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Ensaio
Resumo
Abstract
In this paper we present a brief essay on the development of the concept of probabilities, emphasizing
its subjective nature. We present links between the contributions of Philosophers and Mathematicians
in the elaboration of the pertinent concepts of the theory of the probabilities and statistics. We
understand that the search of the question that motivated these people to lean over this subject, in
other words ``How works the human reasoning?``, helps to get better understand on the concept of
probability as is presented in almost courses of graduation in science (Biology, Physics, Chemistry,
...) of our universities, as well as handling it (to apply). © Ciências & Cognição 2007; Vol. 11: 184-
191.
- E.A. de Oliveira é Doutor em Ciências (Instituto de Física - USP) e pesquisador do Instituto de Astronomia,
Geofísica e Ciências Atmosféricas (USP) vinculado ao projeto FAPESP “Classificação de sistemas precipitantes por
meio de sensoriamento remoto e redes neurais artificiais” (05/60141-0). Atualmente colabora como revisor na revista
Journal of Physics A, Mathematical and General. E-mail para correspondência: evaldo@model.iag.usp.br; V.P.
Barros é Mestre em Ciências (Instituto de Física – USP) e Doutorando pelo mesmo Instituto.
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sobre física quântica, aprendizagem computa- porta ``tem probabilidade'' igual a 1/3, então
cional e epidemiologia. Muitas áreas possuem ele poderia pensar que restou 2/3 para a
cursos de graduação com disciplinas de pro- segunda porta?
babilidade e estatística, no entanto, não Se entendermos que a probabilidade é
abordam a perspectiva bayesiana. uma característica intrínseca do objeto
Iniciaremos este ensaio com o analisado, então a resposta a última pergunta
exemplo do ensino de Física, dentro ensino está longe de ser óbvia.
superior Federal1 algumas poucas universi- Em nosso entender, tais dificuldades
dades apresentam um curso introdutório de residem na falta de esclarecimento sobre o
estatística durante a graduação, mas a maioria conceito de probabilidades que pode ser
não apresenta tais conceitos de forma trabalhada por meio da questão: A princípio,
sistematizada. Desta forma, há um consenso o que se procurava quando a Teoria das
dentre os alunos que este tema é apresentado Probabilidades foi se estruturando?
de maneira deficiente durante a formação Poderíamos começar a pensar em
básica dos físicos. termos da previsão de eventos aleatórios, ou
Este problema já é percebido interna- até certo ponto do futuro, como comumente é
cionalmente no ensino de Física (D'Agostini, ensinado (Dantas, 2000). No entanto, uma
1999) D'Agostini argumenta que a principal análise histórica pode nos surpreender.
razão desta insatisfação por parte dos alunos Mostramos neste artigo que apesar de
na compreensão da estatística e de suas alguns documentos antigos indicarem uma
aplicações é a exposição do conceito de origem das probabilidades na previsão em
probabilidades que não é apresentado com o jogos de azar, sem duvida tal idéia teve sua
devido cuidado. Em seu artigo D'Agostini maior motivação na modelagem matemática
mostra o conceito de probabilidade em termos da forma como a mente humana pensa e toma
da probabilidade subjetiva na qual a teoria decisões. Nesta busca, naturalmente a Teoria
bayesiana é baseada, enfatizando que a idéia das Probabilidades e a estatística surgiram e
de probabilidade como um grau de crença se consolidaram.
sobre a realização de um dado evento não nos O nosso objetivo nesse trabalho não é
leva necessariamente a acreditarmos no que apresentar uma prova da validade da Teoria
quisermos independente dos dados Bayesiana, uma vez que existem vários
fornecidos. trabalhos que o fazem com rigor e clareza
Além das tentativas de se definir a (Cox, 1946; Jaynes, 1988; Bernado, 2000;
probabilidade como limite de freqüências Jaynes, 2003). Desejamos apenas apresentar
relativas não terem sido bem sucedidas mais informações sobre o desenvolvimento do
(Dantas, 2000), o ensino predominante de tal conceito de probabilidades e sua relação com
interpretação gera algumas dificuldades para a modelagem matemática do raciocínio
o manuseio das probabilidades, principal- humano, com o intuito de motivar uma
mente em modelagens. Como um simples exposição mais ampla e intuitiva da Teoria
exemplo, considere o caso de um programa de das Probabilidades nos cursos de graduação.
auditório onde o jogador tem que descobrir O artigo se organiza da seguinte
em que porta está guardado seu prêmio em maneira: na segunda seção apresentamos o
apenas uma tentativa. Se existirem três portas, desenvolvimento da idéia de modelar o
normalmente afirma-se que cada porta ``tem pensamento humano matematicamente, na
probabilidade'' igual a um terço (0,333...%) de seção seguinte apresentamos o surgimento da
conter o prêmio. No entanto, suponha que o sistematização matemática para a Teoria das
jogador tenha escolhido a primeira porta e, Probabilidades, evidenciando alguns trabalhos
para aumentar o suspense, o apresentador recentes sobre a mente humana por meio da
tenha aberto em seguida a terceira porta que Teoria Bayesiana e, por fim, concluímos
apresentou-se vazia. Qual porta o jogador nossa apresentação com uma sugestão para a
deveria escolher? Uma vez que a primeira introdução da Teoria das Probabilidades nos
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Estes recebiam as informações vindas dos conseqüência notável dessa melhoria foi a
órgãos sensitivos e ali acontecia a análise descrição das primeiras células neurais,
sensorial. As imagens formadas eram levadas ocorrendo esta na década seguinte à
ao ventrículo médio, sede da razão, do construção do primeiro microscópio acro-
pensamento e do juízo. Depois entrava em mático. Em conseqüência, os cientistas
ação o último ventrículo, sede da memória. ficaram maravilhados com a rede fina e
Tais ventrículos eram associados a canais por extremamente complexa de processos
onde circulavam espíritos e assim realizavam filamentares que parecia tomar por completo
as funções do cérebro. Com isso, mais uma o sistema nervoso. Qual seria a função desses
vez se diferenciava a alma do raciocínio do processos filamentares? Teria realmente
homem. alguma relação com o raciocínio (isto quer
A idéia de espírito nos ventrículos dizer, a rede de filamentos interna ao
permaneceu por muito tempo e em meados do cérebro.)? Apesar dos cientistas não terem
século XVII d.C., Descartes, filósofo e imediatamente tais respostas, eles tinham
matemático francês, propôs a idéia que o certeza da importância de tal rede para a
cérebro funcionava como uma máquina. Ele compreensão do funcionamento do cérebro.
dizia que os nervos do homem eram cheios de Finalmente, em 1863, Otto Deiters obteve
espíritos de animais que levavam informações imagens claras e completas sobre os
motoras e sensoriais para os ventrículos do neurônios, isolando-os sob o microscópio.
cérebro, à semelhança dos fluidos hidráulicos Daí surgiu o conhecimento da divisão
numa máquina. Assim, Descartes descreveu o estrutural do neurônio: soma (corpo celular),
cérebro como sendo uma máquina, trazendo axônio e dendritos; reconhecida ainda nos
com isso uma rica analogia apesar dos dias de hoje.
controversos espíritos. Embora o conceito do Os avanços nos equipamentos e
cérebro-máquina tenha permanecido até hoje, técnicas não pararam, de forma que no início
no século seguinte a teoria dos espíritos nos do século XX d.C. já era bem aceito que todas
ventrículos foi por água abaixo com a as funções cerebrais eram resultantes da
demonstração da natureza elétrica na intensa transmissão de mensagens elétricas (
condução nervosa, publicada pelo fisiologista e/ou neurotransmissores) pela gigantesca rede
italiano Luigi Galvani (séc. XVIII d.C.). de neurônios do cérebro. Logo, o mais recente
Com o passar dos séculos, as alvo era decifrar a linguagem dos impulsos
descobertas sobre a fisiologia e funcio- nervosos que já se sabia serem “tudo ou
namento do cérebro acumularam-se a uma nada”, ou de uma forma mais ampla, lidar
velocidade cada vez maior, acompanhando com a questão: seria possível modelar o
uma gradual dissociação entre o estudo do raciocínio humano?
“cerne do homem” e o estudo do “raciocínio As teorias e ferramentas criadas para
humano”. Esse acréscimo na velocidade se responder a pergunta do parágrafo anterior, na
deu devido ao desenvolvimento paralelo das verdade, foram criadas e desenvolvidas muito
teorias físicas e suas aplicações na construção antes da descoberta da rede de neurônios do
de novos equipamentos de pesquisa. O cérebro. A discussão sobre o que seria o
microscópio, construído pela primeira vez em raciocínio e como funcionaria, ou como
1595 pelos holandeses Hans e Zacharias construí-lo, aparentemente seguiu o mesmo
Jansen, foi um desses equipamentos funda- caminho grego-renascentista. Como mencio-
mentais para o avanço das pesquisas sobre o namos, o estudo do raciocínio humano
cérebro e suas funções. Embora tenha sido começou a se diferenciar do estudo do pensa-
muito rudimentar nos seus primeiros séculos mento ou alma do homem no início do
de “vida”, no século XIX d.C. o microscópio primeiro milênio d.C., o que, em nossa
recebeu uma considerável melhoria na sua opinião, contribuiu fortemente para o desen-
resolução, impulsionando novas descobertas volvimento da compreensão do raciocínio,
sobre estruturas internas do cérebro. Uma escapando de questões intratáveis.
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Apesar dos conceitos sobre mente, talvez tenha ocorrido devido aos pesquisa-
pensamento e raciocínio já terem sido dores estarem procurando uma alternativa
bastante discutidos até o primeiro milênio para a Teoria das Probabilidades apresentada
d.C., a estruturação e elaboração destes numa no início do século XIX d.C.
forma mais precisa só foi realizada no século Apesar da Teoria das Probabilidades
XVII d.C. com Descartes. Além de comparar já estar razoavelmente desenvolvida,
o cérebro com uma máquina, Descartes principal-mente devido a Bernoulli (séc.
também estruturou, ou melhor, organizou e XVIII d.C.), Thomas Bayes (séc. XVIII d.C.)
elaborou, “o conhecimento do conhecimento e posteriormente Laplace (séc. XIX d.C.),
humano” --- como este funcionaria. Seus ainda existiam algumas lacunas entre as idéias
trabalhos sobre a estruturação do conheci- conceituais das probabilidades e o que se
mento tiveram um grande impacto na ciência, esperava de uma teoria matemática
não só com relação à estrutura do raciocínio “rigorosa”. Na teoria proposta por Bayes em
humano mas principalmente ao desenvol- An Essay Toward Solving a Problem in the
vimento do método da ciência. Além disso, Doctrine of Chances, a probabilidade
Descartes também defendia que a matemática representava um “grau de crença”, ou seja, o
era uma linguagem comum da mente, quanto se pensava ser alguma coisa
princípio tal cada vez mais popular. Nessa verdadeira baseando-se na evidência dispo-
direção, aproximadamente dois séculos nível. Isto causava um certo desconforto para
depois, George Boole construiu uma álgebra quantificar e operar crenças, ou seja,
binária (hoje conhecida por álgebra booleana) pensamentos. Apesar de Laplace ter
que representaria as “leis do pensamento”3, desenvolvido analiticamente as idéias
revolucionando mais uma vez a teoria do apresentadas por Bernoulli4, reforçando o
raciocínio. Boole (1854) tinha uma clara trabalho de Bayes, ainda havia muita
compreensão da magnitude do seu trabalho, o desconfiança e indisposição por parte da
que era evidenciado tanto por seu próprio maioria dos matemáticos e físicos (se não
título quanto pela própria elucidação do seu maioria, com certeza os mais influentes) para
objetivo --- veja a citação abaixo: tal teoria. A principal crítica era que o
conceito de probabilidade apresentado era
“O motivo do presente tratado é muito vago e subjetivo para ser base de uma
investigar as leis fundamentais do teoria matemática. Assim, no século XX d.C.
funcionamento do cérebro através das houve um grande esforço para “consertar” as
quais o raciocínio se realiza; expressá- probabilidades e por fim acabaram definindo
las através da linguagem do cálculo e, uma nova probabilidade que representava a
sobre este fundamento, estruturar a freqüência relativa de um evento numa
ciência da lógica e construir o seu repetição de grandes conjuntos de amos-
método; fazer deste método a base de tragem. Com esse novo conceito de
todos os métodos para aplicação da probabilidade, aparentemente ganhou-se mais
doutrina matemática das probabilidades; objetividade na teoria, uma vez que
e, finalmente, recolher dos vários “freqüências” podem ser medidas. No
elementos verdadeiros trazidos para entanto, com isso limitou-se considerável-
serem examinados no curso destas mente o espaço da validade ou aplicações das
investigações alguma provável sugestão probabilidades.
a respeito da natureza e constituição da Assim, mesmo com a visível riqueza
mente humana.” (Boole, 1854: 1). da proposta Bayesiana, bem como sua
correspondência qualitativa com o senso
No entanto, as Leis do Pensamento comum, a abordagem freqüencista foi
não foram bem recebidas, na verdade, gradualmente ganhando espaço frente à
podemos dizer que foram negligenciadas. A Bayesiana. Essa tendência era grandemente
razão para tal não parece muito clara, mas facilitada pela falta de argumentação
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Notas
(1) Numa rápida pesquisa nos currículos apresentados na internet de três conhecidas universidades federais do sudeste
brasileiro, encontra-se que apenas uma apresenta um curso de estatística em sua grade curricular, sendo o mesmo um
curso optativo para as carreiras de bacharelado e licenciatura em Física.
(2) Ou estados da alma (alegria, tristeza, raiva,...).
(3) Abreviação do título: Uma Investigação das Leis do Pensamento, em que se Fundamentam as Teorias Matemáticas
da Lógica e Probabilidades. Trabalho publicado por G. Boole em 1854.
(4) Expressadas no livro “A arte da conjectura”, publicado por Bernoulli em 1713.
(5) Perceba que estamos falando das regras utilizadas num processo de inferência e não dos resultados obtidos. Até
porque a boa qualidade da inferência bayesiana é bem conhecida desde a época de Laplace, quando ele estimou a massa
de Saturno.
(6) Grundbegriffe der Wahrscheinlichkeitsrechnung, publicado por Kolmogorov em 1933 na Alemanha.
(7) Prêmio nobel em Física em 1977.
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