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VIRGÍNIA TOTTI GUIMARÃES

O LICENCIAMENTO AMBIENTAL PRÉVIO E A


LOCALIZAÇÃO DE GRANDES EMPREENDIMENTOS.

O caso da TKCSA em Santa Cruz, Rio de Janeiro, RJ.

Dissertação apresentada ao curso de Mestrado do Programa


de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional da
Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte
dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre em
Planejamento Urbano e Regional.

Orientador: Prof. Dr. Henri Acselrad

Rio de Janeiro

2011
G963l Guimarães, Virgínia Totti.
O licenciamento ambiental prévio e a localização de
grandes empreendimentos : o caso da TKCSA em Santa
Cruz , Rio de Janeiro, RJ / Virgínia Totti Guimarães. –
2011.
119 f. ; 30 cm.

Orientador: Henri Acselrad.


Tese (mestrado) – Universidade Federal do Rio de
Janeiro, Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e
Regional, 2011.
Bibliografia: f. 110-119.

1. Licenciamento ambiental - Brasil. 2. Proteção


ambiental. 3. Projetos de desenvolvimento econômico.
I. Acselrad, Henri. II. Universidade Federal do Rio de
Janeiro. Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e
Regional. III. Título.

CDD: 363.7
Assim se esboçam as condições de possibilidade de um meio
justo: a limitação da nossa vontade actual de poder e de
usufruto é o garante do estabelecimento de vínculos com as
gerações que nos precederam e com as que nos sucederão.
Longe de ser um meio termo medíocre entre dois extremos, o
meio justo surge como uma alternativa radical: a radicalidade da
exigência ética da partilha, radicalidade epistemológica do
espaço intermédio (o meio como tensão entre objecto e
sujeito).
(OST, 1995; 19)
DEDICATÓRIA E AGRADECIMENTOS

Aos meus pais, por tudo, sempre e por ensinarem, a cada dia, que os sonhos e a
felicidade são mais importantes que tudo. À Bianca e Julieta, que me lembram o
que de melhor pode conter no conceito de irmã.

Ao meu Orientador, especialmente pela confiança e generosidade, além do extremo


conhecimento e profissionalismo, sem o qual não teria sido possível a realização
deste trabalho.

Ao IPPUR/UFRJ e NIMA/PUC-Rio, seus professores e funcionários, aos quais devo


grande parte da minha parte formação acadêmica e pessoal, e que comprovam que
o ensino e pesquisa devem estar vinculados a uma finalidade de efetiva melhora da
realidade.

Aos meus amigos da e para vida toda: Malu, Dani, Fernando, Paula, Lili, Mila, Thula,
Roberto, Fernanda, Lorenzo.

Aos meus queridos amigos do Direito Ambiental que, além de compartilharem


comigo os ideais do trabalho, são indispensáveis em minha vida.

Aos amigos do INEA, com os quais tive a alegria de dividir tantos e importantes
momentos.

À minha turma do IPPUR, que me ajudou a ingressar neste árduo e gratificante


caminho de um mestrado interdisciplinar, e à Denise, que dividiu comigo as alegrias
e angústias deste mesmo caminho.

Aos que tem que conviver com os “usos sujos”, com a esperança de que esta
pesquisa, ainda que minimamente, contribua para um cenário de mudança.
RESUMO

O licenciamento ambiental tem como objetivo analisar a localização,


instalação, ampliação e operação de atividades potencialmente causadoras de
degradação ambiental, além de verificar a sua compatibilidade com as normas e
padrões ambientais em vigor. Este instrumento tem previsão na legislação
ambiental brasileira, que vem se desenvolvendo mais largamente desde a década
de 1980, sendo considerada bastante avançada em termos de proteção do meio
ambiente. Em que pese esta percepção sobre as normas ambientais, percebe-se,
cada vez mais, a aprovação de projetos – especialmente os de grande porte – que
parecem contrariar o senso comum e científico de proteção ambiental. Nestes
casos, a forma de ocupação do território parece estar condicionada a decisões
políticas que antecedem ao licenciamento ambiental e a participação pública.
Pretende-se, assim, a partir da análise do licenciamento ambiental prévio da
Companhia Siderúrgica do Atlântico-Sul, construída em Santa Cruz, às margens da
Baia de Sepetiba, estudar a existência de decisões políticas anteriores ao
licenciamento ambiental e seus reflexos na condução deste procedimento, inclusive
em relação à interpretação e aplicação das normas ambientais.

Palavras-chave: Licenciamento ambiental. Grandes projetos. Ocupação do território.


ABSTRACT

Environmental licencing bears, as its aim, analyzing the location, installation ,


enlargement and operations of potentially environmental degradation activities, in
addition to determining their compatibility with the environmental standards and rules
in force. This instrument is envisaged in Brazilian environmental legislation, which
has developed widely since the 1980's, being considered very advanced regarding
environmental protection. As to this perception of environmental rules , one notices,
ever more, the approval of projects -- especially those of a major proportion which
run against common and scientific environmental protection sense. In these cases,
the form of territorial occupation seems to be conditioned to political decisions which
antecede environmental licencing and public participation. We thus intend, as from
the analysis of prior environmental licencing for the Companhia Siderúrgica Atlântico-
Sul (The Atlantic-South Steel Company) on the shores of the Sepetiba Bay, to
analyze the existence of previous political decisions to environmental licencing and
their impact on the development of such procedure, even as to the interpretation and
application of environmental standards.

Key words: Environmental licencing. Major projects. Territorial occupation.


SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO ....................................................................................................11

CAPÍTULO 1 – O PROCESSO DE OCUPAÇÃO DO BAIRRO DE SANTA CRUZ,


LOCALIZADO NO MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO.............................................15

1.1 HISTÓRICO DA OCUPAÇÃO DE SANTA CRUZ ATÉ O FINAL DO SÉCULO


XIX E A SUA ESCOLHA PARA ABRIGAR O MATADOURO DA CIDADE................16

1.2 O SÉCULO XX E A INSTALAÇÃO DE INDÚSTRIAS NA ZONA OESTE DO


MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO............................................................................20

1.3 ALGUMAS CONSEQÜÊNCIAS DAS POLÍTICAS ADOTADAS NO BAIRRO DE


SANTA CRUZ ............................................................................................................26

CAPÍTULO 2 – O LICENCIAMENTO AMBIENTAL NO BRASIL ............................31

2.1 LICENCIAMENTO AMBIENTAL: CONCEPÇÃO E IMPLICAÇÕES ..................34

2.1.1 O conceito de impacto ambiental ................................................................41

2.2 A COMPETÊNCIA PARA O LICENCIAMENTO AMBIENTAL...........................43

2.3 A EXIGÊNCIA LEGAL DE APRESENTAÇÃO DE ALTERNATIVAS


LOCACIONAIS...........................................................................................................49

2.4 O REGIME JURÍDICO DAS ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE...... 51

2.5 A COMPENSAÇÃO PELOS IMPACTOS AMBIENTAIS.....................................55

CAPÍTULO 3 – O LICENCIAMENTO AMBIENTAL PRÉVIO DA COMPANHIA


SIDERÚRGICA DO ATLÂNTICO SUL .....................................................................59

3.1 A COMPANHIA SIDERÚRGICA DO ATLÂNTICO SUL E SEU


RELACIONAMENTO COM O PODER PÚBLICO .....................................................60
3.2 ANTERIOR TENTATIVA DE IMPLANTAÇÃO DE UM PÓLO SIDERÚRGICO EM
SÃO LUIS, MA ...........................................................................................................65

3.3 O LICENCIAMENTO AMBIENTAL PRÉVIO DA TKCSA ...................................67

3.3.1 A fragmentação do licenciamento ambiental da empresa ........................68

3.3.2 Competência para o licenciamento ambiental da empresa ......................72

3.3.3 Abrangência dos estudos ambientais apresentados ................................73

3.3.4 A amplitude da análise dos impactos na população..................................79

3.3.5 O atendimento da exigência legal de apresentação de alternativas


locacionais no licenciamento ambiental da TKCSA.............................................88

3.3.6 A justificativa para intervenção em áreas de preservação


permanente...............................................................................................................95

3.3.7 A alteração do Zoneamento Industrial Metropolitano pelo Estado para


possibilitar a instalação da empresa......................................................................97

3.3.8 A participação da sociedade e do Ministério Público no procedimento de


licenciamento prévio da TKCSA...........................................................................100

3.3.9 Os valores pagos a título de compensação ambiental e os reflexos na


decisão sobre a licença ambiental.......................................................................104

CONCLUSÃO..........................................................................................................106

REFERÊNCIAS........................................................................................................111

ANEXO.....................................................................................................................121
11

APRESENTAÇÃO

A legislação ambiental brasileira remonta à década de 1930,1 sendo


considerada, no âmbito do Direito, como uma das mais avançadas do planeta em
comparação com a dos outros países. Dentre os avanços que vêm sendo
destacados, citam-se a titularidade do direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado como pertencente a toda coletividade, o estabelecimento de obrigações
específicas ao Poder Público na defesa deste direito, além de instrumentos postos à
disposição do Poder Público e da sociedade, tais como a responsabilização por
danos ambientais e a ação civil pública.

Neste sentido, o licenciamento ambiental, caracterizado como um


procedimento administrativo pelo qual o órgão ambiental competente analisa a
localização, instalação, ampliação e a operação de empreendimentos e atividades
que possam causar degradação ambiental ou poluição, bem como as que envolvem
recursos ambientais, é um dos instrumentos bastante utilizados na gestão ambiental
no Brasil.

No procedimento do licenciamento ambiental, para atividades e


empreendimentos capazes de causar significativo impacto ambiental, exige-se a
elaboração do Estudo de Impacto Ambiental (EIA), e seu respectivo Relatório de
Impacto ao Meio Ambiente (RIMA). O objetivo expresso destes documentos é
analisar a viabilidade ambiental do empreendimento, bem como estabelecer os
requisitos básicos e condicionantes a serem atendidos na sua implantação; em seu
curso, podem ser realizadas audiências públicas para discussão do projeto e de
seus impactos ambientais.

No entanto, em que pese tais previsões legais, e ainda a percepção de uma


avançada legislação ambiental, não raro têm sido vistas licenças ambientais para
atividades e empreendimentos, especialmente grandes projetos, que contrariam o
senso comum e científico de proteção do meio ambiente. Com freqüência, setores
da sociedade pronunciam-se assinalando que a decisão não se encontra vinculada
às conclusões dos estudos e do processo de licenciamento ambiental, e que, por

1
Até a década de 80, a legislação limitava-se à disciplina de certos bens ambientais, como recursos
hídricos e florestas. Somente com a Lei federal 6.938/81 que o meio ambiente foi tratado como um
sistema, tendo sido definido como “o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem
física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas” (artigo 3º,
inciso I).
12

conseqüência, o instrumento ter-se-ía transformado no cumprimento de uma mera


formalidade legal. Neste sentido, as críticas sugerem que as tomadas de decisão
acerca do empreendimento são anteriores à elaboração dos estudos ambientais e,
inclusive, ao pedido de licença ambiental. Fariam, assim, como parte deste
processo, as públicas e notórias pressões sofridas pelos técnicos, e pelos próprios
dirigentes dos órgãos ambientais, para que a licença seja concedida – inclusive em
um curto espaço de tempo –, bem como as manifestações explícitas de irritação
acerca do procedimento emitidas pelos chefes dos Poderes Executivos ou ministros
e secretários de outras pastas.

Especialmente nestes processos, percebe-se que os conceitos da legislação


ambiental podem ser manejados de modo a enquadrar a possibilidade de
implantação destes empreendimentos, ou, ainda, pode ocorrer a alteração de
normas ambientais, configurando formas de flexibilização destas. A flexibilização
das normas corresponde a um processo de conformação dos preceitos
estabelecidos na legislação pelo órgão ambiental ou até mesmo de alteração da
legislação, abrandando-se restrições ao desenvolvimento de atividades, de modo a
possibilitar sua instalação, ainda que se estabeleçam medidas compensatórias aos
danos causados.

A partir de um estudo de caso, na presente Dissertação propõe-se a


problematizar as condições concretas pelas quais há conjugação dos aspectos
legais, econômicos e políticos para configurar os modos de ocupação do território.
Tem-se, por objeto, assim, o diagrama de forças através do qual a legislação –
suposta “avançada” pelos meios jurídicos correntes – é, por vezes, pragmaticamente
flexibilizada de modo a ajustar-se aos propósitos da atração de investimentos.
Pretende-se esclarecer o modo como as políticas de fomento a atividades industriais
influem no licenciamento ambiental prévio de grandes projetos, especialmente em
relação ao atendimento das normas ambientais. No caso em análise, discute-se a
hipótese de que a própria decisão de localização do empreendimento, dada a
comparação com a rejeição de um empreendimento similar em outras localizações
anteriormente planejadas, mostrou-se associada à possibilidade de flexibilização de
normas. O enfoque da dissertação é análise da observância da legislação ambiental
no procedimento de licenciamento prévio, tendo como pressuposto que as normas
ambientais vêm sendo editadas para controlar a utilização dos recursos naturais e
13

permitir sua continuidade, inclusive em relação aos meios de apropriação pela


população.

Com o objetivo de analisar a relação acima destacada, toma-se como objeto


específico da pesquisa o licenciamento ambiental prévio2 de uma grande siderúrgica
na zona oeste do Município do Rio de Janeiro, que foi conduzido pelos órgãos
ambientais estaduais.3 Para o estudo deste licenciamento, foram analisados os
procedimentos administrativos da Fundação Estadual de Engenharia do Meio
Ambiente (FEEMA) e do Instituto Estadual do Ambiente (INEA), bem como as
matérias publicadas nos jornais e na rede mundial de computadores sobre o
empreendimento, comparando com as informações que constam nos documentos
produzidos pela empresa.

A Companhia Siderúrgica do Atlântico-Sul (TKCSA) foi construída em Santa


Cruz, às margens da Baia de Sepetiba, no município do Rio de Janeiro, com
previsão de iniciar suas operações em 2012. O empreendimento, de propriedade da
empresa alemã TyssennKrupp Steel (TKS) com participação da Companhia Vale do
Rio Doce (CVRD), está previsto para ser a maior siderúrgica da América Latina. Por
outro lado, o bairro de Santa Cruz é notadamente um dos locais com os mais baixos
índices de saúde, escolaridade, qualidade das habitações, expectativa de vida da
população, dentre outros, e que sofreu um sério processo de degradação ambiental,
ao longo do século passado.

A Dissertação será dividida em três capítulos, além desta introdução e de um


capítulo conclusivo. No primeiro capítulo será analisado o processo de ocupação de
Santa Cruz desde o início do século XIX até os dias atuais, com o objetivo de
apresentar o local escolhido para implantação de um grande projeto como a
siderúrgica. O segundo capítulo pretende apresentar a resposta do Direito aos
casos de degradação do meio ambiente, notadamente a partir da década de 1970,

2
As informações utilizadas na elaboração desta Dissertação são públicas e encontram-se disponíveis
nos órgãos ambientais, Ministério Público, internet, meios de comunicação, dentre outros.
3
O Instituto Estadual do Ambiente (INEA), criado pela Lei estadual 5.101/2007 e instalado pelo
Decreto estadual 41.628/2009, é a atual entidade pública no Rio de Janeiro, responsável pela
execução das políticas estaduais do meio ambiente, de recursos hídricos e de recursos florestais.
Sua instalação determinou a extinção da Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente
(FEEMA), da Fundação Superintendência de Rios e Lagoas (SERLA) e do Fundação Instituto
Estadual de Florestas (IEF), cujas competências e atribuições foram transferidas ao INEA. Os
procedimentos de solicitação de licença ambiental prévia, autorização para supressão de vegetação
de preservação permanente e outorga de uso da água, pela Companhia Siderúrgica do Atlântico-Sul
(TKCSA), foram apresentados, respectivamente, na FEEMA, no IEF e na SERLA.
14

em relação ao procedimento de licenciamento ambiental. O terceiro capítulo será


dedicado à abrangência dos estudos ambientais apresentados no licenciamento
prévio da TKCSA, tentando-se identificar a forma de atendimento da legislação e as
possíveis mudanças de interpretação, e, ainda, alteração do texto legal.
15

CAPÍTULO 1 – O PROCESSO DE OCUPAÇÃO DO BAIRRO DE SANTA CRUZ,


LOCALIZADO NO MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO

O bairro de Santa Cruz localiza-se no extremo oeste do Município do Rio de


Janeiro e possui um dos piores índices relacionados à qualidade de vida da
população, dentre os quais se destacam o acesso ao saneamento básico, a
qualidade das habitações, a expectativa de vida e a escolaridade da população. A
situação atual, contudo, não é conseqüência do acaso, mas de políticas e ações que
foram – ou deixaram de ser – adotadas no local. Apesar de não ser objeto desta
Dissertação, pode-se destacar que alguns destes índices estão diretamente
relacionados a atribuições dos Poderes Públicos, como o acesso à educação de
qualidade, saúde e infra-estrutura de saneamento básico.

Outras medidas, igualmente relacionadas às escolhas que vem sendo feitas


para a região, referem-se aos incentivos públicos oferecidos para atrair indústrias no
local, o que vem ocorrendo desde a década de 1970, com a criação da Zona
Industrial de Santa Cruz. Conforme se pretende analisar neste Capítulo, o principal
efeito da instalação destas indústrias no local não vem sendo o aumento da
qualidade de vida da população, mas sim o alto índice de poluição, resultando,
muitas vezes, em agravamentos de problemas de saúde. Além disso, deve-se notar
que, em certos casos, existe uma incompatibilidade de usos no local, como, por
exemplo, ocorre em relação às atividades que causam poluição na Baía de Sepetiba
ou estabelecem áreas privativas de uso naquele local.

A análise do local escolhido para implantação da Companhia Siderúrgica do


Atlântico Sul, por meio da apresentação de um histórico de ocupação do bairro de
Santa Cruz, no município do Rio de Janeiro, é fundamental para se entender o
alcance dos estudos ambientais apresentados no processo de licenciamento e,
ainda, para localizar a empresa no território.

Neste sentido, inicia-se com uma breve apresentação do processo histórico


de ocupação de Santa Cruz a partir do século XIX, em que a atividade rural era
predominante, passando por transformações mais intensas a partir da chegada da
família real no Rio de Janeiro. A análise do local possui como foco dois momentos
considerados fundamentais para objeto desta Dissertação: a implantação do
Matadouro de Santa Cruz, inaugurado em 1881, e a instituição da Zona Industrial de
16

Santa Cruz, no final da década de 1970. Além disso, pretende-se, ainda que
brevemente, analisar as conseqüências ou efeitos das políticas adotadas para a
Região, especialmente o incentivo à instalação de indústrias e o pouco investimento
em infra-estrutura.

1.1 HISTÓRICO DA OCUPAÇÃO DE SANTA CRUZ ATÉ O FINAL DO SÉCULO


XIX E A SUA ESCOLHA PARA ABRIGAR O MATADOURO DA CIDADE

A região do atual bairro de Santa Cruz, que até meados do século XVII era
ocupada por aldeias indígenas, teve seu povoamento por portugueses iniciado no
século XVI com Cristóvão Monteiro, e posteriormente foi doada à Capitania de São
Vicente.4 Em 1718, o local foi ocupado por missionários da Companhia de Jesus,
que constituíram um latifúndio conhecido como Fazenda de Santa Cruz, tendo como
principais atividades a criação de gado e os cultivos, inclusive de cana-de-açúcar.5
Em 1759, com a expulsão dos jesuítas do país, a Fazenda passa a ser propriedade
real e a região atravessa um período de decadência econômica.6

Ao final do século XVIII, tem-se a recuperação da Fazenda Santa Cruz com a


criação de gado, além do cultivo de mandioca e cana-de-açúcar, que se tornou o
principal produto do local, contando, ainda, com dois engenhos. Destaca-se que,
nesta época, os rios tinham um forte papel para comunicação e escoamento da
produção.7 No mesmo período, com a chegada da família real no Brasil, a Fazenda
Santa Cruz torna-se seu local de veraneio, passando a ser denominada de Real
Fazenda de Santa Cruz.

No Relatório Beaurepaire, apresentado à Câmara Municipal do Rio de Janeiro


em 20/09/1843, enfatizou-se “o estado de abandono em que se encontra o interior
do município, em contraposição à sua importância comercial de alguns sítios como

4
FUNDAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO DA REGIÃO METROPOLITANA DO RIO DE
JANEIRO, 1976, p. 61.
5
FUNDAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO DA REGIÃO METROPOLITANA DO RIO DE
JANEIRO, op. cit., p. 65.
6
FUNDAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO DA REGIÃO METROPOLITANA DO RIO DE
JANEIRO, loc. cit.
7
FUNDAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO DA REGIÃO METROPOLITANA DO RIO DE
JANEIRO, loc. cit.
17

Guaratiba e Santa Cruz”,8 recomendando a criação de um órgão para a inspeção e


manutenção de estradas.

A partir de meados do século XIX, o país passa a sofrer diversas


modificações, o que se sente primordialmente no Rio do Janeiro, que abriga o
principal porto exportador e concentra a riqueza e o poder. As transformações
políticas, econômicas e sociais ocorridas neste período são imensas, com enfoque
na modernização do Brasil ainda que em uma sociedade escravocrata.

O empobrecimento das terras do Vale do Paraíba e queda na lucratividade da


produção escravagista (e, ao fim, a abolição da escravatura) serão responsáveis
pelo declínio da economia do café na província do Rio de Janeiro, cujo capital será
transferido para cidade por meio de investimento em atividades urbanas,
manufatureiras e industriais.9 Importante mudança foi a promulgação da Lei de
Terras em 1850, que permitiu a formação de um mercado capitalista de terras por
meio da desvinculação do uso efetivo à posse,10 bem como a promulgação de um
Código Comercial.

A área central do Rio de Janeiro, que passa a ser beneficiada com obras de
arruamento, calçamento, saneamento, tem significativo adensamento populacional,11
diante do fluxo migratório interno oriundo das áreas degradadas da população
cafeeira, da imigração de trabalhadores estrangeiros não qualificados e,
posteriormente, de escravos libertos, resultando em inúmeros cortiços (moradias
precárias e intensamente povoadas). A questão habitacional do Rio de Janeiro, em
especial da área central, que já havia começado com a chegada da família real ao

8
RABHA, 2008, p. 20.
9
FURTADO, 1988, p. 8. FURTADO destaca que neste período de surto manufatureiro-industrial
diversas fábricas vão se instalar no entorno da cidade, “escolhendo localizações onde possam tirar
partido da presença de cursos d’água, de vastas áreas desocupadas e do recém-implantado serviço
de transportes”. Para atender a força de trabalho, nestes locais, serão construídas habitações
operárias pelas fábricas. Especificamente em relação à Zona Oeste, destaca-se a construção da
Fábrica de Tecidos Bangu, que gera a imediata inauguração da estação Bangu no Ramal de Santa
Cruz e que vai transformar não somente o entorno, mas como todo este ramal (p.9).
10
MURILLO MARX afirma: “A Lei de Terras de 1850 inaugurou um novo sistema geral de obtenção e
de transmissão de terras entre nós. Tal sistema, significativamente, muito tardou, tendo sido o de
sesmarias suspenso uma geração antes, porém não substituído até o seu advento. A Lei de Terras
estabeleceu como única forma possível de adquirir ou de transmitir a outrem que não os herdeiros a
compra e venda de terras. Calcava-se assim na afirmação avassaladora do liberalismo, na
experiência da Revolução Francesa, assim como no importante trato da questão que se dava com a
conquista das terras imensas e virgens da América do Norte”. MARX, 1991, p. 119.
11
SCHULTZ, 2008, pp. 161-163.
18

Brasil,12 intensifica-se. E, “no período compreendido entre 1850-1870, a crise


habitacional, entendida como escassez e carestia das habitações para gente pobre,
emergiu como um dos traços mais característicos e recorrentes da vida urbana do
Rio de Janeiro”.13

Por outro lado, as ferrovias permitem a expansão da cidade, por meio da


indução da ocupação das freguesias suburbanas e das áreas que não estavam
integradas à cidade e que se mantinham com características rurais.14 Neste sentido,
“a integração cada vez maior do país na divisão internacional do trabalho impôs a
necessidade de diminuição constante do tempo e custo da circulação de
mercadorias, objetivo que foi facilitado pela abundância de capitais estrangeiros que
procuravam fontes adicionais de reprodução, e que financiaram não apenas a
construção de ferrovias por todo país, como também a execução de melhoramentos
portuários diversos”.15

É importante destacar que “embora as linhas ferroviárias não tenham sido


destinadas prioritariamente ao transporte de passageiros, o acesso a este serviço
transforma antigas zonas rurais em bairros residenciais, como decorrência do febril
retalhamento de terra e do deslocamento, para a região, de uma parcela
considerável da força de trabalho”,16 tendo resultado em uma transformação na
paisagem de muitas cidades brasileiras, em especial no Rio de Janeiro.

A Estrada de Ferro D. Pedro II, depois denominada de Estrada de Ferro


Central do Brasil, iniciou-se em 1855, com a “constituição de uma companhia a partir
da concessão de direitos e privilégios para construção de uma ferrovia ligando a
Corte às províncias de São Paulo e Minas Gerais”, e “sua criação é concretizada
quando se faz necessário facilitar o escoamento da produção agrícola destinada à
exportação e ao abastecimento interno do País”.17

As estações do Ramal de Santa Cruz da Estrada de Ferro Central do Brasil


foram inauguradas em 1878, sendo decisivas para o crescimento populacional da
região e alteração das características de ocupação do solo de Santa Cruz,18 que, ao

12
RABHA, op. cit., p. 35.
13
BENCHIMOL, 1992, p. 124.
14
RABHA, op. cit., p. 36.
15
ABREU, 1996, p. 171.
16
RABHA, op. cit., p. 36.
17
FURTADO, op. cit., p. 2.
18
FROES; GELABERT, 2004, p. 195.
19

final do século XIX, encontra-se estagnada, sofrendo os efeitos da abolição da


escravatura, e conseqüente falta de braços para lavoura, do abandono de terras, da
obstrução dos rios, das más condições de saneamento e de um surto de malária.19
Destaca-se que a população residente em Santa Cruz em 1838 era de 3.677
habitantes e em 1870 de 3.445, apresentando uma taxa de crescimento negativa de
6%. Para o declínio da atividade rural no local, contribuiu, ainda, a construção de
um ramal da Estrada de Ferro Central do Brasil que possibilitou o desvio da
produção do café para São Paulo.

Neste contexto, em 1881, foi inaugurado o Matadouro de Santa Cruz,


substituindo o Matadouro de São Cristóvão, que sucedeu ao Matadouro do Centro.
Ao analisar o Rio de Janeiro nas últimas décadas do século XIX, afirma-se que “a
preocupação quanto aos efeitos que a degradação das condições de habitação e
salubridade podem causar, faz com que o Estado tome algumas iniciativas como a
transferência do matadouro público de São Cristóvão para Santa Cruz, em 1881, e a
concessão de benefícios às indústrias para construção de casas populares
higiênicas – com fossas e boa aeração”.20

A transferência para Santa Cruz foi proposta no Primeiro Relatório da


Comissão de Melhoramentos, tendo em vista que “na medida em que são ampliados
os limites da cidade, os chamados ‘usos sujos’ vão sendo deslocados do seu
centro”,21 destacando-se que a “expressão ‘usos sujos’ refere-se às funções urbanas
exercidas na área central, que por serem marcadas por poluição sonora, visual etc,
acabam sendo confinados em certos trechos, caracterizando um ‘território de
desvalorização’ ou ‘uma área degradada’”.22

A mensagem do Prefeito Pereira Passos ao Conselho Municipal, apresentada


em 01/09/1903, é ilustrativa dos efeitos adversos do funcionamento do Matadouro,
pois “aponta como fator determinante para a insalubridade de Santa Cruz e
inabitabilidade das regiões vizinhas ao matadouro, banhadas pelo Rio Ita, o não
aproveitamento de sangue que, abandonados pelos comerciantes”, corre livremente
pela sarjeta do local.23 A solução apresentada é que o Conselho Municipal

19
FUNDREM, op. cit., p. 66.
20
RABHA, op. cit., p. 94.
21
Ibid, p. 41
22
RABHA, loc. cit.
23
Ibid, p. 147.
20

promulgue uma lei que obrigue o aproveitamento de sangue, tal como ocorre em
países europeus.

Relacionando o crescimento físico da cidade com os mencionados usos,


Abreu afirma:

Um crescimento que segue a direção das ‘frentes pioneiras urbanas’ já


esboçadas desde o Século XVIII, mas que é agora qualitativamente diferente,
já que os usos e classes ‘nobres’ tomam a direção dos bairros servidos por
bondes (em especial aqueles da zona sul), enquanto que para o subúrbio
24
passam a se deslocar os usos ‘sujos’ e as classes menos privilegiadas.
Neste sentido, ao final do século XIX, tem-se um bairro com uma população
residente estimada de 3.445 habitantes,25 economicamente estagnada, com pouca
infra-estrutura urbana, mas servida por um ramal da linha de trem e que abriga o
matadouro municipal, responsável por gerar uma situação de insalubridade. Como
ensina Abreu, “o alto grau de estratificação social do espaço metropolitano do Rio de
Janeiro, na atualidade, é apenas a expressão mais acabada de um processo de
segregação das classes populares que vem se desenvolvendo no Rio há bastante
tempo”,26 do qual Santa Cruz não foge a esta assertiva já no final do século XX.

1.2 O SÉCULO XX E A INSTALAÇÃO DE INDÚSTRIAS NA ZONA OESTE DO


MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO

O século XX inicia-se com uma intensa atividade de parcelamento do solo,


em especial nas áreas predominantemente rurais, tal como a zona oeste do Rio de
Janeiro, culminando com o espraiamento das cidades, e, ainda, com o
aprofundamento da crise das habitações populares. Abreu resume o cenário do
início do século XX:

De um lado, os Governos da União e do Distrito Federal, representando as


classes dominantes, atuam preferencialmente na esfera do consumo,
incentivando a continuidade do processo de renovação urbana da área
central e de embelezamento da zona sul. As cirurgias urbanas se sucedem,
afetando, como sempre, os bairros pobres da cidade. Por outro lado, e não
contando com qualquer apoio do Estado, as indústrias se multiplicam na

24
ABREU, 2008, p. 37. O autor afirma, ainda, que “trem, subúrbio e população de baixa renda
passavam a ser sinônimos aos quais se contrapunha a associação bonde/zona sul/’estilo de vida
moderno’”. Op. Cit., p. 57.
25
O número refere-se ao ano de 1870. Importante destacar que o bairro possui uma taxa de
crescimento negativa de 6%, em relação ao ano de 1838, no qual sua população residente era de
3.677 habitantes. Ibid, p. 39.
26
Ibid, p. 11.
21

cidade e começam a se expandir em direção aos subúrbios, criando novas


áreas, dotando-as de infra-estrutura e, principalmente, gerando empregos.27
Ao lado dos grandes investimentos públicos realizados nas áreas habitadas
pelas classes mais favorecidas, especialmente no centro e zona sul, tem-se a
intensificação da ocupação dos subúrbios, com pouca presença do planejamento
estatal, sem infra-estrutura urbana adequada.

O setor industrial, neste início de século, ainda estava concentrado na região


de São Cristóvão, por situar-se próximo ao porto, e as empresas de pequeno porte
ainda preferiam a região central. No entanto, “o desenvolvimento industrial da
cidade nessa época, feito praticamente sem qualquer apoio do Estado, não tardou a
atrair um grande número de migrantes, na sua maioria provenientes do antigo
Estado do Rio de Janeiro”.28

Especialmente a partir de 1930, o processo de crescimento demográfico e


industrial intensificou-se,29 sendo que “o Estado passa a intervir no processo de
localização industrial, surgindo dessa iniciativa o Decreto-lei 6.000/37, que definiu
pela primeira vez uma zona industrial na cidade”.30 Nesta norma, e nas que foram
editadas até 1950, foram excluídas, da zona industrial, “o ramal de Santa Cruz, a
margem esquerda da linha-tronco da Central do Brasil e as áreas situadas entre esta
e a Baixada de Jacarepaguá, por estarem afastadas das vias de comunicação
ferroviárias com São Paulo e Minas Gerais, e das linhas principais de energia
elétrica”.31

No entanto, na década de 1960, com a intensificação do processo de


deslocamento da indústria do centro para periferia, decorrente da necessidade de
mais espaço e da pressão oriunda do crescimento do espaço urbano, começa-se a
pensar Santa Cruz, uma área então dita ociosa, como um dos vetores de expansão.
32
A região da zona oeste “era compreendida como um locus adequado para instalar
um pólo industrial e futuramente gerar um novo núcleo de ocupação populacional,
descomprimindo as já saturadas zonas sul e centro”.33

27
Ibid, p.72.
28
Ibid, p. 80.
29
Ibid, p. 100.
30
Ibid, p. 99.
31
Ibid, p. 101.
32
DOMINGUEZ PEREZ, 2007, p. 215.
33
Ibid, p. 216.
22

Para incentivar o desenvolvimento industrial na década de 1960, o então


Governador Lacerda criou a Companhia de Progresso da Guanabara (COPEG), em
23 de outubro de 1961, que, ao longo de seu mandato, recebeu cerca de 2% dos
34
investimentos realizados no seu governo. Destacando as vantagens do local,
Dominguez Perez descreve a opção pela criação de zonas industriais, inspiradas na
experiência de Juscelino Kubitschek na cidade industrial de Belo Horizonte:

Com uma pequena parte dos próprios recursos adquiriu e loteou dois distritos
industriais na avenida Brasil e em Santa Cruz. Este último era um local
privilegiado, disposto numa extensão planície, com as águas do rio Guandu,
do rio Paraíba e do canal de São Francisco atravessando toda região,
próximo a hidrelétricas da Light, com vias de acesso para o escoamento da
produção, podendo atingir a via Dutra através de Itaguaí sem entrar em
perímetro urbano ou utilizando o ramal de Mangaratiba da Rede Ferroviária. 35
No entanto, se o distrito localizado na Avenida Brasil teve todo terreno
vendido, do distrito de Santa Cruz, que dispunha de 7,2 milhões de metros
quadrados, somente vendeu-se 5% dos lotes.36 E, sobre os resultados desta política
de Lacerda, que se perpetuou nos dois governos subseqüentes (Negrão de Lima e
Chagas de Freitas), Dominguez Perez afirma:

Apesar da insistência com que Lacerda falava da atuação da Copeg em seus


discursos, apesar de ela representar um esforço planejado e organizado para
reativar a indústria no Rio de Janeiro, a sua participação foi muito tímida,
embrionária. Havia recursos, mas a prioridade do governo era claramente a
infra-estrutura urbana, e não era possível alocá-los em abundância neste
projeto. A parcela aplicada foi empregada de uma forma dispersa e os
resultados, o efetivo crescimento industrial, ficaram muito aquém do
desejado. Não se conseguiu atrair indústrias, sobretudo as de base ou
transformação, não se gerou um pólo multiplicador e não se alterou, como se
pretendia, o perfil econômico carioca. 37
É importante mencionar que, no estudo viário do Plano Doxiadis, publicado
em 1965, desenhou-se três eixos de desenvolvimento para a cidade:

O eixo norte-sul, ao longo do início da avenida Brasil e da via Dutra, como


foco de desenvolvimento industrial e de conexão com outros estados; o eixo
leste-oeste, que partia desde a Rio-Santos, zona industrial de Santa Cruz e
Porto de Sepetiba, com a construção da Cosigua e da usina termelétrica da
Chevap, passando por Campo Grande, Madureira, até o Méier, Radial Oeste
e o centro da cidade; um terceiro eixo, interno, que ligaria Jacarepaguá à
avenida Brasil, facilitando a comunicação entre as grandes comunidades.38
Destaca-se que “os interesses da industrialização a ser promovida no Estado
da Guanabara indicaram a criação de distritos industriais na Avenida Brasil e em

34
DOMINGUEZ PEREZ, loc. cit.
35
DOMINGUEZ PEREZ, loc. cit.
36
DOMINGUEZ PEREZ, loc. cit.
37
Ibid, p. 218.
38
Ibid, p. 233.
23

Santa Cruz, e incentivos aos conjuntos habitacionais destinados aos


trabalhadores”39 e que, na

administração Chagas Freitas, ao contrário, recuperando as recomendações


contidas no plano Doxiadis, a escala do estado foi contemplada para induzir a
expansão rumo à zona oeste, expandir o uso da indústria pesada em
Jacarepaguá e Santa Cruz, tendo como ponto de atração o Porto de
Sepetiba.40
No Programa de Governo de Desenvolvimento Urbano, elaborado pelo então
Estado da Guanabara, em 1974, afirma-se:

A região caracterizou-se inicialmente por uma tendência agro-pecuária. Com


o desenvolvimento e crescimento dos aglomerados que foram se expandindo
na região, surgiram pequenas indústrias, comércios e blocos residenciais,
perdendo, pouco a pouco aquela região, suas tendências iniciais de região
agro-pastoril.
[...]
O matadouro regional polarizou durante muito tempo todas as
potencialidades regionais. A interferência do Poder Público criando a zona
industrial, deu nova perspectiva à região, gerando necessidade de diversificar
as atividades regionais.41
E, sobre a Zona Industrial de Santa Cruz, no mesmo Programa de Governo
de Desenvolvimento Urbano do então Estado da Guanabara, de 1974, destaca-se:

A Zona Industrial de Santa Cruz vai se constituir no principal pólo de atividade


secundária do Estado. A conclusão de sua infra-estrutura básica está
prevista para meados de 1974. O início da operação da COSIGUA e da
White Martins marcaram o início das atividades da Zona Industrial de Santa
42
Cruz.
Realizado em 1976, o Seminário do Plano Urbanístico Básico da Cidade do
Rio de Janeiro (PUB-Rio) contou com a presença de instituições públicas e privadas,
dentre os quais se destaca, para o objeto desta dissertação, o Presidente da
Fundação para o Desenvolvimento da Região Metropolitana do Rio de Janeiro
(FUNDREM), que apresentou a política de desenvolvimento para a região
metropolitana do Rio de Janeiro e as “diretrizes sócio-econômicas e físico-
urbanísticas, que vêm orientando efetivamente as ações com vistas à elevação da
qualidade de vida da população”, e, dentre as primeiras, aponta-se a de:

a) promover a implantação de indústrias dinâmicas que, pelos seus efeitos de


germinação no próprio setor manufatureiro e no terciário, transcendem o
âmbito regional, assumindo dimensão nacional. Indústria siderúrgica,
indústria petroquímica, indústria de componentes eletrônicos etc. Desse
modo, serão potencializadas as vantagens locacionais da Região

39
RABHA, 2006, p. 164.
40
Ibid, p. 182.
41
GUANABARA (Estado), 1974, [12 p.].
42
Ibid, [13 p.].
24

Metropolitana – conexão fácil com sistemas de transporte rodo-ferroviário,


marítimo e aeroviário, permitindo acessibilidade franca aos mercados de
produtos finais e de matérias-primas. Tendo em vista a compensar a menor
capacidade de absorção de mão-de-obra de algumas das manufaturas
chamadas dinâmicas, incentivar a expansão e modernizar o perfil
administrativo-tecnológico, da pequena e média indústrias, particularmente no
município do Rio de Janeiro, explorando, inclusive, a dinâmica dos mercados
internacionais. Essa diretriz está perfeitamente coerente com a política
nacional do setor. Apenas, o Rio de Janeiro procura trazer para si o
máximo;43
No mesmo seminário, o Presidente da Companhia de Distritos Industriais do
Estado do Rio de Janeiro (CODIN) expôs a política estadual de incentivos para as
indústrias em relação à região estudada nesta dissertação, após descartar os outros
três vetores de crescimento industrial do Município (ao longo da Rio-Petrópolis BR-
040 em direção a Caxias, ao longo da BR-116, em direção a Nova Iguaçu, ao longo
da Estrada dos Bandeirantes – Jacarepaguá):

A última alternativa [ao longo da Av. Brasil, em direção de Santa Cruz] é a


que nos parece a mais viável, tendo em vista não só o forte poder de indução
dos grandes empreendimentos que estão se localizando em Santa Cruz e
Itaguaí, fazendo com que diversas indústrias já estejam se implantando na
região, como também a existência de áreas virgens (Campo Grande e Santa
Cruz) com um pequeno adensamento urbano, permitindo a elaboração de um
planejamento que viesse equilibrar e expandir a economia do município, com
reflexos positivos para toda a população.
A nossa proposição é que a região contígua à zona industrial existente em
Santa Cruz (ZI-2) que, pelo atual código de obras é considerada Zona
Residencial (ZR-5), fosse declarada zona industrial. O Município teria, assim,
uma reserva de aproximadamente 36.000.000 m² de área bruta para fins
industriais. Entretanto, levando em consideração que, dentro do novo
zoneamento proposto, já existem pequenas áreas industriais regulamentadas,
bem como áreas militares e pequenos acidentes geográficos que
impossibilitam o seu aproveitamento, a área útil seria de aproximadamente
18.000.000 m²44
E, ainda, apresenta as vantagens locacionais da região:

- a existência de uma via de penetração (Av. Brasil);


- situa-se entre o porto do Rio de Janeiro e o futuro porto de Sepetiba;
- disponibilidade de energia elétrica;
- disponibilidade de mão-de-obra nos bairros e municípios vizinhos;
- proximidade de três grandes vias de escoamento (BR-116, BR-040 e BR-
101), atingindo os principais mercados do país.45
Na seqüencia, o mesmo expositor destaca a necessidade de se elaborar um
plano diretor destinado a dotar a região de infra-estrutura física adequada (água,
esgoto, comunicação etc) e infra-estrutura social (habitação, saúde, educação, lazer

43
RIO DE JANEIRO. MUNICÍPIO, 1976, p. 238.
44
Ibid, p. 266.
45
RIO DE JANEIRO. MUNICÍPIO, loc. cit.
25

etc), “evitando o caos de uma área superindustrializada sem o complemento


necessário ao bem viver”46 e, conclui, afirmando “que já está ocorrendo um
descompasso entre as indústrias que estão se implantando na Zona Oeste e o setor
de serviços, hiato este, que tende a aumentar se não forem tomadas rápidas
providências”.47

O então Presidente da CODIN afirma que as vantagens de um distrito


industrial são:

- descentralização da indústria, com o descongestionamento do centro


comercial e residencial, e conseqüentemente controle de urbanização;
- seleção de indústrias, possibilitando uma diversificação industrial na região,
aumentando a estabilidade econômica e social;
- redução dos custos necessários para prover serviços públicos à indústria,
em virtude da aglomeração;
- atração de novas indústrias, em virtude dos Distritos facilitarem o
fornecimento de serviços e de bens intermediários, assim como outros
benefícios derivados da existência de mão-de-obra qualificada e novos
estímulos tecnológicos;
- proteção ao meio ambiente, através de um rígido controle para as industrias
que se implantem no distrito;
- áreas servidas da infra-estrutura que proporcionem aos empresários
48
estabelecer suas indústrias com custo inferior ao da localização dispersa.
Deve-se destacar, contudo, que as indústrias eram tidas como fundamentais
para o crescimento econômico e, por isso, a opção pelas zonas industriais não era
exclusividade no Município do Rio de Janeiro. Ao analisar o período do Governo de
Lacerda, Dominguez Perez conclui:

Se lotear terrenos e dar crédito não bastava para atrair indústria, é preciso
concluir que o crescimento do Rio de Janeiro teria de se pautar por outro
modelo que levasse em conta as especificidades dos agentes econômicos
locais e aproveitasse os pontos fortes já existentes na economia carioca.
Mas não podemos exigir do passado a perspectiva que só o presente
fornece: naquele momento, as zonas industriais eram unanimidade entre
especialistas.49
Construído na década de 1970, o Porto de Sepetiba, que se localiza no
Município de Itaguaí, foi inaugurado em 1982, e

projetado para abastecer a indústria siderúrgica, na época da construção do


porto havia também estudos visando a implantação da Companhia Estadual
de Gás em Itaguaí (com utilização de carvão a vapor também movimentado
pelo porto), da usina CSN II e uma Coqueria Central ao lado do pátio de

46
RIO DE JANEIRO. MUNICÍPIO, loc. cit.
47
RIO DE JANEIRO. MUNICÍPIO, loc. cit.
48
Ibid, p. 269.
49
DOMINGUEZ PEREZ, op. cit, p. 219.
26

estocagem do carvão, bem como de um terminal ‘roll-on/roll-off’ para


embarque de reatores atômicos fabricados na NUCLEP.50
É possível afirmar, assim, que o local tornou-se uma região industrial pela
disponibilidade de grandes espaços vazios, interligados com as saídas do Município,
como portos, rodovias e ferrovias, e, especialmente, pela ausência de proximidade
com população que se fizessem ouvir pelas autoridades públicas e privadas
responsáveis pelo projeto. É de se notar que, mesmo nos discursos, a população
quase nunca é mencionada, induzindo ao entendimento de que se tratava de um
local totalmente não habitado, que não era utilizado pela população e dotado de
nenhuma relevância ecológica. Tal como ainda ocorre, conforme será analisado no
Capítulo 3, os fatores importantes para a decisão da instalação das indústrias no
local são, essencialmente, econômicos, sendo desconsiderados aspectos
relacionados à saúde pública ou preservação do meio ambiente.

1.3 ALGUMAS CONSEQÜÊNCIAS DAS POLÍTICAS ADOTADAS NO BAIRRO DE


SANTA CRUZ

O incentivo para instalação de grandes indústrias – e a falta de investimentos


em infra-estrutura – não acarretou a melhora na qualidade de vida dos moradores da
localidade, inclusive em termos econômicos, e, ainda, gerou situações com alto
índice de poluição, resultando, muitas vezes, em problemas de saúde.

O bairro de Santa Cruz apresenta um dos piores índices relacionados às


condições mínimas de vida e seus reflexos na expectativa de vida e renda da
população do Município do Rio de Janeiro. No Índice de Desenvolvimento Social de
2000, calculado pelo Instituto Pereira Passos, com base nos índices de saneamento
básico, habitação, qualidade habitacional e renda, o bairro de Santa Cruz ocupa a
147ª posição dos 158 bairros analisados.51 No Índice de Desenvolvimento Humano
de 2000, calculado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

50
SANTOS, 1999, p. 75. O autor ainda afirma que nenhum destes projetos foi bem sucedido, tendo o
porto, desde o início, se ocupado basicamente da demanda de carvão para CSN e alumina destinada
à Valesul.
51
INSTITUTO MUNICIPAL DE URBANISMO PEREIRA PASSOS, 2008.
27

(PNUD), o Bairro apresenta os seguintes indicadores, restando na posição de


número 119:52

Esperança Taxa de Renda Índice


Ordem Taxa bruta de Índice de Índice de IDH
de vida ao alfabetização per capita de
segundo frequência Longevidade Educação Municipal
nascer de adultos (em R$ Renda
o IDH escolar (%) (IDH-L) (IDH-E) (IDH)
(em anos) (%) de 2000) (IDH-R)

119 65,52 93,19 79,82 206,23 0,675 0,887 0,662 0,742

Ao que parece, a política de incentivo de indústrias para o local não alterou a


situação da população do bairro, que continuou sendo uma das mais pobres do
município.

Por outro lado, é importante destacar que o local vem sofrendo um intenso
processo de contaminação, desde a instalação das primeiras indústrias, culminando
com a situação crítica ocasionada pela Companhia Mercantil Industrial Ingá, que
resultou em um dos maiores passivos ambientais de que se tem notícia no país.
Nas palavras de Freitas e Porto, constata-se a:

contaminação da baía de Sepetiba, no Rio de Janeiro, por metais pesados


como o chumbo, cádmio e zinco, que, em doses elevadas, podem afetar o
sistema nervoso, a medula óssea e os rins, produzindo vários tipos de
doenças. Cádmio e zinco foram produzidos até 1997 pela falida Companhia
Mercantil Industrial Ingá e a contaminação ambiental pelos mesmos tem sido
observada através da análise de pescado (peixes, moluscos e crustáceos),
sedimento e água.53
O próprio estudo de impacto ambiental da TKCSA apontou para o alto índice
de poluição do local e que a área em questão encontra-se contaminada, conforme
se verifica nas informações apresentadas pelos técnicos da extinta FEEMA:

Dessa forma, considerando essas informações pode-se concluir que a biota


da baía de Sepetiba vem sendo progressivamente ameaçada pela
contaminação de cádmio e zinco provenientes do passivo ambiental do Ingá e
possíveis acidentes que ainda poderão ocorrer enquanto medidas mais
concretas não sejam tomadas.
A qualidade da água da região hidrográfica da baía de Sepetiba reflete o
acelerado crescimento urbano e industrial dos últimos 30 anos. O
crescimento urbano sem a implantação dos equipamentos de infra-estrutura
adequados, como saneamento básico e resíduos sólidos, vem contribuindo
para o aumento da carga orgânica nesses corpos d’água devido ao aporte de
efluentes domésticos.
Ficou também evidenciada a influência da descarga dos rios na região da
baía de Sepetiba, adjacente a foz do rio da Guarda e canais do São
Francisco e Guandu. O crescimento industrial, caracterizado principalmente

52
Índice de Desenvolvimento Humano Municipal. Disponível em
http://www.pnud.org.br/pdf/Tabela%206.2.22%20IDH%20bairro%2091_00-15_12_03.xls. Acesso em
09 de julho de 2011.
53
FREITAS; PORTO, 2006, p.107.
28

pela implantação de metalúrgicas, siderúrgicas e indústrias de bebidas e


alimentos, tem contribuído para a expressiva contaminação dos corpos
d’água locais por efluentes industriais, destacando-se a poluição por metais
pesados. Esta, embora seja difusa, tem como principal compartimento
acumulador a baía de Sepetiba, uma vez que os rios estão entre as principais
vias de transporte desses poluentes para a mesma.54
Sobre o diagnóstico da qualidade do ar e as estações de monitoramento, o
Parecer Técnico avalia:

Os resultados obtidos nesse monitoramento mostram que, com relação aos


poluentes Partículas Totais em Suspensão, Partículas Inaláveis e Ozônio, já
existe, atualmente, um comprometimento da qualidade do ar naquela área.
Foram registrados valores de concentração superiores a 50% dos padrões
primários de qualidade do ar estabelecidos pela legislação. O poluente NO2
também apresentou valores de concentração que podem ser considerados
expressivos, pois alcançaram 21% do padrão.
[...]
Com o início da operação, as concentrações médias dos poluentes nesses
locais sofreriam um acréscimo de cerca de 25% para o material particulado e
de cerca de 50% para o NOx, considerando-se apenas as emissões da CSA.
Para o SO2, as concentrações aumentariam mais de 1000%.
Há que se levar em conta que outras atividades de grande potencial poluidor
do ar já se encontram ali instaladas e que naquela região está prevista a
implantação de empreendimentos industriais de grande porte considerando-
se, portanto, abusivo, um único empreendimento ocupar tamanho percentual
55
do padrão de qualidade do ar numa região.
Como visto, ao analisar a transferência do matadouro municipal para Santa
Cruz, os autores referem-se aos usos sujos, que são os provocam incômodos ou
prejuízos – de todo tipo – aos moradores próximos do local, bem como
desvalorizam, ainda mais, tais locais. Antes com o matadouro municipal, mas
atualmente com as grandes indústrias, o local parece ter sido escolhido para abrigar
as atividades designadas como usos sujos, o que tem gerado, conforme visto acima,
um local intensamente poluído.

A situação evoca o conceito de zonas de sacrifício, muito utilizado pelo


Movimento de Justiça Ambiental, com o objetivo de designar áreas, em regra, de
residência de população de baixa renda, nas quais são instaladas as empresas e
atividades de maior impacto social e ambiental. Nas palavras de Acselrad,

certas localidades destacam-se por serem objeto de uma concentração de


práticas ambientalmente agressivas, atingindo populações de baixa renda.
Os moradores dessas áreas convivem com a poluição industrial do ar e da
água, depósitos de resíduos tóxicos, solos contaminados, ausência de
abastecimento de água, baixos índices de arborização, riscos associados a

54
FUNDAÇÃO ESTADUAL DE ENGENHARIA DO MEIO AMBIENTE (RJ), 2006b, p. 8-9.
55
FUNDAÇÃO ESTADUAL DE ENGENHARIA DO MEIO AMBIENTE (RJ), 2006b, 13-15. No
entanto, na sua conclusão, o Parecer Técnico afirma que os sistemas de controle da poluição do ar
propostos são adequados e atendem aos padrões estabelecidos na legislação vigente (p. 60).
29

enchentes, lixões e pedreiras. Nestes locais, além da presença de fontes de


risco ambiental, verifica-se também uma tendência a sua escolha como sede
da implantação de novos empreendimentos de alto potencial poluidor. Tais
localidades são chamadas, pelos estudiosos da desigualdade ambiental, de
‘zonas de sacrifício’ ou ‘paraísos de poluição’, onde a desregulação ambiental
favorece os interesses econômicos predatórios, assim como as isenções
tributárias o fazem nos chamados ‘paraísos fiscais’.56
Neste sentido, importa destacar “de forma explícita, a nada surpreendente
constatação: na sociedade capitalista é estruturalmente inevitável a ocorrência
simultânea do desenvolvimento e subdesenvolvimento, da extrema concentração de
renda e crescente extensão da miséria, tanto em âmbito global como no plano
nacional”.57

Após realizar estudos sobre o modo como os conflitos ambientais atingem à


população de menor renda, Acselrad indica a região estudada como uma das zonas
de sacrifício do Estado, nas quais “observa-se a conjunção das decisões de
localização de instalações ambientalmente danosas com a presença de agentes
políticos e econômicos empenhados em atrair para o local investimentos de todo
tipo, qualquer que seja seu custo social e ambiental”.58

Trata-se, assim, de uma situação de injustiça ambiental, na qual um grupo


social suporta parcela desproporcional das conseqüências ambientais negativas de
operações econômicas, decisões de políticas e programas federais, estaduais,
locais, bem como da ausência ou omissão de tais políticas.59 Nas palavras de
Freitas e Porto, a justiça ambiental – ou ambientalismo popular –, baseada
teoricamente na ecologia política,

busca integrar questões ambientais e sociais na análise dos problemas,


entendendo-os a partir de processos econômicos e políticos que marcam o
desenvolvimento numa região e num dado território. Freqüentemente este
desenvolvimento é marcado pela injustiça ambiental, isto é, fluxos
econômicos e de mercadorias se realizam por meio de grandes
investimentos, os quais se apropriam dos recursos existentes nos territórios e
concentram renda e poder, ao mesmo tempo em que afetam a saúde e
integridade dos trabalhadores, das populações locais e dos ecossistemas.
60

Por fim, é importante destacar que o local, que se pretende caracterizar como
uma zona de vocação industrial, igualmente possui reconhecido valor ecológico,

56
ACSELRAD, 2004, p. 12-13.
57
COUTINHO, 2004, p. 49.
58
ACSELRAD, op. cit, p. 13.
59
ACSELRAD, 2009a, p. 41.
60
FREITAS; PORTO, op. cit., p. 25.
30

beleza paisagística, além de abrigar uma grande diversidade ecológica, no qual a


pesca e agricultura sempre ocuparam papel de destaque.

Verifica-se, assim, que o bairro de Santa Cruz, a partir de decisões do Poder


Público, teve sua ocupação territorial direcionada para incentivar determinados usos,
muitos dos quais incompatíveis com a tradicional utilização dada pela população,
que, ao que parece, não vem sendo considerada naqueles processos decisórios. A
área, em função da distância das áreas escolhidas pela população com mais
recursos financeiros, vem sendo considerada uma escolha natural dos Poderes
Públicos para alocação de atividades ou empresas que geram incômodos aos
moradores, o que igualmente parece ter se repetido na escolha da decisão de
instalação da TKCSA.

O conhecido alto índice de poluição, no entanto, não foi suficiente para alterar
a política de incentivos de grandes indústrias para o local, o que continua resultando
em maiores danos à população. No capítulo 3, pretende-se avaliar as políticas
atuais para o Bairro, que incluem a implantação de uma grande siderúrgica, cujo
licenciamento ambiental prévio será detalhadamente analisado. Com intuito de
possibilitar as discussões sobre o caso em análise, no capítulo 2 apresentam-se as
principais normas sobre licenciamento ambiental, áreas de preservação permanente
e compensação pelos impactos não mitigáveis.
31

CAPÍTULO 2 – O LICENCIAMENTO AMBIENTAL NO BRASIL

A partir da década de 1950, a percepção dos fenômenos de degradação


ambiental, com conseqüentes reflexos diretos e nocivos à saúde humana,
intensificou-se em todo mundo. Muitas são as notícias sobre destruição de florestas,
poluição de cursos d’água, degradação da qualidade do ar, relacionando tais fatos
diretamente com o padrão de industrialização adotado no mundo ocidental.

Dentre os casos bastante difundidos, destacam-se:

a) Em 1930, no Vale do Meuse, Bélgica, provocado pela emissão de dióxido


de enxofre e fumaça das fábricas de aço e zinco locais e uma forte inversão
térmica (fenômeno atmosférico que faz com que o ar fique praticamente
estagnado numa determinada região). Morreram 60 pessoas e cerca de 6000
tiveram a saúde afetada;
b) Em 1948, em Donora, Pensylvania, provocado pelas indústrias
siderúrgicas e produtoras de zinco, e que atingiu 47% da população da
região, com 15 mortes e 5900 pessoas afetadas;
c) Em Londres, em 1952, uma forte inversão térmica (fenômeno atmosférico
que faz com que o ar fique praticamente estagnado numa determinada
região) provocou uma grande elevação dos índices de poluição do ar durante
vários dias seguidos.61
Não é possível, contudo, afirmar o momento do surgimento ou intensificação
do que hoje designa como ambientalismo ou consciência ambiental, sem elaborar
uma análise detalhada dos diversos e complexos fatos históricos, o que foge ao
objeto desta Dissertação. No entanto, pode-se mencionar que um dos reflexos da
divulgação de tais conseqüências do crescimento industrial foi a elaboração de
normas veiculando padrões e regras para o desenvolvimento de tais atividades,
dentre as quais se destaca, para o objeto desta Dissertação, a previsão de
realização de avaliação de impacto ambiental.

A avaliação de impacto ambiental surgiu na década de 60 nos Estados


Unidos e, gradativamente, foi sendo adotada pelos demais países, com o objetivo de
introduzir a variável ambiental no processo de decisão sobre a implantação, ou não,
de determinada atividade ou obra, especialmente incentivado pela exigência do
Banco Mundial e outras instituições financeiras para projetos localizados em países
em desenvolvimento.62 Neste sentido, tem-se afirmado que a

inserção da AIA em países em desenvolvimento, dentre eles o Brasil, tem


sua origem na atuação de agentes financeiros multilaterais e de outras
organizações internacionais de fomento, mas, principalmente, nas próprias

61
LEMOS, trabalho em fase de elaboração.
62
FERNANDES, 2005, p. 62.
32

condições internas desses países, que propiciaram uma acolhida às


práticas e princípios da precaução e prevenção inerentes à AIA, e no estilo
de desenvolvimento adotado mundialmente, que engendra formas
63
semelhantes de degradação.
Antunes destaca que “no ano de 1974 a Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE) recomendou aos seus integrantes que
adotassem em suas legislações nacionais normas que tornassem obrigatórios os
EIA. Igualmente, o Conselho da Europa, em 27 de fevereiro de 1981, recomendou
aos seus membros que adotassem em suas legislações internas os Estudos de
Impacto Ambiental”.64

A primeira referência a avaliação de impactos ambientais na legislação


brasileira encontra-se na Lei 6.803/80, sendo que era prevista apenas para a
implantação de zonas de uso estritamente industrial que se destinem à localização
de pólos petroquímicos, cloroquímicos, carboquímicos, bem como a instalações
nucleares (art. 10, §2º e 3º).65 Machado lembra que o EIA foi introduzido na
legislação brasileira por meio de uma emenda apresentada aos parlamentares pela
Sociedade Brasileira de Direito do Meio Ambiente.66

Posteriormente, a avaliação de impactos ambiental foi incluída na Política


Nacional do Meio Ambiente, instituída pela Lei 6.938/81, regulamentada pelo
Decreto 99.274/90, como um dos seus instrumentos (art. 9º, III), ampliando o escopo
de utilização deste instrumento. Milaré reconhece a importância e o destaque do
EIA, ainda na década de 80, ao analisar o então projeto de Constituição em exame
na Assembléia Nacional Constituinte:

E, dentre as disposições projetadas se encontra aquela que exige, para


instalação de obras ou atividades potencialmente causadoras de
significativa degradação do meio ambiente, o estudo prévio de impacto
ambiental, com previsão de publicidade (cf. art. 228, IV). Com isso estar-
se-á dando status constitucional àquele estudo que representa um dos
67
mais formidáveis instrumentos de defesa do meio ambiente.
A Constituição Federal de 1988 determina, em seu artigo 225, §1º, inciso IV,
que incumbe ao Poder Público “exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou
atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente,
estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade”.
63
SANCHES (2006) apud LEMOS, 2007, p. 19.
64
ANTUNES, 2007, p. 260.
65
Paulo de Bessa Antunes afirma que a avaliação de impacto ambiental era inerente ao regime
estabelecido pelo Decreto-lei 1.413/75 e sua regulamentação, o Decreto 76.389/75. Ibid, p. 276-277.
66
MACHADO, 1987, p. 329.
67
MILARÉ, 1988, p.256.
33

A Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento,


realizada em 1992 no Rio de Janeiro, consagrou o instituto em seu princípio 17:

A avaliação do impacto ambiental, como instrumento nacional, será


efetuada para as atividades planejadas que possam vir a ter um impacto
adverso significativo sobre o meio ambiente e estejam sujeitas à decisão
de uma autoridade nacional competente.
No Estado do Rio de Janeiro, desde a década de 70,68 as atividades e
empreendimentos que possam causar degradação ou poluição ambiental devem,
antes de iniciar sua instalação ou operação, submeter-se ao procedimento de
licenciamento ambiental, no qual “o órgão ambiental competente estabelece as
condições, restrições, exigências e medidas de controle ambiental, as quais deverão
ser obedecidas pelo interessado nas diversas fases de implantação e funcionamento
do empreendimento”.69

Como resultado da edição das normas sobre licenciamento e avaliação de


impactos ambientais, além de outras igualmente relevantes, tais como proteção de
florestas e recursos hídricos, que evidentemente surgem com o intuito de proteger o
meio ambiente, em seu amplo conceito apresentado na legislação, tem-se
atualmente um amplo quadro normativo no Brasil.

O presente Capítulo tem como objetivo apresentar as normas que se referem


diretamente ao licenciamento ambiental prévio da TKCSA, que será objeto de
análise no Capítulo 3, em especial as relacionadas aos objetivos do licenciamento,
conceito de impacto ambiental, competência para o licenciamento ambiental,
exigência legal de apresentação de alternativas locacionais, regime jurídico das
áreas de preservação permanente e compensação pelos impactos ambientais não
mitigáveis.

68
A exigência de licenciamento ambiental ocorre, no âmbito do Estado do Rio de Janeiro, desde
1975, com a edição do Decreto-Lei 134/75, que foi regulamentado pelo Decreto 1633/1977, que
instituiu o Sistema Estadual de Licenciamento de Atividades Poluidoras (SLAP), com o objetivo de
“disciplinar a implantação e funcionamento de qualquer equipamento ou atividade que forem
considerados poluidores ou potencialmente poluidores, bem como de qualquer equipamento e
combate à poluição do meio ambiente, no Estado do Rio de Janeiro” (artigo 2º). Atualmente, o
licenciamento ambiental encontra-se regido pelo Decreto estadual 42.159/2009, que institui o Sistema
de Licenciamento Ambiental (SLAM).
No âmbito nacional, a exigência surge com a Lei federal 6.803/1980, que Dispõe sobre as diretrizes
básicas para o zoneamento industrial nas áreas críticas de poluição, e, em seguida, foi tratada de
forma mais ampla pela Lei federal 6.938/1981, que será analisado adiante.
69
FINK; MACEDO, 2004, p. 03.
34

2.1 LICENCIAMENTO AMBIENTAL: CONCEPÇÃO E IMPLICAÇÕES

O licenciamento ambiental ocupa grande parte da agenda dos entes


federativos, em especial de estados e municípios, sendo um dos instrumentos mais
utilizados pelo Poder Público para atendimento de seu dever constitucional de
defesa e proteção do meio ambiente ecologicamente equilibrado. A respeito do
dever do Poder Público, Milaré afirma que

não mais, tem o Poder Público uma mera faculdade na matéria, mas está
atado por verdadeiro dever. Quanto à possibilidade de ação positiva de
defesa e preservação, sua atuação transforma-se de discricionária em
vinculada. Sai da esfera da conveniência e oportunidade para ingressar num
campo estritamente delimitado, o da imposição, onde só cabe um único, e
nada mais que único, comportamento: defender e proteger o meio ambiente.
Não cabe, pois, à Administração deixar de proteger e preservar o meio
ambiente a pretexto de que tal não se encontra entre suas prioridades
públicas. Repita-se, a matéria não mais se insere no campo da
discricionariedade administrativa. O Poder Público, a partir da Constituição
de 1988, não atua porque quer, mas porque assim lhe é determinado pelo
70
legislador maior.
Neste sentido, a Constituição Federal de 1988 determina:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,


bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-
se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo
para as presentes e futuras gerações.
§ 1º – Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
I – preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o
manejo ecológico das espécies e ecossistemas;
II – preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e
fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material
genético;
III – definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus
componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a
supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que
comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;
IV – exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade
potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente,
estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;
V – controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas,
métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida
e o meio ambiente;
VI – promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a
conscientização pública para a preservação do meio ambiente;
VII – proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que
coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies
ou submetam os animais a crueldade.

70
MILARÉ, 2011, p. 190.
35

O licenciamento ambiental de atividades ou empreendimentos efetiva ou


potencialmente poluidores é um dos instrumentos da Política Nacional de Meio
Ambiente, estabelecida pela Lei federal 6.938/1981, que determina que a
“construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e
atividades utilizadoras de recursos ambientais, considerados efetiva e
potencialmente poluidores, bem como os capazes, sob qualquer forma, de causar
degradação ambiental” (art. 10).

Posteriormente, o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA),71 por


meio da Resolução72 237/97, define o licenciamento ambiental como o

71
Nos termos do artigo 5º do Decreto federal 99.274/1990, compõem o Plenário do Conselho
Nacional do Meio Ambiente (CONAMA):
- o Ministro de Estado do Meio Ambiente, que o presidirá;
- o Secretário-Executivo do Ministério do Meio Ambiente, que será o seu Secretário-Executivo;
- um representante do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
(IBAMA);
- um representante da Agência Nacional de Águas (ANA);
- um representante de cada um dos Ministérios, das Secretarias da Presidência da República e dos
Comandos Militares do Ministério da Defesa, indicados pelos respectivos titulares;
- um representante de cada um dos Governos Estaduais e do Distrito Federal, indicados pelos
respectivos governadores;
- oito representantes dos Governos Municipais que possuam órgão ambiental estruturado e Conselho
de Meio Ambiente com caráter deliberativo, sendo: um representante de cada região geográfica do
País; um representante da Associação Nacional de Municípios e Meio Ambiente; dois representantes
de entidades municipalistas de âmbito nacional;
- vinte e dois representantes de entidades de trabalhadores e da sociedade civil, sendo: dois
representantes de entidades ambientalistas de cada uma das Regiões Geográficas do País; um
representante de entidade ambientalista de âmbito nacional; três representantes de associações
legalmente constituídas para a defesa dos recursos naturais e do combate à poluição, de livre
escolha do Presidente da República; (uma vaga não possui indicação); um representante de
entidades profissionais, de âmbito nacional, com atuação na área ambiental e de saneamento,
indicado pela Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental; um representante de
trabalhadores indicado pelas centrais sindicais e confederações de trabalhadores da área urbana
(Central Única dos Trabalhadores, Força Sindical, Confederação Geral dos Trabalhadores,
Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria e Confederação Nacional dos Trabalhadores
no Comércio); um representante de trabalhadores da área rural, indicado pela Confederação
Nacional dos Trabalhadores na Agricultura; um representante de populações tradicionais, escolhido
em processo coordenado pelo Centro Nacional de Desenvolvimento Sustentável das Populações
Tradicionais /IBAMA; um representante da comunidade indígena indicado pelo Conselho de
Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Brasil; um representante da comunidade
científica, indicado pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência; um representante do
Conselho Nacional de Comandantes Gerais das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares-;
um representante da Fundação Brasileira para a Conservação da Natureza;
- oito representantes de entidades empresariais; e
- um membro honorário indicado pelo Plenário.
72
O poder normativo do CONAMA, do qual resulta a possibilidade de edição de resoluções, tem
previsão legal no artigo 8º da Lei federal 6.938/81. No âmbito do Direito, existe grande controvérsia
quanto ao poder normativo de tais órgãos colegiados, como o CONAMA e agências reguladoras,
debate que fugiria ao objeto desta Dissertação. No entanto, no que se refere às normas ambientais,
a legalidade de edição de resolução pelo CONAMA para regular certas matérias, tal como ocorre com
a competência para licenciamento ambiental, que será analisada no item 3.1 desta Dissertação, é
polêmica. É certo que as resoluções do CONAMA adquirem maior importância nos casos em que lei
36

“procedimento administrativo pelo qual o órgão ambiental competente licencia a


localização, instalação, ampliação e a operação de empreendimentos e atividades
utilizadoras de recursos ambientais, consideradas efetiva ou potencialmente
poluidoras ou daquelas que, sob qualquer forma, possam causar degradação
ambiental, considerando as disposições legais e regulamentares e as normas
técnicas aplicáveis ao caso” (artigo 1º, inciso I).

A atuação administrativa no procedimento de licenciamento ambiental guarda


estrita relação com os princípios da precaução e prevenção,73 que transmitem a
idéia de antecipar-se à ocorrência do dano ambiental, sendo expressão do dever
jurídico de evitá-los. Em outras palavras,

o licenciamento ambiental, como um dos instrumentos da Política Nacional do


Meio Ambiente, faz parte da tutela administrativa preventiva, ou seja, visa à
preservação do meio ambiente, prevenindo a ocorrência de impactos
negativos ou minorando-os ao máximo. Dentro desse contexto de evitar a
degradação ambiental, o licenciamento exerce controle prévio das atividades
74
que, de modo geral, tendem a causar essa degradação.
Ao analisar a importância do licenciamento ambiental, Machado afirma que

o procedimento de licenciamento ambiental inicial ou de sua renovação é de


extrema relevância. A intervenção do Poder Público na vida profissional ou
na atividade de uma empresa só é admissível pela Constituição Federal em
razão do interesse geral. Portanto, não pode converter-se em mera
75
expedição de alvará, sem outras considerações ou avaliações.
O procedimento de licenciamento, após a avaliação do órgão ambiental sobre
os impactos que serão produzidos, bem como a adequação do empreendimento à
legislação ambiental, é finalizado com uma decisão sobre a concessão, ou não, da
licença ambiental.

A avaliação de impactos ambientais da atividade ou do empreendimento é


intrínseca ao licenciamento ambiental e deve ocorrer por meio de instrumentos
previstos na legislação em vigor ou de estudos apresentados ao longo do

não regula o assunto, seja pela não edição da norma ou pela atribuição, ao CONAMA, pela própria
lei, da competência para decidir sobre o conteúdo, como ocorreu na definição de outros casos que
possibilitam a intervenção em áreas de preservação permanente.
73
Pode-se dizer que, conforme entendimento que vem predominando na doutrina, a diferença entre
eles situa-se na incerteza científica quanto às conseqüências ambientais adversas que podem ser
produzidas por determinada atividade ou substância. Neste sentido, o princípio da prevenção refere-
se aos casos em que se tenha certeza do dano ambiental, pressupondo, desta forma, a pesquisa e a
informação organizada. Por outro lado, o princípio da precaução seria o aplicado quando, num
contexto de incerteza científica, existir a eventualidade de ocorrência de danos graves e irreversíveis.
MATEO, Ramón Martín. Derecho Ambiental. pp. 85-86. Apud MILARÉ, op. cit., 2011, p. 1070.
74
FINK; MACEDO, op. cit., p. 03.
75
MACHADO, 2010, p. 288.
37

procedimento.76 Não é possível o licenciamento ambiental sem a avaliação de


impactos ambientais submetida àquele procedimento, mas pode ocorrer o segundo
sem a necessidade do primeiro. Nas palavras de Tessler:

A característica no Brasil é que a Avaliação de Impacto Ambiental está ligada


ao procedimento de licenciamento ambiental, ou seja, a avaliação é uma
etapa do licenciamento. O vínculo seria tão forte que a aprovação da licença
ambiental se confunde com a aprovação do EIA/RIMA quando não existe elo
77
conceitual obrigatório entre ambos.
Embora exista a possibilidade de utilização da avaliação de impactos
ambientais de forma desvinculada do licenciamento ambiental, não é muito comum
que isso ocorra na prática. Cabe apenas registrar que esta prática dos órgãos e
entidades ambientais pode estar caminhando para uma mudança, que se percebe
com o crescente debate, e algumas vezes implementação, do zoneamento ecológico
econômico e da avaliação ambiental estratégica, que ampliam a utilização da
avaliação de impactos ambientais para além do licenciamento. Nestes casos, tem-
se a avaliação de impactos ambientais para planos, projetos e até mesmo um
conjunto de atividades e empreendimentos para determinada região, e o resultado é
o estabelecimento de um zoneamento ou definição das atividades que são, em tese,
aceitáveis para o local estudado.

A exigência de que o estudo de impacto ambiental fosse realizado por equipe


multidisciplinar habilitada, não dependente direta ou indiretamente do proponente do
projeto, constante no artigo 7º da Resolução CONAMA 01/86, foi revogada em 1997,
pela Resolução CONAMA 237. Assim, atualmente, cabe ao empreendedor
escolher, contratar e financiar a consultoria responsável por elaborar o EIA para sua
atividade. A Resolução CONAMA 237/97, ainda, determina que “Os estudos
necessários ao processo de licenciamento deverão ser realizados por profissionais
legalmente habilitados, às expensas do empreendedor” (artigo 11).

A análise dos impactos ambientais dos empreendimentos ou atividades deve


ocorrer de forma integrada, e não de cada atividade ou equipamento necessário ao

76
Como exemplos de estudos previstos na legislação mencionam-se o Relatório Ambiental
Simplificado – RAS, disciplinado pela Resolução CONAMA 279/2001, para empreendimentos
elétricos com pequeno potencial de impacto ambiental, e o Relatório de Controle Ambiental – RCA,
tratado na Resolução CONAMA 10/90, para explotação de bens minerais da Classe II que tenham
sido dispensados da apresentação dos Estudos Prévio de Impacto Ambiental. Além disso, outros
estudos ambientais poderão ser realizados no curso do procedimento de licenciamento ambiental
com o objetivo de complementar a análise do empreendimento ou atividade, nos termos do artigo 1º,
III e 10, I da Resolução CONAMA 237/97.
77
TESSLER, 2007, p.95.
38

seu desenvolvimento. Ao contrário, estaria ocorrendo a fragmentação do


licenciamento, o que contraria as normas em vigor e, nas palavras de Machado,

fragmentar o licenciamento é subtrair-lhe sua própria força. O estudo global


de um projeto, evidentemente, deve conter o estudo de suas partes. Não se
licencia máquina por máquina, unidade por unidade, separadamente, em
cada licenciamento ambiental inicial. É a razoabilidade, a proporcionalidade e
a motivação aplicadas ao ato administrativo. Se o licenciamento for
parcelado se perderá o sentido da real dimensão da obra ou do projeto.
Licenciar por partes pode representar uma metodologia ineficiente, imprecisa,
desfiguradora da realidade, e até imoral: analisando-se o projeto em fatias
isoladas, e não sua totalidade ambiental, social e econômica, podendo ficar
ocultas as falhas e os danos potenciais, não se podendo saber se as
78
soluções parciais propostas serão realmente aceitáveis.
Contribuindo para sua relevância, no curso do licenciamento ambiental pode
ser necessária a elaboração de um dos mais utilizados instrumentos de avaliação de
impactos ambientais previsto na legislação brasileira, desde que presente a
possibilidade de significativa degradação do meio ambiente:79 o Estudo Prévio de
Impacto Ambiental (EIA) e seu respectivo Relatório de Impacto ao Meio Ambiente
(RIMA).80 A Constituição Federal conferiu tratamento diferenciado ao EIA, dada a
magnitude das obras ou atividades que alcança, não tendo sido excluída, em
nenhum momento, a possibilidade de avaliação de impactos ambientais de
empreendimentos que não causem significativa degradação ambiental.

A Resolução CONAMA 01/86 estabelece as principais regras aplicáveis ao


EIA/RIMA, inclusive em relação às diretrizes gerais, ao seu conteúdo mínimo, aos
custos e à equipe competente para elaborá-lo. No âmbito do Estado do Rio de
Janeiro, a Lei estadual 1.356/1988 dispõe sobre os procedimentos vinculados à
elaboração, análise e aprovação dos estudos de impacto ambiental.

78
MACHADO, op. cit., p. 298.
79
Como visto, a Constituição Federal exige que a instalação de obra ou atividade potencialmente
causadora de significativa degradação do meio ambiente seja precedida de estudo prévio de impacto
ambiental (artigo 225, §1º, IV). No entanto, a norma constitucional determina que a lei deverá definir
que se entende como atividade ou empreendimento de significativo impacto. Até o presente
momento, ou seja, mais de 20 anos depois da edição da norma, ainda não foi editada tal lei,
encontrando-se a questão regulada pela Resolução CONAMA 01/86, que vem sendo reconhecida,
pela jurisprudência, como norma válida, embora não possua o status de lei exigido pela Constituição
Federal.
Não obstante, o conceito de significativo impacto ambiental torna-se constante objeto de disputa, seja
para dispensar de Estudo Prévio de Impacto Ambiental (EIA) as atividades listadas na Resolução
CONAMA 01/86, ou, ainda, para assim classificá-la, ainda que a atividade não esteja na mencionada
lista.
80
As atividades e empreendimentos capazes de causar degradação ou impactos ambientais devem
se submeter ao prévio licenciamento ambiental. Dentre estas, as que forem capazes de causar
significativa degradação ou impacto ambientais, no curso do processo de licenciamento, deve ser
elaborado o Estudo Prévio de Impacto Ambiental, e seu respectivo Relatório de Impacto ao Meio
Ambiente (EIA/RIMA).
39

Com relação à necessidade de compatibilizar o Estudo Prévio de Impacto


Ambiental com outros estudos relacionados ao empreendimento, Machado afirma:

O EPIA tem o seu procedimento próprio, mas levará em conta os estudos que
o precederam, inclusive no aspecto econômico. No balanceamento dos
interesses em jogo na elaboração do projeto, será identificados os prejuízos e
as vantagens que advirão para os diversos segmentos sociais. Por exemplo:
o número e a quantidade de empregos a serem criados pelo
empreendimento, a distância do projeto da zona da residência dos
empregados, a necessidade de migração e/ou de imigração para a mão-de-
obra a ser empregada, as condições de sanidade profissional na atividade, a
probabilidade de maior ou menor ocorrência de acidentes de trabalho, a
possibilidade de utilização de deficientes físicos na atividade, o emprego de
reeducandos egressos de penitenciárias, e, quando o projeto for de grande
porte, sua influência na distribuição de renda, considerada a região e o
próprio país.81
Por outro lado, o licenciamento ambiental adquiriu importância na gestão do
meio ambiente no país também pela maior possibilidade de participação da
população nas discussões sobre as atividades e empreendimentos propostos, em
especial em audiências públicas realizadas no curso do procedimento que envolva a
realização de EIA/RIMA, tal como exige a Constituição Federal e determina a
Resolução CONAMA 01/86 que consagra a obrigatoriedade de transparência das
informações, exceto nos casos de sigilo industrial, devidamente justificado (art. 11
da Resolução CONAMA 01/86).

A legislação ambiental atualmente prevê, no caso de licenciamento de


empreendimentos e atividades que exijam a elaboração de Estudo Prévio de
Impacto Ambiental, a realização de audiências públicas, desde que o órgão
ambiental entenda necessário ou quando for solicitado por entidade civil, pelo
Ministério Público, ou por 50 (cinqüenta) ou mais cidadãos (artigo 2º da Resolução
CONAMA 09/87). As audiências públicas devem ocorrer em local acessível aos
interessados e, em função da localização geográfica dos solicitantes, e da
complexidade do tema, poderá haver mais de uma audiência pública sobre o mesmo
projeto de respectivo Relatório de Impacto Ambiental – RIMA (artigo 2º, parágrafos
4º e 5º, da Resolução CONAMA 09/87).

A Lei federal 10.650/2003 determina que os “órgãos e entidades da


Administração Pública, direta, indireta e fundacional, integrantes do SISNAMA, ficam
obrigados a permitir o acesso público aos documentos, expedientes e processos
administrativos que tratem de matéria ambiental e a fornecer todas as informações

81
MACHADO, op. cit, p. 253.
40

ambientais que estejam sob sua guarda, em meio escrito, visual, sonoro ou
eletrônico, especialmente as relativas a políticas, planos e programas
potencialmente causadores de impacto ambiental” (artigo 2º, II).

Pelo mesmo motivo deverão ser publicados em Diário Oficial e ficar


disponíveis, no respectivo órgão, em local de fácil acesso ao público, listagens e
relações contendo os pedidos de licenciamento, sua renovação e a respectiva
concessão (artigo 4º, I, da Lei federal 10.650/2003).

Nas palavras de Machado:

Um cidadão que tem a oportunidade de participar do processo elaborativo da


decisão, e que não é afrontado pela Administração com o fato consumado,
tem grande boa vontade para aceitar e acomodar-se à decisão. De outro
lado, a participação pública no processo elaborativo da decisão pode reduzir
muito o potencial de conflito, que de outra forma existiria, desde que a
participação do público tenha sido em tempo oportuno e efetiva.82
O Direito Ambiental, por envolver um bem de uso comum e orientar-se pela
manutenção do meio ambiente ecologicamente equilibrado indispensável para a
sadia qualidade de vida, consagra, em diversas normas, a necessidade de
transparência dos atos e fornecimento de informações aos interessados, bem como
a possibilidade de efetiva participação dos cidadãos nos processos de tomada de
decisões.

O princípio 10 da Declaração do Rio, assinada na Conferência das Nações


Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada em 1992 no Rio de
Janeiro, determina:

A melhor maneira de tratar as questões ambientais é assegurar a


participação, no nível apropriado, de todos os cidadãos interessados. No nível
nacional, cada indivíduo terá acesso adequado às informações relativas ao
meio ambiente de que disponham as autoridades públicas, inclusive
informações acerca de materiais e atividades perigosas em suas
comunidades, bem como a oportunidade de participar dos processos
decisórios. Os Estados irão facilitar e estimular a conscientização e a
participação popular, colocando as informações à disposição de todos. Será
proporcionado o acesso efetivo a mecanismos judiciais e administrativos,
inclusive no que se refere à compensação e reparação de danos.
Nas palavras de Machado:

Um cidadão que tem a oportunidade de participar do processo elaborativo da


decisão, e que não é afrontado pela Administração com o fato consumado,
tem grande boa vontade para aceitar e acomodar-se à decisão. De outro
lado, a participação pública no processo elaborativo da decisão pode reduzir

82
MACHADO, op. cit, p. 185.
41

muito o potencial de conflito, que de outra forma existiria, desde que a


participação do público tenha sido em tempo oportuno e efetiva.83
Analisando o instituto do Estudo Prévio de Impacto Ambiental, Milaré e
Benjamin afirmam:

É, em síntese, um instrumento de grande conteúdo democrático, que atinge


seus objetivos no instante em que provoca – pela ótica do cidadão – efetiva
participação e fiscalização da atividade administrativa.84
Ocorre que, na maioria dos casos, o procedimento de licenciamento
ambiental é o único fórum instaurado para discussão entre o Poder Público, a
iniciativa privada e a população. E, muitas vezes, as discussões trazidas pela
população nos procedimentos de licenciamento relacionam-se a adoção, ou não, de
certas políticas regionais ou locais, levando para o órgão ambiental questões que
superam, e muito, as relacionadas ao empreendimento ou atividade. No curso do
licenciamento ambiental, que é apenas um dos instrumentos colocados à disposição
do Poder Público para auxiliá-lo em seu dever de proteger o meio ambiente para as
presentes e futuras gerações, especificamente para análise de atividades potencial
ou efetivamente poluidoras, as análises podem tornar-se demasiadamente
complexas.

Assim, de acordo com a legislação em vigor, não basta que a empresa paute
a escolha da localização de sua planta com base em critérios econômicos, mas
igualmente deverá ser considerada a legislação ambiental que rege o exercício da
atividade que se pretende desenvolver e, ainda, que incide sobre o local pretendido,
já que deverão ser obtidas as licenças ambientais pertinentes, que somente podem
ser expedidas após o atendimento das normas em vigor.

2.1.1 O conceito de impacto ambiental

O objetivo do licenciamento ambiental, como tratado anteriormente, é analisar


os impactos ambientais que podem ser causados pelo empreendimento ou
atividade, estabelecendo as medidas necessárias para eliminá-los ou mitigá-los. No
caso do procedimento de licença ambiental prévia seu intuito específico é analisar a
viabilidade ambiental, ou não, do projeto apresentado. Diante disso, é importante
que se discuta o conceito de impacto ambiental, de modo a evidenciar o alcance ou
abrangência deste procedimento.
83
MACHADO, op. cit,, p. 186.
84
MILARÉ; BENJAMIN, 1993, p. 77.
42

A legislação brasileira define impacto ambiental como qualquer alteração das


propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente, causada por qualquer
forma de matéria ou energia resultante das atividades humanas, que direta ou
indiretamente, afetem, dentre outros fatores, o bem estar da população e as
atividades sociais e econômicas (art. 3º, II e III da Lei federal 6.938/1981).85

Na Resolução CONAMA 01/86 consta o seguinte conceito de impacto


ambiental:

Artigo 1º. Para efeito desta Resolução, considera-se impacto ambiental


qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio
ambiente, causada por qualquer forma de matéria ou energia resultante das
atividades humanas que, direta ou indiretamente, afetam:
I – a saúde, a segurança e o bem-estar da população;
II – as atividades sociais e econômicas;
III – a biota;
IV – as condições estéticas e sanitárias do meio ambiente;
Neste sentido, verifica-se que os impactos que devem ser analisados pelo
EIA/RIMA incluem, além dos impactos físicos, os que serão suportados pela
população, bem como pelas demais atividades sociais e econômicas. Nota-se,
inclusive, que na Constituição Federal o capítulo que trata da proteção do meio
ambiente está inserido dentro do título referente à ordem social.

A análise feita no EIA, assim, deve abranger “o uso e ocupação do solo, os


usos da água e a socioeconomia, destacando os sítios e monumentos
arqueológicos, históricos e culturais da comunidade, as relações de dependência
entre a sociedade local, os recursos ambientais e a potencial utilização futura
desses recursos” (artigo 6º, I, c da Resolução CONAMA 01/86).86 Sobre a
importância e necessidade do EIA tratar dos impactos sociais, Antunes afirma:

85
O conceito de impacto ambiental da Resolução CONAMA 01/86 encontra-se vinculado às
atividades humanas, ou seja, apenas atividades humanas são capazes de causar impactos
ambientais, e, como é extremante abrangente, deve ser interpretado dentro dos limites de
razoabilidade, sob pena de alcançar toda e qualquer ação humana.
86
Artigo 6º - O estudo de impacto ambiental desenvolverá, no mínimo, as seguintes atividades
técnicas:
I - Diagnóstico ambiental da área de influência do projeto completa descrição e análise dos recursos
ambientais e suas interações, tal como existem, de modo a caracterizar a situação ambiental da área,
antes da implantação do projeto, considerando:
a) o meio físico - o subsolo, as águas, o ar e o clima, destacando os recursos minerais, a topografia,
os tipos e aptidões do solo, os corpos d'água, o regime hidrológico, as correntes marinhas, as
correntes atmosféricas;
43

Ora, na qualidade de instrumento da PNMA, o EIA têm por desiderato o


alcance dos objetivos fixados para a PNMA. Como se sabe, o artigo 2º da Lei
6.938/81 determina que, dentre os objetivos da PNMA, estão os de
recuperação da qualidade ambiental propícia à vida e a proteção da
dignidade humana. Necessário, portanto, que as repercussões sociais e
humanas dos projetos sejam bem examinadas no estudo para que este seja
válido e completo [...] se a avaliação dos impactos ambientais, em última
análise, tem por finalidade a pesquisa e o descobrimento das repercussões
eventualmente geradas pela poluição causada por um empreendimento
especificamente considerado, e que, no próprio conceito de poluição, estão
incorporadas as perturbações sensíveis da atividade social e econômica, não
se pode deixar de incluir nas análises dos impactos tudo aquilo que seja
repercussão na vida social e econômica da população da área de influência
do projeto.87
Percebe-se que a análise dos impactos no âmbito do licenciamento ambiental
deve ser a mais ampla possível, tendo em vista a necessidade de avaliação de toda
e qualquer alteração nas propriedades físicas, químicas e biológicas do meio
ambiente, inclusive abordando aspectos relacionados à saúde, à segurança, ao
bem-estar da população, às atividades sociais e econômicas, além da análise sobre
o meio físico, meio biológico e ecossistema natural.

2.2 A COMPETÊNCIA PARA O LICENCIAMENTO AMBIENTAL

A análise do pedido de licença ambiental deve ser feita pelo ente federativo
competente, nos termos das regras estabelecidas pela Constituição Federal. A
competência para o licenciamento ambiental inclui-se na competência executiva, ou
seja, a que “engloba poderes para o ente público realizar atividades que não legislar.
É competência não-legislativa, de cunho administrativo, material, em que se

b) o meio biológico e os ecossistemas naturais - a fauna e a flora, destacando as espécies


indicadoras da qualidade ambiental, de valor científico e econômico, raras e ameaçadas de extinção
e as áreas de preservação permanente;
c) o meio sócio-econômico - o uso e ocupação do solo, os usos da água e a sócio-economia,
destacando os sítios e monumentos arqueológicos, históricos e culturais da comunidade, as relações
de dependência entre a sociedade local, os recursos ambientais e a potencial utilização futura desses
recursos.
II - Análise dos impactos ambientais do projeto e de suas alternativas, através de identificação,
previsão da magnitude e interpretação da importância dos prováveis impactos relevantes,
discriminando: os impactos positivos e negativos (benéficos e adversos), diretos e indiretos, imediatos
e a médio e longo prazos, temporários e permanentes; seu grau de reversibilidade; suas
propriedades cumulativas e sinérgicas; a distribuição dos ônus e benefícios sociais.
III - Definição das medidas mitigadoras dos impactos negativos, entre elas os equipamentos de
controle e sistemas de tratamento de despejos, avaliando a eficiência de cada uma delas.
lV - Elaboração do programa de acompanhamento e monitoramento (os impactos positivos e
negativos, indicando os fatores e parâmetros a serem considerados.
Parágrafo Único - Ao determinar a execução do estudo de impacto Ambiental o órgão estadual
competente; ou o IBAMA ou quando couber, o Município fornecerá as instruções adicionais que se
fizerem necessárias, pelas peculiaridades do projeto e características ambientais da área.
87
ANTUNES, op. cit, p. 308-309.
44

atribuem tarefas específicas para o poder público cuidar; é competência de


atribuições”.88

A Constituição Federal determina ser de competência comum da União, dos


Estados, do Distrito Federal e dos Municípios “proteger o meio ambiente e combater
a poluição em qualquer de suas formas” (art. 23, VI) e “preservar as florestas, a
fauna e a flora” (art. 23, VII). Assim, todos os entes federativos brasileiros possuem
competência para proteger o meio ambiente,89 e, especificamente, para licenciar as
atividades capazes de gerar poluição ou degradação ambiental. Em outras
palavras, “na tutela do meio ambiente, atuarão, de forma integrada e compartilhada,
os [...] órgãos ambientais com poder de polícia administrativa ambiental, investidos
de autoridade para praticar os atos necessários à sua gestão”.90

Tal competência deve ser orientada para que a atuação dos entes ocorra de
forma ordenada, e sem interposições de tarefas e, neste sentido, o parágrafo único
do art. 23 da Carta Magna determina que “Lei complementar fixará normas para a
cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em
vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional”. Assim, a
Constituição Federal de 1988, ao mesmo tempo, atribui a competência para o
licenciamento ambiental a todos os entes federativos e exige que seja editada uma
lei complementar que irá estabelecer os critérios para que a atuação ocorra de forma
ordenada e sem a indesejada sobreposição de ações.

Em matéria ambiental, até o presente momento, ainda não foi editada a lei
complementar que regulará a atuação da União, dos Estados, do Distrito Federal e
dos Municípios,91 o que torna a definição do órgão competente para o licenciamento

88
MATTOS NETO, 1999, p. 126.
89
É importante destacar que a Constituição Federal expressamente atribui ao Poder Público o dever
de defender e proteger o meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e
essencial à sadia qualidade de vida, em seu artigo 225.
90
MILARÉ, op. cit, p. 521.
91
Encontra-se em tramitação no Congresso Nacional, o Projeto de Lei Complementar (PLC) de nº
388/2007, que fixa normas para a cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os
Municípios, nas ações administrativas decorrentes do exercício da competência comum relativas à
proteção das paisagens naturais notáveis, à proteção do meio ambiente, ao combate à poluição em
qualquer de suas formas e à preservação das florestas, da fauna e da flora, previstas no art. 23,
incisos III, VI e VII, da Constituição. Com poucos artigos, o PLC pretende encerrar profundas
controvérsias surgidas no cotidiano da atuação dos órgãos públicos ambientais.
O PLC estabelece ser de competência da União: art. 6º, inciso XV: “promover o licenciamento
ambiental das atividades ou empreendimentos, a saber: a) que causem ou possam causar impacto
ambiental direto de âmbito nacional ou regional; b) localizados ou desenvolvidas conjuntamente no
Brasil e em país limítrofe; c) localizados na plataforma continental, na zona econômica exclusiva, em
45

ambiental bastante polêmica e capaz de suscitar diversos questionamentos,


inclusive com o ajuizamento de ações judiciais. No entanto, neste cenário, a
responsabilidade pela proteção ambiental permanece comum e solidária entre todos
os entes, persistindo a dificuldade quanto à definição do ente político a que caberá a
atuação.92

Em que pese ainda não ter sido editada a mencionada lei complementar, a
Lei federal 6.938/1981 e a Resolução CONAMA 237/1997 trazem regras sobre a
competência para o licenciamento ambiental, mas que suscitam controvérsias
quanto à sua constitucionalidade, tendo em vista que o estabelecimento de normas
para a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios
deve ser veiculado em lei complementar.93

Nos termos da Lei federal 6.938/81, a competência do licenciamento é, em


regra, do órgão ambiental estadual e o IBAMA atua nos casos de atividades e obras

terras indígenas ou em unidades de conservação da União, exceto em Áreas de Proteção Ambiental -


APAs, onde deverá ser observado o critério do impacto ambiental direto das atividades ou
empreendimentos; d) destinados a pesquisar, lavrar, produzir, beneficiar, transportar, armazenar e
dispor material radioativo, em qualquer estágio, ou que utilizem energia nuclear em qualquer de suas
formas e aplicações, mediante parecer da Comissão Nacional de Energia Nuclear - CNEN; e e)
empreendimentos e atividades militares que servem a defesa nacional, na forma da Lei”.
A competência dos Estados será a de promover o licenciamento ambiental das atividades ou
empreendimentos, a saber: a) que causem ou possam causar impacto ambiental direto de âmbito
estadual; e b) localizados em unidades de conservação do Estado ou do Distrito Federal, exceto em
Áreas de Proteção Ambiental - APAs, onde deverá ser observado o critério do impacto ambiental
direto das atividades ou empreendimentos; (art. 7º inciso XIV).
Aos municípios caberá a competência de promover o licenciamento ambiental das atividades ou
empreendimentos, a saber: a) que causem ou possam causar impacto ambiental direto de âmbito
local; e b) localizados em unidades de conservação do Município, exceto em Áreas de Proteção
Ambiental - APAs, onde deverá ser observado o critério do impacto ambiental direto das atividades ou
empreendimentos; (art. 8º inciso XIV).
Nesse sentido, critérios para a definição da amplitude do impacto ambiental são trazidos no art. 10,
sendo “impacto ambiental direto de âmbito nacional ou regional: aquele que afete diretamente, no
todo ou em parte, o território de dois ou mais Estados Federados ou cujos impactos ambientais
significativos diretos ultrapassem os limites territoriais do País” (inciso I); “impacto ambiental direto de
âmbito estadual: aquele que afete diretamente, no todo ou em parte, o território de dois ou mais
Municípios” (inciso II); “impacto ambiental direto de âmbito local: aquele que afete direta, no todo ou
em parte, o território de um município sem ultrapassar o seu limite territorial” (inciso III).
O que se percebe é que o PLC em questão seguiu o mesmo adotado pela Resolução CONAMA, não
havendo grandes modificações práticas, caso ocorra sua aprovação.
92
MILARÉ, op. cit, p. 521.
93
A lei complementar exige um quórum de maioria absoluta para ser aprovada (artigo 69 da CF) e
apenas deve tratar dos assuntos que a Constituição Federal a exigiu. Entende-se que não há
hierarquia entre as leis complementares e ordinárias, mas elas possuem âmbito de matérias diverso,
que são atribuídos pela própria Constituição. Assim, “a lei ordinária que destoa da lei complementar
é inconstitucional por invadir âmbito normativo que lhe é alheio, e não por ferir o princípio da
hierarquia das leis”. MENDES et al, 2007, p. 835-836.
46

com significativo impacto ambiental, de âmbito nacional ou regional.94 Ou seja,


compete ao IBAMA o licenciamento de atividades e obras com significativo impacto
ambiental, de âmbito nacional ou regional, bem como a atuação em caráter
supletivo, o que “apesar de a lei não indicar os seus parâmetros, deverá ocorrer,
principalmente, em duas situações: se o órgão estadual ambiental for inepto ou se o
órgão permanecer inerte ou omisso”.95

A Lei coloca o órgão estadual como principal agente licenciador, possuindo,


em regra, a competência para o licenciamento e, mesmo com a redação alterada
após a Constituição Federal, não prevê a competência municipal para o
licenciamento ambiental.

Alguns autores entendem que a Lei Federal 6.938/81, no que se refere à


repartição de competências, foi recepcionada com “status” de lei complementar,96 e
que, por isso, seria o instrumento normativo que estabelece as regras de
competência para o licenciamento ambiental, ou seja, atualmente a competência
obedece ao que determina a Lei federal 6.938/1981, o que exclui os municípios
deste sistema.

Não obstante tal posicionamento, tem-se entendido que a instituição do


Sistema Nacional do Meio Ambiente, com o objetivo de organizar a atuação dos
diversos níveis de governo, se deu em consonância com o critério estabelecido pela
Constituição de repartição de competência, qual seja, a prevalência de interesses.
Por este motivo, conclui-se que a lei foi recepcionada pela Magna Carta, restando a
divergência no que se refere à competência municipal.

Por outro lado, a Resolução CONAMA 237/1997 apresenta critérios mais


objetivos de competência para o licenciamento ambiental, além de prever o

94
Art. 10 A construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades
utilizadoras de recursos ambientais, considerados efetiva e potencialmente poluidores, bem como os
capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental, dependerão de prévio licenciamento
de órgão estadual competente, integrante do Sistema Nacional do Meio Ambiente - SISNAMA, e do
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis - IBAMA, em caráter supletivo,
sem prejuízo de outras licenças exigíveis. (Redação dada pela Lei nº 7.804, de 1989)
[...]
§ 4º Compete ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis - IBAMA o
licenciamento previsto no caput deste artigo, no caso de atividades e obras com significativo impacto
ambiental, de âmbito nacional ou regional. (Redação dada pela Lei nº 7.804, de 1989)
95
MACHADO, op. cit, p. 290.
96
LUCIA VALLE FIGUEIREDO posiciona-se neste sentido: “A Lei 6.938, de 31.08.1981 foi recebida
pela Constituição, consoante entendemos, como norma geral e, até mesmo, foi modificada depois da
Constituição de 1988”. FIGUEIREDO, 2004, p. 53.
47

Município como o responsável para as atividades ou empreendimentos de impacto


ambiental local e daquelas que lhe forem delegadas pelo Estado por instrumento
legal ou convênio.97 Diante da edição da Resolução, formaram-se dois
posicionamentos principais sobre tais dispositivos da Resolução CONAMA. O
primeiro no sentido de que a Resolução nada mais faz que detalhar o que já consta
na Constituição Federal, estabelecendo alguns parâmetros que orientam a prática
dos órgãos ambientais.98 Para a segunda corrente, uma resolução, que sequer é
uma lei, padece de inconstitucionalidade pois não poderia dispor de tais matérias.
Por isso, estes últimos autores tem entendido que a Resolução CONAMA 237/1997
apresenta-se eivada de inconstitucionalidade ao estabelecer regras de competência
diversas daquelas que se encontram na Lei federal 6.938/1981.99 100

97
Art. 4º Compete ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis -
IBAMA, órgão executor do SISNAMA, o licenciamento ambiental, a que se refere o artigo 10 da Lei nº
6.938, de 31 de agosto de 1981, de empreendimentos e atividades com significativo impacto
ambiental de âmbito nacional ou regional, a saber:
I - localizadas ou desenvolvidas conjuntamente no Brasil e em país limítrofe; no mar territorial; na
plataforma continental; na zona econômica exclusiva; em terras indígenas ou em unidades de
conservação do domínio da União.
II - localizadas ou desenvolvidas em dois ou mais Estados;
III - cujos impactos ambientais diretos ultrapassem os limites territoriais do País ou de um ou mais
Estados;
IV - destinados a pesquisar, lavrar, produzir, beneficiar, transportar, armazenar e dispor material
radioativo, em qualquer estágio, ou que utilizem energia nuclear em qualquer de suas formas e
aplicações, mediante parecer da Comissão Nacional de Energia Nuclear - CNEN;
V- bases ou empreendimentos militares, quando couber, observada a legislação específica.
[...]
Art. 5º - Compete ao órgão ambiental estadual ou do Distrito Federal o licenciamento ambiental dos
empreendimentos e atividades:
I - localizados ou desenvolvidos em mais de um Município ou em unidades de conservação de
domínio estadual ou do Distrito Federal;
II - localizados ou desenvolvidos nas florestas e demais formas de vegetação natural de preservação
permanente relacionadas no artigo 2º da Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965, e em todas as que
assim forem consideradas por normas federais, estaduais ou municipais;
III - cujos impactos ambientais diretos ultrapassem os limites territoriais de um ou mais Municípios;
IV – delegados pela União aos Estados ou ao Distrito Federal, por instrumento legal ou convênio.
Art. 6º Compete ao órgão ambiental municipal, ouvidos os órgãos competentes da União, dos
Estados e do Distrito Federal, quando couber, o licenciamento ambiental de empreendimentos e
atividades de impacto ambiental local e daquelas que lhe forem delegadas pelo Estado por
instrumento legal ou convênio.
98
ÉDIS MILARÉ afirma que “a Resolução CONAMA 237/1997, ampliando o critério estabelecido na
Lei 6.938/1981, fundado exclusivamente no ‘alcance dos impactos ambientais’, adotou um critério
misto – baseado não só na abrangência dos impactos diretos, como também na localização ou
natureza da atividade/empreendimento e na dominialidade do bem sujeito a interferência – para
definição do órgão licenciador, conferindo o licenciamento a um único nível de competência”.
MILARÉ, op. cit, p.528.
99
FRANCISCO THOMAZ VAN ACKER afirma “que o CONAMA, ao arrepio das disposições
expressas no art.8º, inc. I, e no art. 10 da Lei 6.938/81, excedeu os limites de suas atribuições legais,
alterou disposições da lei federal e pretendeu, indevidamente, substituir-se à futura Lei complementar
fixadora das normas de cooperação entre os três níveis de governo na matéria de competência
comum”. VAN ACKER, 1997, p. 190.
48

No entanto, a norma encontra-se em vigor, já que não foi declarada sua


inconstitucionalidade, e vem servindo de orientação para a definição da competência
dos órgãos ambientais. Na prática, o que se tem visto é que, no que se refere aos
critérios de atuação dos órgãos ambientais, a Resolução CONAMA 237/1997 tem
sido observada, inclusive no Estado do Rio de Janeiro. As atuações do órgão
federal e estadual estão bastante orientadas pelos critérios estabelecidos nesta
Resolução, que serve para dirimir conflitos práticos e motivar as decisões adotadas
no âmbito do licenciamento ambiental.

Em síntese, pode-se dizer que a Resolução CONAMA 237/1997 orienta-se


pela abrangência do impacto, ou seja, compete à União as atividades de impacto
nacional ou regional,101 estabelecendo, ainda, alguns outros critérios específicos,
especialmente em relação à esta, tais como os empreendimentos relacionados à
material radioativo ou energia nuclear e bases ou empreendimentos militares, bem
como os localizados no mar territorial; na plataforma continental; na zona econômica
exclusiva; em terras indígenas ou em unidades de conservação do domínio da
União.

FILIPPE AUGUSTO VIEIRA DE ANDRADE conclui que a “Resolução extrapolou ao pretender


estabelecer os níveis de competência em que cada órgão integrante do SISNAMA operaria, em nível
único e com exclusão dos demais, o licenciamento de empreendimentos e atividades de significativo
impacto ambiental”. ANDRADE, 1999, p. 109.
100
Existe uma grande divergência, ainda, em relação ao licenciamento ambiental único estabelecido
no artigo 7º da Resolução CONAMA 237/97, que dispõe: “Os empreendimentos e atividades serão
licenciados em um único nível de competência, conforme estabelecido nos artigos anteriores”. Nas
palavras de PAULO AFFONSO LEME MACHADO “a lei federal ordinária não pode retirar dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios poderes que constitucionalmente lhes são atribuídos.
Assim, é de se entender que o art. 10 da Lei 6.938//81 (Lei da Política Nacional do Meio Ambiente)
não estabeleceu licenças ambientais exclusivas do IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente de
Recursos Naturais Renováveis, porque somente uma lei complementar poderia fazê-lo (art. 23,
parágrafo único, da CF); e nem a Resolução CONAMA 237/1997 poderia estabelecer um
licenciamento ambiental único. Enquanto não se elaborar essa lei complementar estabelecendo
normas para a cooperação entre as pessoas jurídicas, é válido sustentar que todas elas, ao mesmo
tempo, têm competência e interesse de intervir nos licenciamentos ambientais. No federalismo, a
Constituição Federal, mais do que nunca, é a fonte das competências, pois caso contrário a
cooperação entre os órgãos federados acabaria esfacelada, prevalecendo o mais forte ou o mais
estruturado politicamente”. MACHADO, op. cit, p. 287.
101
A Resolução CONAMA 237/97 conceitua impacto regional como “todo e qualquer impacto
ambiental que afete diretamente (área de influência direta do projeto), no todo ou em parte, o território
de dois ou mais Estados” (artigo 1º, IV).
49

2.3 A EXIGÊNCIA LEGAL DE APRESENTAÇÃO DE ALTERNATIVAS


LOCACIONAIS

O Estudo Prévio de Impacto Ambiental deve analisar alternativas locacionais


e tecnológicas para o empreendimento ou atividade em questão, de acordo com
obrigatoriedade prevista na legislação desde a década de 80.

A Lei federal 6.803/80, que dispõe sobre as diretrizes básicas para o


zoneamento industrial nas áreas críticas de poluição, no parágrafo terceiro do artigo
10, determina que “Além dos estudos normalmente exigíveis para o estabelecimento
de zoneamento urbano, a aprovação das zonas a que se refere o parágrafo anterior,
será precedida de estudos especiais de alternativas e de avaliações de impacto, que
permitam estabelecer a confiabilidade da solução a ser adotada”. Assim, como
afirma Machado:

surge nessa lei a necessidade de que o estudo apresente alternativas. No


caso da lei em exame, estudar alternativas equivale a possibilidade de uma
outra zona industrial tendo-se em vista a zona indicada no projeto já
apresentado. O sentido de alternativas da Lei 6.803/80 deverá influenciar a
análise dos diplomas legais subseqüentes, sendo que o vocábulo empregado
significa que, pelo menos, duas opções deverão ser colocadas diante do
administrador público para que a decisão administrativa seja possível. As
alternativas analisadas deverão ter razoável viabilidade. Seria falsear o
espírito da lei se, para forçar a escolha de um projeto, se apresentasse outra
opção manifestamente inexeqüível.102
Posteriormente, o artigo 17, §1º, b, do Decreto federal 99.274/90, que trata do
licenciamento ambiental, determina que cabe ao “CONAMA fixar os critérios básicos,
segundo os quais serão exigidos estudos de impacto ambiental para fins de
licenciamento”, exigindo-se, no mínimo, “a descrição da ação proposta e suas
alternativas”. Neste sentido, os dois principais artigos da Resolução CONAMA
01/1986 sobre o assunto dispõem que o EIA deve contemplar “todas as alternativas
tecnológicas e de localização de projeto, confrontando-as com a hipótese de não
execução do projeto” e o RIMA conter a “caracterização da qualidade ambiental
futura da área de influência, comparando as diferentes situações da adoção do
projeto e suas alternativas, bem como com a hipótese de sua não realização” (artigo
5º, I e 9º, V, respectivamente).103

102
MACHADO, op. cit, p. 244.
103
Artigo 5º. O estudo de impacto ambiental, além de atender à legislação, em especial os princípios
e objetivos expressos na Lei de Política Nacional do Meio Ambiente, obedecerá às seguintes
diretrizes gerais:
50

Comentando o art. 5º, I, da Resolução CONAMA 01/1986, Oliveira afirma:

O artigo 5º torna obrigatório que se contemple todas as alternativas de


localização do empreendimento proposto, devendo, em cada uma delas,
obrigatoriamente a alternativa ser confrontada com a hipótese de não
execução do projeto. Isto significa que em cada uma das alternativas, sobre
o diagnóstico da área devem ser previstas (prognosticadas) as alterações da
mesma com a implantação do projeto proposto e comparado com a previsão
da evolução da mesma área sem a implantação do empreendimento. Assim,
o licenciador terá condições de verificar qual a tendência natural de
desenvolvimento da área e desenvolvimento natural. Este prognóstico é
muito importante, principalmente nas grandes obras, muitas vezes sendo
decisivo para outorga ou não da licença solicitada.104
Com relação à opção de não realizar o empreendimento, Antunes apresenta a
seguinte análise:

Uma questão polêmica é a da opção zero, isto é, a análise dos efeitos


produzidos pela não-realização do empreendimento. Trata-se,
evidentemente, de comparar a situação ecológica atual da região em que se
pretende implantar determinado projeto com a situação futura. Não se trata,

I – Contemplar todas as alternativas tecnológicas e de localização de projeto, confrontando-as com a


hipótese de não execução do projeto;
II – Identificar e avaliar sistematicamente os impactos ambientais gerados nas fases de implantação e
operação da atividade;
III – Definir os limites da área geográfica a ser direta ou indiretamente afetada pelos impactos,
denominada área de influência do projeto, considerando, em todos os casos, a bacia hidrográfica na
qual se localiza;
lV – Considerar os planos e programas governamentais, propostos e em implantação na área de
influência do projeto, e sua compatibilidade.
Parágrafo Único – Ao determinar a execução do estudo de impacto ambiental o órgão estadual
competente, ou o IBAMA ou, quando couber, o Município, fixará as diretrizes adicionais que, pelas
peculiaridades do projeto e características ambientais da área, forem julgadas necessárias, inclusive
os prazos para conclusão e análise dos estudos.
Artigo 9º. O relatório de impacto ambiental - RIMA refletirá as conclusões do estudo de impacto
ambiental e conterá, no mínimo:
I – Os objetivos e justificativas do projeto, sua relação e compatibilidade com as políticas setoriais,
planos e programas governamentais;
II – A descrição do projeto e suas alternativas tecnológicas e locacionais, especificando para cada um
deles, nas fases de construção e operação a área de influência, as matérias primas, e mão-de-obra,
as fontes de energia, os processos e técnica operacionais, os prováveis efluentes, emissões,
resíduos de energia, os empregos diretos e indiretos a serem gerados;
III – A síntese dos resultados dos estudos de diagnósticos ambiental da área de influência do projeto;
IV – A descrição dos prováveis impactos ambientais da implantação e operação da atividade,
considerando o projeto, suas alternativas, os horizontes de tempo de incidência dos impactos e
indicando os métodos, técnicas e critérios adotados para sua identificação, quantificação e
interpretação;
V – A caracterização da qualidade ambiental futura da área de influência, comparando as diferentes
situações da adoção do projeto e suas alternativas, bem como com a hipótese de sua não realização;
VI – A descrição do efeito esperado das medidas mitigadoras previstas em relação aos impactos
negativos, mencionando aqueles que não puderam ser evitados, e o grau de alteração esperado;
VII – O programa de acompanhamento e monitoramento dos impactos;
VIII – Recomendação quanto à alternativa mais favorável (conclusões e comentários de ordem geral).
Parágrafo único – O RIMA deve ser apresentado de forma objetiva e adequada a sua compreensão.
As informações devem ser traduzidas em linguagem acessível, ilustradas por mapas, cartas, quadros,
gráficos e demais técnicas de comunicação visual, de modo que se possam entender as vantagens e
desvantagens do projeto, bem como todas as conseqüências ambientais de sua implementação.
104
OLIVEIRA, 2005, p. 442.
51

contudo, apenas disso. Deve ser analisada, igualmente, a situação


econômico-social da área de influência do projeto nas hipóteses de realização
e de não-realização do empreendimento. Aqui é preciso lembrar que a
legislação brasileira, em matéria ambiental, tem como um dos seus objetivos
[...] assegurar [...] condições de desenvolvimento socioeconômico [...] Parece-
nos, portanto, que a opção zero somente deve ser considerada como a mais
adequada quando o projeto causar grandes impactos ambientais, sem
possibilidade de mitigação aceitável, e que os seus resultados econômico-
105
sociais sejam desprezíveis.
A avaliação de impactos ambientais deve, assim, analisar as alternativas
locacionais e tecnológicas para a empresa objeto do licenciamento, bem como
realizar um estudo comparativo entre a realização e não realização das medidas
necessárias à implantação e operação do empreendimento.

2.4 O REGIME JURÍDICO DAS ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE

O Código Florestal brasileiro, instituído pela Lei federal 4.771/1965, confere


novos contornos ao direito de propriedade, condicionando-o ao cumprimento de
função socioambiental, ao afirmar, em seu artigo 1º, que “as florestas existentes no
território nacional e as demais formas de vegetação, reconhecidas de utilidade às
terras que revestem, são bens de interesse comum a todos os habitantes do país,
exercendo-se os direitos de propriedade, com as limitações que legislação em geral
e especialmente esta Lei estabelecem”.

Nesta Lei, encontram-se disciplinadas as áreas de preservação permanente


(APPs), que são espaços territoriais especialmente protegidos,106 sob os quais
incidem limitações administrativas107 com o intuito de melhor atender aos interesses
da coletividade, diretamente relacionadas à necessidade de preservação das
funções ambientais de tais áreas, ainda que não coberta com vegetal nativa, e a
qualidade de vida da população.

105
ANTUNES, op. cit, p. 307.
106
O conceito de espaços territoriais especialmente protegidos surgiu com a Constituição Federal de
1988, em seu artigo 225, §1º, III, que impõe a obrigação de sua definição ao Poder Público, e
estabelece que a alteração e supressão somente é permitida através de lei.
107
Com relação às limitações administrativas que incidem sobre as áreas de preservação
permanente, destacam-se as palavras de GUILHERME JOSÉ PURVIN DE FIGUEREDO: “A
limitação administrativa estabelecida pela instituição das áreas de preservação permanente consiste
em sua imodificabilidade. A regra, porém, não é absoluta. O art. 3º, §1º e o art. 4º e seus parágrafos
(redação dada pela Medida Provisória 2.166-67/2001) regulamentam as hipóteses de supressão total
ou parcial da vegetação, que serão admitidos, mediante prévia autorização do órgão ambiental
competente [...]”. FIGUEREDO, 2004, p. 214.
52

De acordo com a definição presente no Código Florestal, a área de


preservação permanente é “área protegida nos termos dos arts. 2º e 3º desta Lei,
coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os
recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo
gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações
humanas” (art. 1º, §2º, II).

Atualmente, existem dois tipos de áreas de preservação permanente. O


primeiro tipo é composto pelas denominadas de áreas de preservação permanente
legais e referem-se as instituídas tão-somente pela Lei 4.771/65, e suas alterações
posteriores, e correspondem as florestas e demais vegetações localizadas:

a) ao longo dos rios ou de qualquer curso d'água desde o seu nível mais alto
em faixa marginal cuja largura mínima será:
1 – de 30 (trinta) metros para os cursos d'água de menos de 10 (dez) metros
de largura;
2 – de 50 (cinquenta) metros para os cursos d'água que tenham de 10 (dez) a
50 (cinquenta) metros de largura;
3 – de 100 (cem) metros para os cursos d'água que tenham de 50 (cinquenta)
a 200 (duzentos) metros de largura;
4 – de 200 (duzentos) metros para os cursos d'água que tenham de 200
(duzentos) a 600 (seiscentos) metros de largura;
5 – de 500 (quinhentos) metros para os cursos d'água que tenham largura
superior a 600 (seiscentos) metros;
b) ao redor das lagoas, lagos ou reservatórios d'água naturais ou artificiais;
c) nas nascentes, ainda que intermitentes e nos chamados "olhos d'água",
qualquer que seja a sua situação topográfica, num raio mínimo de 50
(cinquenta) metros de largura;
d) no topo de morros, montes, montanhas e serras;
e) nas encostas ou partes destas, com declividade superior a 45°, equivalente
a 100% na linha de maior declive;
f) nas restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues;
g) nas bordas dos tabuleiros ou chapadas, a partir da linha de ruptura do
relevo, em faixa nunca inferior a 100 (cem) metros em projeções horizontais;
h) em altitude superior a 1.800 (mil e oitocentos) metros, qualquer que seja a
vegetação. (art. 2º da Lei 4.771/1965)
Além destas, menciona-se que a Constituição do Estado do Rio de Janeiro
aumenta o rol das áreas de preservação permanente, incluindo, nesta categoria, os
mangues, as praias, os costões rochosos, as faixas marginais de proteção, dentre
outros (artigo 268).

Ao lado das APPs legais, existem as áreas de preservação permanente


administrativas, que devem ser declaradas pelo Poder Público, de modo a atender a
53

determinados objetivos, dentre eles, “atenuar a erosão das terras”, “fixar as dunas”,
“proteger sítios de excepcional beleza ou de valor científico ou histórico, “assegurar
condições de bem-estar público” (art. 3º da Lei 4.771/1965).

O Código Florestal, desde sua edição, contém a previsão de supressão, total


ou parcial, de florestas de preservação permanente no parágrafo primeiro do art. 3º,
que trata das áreas instituídas pelo Poder Público, denominadas, como visto acima,
de áreas de preservação permanente administrativas, com o seguinte texto:

§ 1° A supressão total ou parcial de florestas de preservação permanente só


será admitida com prévia autorização do Poder Executivo Federal, quando for
necessária à execução de obras, planos, atividades ou projetos de utilidade
pública ou interesse social. 108
Em que pese o parágrafo de um artigo referir-se a matérias tratadas no caput
do dispositivo,109 instalou-se uma polêmica a respeito da possibilidade de aplicação
desta regra de supressão de florestas de preservação permanente tratadas no artigo
2º do Código Florestal. Não obstante esta polêmica, parece claro que o Código
Florestal, desde o início, não previa a supressão ou alteração de florestas ou outras
formas de vegetação de preservação permanente legais, ou seja, as instituídas pelo
artigo 2º do Código Florestal e tratada acima. Ao contrário, os artigos que tratavam
de exploração de florestas (art. 16 e 19) traziam ressalvas expressas acerca das
áreas de preservação permanente.

No entanto, ao longo dos anos, o texto do Código Florestal foi alterado para
constar expressamente um regime de supressão das áreas de preservação
permanente, destacando-se, dentre as medidas provisórias editadas, a Medida
Provisória 1.605-30, que alterou os parágrafos do art. 3º.110 Porém, foi com a

108
O artigo 4º, em sua redação original, do Código Florestal considerava como de interesse público
os seguintes casos: interesse público: (i) a limitação e o controle do pastoreio em determinadas
áreas, visando à adequada conservação e propagação da vegetação florestal; (ii) as medidas com o
fim de prevenir ou erradicar pragas e doenças que afetem a vegetação florestal; (iii) a difusão e a
adoção de métodos tecnológicos que visem a aumentar economicamente a vida útil da madeira e o
seu maior aproveitamento em todas as fases de manipulação e transformação.
109
Neste sentido, o art. 11, III, ‘c’, da Lei Complementar 95/98, que trata da elaboração, a redação, a
alteração e a consolidação das leis, determina, para obter ordem lógica nas disposições normativas,
que se expresse “por meio dos parágrafos os aspectos complementares à norma enunciada no caput
do artigo e as exceções à regra por este estabelecida”.
110
Os dispositivos passaram a ter a seguinte redação:
§ 1º. A supressão total ou parcial de florestas e demais formas de vegetação permanente de que
trata esta Lei, devidamente caracterizada em procedimento administrativo próprio e com prévia
autorização do órgão federal de meio ambiente, somente será admitida quando necessária à
execução de obras, planos, atividades ou projetos de utilidade pública ou interesse social, sem
prejuízo do licenciamento a ser procedido pelo órgão ambiental competente.
54

Medida Provisória 1.956-50, de 26 de maio de 2000, que o regime de utilização e


supressão de áreas de preservação permanente sofreu a maior alteração, cuja
disciplina permanece até hoje, passando a prever os casos de utilidade pública e
interesse social.111

§ 2º. Por ocasião da análise do licenciamento, o órgão licenciador indicará as medidas de


compensação ambiental que deverão ser adotadas pelo empreendedor sempre que possível.
§ 3º. As florestas que integram o patrimônio indígena ficam sujeitas ao regime de preservação
permanente (letra "g") pelo só efeito desta Lei.
A respeito desta Medida Provisória, cumpre destacar o que afirma ANTONIO HERMAN BENJAMIN
“Enquanto que o § 1º do art. 3° do Código Florestal apenas referia-se à "supressão total ou parcial de
florestas de preservação permanente", a nova redação trazida pela MedProv 1.736-31 fala em
"supressão total ou parcial de florestas e demais formas de vegetação permanente de que trata esta
Lei" (grifei), com isso pondo fim a qualquer questionamento sobre a submissão das hipóteses de
APPs do art. 2° ao regime de supressão por interesse público ou utilidade social.” BENJAMIN, 2000,
p. 15.
111
Os artigos em questão determinam:
Artigo 1º
IV - Utilidade pública:
a) as atividades de segurança nacional e proteção sanitária;
b) as obras essenciais de infra-estrutura destinadas aos serviços públicos de transporte, saneamento
e energia; e
c) demais obras, planos, atividades ou projetos previstos em resolução do Conselho Nacional de
Meio Ambiente - CONAMA.
V - Interesse social:
a) as atividades imprescindíveis à proteção da integridade da vegetação nativa, tais como:
prevenção, combate e controle do fogo, controle da erosão, erradicação de invasoras e proteção de
plantios com espécies nativas, conforme resolução do CONAMA;
b) as atividades de manejo agroflorestal sustentável praticadas na pequena propriedade ou posse
rural familiar, que não descaracterizem a cobertura vegetal e não prejudiquem a função ambiental da
área; e
c) demais obras, planos, atividades ou projetos definidos em resolução do CONAMA.
[...]
Art. 4º A supressão de vegetação em área de preservação permanente somente poderá ser
autorizada em caso de utilidade pública ou de interesse socio-econômico,111 devidamente
caracterizados e motivados em procedimento administrativo próprio, quando inexistir alternativa
técnica e locacional ao empreendimento proposto.
§ 1º A supressão de que trata o caput deste artigo dependerá de autorização do órgão ambiental
estadual competente, com anuência prévia, quando couber, do órgão federal ou municipal de meio
ambiente, ressalvado o disposto no § 2º deste artigo.
§ 2º A supressão de vegetação em área de preservação permanente situada em área urbana,
dependerá de autorização do órgão ambiental competente, desde que o município possua conselho
de meio ambiente com caráter deliberativo e plano diretor, mediante anuência prévia do órgão
ambiental estadual competente fundamentada em parecer técnico.
§ 3º O órgão ambiental competente poderá autorizar a supressão eventual e de baixo impacto
ambiental, assim definido em regulamento, da vegetação em área de preservação permanente.
§ 4º O órgão ambiental competente indicará, previamente à emissão da autorização para a
supressão de vegetação em área de preservação permanente, as medidas mitigadoras e
compensatórias que deverão ser adotadas pelo empreendedor.
§ 5º A supressão de vegetação nativa protetora de nascentes, ou de dunas e mangues, de que
tratam, respectivamente, as alíneas "c" e "f" do art. 2º deste Código, somente poderá ser autorizada
em caso de utilidade pública.
§ 6º Na implantação de reservatório artificial é obrigatória a desapropriação ou aquisição, pelo
empreendedor, das áreas de preservação permanente criadas no seu entorno, cujos parâmetros e
regime de uso serão definidos por resolução do CONAMA.
55

Na reunião extraordinária do CONAMA, realizada em 29 de março de 2000,


que debateu o assunto, o Relator da Proposta no âmbito da Câmara Técnica, o
Secretário de Estado do Acre Edgar de Deus afirma que

As hipóteses de supressão de vegetação em área de vegetação permanente


devem, pelo Código Florestal em vigor, se constituir em exceção a sua
proteção total, face a necessidade de se preservar bens ambientais
fundamentais para qualidade de vida humana, tais como água e solo. Não
obstante isso, hoje tais hipóteses não passam por nenhum controle social e
são determinadas unicamente pelo administrador público local, segundo
critérios discricionários e atendendo a legislação ultrapassada em face dos
novos paradigmas de conservação ambiental e desenvolvimento sustentável.
Segundo a proposta da Câmara Técnica, os critérios para a definição das
hipóteses de supressão de vegetação em áreas de preservação permanente
passariam a ser estabelecidos em Resolução do CONAMA. Desta forma,
resgata-se o principio da excepcionalidade da supressão da vegetação
situada em área de APP, assegurando-se, no entanto, a implantação de
obras públicas essenciais de infra-estrutura ou atividades sócio
economicamente imprescindíveis assim definidas pelo CONAMA, desde que
não comprometam a função ambiental da Área de Preservação Permanente e
112
que não haja alternativa técnica e locacional ao empreendimento proposto.
Além desta previsão legal, pode-se mencionar outros casos atualmente
previstos para alteração da vegetação considerada de preservação permanente, tais
como a supressão eventual e de baixo impacto ambiental, que estão definidos na
Resolução CONAMA 369/2006.

A legislação exige, contudo, que se comprove a inexistência de alternativa


técnica e locacional ao empreendimento proposto para que a supressão seja
autorizada (artigo 4º, caput da Lei federal 4.771/1965). No mesmo sentido, tem-se o
artigo 3º da Resolução CONAMA 369/2006 que exige, para autorização da
intervenção ou supressão de vegetação em APP, que o requerente, entre outras
exigências, comprove “a inexistência de alternativa técnica e locacional às obras,
planos, atividades ou projetos propostos” (inciso I).

2.5 A COMPENSAÇÃO PELOS IMPACTOS AMBIENTAIS NÃO MITIGÁVEIS

O licenciamento ambiental, que tem como objetivo analisar os impactos


ambientais que podem ser causados pelo empreendimento ou atividade, deve
especificar as medidas necessárias para eliminá-los ou mitigá-los para que as

§ 7º É permitido o acesso de pessoas e animais às áreas de preservação permanente, para


obtenção de água, desde que não exija a supressão e não comprometa a regeneração e a
manutenção a longo prazo da vegetação nativa.
112
Ata disponível no site http://www.mma.gov.br/port/conama/reunalt.cfm?cod_reuniao=48, acesso
em 05 de outubro de 2009.
56

alterações no meio ambiente sejam as menores possíveis, sempre dentro dos


padrões e regras previstos na legislação. Os artigos 6º, III e 9º, VI, da Resolução
CONAMA 01/86 estabelecem a necessidade de definição das medidas mitigadoras,
que servem para diminuir ou eliminar os impactos ambientais causados pelo
empreendimento.

No entanto, é possível que determinados impactos ambientais não sejam


passíveis de eliminação, mas ainda assim sejam indispensáveis para a atividade
licenciada. Nestes casos, o licenciamento ambiental deve estabelecer as medidas
necessárias à compensação dos impactos ambientais que serão ocasionados e que
não podem ser evitados.

Além destas medidas compensatórias, a legislação ambiental atualmente


prevê, no artigo 36 da Lei federal 9.985/2000,113 que institui o Sistema Nacional de
Unidades de Conservação (SNUC), a necessidade de adoção de determinada
medida, pelos empreendedores que sejam responsáveis por empresas capazes de
causar significativa degradação ambiental, que igualmente vem sendo denominada
de compensação ambiental, nos seguintes termos:

Art. 36 Nos casos de licenciamento ambiental de empreendimentos de


significativo impacto ambiental, assim considerado pelo órgão ambiental
competente, com fundamento em estudo de impacto ambiental e respectivo
relatório – EIA/RIMA, o empreendedor é obrigado a apoiar a implantação e
manutenção de unidade de conservação do Grupo de Proteção Integral, de
acordo com o disposto neste artigo e no regulamento desta Lei.
§ 1º O montante de recursos a ser destinado pelo empreendedor para esta
finalidade não pode ser inferior a meio por cento dos custos totais previstos
para a implantação do empreendimento, sendo o percentual fixado pelo órgão
ambiental licenciador, de acordo com o grau de impacto ambiental causado
pelo empreendimento.
§ 2º Ao órgão ambiental licenciador compete definir as unidades de
conservação a serem beneficiadas, considerando as propostas apresentadas
no EIA/RIMA e ouvido o empreendedor, podendo inclusive ser contemplada a
criação de novas unidades de conservação.
§ 3º Quando o empreendimento afetar unidade de conservação específica ou
sua zona de amortecimento, o licenciamento a que se refere o caput deste
artigo só poderá ser concedido mediante autorização do órgão responsável
por sua administração, e a unidade afetada, mesmo que não pertencente ao
Grupo de Proteção Integral, deverá ser uma das beneficiárias da
compensação definida neste artigo.

113
Além da compensação para implantação de empreendimentos causadores de significativo impacto
ambiental, BECHARA destaca que a legislação ambiental ainda prevê a compensação por dano
ambiental irreversível, a compensação para supressão de área de preservação, a compensação de
reserva legal, a compensação para supressão de mata atlântica. BECHARA, 2009, p. 137.
57

Assim, pelo fato de pretender instalar uma atividade que seja potencialmente
causadora de significativa degradação ambiental, o empreendedor é obrigado a
apoiar a implantação e manutenção de unidade de conservação do Grupo de
Proteção Integral, nos termos e percentuais estabelecidos na legislação.

Ao analisar a constitucionalidade do dispositivo, o Supremo Tribunal Federal


(STF) entendeu pela compatibilidade com a Constituição Federal, exigindo, no
entanto, que o percentual seja definido pelo órgão ambiental competente para o
licenciamento ambiental, com base no impacto efetivo pelo empreendimento.114
Entendeu-se, assim, que a atividade econômica que cause significativo impacto
ambiental deve ser responsável pelos custos ambientais de seu desenvolvimento,
como forma de atender ao que dispõe o princípio usuário-pagador. No mesmo
sentido do STF, Machado afirma:

A compensação ambiental é uma das formas de se implementar o princípio


do usuário-pagador, antecipando possíveis cobranças por danos ambientais.
A compensação ambiental apresenta várias facetas. Uma delas é fazer com
que a contribuição financeira seja paga antes que o dano aconteça, no
sentido de evitá-lo. Outra forma de implementação é fazer com que a
contribuição financeira seja um investimento na redução ou mitigação dos
danos prováveis ao meio ambiente.
[...]

114
Ação Direta de Inconstitucionalidade 3378-DF, Relator Ministro Carlos Britto, julgada em
09/04/2008, com a seguinte ementa:
“Ação Direta de Inconstitucionalidade. Art. 36 e seus §§ 1º, 2º e 3º da Lei 9.985, de 18 de julho de
2000. Constitucionalidade da compensação devida pela implantação de empreendimentos de
significativo impacto ambiental. Inconstitucionalidade parcial do § 1º do artigo 36.
1. O compartilhamento-compensação ambiental de que trata o art. 36 da Lei nº 9.985/2000 não
ofende o princípio da legalidade, dado haver sido a própria lei que previu o modo de financiamento
dos gastos com as unidades de conservação da natureza. De igual forma, não há violação ao
princípio da separação dos Poderes, por não se tratar de delegação do Poder Legislativo para o
Executivo impor deveres aos administrados.
2. Compete ao órgão licenciador fixar o quantum da compensação, de acordo com a compostura do
impacto ambiental a ser dimensionado no relatório – EIA/RIMA.
3. O art. 36 da Lei nº 9.985/2000 densifica o princípio usuário-pagador, este a significar um
mecanismo de assunção partilhada da responsabilidade social pelos custos ambientais derivados da
atividade econômica.
4. Inexistente desrespeito ao postulado da razoabilidade. Compensação ambiental que se revela
como instrumento adequado à defesa e preservação do meio ambiente para as presentes e futuras
gerações, não havendo outro meio eficaz para atingir essa finalidade constitucional. Medida
amplamente compensada pelos benefícios que sempre resultam de um meio ambiente
ecologicamente garantido em sua higidez.
5. Inconstitucionalidade da expressão "não pode ser inferior a meio por cento dos custos totais
previstos para a implantação do empreendimento", no § 1º do art. 36 da Lei nº 9.985/2000. O valor da
compensação-compartilhamento é de ser fixado proporcionalmente ao impacto ambiental, após
estudo em que se assegurem o contraditório e a ampla defesa. Prescindibilidade da fixação de
percentual sobre os custos do empreendimento.
6. Ação parcialmente procedente.”
58

O dever de compensar só nasce se for possível imputar a alguém a


possibilidade de causar um dano social ou ambientalmente reprovável ou
nocivo.
[...]
Em relação ao meio ambiente, importa saber se a compensação havida ou
preconizada é suficiente e justa para todas as partes envolvidas. Antes de se
perguntar se os danos ambientais são compensáveis, é preciso perguntar se
os danos ambientais são admissíveis diante do direito de todos à sadia
qualidade de vida e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (art. 225
da CF). Esses danos ambientais inadmissíveis não podem, de forma alguma,
ser classificados como compensáveis.115
O valor da compensação ambiental deve considerar, exclusivamente, os
impactos ambientais negativos sobre o meio ambiente e não inclui “os investimentos
referentes aos planos, projetos e programas exigidos no procedimento de
licenciamento ambiental para mitigação de impactos, bem como os encargos e
custos incidentes sobre o financiamento do empreendimento, inclusive os relativos
às garantias, e os custos com apólices e prêmios de seguros pessoais e reais”
(artigo 31, caput e seu §3º, do Decreto federal 4.340/2002).

Menciona-se, por fim, que a compensação ambiental, seja a estabelecida no


curso do procedimento de licenciamento ambiental ou a da Lei do SNUC, somente
justifica-se pela ocorrência de impactos não mitigáveis, os quais devem ser evitados
a qualquer custo. Não se coaduna com a necessidade de preservação do meio
ambiente que a compensação seja a própria justificativa para a concessão da
licença ambiental, já que não se deseja que ocorram impactos não passíveis de
eliminação.

Após analisar as principais normas sobre licenciamento ambiental, passa-se,


no capítulo seguinte, a avaliar o licenciamento ambiental prévio da TKCSA, bem
como sua relação com o Poder Público, com objetivo de identificar em que medida a
legislação ambiental pode ser conformada a eventuais decisões políticas prévias.

115
MACHADO, op. cit, p. 69-70.
59

CAPÍTULO 3 – O LICENCIAMENTO AMBIENTAL PRÉVIO DA COMPANHIA


SIDERÚRGICA DO ATLÂNTICO SUL

A Companhia Siderúrgica do Atlântico Sul, resultado de uma parceria entre o


Thyssenkrupp Steel e a Companhia Vale do Rio Doce, também conhecida como
TKCSA por causa de seu principal acionista, foi instalada no bairro de Santa Cruz no
município do Rio de Janeiro, com capacidade de produção anual de cinco milhões
de toneladas de placas de aço, totalmente direcionadas à exportação.

O Brasil possui um grande parque industrial siderúrgico, com “28 usinas,


sendo que 13 integradas (a partir do minério de ferro) e 15 semi-integradas (a partir
do processo de ferro gusa com a sucata), administradas por 10 grupos
empresariais”,116 com relevância para o crescimento econômico nacional.

No entanto, a siderurgia consome intensamente recursos naturais e, com


freqüência, produz poluição capaz de comprometer a saúde humana e os
ecossistemas. FREITAS e PORTO analisam os impactos na saúde e no meio ambiente
provocados pela siderurgia, afirmando: “A siderurgia também é conhecida pelo
elevado potencial de produção de poluentes atmosféricos, pelo uso intensivo de
energia e água, pelo índice elevado de acidentes e doenças ocupacionais em alguns
setores, em especial o chamado benzenismo”.117 Além disso, atualmente, a maioria
das siderúrgicas localizadas no Brasil, como é o caso da TKCSA, possui uma
produção totalmente direcionada ao mercado externo, o que representa uma
alteração no cenário do mercado em relação ao encontrado antes da década de
1990.

Por outro lado, o local escolhido para instalação da TKCSA pode ser
caracterizado como uma zona de exclusão, que, desde o final do século XIX, vem
recebendo os designados ‘usos sujos’, conhecidos por produzirem impactos
negativos e incômodos à população. Em que pese a industrialização sugerida ao
local estar atrelada a idéia de crescimento econômico, o que se tem visto é que não
houve melhora nas condições da população local, que, ainda, perde qualidade de
vida e a possibilidade de continuar exercendo atividades tradicionais, como a pesca
artesanal e agricultura.

116
Informações disponíveis no site http://www.acobrasil.org.br/site/portugues/numeros/numeros--
mercado.asp. Acesso em: 09 jul. 2011.
117
FREITAS; PORTO, op. cit., p. 100.
60

Diante disso, no presente capítulo, objetiva-se avaliar a abrangência dos


estudos ambientais apresentados no licenciamento ambiental estadual prévio, com
intuito de se entender em que medida elas podem ser influenciadas por decisões
políticas de incentivo a atividades econômicas. Além disso, objetiva-se analisar se a
legislação ambiental pode ser manejada como forma de privilegiar os critérios
econômicos, por meio de interpretações mais favoráveis ou até mesmo de sua
alteração formal.

Serão destacados os aspectos dos procedimentos administrativos do INEA (e


da extinta FEEMA) que se vinculem à escolha do local da indústria da TKCSA, bem
como se pretende analisar as peculiaridades da instalação da empresa em Santa
Cruz, por meio da avaliação da empresa e seu processo produtivo, da relação da
empresa com o Poder Público. Além disso, será apresentada uma breve descrição
de uma anterior tentativa de instalação de um pólo siderúrgico em São Luis, do
Maranhão, com objetivo de identificar as semelhanças e diferenças de tais
processos.

Não se objetiva, por não se relacionar à proposta desta Dissertação, analisar


a adequação das decisões adotadas pelo órgão ambiental à legislação ambiental,
mas confrontar eventuais discrepâncias entre o que se verifica na prática com o que
está disposto nas normas. Não é o objetivo deste trabalho, ainda, discutir os
aspectos técnicos do empreendimento, inclusive as análises feitas pelo órgão
ambiental.

3.1 A COMPANHIA SIDERÚRGICA DO ATLÂNTICO SUL E SEU


RELACIONAMENTO COM O PODER PÚBLICO

O Complexo Siderúrgico instalado na Zona Oeste do Rio de Janeiro é


composto por uma Usina Siderúrgica, com previsão de “produção de 4,4 milhões de
toneladas de placas de aço por ano, utilizando minério de ferro proveniente do
Estado de Minas Gerais e carvão mineral oriundo de fornecedores estrangeiros” 118 e
por um Terminal Portuário, de uso privativo, para exportação da produção resultante
da Usina.

118
Descrição apresentada pela empresa na ocasião da solicitação da licença prévia, por meio do
processo E-07/200.751/2005.
61

As etapas principais do processo produtivo da Usina, de acordo com o


Parecer Técnico de Licença Prévia da Usina, são:

- Pátios de estocagem de matérias-primas e materiais


Está prevista a estocagem de:
• carvão coqueificável – 250.000 toneladas
• carvão para injeção – 100.000 toneladas
• coque – 100.000 toneladas
• moinha de coque – 50.000 toneladas
• minério de ferro (sinter feed) – 170.000 toneladas
• pelotas de minério de ferro – 40.000 toneladas
• minério granulado – 30.000 toneladas
- Coqueria – produção de coque a partir de carvão mineral em duas baterias
de 20 fornos cada uma.
A Coqueria a ser instalada adotará a tecnologia de recuperação de calor que
segundo informações por operar com pressão interna negativa não irá gerar
emissões de particulados nas etapas de carregamento e descarregamento
dos fornos e de voláteis e durante a produção propriamente dita do coque.
- Dessulfuração do gás da caldeira de recuperação de calor.
- Sinterização – produção de sinter para alimentação do alto forno, com
capacidade nominal de 5.520.000 t/ano.
- PCI – preparação de finos de carvão para injeção nas ventaneiras do Alto
Forno. Este procedimento diminui em 33% a quantidade de coque
necessária à operação do Alto Forno.
- Alto Forno – produção de gusa.
- Aciaria LD – produção do aço em dois conversores de 300 t/corrida.
- Lingotamento Contínuo – produção de lingote a partir do aço da Aciaria LD.
- Fábrica de Oxigênio (FOX) – produção de oxigênio, nitrogênio e argônio a
partir do ar.
- Usina Termelétrica (UTE) – produção de energia utilizando uma mistura
gasosa constituída por gás de Alto Forno (BFG), por gás do conversor (LDG).
Adicionalmente, também, será suprida com vapor de lata pressão, obtido nas
caldeiras, recuperação de calor nos gases efluentes da Coqueria.
- Pátio de Preparação de Escórias (PPE) – local de processamento da
escória granulada e bruta do Alto Forno, poço seco, escória da dessulfuração
e do conversor (Aciaria LD).
- Fábrica de Cimento – produção de cimento a partir de clínquer e escória.
119
- Sistema de captação, tratamento e distribuição de água.
De acordo com informações obtidas na própria página oficial da empresa,
serão produzidas anualmente cinco milhões de toneladas de placas de aço,
totalmente direcionadas à exportação, sendo que dois milhões destinam-se à

119
FUNDAÇÃO ESTADUAL DE ENGENHARIA DO MEIO AMBIENTE (RJ), 2006b, p. 2-3.
62

expansão da posição no mercado europeu e três milhões de toneladas para usina


de transformação construída nos EUA (estado do Alabama).120

A empresa ocupa uma área de aproximadamente 10 milhões de metros


quadrados em um terreno localizado em Santa Cruz, zona oeste do Município do Rio
de Janeiro, que dista cerca de sessenta e cinco quilômetros do centro da cidade. No
terreno em que a empresa foi construída, cerca de 85% da área encontrava-se
fisicamente alterada, mas o restante – 15% ou 144,20 hectares – era composto de
vegetação de manguezal.121

A Companhia Siderúrgica do Atlântico Sul é fruto de uma parceria entre o


Thyssenkrupp Steel, acionista majoritário, e a Companhia Vale do Rio Doce (CVRD),
que inicialmente possuía 10% das ações, mas que aumentou sua participação para
26,7%.122

O incentivo à implantação de indústrias siderúrgicas é parte da estratégia dos


governos federal e estadual, conforme pode ser verificado por meio de documentos
oficiais, da concessão de incentivos fiscais e da estreita relação entre os
governantes e empresa.

A empresa está sendo construída com 18% de seu investimento financiado


pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que, em
nota,123 informa que o mesmo ocorreu no âmbito da linha de Concorrência
Internacional, que objetiva a “aquisição e produção de maquinas e equipamentos
nacionais novos, exceto ônibus e caminhões, que requeiram condições de
financiamento compatíveis com as ofertadas para congêneres estrangeiros em
concorrências internacionais”.124

120
Informações disponíveis no site http://www.thyssenkrupp-steel-europe.com/csa/pt/strategie/.
Acesso em: 09 jul. 2011.
121
FUNDAÇÃO ESTADUAL DE ENGENHARIA DO MEIO AMBIENTE (RJ), 2006b, p. 4-5.
122
Informações disponíveis em http://www.vale.com/pt-br/o-que-
fazemos/siderurgia/Paginas/default.aspx. Acesso em 09 de julho de 2011.
123
BNDES aprova financiamento de R$ 1,48 bilhão à CSA. Rio de Janeiro, 20 de junho de 2007,
Economia e Negócios. Disponível em
http://g1.globo.com/Noticias/Economia_Negocios/0,,AA1568875-9356,00-
BNDES+APROVA+FINANCIAMENTO+DE+R+BILHAO+A+CSA.html. Acesso em: 02 jul. 2011. O
GLOBO.
124
Informações disponíveis em
http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/bndes/bndes_pt/Institucional/Apoio_Financeiro/Produtos/FINAM
E_Maquinas_e_Equipamentos/bk_concorrencia_internacional.html. Acesso em: 09 jul. 2011.
63

O então Presidente da República, Luis Inácio da Silva, e Governador do


Estado, Sérgio Cabral, sempre se manifestaram publicamente a favor da empresa e
não deixaram de visitá-la em sua inauguração. Conforme noticiado pela imprensa,
na inauguração de outro grande empreendimento no Estado, o Complexo
Petroquímico do Rio de Janeiro (COMPERJ), localizado em Itaboraí/RJ, o
Presidente da República destaca que a ‘boa vontade’ do governador do Rio de
Janeiro, da qual a celeridade em que foi expedida a licença ambiental é uma de
suas expressões.125

A concessão de incentivos fiscais, inclusive por meio da isenção de tributos


estaduais e municipais, igualmente é expressão do apoio do Estado e Município,
desta vez com concordância da Assembléia Legislativa e da Câmara Municipal, à
empresa.

A Lei estadual 4.529/2005 aprova o enquadramento das sociedades CSA


Companhia Siderúrgica do Atlântico, Thyssenkrupp Stahl A.G e Companhia Vale do
Rio Doce e das sociedades integrantes do Complexo Siderúrgico, das quais elas
participem, ainda que minoritariamente, no Programa de Atração de Investimentos
Estruturantes (RIOINVEST), instituído pelo Decreto 23.012/1997, para utilizar os
recursos do Fundo de Desenvolvimento Econômico e Social (FUNDES), para a
construção e operação de um Complexo Siderúrgico no Estado do Rio de Janeiro.
Além disso, a Lei ainda confere isenção de Imposto sobre Operações relativas à
Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte
Interestadual ou Intermunicipal e de Comunicação (ICMS), ou outro tributo que o
substitua, nas fases de construção, pré-operação e operação do Complexo
Siderúrgico, incidente sobre (i) importação e aquisição interna de máquinas,
equipamentos, partes, peças, componentes e demais bens destinados a compor o
ativo fixo das sociedades, para o momento da alienação ou eventual saída desses
bens; (ii) aquisição interestadual dos bens referidos no inciso anterior, relativamente
ao diferencial de alíquota, para o momento da alienação ou eventual saída desses
bens; (iii) importação e aquisição interna de minério de ferro, pelotas, ferro-ligas,

125
Lula: 'RJ se tornará um grande Estado industrial'. Rio de Janeiro, 31 de março de 2008,
Economia e Negócios. Disponível em
http://g1.globo.com/Noticias/Economia_Negocios/0,,MUL381806-9356,00-
LULA+RJ+SE+TORNARA+UM+GRANDE+ESTADO+INDUSTRIAL.html. Acesso em: 02 jul. 2011. O
GLOBO.
64

carvão, coque e sucata destinados às fases pré-operacional e operacional do


Complexo Siderúrgico.

A Lei municipal 4.372/2006 concede isenção do Imposto sobre Serviços de


Qualquer Natureza (ISS), ou de outro imposto que venha a substituí-lo, durante o
período de cinco anos a contar de primeiro de janeiro de 2006, à construção e à
operação de terminais portuários relacionadas à implementação de complexo
siderúrgico na zona oeste do Município do Rio de Janeiro. O prazo foi prorrogado,
por mais cinco anos, pela Lei municipal 5.133/2009.

Importante notar que o Prefeito Municipal do Rio de Janeiro afirmou, em 2011,


em entrevista, que, se dependesse dele, não autorizaria a instalação da TKCSA no
Município e que a cidade vai ficar mais poluída e ganhará quase nada em empregos
e impostos com a siderúrgica, bem como que não daria incentivos fiscais.126
Percebe-se, contudo, que parece ter havido uma alteração de entendimento por
parte do mesmo já que, à época da inauguração da empresa, o mesmo Prefeito
afirmou: “A instalação da CSA no Rio de Janeiro é um acontecimento que vai
impactar a cidade inteira. Como prefeito, agradeço pela decisão de se instalarem
aqui, por acreditarem no Rio de Janeiro. Sem falar que a Zona Oeste precisa deste
tipo de investimento, que vai mudar a cara de toda essa região - afirmou Eduardo
Paes”.127

No entanto, não se deve esquecer que a região é alvo de outros grandes


investimentos industriais, alguns que ainda apenas estão sendo projetados, e que
não possuem previsão de alteração por causa dos impactos negativos que
comprovadamente vem sendo causados na população. Além disso, recentemente,
os incentivos fiscais municipais foram renovados por mais cinco anos.

No mesmo sentido das manifestações de apoio acima destacadas, a


empresa, em seu Estudo de Impacto Ambiental do Terminal Portuário do Centro
Atlântico, afirma que a implantação de tais instalações associado à futura
implantação da usina da TKCSA, consolida a vocação industrial e portuária da

126
Matéria publicado no jornal O Globo de 17 de junho de 2011.
127
Informações disponíveis em
http://www.palaciodacidade.rio.rj.gov.br/site/conteudo/ultimas.asp?Pagina=71. Acesso em: 09 jul.
2011.
65

região, de forma consistente com políticas prioritárias dos governos federal e


estadual para a área de Sepetiba.128

A Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (FIRJAN) considera


essencial para o ‘aumento da competitividade’ que o Poder Público atue no sentido
de incentivar a siderurgia, com objetivo de aumentar a exportação de aço,
diminuindo a de minério de ferro, com destaque para o fato de que o

Rio de Janeiro terá o maior ciclo de siderurgia e tem hoje investimentos


previstos na ordem de US$ 8 bilhões para este segmento. Está para se
realizar o maior investimento privado no Brasil pela Cia. Siderúrgica do
Atlântico, cerca de US$ 3.6 bilhões, e a Refinaria Petroquímica, a ser
129
instalada na região de Itaboraí.
O mencionado apoio da União, Estado e Município, ao menos explicitamente,
não considera a análise da viabilidade ambiental do empreendimento ou os impactos
que serão causados com a sua operação. Ao contrário, em certa medida,
encontram-se referências à necessidade de um célere procedimento de
licenciamento ambiental, com objetivo de reafirmar os compromissos dos governos
com a implantação das empresas.130

3.2 ANTERIOR TENTATIVA DE IMPLANTAÇÃO DE UM PÓLO SIDERÚRGICO EM


SÃO LUIS, MA

Embora não se possa afirmar que se trata do mesmo o empreendimento em


estudo, pretende-se apresentar um breve relato de uma anterior tentativa de
implantação de um pólo siderúrgico em São Luis, Maranhão, que poderia contar com
uma siderúrgica do Thyssenkrupp Steel e da Companhia Vale do Rio Doce, como
forma de identificar os pontos convergentes e divergentes das duas experiências.
128
ECOLOGUS ENGENHARIA CONSULTIVA, 2005a, p. 636.
129
FEDERAÇÃO DAS INDUSTRIAS DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Conselho Empresarial de
Gestão Estratégica para Competitividade do Sistema FIRJAN. A Participação do Estado para o
Aumento da Competitividade”. Série Como ser Competitivo. Rio de Janeiro. Disponível em
http://www.firjan.org.br/main.jsp?lumItemId=2C908CE9268499C801269A0643A12954&lumPageId=2
C908CE9215B0DC40121793770A2082A. Acesso em: 08 jul. 2011.
130
Neste sentido, a desconsideração dos aspectos da sustentabilidade nas decisões políticas sobre
a atividade pode ser expressão da forma como o meio ambiente entrou na esfera política, marcada
pela contradição, tal como analisado por ACSELRAD. Nas palavras do autor, as duas formulações
sobre a entrada do meio ambiente na esfera política advém “de um movimento contracultural, do
questionamento do consumismo e da contaminação associada ao modelo de produção industrial de
alimentos (o grande movimento em torno dos agrotóxicos); enfim, uma contestação dos sentidos para
os quais se veio dando a acumulação de riqueza” e “de uma formulação absolutamente distinta,
originária do Clube de Roma, que se preocupa mais com a continuidade da acumulação capitalista,
com as possibilidades de que algum tipo de ruptura nas fontes de aprovisionamento de insumos
viesse colocar em risco a continuidade do próprio capital”. ACSELRAD, 2007, pp. 2-3.
66

O projeto do Pólo Siderúrgico de São Luís, inicialmente, compreendia três


usinas siderúrgicas, com capacidade de produção de aproximadamente 24 milhões
de toneladas anuais de placas de aço voltadas à exportação, em uma área prevista
de 2.471 hectares situada nas proximidades do Porto de Itaqui, que dista
aproximadamente seis quilômetros do centro da cidade de São Luís.131 Em relação
a cronologia da instalação do projeto:

Em julho de 2001, foi assinado o primeiro protocolo de intenções entre o


Governo do Estado do Maranhão e a Companhia Vale do Rio Doce (CVRD)
para a construção do Pólo. Em outubro de 2004, o Governo do Estado do
Maranhão anunciava os grupos empresariais estrangeiros interessados em
investir, em parceria com a CVRD, em unidades siderúrgicas no Pólo de São
Luís: a chinesa Baosteel Shanghai Group Corporation, da sul-coreana
Pohang Steel Company – Posco e o grupo industrial alemão
132
ThyssenKrupp.
Ocorre que para o desenvolvimento do Projeto era necessária alteração da lei
de zoneamento municipal, com a transformação de parte da zona rural à zona
industrial, que faria parte do Pólo Siderúrgico. Atendendo a um pedido do Governo
do Estado, o então Prefeito da Cidade de São Luís encaminhou a proposta de
alteração legislativa para Câmara Municipal, descrevendo que a proposta “refere-se
à gleba do Distrito Industrial, cuja classificação como Zona Rural criou uma
incompatibilidade com as características próprias da área, quando sua vocação
natural é nitidamente industrial”.133

No entanto, na zona rural de São Luís existem vários povoados que utilizam o
território para sua reprodução, inclusive com proposta, em curso no Instituto Chico
Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBIO), de instituição de uma reserva
extrativista – a Reserva Extrativista de Tauá-Mirim.134 O projeto, diretamente,
acarretaria a remoção de 14.000 pessoas distribuídas em doze povoados (Vila
Maranhão, Taim, Cajueiro, Rio dos Cachorros, Porto Grande, Limoeiro, São

131
LIMA, 2009, p. 230.
132
PLATAFORMA BRASILEIRA DE DIREITOS HUMANOS ECONÔMICOS, SOCIAIS E
CULTURAIS, 2006, p. 20.
133
SOUZA, Allan de Andrade. O ambiente, a política e o espetáculo: a Lei de Zoneamento e o
projeto do Pólo Siderúrgico de São Luís. In SANT’ANA JÚNIOR, Horácio Antunes de et al (org.).
Ecos dos conflitos socioambientais: A Resex de Tauá-Mirim. São Luis: EDUFMA, 2009, p. 70.
134
De acordo com a legislação, as reservas extrativistas “é uma área utilizada por populações
extrativistas tradicionais, cuja subsistência baseia-se no extrativismo e, complementarmente, na
agricultura de subsistência e na criação de animais de pequeno porte, e tem como objetivos básicos
proteger os meios de vida e a cultura dessas populações, e assegurar o uso sustentável dos recursos
naturais da unidade” (artigo 18 da Lei federal 9.985/2000, que institui o Sistema Nacional de
Unidades de Conservação da Natureza).
67

Benedito, Vila Conceição, Anandiba, Parnuaçu, Camboa dos Frades e Vila


Madureira).135

Percebe-se, igualmente neste projeto, grande envolvimento dos poderes


públicos, especialmente o estadual e municipal, com objetivo de implantar o pólo
siderúrgico, sugerindo alterações legislativas, agilizando processos administrativos,
dentre outros.

Neste cenário, houve um grande debate público sobre o projeto, inclusive por
meio das audiências públicas realizadas para discussão do projeto de lei
encaminhado à Câmara, que foram cercadas de polêmicas, questionando-se
especialmente a escolha da opção de ampliação da área industrial em detrimento
dos atuais usos do local. Criou-se um movimento, designado de Reage São Luís,
composto por entidades da sociedade civil maranhense e representantes de
comunidades contrárias ao empreendimento.

A conseqüência foi a aprovação do projeto, mas com redução da área que


permite a instalação de apenas uma indústria siderúrgica:

[...] devido à intensa pressão da sociedade civil e à atuação do Promotor do


Meio Ambiente de São Luís, Dr. Fernando Barreto, a Câmara Municipal,
embora tenha aprovado a alteração da lei de zoneamento municipal, ao
menos excluiu da área que foi transformada em zona industrial as áreas de
preservação permanente (nascentes e cursos d´água existentes). Com isso, a
136
área do projeto foi reduzida para 1.068 hectares.
Cabe destacar, ainda, que as notícias e informações das empresas
vincularam a desistência de instalação no Maranhão ao não cumprimento do
Governo do Estado com os compromissos assumidos, em especial a regularização
do local e a concessão da licença ambiental.

3.3 O LICENCIAMENTO AMBIENTAL PRÉVIO DA TKCSA

A empresa Companhia Siderúrgica do Atlântico Sul solicitou as licenças


ambientais prévias ao então órgão ambiental estadual, FEEMA, por meio de dois
procedimentos:

135
SANT’ANA JÚNIOR, 2009, p. 30.
136
PLATAFORMA BRASILEIRA DE DIREITOS HUMANOS ECONÔMICOS, SOCIAIS E
CULTURAIS, 2006, p. 23.
68

(i) o processo de número E-07/202.952/2006 refere-se a um terminal portuário e


dragagem correspondente na Baía de Sepetiba defronte ao terreno, com um volume
estimado de 18.000 metros quadrados;

(ii) o processo de número E-07/200.751/2005 é relacionado a uma Usina Siderúrgica


integrada para produção de 4,4 milhões de toneladas de placas de aço por ano,
utilizando minério de ferro proveniente do Estado de Minas Gerais e carvão mineral
oriundo de fornecedores estrangeiros. 137

Os mencionados processos administrativos foram analisados com o objetivo


de se comparar com as normas ambientais em vigor, em especial considerando-se a
dimensão do empreendimento proposto e dos impactos gerados em sua instalação e
operação.

3.3.1 A fragmentação do licenciamento ambiental da empresa

Ao longo dos últimos anos, o licenciamento ambiental de determinados


empreendimentos, por força de seu tamanho e complexidade, não tem sido
conduzido pelo órgão ou entidade ambiental em apenas um processo, mas
separadamente, por grupo de atividades ou instalações. No caso da TKCSA,
existem vários procedimentos de licenciamento ambiental em curso no órgão
estadual, e, no caso da licença prévia, segundo informações constantes no
EIA/RIMA da usina siderúrgica, esta solicitação de desmembramento dos processos
foi feita pelo próprio órgão ambiental, apesar de não terem sido localizados dados
relativos a este pedido:

O projeto do Complexo Siderúrgico CSA pode ser dividido nas seguintes


obras: 1 – Dragagem da Baia de Sepetiba, 2 – Aterro do Terreno em que será
construída a Usina, 3 – Terminal Portuário e 4 – Usina siderúrgica. O
Licenciamento que irá possibilitar a obtenção da Licença Prévia para todo o
Complexo foi dividido em dois processos, a partir de uma solicitação
específica da FEEMA (Fundação Estadual do Meio Ambiente). A FEEMA
solicitou que os itens de 1 a 3 fossem avaliados em um único processo de
Licenciamento e, conseqüentemente, analisados em um EIA independente do
EIA da Usina Siderúrgica, ora apresentado (item 4).138
Assim, a Companhia Siderúrgica do Atlântico solicitou a licença prévia para

137
Com objetivo de facilitar a abordagem dos assuntos, os dados do processo E-07/202.952/2006
referente à dragagem, ao aterro e ao terminal portuário serão referidos como o processo do terminal
portuário e os do processo E-07/200.751/2005 relativo à usina siderúrgica serão mencionados como
processo da usina.
138
ERM BRASIL LTDA, 2005, p. 16.
69

implantação de uma Usina Siderúrgica integrada para produção de 4,4


milhões de toneladas de placas de aço por ano, utilizando minério de ferro
proveniente do Estado de Minas Gerais e carvão mineral oriundo de
fornecedores estrangeiros. O empreendimento denominado de Companhia
Siderúrgica do Atlântico – TKCSA é formado através de uma associação
entre a Companhia Vale do Rio Doce – CVRD e a ThyssenKrupp Steel
139
AG.

E, ainda, requereu licença prévia para um terminal portuário e dragagem


correspondente na Baía de Sepetiba defronte ao terreno, com um volume estimado
de 18.000 metros quadrados.140 141

A abertura de mais de um procedimento, contudo, não exime que os estudos


elaborados pelo órgão ambiental e pelo empreendedor avaliem o empreendimento
como um todo, mas, ao contrário, faz com que esta exigência esteja ainda mais
presente. Neste sentido, a Instrução Técnica da usina siderúrgica142 determina que
o EIA avalie a sinergia dos impactos causados pela atividade considerando a
existência das demais atividades em operação na área de influência e a Instrução
Técnica do terminal portuário143 exige a análise conjunta com os empreendimentos

139
Descrição apresentada pelo empreendedor na ocasião da solicitação da licença prévia, por meio
do processo E-07/200.751/2005.
140
A solicitação foi analisada no processo E-07/202.952/2005, que foi complementada com as
seguintes informações trazidas pela empresa: “A partir deste volume será executado um aterro
hidráulico no terreno destinado à implantação de um futuro empreendimento siderúrgico, visando criar
condições para o uso industrial, a partir de material de empréstimo extraído de jazida de areia
localizada a uma profundidade média de 6m da Baía de Sepetiba, defronte ao terreno supra citado.
Estima-se um volume de aproximadamente 7.000.000 metros cúbicos, com altura média aproximada
de 3,5m, sendo que os 2 metros iniciais destinam-se à regularização da cota final das instalações
industriais, enquanto os 1,5m finais têm como objetivo a função de pré-carregamento, para permitir o
recalque acelerado do terreno em função das condições locais do solo. O material do aterro será
transportado hidraulicamente através de tubulação, vindo de uma draga do tipo sucção e recalque,
com capacidade de recalcar este material a uma distância aproximada de 8km” (fls. 02).
141
Mencione-se que foi editada, ainda, a Portaria SERLA 451, de 29 de março de 2008, que outorga
à TKCSA o direito de uso sobre recursos hídricos no Canal de São Francisco, em uma vazão máxima
instantânea e vazão média mensal de 10.800 metros cúbicos por hora, bem como uma vazão
máxima instantânea e vazão média mensal de efluente tratado de 9.000 metros cúbicos por hora.
Na Nota Técnica 002/2005/DGRH, emitida pela SERLA para orientar a submissão e análise do
pedido de outorga de direito de uso de recursos hídricos pela CSA, constam as seguintes
informações: “A SERLA solicitou que todas as demandas fizessem parte do mesmo processo, para
que o empreendimento venha a ser analisado como um todo. No entanto, já foram apresentadas
duas solicitações de outorga preventiva em processos distintos. A primeira solicitação foi referente
ao uso de água pela futura usina siderúrgica, com vazão de captação de 10.800 m3/h ou 3 m3/s,
protocolo E-07/100.888/05, no dia 16 de maio de 2005. E a segunda solicitação foi referente ao uso
de água da usina termoelétrica, com vazão de captação de 64.800 m3/h ou 18m3/s, protocolo E-
07/101.549/2005, no dia 29 de setembro de 2005. Os processos deverão ser unificados sob o
protocolo E-07/100.888/2005”.
142
A Instrução Técnica 05/05 foi elaborada pela FEEMA para orientar o desenvolvimento do
EIA/RIMA para atividade de usina siderúrgica da CSA em Santa Cruz com as seguintes unidades:
pátio de estocagem de carvão, coqueria/carboquímica, pátio de matérias primas, sinterização, alto
forno, aciaria ld, corrida contínua, fábrica de cal, captação e tratamento de água, central termelétrica.
143
A Instrução Técnica 18/05 foi elaborada para orientar o desenvolvimento do EIA/RIMA para os
serviços de dragagem, aterro hidráulico e terminal portuário, a serem desenvolvidos pela TKCSA.
70

já implantados, para definir a capacidade de suporte do ecossistema, a diluição de


poluentes e os riscos civis. Não foram encontradas, no entanto, nas duas Instruções
Técnicas referências ao outro procedimento de licenciamento ambiental em curso ou
menção a existência de outras atividades no mesmo local pela empresa.

Ainda que se tratasse de empreendimentos de titularidade diversa, mas


localizados na mesma bacia hidrográfica, o órgão ambiental estadual deve “realizar
a análise conjunta dos empreendimentos, para definir a capacidade de suporte do
ecossistema, a diluição dos poluentes e os riscos civis, sem prejuízo das análises
individuais dos empreendimentos” (art. 1º da Lei estadual 3.111/1998).144

Importa destacar a informação constante no EIA da usina siderúrgica e que se


relaciona à fragmentação do licenciamento:

A viabilidade da Usina Siderúrgica da CSA está diretamente relacionada à


obtenção da Licença Prévia do Estudo de Impacto Ambiental, que avalia as
obras 1, 2 e 3, associadas ao Complexo, e que foi elaborado pela Ecologus
Engenharia Consultiva LTDA a ser avaliado pela FEEMA. O único ônus do
atendimento à solicitação da FEEMA para a separação do Complexo em dois
processos distintos de licenciamento recai sobre a CSA, que assume o risco
do investimento na elaboração dos estudos e definições de projeto, sem
garantias prévias da obtenção da Licença Prévia e de Instalação que
permitirão a preparação do terreno para a construção da Usina. A FEEMA
receberá os estudos na mesma semana, o que permitirá a avaliação dos
mesmos em paralelo, por dois grupos independentes que farão a análise
integrada dos dois EIA’s. A comunidade também terá a oportunidade de
discutir os dois projetos em um mesmo processo de Audiência Pública.145
Além das descrições de seu funcionamento, que incluem o transporte por
meio do porto, no EIA da usina não há quase menção a avaliações de impactos
sinérgicos da usina e das unidades licenciadas no outro processo (porto, aterro e
dragagem), mencionando-se:

Assim, durante as obras de implantação da Usina e do Porto, a sobrecarga


do tráfego na Avenida João XXIII, resultante da circulação dos veículos
pesados, traduzida pela elevação bastante significativa no volume de tráfego
hoje ocorrente e, também, pela alteração de sua composição, com maior
participação relativa de ônibus e caminhões, acarretará em uma aceleração
do processo de deterioração do pavimento desta via, que hoje já não
apresenta boas condições de circulação, e em uma redução da fluidez do
tráfego, podendo, inclusive, ocorrer retenções junto ao acesso à área do
empreendimento, caso haja concentração nas operações de transporte.146

144
A mencionada Lei é expressa ao afirmar que o não atendimento desta exigência anulará o
licenciamento ambiental (artigo 2º).
145
ERM BRASIL LTDA, op. cit., p.16.
146
ERM BRASIL LTDA, op. cit., p. 932.
71

No EIA do Terminal Portuário do Centro Atlântico, encontram-se algumas


referências aos impactos a serem gerados pela usina, destacando-se os
relacionados ao tráfego147 e fluxo migratório.148

Ao menos expressamente, não constam referências à análise integrada que


teria sido feita no âmbito do órgão ambiental, seja no processo administrativo ou nos
pareceres técnicos de licença prévia da usina siderúrgica e do terminal portuário.
Destaca-se, contudo, que a audiência pública foi a mesma para todo o projeto e que
a avaliação da Comissão Estadual de Controle Ambiental (CECA) ocorreu em
relação aos dois pedidos de licença ambiental.149

O Ministério Público Estadual questiona o atendimento desta exigência de


análise em conjunto dos impactos ambientais, ao afirmar que “a partir da análise dos
EIA/RIMAs referente à implantação da usina siderúrgica e do terminal portuário,
apresentam uma superposição de fatos relacionados as obras de implantação da
usina, produzindo uma idéia de dissipação do impacto do empreendimento no leitor
que não analise os dois trabalhos, visto que os impactos relacionados as obras de
147
“Dado que o terminal atuará diretamente vinculado à produção da futura usina siderúrgica, não se
prevê tráfego terrestre diretamente vinculado à sua operação, a menos daquele relativo ao afluxo do
contingente de trabalhadores que nele atuam” e, ainda, “Ressalva-se que o tráfego rodoviário
atribuído ao empreendimento limita-se à fase de instalação, uma vez que todo o tráfego terrestre na
fase operacional estará vinculado à operação da Usina Siderúrgica da CSA, cuja avaliação ambiental
é objeto de processo de licenciamento específico”. ECOLOGUS ENGENHARIA CONSULTIVA,
2005a, p. 72 e 643.
148
“A divulgação de informações sobre o início do empreendimento e a oferta de novos postos de
trabalho poderá ampliar o fluxo de migrantes, já observado atualmente na região. Tendo em vista, no
entanto, o número relativamente reduzido de empregos gerados pelas atividades de terraplenagem,
dragagem e construção do terminal portuário, comparativamente ao processo de migração já
existente na região, não deverá ocorrer um incremento significativo do contingente de migrantes.
Por outro lado, o empreendimento prenuncia outro empreendimento altamente gerador de empregos
que é a construção da usina siderúrgica da CSA, esta sim, com elevado potencial de atração de
populações migrantes. Desta forma, deve-se esperar que o início das obras do Aterro Hidráulico e
Terminal Portuário da CSA seja confundido com o início das obras da Usina Siderúrgica da CSA.
Caso isto ocorra, grandes contingentes de população podem se dirigir para a região, que terão
frustradas suas expectativas de obtenção de empregos diretos ou indiretos, que só serão
proporcionados pela última, cuja previsão é para cerca de 2 anos depois do início do
empreendimento atual.” ECOLOGUS ENGENHARIA CONSULTIVA, 2005a, p. 72 e 646.
149
Após o trâmite do procedimento de licenciamento ambiental no órgão estadual (a extinta FEEMA),
com início em 2005, a CECA deliberou, na 375ª reunião da Câmara de Licenciamento e Fiscalização,
em 30 de junho de 2006, que a FEEMA expeça a licença prévia (LP) para usina siderúrgica de
fabricação de placas de aço, que contará também com unidade de fabricação de cimento e de
oxigênio e usina termelétrica e para os serviços de dragagem, aterro hidráulico e terminal portuário e
que ainda determine à empresa que apresente, por ocasião do requerimento de licença de instalação,
“proposta de implementação de medidas compensatórias adicionais de forma a agregar melhoria
ambiental e qualidade de vida à população da região, conforme recomendação da FEEMA, a saber:
recuperação ambiental da praia de Sepetiba, elaboração do projeto definitivo para remediação do
passivo ambiental da Ingá e Projeto e Tratamento de Esgotamento Sanitário da região”. Foi expedida
a Deliberação CECA/CLF 4.697, de 30 de junho de 2006, publicada no Diário Oficial do Estado de 03
de julho de 2006, que veiculou a decisão anteriormente descrita.
72

implantação da Usina Siderúrgica são apresentados nos EIAs de maneira a dividir


seus efeitos e conseqüências”.150

A Licença Prévia FE011377, de 17 de julho de 2006, foi expedida para


TKCSA desenvolver os projetos para realização de dragagem, aterro hidráulico e
implantação do Terminal Portuário Centro Atlântico, com validade até 17 de julho de
2008. A Licença Prévia FE011378, em 13 de julho de 2006, autoriza a TKCSA à
desenvolver os projetos para implantação de uma usina siderúrgica de produção de
placas de aço, que contará também com unidades de fabricação de cimento e de
oxigênio e com usina termelétrica, com validade até 13 de julho de 2008.

Pelo que se verifica nos processos do órgão ambiental estadual, bem como
nos estudos apresentados, a análise conjunta e integrada do Complexo Siderúrgico,
exceto nos pontos acima destacados que foram objeto do EIA do Terminal Portuário
do Centro Atlântico, não foi realizada, ou, caso que tenha sido feita, não é possível
constatar que tenha sido elaborada.

3.3.2 Competência para o licenciamento ambiental da empresa

Com relação ao empreendimento em análise, o licenciamento ambiental ficou


com o Estado (extinta FEEMA e atual INEA) que está conduzindo os procedimentos
desde 2005. Nos processos de licenciamento ambiental prévio não constam
informações sobre o questionamento da competência do órgão ambiental estadual
para o licenciamento, ainda que seja pelo Ministério Público.

No entanto, o Ministério Público Federal, no âmbito do Inquérito Civil nº


30/2008, recomenda, em 03 de junho de 2008, ao Instituto Brasileiro do Meio
Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), dentre outras medidas, que
adote as “providências administrativas e jurídicas necessárias para estabelecer sua
competência para o licenciamento ambiental de obras e atividades do
empreendimento da THYSSENKRUPP CSA que possam vir a afetar a zona costeira,
alterando-a, ou com efeitos sobre o mar territorial na área da Baía de Sepetiba”.
Dentre os fundamentos apresentados, o MPF afirma que “as obras de implantação
do Complexo Siderúrgico projetado pela Thyssenkrupp CSA – Companhia
150
Ministério Público Estadual (MP), em um documento denominado de Justificativa de Audiência
Pública, referente ao processo MPRJ 2005.001.52122.00, de 20 de dezembro de 2005, assinado pelo
biólogo Osny Pereira Filho e pela Engenheira Química Josélia Brito Serber, p.18.
73

Siderúrgica do Atlântico estão sendo realizadas na Baía de Sepetiba em terreno de


marinha e no mar territorial, áreas de propriedade da União Federal, em estágio
avançado e com drástica alteração das características do meio ambiente, conforme
mostram as fotos aéreas produzidas em 25/02/2008”. 151

O Instituto Políticas Alternativas para o Cone Sul igualmente entende que o


licenciamento ambiental seria de competência do IBAMA: “Desde o início das
atividades de implantação e planejamento da obra, o EIA-RIMA (Estudo e Relatório
de Impacto Ambiental) do empreendimento violava a Lei Federal No. 7661/88. E
também o Decreto de regulamentação No. 5.300/2004 (Gerenciamento Costeiro),
que determina que o licenciamento de empreendimentos na zona costeira seja
realizado exclusivamente pelo órgão ambiental federal o IBAMA. Não pelo órgão
estadual FEEMA, como foi realizado o da TKCSA”.

Em que pese a Recomendação acima mencionada – e a manifestação da


organização não governamental –, não se tem notícia de ação judicial que tenha
sido proposta pelo Ministério Público Federal questionando as licenças ambientais
expedidas pelos órgãos ambientais estaduais para a empresa TKCSA, o que seria
esperado, já que, pelo seu entendimento, tais licenças padecem de nulidade.

Importante mencionar que a questão da competência para o licenciamento é


bastante polêmica, o que conduz à insegurança jurídica e possibilidade de manejo
de alguns critérios, conforme o ente federado possua, ou não, interesse em licenciar
determinada tipologia de atividade. Se por um lado os fatores da legislação para
definição do ente competente devem ser rigorosamente observados, sob pena da
empresa escolher a entidade ambiental que procederá à análise do seu pedido de
licença, por outro o mais importante é que esta análise igualmente ocorra dentro dos
parâmetros legais.

3.3.3 Abrangência dos estudos ambientais apresentados

Como visto, o EIA/RIMA será sempre exigido no caso de empreendimentos


ou atividades que possam causar significativa degradação ambiental, dentre os
quais se incluem os complexos industriais siderúrgicos, conforme expresso na
Resolução CONAMA 01/86 (artigo 2º, XII) e na Lei estadual 1.356/88 (artigo 1º, XII).

151
INSTITUTO POLÍTICAS ALTERNATIVAS PARA O CONE SUL, 2009.
74

Diante disso, no curso dos processos de licenciamento ambiental do Complexo


Siderúrgico da TKCSA foram elaborados estudos prévios de impacto ambiental152
inclusive com a realização de audiências públicas.

Em que pese a importância dos estudos, o caso em análise indica que


ocorreram equívocos em sua elaboração, seja em relação a determinados pontos
específicos que serão abordados adiante, mas igualmente sobre a própria
concepção do projeto e conseqüências ambientais que seriam produzidas na
instalação e operação da empresa.

A continuidade da execução do projeto e dos processos de licenciamento


prévio vem evidenciando alguns fatores que não haviam sido apresentados ou
previstos naquela fase do procedimento, entendida como uma das mais importantes,
já que atesta a viabilidade ambiental do projeto proposto.

A empresa obteve suas licenças de instalação, alguns meses após a


expedição das licenças prévias, a saber:

- Licença de Instalação LIFE011733, de 28 de setembro de 2006, para implantar a


usina siderúrgica, que foi renovada pela LIIN000771, de 28 de setembro de 2009,
com validade até 28 de setembro de 2012;

- Licença de Instalação LI FE011695, de 11 de setembro de 2006, para realizar


obras de dragagem, aterro hidráulico e implantação do terminal portuário, de
aproximadamente 780.000,00 m³, renovada pela LIIN002956, expedida em 19 de
outubro de 2010, com validade até 19 de outubro de 2013.153

152
Conforme destacado anteriormente, foram elaborados dois EIAs, tendo em vista o
desmembramento dos processos de licenciamento. Tem-se, assim, o EIA da Usina Siderúrgica e o
EIA do Terminal Portuário (que inclui as obras necessárias à construção do Terminal Portuário:
aterro, dragagem e construção do píer).
153
Sobre a celeridade do processo de licença de instalação do terminal portuário, que envolve a
supressão de vegetação, importante transcrever trecho de parecer do IBAMA, constante na
Recomendação do Ministério Público Federal, no âmbito do Inquérito Civil nº 30/2008, de 03 de junho
de 2008: “uma análise minuciosa das datas dos documentos apresentados expõe uma celeridade
pouco vista no andamento de processos desta natureza – convém lembrar que se trata da maior
usina siderúrgica do mundo. A licença prévia fls. (235/237) foi concedida de 17 de julho de 2006 e
continha como condição de validade para ser apresentada por ocasião do requerimento de licença de
instalação ( item 6.10) “autorização para supressão de vegetação do órgão competente”. Não
obstante a complexidade do empreendimento cinqüenta dias após a emissão da L.P., no dia 05 de
setembro de 2006, a CECA delibera pela concessão da licença de instalação, tendo considerado que
foi apresentada a autorização IEF 17/2006 para supressão de vegetação em APP, por coincidência
exarada no mesmo dia que a Deliberação CECA/CLF nº 4728/2006. Mesmo considerando a
autorização do IEF, a CECA determina no artigo 2º da deliberação que a FEEMA faça constar como
condicionante da licença de instalação, a ser cumprida antes do início das obras , a anuência do
75

Antes da expedição da licença de operação, foi concedido, à empresa, um


período de testes em sua operação, com fundamento na condicionante 04 da
LIIN000771, que autoriza a “realização da pré-operação de cada unidade durante
um período de até 90 (noventa) dias após a conclusão de sua implantação,
apresentando previamente ao INEA, para aprovação, o respectivo cronograma e a
data de início”. Tal condição de validade da licença foi alterada, por meio do
Documento de Averbação AVB000912, de 18 de maio de 2010, para que passasse
a constar a possibilidade de realização de pré-operação por um período de até 210
(duzentos e dez) dias.

No entanto, mesmo nestas condições, na visão da empresa, sua operação


parece ser a regular, e não como um teste para avaliar a adequação de suas
instalações, conforme se verifica em seu site institucional:

Todos fizeram um trabalho muito bom, não apenas hoje, mas nos últimos
dias, para produzir essa primeira placa. É um belo começo”, disse Dr. Hans L.
Fischer, presidente da ThyssenKrupp Steel Americas e presidente do
conselho de administração da ThyssenKrupp CSA. Dr. Herbert Eichelkraut,
presidente da ThyssenKrupp CSA declarou que “depois de mais de três anos
de trabalho árduo, produzimos a placa com extraordinária qualidade e forma.
Este foi o primeiro dia de produção e continuaremos otimizando o processo”.
Com a entrada em operação da aciaria, onde são produzidas as placas, a
CSA cumpre uma importante etapa de suas operações, iniciada em 18 de
junho, quando o presidente Lula compareceu na solenidade de inauguração
do complexo siderúrgico.154
De acordo com notícias veiculadas na mídia, a população reclama da
poluição gerada pela instalação e operação da empresa, além do barulho dos trens
que transportam minério de ferro que passam perto das casas na Avenida João
XXIII, sem qualquer espécie de cobertura que evite a produção de poluição.
Verificam-se, ainda, reclamações de produtores de aipim sobre o alagamento das
áreas destinadas à lavoura, por conta das obras de desvio do Canal de São
Fernando pela empresa.155

IBAMA face à intervenção em APP. Mesmo o IEF ao autorizar a supressão a condiciona à prévia
anuência do IBAMA.”
154
Informações obtidas no site http://www.thyssenkrupp-steel-
europe.com/csa/pt/news/pressrelease.jsp?cid=2776678, acesso em 03 de julho de 2011.
155
Audiência pública discute impactos ambientais provocados pela CSA. Rio de Janeiro, em 25
de maio de 2011. Disponível em: http://video.globo.com/Videos/Player/Noticias/0,,GIM1518128-
7823-
AUDIENCIA+PUBLICA+DISCUTE+IMPACTOS+AMBIENTAIS+PROVOCADOS+PELA+CSA,00.html.
Acesso em: 02 jul. 2011. BOM DIA RIO.
76

Além disso, dois eventos de grande emissão de material particulado foram


constatados, em junho (no início do funcionamento do primeiro alto forno) e entre os
dias 25 a 28 de dezembro de 2010 (por ocasião da operação do segundo alto forno),
no qual foram expedidos grafite e ferro, que vem sendo denominado, pela
população, de pó prateado. Neste momento, em função de erros no projeto da
lingotadeira e problemas na aciaria, ocorreu o despejo de parte do ferro gusa, ainda
quentes, diretamente em poços ao ar livre, com a conseqüente produção da poeira.

Importante destacar que o segundo alto forno foi autorizado por decreto do
Governador do Estado, conforme se verifica no relatório abaixo, tendo como partida
as emissões ocorridas em junho de 2010, com o funcionamento do primeiro alto
forno:

Em decorrência desse episódio, em reunião do Conselho de Diretores do


INEA, realizada em 9 de dezembro de 2010, foi aprovada a necessidade de
auditoria ambiental independente, a ser realizada por empresa idônea e
isenta, para apurar as irregularidades e inadequações estruturais e
operacionais da usina e do funcionamento da TKCSA. A realização dessa
auditoria foi aprovada como condição para a partida do alto-forno 2. Essa
decisão foi comunicada em memorando de entendimentos assinado com o
MPRJ, em 13 de dezembro, que previa a aprovação do relatório da auditoria
e a fiscalização das medidas apresentadas pelas duas instituições.
As exigências da auditoria foram materializadas no Termo de Referência
DILAM/GELIN/n.01/2011, elaborado pelo INEA com a participação do MPRJ,
em 11 de janeiro de 2011. Dentre as exigências estavam: "(a) a apuração e
análise sobre o cumprimento da legislação ambiental vigente pela CSA, (b) o
atendimento aos critérios e medidas determinados no licenciamento
ambiental até então, (c) a análise da gestão ambiental da CSA desde o início
de sua pré-operação até o presente, em especial abordando os fatos que
deram ensejo ao ajuizamento da ação penal pelo Ministério Público, (d) a
consulta à comunidade do entorno da usina, (e) a análise comparativa com
tecnologias e limites de controle de efluentes e emissões fugitivas em usinas
siderúrgicas instaladas ou em instalação em outros estados e países, com
especial ênfase na avaliação das melhores tecnologias de controle de
poluentes associados ao início da operação da usina e seus fornos". Por fim,
segundo o mesmo memorando, "a DILAM concorda em exigir critérios que
permitam comparações com dados de referência internacional".
No entanto, todos, inclusive o INEA, foram surpreendidos por decisão
posterior da então Secretária Estadual do Ambiente, Marilene Ramos, e
ratificada pelo Governador Sérgio Cabral, autorizando a partida do segundo
alto-forno da TKCSA sem que a auditoria ambiental fosse previamente
realizada e apresentada com o conteúdo e exigências definidos no
memorando de entendimentos e futuro termo de referência. A mesma
poluição atmosférica, com danos à saúde da comunidade vizinha se repetiu
com a partida do segundo alto-forno da TKCSA, no final de dezembro de
2010 [...]156

156
RIO DE JANEIRO. MINISTÉRIO PÚBLICO. MPRJ denuncia Usiminas por apresentar relatório
irregular de auditoria ambiental na TKCSA. Rio de Janeiro, de 01 de julho de 2011. Disponível
em: http://www5.mp.rj.gov.br/consultaClippingWeb/clipAtual.do?id=185134&abrePopUp=true. Acesso
em: 02 jul. 2011.
77

O Diretor de Sustentabilidade da TKCSA, Luiz Claudio Castro afirma que a


empresa fez mudanças no próprio processo e está construindo uma máquina inédita
para fazer despoeiramento nos poços de emergência onde a poeira é gerada. A
última previsão da empresa é que as adequações no projeto e os novos
equipamentos ficarão prontos em abril de 2012,157 com valores previstos em torno
de R$ 100 milhões.158

Existe uma grande discussão quanto à toxicidade, ou não, do material


expedido. Em parte, pois o Ministério Público Estadual, até o presente momento, já
apresentou três denúncias contra dirigentes da empresa e técnicos de uma
auditoria, com fundamento na Lei federal 9.605/98, a saber:

- em dezembro de 2010, denúncia da empresa e seu Diretor de Projetos e seu


Gerente Ambiental da empresa, em relação aos fatos relacionados à poluição
atmosférica causada desde junho de 2010, em Santa Cruz, por conta do
derramamento de ferro-gusa, que deveria ser destinado à unidade de aciaria, em
poços ao ar livre, sem qualquer controle de emissões. Os crimes estão tipificados
nos artigos 54, 60 e 68 da Lei federal 9.605/98.159

- em junho de 2011, denúncia da empresa por causar da poluição atmosférica em


níveis capazes de provocar danos à saúde humana ocasionada pelo acionamento
do Alto Forno 2, bem como seu Diretor de Sustentabilidade por não ter comunicado
as irregularidades ao INEA, obrigação também prevista em Termo de
Responsabilidade Técnica pela Gestão Ambiental assinado por ele naquela
autarquia. Os crimes estão previstos nos artigos 54, os incisos II e V de seu §2º, e
seu §3º, 60, e 68, da Lei federal 9.605/98.160

157
CSA precisa fazer modificações para conseguir licença de operação definitiva. Rio de
Janeiro, 30 de junho de 2011. Disponível em: http://g1.globo.com/videos/rio-de-janeiro/v/csa-precisa-
fazer-modificacoes-para-conseguir-licenca-de-operacao-definitiva/1551223/. Acesso em: 02 de jul.
2011. RJ-TV, 2ª edição.
158
GONÇALVES, Glauber. CSA anuncia investimento para conter poluição. O Estado de São
Paulo, São Paulo, 03 de fevereiro de 2011, Economia. Disponível em:
http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20110203/not_imp674559,0.php. Acesso em: 02 jul. 2011.
159
RIO DE JANEIRO. MINISTÉRIO PÚBLICO. Promotores do MPRJ denunciam Companhia
Siderúrgica do Atlântico por crimes ambientais, de 03 de dezembro de 2010. Disponível em:
http://www.mp.rj.gov.br/portal/page/portal/Internet/Imprensa/Em_Destaque/Noticia?caid=293&iditem=
8270865. Acesso em: 02 jul. 2011.
160
RIO DE JANEIRO. MINISTÉRIO PÚBLICO. TKCSA é denunciada por crimes ambientais pela
segunda vez, de 08 de junho de 2011. Disponível em:
http://www5.mp.rj.gov.br/consultaClippingWeb/clipAtual.do?id=183792&exibindoTodasAsNoticias=tud
o. Acesso em: 02 jul. 2011.
78

- em julho de 2011, denúncia da Usiminas e quatro de seus técnicos por


apresentarem relatório de auditoria ambiental parcialmente falso e enganoso,
inclusive por omissão, ao INEA, com fundamento no artigo 69A da Lei de Crimes
Ambientais.161

A empresa foi autuada, pelo INEA, pela prática de infração administrativa


ambiental, em virtude da poluição causada em junho de 2010, com aplicação de
multa no valor de R$ 1.300.000,00. Pelos fatos ocorridos em dezembro de 2010,
aplicou-se multa ambiental, com igual fundamento na Lei estadual 3.467/2000, no
valor de R$ 2.800.000,00. Além disso, a empresa teria concordado em despender
R$ 14 milhões à título de compensação pelos incômodos causados com o início de
sua operação, a serem utilizados em obras no entorno do empreendimento.162 163

Os fatos ocorridos após a emissão das licenças ambientais prévias parecem


indicar que o projeto declarado ambientalmente viável, naquele momento, não
apresentava os dados técnicos mínimos para sua avaliação, foi concebido de forma
errônea ou, ainda, não atendeu aos critérios ambientais estabelecidos na legislação
ou que poderiam ser estabelecidos no próprio processo de licenciamento ambiental.

161
RIO DE JANEIRO. MINISTÉRIO PÚBLICO. MPRJ denuncia Usiminas por apresentar relatório
irregular de auditoria ambiental na TKCSA. Rio de Janeiro, de 01 de julho de 2011. Disponível
em: http://www5.mp.rj.gov.br/consultaClippingWeb/clipAtual.do?id=185134&abrePopUp=true. Acesso
em: 02 jul. 2011.
162
Na ocasião do anúncio de tais medidas, a Secretaria de Estado do Ambiente indicou as seguintes
obras: dragagem do Canal de São Fernando e drenagem da comunidade onde vivem 750 famílias, no
valor de R$ 1 milhão, que serão executadas pelo Inea; pavimentação e asfaltamento de ruas das
comunidades da região, no valor de R$ 2 milhões, executadas pela Prefeitura do Rio; construção,
também pela prefeitura, de uma Clínica da Família para a comunidade, no valor de R$ 4 milhões; e
construção de um Centro de Referência para Tratamento de Hipertensão e Diabetes, de 2.500 metros
quadrados, pela Secretaria de Estado de Saúde e de Defesa Civil, de R$ 7 milhões. Informações
disponíveis em http://www.rj.gov.br/web/sea/exibeconteudo?article-id=347169. Acesso em: 03 jul.
2011.
163
Embora não seja objeto desta Dissertação, é importante indicar que algumas obras que vem
sendo anunciadas e realizadas pela CSA podem ser decorrentes de obrigações oriundas do próprio
processo de licenciamento ambiental, tal como ocorre com as que serão realizadas no Canal de São
Fernando. Conforme a própria empresa indica posteriormente, trata-se de uma contrapartida pela
utilização de área de propriedade do Estado. Neste sentido, a entrevista do Diretor de
Sustentabilidade da empresa que consta na reportagem BOM DIA RIO. Obra promete acabar com
os alagamentos em Santa Cruz. Rio de Janeiro, em 20 de junho de 2011. Disponível em:
http://video.globo.com/Videos/Player/Noticias/0,,GIM1540969-7823-
OBRA+PROMETE+ACABAR+COM+OS+ALAGAMENTOS+EM+SANTA+CRUZ,00.html. Acesso em:
03 jul. 2011. BOM DIA RIO. Destaca-se que não se tem como afirmar a exata coincidência entre as
obras anunciadas e as decorrentes do licenciamento, o que demandaria extensa pesquisa e foge ao
objeto desta Dissertação.
79

3.3.4 A amplitude da análise dos impactos na população

Os impactos que devem ser analisados pelo EIA/RIMA incluem os que serão
suportados pela população, bem como pelas demais atividades sociais e
econômicas. Ou seja, a análise feita no EIA deve incluir “o uso e ocupação do solo,
os usos da água e a socioeconomia, destacando os sítios e monumentos
arqueológicos, históricos e culturais da comunidade, as relações de dependência
entre a sociedade local, os recursos ambientais e a potencial utilização futura
desses recursos” (artigo 6º, I, c da Resolução CONAMA 01/86).164 Neste sentido, as
Instruções Técnicas da usina siderúrgica e do terminal portuário determinam que os
Estudos referentes ao empreendimento em questão analisem os impactos
ambientais com ênfase especial, dentre outros, na população.

O trecho do EIA da usina siderúrgica, no capítulo dos impactos


socioeconômicos nas fases de implantação e de operação, reflete a pouca
abrangência do estudo em relação aos aspectos sociais:

Durante a etapa de implantação os impactos negativos mais significativos


estão relacionados aos Processos de Mobilização e Desmobilização de
Pessoas e equipamentos. Na maioria das vezes (68%) os impactos de
natureza negativa foram avaliados como de moderada magnitude. Destes,
70% são temporários. Os impactos de alta magnitude foram identificados

164
Artigo 6º - O estudo de impacto ambiental desenvolverá, no mínimo, as seguintes atividades
técnicas:
I - Diagnóstico ambiental da área de influência do projeto completa descrição e análise dos recursos
ambientais e suas interações, tal como existem, de modo a caracterizar a situação ambiental da área,
antes da implantação do projeto, considerando:
a) o meio físico - o subsolo, as águas, o ar e o clima, destacando os recursos minerais, a topografia,
os tipos e aptidões do solo, os corpos d'água, o regime hidrológico, as correntes marinhas, as
correntes atmosféricas;
b) o meio biológico e os ecossistemas naturais - a fauna e a flora, destacando as espécies
indicadoras da qualidade ambiental, de valor científico e econômico, raras e ameaçadas de extinção
e as áreas de preservação permanente;
c) o meio sócio-econômico - o uso e ocupação do solo, os usos da água e a sócio-economia,
destacando os sítios e monumentos arqueológicos, históricos e culturais da comunidade, as relações
de dependência entre a sociedade local, os recursos ambientais e a potencial utilização futura desses
recursos.
II - Análise dos impactos ambientais do projeto e de suas alternativas, através de identificação,
previsão da magnitude e interpretação da importância dos prováveis impactos relevantes,
discriminando: os impactos positivos e negativos (benéficos e adversos), diretos e indiretos, imediatos
e a médio e longo prazos, temporários e permanentes; seu grau de reversibilidade; suas
propriedades cumulativas e sinérgicas; a distribuição dos ônus e benefícios sociais.
III - Definição das medidas mitigadoras dos impactos negativos, entre elas os equipamentos de
controle e sistemas de tratamento de despejos, avaliando a eficiência de cada uma delas.
lV - Elaboração do programa de acompanhamento e monitoramento (os impactos positivos e
negativos, indicando os fatores e parâmetros a serem considerados.
Parágrafo Único - Ao determinar a execução do estudo de impacto Ambiental o órgão estadual
competente; ou o IBAMA ou quando couber, o Município fornecerá as instruções adicionais que se
fizerem necessárias, pelas peculiaridades do projeto e características ambientais da área.
80

quando relacionados às Tarefas de Recrutamento e Dispensa de Mão-de-


obra contratada. Cabe destacar que os impactos de alta magnitude
representam apenas 12% dos impactos negativos identificados para a fase de
implantação. Entretanto, um dos impactos negativos de alta magnitude foi
165
avaliado como permanente (Incremento da ocupação irregular).
Os impactos negativos e positivos identificados sobre o meio socioeconômico
e relacionados à etapa de operação são de natureza similar aos assinalados
na de implantação. Cabe, entretanto, destacar a diferenciação quanto à forma
166
de manifestação de cada impacto [...]
Cerca de 70% dos impactos socioeconômicos identificados durante a etapa
de operação são de natureza positiva,167 sendo que 62% são de alta magnitude e os
demais de magnitude moderada. Dos impactos avaliados como negativos, os de
alta magnitude são associados à abertura de frentes de trabalho e à demanda por
serviços públicos e moradia.”168

Os impactos no meio socioeconômico identificados no EIA do Terminal


Portuário do Centro Atlântico são: geração de empregos, fortalecimento do potencial
portuário e industrial da região, melhoria do orçamento fiscal da arrecadação
previdenciária, dinamização da economia, relocação de acampamento do
Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), geração de expectativas
negativas com relação à atividade pesqueira, exclusão de área para atividade de
pesca, sobrecargas de vias de trânsito terrestre e marítimo, aumento do fluxo
migratório para a região, pressão sobre a infra-estrutura de serviços, incremento de
ocupação irregular, eliminação de postos de trabalho e oportunidades de negócio,
risco de alteração/destruição de sítios arqueológicos.169

165
ERM BRASIL LTDA, op., cit., p. 915. Nas páginas seguintes, o EIA lista os impactos
socioeconômicos positivos na fase de implantação: aumento da oferta de empregos diretos, aumento
da oferta de empregos indiretos, difusão de conhecimento e aprendizado, aquecimento de mercado
imobiliário, aumento do poder aquisitivo, aumento de padrão de consumo, dinamização da economia,
estímulo ao empreendedorismo, melhoria de orçamento fiscal, arrecadação de contribuições
previdenciárias, contribuição para a balança de pagamentos, melhoria de geração de valor, estímulo
à mobilização da sociedade civil. Os impactos negativos na fase de implantação, de acordo com o
EIA, são: geração de expectativas, pressão sobre a infra-estrutura de serviços e equipamentos
públicos, aumento de fluxo migratório, conflitos de interesse - associados ao adensamento
populacional na AID, eliminação de postos de trabalho e de oportunidades de negócio, queda de
poder aquisitivo, sobrecarga nas vias de acesso, incômodos à população de entorno, alterações das
relações comunitárias na área de entorno, aumento de problemas sociais, incremento da ocupação
irregular.
166
ERM BRASIL LTDA, op., cit., p. 1.021.
167
Nos Estudos Prévios de Impacto Ambiental, os impactos são classificados como positivos ou
negativos e como alto, médio ou baixo. Como ainda não existe um critério técnico unânime e
tampouco normas regulando o assunto, as consultorias desenvolveram metodologias e as aplicam
em seus estudos.
168
ERM BRASIL LTDA, op., cit., p.1021.
169
ECOLOGUS ENGENHARIA CONSULTIVA, 2005a, item 7.4.
81

Com relação aos impactos causados pela empresa na população, conforme


visto acima, estão sendo noticiadas diversas reclamações da população que reside
próxima à construção pelo seu normal funcionamento, além dos acidentes que
ocorrem com os poços de emergência em junho e dezembro de 2010.

A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) realizou uma pesquisa com sete


moradores do local, coordenada pelo pesquisador Hermano Albuquerque, na qual se
conclui que “as queixas e os sintomas se relacionavam com a exposição à fuligem
da siderurgia, a partir do mês de agosto de 2010” e indica a necessidade de
monitoramento contínuo dos impactos da empresa na saúde da população de Santa
Cruz.170

Neste sentido, foi instituída uma auditoria, em 30 de junho de 2011, para


acompanhar impactos na saúde dos trabalhadores e moradores, que será
coordenada pela Fundacentro, ligado ao Ministério do Trabalho. Em entrevista para
emissora de televisão, o Representante da Secretaria de Estado do Ambiente
destaca que a fuligem está agravando os problemas de saúde da população. 171

Por outro lado, o Diretor de Sustentabilidade da TKCSA, Luiz Claudio Castro,


afirma que o material da empresa não é tóxico e não causa doenças, mas que pode
gerar incômodos. Além disso, afirma-se a distância – de mais de um quilômetro – do
local onde esta poeira é produzida da cerca da empresa. Em outra reportagem da
mesma emissora da televisão, o Vice-Presidente da empresa afirma:

A CSA garante que a população de Santa Cruz não corre risco de câncer,
nem de alteração fetal, nem de qualquer outra doença, em função dos
materiais que são utilizados no seu processo, que comprovadamente não
172
causam risco à saúde.

170
Estratégias para conciliar o desenvolvimento econômico com a qualidade de vida. Rio de
Janeiro, 30 de junho de 2011. Disponível em:
http://video.globo.com/Videos/Player/Noticias/0,,GIM1550529-7823-
ESTRATEGIAS+PARA+CONCILIAR+O+DESENVOLVIMENTO+ECONOMICO+COM+A+QUALIDAD
E+DE+VIDA,00.html. Acesso em: 02 jul. 2011. BOM DIA BRASIL. Não foi localizado o laudo
conclusivo da Fiocruz.
171
Estratégias para conciliar o desenvolvimento econômico com a qualidade de vida. Rio de
Janeiro, 30 de junho de 2011. Disponível em:
http://video.globo.com/Videos/Player/Noticias/0,,GIM1550529-7823-
ESTRATEGIAS+PARA+CONCILIAR+O+DESENVOLVIMENTO+ECONOMICO+COM+A+QUALIDAD
E+DE+VIDA,00.html. Acesso em: 02 jul. 2011. BOM DIA BRASIL.
172
CSA precisa fazer modificações para conseguir licença de operação definitiva. Rio de
Janeiro, 30 de junho de 2011. Disponível em: http://g1.globo.com/videos/rio-de-janeiro/v/csa-precisa-
fazer-modificacoes-para-conseguir-licenca-de-operacao-definitiva/1551223/. Acesso em: 02 de jul.
2011. RJ-TV, 2ª edição.
82

No entanto, os impactos na população gerados pela operação da empresa ou


por possíveis acidentes não foram previstos – ou analisados detidamente – no
processo de licenciamento ambiental ou, ainda, abordados pelos estudos ambientais
apresentados pela empresa. Inequívoca é a dúvida sobre a possibilidade de causar
danos à saúde humana, que sequer foi mencionado nos estudos apresentados, o
que afronta o princípio da precaução acima mencionado. Sobre as deficiências dos
estudos apresentados no licenciamento da TKCSA, Porto afirma que

O Rima é altamente deficiente, e essa deficiência é de tal gravidade que


considero que somente após a apresentação de um novo estudo de impacto
ambiental a licença eventualmente poderia ter sido dada e não nas condições
inicialmente colocadas. 173
PESSOA destaca que “as últimas ocorrências em termos de poluição
atmosférica no território de Santa Cruz não podem ser consideradas como acidente
e sim como conseqüência de um licenciamento que não levou em consideração a
consecução de estudos ambientais consistentes, situação que passa a ser nociva
para a saúde pública e ambiental".174

Discussão bastante relevante nos licenciamentos do Complexo Siderúrgico,


em especial do terminal portuário, relaciona-se aos impactos a serem gerados na
atividade pesqueira. Sobre os pescadores, o EIA da usina siderúrgica afirma que

assim como o turismo, a pesca é uma importante atividade econômica nos


municípios da Área de Influência Direta nas margens da Baía de Sepetiba [...]
Existe grande demanda por dados atualizados referentes à caracterização
das atividades pesqueiras, referente a áreas de pesca; principais espécies
capturadas; artes de pescas utilizadas; áreas de desembarque e, total das
capturas desembarcadas, caracterização das comunidades de pescadores
envolvidas com as atividades, número de pescadores e de embarcações
atuando na pesca; principais necessidades e entraves para o
desenvolvimento da atividade, entre outras. No entanto, a contradição
existente entre as poucas informações disponíveis nos órgãos públicos
vinculados à pesca, e os dados reportados pelas colônias de pescadores,
associações e cooperativas de pesca, prejudicam comparações e análises
175
pormenorizadas
O EIA da usina siderúrgica apresenta que “as atividades de pesca e extração
de moluscos no entorno da Baía de Sepetiba vêm se destacando na economia local
desde 1727”176 e calcula que existam aproximadamente 7.030177 pescadores na

173
JUNIA, 2011.
174
JUNIA, loc. cit.
175
ERM BRASIL LTDA, op., cit., p. 799.
176
ERM BRASIL LTDA, op., cit., p. 802.
177
ERM BRASIL LTDA, op., cit., p. 806. E o estudo conclui: “pode-se estimar que aproximadamente
7.000 pescadores atuam nas atividades de pesca da Baía de Sepetiba, no Rio de Janeiro, que
representa o total de pescadores que potencialmente pode ser afetado pela implantação do
83

Área de Influência do empreendimento. Por outro lado, o EIA do Terminal Portuário


do Centro Atlântico afirma que a “descrição das características da atividade da
pesca na região recebeu um tratamento em separado, tendo em vista, como
anteriormente indicado, que esta é potencialmente uma atividade a ser impactada
pelo empreendimento. O estudo buscou identificar, por um lado, a importância
econômica da pesca na região e, por outro, sua importância social, enquanto
atividades artesanais, desenvolvidas por população de baixa renda.”178

Importante notar que, apesar da extensa caracterização da atividade da


pesca, os impactos da implantação e operação da usina siderúrgica na atividade
pesqueira não foram analisados no EIA da usina. No entanto, consta no Plano de
Gestão de Impactos/Plano de Gestão para os Impactos Socioeconômicos/Plano de
Investimento Social, o Programa de Promoção ao Desenvolvimento Sustentável da
Região apresentado com o objetivo de “garantir que a região possa absorver as
possibilidades de desenvolvimento que acompanharão o empreendimento durante
sua vida útil”, a partir da seguinte diretriz “Implementar programas e projetos de
educação continuada/ inclusão social de setores “marginalizados” dos processos de
desenvolvimento regional, tais como: crianças e adolescentes, pessoas idosas,
pescadores artesanais, além de outros”.179

O EIA do Terminal Portuário do Centro Atlântico afirma que

a pesca na baía de Sepetiba, embora não possua alta relevância econômica,


possui localmente elevado significado social, abrangendo um número
expressivo de pescadores artesanais, para quem a pesca representa a única
ou a principal alternativa de sobrevivência.
Embora sejam múltiplas as atividades que resultam na degradação da baía e
na redução dos estoques pesqueiros, as comunidades locais, particularmente
as de pescadores, atribuem às constantes atividades de dragagem na baía
alta relevância, sobretudo no que diz respeito ao assoreamento da baía, à
deterioração da qualidade de suas águas e à redução dos estoques
pesqueiros.
De modo que, independentemente dos efeitos reais da dragagem prevista
para o empreendimento sobre a atividade da pesca (que serão tratados, em
seguida, como um impacto específico do empreendimento), deve-se

empreendimento”. A fonte indicada é levantamento de campo, realizado em 2005. Apesar de referir-


se ao mencionado trabalho de campo, o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) do Terminal Portuário do
Centro Atlântico, integrante do Complexo Siderúrgico da TKCSA, elaborado pela empresa de
consultoria Ecologus Engenharia Consultiva, afirma que a estimativa é de 6.070 pescadores.
ECOLOGUS ENGENHARIA CONSULTIVA, 2005a, p. 550.
178
ECOLOGUS ENGENHARIA CONSULTIVA, 2005a, p. 473.
179
ERM BRASIL LTDA, op., cit., p. 1.198.
84

considerar a existência de um impacto sobre as expectativas ou sobre o


imaginário das comunidades locais.180
A respeito da exclusão de área para atividade de pesca, são identificados
impactos na fase de implantação e operação, e as medidas mitigadoras propostas
são o desenvolvimento de ações de comunicação social junto aos pescadores
informando, no caso da implantação, diariamente sobre as atividades de dragagem
e situação da turbidez da água, associada a medidas voltadas para o encontro de
soluções para problemas pontuais identificados e, na fase de operação, delimitação
e as restrições de uso inerentes a área do novo canal de acesso.181

Com relação ao assunto, o empreendedor, em resposta aos questionamentos


apresentados pelo Ministério Público Estadual afirma:

Ressalta-se que os impactos sobre a pesca foram avaliados em dois níveis,


quais sejam, o nível das expectativas em relação ao empreendimento e o
nível das interferências reais deste com a pesca.
A geração de expectativas negativas foi considerado um impacto de per si por
iniciar-se já na fase de planejamento da atividade e poder levar à redução de
auto-estima local ou afetar a motivação da comunidade no que concerne ao
engajamento com a atividade de pesca. Tais expectativas negativas
decorrem da percepção já adquirida pela comunidade local, em relação aos
transtornos e impactos tipicamente causados pelas atividades de dragagem
realizadas no passado na Baía de Sepetiba. Esta percepção negativa,
caracterizada como receio de ser novamente impactado, foi identificada
durante a elaboração do diagnóstico e motivou inclusive o ciclo de
apresentações locais do projeto aos diversos núcleos de comunidade
pesqueira da região.
Portanto, considerou-se que, além da adoção de técnicas de baixo impacto
para realização da dragagem, é necessário garantir amplo acesso à
informação com vistas a subsidiar o entendimento da comunidade local
quanto a tais técnicas e ao desempenho esperado das mesmas.
[...]
Por sua vez, no que se refere aos impactos reais das atividades de dragagem
sobre a pesca, foi detalhadamente descrita no EIA a forma como foram
selecionadas as alternativas tecnológicas e locacionais durante a concepção
do projeto, com vistas a reduzir um mínimo os impactos remanescentes sobre
a pesca.
[...]
Considerou-se, assim, que em presença das medidas preventivas e de
comunicação planejadas, os impactos da fase de implantação do terminal
sobre a atividade pesqueira são realmente de baixa magnitude.
[...]
Quanto à fase de operação, entende-se que embora o empreendimento
estabeleça uma área permanente de exclusão à atividade pesqueira, esta

180
ECOLOGUS ENGENHARIA CONSULTIVA, 2005a, p. 639.
181
ECOLOGUS ENGENHARIA CONSULTIVA, 2005a, p. 641-642.
85

situa-se em local de baixa relevância para a pesca, motivo pelo qual avaliou-
se este impacto de per si como de magnitude baixa.182
E, por fim, no que se refere à compensação ambiental pela exclusão da
pesca, a TKCSA afirma que “as possíveis compensações de tais efeitos devam ser
definidas no bojo de uma política que integre as diversas esferas responsáveis pelas
restrições em questão, sendo contudo intenção do empreendedor do Terminal
Portuário o desenvolvimento de ações individuais, que contribuam para o
fortalecimento das comunidades pesqueiras da área de influência da atividade”. 183

O Parecer Técnico de Licença Prévia 856/06, que analisou o procedimento de


licenciamento ambiental da usina siderúrgica, no item relacionado à socioeconomia,
em breves linhas, conclui que “os incômodos à população do entorno deverão estar
associados, basicamente, aos transtornos comuns à execução de qualquer obra de
grande porte, ou seja, a geração de ruídos, material particulado e vibrações
decorrentes diretamente da obra, como também, das operações de transporte de
pessoal, material e equipamentos”. Além disso, apresenta as medidas reparadoras
que deverão ser adotadas para cada impacto identificado.184 Por outro lado, o
Parecer Técnico de Licença Prévia 026/06, referente ao terminal portuário, não
menciona os impactos sociais ou econômicos que a obra em análise pode
ocasionar, exceto em relação aos impactos no setor de transporte. No entanto,
interessante notar que se exige que o Plano Básico Ambiental inclua o Programa de
Compensação pela Exclusão da Atividade da Pesca na área de influencia do
empreendimento.185

O que se tem visto, recentemente, é que os impactos do empreendimento na


pesca, especialmente artesanal, começam a ser contabilizados e revelam o que o
Estudo de Impacto Ambiental deveria ter divulgado: os pescadores relatam a
diminuição da quantidade de pescado após a dragagem feita pela TKCSA e pelo

182
Informações apresentadas pelo empreendedor, por meio de um ofício encaminhado à extinta
FEEMA, em 13 de março de 2006, no qual são prestados esclarecimentos a respeito do EIA,
inclusive em relação à questionamentos apresentados pelo Ministério Público Estadual, que está
inserido no processo administrativo E-07/200.751/2005 (fls. 150-166).
183
Informações apresentadas pelo empreendedor, por meio de um ofício encaminhado à extinta
FEEMA, em 13 de março de 2006, no qual são prestados esclarecimentos a respeito do EIA,
inclusive em relação à questionamentos apresentados pelo Ministério Público Estadual, que está
inserido no processo administrativo E-07/200.751/2005 (fls. 150-166).
184
FUNDAÇÃO ESTADUAL DE ENGENHARIA DO MEIO AMBIENTE (RJ), 2006b, p. 17.
185
FUNDAÇÃO ESTADUAL DE ENGENHARIA DO MEIO AMBIENTE (RJ), 2006a, p. 25.
86

trânsito de navios no píer, além de ser sido estabelecida a zona de exclusão da


pesca, que inclui o Canal de São Fernando.186

Em relação à análise dos impactos na pesca, o atual Subsecretário de Estado


do Ambiente afirmou

A discussão que foi feita aqui da exclusão dos pescadores artesanais precisa
ser incorporada no estudo de impacto ambiental. Estamos à disposição para
incorporar esse contingente da população. Com o píer, com trânsito de
navios, acaba-se com a pesca artesanal e isso não é mensurado no estudo
de impacto ambiental, por isso eu disse que o estudo trabalha de forma
187
hipotética.
Ao que parece, reconhecendo os impactos da atividade na pesca da região, o
INEA está sugerindo a elaboração de um plano de desenvolvimento sustentável
para área, a ser custeada pelas empresas que lá estão localizadas.188 No entanto,
pode-se estar diante, mais uma vez, da troca de valores financeiros pela
impossibilidade de continuidade do modo de vida dos pescadores, o que deixou de
ser considerado nos estudos ambientais apresentados. Acselrad, ao analisar o
RIMA de Belo Monte, parece descrever a situação que se analisa nesta Dissertação:

A retórica ambientalizada do RIMA não consegue, afinal, esconder o fato que


a sustentabilidade da barragem depende da destruição da sustentabilidade
das populações afetadas. Ou seja, nos próprios termos do glossário do RIMA,
a continuidade econômica e ambiental da barragem se alimenta da
descontinuidade econômica, social, ambiental e cultural dos grupos sociais
atingidos. Tudo o que o grande projeto pode fazer é buscar oferecer uma
compensação das perdas absolutas, intangíveis e incomensuráveis que serão
impostas a estes grupos. É indispensável sublinhar, porém, que tal
compensação será a tradução monetária ou material de experiências e
valores absolutamente incompensáveis. Dada a natureza de tais perdas, os
paredões, brejos, veredas, lagoas marginais etc., quando submersos, farão
submergir também os fluxos materiais e imateriais dos quais os grupos
189
sociais atingidos desde sempre retiraram sua identidade.
As deficiências da consideração dos aspectos sociais nos estudos
ambientais, fez com que o Movimento de Justiça Ambiental incluísse, como uma de
suas estratégias, a sugestão de adoção de procedimentos de Avaliação de
Eqüidade Ambiental, como forma de suprir a “separação indevida entre os

186
Em audiência na Alerj, pescadores culpam siderúrgica CSA pela falta de peixes na Baía de
Sepetiba. Rio de Janeiro, 14 de junho de 2011. Disponível em:
http://oglobo.globo.com/rio/mat/2011/06/14/em-audiencia-na-alerj-pescadores-culpam-siderurgica-
csa-pela-falta-de-peixes-na-baia-de-sepetiba-924687448.asp#ixzz1PLLuDNND. Acesso em: 02 jul.
2011. O GLOBO.
187
JUNIA, 2010.
188
VIEIRA, Agostinho. Pesca em Sepetiba pode ter defeso estendido. Blog Ecoverde, Rio de
Janeiro, 30 de junho de 2011. Disponível em:
http://oglobo.globo.com/blogs/ecoverde/posts/2011/06/30/pesca-em-sepetiba-pode-ter-defeso-
estendido-389538.asp. Acesso em: 09 jul. 2011.
189
ACSELRAD, 2009b, p. 54.
87

processos biofísicos e a diversidade de implicações que estes têm quando relativos


ao uso e significação próprios aos diferentes grupos sociais que compartilham o
território”.190

Sobre a necessidade de aperfeiçoamento da ciência, PORTO afirma a


necessidade de “reconstruir ‘uma nova prática científica, pautada nos princípios
éticos da Justiça Ambiental; uma ciência integrada e sensível’ que possibilite o
reencontro da prática científica com os movimentos sociais, os valores éticos, os
saberes populares e ancestrais dos povos oprimidos. Uma ciência aberta ao diálogo
e que promova o direito à vida, à saúde e à liberdade como elementos essenciais na
produção do conhecimento”.191

Em que pese tais deficiências na avaliação dos impactos sociais, com


freqüência, vê-se que os empresários – e até mesmo o órgão ambiental – utilizam-
se de argumentos relacionados às possíveis melhorias sociais que os
empreendimentos podem trazem, ou evitar degradação ainda maior à que já ocorre.
Neste sentido, merece destaque a justificativa da então Presidente da FEEMA, ao
encaminhar o Parecer Técnico de Licença Prévia para deliberação sobre a
concessão da LP pela CECA, que elenca, dentre outros motivos, a “relevância da
região da Baía de Sepetiba e o caráter transformador do empreendimento em
questão”, “as diversas carências da região e os graves problemas já existentes, tais
como assoreamento das praias de Sepetiba, passivo ambiental de Ingá, falta de
saneamento etc” e a pertinência da “recomendação à CECA da definição de
medidas compensatórias adicionais de forma a agregar melhoria ambiental e
qualidade de vida da população da região”.192

190
ACSELRAD, Henri et al, 2009a, p. 34. Merece destaque a crítica aos Estudos de Impacto
Ambiental feita pelos autores: “Considerou-se que estes últimos têm sido incapazes de retratar a
injustiça ambiental contida em determinados projetos, servindo, implicitamente, à legitimação de
ações e impactos inaceitáveis, se consideradas apropriadamente as dimensões socioculturais.
Conseqüentemente, eles têm sido apropriados pelos interesses econômicos envolvidos nos projetos
e na própria elaboração repetida de estudos de impacto, formalmente padronizados e socialmente
vazios, produto do que se configurou como uma espécie de ‘indústria de EIAs-RIMAs” (p. 35). No
que se refere à padronização e repetição dos EIAs destaca-se que o EIA da Usina apresentado pelo
empreendedor, apesar de a licença ambiental prévia ter sido solicitada pela CSA, em diversos
momentos, refere-se à CVRD (Companhia Vale do Rio Doce), parceira da TKCSA no
empreendimento.
191
PORTO, 2008, p. 155.
192
Informações constantes no processo E-07/200.751/2005 (fl. 433).
88

3.3.5 O atendimento da exigência legal de apresentação de alternativas


locacionais no licenciamento ambiental da TKCSA

Exige-se, na Instrução Técnica da usina siderúrgica (Instrução Técnica


05/05), que o EIA contemple todas as alternativas tecnológicas do projeto, inclusive
a opção de sua não realização, considerando a tecnologia utilizada (item 3.1). No
mesmo sentido, encontra-se a Instrução Técnica 18/05, que foi elaborada para
orientar o desenvolvimento do EIA/RIMA dos serviços de dragagem, aterro
hidráulico e terminal portuário, a serem desenvolvidos pela TKCSA (item 3.1).193

A esse respeito, os estudos de impacto ambiental apresentados pela empresa


sobre a alternativa locacional destacam:

A seleção do local para a implantação do empreendimento, na baía de


Sepetiba, decorreu da avaliação de vários fatores, tais como: a localização
junto a um distrito industrial consolidado, condições de implantação de um
futuro terminal portuário próprio para a importação de carvão e coque
importado e exportação de placas de aço produzidas.
Como a produção da CSA será 100% voltada ao mercado externo,
principalmente EUA e Europa, a localização na baía de Sepetiba será de
importância estratégica em termos logísticos e de menor impacto ambiental
devido a não ocorrência de ecossistemas frágeis.194
O EIA do Terminal Portuário do Centro Atlântico indica os fatores
considerados estratégicos para a escolha do local do empreendimento, presentes no
terreno proposto:

− adequada articulação rodoviária e ferroviária favorecendo a recepção de


minério de ferro de boa qualidade e de calcário por via ferroviária;
− possibilidade da construção do terminal portuário exclusivo para a recepção
de carvão e para o embarque dos produtos siderúrgicos;
− proximidade de um dos principais mercados consumidores de aço (EUA e
Europa);

193
Não serão analisadas as alternativas tecnológicas apresentadas e estudadas no processo de
licenciamento do Complexo Siderúrgico, em especial em relação ao Terminal Portuário, por não ser
objeto desta Dissertação. Mencione-se, no entanto, que a análise das tecnologias disponíveis para
dragagem, aterro e terminal portuário ocuparam grande parte do Parecer Técnico de Licença Prévia
026/06, referente ao processo administrativo E-07/202.952/2005. FUNDAÇÃO ESTADUAL DE
ENGENHARIA DO MEIO AMBIENTE (RJ), 2006a.
194
ERM BRASIL LTDA, op., cit., p. 32. Em outro trecho do Estudo, afirma-se: “A Usina Siderúrgica
da CSA corresponderá a uma unidade industrial de alta performance que terá como finalidade
fabricar produtos altamente competitivos, como placas de aço. Desenvolver um empreendimento
potencial localizado na região sudeste do Brasil com tecnologia de última geração seria uma melhoria
importante para a indústria de aço brasileira e uma significativa ampliação do mercado exportador.
As justificativas fundamentais para a implantação do mesmo neste local referem-se à existência de
grandes reservas de minério de ferro no Brasil em exploração pela CVRD, possibilidade de
implantação de um futuro porto e reabilitação de atual ramal ferrroviário nas adjacências da área
prevista para o empreendimento.” (p. 31)
89

− disponibilidade de terreno para uso industrial, na orla da baía, com área de


grandes dimensões, adequada às necessidades do futuro projeto, para
implantação da siderúrgica e retroárea para as atividades de apoio ao porto;
− facilidade de acessos rodoviários;
195
− inserção em zona de uso industrial.
A seguir, no supramencionado Estudo, a empresa apresenta as alternativas
de áreas de empréstimo para o aterro, do terminal portuário, da área de dragagem e
do bota-fora e de disposição para dragagem de manutenção.

A empresa manifestou-se, ainda, durante o processo de licenciamento


ambiental, sobre as alternativas locacionais no seguinte sentido:

Antes dos estudos de viabilidade do empreendimento, os sócios


ThyssenKrupp Steel e Companhia Vale do Rio Doce consideraram as
seguintes possibilidades teóricas para a instalação do projeto:
1. implantação do projeto em outros países, a exemplo de Índia, Ucrânia e
Austrália.
2. implantação do projeto em São Luís, no Estado do Maranhão e no Estado
do Espírito Santo.
3. Implantação do projeto no Estado do Rio de Janeiro.
Os fatores que determinaram a escolha do Brasil, ao invés das alternativas
indicadas no item 1 acima, foram: estabilidade política e econômica do país,
grau de desenvolvimento tecnológico em geral no setor siderúrgico em
particular, competitividade em termos mundiais do setor siderúrgico,
conhecimento do país através da presença de empresas do Grupo
ThyssenKrupp e o relacionamento de longo prazo existente entre a
ThyssenKrupp e a Companhia Vale do Rio Doce.
Os fatores determinantes para a escolha do terreno em que seria implantado
o Projeto foram:
- ligação ferroviária com as minas de minério de ferro da CVRD;
- área plana para implantação do complexo siderúrgico (~ 7km)
- possibilidade de instalação ou uso do terminal portuário para o recebimento
de carvão e exportação de placas
- disponibilidade de mão-de-obra para implantação e operação
- disponibilidade de fornecedores e prestadores de serviço para a
implantação e operação
- disponibilidade de água
- disponibilidade de gás natural
- proximidade de rede de distribuição de energia elétrica em alta voltagem
- infra-estrutura de transporte terrestre
- interesse demonstrado pelas autoridades estaduais e municipais.
Da análise preliminar realizada, a região da Baía de Sepetiba, no Estado do
Rio de Janeiro, foi a única que preenchia todos os requisitos definidos para o
Projeto. Neste região o único terreno capaz de abrigar o Projeto foi o situado
em Santa Cruz no Município do Rio de Janeiro.

195
ECOLOGUS ENGENHARIA CONSULTIVA, 2005a, pp. 16-17.
90

Por estas razões o terreno escolhido acabou se constituindo na única opção


que tornava viável a implantação do terreno.196
Conforme descrito pela empresa, o “empreendimento deverá ser implantado
na região de Sepetiba, no município do Rio de Janeiro – RJ, onde serão
aproveitadas a infra-estrutura existente para o suprimento do minério de ferro por via
ferroviária e as facilidades para operações portuárias para o recebimento de carvão
e escoamento da produção”.197

Respondendo a uma pergunta realizada na audiência pública, a empresa


afirma que

a CSA avaliou a viabilidade de alguns terrenos, durante algum tempo, dentre


eles, um espaço em Itaguaí. No entanto, uma avaliação global, considerando
os pré-requisitos que deveriam ser atendidos (como condição de acessos e
implantação de terminal portuário etc), apontou o terreno no distrito industrial
de Santa Cruz como o mais adequado” e, após, afirma-se que “o local mais
adequado para a implantação da Siderúrgica é a região de Sepetiba, pela
possibilidade de integração de diversos meios de transporte – fator
fundamental para a viabilidade do projeto. Contudo, o Porto de Sepetiba não
dispõe de um terminal específico para esta atividade, tornando necessária a
construção de um novo terminal, dedicado à Usina da CSA. A construção do
Terminal se insere, ainda, dentro das perspectivas dos planos de
desenvolvimento do Estado do Rio de Janeiro e de dinamização do complexo
industrial e portuário de Sepetiba.198
O Parecer Técnico de Licença Prévia 856/06 e o Parecer Técnico de Licença
Prévia 026/06 não mencionam as análises sobre alternativas locacionais
apresentadas nos EIA’s.

Em parecer, o Grupo de Apoio Técnico do Ministério Público afirma que o


“EIA informa que a localização seguiu as seguintes premissas de viabilidade técnico-
econômica e ambiental: posicionamento a uma distância mais próxima da costa
tendo em vista o custo da ponte de ligação do píer ao terreno; otimizar a distância de
recalque do material dragado para o terreno; superposição da bacia de evolução
com a área da jazida do substrato arenoso, conciliando os volumes; e maximizar a

196
Considerações apresentadas pela empresa ao Ministério Público Estadual, em 22 de maio de
2006, e que constam no processo de licenciamento da extinta FEEMA (E-07/200.751/2005 – fls. 298-
304).
197
Descrição apresentada pelo empreendedor na ocasião da solicitação da licença prévia para a
usina siderúrgica, por meio do processo E-07/200.751/2005.
198
Informação constante no processo E-07/202.952/2005, em um documento apresentado pela
empresa à FEEMA, em 06/04/2006, com imagens extraídas das audiências públicas e o registro das
perguntas mais freqüentes apresentadas. A primeira pergunta refere-se à intenção da empresa em
instalar-se em Itaguaí e a segunda à construção de um novo terminal.
91

disposição do material com vistas a redução de necessidade de bota-fora no espaço


marítimo”.199

O item referente à opção de não realização do empreendimento do EIA da


usina siderúrgica inicia-se com a análise dos movimentos estratégicos dos ‘players’
da cadeia do minério de ferro, inicialmente com a participação dos mineradores nos
projetos de redução dos minérios de ferro, em parcerias com tradicionais operadores
de Usinas Siderúrgicas, e atualmente com aquelas anunciando a intenção de
participação em projetos incluindo o Refino do gusa líquido para aço e da fabricação
de placas para exportação. E, complementa, “Aliás, de resto, esta é a própria
inspiração do Projeto CSA – que se caracteriza, sob o ponto de vista do minerador –
empreendedor, por agregação de valor à unidades de ferro atualmente
comercializadas para exportação e garantia de manutenção desse fornecimento em
base de longo prazo e por preço conveniente”.200 E, conclui o EIA:

Portanto, a hipótese de não-realização do Empreendimento, sob um ponto de


vista de consumo de recursos naturais / reservas de minério de ferro – capital
natural, corresponde à hipótese de não realizar a oportunidade de conferir um
valor significativamente maior para uma parcela do capital natural que já está
sendo consumido, equivalente a cerca de 6,70 milhões de toneladas
201
anuais.
No EIA do Terminal Portuário do Centro Atlântico, a hipótese de não
realização do empreendimento é abordada da seguinte forma:

[...] a região do porto de Sepetiba foi aquela que melhor se adequou às


condições para receber o empreendimento em questão, considerando a
localização da Usina e Terminal Portuário associado, mesmo levando-se em
conta os grandes volumes de material dragado, decorrentes da abertura do
canal, os quais poderiam ser dispostos como aterro do terreno de
implantação da Usina.
Dessa forma, entende-se que a hipótese de não-implantação do
empreendimento na região do porto de Sepetiba poderá trazer impactos
diretos sobre a viabilidade do projeto siderúrgico da CSA, acarretando perda
de relevante oportunidade de desenvolvimento socioeconômico para o
Estado do Rio de Janeiro, destacando os 650 referentes às obras de
dragagem e criação do Terminal Portuário e, indiretamente, os 18.000
empregos diretos a serem gerados durante a implantação da Usina.
Mesmo que haja somente a opção de não se implantar o Terminal Portuário,
porém mantendo-se o terreno escolhido para a futura implantação da Usina
Siderúrgica, ainda assim haveria necessidade de realização de obras de
dragagem vultuosas para preparação do mesmo. Isto porque os grandes

199
Ministério Público Estadual, em um documento denominado de Justificativa de Audiência Pública,
referente ao processo MPRJ 2005.001.52122.00, de 20 de dezembro de 2005, assinado pelo biólogo
Osny Pereira Filho e pela Engenheira Química Josélia Brito Serber, p. 09.
200
ERM BRASIL LTDA, op., cit., p. 35.
201
ERM BRASIL LTDA, op., cit., p. 36.
92

volumes de material de aterro envolvidos seriam inviáveis de serem obtidos


em jazidas terrestres.
Por outro lado, a não construção da Usina no terreno pretendido, implicaria
na impossibilidade de sua implantação no Estado, dado que a área em
Sepetiba foi a que mais se adequou à viabilidade do empreendimento.
Portanto, na hipótese de não implantação das obras, objeto deste EIA,
representaria a perda de uma oportunidade relevante de desenvolvimento
para o Estado do Rio de Janeiro, e, em especial, para a região de inserção do
202
Empreendimento.
Não há referência nos pareceres técnicos – ou alguma outra informação
técnica do órgão ambiental estadual nos processos de licenciamento prévio – da
usina siderúrgica e do terminal portuário sobre a opção de não realização do
empreendimento.

Após leitura deste trecho do estudo, bastante pertinente é a transcrição de


trecho da obra de Machado, que apresenta uma análise crítica do que vem sendo
apresentado aos órgãos ambientais:

O exame das alternativas tem-se revelado um dos pontos críticos dos EPIAS,
a tal ponto que Luiz Enrique Sánchez salienta que ´os estudos são
encomendados somente quando o projeto está inteiramente definido sob o
ponto de vista técnico, prejudicando ou mesmo impedindo o estudo das
alternativas e fazendo com que os estudos ambientais devam ser elaborados
em caráter de urgência. Desta forma, se os mecanismos de controle forem
eficazes, os estudos terão que ser complementados ou inteiramente refeitos´.
O exame das alternativas conduzirá os consultores a não se fixarem somente
na localização e nos processos de produção propostos pelo requerente do
licenciamento, fornecendo a ela não só a possibilidade como o dever de
comentar outras soluções para a localização e a operação pretendidas.
Para dirimir o conflito na escolha de propostas alternativas, principalmente
quando se deverá escolher entre eliminar ou agredir um bem natural, valho-
me da respeitada opinião do Prof. Gerd Winter: ´Se o projeto destrói bens
naturais, é preciso um interesse público para justificar essa destruição. Se o
bem natural possui valor extraordinário, o interesse público alegado para sua
203
destruição deve ser igualmente extraordinário.
Pode-se verificar que, apesar de existir a exigência na legislação de análise
das alternativas locacionais do empreendimento, inclusive considerando a hipótese
de sua não realização, não se constatou, pelas informações constantes nos
processos de licenciamento prévio, que isso tenha ocorrido. Percebe-se, no
entanto, que não houve alteração dos fatores que pesam na escolha do local das
atividades e indústrias, especialmente em Santa Cruz, objeto desta Dissertação,
desde o século XIX, já que o Matadouro da Cidade, a Zona Industrial e, atualmente,
os grandes projetos aprovados para o local, dentre os quais se inclui a TKCSA,

202
ECOLOGUS ENGENHARIA CONSULTIVA, 2005a, p. 14-15.
203
MACHADO, op. cit, p. 245.
93

apenas consideram os fatores logísticos e econômicos, desconsiderando os


aspectos sociais e ambientais.

Em reportagem de uma emissora televisão, em que se pretende analisar a


possibilidade de conciliação entre o desenvolvimento econômico e a saúde da
população, embora se apresente os problemas que vem sendo causados,
destacam-se os empregos e os recursos gerados pela empresa na economia,
apresentado os seguintes dados fornecidos pela própria TKCSA, afirmando que é
um grupo respeitável, com empreendimentos inclusive na Europa:

- R$ 12 bilhões na construção da sede


- empregos gerados durante a obra: 3.500 diretos e 10.000 indiretos
204
- atualmente, possui 5.500 funcionários.
O comentarista de sustentabilidade desta mesma reportagem, Sérgio
Besserman, afirma que os equipamentos são tão modernos quanto seriam na
Alemanha, mas que pode ser necessária alteração na legislação brasileira para não
mais permitir que grandes empresas possam se instalar em um local próximo à
população.

No entanto, deve-se registrar o estudo elaborado por Porto e Milanez que


identifica “ao menos, dois indícios de que a ThyssenKrupp estaria se beneficiando
da vulnerabilidade institucional do sistema de controle de qualidade ambiental do
Brasil, e adotando práticas que seriam, ao menos, questionáveis, frente à legislação
européia” (a necessidade de descrição, no licenciamento, descrição do tipo e volume
das emissões previsíveis da instalação para os diferentes meios físicos e de quais
os efeitos significativos dessas emissões no ambiente e a concentração de
poluentes na região do empreendimento).205

No entanto, analisando a complexidade da situação, que inclui a proximidade


com a população local e a saturação da bacia atmosférica da região, Porto
apresenta as seguintes afirmações:

Diante das condições existentes em termos de saturação da bacia


atmosférica da região, que já possui outras indústrias no pólo industrial de
Santa Cruz, da proximidade da população residente e da necessidade de

204
Estratégias para conciliar o desenvolvimento econômico com a qualidade de vida. Rio de
Janeiro, 30 de junho de 2011. Disponível em:
http://video.globo.com/Videos/Player/Noticias/0,,GIM1550529-7823-
ESTRATEGIAS+PARA+CONCILIAR+O+DESENVOLVIMENTO+ECONOMICO+COM+A+QUALIDAD
E+DE+VIDA,00.html. Acesso em: 02 jul. 2011. BOM DIA BRASIL.
205
PORTO; MILANEZ, 2009, p. 12.
94

preservação de um ecossistema tão sensível e em pleno processo de


degradação e possibilidade de recuperação que é a Baía de Sepetiba [onde
se localiza Santa Cruz], a nossa grande conclusão é que tal indústria jamais
poderia ser instalada na União Européia e sob a legislação européia
[...]
Existe uma série de riscos ambientais, deficiências estruturais do sistema de
saúde local que precisa ser reforçado, mas acima de tudo, existem impactos
à saúde da população que precisam ser mais claramente mensurados. É
inadmissível que no Brasil pós regime militar, em pleno processo de
democratização, com tantos ganhos do ponto de vista da inclusão social e da
democracia, a população seja obrigada a morar tão próxima dessa indústria
de alto risco. E ainda num contexto no qual as informações sobre o conteúdo
das substâncias químicas perigosas e seus impactos ao ambiente e à saúde
ainda estejam tão pouco claros dentro das instituições oficiais
governamentais, que muitas vezes não explicitam com clareza quais os
206
impactos que estão ocorrendo.
Ao que parece, a própria empresa questiona o acerto de sua decisão quanto
ao local da usina e a postura adotada foi equivocada. O Presidente da empresa, em
entrevista ao jornal o Globo, em 21 de abril de 2011, afirma

No começo, tínhamos a impressão de que a criação daquela quantidade de


empregos que foram gerados durante a construção e, agora, que estão sendo
gerados durante a operação, era suficiente para justificar a presença da
empresa. Os números falavam por si só. Antes de viajar para o Brasil,
trabalhava numa empresa muito semelhante em termos de tamanho e de
operação à CSA. Mas essa empresa existe há cem anos. E os vizinhos estão
na comunidade há mais de cem anos. Depois de morar tanto tempo próximo
e convivendo, existe uma confiança mútua. Viemos com essa ideia de que, se
lá funciona dessa forma, aqui também funcionaria. Foi isso que gerou esse
equívoco. A mesma coisa que funcionaria lá, funcionaria aqui. Estamos
reavaliando essa estratégia.207
A implantação da TKCSA em Santa Cruz, inclusive com a ocorrência de
emissão de partículas que atingiram diretamente a população do entorno, evidencia
a necessidade de consideração de outros fatores, que não apenas os econômicos,
na decisão dos locais dos empreendimentos. A legislação ambiental brasileira, ao
prever a análise das alternativas locacionais e a opção de não realização do
empreendimento, que deve considerar os impactos sociais e ambientais, já é
suficiente para a elaboração desta exigência e deve ser cumprida. Além disso, na
competência do município de ordenar o uso e ocupação do solo, deve-se considerar
a proteção do meio ambiente e saúde da população, estabelecendo zonas
exclusivamente industriais.

206
JUNIA, 2010.
207
ALMEIDA, Cássia. Presidente da CSA admite erros:' Achamos que só os empregos
bastariam'. O GLOBO, Rio de Janeiro, 21 de abril de 2011. Disponível em
http://oglobo.globo.com/economia/mat/2011/04/21/presidente-da-csa-admite-erros-achamos-que-so-
os-empregos-bastariam-924300588.asp#ixzz1KRuS6pay. Acesso em: 02 jul. 2011.
95

3.3.6 A justificativa para intervenção em áreas de preservação permanente

O projeto Complexo Siderúrgico da TKCSA, tal como apresentado ao órgão


ambiental para aprovação, incluía a intervenção de áreas de preservação
permanente, o que foi destacado ao longo do processo de licenciamento. Constam
informações de que 15,3% da área total do terreno da empresa encontrava-se
ocupada com um bosque de manguezal, bem como que parte do terreno
corresponde à faixa marginal de proteção do canal de São Fernando, que, segundo
o artigo 268, incisos I e III, da Constituição do Estado do Rio de Janeiro, configura-
se como área de preservação permanente.208

Sobre a intervenção do projeto do empreendimento nas áreas de preservação


permanente, o Ministério Público Estadual,209 em um documento denominado de
Justificativa de Audiência Pública, referente ao processo MPRJ 2005.001.52122.00,
de 20 de dezembro de 2005, assinado pelo biólogo Osny Pereira Filho e pela
Engenheira Química Josélia Brito Serber, afirma:

conforme preconiza a legislação ambiental, a APP é destinada a preservação


independente da tipologia vegetal existente, discordando-se de qualquer
proposta de degradação e ocupação destas áreas. Informa-se ainda que não
houve a apresentação de quantificação e da localização dos trechos
impactados. Em relação a qualificação do impacto como de Baixa Magnitude,
informa-se total discordância, visto que as APPs são de preservação
permanente e sua supressão implicará na redução de habitats de flora e
fauna de forma permanente, recomendando-se adequação do projeto para
210
não interferência.
E, nas considerações finais, “informa-se que a proposta de implantação da
Usina Siderúrgica necessita de adequação em relação a preservação do manguezal
existente ao longo do Canal de São Fernando, bem como alteração no traçado da
ponte de ligação com o terminal portuário, transferindo-se o mesmo para um local

208
FUNDAÇÃO ESTADUAL DE ENGENHARIA DO MEIO AMBIENTE (RJ), 2006b, p. 3-5.
FUNDAÇÃO ESTADUAL DE ENGENHARIA DO MEIO AMBIENTE (RJ), 2006a, p. 08.
209
A Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva – Núcleo Angra dos Reis, por meio da Portaria 555/06,
instaurou Inquérito Civil com o objetivo de apurar os danos ambientais a serem produzidos no
Município de Mangaratiba, decorrentes da instalação da CSA e o Terminal Portuário Centro Atlântico.
Por outro lado, também no âmbito do Ministério Público Estadual, a 3ª Promotoria de Justiça de
Tutela Coletiva – Meio Ambiente da Capital, por meio da Portaria IC 66/2006, determinou a
instauração de Inquérito Civil para apuração de fatos relacionados à implantação da Usina.
210
Ministério Público Estadual, em um documento denominado de Justificativa de Audiência Pública,
referente ao processo MPRJ 2005.001.52122.00, de 20 de dezembro de 2005, assinado pelo biólogo
Osny Pereira Filho e pela Engenheira Química Josélia Brito Serber, p. 18.
96

que não implique na supressão da vegetação e conseqüentemente a não separação


do bosque em dois fragmentos”.211

Consta na Ata da 374ª reunião da Câmara de Licenciamento e Fiscalização


da CECA a seguinte decisão:

Presentes na apresentação a Secretária de Estado de Meio Ambiente e


Desenvolvimento Urbano Ângela Nóbrega Fonti e a Presidente da FEEMA
Isaura Fraga, a CECA toma conhecimento dos processos E-07/200.751/2005
e E-07/202.952/2005, da Companhia Siderúrgica do Atlântico – CSA: a vista
do contido nos referidos processos, em especial o parecer da FEEMA, às fls.
467-496 do processo E-07/202.952/2005, a manifestação do advogado da
empresa Dr. Paulo Bessa, às fls. 422-444 do mesmo processo, e da
Resolução CONAMA 369/06, a CECA decide solicitar manifestação da
ASJUR/SEMADUR, visada pelo Procurador Geral do Estado, para subsidiar
sua decisão quanto à emissão da LP.
Ou seja, até o momento da manifestação da CECA não havia sido elaborada
análise jurídica do processo a respeito da possibilidade de utilização das áreas de
preservação permanente, existindo um parecer do advogado da empresa, Dr. Paulo
de Bessa Antunes, que conclui pela possibilidade de Deliberação da CECA
reconhecer o terminal portuário privado em questão como sendo de utilidade
pública, para fins de enquadramento no artigo 2º, I, c da Resolução CONAMA
369/2006.

Diante da manifestação da CECA, foi solicitada manifestação da assessoria


jurídica da Secretaria de Meio Ambiente, que emitiu o Parecer ALGAPP
21/ASJUR/SEMADUR, de lavra da Procuradora do Estado Anna Luiza Gayoso
Prisco Paraíso, e aprovado pelo Procurador Geral do Estado, com a seguinte
ementa:

Supressão de vegetação de APP em obras de terminal portuário.


Possibilidade. Caracterizada as obras como essenciais ao serviço público de
transportes, portanto de utilidade pública por determinação da Lei 4.771/1965
(Código Florestal). Desnecessidade de declaração de utilidade pública pelo
Poder Executivo Estadual. Observância do artigo 4º do Código Florestal e
Resolução CONAMA 369, de 28/03/2006 do CONAMA.
No entanto, mesmo diante desta opinião jurídica emanada pela Procuradoria
Geral do Estado, foi editado o Decreto estadual 40.459, de 22 de setembro de 2006,
que considera de utilidade pública as obras essências de infra-estrutura destinadas
à construção do Complexo da TKCSA, para fins do disposto no Código Florestal.
Importa destacar os fundamentos da expedição deste Decreto:

211
Ministério Público Estadual, em um documento denominado de Justificativa de Audiência Pública,
referente ao processo MPRJ 2005.001.52122.00, de 20 de dezembro de 2005, assinado pelo biólogo
Osny Pereira Filho e pela Engenheira Química Josélia Brito Serber, p. 18.
97

Considerando a importância do Complexo Siderúrgico da Companhia


Siderúrgica do Atlântico – CSA, que representará um efeito multiplicador na
economia e na receita tributária em função do elevado porte das operações
industriais e comerciais dos empreendimentos, além da geração de milhares
de empregos diretos e indiretos no território fluminense;
Considerando a manifestação do povo fluminense, por meio de seus
representantes na Assembléia Legislativa, contida na Lei 4.529, de 31 de
212
março de 2005;
Considerando que a Agência Nacional dos Transportes Aquaviários – ANTAQ
– autorizou a CSA a construir e explorar um terminal portuário no imóvel onde
será instalado o complexo;
Considerando que foram concedidas a Autorização IEF/RJ 17/2006 de
05/09/06 e as Licenças de Instalação FE011695 e FE011733 autorizando a
realização das obras de dragagem, o aterro hidráulico, a implantação do
terminal portuário e a implantação da própria Usina Siderúrgica, abergando
todo o Complexo Siderúrgico;
Considerando o disposto nas alíneas ´b´, ´c´, ´d´ e ´f´ do inciso XII do
parágrafo 2º do artigo 1º da Lei 4.771/1965;
Considerando as atribuições inerentes à direção superior da administração
estadual.
Ao que parece, o objetivo da edição do decreto foi conferir segurança jurídica
à concessão da licença ambiental e da autorização para intervenção em áreas de
preservação permanente. No entanto, não foram localizadas as discussões sobre a
inexistência de alternativa locacional que poderia fundamentar a intervenção em
213
APP, com base na legislação em vigor.

3.3.7 A alteração do Zoneamento Industrial Metropolitano pelo Estado para


possibilitar a instalação da empresa

A promoção do adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e


controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano é uma das
competências constitucionais dos municípios (art. 30, VIII da Constituição Federal).

212
A Lei estadual 4.529/2005 aprova “o enquadramento das sociedades CSA COMPANHIA
SIDERÚRGICA DO ATLÂNTICO, THYSSENKRUPP STAHL A. G e COMPANHIA VALE DO RIO
DOCE e das sociedades integrantes do Complexo Siderúrgico, das quais elas participem, ainda que
minoritariamente, no PROGRAMA DE ATRAÇÃO DE INVESTIMENTOS ESTRUTURANTES -
RIOINVEST, instituído pelo Decreto nº 23.012, de 25 de março de 1997, e suas posteriores
alterações, para utilizar os recursos do Fundo de Desenvolvimento Econômico e Social - FUNDES,
para a construção e operação de um Complexo Siderúrgico no Estado do Rio de Janeiro” (artigo 1º).
213
Em que pese ter obtido autorização para intervenção em área de preservação permanente, a
empresa foi autuada pelo IBAMA e pelo extinto IEF/RJ por suprimir vegetação sem autorização. No
caso do IBAMA, a multa aplicada foi de R$ 100 mil, pela supressão não autorizada de dois
quilômetros quadrados de manguezal próximo à ponte que liga o porto ao terreno da usina. O IEF/RJ
autuou a empresa o auto de constatação do IEF nº 2503/07 lavrado em face da CSA pela supressão
23, 2 ha (aproximadamente) de vegetação em área de preservação permanente sem licença e de 2,9
ha (aproximadamente) de vegetação nativa de mata atlântica sem licença.
98

Em consonância com tal determinação constitucional, a Resolução CONAMA 237/97


exige que, no procedimento de licenciamento ambiental, conste “a certidão da
Prefeitura Municipal, declarando que o local e o tipo de empreendimento ou
atividade estão em conformidade com a legislação aplicável ao uso e ocupação do
solo” (artigo 10, § 1º). A atuação do órgão competente para análise do pedido de
licença ambiental, depende, assim, da apresentação da declaração de conformidade
do empreendimento com o zoneamento municipal a ser expedido pela Prefeitura.

A empresa, contudo, apresentou uma solicitação de que acolhimento de seu


pedido de licença prévia mesmo sem a mencionada Certidão, com base nos
seguintes argumentos: “A CSA tem pleno conhecimento de que a área é de uso
predominante industrial e para tanto está solicitando à Prefeitura a certidão” e que
está “ciente de que a conclusão da análise técnica do processo de licenciamento e
da conseqüente emissão da licença estão condicionados ao recebimento da referida
certidão”. O pedido foi protocolado e aceito no mesmo dia 23 de março de 2005.214

No presente caso, o empreendimento ainda necessitava adequar-se ao


Zoneamento Industrial Metropolitano ao Zoneamento Municipal vigente, tendo a
Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico iniciado, em 16 de setembro
de 2005, os procedimentos necessários para este objetivo em relação “aos terrenos
necessários à implantação da Companhia Siderúrgica do Atlântico”.215

A mudança refere-se à Lei estadual 466, de 21 de outubro de 1981, que


dispõe sobre o Zoneamento Industrial na Região Metropolitana do Rio de Janeiro,
que, em seu artigo 1º, define zona de uso estritamente industrial (ZEI) e zona de uso
predominantemente industrial (ZUPI) nos seguintes termos:

I – zonas de uso estritamente industrial (ZEI): destinadas, preferencialmente,


à localização de estabelecimentos industriais cujos resíduos sólidos, líquidos
e gasosos, ruídos, vibrações, emanações e radiações possam causar perigo
à saúde, ao bem-estar e à segurança das populações, mesmo depois da
aplicação de métodos adequados de controle de tratamento de efluentes, nos
termos da legislação vigente
II – zonas de uso predominantemente industrial (ZUPI): destinadas,
preferencialmente, à instalação de indústrias cujos processos, submetidos a
métodos adequados de controle e tratamento de efluentes, não causem
incômodos sensíveis às demais atividades urbanas e nem perturbem o
repouso noturno das populações

214
A informação consta do processo E-07/200.751/2005, às fls. 48.
215
Estas informações estão inseridas no processo de licenciamento ambiental da usina (E-
07/200.751/2005), mas referem-se ao procedimento que tramitou na Secretaria de Estado de
Desenvolvimento Econômico (E-11/752/2005)
99

A alteração de zoneamento da área utilizada pela TKCSA seria de ZUPI para


ZEI, com a conseqüente alteração do uso do solo do local. Verifica-se que a
principal diferença entre tais zonas é a possibilidade de causar perigo à saúde, ao
bem-estar e à segurança das populações, mesmo depois da aplicação de métodos
adequados de controle de tratamento de efluentes, presente na ZEI, que não se
encontra na ZUPI. Ao contrário, na ZUPI exige-se que as indústrias não causem
incômodos sensíveis às demais atividades urbanas e nem perturbem o repouso
noturno das populações.

No âmbito de análise da Secretaria Municipal de Urbanismo, o arquiteto


responsável pela análise técnica destaca que se trata de “área predominantemente
livre, cujos confrontantes são a Baía de Sepetiba, o Canal de São Francisco, o Rio
Guandu e a antiga Estrada do Aterrado de Itaguaí até a Avenida João XXIII”, que
“próximo ao local, no Distrito Industrial de Santa Cruz, encontram-se as empresas
FURNAS S.A., COSIGUA, GERDAU, AGA, entre outras, todas com acesso pela Rio-
Santos” e que “ao longo da Av. João XXIII, em área próxima ao local, há uma
ocupação onde predominam edificações residenciais e comerciais, de baixo padrão
construtivo”.216

No entanto, na Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico, após


análises, conclui-se pela necessidade de edição de um decreto estadual, alterando a
área em que se pretende implantar a TKCSA, sem discutir as questões técnicas
relativas aos possíveis incômodos às demais atividades urbanas e à população.217
Neste sentido, ao analisar a questão, a então Presidente da FEEMA manifesta-se:
“Não foi apresentado nenhum estudo técnico para que esta Fundação fizesse
análise dos impactos ambientais, decorrentes da mudança de zoneamento. Cabe
ressaltar que, para o Município do Rio de Janeiro, esta área já é considerada Zona

216
A análise foi elaborada pelo arquiteto Marcelo da Silva da Fonseca, da 5ª Gerência de Planos
Locais da Secretaria Municipal de Urbanismo. O documento consta do processo administrativo E-
07/200.751/05, às fls. 443-444. No âmbito do Município do Rio de Janeiro, conclui-se pela
desnecessidade de alteração da legislação municipal, tendo em vista a prevalência do Zoneamento
Municipal, que classifica a área como Zona Industrial II, que admite usos industriais com
característica nociva, perigosa ou incômoda, em edificação de uso exclusivo, compatível com o
empreendimento proposto.
217
Importa mencionar que, no âmbito das assessorias jurídicas, ao qual na maior parte do tempo a
discussão ficou restrita, o parecer da Assessoria Jurídica do Gabinete Civil ressalta a necessidade de
informações sobre a elaboração de EIA/RIMA, tal como determina a legislação, bem como destaca a
existência de um acordo de reassentamento de famílias que se encontram no local e a previsão de
uma área de preservação ambiental. Parecer constante às fls. 21-22 do Processo E-11/752/05, de
lavra de Wilde da Silva Navarro, de 13 de outubro de 2005.
100

Industrial II, ‘onde são adequadas os usos industriais com característica nociva,
perigosa ou incômoda, em edificação de uso exclusivo’, conforme exposto no ofício
da Secretaria Municipal de Urbanismo’”.218

Diante disso, foi editado o Decreto estadual 38.753, de 24 de janeiro de 2006,


altera a descrição do ZEI do Distrito Industrial de Santa Cruz.

Não constam informações sobre estudos técnicos acerca da possibilidade de


causar perigo à saúde, ao bem-estar e à segurança das populações, mesmo depois
da aplicação de métodos adequados de controle de tratamento de efluentes,
presente na ZEI, que não se encontra na ZUPI. Ao contrário, na ZUPI exige-se que
as indústrias não causem incômodos sensíveis às demais atividades urbanas e nem
perturbem o repouso noturno das populações. A alteração, ao que consta no
processo, foi necessária para possibilitar a instalação da empresa, mas não se
baseou em informações técnicas. Pelo processo, o que se teve foi um mero trâmite
burocrático que envolveu a alteração do decreto estadual.

3.3.8 A participação da sociedade e do Ministério Público no procedimento de


licenciamento prévio da TKCSA

A audiência pública no processo de licenciamento do terminal portuário,


dragagem e aterro foi solicitada pelo Município de Itaguaí, pela Câmara Municipal de
Mangaratiba, pelo Conselho Municipal de Urbanismo e Meio Ambiente de Angra dos
Reis (CMUMA), pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, pela
Associação Permanente de Entidades em Defesa do Meio Ambiente (APEDEMA).
Alguns entidades manifestaram-se antes da realização da audiência pública com
comentários e dúvidas acerca do EIA/RIMA, tais como Conselho Regional de
Arquitetura e Engenharia e APEDEMA. Constam, ainda, solicitações de realização
de reuniões elaboradas pela Comissão Executiva Pró-Revitalização da Baía de
Sepetiba, por meio de Paulo Roberto Duque Estrada Rezener.

As audiências públicas foram realizadas para discutir a usina siderúrgica e o


terminal portuário em Santa Cruz, Rio de Janeiro/RJ, no Centro do Município de
Itaguaí/RJ e no bairro de Muriqui, em Mangaratiba/RJ.

218
A manifestação consta do processo administrativo E-07/200.751/05, às fls. 466.
101

O Ministério Público Estadual emitiu uma nota de esclarecimento informando


os motivos de sua decisão de não comparecimento na audiência pública que seria
realizada no Município de Mangaratiba, especialmente diante do fato de estar se
reunindo com o empreendedor discutindo alterações no projeto e, por isso, não faria
sentido participar de um audiência sobre um projeto não definitivo.219

Após a realização das audiências públicas, algumas entidades manifestaram-


se sobre o projeto ou condições que deveriam ser impostas ao empreendedor,
dentre os quais destacam-se:

- o Conselho Público-Privado de Desenvolvimento Econômico e Social do Entorno


do Porto de Sepetiba (CONDEPORTS) apresentou as condições necessárias para
seu apoio ao projeto, incluindo o acompanhamento das atividades de dragagem do
Canal pela sociedade e o atendimento de todas as normas técnicas aplicáveis ao
caso;

- a Câmara Municipal de Mangaratiba reivindica da TKCSA um seguro de “R$


50.000.000,00 (cinqüenta milhões de reais) depositados em uma conta, de acordo
com orientação do Ministério Público, para que, se houver algum acidente ambiental,
o município já tenha uma segurança que poderá não deixar impacto ao meio
ambiente”, bem como um seguro direcionado aos pescadores e criadores de ostras
e mexilhões, além de outras medidas consideradas como ‘contrapartida’ ambiental
(construção de estação de tratamento de esgoto, convênio com a Faculdade
Machado de Assis e ajuda a determinadas organizações não-governamentais
envolvidas na despoluição do mangue e criação de mexilhões e ostras na Baía de
Sepetiba.

Nota-se, no processo de licenciamento ambiental do terminal portuário, que a


empresa encaminha informações do que foi denominado como “diálogo social
implementado pela CSA”, comunicando que “as reuniões já envolveram a
participação de 204 pessoas, representando 318 comunidades ou organizações
identificadas, o que nos tem permitido conhecer as questões e preocupações mais

219
Os motivos expressos para a decisão de não adiamento das audiências públicas tomada pela
CECA são, além do atendimento da legislação sobre convocação de audiências públicas e adoção
das medidas relativas à divulgação dos eventos, no fato de tratar-se “de investimento que demanda
rigor quanto ao cronograma físico-financeiro, investimento este que, certamente, acarretará
crescimento econômico para o Estado do Rio de Janeiro”. Ofício CECA 099/2006, de 11 de maio de
2006, enviado pelo Presidente da CECA, Sr. José Paulo Junqueira Lopes, à Promotoria de Justiça de
Tutela Coletiva de Angra dos Reis.
102

significativas daquelas comunidades e aperfeiçoar, com o objetivo de construir uma


relação duradoura e comprometida com a responsabilidade social”.220

O Parecer Técnico de Licença Prévia 856/06, emitido no processo E-


07/200.751/05, referente à usina siderúrgica, não menciona expressamente as
considerações feitas nas audiências públicas ou nas manifestações encaminhadas
posteriormente. Diante disso, não há como se concluir se foram, ou não, avaliadas
tais considerações pelos técnicos do órgão ambiental estadual.

O Parecer Técnico de Licença Prévia 026/06, referente ao terminal portuário,


inclui, como fundamentos de suas conclusões, que “o Ministério Publico do Estado
do Rio de Janeiro e o Ministério Público Federal não encaminharam à FEEMA
qualquer manifestação”, que “em atendimento a solicitação da FEEMA quando da
realização da Audiência pública, foi apresentada avaliação comparativa para o
traçado da ponte de ligação entre a área terrestre e o Píer de Atracação do
Terminal” e “que de acordo com a avaliação apresentada a proposta técnica menos
impactante é aquela inicialmente prevista e detalhadamente avaliada no EIA/RIMA”.
No entanto, não constam outras respostas diretas a questionamentos apresentados
nas audiências públicas, ou em decorrência destas.

O Ministério Público produziu laudos e pareceres técnicos a respeito do


empreendimento e dos estudos ambientais produzidos pelos empreendedores,
alguns com sugestões e recomendações acerca da necessidade de
221
esclarecimentos, que foram atendidos pelo empreendedor. No entanto, deve-se
notar que, em 19 de junho de 2006, foi elaborado um Parecer Técnico pelo Grupo de
Apoio Técnico (GATE) que analisa os esclarecimentos apresentados pela empresa,
tendo sido identificados os pontos divergentes.222 Como visto acima, as licenças
prévias foram expedidas ainda no mês de junho de 2006 e não se tem notícia da

220
Ofício da TKCSA dirigido à FEEMA, de 06 de abril de 2006, assinado pelo Sr. Ricardo Brito, e
constante às fls. 290 do processo administrativo E-07/202.952/2006.
221
Em atenção aos pareceres técnicos elaborados pelo Grupo de Apoio Técnico (GATE) relativos às
análises dos EIAs da Usina e do Terminal Portuário do Centro Atlântico, assinados pela engenheira
química Josélia B. Serber, pelo biólogo Osny Pereira Filho e pelo químico industrial Gilson Ozéas
Dias, de 07 de abril de 2006, a empresa apresentou respostas e esclarecimentos ao Ministério
Público Estadual em 03 de maio de 2006. Informações constantes no processo MPRJ
2005.001.52122.00, às fls. 27-59 e 63-121.
222
Parecer técnico assinado pela engenheira química Josélia B. Serber, pelo biólogo Osny Pereira
Filho, pelo químico industrial Gilson Ozéas Dias e pelo arquiteto Jorge Antonio Martins, de 19 de
junho de 2006. Informações constantes no processo MPRJ 2005.001.52122.00, às fls. 252-261.
103

propositura de ação judicial pelo Ministério Público questionando a legalidade do


processo conduzido pelo órgão ambiental estadual.

No presente caso, não resta claro se o mesmo considerou, ao final de suas


análises, que o licenciamento ambiental atendeu a todos os preceitos legais ou, ao
contrário, se corroborou com os laudos produzidos em seu procedimento, já que não
houve questionamentos judiciais em relação à licença ambiental prévia, bem como
não foram atendidos seus pleitos no âmbito administrativo.

A respeito das audiências públicas, o próprio INEA apresenta um


posicionamento crítico em relação à pouca eficiência em seu objetivo de possibilitar
a participação da sociedade. A Diretoria de Licenciamento Ambiental do INEA
informou que estão sendo realizados estudos para reformular as normas sobre
audiência pública223 e que:

Infelizmente, nos últimos anos, as audiências públicas realizadas em nosso


estado não têm cumprido o seu relevante papel que é de esclarecimento,
transparência e participação social, já que muitas vezes tem sido interpelada
por grupos de interesses distintos que não permitem que as audiências
transcorram de forma civilizada, o que não significa dizer que elas ‘serviriam
apenas para referendar a implementação já definida da obra224
Importante destacar um conceito cada vez mais relevante, relacionado ao
assentimento das comunidades envolvidas ao empreendimento proposto,
denominado de licenciamento social. Ao analisar esta proposição, no âmbito dos
autores que trabalham a gestão empresarial do ‘risco social’, ACSELRAD e PINTO
manifestam-se:

o ‘licenciamento social’ não integraria, pois, uma suposta dinâmica de


democratização dos processos de decisão relativos aos projetos da
monocultura, mas, sim, a formalização das vias materiais de obtenção do
consentimento pelo investimento de partes (mais ou menos “residuais”) dos
rendimentos das empresas na construção “da auto-estima” das populações
afetadas.225
As empresas, assim, não estariam buscando apenas a licença ambiental, mas
igualmente uma licença social, por meio da construção de uma aceitação unânime
da população interessada, obtida por meio de negociações e que representaria a
ausência de obstáculos à realização do empreendimento.

223
Neste sentido, foi editada a Resolução CONEMA 35, de 15 de agosto de 2011, com as normas
sobre audiências públicas no âmbito do licenciamento ambiental estadual.
224
JUNIA, 2011.
225
ACSELRAD; PINTO 2009, p. 58.
104

Neste contexto, a licença ambiental corresponde à legalidade da construção e


operação da atividade, por meio da qual se atende ao que determina a legislação. O
que se tem buscado é algo além da legalidade, que se configura pela legitimidade
da atividade, que corresponde a uma aceitação, espontânea ou induzida, que
diminui os riscos de questionamentos por parte da população.

No entanto, deve-se ressaltar que a participação da sociedade nos processos


de licenciamento ambiental garante que a decisão considere interesses que sequer
podem ter sido levantados pelos estudos realizados pela empresa, levando a
necessidade, inclusive, de se elaborar análises complementares para subsidiar o
procedimento de licenciamento.

3.3.9 Os valores pagos a título de compensação ambiental e os reflexos na


decisão sobre a licença ambiental

No caso de grandes empreendimentos, como é o caso da TKCSA, os valores


pagos à título de compensação ambiental são elevados e, comumente, destacados
como um dos benefícios que serão alcançados pela sua implantação. No
procedimento da TKCSA, inclusive, um ofício da Fundação Instituto Estadual de
Florestas (IEF/RJ), encaminhado à FEEMA em 06 de abril de 2006, e assinado pelo
seu então Presidente Maurício Lobo, com cópia para a Secretária de Meio Ambiente
do Município do Rio de Janeiro e Presidente da CECA, solicita a agilização dos
procedimentos de licenciamento ambiental da TKCSA, tendo em vista a “importância
socioeconômica para o Estado do Rio de Janeiro dos empreendimentos da
empresa”.

Ambas licenças apresentam, dentre as suas condicionantes, a de “apresentar


proposta de aplicação do valor de 0,5% do total do investimento do empreendimento
em medidas compensatórias, a ser apresentada à Secretaria de Estado de Meio
Ambiente e Desenvolvimento Urbano, antes da concessão da licença de instalação,
conforme determina a Lei 9985/00 e a Resolução CONAMA 371/06” (condição de
validade 07).

Em 19 de dezembro de 2007, foi celebrado um termo de compromisso de


compensação ambiental entre o Estado do Rio de Janeiro, FEEMA, ThyssenKrupp
CSA Companhia Siderúrgica, com o objetivo de estabelecer, como medida de
105

compensação ambiental prevista no artigo 36 da Lei federal 9.985/2000,


especificamente investimentos em unidades de conservação ambiental, a serem
definidos pela Câmara de Compensação Ambiental, o valor de R$ 36.040.865,00
(trinta e seis milhões, quarenta mil, oitocentos e sessenta e cinco reais), que
corresponde ao percentual de 0,5% do somatório dos investimentos da licenças de
instalação da usina e do terminal portuário.

Importa destacar que, de acordo com informações fornecidas pela Secretaria


de Estado do Ambiente,226 a receita anual estimada do Fundo Estadual de
Conservação Ambiental e Desenvolvimento Urbano (FECAM), que é “destinado à
implementação de programas e projetos de recuperação e preservação do meio
ambiente” (artigo 263 da Constituição do Estado do Rio de Janeiro) é de R$ 300
milhões, o que indica a expressividade dos recursos pagos pela TKCSA à título de
compensação ambiental da Lei do SNUC.

O que se tem visto, atualmente, é que a compensação ambiental da Lei do


Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza virou um argumento de
reforço para a concessão de licenças ambientais, pois os órgãos ambientais
dependem de tais recursos para efetuar determinadas políticas, como a
regularização fundiária de unidades de conservação da natureza.

226
Informação obtida em http://www.rj.gov.br/web/sea/exibeConteudo?article-id=163728. Acesso em:
13 out. 2011.
106

CONCLUSÃO

A análise do procedimento de licenciamento ambiental prévio permite


identificar uma situação em que a legislação foi modificada para permitir a
implantação do Complexo Siderúrgico da TKCSA, a saber, a alteração do
zoneamento industrial estadual. Não se tratou de uma reavaliação global e em
profundidade sobre as condições de ocupação com vistas a uma melhor
racionalização do espaço local, e, em particular, de suas condições ambientais; mas
tratou-se de uma revisão casuística do zoneamento. A alteração proposta
direcionou-se, diretamente, à instalação da TKCSA no local, sem que tenham sido
realizados estudos, ao menos no âmbito do processo em curso na Secretaria de
Estado de Desenvolvimento Econômico, sobre possibilidade de a atividade causar
perigo à saúde, ao bem-estar e à segurança das populações, mesmo depois da
aplicação de métodos adequados de controle de tratamento de efluentes – fator que
difere a ZEI da ZUPI.

Conforme analisado na experiência de São Luís, foi na alteração das normas


que tratam do zoneamento municipal que a ampla participação da sociedade
possibilitou um debate sobre o pólo siderúrgico proposto, o que resultou na alteração
do projeto apresentado. No caso estudado, ao contrário, a legislação foi alterada,
por meio de Decreto, sem a realização de qualquer debate, que não era exigido por
lei, mas tampouco não foram elaborados estudos técnicos que pudessem embasar a
decisão.

Identificou-se, ainda, a edição de um decreto que possibilitou a intervenção


em área de preservação permanente presente no local, enquadrando todo o
Complexo Siderúrgico da TKCSA como sendo de utilidade pública para fins de
atendimento ao artigo 4º do Código Florestal (Lei Federal 4.771/1965). Dentre os
fundamentos da edição do Decreto, destacam-se o de caráter econômico, que
considera a “importância do Complexo Siderúrgico da Companhia Siderúrgica do
Atlântico – CSA, que representará um efeito multiplicador na economia e na receita
tributária em função do elevado porte das operações industriais e comerciais dos
empreendimentos, além da geração de milhares de empregos diretos e indiretos no
território fluminense, e o de legitimação social, que considera “a manifestação do
povo fluminense, por meio de seus representantes na Assembléia Legislativa,
contida na Lei 4.529, de 31 de março de 2005”. Igualmente neste tópico, o Decreto
107

estadual foi editado sem que tivessem sido realizados os estudos técnicos sobre a
inexistência de alternativa locacional.

Por outro lado, verificam-se deficiências nos estudos apresentados pela


empresa, que não foram devidamente apontados pelo órgão ambiental competente,
e que foram cada vez mais evidenciados com a instalação e operação da planta
industrial em questão. Nota-se que o procedimento foi célere, tendo em vista a
complexidade do empreendimento em questão, o que pode denotar a pressão pela
concessão da licença ambiental, tantas vezes evidenciada em notícias veiculadas na
mídia.

Com relação aos impactos no meio socioeconômico, a análise técnica do


órgão ambiental foi bastante superficial, sem alcançar, sequer, as poucas questões
levantadas nos Estudos Prévios de Impacto Ambiental da usina siderúrgica e do
terminal portuário. As propostas de medidas mitigadoras aprovadas referem-se,
basicamente, à apresentação de programas de comunicação social, sem concluir a
respeito dos impactos a serem gerados pelas comunidades, inclusive em relação
aos pescadores, que mereceram atenção especial nos diagnósticos realizados pelas
consultorias.

As questões relativas à apresentação de alternativas locacionais e hipótese


de não realização do empreendimento, não foram analisadas pelo órgão ambiental,
que discutiu apenas as alternativas tecnológicas, que não foram destacadas nesta
Dissertação por não se relacionarem com seu objeto de análise. O EIA apenas
apresenta fatores econômicos que são considerados para a decisão da empresa, o
que representa igual cenário da década de 1970, quando as primeiras indústrias
instalaram-se na zona industrial de Santa Cruz.

Não se verificou, ainda, que os debates ocorridos nas audiências públicas


tenham sido considerados pelo órgão ambiental, em que pese algumas respostas
apresentadas pela empresa por meio de comentários e constem nos processos
administrativos de licenciamento ambiental.

E, ainda, fato igualmente grave, refere-se aos impactos da atividade que não
foram sequer cogitados nos estudos, relacionados à poluição do ar e sonora
causadas durante a operação da empresa, bem como nas situações de emergência,
que, no período de menos de um ano ocorreram duas vezes.
108

Pode-se até mesmo questionar se a licença ambiental prévia, com objetivo de


atestar a viabilidade ambiental da atividade, cumpriu sua função. Como se verificou
ao longo desta Dissertação, a instalação e a operação da empresa vem indicando
fatores não considerados no licenciamento ambiental, tal como a deficiência técnica
no projeto apresentado, a desconsideração dos impactos na população local pela
produção do ar e sonora, a possibilidade de ocorrência de emergência com a
geração do que se tem denominado de poeira prateada, os impactos negativos
ocasionados nas atividades dos pescadores artesanais e agricultores, dentre outros.

Neste sentido, no presente caso, os conceitos da legislação, inclusive em


relação à deficiência nas análises dos estudos apresentados pela empresa,
tenderiam à uma manifestação desfavorável do pedido de licença ambiental prévia –
ou ao menos exigiriam uma análise mais detida com base em estudos mais
profundos. A alteração formal da legislação e a interpretação de certos conceitos
constantes nas normas conduzem para a racionalidade econômica de incentivo às
atividades industriais, expresso nas manifestações públicas de apoio dos chefes dos
Poderes Executivos federal, estadual e municipal, em detrimento de uma análise
consistente da viabilidade ambiental do projeto.

Evidencia-se, nestes casos, a existência de uma decisão política prévia à


análise dos impactos ambientais: a edição de decretos que possibilitaram a
concessão da licença ambiental pelo Estado, a celeridade com que as análises
foram conduzidas, os financiamentos estatais e isenções concedidos à empresa,
dentre outros, sugerem a vigência de pressões políticas para viabilizar a aprovação
do projeto.

Esta decisão política sobre as formas de utilização dos recursos naturais, que
afetam diretamente a qualidade de vida das pessoas e, em alguns casos, a
possibilidade de assegurar continuidade de certos meios de vida, como no caso de
pescadores, não se encontra no âmbito do licenciamento ambiental, mas é tomada,
anteriormente, pelos agentes políticos e econômicos dotados de força particular no
processo. O agravante desta constatação é que apenas no curso do licenciamento,
como visto, foram instaurados fóruns para a participação direta dos interessados no
debate sobre o empreendimento.

Sendo uma decisão anterior, o licenciamento ambiental ocupa-se, em regra,


com o estabelecimento das condições em que o empreendimento ou atividade deve
109

ser desenvolvido, inclusive em relação às medidas mitigadoras, e, ainda, da


definição das medidas compensatórias à sua instalação. No curso do licenciamento
– e demais procedimentos relacionados – a legislação ambiental não logra funcionar
como um impeditivo, apesar da proteção ao meio ambiente ser pela lei um dever, ao
desenvolvimento do empreendimento proposto, devendo, assim, ser ‘contornada’
para que a licença ambiental seja concedida atendendo-se a todas as normas
vigentes.

Não se vislumbra, ao contrário, que a licença seja concedida em afronta à


legislação ambiental, sob pena de ajuizamentos de ações que possam impedir a
continuidade do empreendimento e, ainda, a responsabilização dos servidores
públicos pela prática de um ato ilegal. No entanto, percebe-se, em alguns casos,
que a legislação ambiental é alterada, manejada ou flexibilizada para permitir que a
licença ambiental seja concedida, atendendo-se a todas as normas ambientais do
País. Neste sentido são as lições de Derani:

“a decisão, ao final do processo de qualquer Avaliação de Impacto Ambiental,


é um posicionamento político, juridicamente orientado. Esta uma questão de
escolha política do presente, dentro da qual o conhecimento científico, que no
decorrer de todo o processo desempenhou sua função de prima-dona, cede e
assume um papel secundário, na conclusão deste levantamento. Na
realidade, termina por ser toda a ciência suporte de decisões políticas, que,
por sua vez, num Estado Democrático de Direito, curvam-se às orientações e
227
limites expressos pelo Direito”.
Embora surgida em um cenário de contradição, as normas ambientais
orientam-se para a finalidade de proteção do meio ambiente ecologicamente
equilibrado. A omissão do Poder Público na adoção de critérios socioambientais
para a definição de suas ações contraria o dever constitucional de proteção do meio
ambiente, o conceito de democracia ambiental e das próprias normas ambientais
cuja aplicação deve ser orientada para alcançar a melhor proteção.

Não parece difícil de entender, mas sim distante da prática, que a aplicação
das normas ambientais deva ser voltada para a proteção do meio ambiente
ecologicamente sustentável, para a preservação de vida digna e pelo uso
democrático dos recursos naturais. No entanto, muitas vezes, a prática parece
conduzir à percepção de que a aplicação de tais normas é um exercício para
alcançar a interpretação jurídica que possibilite a realização de determinadas
atividades ou empresas.

227
DERANI, 2008, p.161.
110

O estímulo à participação social ao longo de todos os procedimentos que


envolvem a decisão de instalação de um grande projeto, desde a alteração do
zoneamento, à concessão de financiamentos públicos e isenções fiscais, ao
licenciamento ambiental, é o caminho previsto para que se considere não somente
os interesses dos grandes grupos econômicos, mas igualmente dos demais
interessados na utilização do território. Em que pese a evidente necessidade de
aprimoramento dos institutos previstos na legislação, que devem ser utilizados para
alcançar as finalidades previstas, sob pena de nulidade, o debate público e
transparente sobre as escolhas a serem feitas tende a diminuir as chances de as
decisões aprofundarem as desigualdades sociais, gerando zonas de exclusão e
concentrando os usos sujos em determinados locais, tal como historicamente
ocorrido em Santa Cruz.
111

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WOLKMER, Antonio Carlos. Pluralismo jurídico. Fundamentos de uma nova


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ANEXO

IMAGEM 1

fonte: ECOLOGUS ENGENHARIA CONSULTIVA. Relatório de Impacto ao Meio Ambiente (RIMA)


do Complexo Portuário da CSA, integrante do Complexo Siderúrgico CSA, p. 37.

DESCRIÇÃO: Vista aérea do terreno da TKCSA.


122

IMAGEM 2

fonte: ECOLOGUS ENGENHARIA CONSULTIVA. Relatório de Impacto ao Meio Ambiente (RIMA) do


Complexo Portuário da CSA, integrante do Complexo Siderúrgico CSA, p. 4.

DESCRIÇÃO: Mapa com a localização e acessos ao empreendimento.


123

IMAGEM 3

fonte: ECOLOGUS ENGENHARIA CONSULTIVA. Relatório de Impacto ao Meio Ambiente (RIMA) do


Complexo Portuário da CSA, integrante do Complexo Siderúrgico CSA, p. 8.

DESCRIÇÃO: Imagem do terreno antes da instalação da TKCSA, descrito da


seguinte forma no estudo elaborado pela empresa: “Vista do terreno, onde pode ser
observado a topografia plana com áreas baixas sujeitas a alagamentos.”.
124

IMAGEM 4

fonte: ECOLOGUS ENGENHARIA CONSULTIVA. Relatório de Impacto ao Meio Ambiente (RIMA) do


Complexo Portuário da CSA, integrante do Complexo Siderúrgico CSA, p. 107.

DESCRIÇÃO: A ocupação do território na região, com a identificação das principais


empresas.
125

IMAGEM 5

fonte: ECOLOGUS ENGENHARIA CONSULTIVA. Relatório de Impacto ao Meio Ambiente (RIMA) do


Complexo Portuário da CSA, integrante do Complexo Siderúrgico CSA, p. 110.

DESCRIÇÃO: Acampamento do Movimento dos Sem Terras (MST) no interior do


terreno onde foi construída a empresa.
126

IMAGEM 6

fonte: ECOLOGUS ENGENHARIA CONSULTIVA. Relatório de Impacto ao Meio Ambiente (RIMA) do


Complexo Portuário da CSA, integrante do Complexo Siderúrgico CSA, p. 110.

DESCRIÇÃO: Atividades agrícolas desenvolvidas por moradores no local,


anteriormente à instalação da TKCSA
127

IMAGEM 7

fonte: ECOLOGUS ENGENHARIA CONSULTIVA. Relatório de Impacto ao Meio Ambiente (RIMA) do


Complexo Portuário da CSA, integrante do Complexo Siderúrgico CSA, p. 112.

DESCRIÇÃO: Manguezal que ocupava o terreno.


128

IMAGEM 8

fonte: ECOLOGUS ENGENHARIA CONSULTIVA. Relatório de Impacto ao Meio Ambiente (RIMA) do


Complexo Portuário da CSA, integrante do Complexo Siderúrgico CSA, p. 112.

DESCRIÇÃO: Imagem do terreno da empresa, assim descrito no RIMA: “Panorama


no entorno do terreno da Usina Termoelétrica de Santa Cruz e a Cosigua, pela
margem, terreno da CNEN, ao que se segue a Base Aérea de Santa Cruz, pela
margem esquerda e, em sua parte superior, após a Av. João XXIII, dois conjuntos
habitacionais: Novo Mundo e Mécimo da Silva.”

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