2016; TANI, 2016; NEWELL, 1985).

Figura 11: Coordenação, controle e habilidade: questões fundamentais no aprendizado


de solução de problemas esportivos (NEWELL, 1985).

No futebol, os problemas do ambiente de prática estão relacionados à opera-


cionalização do jogo em que uma equipe visa manter a posse de bola, avançar
no campo de jogo, criar situações de finalização e finalizar na baliza adversária,
enquanto o adversário busca proteger sua baliza, anular situações de finalização,
impedir o avanço do adversário no campo e recuperar a bola (COSTA et al., 2009).
Neste sentido, ocorre uma constante troca de informações entre as equipes com
o objetivo de aumentar a incerteza sobre o adversário e, consequentemente,
diminuir a ambiguidade do adversário sobre a equipe (CORRÊA et al., 2012).
Desta forma, os jogadores devem aprender habilidades com e sem bola (para
exemplos dessas habilidades consultar o quadro 2) que permitam a eficácia e
eficiência ao longo do jogo, ou seja, a resolução dos problemas gerais e especí-
ficos de uma partida de futebol com o menor gasto de energia possível (CORRÊA,

39 INICIAÇÃO E FUTEBOL DE BASE


TELA CHEIA SUMÁRIO

PINHO e SILVA FILHO, 2016; CORRÊA et al., 2012; GRECO, 1998). A partir disto, surge uma
indagação, como os jogadores de futebol aprendem estas habilidades?
Na tentativa de responder essa pergunta, pode-se observar os estudos cientí-
ficos da aprendizagem motora, definida como uma subárea do comportamento
motor que tem como objetivo entender e esclarecer os processos e mecanismos
inerentes à conquista, estabilização e adaptação das habilidades motoras hu-
manas a partir da prática e dos fatores que o afetam (TANI, 2016; TANI et al., 2014;
TANI et al., 2011). Com isso, serão apresentados, de maneira suscinta, três teorias
da aprendizagem motora que buscam explicar como o ser humano aprende
diferentes habilidades: teoria do processamento de informações (SCHMIDT, 1975;
FITTS e POSNER, 1967), teoria da ação (TURVEY, SOLOMON e BURTON, 1989) e o modelo
de processo adaptativo (TANI, 2000).
A teoria do processamento de informações parte de uma abordagem cogni-
tivista que preconiza que o sistema nervoso central (SNC) é o elemento central e
regulamentador de todo o movimento humano. A conservação ou transmissão
da informação, a redução da informação e a criação ou elaboração da informa-
ção são formas específicas de processamento de informações (FITTS e POSNER,
1967). Desta forma, a partir deste modelo, os jogadores percebem um estímulo,
processam a informação captada no SNC, elaboram uma resposta mental para
o problema percebido e executam uma ação motora para resolver o problema,
sendo que esse processo é retroalimentado por feedback (SCHMIDT e LEE, 2016).

Sobre as diferentes
fases da aprendizagem motora Assista o vídeo
clicando
no conteúdo

40 INICIAÇÃO E FUTEBOL DE BASE


TELA CHEIA SUMÁRIO

Quadro 2. Exemplo de habilidades motoras específicas do futebol.

Habilidades motoras específicas ofensivas


Com bola Sem bola
Recepção Cobertura ofensiva
Condução Espaço sem bola
Penetração Mobilidade
Espaço com bola Unidade ofensiva
Drible
Chute
Cabeceio ofensivo
Habilidades motoras específicas defensivas
Sem bola (sem contato com a
Com bola (recuperação da bola)
bola)
Desarme Contenção
Interceptação Cobertura defensiva
Bloqueio de chute Equilíbrio
Cabeceio defensivo Concentração
Unidade defensiva

A teoria da ação se baseia na psicologia ecológica e na abordagem dos sis-


temas dinâmicos como sustentação teórica (TURVEY, SOLOMON e BURTON, 1989;
GIBSON, 1979; GIBSON e GIBSON, 1955). A partir disto, o processo decisório e a exe-
cução de movimentos não são comandados por um único elemento, mas são
regidos pelo acoplamento percepção-ação, ou seja, interação entre o indivíduo e
o ambiente de prática (PACHECO e NEWELL, 2018). No caso do futebol, os jogadores
e as equipes são considerados sistemas sociais complexos não-determinísticos
(não são completamente previsíveis) e a aprendizagem emerge continuamen-
te das interações dos componentes do sistema (padrões coordenativos inter e
intra-indivíduos) (DAVIDS et al., 2013).
Já o modelo de processo adaptativo aborda que a aprendizagem motora é
um processo além da estabilização da habilidade e que consiste em um cresci-
mento complexo da dinâmica cíclica de estabilidade-instabilidade-estabilidade.
Desta forma, a aprendizagem motora vai além da estabilização funcional (pa-
dronização espacial e temporal do movimento a partir de uma nova estrutura
formada), pois o sujeito mostra que aprendeu a habilidade ao enfrentar pertur-
bações e se adapta à elas, o que denota uma alteração qualitativa do sistema
(TANI et al, 2014; CHOSHI, 2000; TANI, 2000) (figura 12).

41 INICIAÇÃO E FUTEBOL DE BASE


TELA CHEIA SUMÁRIO

Figura 12: Modelo de processo adaptativo na aprendizagem de habilidades motoras.

Após breve discussão sobre teorias da aprendizagem motora, a partir de ago-


ra será abordado alguns fatores que afetam a aprendizagem motora no futebol.
Essa mudança relativamente permanente de determinado comportamento, de-
nominada de aprendizagem motora, é afetada por um conjunto de elementos
que convergem para um resultado. Esses elementos produzem algum efeito na
evolução da aprendizagem e são denominados de fatores. Os fatores que afe-
tam a aprendizagem motora do futebol abordados nesse capítulo serão os se-
guintes: instrução, demonstração, foco de atenção, prática e feedback (SCHMIDT
e LEE, 2016; WALTER, BASTOS e TANI, 2016; MELO e BARREIROS, 2013; WULF, 2013).
A instrução é a verbalização de informações ofertada aos jogadores de acor-
do com aquilo que quer ser aprendido (WALTER, BASTOS e TANI, 2016; MELO e BAR-
REIROS, 2013). Contudo, o excesso de instrução ou a instrução ofertada em mo-
mentos inoportunos (como durante os exercícios) pode gerar uma dependência
do aprendiz pelas informações do professor/treinador (MEMMERT, 2007).
Memmert (2007) verificou os efeitos da instrução do professor na tomada de
decisão do passe em crianças com idade aproximada de 7 anos. As crianças
foram divididas em dois grupos: com e sem instrução do professor (mesmos
exercícios para os dois grupos). Após seis meses de intervenção, as crianças
do grupo sem instrução do professor durante os jogos melhoraram mais o de-
sempenho do que o grupo com instrução. Nota-se que a utilização da instrução
deve ser controlada e priorizada antes dos exercícios a fim de não engessar o
processo decisório dos jogadores.
A demonstração consiste na utilização de imagens representativas da tarefa
a ser praticada. Ela deve ser predominantemente visual, ofertando informações
diferentes da instrução, por exemplo. Desta forma, a demonstração visa a obser-
vação de um modelo a fim de favorecer a compreensão do que vai ser praticado

42 INICIAÇÃO E FUTEBOL DE BASE


TELA CHEIA SUMÁRIO

e, consequentemente, a assimilação do conteúdo (WALTER, BASTOS e TANI, 2016;


MELO e BARREIROS, 2013).
O foco de atenção corresponde ao direcionamento dos mecanismos aten-
cionais durante a tarefa e pode ser orientada para elementos internos do sujeito
ou para componentes do ambiente de prática (WULF, 2013). Por exemplo, em um
exercício do futebol, o aprendiz pode ser orientado a focar no seu padrão de mo-
vimento do passe (foco de atenção interno) ou pode ser conduzido para focar
nas movimentações dos outros jogadores (foco de atenção externa).
A prática é o fator mais importante no processo de aprendizagem motora,
pois consiste na busca constante de experimentar diversas possibilidades de
solução de problemas motores a partir de tentativas conscientes de arranjo,
execução, avaliação e alteração das habilidades motoras. A prática pode ser
abordada a partir do seu fracionamento e da sua variabilidade (WALTER, BASTOS
e TANI, 2016).
O fracionamento da prática consiste na divisão da habilidade em partes para
diminuir a complexidade da tarefa (prática por partes) ou na execução da habili-
dade na sua totalidade (prática pelo todo) (WALTER, BASTOS e TANI, 2016). Práxedes
et al. (2016) verificaram que a prática pelo todo foi mais eficaz do que a prática
pelas partes na tomada de decisão e execução de habilidades do futebol. Isto
ocorre por conta dos padrões coordenativos interpessoais inerentes à lógica
interna do futebol, portanto, ao invés de realizar a prática por partes, descontex-
tualizando o jogo, a prática pelo todo através de jogos reduzidos pode reduzir
a complexidade da tarefa sem perder a essência da lógica interna do futebol
(DAVIDS et al., 2013).
A variabilidade da prática é a quantidade de variação na execução de uma
habilidade motora em determinada tarefa. A prática pode ser constante (sem
variação) e variada (com variação) (WALTER, BASTOS e TANI, 2016). Quando se
pratica o futebol por partes, a prática constante consiste na execução do passe
na mesma direção e distância, por exemplo. Já na prática variada, o passe será
executado em diferentes direções e distâncias.
Contudo, ao observar a aprendizagem do futebol pelo todo (jogos reduzidos,
por exemplo) (DAVIDS et al., 2013), as habilidades motoras variarão por si só. Com
isso, a variabilidade da prática pode ser feita através das relações numéricas
entre equipes (superioridade, igualdade e inferioridade numérica). Na prática
sem variação, as equipes jogariam somente em uma situação (4x4, por exemplo),
enquanto na prática com variação elas jogariam nas três situações (4x3, 4x4 e
3x4, por exemplo).
Por fim, o feedback consiste em informações sobre o movimento praticado
pelo aprendiz e os resultados obtidos por ele (SCHMIDT e LEE, 2016; MELO e BARREI-
ROS, 2013). Existem dois tipos de feedback: intrínseco ou inerente e extrínseco ou
aumentado (SCHMIDT e LEE, 2016; CHOSHI, 2000). O feedback intrínseco é consequ-
ência natural da ação realizada, ou seja, o praticante utiliza mecanismos internos
para detectar e corrigir os erros para estabilizar o desempenho da habilidade

43 INICIAÇÃO E FUTEBOL DE BASE


TELA CHEIA SUMÁRIO

(SCHMIDT e LEE, 2016; CHOSHI, 2000). Já o feedback extrínseco é a retroalimentação


da informação por um agente externo, como o professor/treinador ou um vídeo
do jogo, por exemplo (VAN MAARSEVEEN, OUDEJANS e SAVELSBERGH, 2018; SCHMIDT
e LEE, 2016). van Maarseveen, Oudejans e Savelsbergh (2018) verificaram que o
feedback de vídeo autocontrolado (quando os sujeitos escolhem o momento
para recebê-lo) promoveu maior envolvimento dos jogadores, permitindo uma
maior autonomia no processo de ensino e aprendizagem.

44 INICIAÇÃO E FUTEBOL DE BASE


TELA CHEIA SUMÁRIO

REFERÊNCIAS
BARREIROS, J.; PASSOS, P. A aprendizagem enquanto processo de mudança. In.
PASSOS, P. (Org.). Comportamento motor, controlo e aprendizagem. Lisboa: FMH
Edições, 2013. p. 49-58.

CHOSHI, K. Aprendizagem motora como um problema mal-definido. Revista Pau-


lista de Educação Física, p. 16-23, 2000.

CORRÊA, U. et al. The Game of Futsal as an Adaptive Process. Nonlinear Dynamics,


Psychology, and Life Sciences, v. 16, n. 2, p. 185-204, 2012.

CORRÊA, U.; PINHO, S.; SILVA FILHO, A. Aprendizagem motora e o ensino do futsal. In.
TANI, G.; CORRÊA, U. (Org.). Aprendizagem motora e o ensino do esporte. São Paulo,
Brasil: Blucher, 2016. p. 163-174.

COSTA, I. et al. Princípios Táticos do Jogo de Futebol: conceitos e aplicação. Motriz,


v. 15, n. 3, p. 657-668, 2009.

DAVIDS, K. et al. How Small-Sided and Conditioned Games Enhance Acquisition of


Movement and Decision-Making Skills. Exercise and Sport Sciences Reviews, v. 18,
n. 7, p. 947-954, 2013.

FITTS, P.; POSNER, M. Human Performance. Belmont: Brooks-Cole, 1967. p. 5-7.

GIBSON, J. The ecological approach to visual perception. Boston: Houghton Mifflin,


1979.

GIBSON, J.; GIBSON, E. Perceptual learning: differentiation or enrichment? Psycho-


logical Review, v. 62, n. 1, p. 32-41, 1955.

GRECO, P. Iniciação Esportiva Universal 2. Metodologia da iniciação esportiva na


escola e no clube. UFMG, 1998.

MELO, F.; BARREIROS, J. Fatores de Aprendizagem. In. PASSOS, P. (Org.). Comporta-


mento motor, controlo e aprendizagem. Lisboa: FMH Edições, 2013. p. 59-71.

NEWELL, K. Coordination, control and skill. In. GOODMAN, D.; WILBERG, R.; FRANKS, I
(Org.). Differing Perspectives in Motor Learning, Memory,and Control. North-
-Holland: Elsevier, 1985. p. 295-317.

MEMMERT, D. Can Creativity Be Improved by an Attention-Broadening Training


Program? An Exploratory Study Focusing on Team Sports. Creativity Research
Journal, v. 19, n. 2-3, p. 281-291, 2007.

45 INICIAÇÃO E FUTEBOL DE BASE


TELA CHEIA SUMÁRIO

PACHECO, M.; NEWELL, K. Learning a specific, individual and generalizable coordi-


nation function: evaluating the variability of practice hypothesis in motor learning.
Experimental Brain Research, v. 236, n. 12, p. 3307-3318, 2018.

PRÁXEDES, A. et al. A Preliminary Study of the Effects of a Comprehensive Teaching


Program, Based on Questioning, to Improve Tactical Actions in Young Footballers.
Perceptual and Motor Skills, v. 122, n. 3, p. 742-756, 2016.

SCHMIDT, R. A Schema Theory of Discrete Motor Skill Learning. Psychological Review,


v. 82, n. 4, p. 225-258, 1975.

SCHMIDT, R.; LEE, T. Aprendizagem e performance motora. Porto Alegre: Brasil: Art-
med, 2016.

TANI, G. Processo Adaptativo em Aprendizagem Motora: o papel da variabilidade.


Revista Paulista de Educação Física, p. 55-61, 2000.

TANI, G. Aprendizagem motora: uma visão geral. In. TANI, G.; CORRÊA, U. (Eds.). Apren-
dizagem motora e o ensino do esporte. São Paulo: Blucher, 2016. p. 19-38.

TANI, G. et al. An Adaptive Process Model of Motor Learning: Insights for the Tea-
ching of Motor Skills. Nonlinear Dynamics, Psychology, and Life Sciences, v. 18, n.
1, p. 47-65, 2014.

TANI, G. et al. O estudo da demonstração em aprendizagem motora: estado da


arte, desafios e perspectivas. Revista Brasileira de Cineantropometria e Desem-
penho Humano, v. 13, n. 5, p. 392-403, 2011.

TURVEY, M.; SOLOMON, H.; BURTON, G. An ecological analysis of knowing by wielding.


Journal of the Experimental Analysis of Behavior, v. 52, n. 1, p. 387-407, 1989.

VAN MAARSEVEEN, M.; OUDEJANS, R.; SAVELSBERGH, G. Self-controlled vídeo feedback


on tactical skills for soccer teams results in more active involvement of players.
Human Movement Science, v. 57, n. 1, p. 194-204, 2018.

WALTER, C.; BASTOS, F.; TANI, G. Fatores que afetam a aprendizagem motora: uma
síntese. In. TANI, G.; CORRÊA, U. (Eds.). Aprendizagem motora e o ensino do esporte.
São Paulo: Blucher, 2016. p. 39-71.

WULF, G. Attentional focus and motor learning: a review of 15 years. International


Review of Sport and Exercise Psychology, v. 6, n. 1, p. 77-104, 2013.

46 INICIAÇÃO E FUTEBOL DE BASE


TELA CHEIA SUMÁRIO

6
COMO ENSINAR O FUTEBOL

MARCOS REIS

47 INICIAÇÃO E FUTEBOL DE BASE


TELA CHEIA SUMÁRIO

O processo de ensino do futebol consiste em duas vertentes fundamentais:


a) gestão de recursos humanos a partir da liderança do professor/treinador e
b) escolha da abordagem metodológica a fim de estimular a aprendizagem de
habilidades com e sem bola do futebol (CARRAVETTA, 2012).
A liderança consiste na otimização do desempenho dos jogadores a fim de
maximizar a eficácia coletiva em prol de uma tarefa. O perfil de liderança do
treinador deve procurar a integração entre os componentes do grupo a fim de
que atenda às necessidades de cada um a fim de alcançar a meta estabeleci-
da (REIS et al., 2018). Neste sentido, o perfil de liderança de treinadores de futebol
apresenta dois estilos: decisão e interação. O estilo de decisão está relacionado
às escolhas do treinador que afetam diretamente os jogadores e possui duas
dimensões. Já o estilo de interação envolve as relações interpessoais entre o
treinador e os jogadores, possuindo quatro dimensões (ZHANG, JENSEN e MANN,
1997) (quadro 3).

Quadro 3. Estilos de liderança e suas respectivas dimensões de acordo com a Escala de


Liderança Revisada para o Esporte (ZHANG, JENSEN e MANN, 1997)

Estilo Dimensão Definição


O professor/treinador centraliza todas as
Autocrática decisões não considerando a opinião dos
jogadores
Decisão
Permite que os jogadores deem suas opi-
Democrática niões e respeita a opinião da maioria dos
jogadores em determinados assuntos
O professor/treinador elogia os jogadores
Reforço positivo quando eles conseguem alcançar as metas
estabelecidas
Busca individualizar as conversas para aten-
Situacional der as necessidades particulares de cada
jogador
Interação
Procura informações sobre a vida pessoal
Suporte social dos jogadores (com a família e na escola,
por exemplo)
Foca em aspectos metodológicos do treino
Treino-instrução a fim de ofertar os melhores estímulos para
os jogadores

Costa, Samulski e Costa (2009) verificaram que os treinadores das catego-


rias de base do futebol brasileiro são mais autocráticos do que democráticos e
focam mais no planejamento de treino. Reis et al. (2018) verificaram que treina-
dores das categorias de base do município de Aracaju/SE apresentam um perfil
de liderança voltado mais para a autocracia e menos para a democracia em
termos de decisão, e menos para o situacional em relação as outras dimensões

48 INICIAÇÃO E FUTEBOL DE BASE


TELA CHEIA SUMÁRIO

da interação. Além disso, os treinadores mais experientes ofertam mais reforço


positivo do que os treinadores menos experientes.
Hampson e Jowett (2014) detectaram que o perfil de liderança afeta na per-
cepção da eficácia coletiva por parte dos jogadores. Eles encontraram que existe
uma correlação negativa entre perfil de liderança autocrática e autopercepção
de eficácia coletiva, ou seja, quanto mais centralização nas decisões por parte
dos treinadores, menor é eficácia coletiva da equipe. Desta forma, o percebe-
-se que permitir que os jogadores ajudem a decidir determinadas questões que
envolvam o seu processo de formação pode ajudar na coesão da equipe.
Já em relação a abordagem metodológica, ela pode ser definida como um
conjunto de procedimentos que visam transmitir conteúdos a fim de que os pra-
ticantes possam assimilá-los da melhor forma possível e, consequentemente,
melhorar o desempenho dos jogadores (DAVIDS et al., 2013). No futebol, ao longo
do desenvolvimento do esporte na história, diversos procedimentos metodoló-
gicos foram sendo criados a fim de ofertar o melhor ensino do futebol possível.
Dentre esses métodos de ensino do futebol, destacam-se: global, analítico, inte-
grado e sistêmico (CARRAVETTA, 2012; LOPES e SILVA, 2009; SILVA, 1998).

Sobre as diferentes tipos de periodização que podem


Assista o vídeo
ser aplicadas no processo de ensino do futebol clicando
no conteúdo

O método analítico tem como foco o ensino das habilidades com bola, com
ênfase na biomecânica do movimento, partindo do pressuposto que a soma
das partes será maior do que o todo (CARRAVETTA, 2012). Desta forma, ao utilizar
esse método, o professor/treinador prioriza o padrão de movimento, em uma
perspectiva descontextualizada do jogo de futebol, a fim de que o jogador pos-
sa ter consistência na habilidade que a ser treinada através da diminuição de
incertezas (DAVIDS et al., 2013). Contudo, a ruptura disfuncional na relação am-
biente de prática e aprendiz, a ausência de variabilidade contextual, os poucos
e engessados mecanismos decisórios e a diminuição dos recursos atencionais
dos jogadores são as principais limitações desse método (DAVIDS et al., 2013;
GARGANTA e GRÉHAIGNE, 1999; SILVA, 1998).
Práxedes et al. (2016) investigaram a eficácia do método analítico em com-
paração com jogos reduzidos no ensino da tomada de decisão e da execução
do passe em crianças com idade aproximada de 10 anos. O programa baseado
nos jogos reduzidos foi mais eficaz do que o método analítico, provavelmente
por conta dos fatores apresentados no parágrafo anterior.
O método global consiste na utilização de jogos, geralmente próximo dos 11x11,
em que o professor/treinador não possui uma finalidade em relação ao que se
quer ensinar, ou seja, não existe uma sistematização de conteúdo (CARRAVE-
TA, 2012). Esse tipo de abordagem metodológica pode prejudicar o processo de

49 INICIAÇÃO E FUTEBOL DE BASE


TELA CHEIA SUMÁRIO

formação no futebol, pois os estímulos ofertados ficam destinados ao acaso.


Além disso, esse método pode fazer com que os jogadores não corrijam os seus
principais defeitos, tendo em vista a grande quantidade de interações e, conse-
quentemente, de complexidade na tarefa. Por exemplo, jogadores que apresen-
tam dificuldades na execução de habilidades com bola dificilmente realizarão
ações com bola que permitam a melhora do seu desempenho no passe, chute,
drible, etc.
O método integrado visa a junção dos métodos analítico e global em uma
mesma sessão de treino. Geralmente, o professor/treinador utiliza o método ana-
lítico no início do treino e depois realiza jogos (método global) na segunda parte
do treino com a expectativa de que ocorra uma transferência de aprendizagem
(CARRAVETTA, 2012; LOPES e SILVA, 2009). Porém, será essa tal esperada transfe-
rência de habilidades fica prejudicada por conta que na primeira parte do treino
ocorre uma descontextualização do jogo de futebol a partir de exercícios simples
e previsíveis, enquanto na segunda parte ocorre exercícios com alto grau de
complexidade (DAVIDS et al., 2013).
Já a abordagem sistêmica aplicada ao ensino do futebol reconhece a nature-
za coletiva do jogo, em que duas equipes se encontram em cooperação e oposi-
ção a fim de alcançar objetivos comuns e específicos (atingir a baliza adversária
e proteger a própria baliza do adversário, por exemplo) (GARGANTA e GRÉHAIG-
NE, 1999). Essas duas equipes são entendidas como dois sistemas abertos, pois
trocam energia e informação para obter suas metas (VON BERTALANFFY, 2016).
Essa troca de energia e informação ocorre a partir de um processo adaptativo
e entrópico em que uma equipe busca perturbar a outra a fim de aumentar as
incertezas sobre ela (entropia positiva) e, consequentemente, diminuir as dúvi-
das geradas pela equipe adversária (entropia negativa) se adaptando às suas
perturbações (CORRÊA et al., 2012).
Neste sentido, a abordagem sistêmica possui diversas ramificações no futebol,
ou seja, diversos métodos que surgiram a partir da década de 80 influenciados
pela teoria geral dos sistemas (VON BERTALANFFY, 2016), como por exemplo: ensino
dos jogos para compreensão (MEMMERT et al., 2015), periodização tática (SILVA,
2008) e escola da bola (MEMMERT e ROTH, 2007). Todos esses métodos possuem
especificidades, mas apresentam dois denominadores comuns: reconhecem a
complexidade do jogo de futebol e sua não-linearidade e utilizam jogos reduzidos
como principal estratégia metodológica (DAVIDS et al., 2013).
Os jogos reduzidos representam variáveis específicas do jogo de futebol que
permitem a regulação da tomada de decisão e da execução de habilidades
(com e sem bola) a partir de fontes de informações que devem representar o
todo. Neste sentido, a utilização dos jogos reduzidos deve permitir o aprendizado
de comportamentos funcionais estabelecendo o acoplamento percepção-ação
fundamental para ambientes imprevisíveis e dinâmicos como o jogo de futebol.

50 INICIAÇÃO E FUTEBOL DE BASE


TELA CHEIA SUMÁRIO

Além disso, os jogos reduzidos fornecem aos jogadores a variabilidade contextual


inerente às partidas de futebol (DAVIDS et al., 2013).
Portanto, os jogos reduzidos podem ser entendidos como padrões microscó-
picos (1x1, 2x1, 2x2, etc.) que influenciam o surgimento de padrões macroscópicos
(11x11) (SANTOS et al., 2018). Neste sentido, os jogos reduzidos permitem a apren-
dizagem e a melhor do desempenho de diferentes habilidades em um mesmo
exercício. Por exemplo, os jogadores melhoram os padrões coordenativos intra e
interpessoal, sendo que a coordenação intrapessoal consiste na execução das
habilidades com bola (ações técnicas) e a coordenação interpessoal são movi-
mentações dos jogadores no campo de jogo (ações táticas) (SANTOS et al., 2018;
DAVIDS et al., 2013).
Além da escala individual de desempenho, os jogos reduzidos permitem a
melhora do desempenho setorial, intersetorial e coletivo das equipes de futebol
(REIS e ALMEIDA, 2019), que também estão diretamente ligados à coordenação
interpessoal (DAVIDS et al., 2013). Neste sentido, o professor/treinador pode utilizar
diferentes jogos reduzidos a fim de ensinar e desenvolver princípios específicos
de jogo relacionados às fases do jogo de futebol (REIS e ALMEIDA, 2019).

Figura 13 – Método analítico x Jogos reduzidos no ensino das habilidades com bola no futebol.

Após a leitura e baseado nas suas experiências práticas, qual a


sua opinião sobre cada uma das abordagens apresentadas para
ensinar habilidades com bola no futebol?

Na figura 14, podemos observar um exemplo de jogo reduzido que engloba


diferentes escalas de desempenho e as coordenações intra e interpessoal. O jogo
é realizado dentro da grande área, em uma situação 2X2, mais quatro curingas
externos e um goleiro. A dupla que estiver com a posse de bola poderá utilizar os
curingas externos, que por sua vez, poderão dar no máximo dois toques na bola
antes de passar a bola para a mesma equipe que recebeu o passe (os curingas
não poderão finalizar). A atividade será realizada em forma de torneio “turno e

51 INICIAÇÃO E FUTEBOL DE BASE


TELA CHEIA SUMÁRIO

returno” entre as quatro duplas (seis jogos para cada dupla) com duração de
dois minutos cada jogo totalizando 24 minutos de exercício. Os objetivos deste
exercício são: a) aperfeiçoar o passe para a finalização, o drible orientado para
a baliza adversária, a recepção orientada para a finalização e o chute ao gol dos
jogadores; b) estimular a tomada de decisão e a criatividade dos jogadores; c)
desenvolver habilidades ofensivas realizadas sem a bola (cobertura ofensiva,
principalmente); d) estimular os princípios específicos ofensivos de jogo da pro-
fundidade e amplitude.

Figura 14. Exemplo de jogo reduzido que permite a melhora do desempenho individual
(coordenação intrapessoal) e coletivo (coordenação interpessoal).

Além disto, a manipulação das restrições das tarefas nos jogos reduzidos
pode ser feita em diversas perspectivas a depender do objetivo do treino: rela-
ções numéricas, como jogos em superioridade e inferioridade numérica (PRÁXE-
DES et al., 2018), tamanho do campo de jogo (OLTHOF, FRENCKEN e LEMMINK, 2018,
quantidade de toques na bola (MENUCHI et al., 2018), quantidade de balizas ou de
alvos (CASTELLANO et al., 2016), densidade da prática, ou seja, relação entre tempo
de recuperação entre tentativas (MCLEAN et al., 2016), entre outras possibilidades.
Por exemplo, Práxedes et al. (2018) verificaram que um programa de treina-
mento baseado em jogos reduzidos com superioridade numérica ofensiva foi
mais eficaz na melhora da tomada de decisão e execução do passe no futebol
em relação à jogos reduzidos com inferioridade numérica ofensiva. Olthof, Fren-
cken e Lemmink (2018) verificaram que jogos reduzidos (Goleiro + 4x4 + Goleiro)
em campo pequeno (40x30 metros) promoveram mais transições, mais chutes
ao gol, mais bolas paradas, menos posse de bola, menor distância entre o goleiro
e a primeira linha de jogadores de linha e menor espaço efetivo de jogo do que
quando jogados em campo grande (68x47 metros), que era aproximadamente
2,5 vezes maior em termos de área absoluta de jogo.

52 INICIAÇÃO E FUTEBOL DE BASE


TELA CHEIA SUMÁRIO

Desta forma, o professor/treinador, ao utilizar os jogos reduzidos como estra-


tégias metodológicas de ensino do futebol deve conhecer as características e
necessidades dos seus jogadores e de sua equipe para poder prescrever os exer-
cícios adequados para as diferentes escalas de desempenho de uma equipe de
futebol (DAVIDS et al., 2013). Além disso, as restrições das tarefas devem estar de
acordo com os conteúdos do treino a fim de que os objetivos sejam alcançados
(PASSOS et al., 2010).

53 INICIAÇÃO E FUTEBOL DE BASE


TELA CHEIA SUMÁRIO

REFERÊNCIAS
CARRAVETTA, E. Futebol: a formação de times competitivos. Editora Sulina, 2012.

CASTELLANO, J. et al. The Influence of Scoring Targets and Outer-Floaters on At-


tacking and Defending Team Dispersion, Shape and Creation of Space During
Small-Sided Soccer Games. Journal of Human Kinetics, v. 51, n. 1, p. 153-163, 2016.

COSTA, I.; SAMULSKI, D.; COSTA, V. Análise do perfil de liderança dos treinadores das
categorias de base do futebol brasileiro. Revista Brasileira de Educação Física e
Esporte, v. 23, n. 3, p. 185-194, 2009.

DAVIDS, K. et al. How Small-Sided and Conditioned Games Enhance Acquisition of


Movement and Decision-Making Skills. Exercise and Sport Sciences Reviews, v. 18,
n. 7, p. 947-954, 2013.

GARGANTA, J.; GRÉHAIGNE, J. Abordagem sistêmica do jogo de futebol: moda ou


necessidade? Movimento, v. 5, n. 10, p. 40-50, 1999.

HAMPSON, R.; JOWETT, S. Effects of coach leadership and coach-athlete relationship


on collective efficacy. Scandinavian Journal of Medicine & Science in Sports, v.24,
n. 2, p.454-60, 2014.

LOPES, A.; SILVA, S. Método integrado de ensino no futebol. São Paulo: Phorte, 2009.

MCLEAN, S. et al. The Effect of Recovery Duration on Technical Proficiency during


Small Sided Games of Football. Sports, v. 39, n. 4, p. 1-10, 2016.

MEMMERT, D. et al. Top 10 Research Questions Related to Teaching Games for Un-
derstanding. Research Quarterly for Exercise and Sport, v. 86, n. 4, p. 347-359, 2015.

MENUCHI, M. et al. Effects of Spatiotemporal Constraints and Age on the Interactions


of Soccer Players when Competing for Ball Possession. Journal of Sports Science
& Medicine, v. 17, n. 3, p. 379-391, 2018.

OLTHOF, S.; FRENCKEN, W.; LEMMINK, K. Match-derived relative pitch area changes
the physical and team tactical performance of elite soccer players in small-sided
soccer games. Journal of Sports Sciences, v. 36, n. 14, p. 1557-1563, 2018.

PASSOS, P. et al. Manipulating tasks constraints to improve tactical knowledge


and collective decision-making in rugby union. In: RENSHAW, I.; DAVIDS, K.; SAVELS-
BERGH, G. (Eds.). Motor Learning in Practice: A constraints-led approach. London:
Routledge, 2010.

54 INICIAÇÃO E FUTEBOL DE BASE


TELA CHEIA SUMÁRIO

PRÁXEDES, A. et al. A Preliminary Study of the Effects of a Comprehensive Teaching


Program, Based on Questioning, to Improve Tactical Actions in Young Footballers.
Perceptual and Motor Skills, v. 122, n. 3, p. 742-756, 2016.

PRÁXEDES, A. et al. The effect of small-sided games with different levels of oppo-
sition on the tactical behaviour of young footballers with different levels of sport
expertise. PLoS ONE, v. 13, n. 1, p. 1-14, 2018.

REIS, M.; ALMEIDA, M. Futebol, arte e ciência: construção de um modelo de jogo.


Editora Primeiro Lugar, 2019.

REIS, M. et al. Perfil de liderança dos treinadores de futebol das categorias de base
do município de Aracaju. Revista Brasileira de Educação Física e Esporte, 2018
(in press).

SANTOS, R. et al. Interpersonal Coordination in Soccer: Interpreting Literature to


Enhance the Representativeness of Task Designs, From Dyads to Teams. Frontiers
in Psychology, v. 9, n. 1, p. 1-6, 2018.

SILVA, J. O ensino dos jogos desportivos colectivos. Perspectivas e tendências.


Movimento, v. 4, n. 8, p. 19-27, 1998.

SILVA, M. O desenvolvimento do jogar, segundo a Periodização Táctica. Tuy (Pon-


tevedra): MCSports, 2008.

VON BERTALANFFY, L. Teoria Geral dos Sistemas. Editora Vozes, 2016.

ZHANG, J.; JENSEN, B.; MANN, B. Modification and revision of the leadership scale for
sport. Journal of Sport Behavior, v. 20, n. 1, p. 105-122, 1997.

55 INICIAÇÃO E FUTEBOL DE BASE


TELA CHEIA SUMÁRIO

7
IDENTIFICANDO
TALENTOS X PROCESSOS DE AVALIAÇÃO

MAICKEL PADILHA
MARCOS REIS

56 INICIAÇÃO E FUTEBOL DE BASE


TELA CHEIA SUMÁRIO

O talento esportivo é definido como um indivíduo acima da média que se


destaque pela alta proficiência esportiva em determinado instante e contexto.
Sob a ótica do talento epigenético, existem dimensões interativas que permitem
e afetam na formação do jogador talentoso: características genéticas, aspec-
tos sociais, quantidade e qualidade de treino (ARAÚJO et al., 2010). Além disso, o
desempenho do talento esportivo é multidimensional, ou seja, reúne habilidades
táticas, técnicas, físicas e psicológicas em elevado nível e de maneira equilibrada
(HUIJGEN et al., 2014).
Por exemplo, jogadores mais experientes olham mais para o espaço vazio
do que os jogadores com menos prática (ROCA et al., 2011) e os jogadores mais
criativos também apresentam esse comportamento na busca visual em relação
aos que apresentam menor desempenho criativo (ROCA, FORD e MEMMERT, 2018).
Além disso, Neymar (um dos jogadores mais talentosos da contemporaneidade)
gasta muito pouca energia cerebral para realizar uma ação motora com o pé em
relação a outros jogadores de futebol (profissionais e amadores). Dessa forma,
o jogador talentoso utiliza a energia cerebral para tomar decisões eficazes, pois
as ações motoras já estão automatizadas (NAITO e HIROSE, 2014).
Sob esta perspectiva, existem alguns conceitos que são importantes serem
esclarecidos nesse processo de construção do talento esportivo, são eles: forma-
ção, identificação e seleção de jogadores (ARAÚJO et al., 2010). A formação está
atrelada diretamente à quantidade e qualidade dos treinos, ou seja, à prática
(ARAÚJO et al., 2010). Porém, o foco desse capítulo é na identificação e seleção
de jogadores.
Neste sentido, a identificação consiste na busca de novos jogadores para
o clube (REILLY et al., 2000; WILLIAMS e REILLY, 2000). Já a seleção é a transição
de jogadores de uma categoria competitiva para a outra (do sub-13 para o
sub-15, por exemplo), em que os jogadores podem ser dispensados caso não
atinjam as expectativas da comissão técnica e/ou do clube (BIDAURRAZAGA-
-LETONA et al., 2017).
Dentro desta perspectiva, como ocorre esse processo de identificação e
seleção de jogadores de futebol na base? Williams e Reilly (2000) destacam
os seguintes preditores para identificação e seleção de talentos no esporte:
fisiológico, cognitivo e inteligência de jogo. Reilly et al. (2000) mostraram que
jogadores de elite apresentam desempenho físico e técnico superiores aos jo-
gadores amadores.
Contudo, como já visto no capítulo sobre fatores determinantes na formação
de jogadores de futebol, esse desempenho físico pode estar atrelado à matura-
ção biológica (REIS, 2016), o que não foi controlado no estudo de Reilly et al. (2000).
Desta forma, o foco deste capítulo a partir de agora será na inteligência de jogo,
como principal preditor do talento esportivo no futebol (GARGANTA e GRÉHAIGNE,
1999). Neste sentido, questiona-se: quais os critérios utilizados para mensurar a

57 INICIAÇÃO E FUTEBOL DE BASE


TELA CHEIA SUMÁRIO

inteligência de jogo dos jogadores? Eles são prioritariamente de ordem quanti-


tativa, qualitativa ou uma junção dos dois?
Em primeiro lugar, é importante conceituar inteligência de jogo como a capa-
cidade que os jogadores possuem de solucionar os problemas do ambiente de
prática do futebol a partir de diferentes desempenhos e a integração entre eles
(tático, técnico, físico e psicológico) (HUIJGEN et al., 2014). A partir disso, a comis-
são técnica pode utilizar critérios qualitativos através da criação de protocolos
específicos e particulares de cada contexto a fim de delinear o melhor método
que atenda as necessidades de identificação e seleção do talento esportivo no
clube. É importante frisar que um protocolo qualitativo de avaliação de talento
no futebol não é simplesmente através da observação a “olho nu”, mas sim a
criação de relatórios e ferramentas que tenham uma fundamentação e uma
lógica comparativa de análise de desempenho intra e inter-sujeitos.
Por outro lado, a utilização de critérios quantitativos permite mais concretude
ao processo de identificação e seleção do talento esportivo no futebol. Partin-
do deste ponto, os clubes podem criar os próprios protocolos, como também
podem utilizar instrumentos que estão na literatura científica ou adaptá-los a
sua realidade (GONZÁLEZ-VÍLLORA et al., 2015). O quadro 4 apresenta exemplos de
protocolos que podem ser utilizadas para avaliação do desempenho da tomada
de decisão e da execução de habilidades com e sem bola no futebol, que podem
permitir aos treinadores categorizarem os jogadores.
A utilização de recursos tecnológicos também pode ser um importante aliado
para a identificação e seleção de jogadores. Aparelhos que permitem a mensu-
ração de habilidades perceptivas e cognitivas dos jogadores podem auxiliar os
clubes nesse processo de identificação e seleção de talentos. Por exemplo, o Mo-
bile Eye Tracking que é um óculos específicos para verificar a qualidade na busca
visual dos jogadores e o gasto de energia cerebral através da dilatação pupilar
(CARDOSO et al., 2019; OPPICI et al., 2018; ROCA et al., 2011) e o Vienna Test System que
é um conjunto de testes perceptivos-cognitivos realizados em um computador
(BALÁKOVÁ, BOSCHEK e SKALÍKOVÁ, 2015). Contudo, uma limitação da utilização des-
ses instrumentos é o alto investimento financeiro, além do quanto de transferência
para situações reais de jogo esses procedimentos avaliativos são fidedignos.

Figura 15 – Vienna Test System e Mobile Eye Tracking

58 INICIAÇÃO E FUTEBOL DE BASE


TELA CHEIA SUMÁRIO

Quadro 4. Exemplos de avaliação da tomada de decisão e


da execução de habilidades com e sem bola do futebol.

Protocolo Objetivo Referência


Avaliar a tomada de deci-
Game performance García-Lopez et al.
são e a execução de habili-
evaluation tool (2013)
dades com bola
Avaliar a criatividade tática
Memmert e Roth
Game test tituation em habilidades com e sem
(2007)
bola
Avaliar o desempenho de
Performance assess- Gréhaigne, Godbout
jogo a partir da execução
ment in team sports e Bouthier (1997)
de habilidades com bola
Avaliar o comportamento
Sistema de avaliação e o desempenho tático de
Costa et al. (2011)
tática no Futebol jogadores de futebol a partir
de dez ações táticas

Em relação à prospecção, captação e seleção de jogadores, muito se ques-


tiona de que maneira e quais são os caminhos a seguir para captar atletas e
selecioná-los para iniciar um processo de formação dentro de um clube. Dentre
os diferentes caminhos, muito se falou e se utilizou das chamadas “peneiradas”,
onde alguns profissionais dos clubes observavam centenas de crianças e/ ou
adolescentes para, se possível, selecioná-los para uma segunda fase de avalia-
ção (quando havia).
Em tempos em que o Futebol se profissionaliza constantemente, os clubes
têm investido em estrutura e recursos humanos para desenvolver e realizarem
parcerias, prospecções e avaliações que potencializem a identificação de futu-
ros talentos para o processo de formação, no caso, a criação e ampliação do
departamento de prospecção e captação
Inicialmente, para pensarmos em um processo de prospecção e identificação,
é importante destacarmos a organização de um departamento responsável por
todo o processo de prospecção, captação e identificação de potenciais jogado-
res que apresentem o potencial em que o clube classifica como pertinente para
o processo de formação. Quando pensamos em um departamento, ele pode
conter apenas um profissional, bem como um quadro de recursos humanos,
como coordenador, avaliador, captador e assim por diante.
Outro passo importante para o clube será determinar quais são as idades em
que o departamento será responsável para realizar o trabalho, por exemplo, até
o sub-15. Lembrando que cada clube apresenta o seu contexto particular.
Seguindo essa linha, poderíamos pensar em algumas maneiras que podemos
potencializar ou iniciar um projeto direcionado para esta área podemos dividi-los
em, por exemplo: Avaliação periódica, Parceiros e Monitoramento competitivo.
A avaliação periódica, como já destacado, é um dos meios já mencionados
e que foi muito utilizado pelos clubes eram as chamadas “peneiradas” através

59 INICIAÇÃO E FUTEBOL DE BASE


TELA CHEIA SUMÁRIO

de um jogo formal (11 vs.11), observando centenas de potenciais selecionados ao


longo de um período. Com base nessa linha, para não descurarmos esse meio
utilizado pelos clubes, podemos enriquecer e aproveitar da melhor maneira essa
ferramenta. Como são periódicas, podemos listas alguns aspectos importantes e
podem potencializar esse processo: Calendarizar ao longo do ano (ex: 3 vezes ao
ano); Agendamento prévio por parte dos interessados; Recolha de informações
pessoais e histórico esportivo; Critérios para a participação (Ex: tempo mínino en-
tre uma e outra); Categorias de avaliação (ex: aberta; somente parceiros); Fases
de avaliação (ex: geral; 2ª fase e avaliação com o elenco); Bateria de avaliação
(ex: 5x5 com goleiro; com situações de finalização, cruzamento etc.,).
Quando organizamos o processo, potencializamos a probabilidade em identi-
ficar e selecionar futuros talentos. Assim, desenvolver e/ ou organizar uma bateria
de avaliação em que envolva jogos reduzidos / oposição e exercícios situacionais
poderão colaborar para um melhor processo de avaliação e monitoramento
dos jogadores.
Um simples documento que podemos desenvolver relaciona competências
técnica-táticas coletivas e individuais. A partir dele partimos com base em uma
avaliação direcionado, o qual classificaremos a participação dos jogadores na
bateria desenvolvida e organizada pelo seu clube.

CRITÉRIOS OFENSIVOS João Roberto Marcelo


Recepção (orientada)
Relação com a bola Controle
Condução
Curto
Médio
Passes
Longo
Remates
Superioridade
Igualdade
Coletivas inferioridade
Cobertura ofensiva
Distante do centro de jogo
Combinações 2x1; 2x2; 3;2
Situações 1X1

CRITÉRIOS DEFENSIVOS João Roberto Marcelo


Reação pós perda
Transição Recomposição
Pressão ao portador da bola
Fechamento de linha de passe
Cobertura defensiva
Posicionamento
Controle da profundidade
Duelos
Superioridade
igualdade
Coletivas
inferioridade
Afastado do centro de jogo
Combinações 2x1; 2x2; 3;2
Situações 1X1

60 INICIAÇÃO E FUTEBOL DE BASE


TELA CHEIA SUMÁRIO

AVALIADO OBSERVAÇÕES GERAIS


João
Roberto
Marcelo

COMPORTAMENTOS João Roberto Marcelo


Mudança de comportamento
Individuai Motivação em estado de jogo
Aos sofrer gol
Motivação do companheiro
Coletivas Relação ao comportamento colega
Ao sofrer gol

Figura 16 – Exemplo de planilha para avaliação de jogadores de futebol.

Estabelecer parceiros é um dos meios em conseguir um processo de prospec-


ção para o clube, passa pelos colaboradores em que o clube mantém parceria
para captação de jogadores. Desta forma é necessário realizar visitas periódicas
em escolas de futebol, projetos sociais e projetos em que encaminham os atletas
para os clubes profissionais, conhecendo os responsáveis, estruturas (mesmo que
só haja um campo de terra) e ideias. Com esse passe inicial, o primeiro passo para
estabelecer parceiros é realizado para, desta forma, realizarmos um mapeamento.
Um dos controles que é possível realizar, é uma simples contagem da quan-
tidade de jogadores que foram enviados e quantos se mantiveram no clube
através de parcerias, como contratos e porcentagem do passe do atleta. Outra
opção que pode ser utilizada como ferramenta é realizada com base na teoria
dos grafos das ciências sociais e aplicadas. Ela tem sido utilizada no futebol para
verificar os níveis de interações dos jogadores, conhecida como Análise de ne-
tworking (rede sociais - ver figura 17).

Figura 17 – Análise de networking aplicada ao futebol (Fonte da imagem: http://www.


raquelrecuero.com/arquivos/2013/07/usando-ars-para-midia-social-ii---medidas.html)

61 INICIAÇÃO E FUTEBOL DE BASE


TELA CHEIA SUMÁRIO

Esse meio pode nos fornecer informações como por exemplo: ano que o par-
ceiro mais nos encaminhou jogadores e a porcentagem dos que se mantive-
ram no clube; quais faixas etárias esse parceiro mais nos encaminha jogadores;
quantos desses jogadores encaminhados e mantidos, foram promovidos para a
próxima categoria. Além disso, destaco a importância em oferecer um suporte/
atenção a esses parceiros, bem como a abertura do clube para eles, através de
estágio de observação, visitas técnicas e afins.
O fortalecimento das escolas e das franquias é outro caminho primordial no
futebol de base. No processo de prospecção, a atenção e o fortalecimento das
escolas do clube ou das franquias também pode ser um forte aliado na identifi-
cação de potenciais atletas para o clube.
Além de podermos utilizar a análise das redes sociais da mesma maneira da
utilizada com os projetos parceiros, promover algumas ações que promova uma
maior fidelização e interesse dos responsáveis pelas escolas como: Diretrizes de
condutas esportivas e metodológicas; Semana competitiva das escolas dentro
de Centro de Treinamento; Período de formação com os profissionais que estão
no clube ou com profissionais externos; Período de semana de estágio para os
profissionais; Amistosos periódicos; Avaliações técnicas, táticas e condicionais
para o acompanhamento e monitoramento dos jogadores.
Outro meio muito utilizado pelos clubes e que apresenta suma importância,
é o acompanhamento in loco de competições que envolvem: Equipes de base;
Escolas de futebol; Jogos escolares. Através dessas competições e possíveis iden-
tificar possíveis jogadores que apresentem condições para participar de um pe-
ríodo de avaliação dentro do clube, bem como no monitoramento de jogadores.
Ao mesmo tempo, é uma oportunidade em conhecer demais escolas e projetos
que tem investido na promoção de jovens atletas, possibilitando identificar novos
e futuros parceiros.

62 INICIAÇÃO E FUTEBOL DE BASE


TELA CHEIA SUMÁRIO

REFERÊNCIAS
ARAÚJO, D. et al. The Role of Ecological Constraints on Expertise Development. Ta-
lent Development & Excellence, v. 2, n. 2, p. 165-179, 2010.

BALÁKOVÁ, V.; BOSCHEK, P.; SKALÍKOVÁ, L. Selected Cognitive Abilities in Elite Youth
Soccer Players. Journal of Human Kinetics, v. 49, n. 1, p. 267-276, 2015.

COSTA, I. et al. Sistema de avaliação táctica no Futebol (FUT-SAT): Desenvolvimento


e validação preliminar. Motricidade, v. 7, n. 1, 2011.

BIDAURRAZAGA-LETONA, I. et al. Progression in youth soccer: selection and identifi-


cation in youth soccer players aged 13-15 years. Journal of Strength and Condi-
tioning Research, 2017.

GARCÍA-LOPEZ, L. et al. Development and validation of the Game Performance Eva-


luation Tool (GPET) in soccer. Revista Euroamericana de Ciencias Del Deporte, v.
2, n. 1, p. 89–99, 2013.

GARGANTA, J.; GRÉHAIGNE, J. Abordagem sistêmica do jogo de futebol: moda ou


necessidade? Movimento, v. 5, n. 10, p. 40-50, 1999.

GONZÁLEZ-VÍLLORA, S. et al. Review of the tactical evaluation tools for youth players,
assessing the tactics in team sports: football. SpringerPlus, v. 4, n. 1, p. 1-17, 2015.

GRÉHAIGNE, J.; GODBOUT, P.; BOUTHIER, D. Performance Assessment in Team Sports.


Journal of Teaching in Physical Education, v. 16, n. 1, p. 500-516, 1997.

HUIJGEN, B. et al. Multidimensional performance characteristics in selected and


deselected talented soccer players. European Journal of Sport Science, v. 14, n. 1,
p. 2-10, 2014.

MEMMERT, D.; ROTH, K. The effects of non-specific and specific concepts on tactical
creativity in team ball sports. Journal of Sports Sciences, v. 25, n. 12, p. 1423-1432,
2007.

NAITO, Eiichi; HIROSE, Satoshi. Efficient foot motor control by Neymar’s brain. Fron-
tiers in Human Neuroscience, v. 8, n. 1, p. 1-7, 2014.

OPPICI, L. et al. Futsal task constraints promote transfer of passing skill to soccer
task constraints. European Journal of Sport Science, v. 18, n. 7, p. 947-954, 2018.

63 INICIAÇÃO E FUTEBOL DE BASE


TELA CHEIA SUMÁRIO

REILLY, T. et al. A multidisciplinary approach to talent identification in soccer. Journal


of Sports Sciences, v. 18, n. 9, p. 695-702, 2000.

REIS, M. Fatores determinantes da aplicação do conhecimento específico de jo-


vens futebolistas. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-graduação em
Educação Física da Universidade Federal de Sergipe, 2016.

ROCA, A. et al. Identifying the processes underpinning anticipation and decision-


-making in a dynamic time-constrained task. Cognition Processing, v. 12, n. 3, p.
301-310, 2011.

ROCA, A.; FORD, P.; MEMMERT, D. Creative decision making and visual search beha-
vior in skilled soccer players. PLoS One, v. 13, n. 7, p. 1-11, 2018.

WILLIAMS, A.; REILLY, T. Talent identification and development in soccer. Journal of


Sports Sciences, v. 18, n. 9, p. 657-667, 2000.

64 INICIAÇÃO E FUTEBOL DE BASE


d uc a ç ã o
E
pa ra u m
fut eb o l
a in da
mel h o r !
HOME

Você também pode gostar