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Resumo:
Cartografias. Exercício do pensar. Pensar a infância, “pedra de toque” da pesquisa,
potência nietzscheana: como a gente se torna o que a gente é. Infância-texto que se dar a
ler. Conceito não acabado, não definido em sua totalidade, pois, pode ser lido em uma
diferença problematizadora. Infância que pergunta. Perguntamo-nos, então, que
experiência/pensamento do cotidiano da escola transita entre os “fazeres” e os processos de
subjetivação/afecções da aventura-infância? Na resistência ao modelo da representação, e
na afirmação de uma vida como obra de arte, que infâncias podem ser inventadas?
Perguntas atravessadas pela Filosofia da Diferença e pelo Método Cartográfico. Passeamos
entre as produções de Gilles Deleuze, Walter Kohan, Sandra Corazza, Jorge Larrosa,
Virgínia Kastrup e outros. Desenhamos com esses autores algumas conversas do que é
inquietante no pensamento das crianças e invasivo no modelo da representação. Conversas
de ideias, de perguntas, de sensações, um mover-se que irrompe do acontecimento. Vida
bonita. Vida das palavras. Palavra Infância. Multiplicidade do existir. Diferença. Arte da
existência. Nascer a cada dia. Infância. Uma escrita inventada com as pistas do
imprevisível e aguçadas com as experimentações dos processos de constituição de si.
Demasiadamente humano. Afirmamos que infância? Deixamo-nos afetar por quais
movimentos? Movimento em que podemos responder para concluir ou perguntar para abrir
espaço ao que tanto nos convida a seguir. Gostamos do perguntar. Uma pergunta traz em si
questões que respondem, neste sentido, afirmamos a infância do não determinismo
etapista, do não essencialismo, da não linearidade do tempo. Infância em suas
singularidades, livre de pressupostos. Leitura-afecção. Infância, uma leitura do que se abre
para pensar. Desejo de pensar mais, de se dar mais, de está sendo mais. Desejo que não
cabe apenas nas medidas calculadas para a infância. Desejo de fazer durar a infância todo o
tempo possível.
Palavras-chave: Infância. Experiência. Cartografia.
INFÂNCIA E EXPERIÊNCIA
Infância como condição da experiência. Infância que não é um tema, mas um
transbordamento de questões. Infância em suas singularidades, livre de pressupostos, que
pensa um pensamento que não se pensa. Infância do tempo intensivo, do nascimento e da
abertura ao novo. Infância do problema, um exercício de si. Infância...
Exercício do pensar. Pensar a infância, “pedra de toque” da pesquisa, potência
nietzscheana, um canto: como a gente se torna o que a gente é. Infância-texto que se dar a
ler. Conceito não acabado, não definido em sua totalidade, pois, pode ser lido em uma
diferença problematizadora. Infância que pergunta. Perguntamo-nos, então, que
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“[...] uma experiência de pensamento. Com ela podemos nos surpreender, pensar
de outra maneira, encontrar o que não buscávamos, problematizar o que somos,
transformar a vida que estamos vivendo. Ela pode ser uma tentativa de gerar
pensamento, de pensar de outro modo o que já se pensa, de abrir as portas para
outras formas de vida [...]” (KOHAN, 2012, p. III).
Experiência dos movimentos cartográficos das conversas-texto que podem ser agenciadas
pelos vetores das linhas molares e moleculares (DELEUZE; PARNET, 1998), bem como
pelas pistas da embalada arte que convoca à leitura o que se deixa escrever. Ler com os
outros. “Expor os signos no heterogêneo, multiplicar suas ressonâncias, pluralizar seus
sentidos” (LARROSA, 2010, p. 143). Abertura para o múltiplo. Dar-se como texto para ser
lido por muitos. Entrelinhas de sentidos que a todo instante libera fulgurações da diferença
e da repetição. Diferença da repetição. Cada vez outra. Conversa que se esparrama,
distende a sintaxe, dobra a doutrina, destorce a forma padronizada, idealizada, ordenada.
Faz vazar espessuras que se juntam ao que não se forma, mas sim, ao que se dá.
Multiplicidade. Uma leitura aberta ao que pode ser dito e pensado. Dar a ler. Deixar espaço
para o que estava dito poder dizer mais. Ao dizer para os meus alunos, vou pintar com o
lápis deitado..., comecei a rir, e perguntei: será que ele também dorme? Um pouco mais
tarde, em um canto de estudo, entrando no que foi aberto, me perguntei novamente:
Também dorme o lápis deitado? Sonha? Deseja?. Perguntas que colocam em questão o
dito do dito.
Então, senti outros dizeres, e, fiquei nos desenhos que eles podiam fazer. Vi que nas mãos
do artista, o lápis faz chover e canta. Seria eu também uma professora artista? Mundos
transcriados. Atmosfera do ler, um sopro a nos levar para além daquilo que o texto diz, e a
nos trazer o que o texto abriga, e o que dá o que dizer (LARROSA, 2010). Desejo de
artista. Pedagogia que arrisca. Arte que risca novos conceitos. Artista-lectio. Leituras em
suas artistagens, légein, linguagem.
Escritas nômades dos movimentos cartográficos que desenham alguns espaços-tempos da
Educação Infantil e dos encontros com a pesquisadora. Cartografias que acompanham os
fluxos do tempo das intensidades, tempo áion, duração, devir, bem como os efeitos de um
ziguezague das formas que se instituem na escolarização e nas linguagens do aprender.
Efeitos que rasgam a forma de informe. Escrita que busca uma intimidade com o dito, faz-
se dizer. “Entrar num texto é morar e demorar-se no dito do dito. Por isso, ler é trazer o
dito à proximidade do que fica por dizer, trazer o pensado à proximidade do que fica por
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pensar, trazer o respondido à proximidade do que fica por perguntar” (LARROSA, 2010,
p. 142).
Pensamento às voltas com o improvável, com o acontecimento. Território fronteiriço. Meio
das intensidades das águas. Encontro das águas com suas correntes de sentidos que
ameaçam o localizável no corpo das pedagogias. Corpo que coloca as disciplinas/temas
para dançar com os ritmos da criação e, assim, produz tensões no que na maioria das vezes
é interrupção da infância. O que se interrompe, quando estamos determinados a uma
escolarização apressada? E o que se alarga do tempo das intensidades?
CONVERSAS: “POR CAUSA QUE EU PENSO VENDO”
Seduzidos pelo jogo que nos monta, entramos nos movimentos de encaixes e desencaixes
do Lego. Brinquedo de montar. Produção não pensada, acontecimento que nos assalta, nos
toca, que estica as ideias e inventa outras, prolonga o pensar e o viver. Brincar de Lego,
monta, desmonta, remonta, encontra-nos. Com as peças, os encaixes, íamos formando-
criando talvez uma nave, um carro, um veículo, (um pouco mais de conversa com as
crianças) e, afundando-nos nas peças e na brincadeira, pensamentos rolavam e, em outros
voos, naves vermelhas, azuis, amarelas se juntavam. Peças corriam de mão em mão,
escorregavam nos espaços de uma vida bonita. Infância transbordante de questões: O que
pode o pensamento? O que é o ato de criar?
Mostramos o nosso veículo-lego. Marcelo quis acrescentar nele outras peças, reconfigurá-
lo. Pegou a nave e colocou “rodinhas”. A variabilidade das formas conferiu ao brinquedo
um desenrolado movimento, bem mais divertido. Entre diferenciadas naves, comentamos
com Marcelo: “Você é fera!” Olhando-nos ele respondeu: “Por causa que eu penso
vendo... (pausa), vendo na minha cabeça”.
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Rótulos? O que é válido e o que não pode ser? Escrita = Modelo? Que diferença está em
jogo?
Permitido mundo adulto de muitas vezes não entrar na dança, no ritmo, na intensidade de
cantar outros nomes, mesmo que já consagrados pela mídia, porém remixados nas vozes,
nos gestos, nos imprevisíveis versos das crianças. “Não é em sua gramática nem em sua
materialidade nua que encontramos a vida das palavras. As palavras são sempre as
mesmas; seu sentido, porém, é diferente a cada vez que são pronunciadas ou ouvidas”
(LÓPEZ, 2008, p. 10).
Ao nos olhar, a professora meio sem saída fez uma indagação: “Viu? quem manda deixar
eles darem ideias?”. É constante a intervenção das crianças também ampliada pela
abertura da professora, no entanto, surfar com elas desequilibra-nos o tempo todo. Muitas
das nossas tentativas de ouvir o outro reforçam a prática de deixar o pensamento viajar-
criar até certo ponto. Limitamos a arte de ouvir. Impomos limite ao que escutamos com
base nos julgamentos que fazemos. Ouvimos a partir do nosso ponto de vista. Aventuramo-
nos pouco quando o pensamento se torna restrito a um modelo ou a uma única lógica.
Talvez a música, o canto, como um ritornelo, nos convoque a uma experiência de “[...]
vivenciar os vácuos e, de dentro deles, buscar matéria de expressão para administrar as
partículas de afeto enlouquecidas, dando-lhes sentido” (ROLNIK, 2007, p. 75).
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dos “fazeres” e que desenharam uma linguagem fulgurar, como a gente se torna o que a
gente é em tudo que fazemos.
REFERÊNCIAS
CORAZZA, Sandra Mara. Pedagogia dos sentidos: a infância informe no método de
Valéry-Deleuze. In: KOHAN, Walter Omar (Org.). Devir-criança da filosofia: infância
da educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2010, p. 81-94.
DELEUZE, Gilles; PARNET, Claire. Diálogos. São Paulo: Editora Escuta, 1998.
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DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. O que é a filosofia? Rio de Janeiro: Ed. 34, 1997.
KASTRUP, Virgínia. O funcionamento da atenção no trabalho do cartógrafo. In: PASSOS,
Eduardo; KASTRUP, Virgínia; ESCÓCIA, Liliana. Pistas do Método da cartografia:
Pesquisa intervenção e produção de subjetividade. Porto Alegre: Sulina, p. 32-51, 2010.
KOHAN, Walter Omar. Infância: entre educação e filosofia. Belo Horizonte: Autêntica,
2005.
______. Pensar com Sócrates. Rio de Janeiro: Lamparina, 2012.
LARROSA, Jorge. Pedagogia Profana: danças, piruetas e mascaradas. Belo Horizonte:
Autêntica, 2010.
LÓPEZ, Maximiliano Valerio. Acontecimento e experiência no trabalho filosófico com
crianças. Belo Horizonte: Autêntica, 2008.
ORLANDI, Luiz B. Lacerda. Linhas de ação da diferença. In: ALLIEZ, Éric (Org.). Gilles
Deleuze: uma vida filosófica. São Paulo: Ed. 34, 2000, p. 49-63.
ROLNIK, Suely. Cartografia sentimental: transformações contemporâneas do desejo.
Porto Alegre: Sulina, 2007.
SCHÉRER, René. Infantis: Charles Fourier e a infância para além das crianças. Belo
Horizonte: Autêntica, 2009.
SKLIAR, Carlos. As interrupções no corpo, a atenção, a ficção e a linguagem da infância.
In: KOHAN, Walter; XAVIER, Ingrid Müller. Filosofar: aprender e ensinar. Belo
Horizonte: Autêntica Editora, 2012.
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