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POBRES GARIMPEIROS DE RIQUEZA

a geografia dos diamantes em Três Ranchos/GO


Autor: José Luiz Vaz de Sousa1
(RESUMO)

Em todo o processo constitutivo do município de Três Ranchos, localizado no


extremo sudeste do Estado de Goiás, se percebe a presença marcante do Rio Paranaíba. Assim
como o tempo, este rio carrega em seu curso acúmulos de história. Ancestral e eterno,
transformista, assumiu variadas funcionalidades e significados: num primeiro momento, foi a
referência do início da conquista de Goiás, o marco geográfico para a ocupação definitiva,
cuja primeira travessia se deu ao sul do que hoje é o município. Desde aquele tempo, e por
muito depois, a fartura de peixes era garantia de nutrimento dos moradores. Influenciou na
economia, pois as melhores fazendas, os melhores pastos, de onde saíam os melhores gados,
estavam nas margens férteis do Paranaíba. Aí também cresciam extensos babaçuais, cujas
amêndoas eram o fruto do trabalho padecente de muitas mães, com o qual sustentavam suas
famílias. Detido, represado, o rio insiste na demonstração de múltiplas serventias: gerador de
energia, grande potencial para a piscicultura intensiva e para a atividade turística, que mesmo
ainda incipiente, alterou profundamente o modo de vida de grande parte da população,
galgada de um sistema econômico caracteristicamente extrativista, considerado o setor
primário da economia, para o setor terciário, este voltado para o comércio e a prestação dos
vários serviços adjacentes ao turismo.
Mas um desses extrativismos, o que nossa pesquisa irá enfatizar, teve projeção
mais intensa sobre a vida de Três Ranchos. Trata-se do garimpo de diamantes, atividade
profusa de fantasias, germe da ostentação e da superfluidade, e de uma cadeia de
enriquecimentos dos quais o seu primeiro agente nem sempre participa. Garimpar, numa
definição, é faina em território insondado e, talvez por isso mesmo, quem a ela se dedica é
tido como sonhador, que “procura o que não perdeu”. Esse sujeito, único constante e
diretamente envolvido na atividade, é o garimpeiro, um tipo humano cujo adjetivo mais
apropriado seria o de aventureiro, sem todo querer dizer que esse termo conforma.
Os primeiros diamantes foram descobertos, no leito do Rio Paranaíba, na fronteira
sul do que hoje é o município de Três Ranchos, na segunda metade da década de 1930; é o
que dizem os anciãos que ainda se lembram das primeiras notícias de que em meio ao
cascalho no leito havia uma riqueza escondida, pedras brilhantes que um italiano esquisito
encontrara e mostrava aos olhos deslumbrados de quem morava nas cercanias. Logo vieram
garimpeiros de todo lado, atraídos pela novidade. Esses ensinaram o ofício aos daqui, de
pronto contaminados pelo desejo da fortuna repentina.
Assim como a água, o diamante, em diversas culturas, assume conotações míticas
e a sua busca desencadeia uma série de simbologias, algumas bastante peculiares,
características dos homens e mulheres envolvidos dos garimpos de diamantes em Três
Ranchos; outras são, por assim dizer, universais, ainda que eventualmente percebidas aqui,
coincidentes com manifestações culturais as mais distantes.

1
Aluno Mestrando do Programa de Pós Graduação do Curso de Geografia, da Universidade Federal de Goiás,
Campus Catalão – Goiás.
A escolha do garimpeiro para protagonista desta pesquisa se dá por entendê-lo e à
sua atividade como elementos fundamentais na formação recente do município de Três
Ranchos. Ainda hoje traços da personalidade do garimpeiro são perceptíveis na cultura e no
modo de vida da população do município, depois de tanto tempo encerrada a garimpagem.
Considerando que o garimpo de diamantes em Três Ranchos foi interrompido em
1982, em função do alagamento de grande parte do município pelo reservatório da Usina
Hidrelétrica de Emborcação, aqueles conhecimentos (assim como tudo o mais que envolve as
práticas do garimpo) necessitam ser documentados, o que é um dos objetivos da pesquisa.
Caso contrário, corre-se o risco de a historicidade da constituição sócio-econômica e cultural
do município de Três Ranchos ficar alijada do registro de tantos eventos e experiências,
muitos dos quais existem agora somente na memória dos garimpeiros.
É interessante observar que, mesmo em condições precárias de vida e muitas
vezes exposto à insalubridade no trabalho, o garimpeiro é saudoso da vida que levava,
provavelmente em virtude dos sonhos e da esperança que o embalavam cotidianamente.
Privado dessa existência (do “vício louco”2 de sonhar!) por conta do alagamento dos sítios
onde garimpava pelas barragens, no caso a Usina Hidrelétrica de Emborcação, o garimpeiro
tornou-se um excluído típico. Sem outro conhecimento, nem outro interesse que o de achar
diamantes, o garimpeiro simplesmente “acampou”, para se tornar uma espécie de força
ambulante, disponível à “infantaria ligeira do capital, que, de acordo com sua necessidade, ora
a lança neste ponto, ora naquele. Quando não em marcha, ‘acampa’. O trabalho nômade é
empregado em várias operações [...]”3; em virtude da nova configuração econômica imposta
desde que a hidrelétrica foi implantada, com atividades essencialmente voltadas para a
prestação de serviços turísticos, muitos ex-garimpeiros de Três Ranchos dispõem-se a
trabalhos como caseiros, jardineiros, vigilantes etc.
Embora não se possa preterir outros componentes importantes no processo de
constituição e emancipação política de Três Ranchos (a própria antiguidade e densidade
demográfica e o interesse dos habitantes, além da implantação da ferrovia, cujo tráfego pela
região iniciou em 1942) é certo que o garimpo influiu, sobremaneira, para o surgimento do
núcleo urbano do município que, se não se agigantou, também não definhou quando acabou a
garimpagem. Situação oposta à que se viu em várias cidades surgidas em Goiás durante o
ciclo do ouro, completamente sucumbidas quando os veios auríferos exauriram.
Propomos percorrer os caminhos da memória desses trabalhadores, homens e
mulheres que se envolveram no garimpo de diamantes em Três Ranchos, e conferir-lhes a
importância devida, a partir de uma perspectiva temporal e espacial, evitando que sejam
mantidos (a despeito de quão preciosas são suas histórias de vida) como aos diamantes que
restaram no Rio Paranaíba, submergidos.

2
Vários autores da literatura regional consideram a lida do garimpeiro um vício, caso de Mário Palmério que em
Vila dos Confins, chamou o garimpo de “vício louco” (1984, p. 103 - 105).
3
MARX, Karl. O capital. 1984, p. 224.

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