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Aventuras da família Brasil. Parte II. Porto Alegre: L&PM, 1993, p.

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Verifica-se na tirinha acima que quando a filha vai apresentar o namorado para seus pais
ela realiza performativos,ou melhor, ela faz duas declarações: “(eu afirmo que) este é o
Mongo.” E “(eu afirmo que) ele faz teatro”. Todavia, quando o pai diz “Shakespeare?”, ele está
querendo ser legal e dar inicio a um diálogo, interrogando ao rapaz, que faz teatro, se ele
encena ou encenou peças de William Shakespeare. O pai partiu da suposição de que quem faz
teatro deve conhecer alguma peça do dramaturgo inglês, só que é quebrada a expectativa tanto
para o pai quanto para o leitor da tira quando o namorado diz: “não, obrigado. Mas um
cafezinho eu aceito”. Imaginando que Shakespeare talvez fosse algo de comer ou beber, o
namorado dá outra dimensão à força ilocucionária da fala do pai.
Diante disso, o efeito da fala do pai não foi o previsto, havendo assim uma conseqüência
para o leitor que é humor; para o pai, que ficou perplexo diante do acontecido do rapaz realizar
a ação dizer que faz teatro e não conhecer Shakespeare.

Segundo Austin (1976, p. 14), para que um ato performativo seja feliz, “é preciso existir um
procedimento convencionalmente aceito, que apresente um determinado efeito convencional e
que inclua o proferimento de certas palavras, por certas pessoas e em certas situações”. No caso
dessa tira, tudo isso, até um certo momento, estava nas “condições de felicidade” e,
consequentemente , o ato performativo final se realizaria com sucesso, mas, com imperfeição
no último quadrinho, porque o performativo acontece nas condições de infelicidade.
Folha de S. Paulo. Ilustrada. 18 de jul. 2000. p 7

Observa- se no primeiro quadrinho que quando Hagar fala, o interlocutor pode


repetir parte da pergunta na resposta, que ficaria dessa forma: “ o doutor Zook disse que
eu tenho de parar de beber, de comer demais e de ficar fora até tarde.”, só que os
personagens estão numa situação de comunicação e mesmo não contendo uma parte da
pergunta não altera o sentido do texto.
Já no segundo quadrinho, Hagar diz respeito ao médico que o aconselha sobre a
mudanças de hábitos o que vai fazer bem a sua saúde só que o leitor espera de fato que
ele siga a mudanças ditas pelo médico, mas o sinal de pontuação presente no final do
segundo quadrinho permite que o leitor fique surpreso, porque Hagar não estava
disposto a parar de beber, comer demais e tampouco ficar fora até tarde, para ele era
mais praticável trocar de médico.
É nítido também que neste segundo quadrinho há um performativo implícito, que nas
palavras de Austin, atribui -se um acordo ou manifesta alguma intenção.
Fica claro, todavia, que ao observarmos o terceiro e último quadrinho , não há um
entendimento se quer entre o que o interlocutor espera de Hagar e também de seus
leitores e o que Hagar pretende que é preservar suas manias.
A situação descrita pelo autor da tira e performada por Hagar tem relação como o que
diz Austin (1976, p. 42):

Se alguns de nossos pensamentos são incorretos (em oposição a


insincero), isto pode resultar em uma infelicidade de diferente tipo:
[...]
b) “Eu o aconselho a fazer X” é um enunciado performativo.
Consideremos o caso de alguém que aconselha outra pessoa a fazer
algo que, de fato não lhe seja interessante, mesmo que aquele que
aconselhou pense que o seja. Este caso é diferente, posto que aqui
inexiste a intenção de pensar que o ato de aconselhar possa ser nulo ou
anulável, e do mesmo modo, inexiste a tentação de se pensar que seja
insincero. O melhor é introduzir aqui uma nova dimensão de crítica –
diremos tratar-se de um mau conselho.

Também não podemos deixar de notar que o conselho do médico não deixou de ser um
enunciado performativo simplesmente pelo fato de Hagar não achar legal ter que deixar
as manias no qual ele vivia. Considerando assim a primeira parte das orientações do
médico como um “mau conselho” mas concedeu que deveria fazer mudanças
necessárias para sua saúde e o segundo conselho que é uma mudança que gera surpresa
no leitor da tira e no interlocutor de Hagar.

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