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Genoino: “Se a esquerda não mostrar

os dentes, a direita não tem medo da


mordida”
Ex-presidente do PT e ex-deputado federal constituinte, José Genoino faz um balanço das eleições,
defende a frente de esquerdas para 2022 e diz que o PT precisa resgatar a sua rebeldia. E avisa: “O
capitalismo hoje não dá margem de manobra. Quem se iludir com isso, quebra a cara. E qual foi o
erro nosso? Não fazer o enfrentamento político quando a gente governou”
03/12/2020 15h56

Alex Silva

José Genoíno

Ex-deputado federal, um dos mais argutos


analistas da cena política brasileira nos Leia mais
últimos 50 anos, José Genoino Neto foi Gleisi avalia eleições: “PT e esquerdas precisam se
presidente do PT e ex-guerrilheiro. Hoje, aos fortalecer para enfrentar o que vem por aí”
74 anos, faz da sua experiência e militância
Desigualdade está por trás de 30% da mortalidade infantil,
política uma análise da conjuntura política
diz Fiocruz
nacional. Em entrevista aos jornalistas Luís
Costa Pinto e Eumano Silva, ele diz que o PIB cresce 7,7%, mas está longe de recuperar economia. E

caminho da conciliação com as classes sem auxílio, o pior está por vir

dominantes brasileiras não é mais possível. Guedes delira sobre retomada da economia e anuncia fim
“O sistema econômico, os monopólios, o do auxílio no final do ano
sistema americano, os monopólios Política fiscal de Bolsonaro mostra o resultado: cresce a
midiáticos não querem acordo com o Lula”, desigualdade em todo o país
aponta. “O partido precisa voltar a ser o
grande rebelde da política brasileira. E o
Lula tem que ser o líder desse processo. Caso contrário, morreremos”.

Ele é cético quanto às movimentações do ex-ministro da Integração Nacional (Governo Lula) e da


Fazenda (Itamar Franco) Ciro Gomes em busca de se viabilizar como candidato à Presidência da
República em 2022 tendo o apoio do centro. “O programa dele é inviável para classe dominante
brasileira”, aponta. “Esse desenvolvimentismo do Ciro Gomes, esses caras não aceitam. E, em
segundo lugar, tem medo dos arroubos dele. Ele vai ser a anti-esquerda e ao mesmo tempo não vai
ser querido pela classe dominante. Se a esquerda se iludir em bons modos, ela se liquida”.

Genoino prega a retomada da rebeldia do PT, que ajudou o partido a se firmar até meados dos anos
80, como possibilidade de se transformar em um instrumento político para povo. Ele diz que a
construção do futuro do país e de um caminho viável para as esquerdas brasileiras passa pela volta
do PT às suas origens. mas isso, sem abandonar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. “Esse
pessoal do PT que quer aposentar o Lula, é para poder preparar o caminho para um grande acordo.
Por exemplo: faz um acordo no Congresso Nacional para que o país tenha um Banco Central
independente”, critica. “E por quê? Porque o antipetismo apavora as pessoas. É mais ou menos
como o anticomunismo nos anos 50. E o anticomunismo leva a esquerda, nos anos 50, a baixar a
cabeça. E quando faz isso, perde a condição de protagonista”.

A seguir, os principais trechos da entrevista de Genoino, que você pode assistir aqui:

Resgatar o PT
O PT tem que voltar às resoluções do 5º Encontro, de 1987. O PT materializou ali a seguinte
posição. Nós somos um polo de esquerda contra a transição pactuada. Por isso, não fomos ao
Colégio Eleitoral, criticamos o Plano Cruzado e participamos da Constituinte com um voto
simbólico. Este PT, nós temos de resgatá-lo. O que aconteceu com o PT? A partir de 2002,
resolvemos nos acomodar à ordem do Estado brasileiro de 1988. Aquela janela, entramos nela.
Estabelecemos uma governabilidade sem questionar as estruturas do Estado. Eu até uso muito uma
colocação que fiz, na Fundação Perseu Abramo: “As lições históricas são inúmeras e inequívocas.
Quando forças progressistas passam pelo poder sem mudar as estruturas do Estado, elas ficam
permanentemente aos riscos de serem capturadas por ondas autoritárias, conservadoras ou
neoliberais”.

E foi isso que aconteceu. Como não mudamos as estruturas do Estado – o sistema político, o
sistema de Justiça, Forças Armadas e sistema midiático – e nem tentamos mudar!, essas estruturas
nos golpearam em 2016. Mesmo a gente fazendo um governo por dentro da ordem e bem
comportado, eles não aceitaram a melhoria na qualidade de vida do povo brasileiro. E essa é uma
lição dura para nós. Temos que fazer uma autoavaliação daquele processo. O PT precisa fazer uma
releitura da sua experiência. O PT é um feito histórico de 40 anos de militância. Esse feito histórico
pode dar uma contribuição decisiva para o Brasil.

Encruzilhada histórica
E qual é a encruzilhada? É se nós vamos ser uma força por dentro de uma institucionalidade
conservadora… – e essa institucionalidade castra o PT. Eu vou dar um exemplo: o Acre. O PT
governou por 12 anos. Mas sempre perdia a eleição nacional lá. E o que aconteceu lá agora? Não
elege nem um vereador em Rio Branco.

Veja a política de maneirar dos governadores do Nordeste… Perdemos a eleição na Bahia, no


segundo turno. Veja o caso do Ceará… Veja o pragmatismo de Wellington (Dias) no Piauí… O PT é
uma força que apenas enfeita o bolo das elites. E a questão central é Lula.

Papel do Lula
O papel de Lula é ser o protagonista deste projeto político rebelde. O Lula entrou na cadeia como o
grande conciliador, diferente do Mandela que entrou na cadeia como guerrilheiro. O Mandela saiu
da cadeia negociando um pacto. O Lula sai da cadeia não é para negociar um pacto, porque as elites
não querem um pacto com Lula. O sistema econômico, os monopólios, o sistema americano, os
monopólios midiáticos não querem acordo com o Lula. Porque o Lula pode negociar, mas ele tem
uma perna na luta social, que ele jamais pode tirar de lá. Portanto, o Lula tem um papel
fundamental.

Esse pessoal do PT que quer aposentar o Lula, é para poder preparar o caminho para um
grande acordo. Por exemplo: faz um acordo no Congresso Nacional para que o país tenha
um Banco Central independente.

O antipetismo imobiliza o PT
E por quê? Porque o antipetismo apavora as pessoas. É mais ou menos como o anticomunismo nos
anos 50. E o anticomunismo leva a esquerda, nos anos 50, a baixar a cabeça. E quando faz isso,
perde a condição de protagonista. Foi o que aconteceu com o Partido Comunista da Itália, o PCI.
Foi o que aconteceu com os partidos comunistas na Europa. E o PT não pode trilhar esse caminho.
E por quê? Porque a classe dominante brasileira é escravocrata e concentra muito poder e não sabe
ceder.

E o que se vai ganhar com isso? Discutir a reeleição na Câmara e no Senado é um grande equívoco.
O PT nunca fez isso. O PT tem que ser rebelde. Se a esquerda não correr risco, ela vai ser liquidada.
Porque esse conservadorismo do faz-de-conta, dissimulado, de amenizar as coisas – transforma
direitos sociais em migalhas e assistência, transforma aposentadoria em auxílio emergencial… Se a
gente se contenta com esse faz-de-conta, a gente cai na dissimulação de que os direitos sociais
viram assistencialismo, os direitos humanos viram direitos privados, e a democracia é apenas uma
engenharia de voto de quatro em quatro ou de dois em dois anos. O Brasil perde a democracia.
Aquele ambiente de debates, de mobilizações, isso desaparece.

Sem medo do inimigo


A pandemia e a crise sanitária favoreceram isso que eu chamo de hegemonia passiva da classe
dominante não bolsonarista. E que ganhou a eleição. O PT precisa estar à frente de um projeto
político democrático, popular, radicalmente anti-neoliberal – contra a financeirização da economia,
nos oligopólios e nas privatizações – e que não tem medo de falar a palavra socialista. Essa palavra
tem que ser resgatada no seu verdadeiro sentido.

A esquerda tem de fazer um balanço desses 40 anos de hegemonia neoliberal. Temos de dar
nome aos bois. Não podemos ter medo. O antipetismo só está pegando tão fortemente,
porque os petistas têm medo de botar a cara

Temos de botar a cara e dizer quais foram os erros que o PT cometeu nos nossos governos. Porque
fizeram essa onda de massacre que nunca foi feita contra nenhum outro partido na democracia. Isso
aconteceu porque mexemos com as vacas sagradas da classe dominante brasileira, que foi distribuir
renda.

Toda vez que a questão da independência nacional, a questão da democracia e a questão dos direitos
sociais entrou na história, houve rupturas autoritárias: Getúlio, 1964… A própria Constituição de
1988 foi retalhada, frustrada e fraudada. Ora… O Teto de Gastos virou cláusula pétrea, enquanto o
capítulo dos direitos sociais foi desfigurado. E isso foi feito para dar segurança àqueles que
compram os títulos da dívida pública, que é quem vive na oligarquia financeira.

Capitalismo está esgotado


Esse modelo é muito estreito para atender às reivindicações populares. É diferente do que aconteceu
na Guerra Fria, quando foi construído o Estado de Bem-Estar Social, que tinha o New Deal. O
capitalismo hoje não dá margem de manobra. Quem se iludir com isso, quebra a cara. E qual foi o
erro nosso? Não fazer o enfrentamento político quando a gente governou. Mesmo que perdesse, a
gente ganhava a narrativa… E estou fazendo essa crítica a mim mesmo. Eu tinha a ilusão de que a
democracia era para valer. A classe dominante brasileira não é democrática. Hoje ela limpa as mãos
e aparece cheirosa. Mas amanhã, se for preciso, ela sangra de novo e suja as mãos de sangue. Como
aconteceu com o AI-5, como aconteceu com a Dilma…
Radicalizar para avançar
Falam agora que temos de resgatar a política, mas quando a política foi criminalizada para atingir o
PT, eles bateram palmas. O Moro era o herói deles, dessa turma toda. Não podemos ter ilusão. O
caminho é criar um polo de esquerda, cujo protagonismo é o Lula, e esse protagonismo político
pressupõe uma frente de esquerda, até para arrancar conquistas dessa classe dominante… No
período da história do Brasil, quando a gente radicaliza – no bom sentido – a gente consegue
arrancar. Quando a gente baixa a cabeça, a gente vira apenas enfeite na cereja do bolo das elites.
Essa é a experiência que a gente está vivendo.

O Golpe de 2016
O PT acumulou até 2002, mas na hora que ele assinou a “Carta aos Brasileiros” e governou
no limite das possibilidades da correlação de forças, a gente não tensionou, a gente não
ousou, a gente não peitou… E aí, sem ameaça nenhuma, os caras deram um golpe
preventivo. O Golpe de 2016 foi preventivo.

Por que a Bolívia enfrentou bem? Porque garantiu a mobilização popular, principalmente indígena.
O que o Chile está nos ensinando agora? O retorno do fracasso da política de “concertação”, que
não mexeu na Constituição. Então, hoje, há novos sujeitos sociais – a luta das mulheres, dos negros,
da juventude, da população indígena… A luta democrática radical, por direitos… A esquerda tem
uma pauta fácil de defender. Um erro nosso, nessas eleições de 2020, foi não ter polarizado
nacionalmente um debate contra esse bonapartismo a la brasileiro e medíocre. Temos que fazer
como Ulysses [Guimarães], quando saiu como anti-candidato e salvou o MDB, que acabou obtendo
vitórias significativas em 1974. Às vezes você numa eleição não é para ganhar voto e se eleger, mas
para marcar território.

A frente de esquerda
A esquerda tem de marcar território, tem que dialogar entre si e o PT tem que aprender que não é só
ele de esquerda. Tem de dialogar com o PSOL, com o PCdoB… Tem que estabelecer pontes com
setores do PDT e do PSB porque o Ciro Gomes está construindo um suicídio político. O programa
dele é inviável para classe dominante brasileira. Esse desenvolvimentismo do Ciro Gomes, esses
caras não aceitam. E, segundo, tem medo dos arroubos dele. Ele vai ser a anti-esquerda e ao mesmo
tempo não vai ser querido pela classe dominante.

Se a esquerda se iludir em bons modos, ela se liquida. Os bons modos funcionam quando o
capitalismo oferece vantagem. O capitalismo ofereceu oportunidades e nós conquistamos
estabilidade no emprego, direitos sociais e várias conquistas, mas algumas o PT só obteve porque
radicalizou. Se o PT não tivesse radicalizado, teria sido insignificante na Constituinte. O caminho
de baixar a guardar é um caminho de não conquistar reformas. Eu quero lutar por uma estratégia de
ruptura. Mas só posso conquistar reformas, se eu mostrar os dentes. Se a esquerda não mostrar os
dentes, a direita não tem medo da mordida.

Da Redação

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