Você está na página 1de 6

XVI ERECOM – Encontro Regional de Comunicação

I CICLO DE ESTUDOS DO PPGCOM


15, 16 e 17 de outubro de 2018| FACOM – UFJF

Muito além do silêncio:


uma análise discursiva de falas de jornalistas sobre o suicídio1

Bruna Silveira POLESCA2


Wedencley Alves SANTANA3
Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, MG

RESUMO

Essa pesquisa tem como objetivo principal compreender os discursos dos profissionais de imprensa
sobre a questão do suicídio. A partir da revisão bibliográfica sobre o tema e da análise discursiva de
entrevistas com jornalistas, chegaremos à conclusão se o medo e o antigo consenso de que “falar sobre
suicídio causa mais suicídios” é predominante nas redações ainda hoje.

PALAVRAS-CHAVE: suicídio; jornalismo; análise discursiva; discurso.

INTRODUÇÃO

Assuntos que são temas tabus na sociedade costumam ser tabus também na mídia. A questão
do suicídio é polemizada nos canais midiáticos por diversos motivos, dentre eles o medo e o
consenso de que ao se falar sobre suicídio é possível influenciar alguém a cometê-lo,
conhecido como “efeito Werther”.
Trata-se de uma referência ao fenômeno do livro Os sofrimentos do jovem Werther escrito
por Johann Wolfgang Goethe no século 18 que conta a história de um jovem que se suicida
por amor. Supostamente diversos jovens se suicidaram após a leitura do romance, apesar de
não existirem provas concretas confirmando essas mortes. Existem estudos que comprovam
essa teoria como por exemplo Etzersdorfer et al. em um estudo austríaco mostrou uma forte
correlação entre o número de jornais distribuídos em várias áreas e o número de subsequentes
suicídios por arma de fogo em cada área depois de uma reportagem midiática.
(ETZERSDORFER et al, 2004)
Da mesma forma, o pesquisador Gerard Sullivan criticou a pesquisa sobre suicídios copiados,
sugerindo que as análises de dados têm sido seletivas e enganosas, e que as evidências para
suicídios copiados são muito menos consistentes do que o sugerido por alguns pesquisadores
(SULLIVAN, 2007).

1
Trabalho apresentado no GT Jornalismo do XVI ERECOM – Encontro Regional de Comunicação e I Ciclo de Estudos do
PPGCOM, realizados na Faculdade de Comunicação da Universidade Federal de Juiz de Fora (FACOM/UFJF) entre os dias
15 a 17 de outubro de 2018.
2
Estudante de Graduação 3º semestre do Curso de Jornalismo da UFJF, email: brunapolesca@hotmail.com.
3
Professor orientador e docente do Curso de Jornalismo da UFJF, email: wedencley@gmail.com.
XVI ERECOM – Encontro Regional de Comunicação
I CICLO DE ESTUDOS DO PPGCOM
15, 16 e 17 de outubro de 2018| FACOM – UFJF

Émile Durkheim já discutia sobre a prática suicida em 1897 e afirmava que “não há dúvida de
que a ideia do suicídio pode ser transmitida de forma contagiosa” (Durkheim, 2003, p. 109).
Ainda no século XIX alguns especialistas pediam que notícias de crimes e suicídios fossem
proibidas de serem veiculadas (idem, p. 124). O sociólogo, em contrapartida, não concordava
com isso, afirmando que “o que pode contribuir para o desenvolvimento do suicídio ou do
crime não é o fato de se falar deles; é a maneira como se fala” (idem, p. 125).
A grande questão a ser discutida é que os jornalistas do mundo inteiro aceitaram essa teoria
como verdade absoluta e evitaram, desde então, noticiar casos de suicídio ou até mesmo
abordar o tema. O aumento do número de suicídios na sociedade, em contrapartida, não foi
evitado com essa prática.
Dados recentes do Ministério da Saúde mostram que o suicídio aumentou gradativamente no
Brasil e no mundo entre os anos 2000 e 2016: de 6.780 foi para 11.736, uma alta de 73%
nesse período (em que pesa o aumento populacional) apesar do silêncio da mídia. Pelos dados
da Organização Mundial de Saúde (OMS) 4, no mundo, há um suicídio a cada 40 segundos.
No total, chega-se a cerca de 800 mil suicídios por ano, sendo a segunda principal causa de
morte entre jovens com idade entre 15 e 29 anos.
Os números são preocupantes e a própria OMS está tratando a causa como questão de saúde
pública. Quando algo acomete uma grande parte da população a mídia não consegue mais
negligenciar e percebe que o assunto virou pauta há muito tempo. Foi produzida uma cartilha 5
para orientar jornalistas de como devem abordar o tema:
Este manual procura enfatizar o impacto que a cobertura midiática pode ter nos
suicídios, indicar fontes de informação confiáveis, sugerir como abordar suicídios
tanto em circunstâncias gerais quanto especificas e apontar as armadilhas a serem
evitadas nas coberturas de suicídios. (OMS, 2000, p.3).
.
METODOLOGIA

A partir dessas informações, foram realizadas entrevistas com seis jornalistas de duas
redações de Belo Horizonte, do Jornal O Tempo e do Jornal Hoje em Dia, a fim de entender
como os profissionais das grandes mídias lidam com essa problemática e o que pensam sobre
os números e sobre o papel da mídia quando se fala sobre suicídio. As entrevistas
aconteceram nos dias 3 e 4 de maio de 2018 e tiveram duração variada entre 4 e 13 minutos.
A partir da pesquisa de campo, iremos analisar a ideologia que sustenta essa prática
4
Disponível em https://nacoesunidas.org/oms-suicidio-e-responsavel-por-uma-morte-a-cada-40-segundos-no-mundo/,
acessado em 27 de setembro de 2018.
5
Disponível em http://www.who.int/mental_health/prevention/suicide/en/suicideprev_media_port.pdf, acessado em 27 de
novembro de 2018.
XVI ERECOM – Encontro Regional de Comunicação
I CICLO DE ESTUDOS DO PPGCOM
15, 16 e 17 de outubro de 2018| FACOM – UFJF

discursiva, porque segundo Pêcheux (1975), não há discurso sem sujeito e não há sujeito sem
ideologia: o indivíduo é interpelado em sujeito pela ideologia e é assim que a língua faz
sentido.
O discurso em si é uma construção linguística atrelada ao contexto social no qual o texto é
desenvolvido. Ou seja, as ideologias presentes em um discurso são diretamente determinadas
pelo contexto político-social em que vive o seu autor. Mais que uma análise textual, a análise
do Discurso é uma análise contextual da estrutura discursiva em questão.

OBSERVAÇÕES

A partir da observação dessas entrevistas, podemos destacar alguns pontos:

Existe uma ‘norma’ sobre o assunto


“A gente tem meio que uma “norma” assim extraoficial, acho que seja aqui como em outras
redações que já trabalhei, meio que uma questão de “bom-senso” tratar isso. ” Editor, Hoje
em Dia.

“A imprensa não aborda. Vem de um acordo, né? Pra não abordar esses casos porque tem esse
receio que isso estimule outras pessoas né? A também se se matar. ” Repórter, Hoje em Dia

“Assim, já existe uma orientação, e que já se segue na imprensa, de um caso por si só, isolado,
ele não vai ser contemplado. ” Repórter, Jornal O Tempo

Quando não se apoiam no discurso da “possível influência”, muitos profissionais da


comunicação falam de leis que, simplesmente, não existem, para justificar o silencio na mídia.
A existência de tal regra é mencionada pela maioria dos entrevistados. Quase todos a aceitam
sem nem se questionarem que lei é esta e perpetuam-na em sua prática profissional. Nem o
Código de Ética do Jornalista censura a noticiabilidade das mortes voluntárias, apenas alerta
para a necessidade de sempre se atentar para a forma de apuração e divulgação da notícia.

Somente suicídios de famosos devem ser publicados


“Por isso que eu disse até se for uma pessoa às vezes conhecida, uma pessoa pública, caso
não(...)” Editor, Hoje em Dia

“O Avicci, por exemplo, aquele DJ, ele se matou, mas ele era uma pessoa pública, era um
jovem. Mas ah, sei lá, o filho do seu Zé, ali da esquina, se matou(...)” Repórter, Hoje em Dia
XVI ERECOM – Encontro Regional de Comunicação
I CICLO DE ESTUDOS DO PPGCOM
15, 16 e 17 de outubro de 2018| FACOM – UFJF

“Por exemplo se foi uma pessoa, uma celebridade, é inevitável como figura pública, (…), não
é viável não publicar. ” Repórter, Jornal O Tempo

“Então um fato isolado é a pessoa atentar contra a própria vida, aquilo vai afetar a família
dela, mas ela tirou a própria vida. Agora, isso a gente já deu casos recentes, inclusive, um
marido, ex-marido inconformado com a separação, que atenta contra a vida da ex
companheira, dos filhos, dos parentes dela, isso sim, porque já tem uma dramaticidade e
envolve mais pessoas. Este tipo de caso, ele vai ser publicado. ” Repórter, Jornal O Tempo
Os jornalistas da pesquisa entendem, sem sua maioria, que casos de suicídio de pessoas
públicas devem ser noticiados por uma questão de serem de interesse público. É importante
ressaltar que não foi citado a forma que se deve noticiar um caso desse tipo, apenas de que é
pauta e deve estar no jornal.

O número de casos aumentou mesmo?


“O aumento... eu não sei se a gente pode falar que teve um aumento, ne? Assim, o que eu
posso falar é que com as mídias sociais tudo fica mais exposto, as informações chegam muito
rápidas, é difícil de você esconder as coisas, entendeu? Então fica mais visível. Não sei se tem
alguma pesquisa que fala que aumentou, sabe? (...). Eu acho que sempre que aconteceu, era
escondido, não só a mídia escondia como até mesmas as famílias escondiam, então eu acho
que é difícil de a gente ver isso no brasil estatisticamente, sabe? ” Repórter, Jornal O Tempo
Apenas uma jornalista, dos seis entrevistados, questionou o aumento do número de suicídios
nos últimos anos. É interessante destacar essa fala, uma vez que é um discurso que não vai de
acordo com os demais, apesar de ser pertinente. Que os casos de suicídio são difíceis de
contabilizar, isso é fato. As famílias têm vergonha e evitam afirmar a causa da morte nesses
casos. Que a internet, juntamente com as informações em tempo real, contribuiu para que
esses dados não se perdessem, isso não há estudos que comprovam. Mas é uma teoria
interessante de ser pensada e estudada.

CONCLUSÃO

Foi possível compreender, a partir desses destaques, que a questão do suicídio na imprensa
deve ser analisada discursivamente. Existem discursos que sustentam as ações dos jornalistas
quanto ao assunto que devem ser levados em consideração. As falas dos entrevistados deixam
evidentes as crenças e ideologias que interpelam esses sujeitos e que são responsáveis pela
XVI ERECOM – Encontro Regional de Comunicação
I CICLO DE ESTUDOS DO PPGCOM
15, 16 e 17 de outubro de 2018| FACOM – UFJF

falta de pautas nos jornais que tratam sobre o suicídio. É preciso adentrar mais nessas
entrevistas e nos autores que trabalham a Análise do Discurso para entender melhor como
esses mecanismos funcionam e as consequências disso na atividade jornalística (mas isso é
questão para um próximo artigo).

REFERÊNCIAS

Etzersdorfer, E.; Voracek, M.; Sonneck, G. (2004). «A dose-response relationship between


imitational suicides and newspaper distribution». Arch Suicide Res. 8 (2): 137–145.
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/16006399

Sullivan, G. (2007). «Should Suicide Be Reported in the Media? - A Critique of Research»


(PDF) http://www.ministryoftruth.me.uk/wp-content/uploads/2013/04/Sullivan-Suicide-
Media.pdf

GOETHE, Johann Wolfgang von. Os sofrimentos do jovem Werther. Tradução de Pietro


Nassetti. Sumaré/São Paulo: Martin Claret, 2000.

Organização Mundial da Saúde. (2000). Prevenção do suicídio: um manual para profissionais


da mídia. Genebra. Disponível em
http://www.who.int/mental_health/prevention/suicide/en/suicideprev_media_port.pdf,
acessado em 27 de novembro de 2018.

DURKHEIM, Émile. O suicídio. São Paulo: Martin Claret, 2003.

ORLANDI, Eni Puccinelli. Análise de Discurso: princípios & procedimentos. 8. ed.


Campinas: Pontes, 2009.

PÊCHEUX, M. Les Vérités de la Palice. Maspero, Paris, trad. Bras. Semântica e Discurso, E.
Orlandi et alii, Editora da Unicamp.
XVI ERECOM – Encontro Regional de Comunicação
I CICLO DE ESTUDOS DO PPGCOM
15, 16 e 17 de outubro de 2018| FACOM – UFJF

Você também pode gostar