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mento considerável dos cursos de graduação em
Arquivologia e Museologia. Existiam apenas três Devido ao desenvolvimento das distintas pesqui-
cursos de Arquivologia e dois de Museologia no sas desenvolvidas no âmbito maior de um grupo
país, e em cinco anos esses números subiram para de pesquisa foi necessário convocar distintos mé-
16 e 15, respectivamente. Muitos deles foram cria- todos e técnicas de pesquisa de acordo com cada
dos em espaços institucionais em que já existiam problema de pesquisa e seus respectivos objetivos
os cursos de biblioteconomía, os quais tiveram seu gerais e específicos. Interessante destacar que a
auge de crescimento em momentos anteriores, so- discussão epistemológica convoca, sobremaneira,
bretudo, na década de 1960-1970 (Souza, 2009). Os a pesquisa qualitativa, pois permite ao pesquisa-
cursos de Arquivologia criados foram instituciona- dor aprofundar de modo verticalizado as discus-
lizados nos departamentos, institutos, faculdades sões propostas, uma maior liberdade de interpre-
de Ciência da Informação, assim como, em menor tação e discussão dos dados, ciente da construção
número, a Museologia, que se encontra mais loca- social do conhecimento e da realidade (Berger &
lizada nos Centros de Ciências Sociais e Humanas. Luckmann, 1996).
Este cenário de novos cursos não foi diferente na É válido destacar ainda que, o constante deli-
Escola de Ciência da Informação, da Universidade neamento da Ciência da Informação como ciência
Federal de Minas Gerais, a qual sedia desde 1950 o social ou a partir de uma “virada sociológica” (Cro-
curso de Biblioteconomia, e que passou a abrigar nin, 2008) permitiu, justamente, a aproximação
os cursos de Arquivologia e Museologia, respecti- daquela ciência com outros campos das Ciências
vamente, em 2008 e 2009. Sociais. Segundo este autor, a teorização social
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Consolidação do diálogo entre Arquivologia, Biblioteconomia, Museologia… bibliotecas anales de investigación
permitiu a Ciência da Informação compreender 2012). Essa abordagem vai ao encontro das pes-
melhor a interação de fatores técnicos e sociais quisas desenvolvidas e ora apresentadas, salienta-
que, em conjunto, impulsionaram a evolução das -se que cada uma recorreu a métodos específicos,
tecnologias da informação e comunicação, aju- entre os quais a pesquisa bibliográfica, histórica,
dando, inclusive a evitar os reducionismos. documental, análise do conteúdo e do discurso,
Com a instauração do paradigma social o con- aplicação de questionários e entrevistas, convo-
ceito central de informação passou a ser visto de cando diferentes autores das Ciências Sociais para
modo intersubjetivo e dentro de um contexto ou conformar o aporte teórico das pesquisas, como,
“regime de informação”, em oposição ao conceito por exemplo, Pierre Bourdieu, Michel Foucault,
físico e cognitivo da informação, sendo, portanto, Gaston Bachelard, Norbert Elias, Roger Chartier,
o paradigma social o local de encontro e de diálogo entre outros. Os trabalhos que serão apresentados
entre as áreas (Capurro, 2003; Gonzáles de Gomez, na próxima seção estão sistematizados a seguir:
muns. Uma leitura diacrônica de sua evolução per- mais práticas humanas. Foi para se constituirem
mitiu identificar que existem muito mais temas e como campos autônomos de prática profissional
questões partilhadas do que se imagina. O segun- e, depois, de conhecimento científico, que a Ar-
do foi a escolha de uma perspectiva dialética, por quivologia, a Biblioteconomia e a Museologia se
meio da qual essa história foi estruturada a partir detiveram, primeiramente, sobre os elementos
de dinâmicas de consolidação e de superação. mais concretos que as caracterizavam (os acervos,
As práticas arquivísticas, biblioteconômicas as instituições e os instrumentos de tratamento
e museológicas são milenares, mas a origem das técnico dos acervos). Em um segundo momento,
áreas como campos de conhecimento sistematiza- novos elementos foram gradualmente sendo incor-
do se localiza no período do renascimento, com a porados ao escopo de problematizações. Contem-
publicação dos primeiros tratados e manuais enfa- poraneamente, as três áreas voltam a pensar nos
tizando a importância da conservação e preserva- arquivos, bibliotecas e museus como integrados às
ção dos acervos. Nos séculos seguintes, com a tran- demais práticas humanas, à dinâmica mais ampla
sição para a modernidade, o conhecimento destas da vida social e cultural. Contudo, realizam tal mo-
áreas passou a enfatizar as rotinas institucionais vimento já com uma identidade bem consolidada,
dos arquivos, bibliotecas e museus. O processo de com um estatuto científico definido, com um olhar
consolidação disciplinar de cada uma das áreas se próprio que lhes permite encontrar, na dinâmica
deu no século xix. Na esteira do positivismo, foram das diversas ações e interações humanas, aqueles
privilegiadas as técnicas de tratamento (descrição, elementos que configuram fenômenos arquivísti-
inventário, classificação, conservação, exposição) cos, fenômenos biblioteconômicos e fenômenos mu-
dos acervos custodiados nas instituições. seológicos. Aí se encontra a abstração que represen-
Ao longo deste processo, essas três áreas aca- ta a maturidade científica dos três campos.
baram se tornando as ciências dos acervos, das Paralelamente, o trabalho de Araújo (2014)
instituições que os custodiam e das técnicas de analisou a Ciência da Informação. Optou-se por
seu processamento. Tal configuração fortaleceu analisá-la separadamente, primeiro por ser uma
a separação entre elas enquanto campos discipli- área muito mais recente, e, segundo, por não se
nares, separação essa acirrada pela atuação das constituir como curso de graduação e campo pro-
associações profissionais nascidas entre o final do fissional – ao contrário das outras três. A história
século xix e o início do século xx. da Ciência da Informação, tratada também numa
No século xx, diversas teorias foram formu- perspectiva dialética, permitiu ver que um con-
ladas buscando incorporar outras dimensões de junto de fatores convergiu para sua consolidação
análise, sobretudo explorando as relações entre na década de 1960: o surgimento da bibliografia
arquivos, bibliotecas e museus, e os contextos em e sua continuidade com a documentação, num
que eles se inserem. Tais teorias inscreveram-se movimento em prol de uma ação pós-custodial;
em distintas tradições de pensamento, tais como o a separação promovida pelos bibliotecários espe-
empirismo (no desenho de perspectivas funciona- cializados em direção a uma associação própria,
listas), a dialética (com a perspectiva crítica), a fe- embrião da primeira entidade de Ciência da Infor-
nomenologia e o construtivismo (privilegiando as mação do mundo; as práticas dos primeiros “cien-
apropriações feitas pelos sujeitos) e a hermenêuti- tistas da informação” que depois se uniram em
ca (com o estudo dos processos de representação). eventos e associações; o incremento das tecnolo-
As tendências contemporâneas, em cada uma das gias de tratamento e recuperação de documentos,
três áreas, têm utilizados modelos globais, sistê- do microfilme ao computador; e o conceito cientí-
micos, para a análise das dimensões interativas fico de informação trazido pela teoria matemática
entre as instituições (seus acervos e suas práticas) da comunicação. Assim, a Ciência da Informação
e as relações sociais, econômicas, culturais, polí- consolidou-se, nos Estados Unidos, na Inglaterra
ticas, administrativas e outras que constituem a e na União Soviética, como uma ciência centrada
realidade humana. no fluxo, no transporte eficaz de documentos, na
O movimento realizado pelas três áreas, apre- otimização dos processos de recuperação e pro-
sentado acima, evidenciou a maneira como elas moção de acesso.
articularam estratégias de concretude e abstração. Mas a Ciência da Informação também viveu um
Num primeiro momento, a existência dos arqui- processo de ampliação de problemáticas nas dé-
vos, bibliotecas e museus (e, consequentemente, cadas seguintes, basicamente a partir de três pro-
da reflexão sobre eles) não se distinguia das de- cessos. O primeiro foi sua institucionalização em
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disciplinas a citação de livros, datados da década exercidas nos arquivos, bibliotecas e museus. A se-
de 2000 e em português. gunda categoria que concentrou maior número de
Identificou-se ainda a formação acadêmica respostas corresponde a um nível mais abstrato,
(graduação, mestrado e doutorado) dos professo- reflexivo, que envolve o campo informacional e o
res dessas disciplinas a fim de analisar a influência conceito de informação. As demais possibilidades
de suas formações no ensino daqueles cursos. As- de encontro entre os campos ocorrem, na visão dos
sim, percebeu-se que a graduação em Biblioteco- professores a partir de categorias como: memória,
nomia predomina nos cursos de Biblioteconomia documentação, usuários e a questão institucional.
e de Arquivologia, enquanto no curso de Museo- Esse contato entre os cursos de Arquivologia,
logia, o professor desta disciplina é graduado em Biblioteconomia e Museologia nas diversas insti-
Museologia. A pós-graduação em Ciência da In- tuições de ensino superior, localizados nos quatro
formação predomina nos cursos de Bibliotecono- pontos cardeais, constitui em um elemento capaz
mia e Arquivologia, todavia, encontra-se também de contribuir para o fortalecimento dos campos
a formação em História e Educação nos cursos de científicos, na medida em que são convocados a
Arquivologia. Nos cursos de Museologia predomi- pensar sobre si próprio e sobre o outro, o que in-
nam a formação nos programas de pós-graduação cita discussões mais verticalizadas dos campos,
em História e Ciências Sociais. cumprindo, dessa maneira, o compromisso com
Os resultados da análise das citações das refe- formações mais críticas e em locais mais afeitos às
rências contidas nos planos de ensino e no ques- discussões científicas, as universidades.
tionário apontaram para as percepções extraídas
a partir da revisão de literatura sobre os campos. O ensino das três áreas numa perspectiva
Isto quer dizer que as referências dos cursos de de diálogo
Biblioteconomia concentraram mais citações de
obras da Ciência da Informação, o que corrobora A tese de Ramos (2013) partiu do fato de que boa
a forte relação entre eles. A Arquivologia também parte dos novos cursos de Arquivologia e de Mu-
apresentou citações de obras do campo da Ciên- seologia foram criados no espaço acadêmico
cia da Informação e de obras da área, que buscam institucional da Ciência da Informação. Neste
aproximar os dois campos por meio da informação contexto, algumas escolas e departamentos de
como objeto de estudo. A Museologia, por sua vez, Ciência da Informação propuseram algum tipo de
foi o campo que houve menos citação de obras da estratégia com a finalidade de estabelecer diálo-
Ciência da Informação, tal como foi possível per- go e aproximação entre as áreas e Arquivologia,
ceber na leitura sobre este campo, portanto, a Mu- Biblioteconomia e Museologia. Este é o caso da
seologia parece estabelecer relações com a Ciência Escola de Ciência da Informação da UFMG (ECI-
da Informação mais no plano do desenvolvimento -UFMG) que propôs como estratégia de aproxima-
de pesquisas em seus programas de pós-gradua- ção e diálogo entre essas áreas um tronco comum
ção, do que no nível epistemológico. de disciplinas e atividades acadêmicas implemen-
A influência acadêmico-institucional advinda tado no ano de 2008.
da análise das referências pode ser percebida em Investigar e analisar este processo de integra-
todos os cursos pertencentes às seis categorias. ção curricular via tronco comum entre as áreas a
Quanto às outras perguntas do questionário, de- partir da percepção dos docentes da ECI-UFMG
tectou-se que os professores consideraram a for- constituiu o objetivo da pesquisa. Definiu-se uma
mação acadêmica como o fator que mais influen- amostra intencional de 16 docentes divididos em
cia nas suas escolhas, seguido da proximidade grupos seguindo o seguinte critério: Grupo (A):
em relação aos cursos de pós-graduação e, por quatro docentes contratados via REUNI para o
último, a vinculação acadêmico-institucional e a curso de Arquivologia; Grupo (B): quatro docentes
proximidade entre os cursos de graduação. Sobre contratados via REUNI para o curso de Museolo-
as relações entre Arquivologia, Biblioteconomia e gia; Grupo (C): quatro docentes com formação em
Museologia foi possível perceber que a maioria dos Biblioteconomia; Grupo (D): quatro docentes com
professores consideraram haver pontos de con- formação em nível de graduação sem relação com
tatos entre esses campos, sendo que a categoria a Arquivologia, Biblioteconomia, Museologia, mas
“processos de trabalhos” foi a que obteve a maior com alguma relação de formação com a Ciência da
concentração de respostas, demonstrando um Informação, seja em mestrado ou doutorado, ou
enlace pelo menos no nível empírico, das práticas como docente e orientador em Ciência da Infor-
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mação. Utilizou-se a entrevista semiestruturada Outras temáticas são destacadas como comuns,
como instrumento para obter os dados de nossa mas estão relacionadas com a operacionalidade do
investigação. trabalho nas áreas, por exemplo: gestão das insti-
As propostas de aproximação e diálogo entre as tuições de guarda, o estudo de usuários, a preser-
áreas de Arquivologia, Biblioteconomia e Museo- vação e conservação, organização de informação e
logia têm, em quase todos os casos, a ideia de que de acervos e as tecnologias da informação. Todas
a Ciência da Informação funcionaria como campo as três áreas lidam com essas temáticas no seu co-
base para esta integração, como demonstra Cen- tidiano de trabalho guardadas as devidas especifi-
don et al. (2008) e Araújo, Marques e Vanz (2011). cidades de cada área.
Os resultados da pesquisa demonstraram grande Outro ponto convergente é o fato de que essas
discordância face a essa ideia, uma vez que a maio- áreas serem profissões da cultura, e como profis-
ria dos entrevistados entendem que a base integra- sões da cultura o grupo de profissionais que vai ser
dora que propicia a aproximação entre as áreas é formado nestes cursos precisa ter esta possibilida-
formada pelas Ciências Humanas e Sociais. Para de de interlocução do ponto de vista mais amplo
os entrevistados a Ciência da Informação é uma com a dimensão cultural, histórica e política para
área no mesmo patamar hierárquico que Arquivo- ter uma compreensão mais ampla da realidade
logia, Biblioteconomia e Museologia. social e da ação destas funções neste contexto da
Pontos de convergência entre as áreas de Arqui- sociedade. Nesta linha, a grande área das Ciências
vologia, Biblioteconomia, Museologia e Ciência da Sociais Aplicadas aparece como ponto de união
Informação são explicitados de maneira diversa entre as áreas. Ou seja, o que une Biblioteconomia,
pelos entrevistados. Um ponto que aparece com Arquivologia, Museologia e Ciência da Informação
grande destaque como ponto de aproximação en- é o fato de todas elas serem uma Ciência Social
tre as áreas é objeto de trabalho e neste sentido, Aplicada, é nessa grande área que elas buscam o
destacam-se as noções de informação e documen- referencial teórico de base.
to. O conceito de informação é um dos principais
pontos destacados como unificador das áreas. Al- Os atos colecionadores
guns entrevistados destacam a ideia de que exis-
te uma dimensão informacional que perpassa as A tese de Renault (2014) voltou-se para o estudo
três áreas, no sentido de que todas lidam com a do “ato colecionador”, como uma prática social,
informação, trabalham com questões de promo- na Arquivologia, na Biblioteconomia e na Museo-
ção do acesso à informação, do uso efetivo desta logia. As discussões em torno das relações entre
informação. Arquivologia, Biblioteconomia e Museologia nor-
A noção de documento é utilizada para se dife- malmente giram em torno da informação como
renciar da noção de informação. Existe uma noção elemento transcendente e ao mesmo aglutinador
de documento arquivístico, uma noção museal destas áreas. Neste tipo de abordagem fica patente
de documento, outra de documento bibliográfico, a ideia de superação temporal das questões histó-
existe a noção de documento em geral. É impor- ricas constituídas pelas áreas em detrimento dos
tante mostrar onde há pontos em comum e onde novos elementos trazidos com o advento da tecno-
há diferenciações nesses conceitos de documento. logia da informação. No entanto, a vocação para
Outro ponto destacado como convergente entre as a posse, a guarda e a coleção fica por vezes dimi-
áreas é a questão da memória e do patrimônio. A nuída e até mesmo ignorada sob o argumento do
ideia de memória e patrimônio é colocada por al- acesso e da virtualização.
gumas falas como um elemento fundante para o Na direção contrária a estes argumentos pre-
pensamento da Arquivologia, da Biblioteconomia tendeu-se resgatar o arcabouço de estudos e po-
e da Museologia. As falas dos entrevistados des- tencialidades geradas pelo estoque de conheci-
tacam que tanto a Ciência da Informação como a mento organizado que foi chamado aqui de ato
Museologia, Arquivologia e a Biblioteconomia tra- colecionador. Trata-se de um conceito amplo que
balham com elementos de formação que possuem incorpora as definições de colecionismo nas áreas
um peso social importante. E este peso social se de Arquivologia, Biblioteconomia e Museologia,
traduz na necessidade de guardar coisas, de pro- mas não fica restrita às mesmas. Dessa forma o ato
duzir memória e de criar, de constituir um corpo colecionador se refere à condição humana de re-
de elementos comuns a determinados grupos que tomar a sua história através das representações da
são tidos como sua herança. cultura e, ao mesmo tempo como agentes do pro-
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bibliotecas anales de investigación Araújo | Tanus | Ramos | Renault | Nogueira
cesso as resignificando através de suas práticas, do seums), ICA (International Council on Archives) e
seu estar no mundo, tornando-se, portanto, ato. IFLA (International Federation of Library Associa-
Neste sentido, o ato colecionador foi apresen- tions and Institutions).
tado em três períodos históricos, tendo como re- Por fim, o que se apresenta é uma reflexão que
ferência a categorização proposta por Blom (2003) mostra a implicação das coleções para o contem-
onde o período Renascentista apresentava um es- porâneo através da elucidação da representativida-
pírito pré-científico que girava em torno da empi- de dos objetos/documentos/artefatos imbricados
ria e era movido por uma curiosidade que levava na dualidade da relação entre indivíduo e socieda-
a colecionar os objetos em exaustividade, porém de. Sobretudo, o que se quer marcar é a importân-
tendendo à unicidade; o projeto Iluminista tendo cia dos estudos empreendidos em cada uma das
como principal característica o acirramento do áreas tendo como centralidade o acervo, a coleção
espírito científico e o aprimoramento dos arranjos e o arquivo. Cabe salientar, entretanto, que a abor-
das coleções e o Contemporâneo marcado pela se- dagem contemporânea destes temas deve acompa-
rialização dos objetos e pelo acirramento do con- nhar uma maior reflexão sobre os impactos sociais
sumo. Importante lembrar, no entanto, que estes e culturais das práticas de construção dos estoques
períodos históricos não estão estanques no tempo, organizados de conhecimento, quer sejam eles
podendo se observar características de cada um “naturalizados” pelo ciclo de vida das instituições
dos períodos em tempos distintos, pois, e do Estado de Direito quer sejam intencionados
pela vontade humana em reter aquilo que outrora
O ato de colecionar, como projeto filosófico, como vagava aleatório resistente a categorização.
tentativa de dar sentido à multiplicidade e ao
caos do mundo, e talvez até descobrir seu signi- As atividades institucionais e profissionais
ficado oculto, também sobreviveu até nossa épo-
ca, e encontramos ecos da elaborada alquimia de A dissertação de Nogueira (2016) buscou identifi-
Rodolfo em todas as tentativas de capturar a ma- car similaridades entre as três áreas por meio da
ravilha e a magnitude de tudo para incluí-las no análise das atividades profissionais de cada uma
reino dos bens pessoais. (Blom, 2003, p. 61). delas, tendo como objetos empíricos o Arquivo
Público Mineiro, a Biblioteca Pública Estadual e
Este projeto de recolocar o acervo em foco de- o Museu Mineiro. A busca pela compreensão das
nota um projeto epistemológico específico voltado práticas entre arquivos, bibliotecas e museus,
para um olhar que indica a concretude da cultu- ocorreu, então, a partir do âmbito das instituições,
ra e dos atos de criação (intencionados ou não). da leitura de manuais e da pesquisa bibliográfica.
Adiante, na esteira deste pensamento foi possível Encontrou-se uma grande quantidade de tarefas e
retomar o “argumento do conhecimento do cria- ações semelhantes, como por exemplo, gestão das
dor” apresentado por Domingues (2004) onde só unidades; conservação de acervos; desenvolvi-
se pode conhecer aquilo que efetivamente se cria, mento de recursos informacionais; preparação de
seja objetivamente ou através de representações. ações educativas, mas o grau de cooperação entre
Este conceito é importante para justificar a análise as instituições ainda pode ser vista como baixa.
dos manuais de cada uma das áreas como conhe- As instituições investigadas estão em um nível
cimento construído e representativo das práticas inicial de cooperação, de simples interações, em
sociais, culturais e técnicas de cada uma das áreas que as instituições concordam em trabalhar infor-
de ABM. Igualmente importante é posicionar a malmente em uma atividade ou esforço conjunto
abordagem epistemológica como conhecimen- que ofereça algum benefício mútuo tangível, ainda
to sempre aproximado e inacabado, sendo assim que pequeno. Contudo desconhecem o caminho
construção contínua, vigilante, pois a inexatidão para interações mais complexas.
e a imprecisão são os conceitos que mais se apro- Além dos manuais de área, foi utilizado um re-
ximam da realidade (Bachelard, 1978, 1996, 2004). latório de atividades profissionais para cada área,
A partir daí foi possível traçar quadros repre- construido com o auxílio de profissionais liberais
sentativos dos atos colecionadores de cada uma em atividade, as Universidades, ONGs, Institui-
das áreas, desde o renascimento até o contempo- ções Públicas e Privadas e organizado pelo Minis-
râneo, de Bonifácio Bonifacio (1632), Naudé (1627) tério do Trabalho em uma classificação denomi-
e Quiccheberg (1565) às contemporâneas insti- nada CBO – Classificação Brasileira de Ocupações,
tuições: ICOM (The International Council of Mu- que é o registro de normatização das ocupações do
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Consolidação do diálogo entre Arquivologia, Biblioteconomia, Museologia… bibliotecas anales de investigación
mercado de trabalho no Brasil, com o propósito de Constatou-se ainda que a exclusão das ativida-
classificar e reconhecer, nomear e codificar os tí- des-meio, ou seja, tarefas que poderiam ser aplica-
tulos e conteúdos das agregações de empregos ou das a qualquer profissão indistintamente; não re-
situações de trabalho similares quanto às ativida- sultou em alteração significativa nos percentuais
des realizadas. É simultaneamente uma classifica- apresentados, confirmando a relação de similari-
ção enumerativa e uma classificação descritiva. dade entre as áreas no campo teórico e das insti-
Ao serem detalhadas as instituições, seus pro- tuições.
fissionais e as atividades por eles desenvolvidas, Assim, o aumento do uso de tecnologias e a ne-
percebem-se diferenças estruturantes e atividades cessidade de lidar com registros eletrônicos, ca-
exclusivas que tornariam insustentável uma tenta- racterísticas cada vez mais comuns em arquivos,
tiva de unificação dos campos. Contudo, existe um bibliotecas e museus, bem como o entendimento
percentual de semelhança entre algumas ativida- de que estão incluídas em um contexto mais am-
des profissionais, fundamentadas por disciplinas plo, como instituições de fronteira, na preserva-
científicas que poderiam justificar uma colabo- ção e na promoção de cultura, patrimônio, infor-
ração contínua entre instituições, profissionais e mação e conhecimento. O entendimento de tais
teóricos dessas três áreas. características tem aproximado não somente as
A pesquisa bibliográfica também confirmou instituições, mas também a natureza dos objetos
que há um movimento internacional de aproxima- de estudo, os métodos e as técnicas, as atividades
ção entre ABMs, quer no âmbito acadêmico, quer profissionais e até mesmo a missão ou o propósi-
no profissional. Esse movimento tem se dado mais to de arquivos, bibliotecas e museus, bem como a
intensamente em relação a propostas de compar- percepção das necessidades de seus usuários; nes-
tilhamento de acervos em meios eletrônicos, mas se sentido, um isolacionismo pode ser visto mais
não só. Iniciativas de colaboração na instrução de como uma questão de convenção e tradição do que
práticas profissionais similares também têm sido como uma diferença real ou conceitual (Rayward,
implementadas. 1998; Charnes, 2005).
É possível citar como exemplo de ações de co-
laboração: instruções sobre exposições e compar- Conclusão
tilhamento de espaços expositivos; instruções so-
bre preservação e digitalização de acervos; uso de Os resultados mostraram certa imaturidade nas
equipamentos tecnológicos; compartilhamento condições de diálogo entre as três áreas e, mais
de arquitetura informacional ou software; com- ainda, delas com a Ciência da Informação. Os ce-
partilhamento de notícias e divulgação das insti- nários institucional e profissional possuem mui-
tuições pares; compartilhamento do cadastro de tos elementos propícios à colaboração, embora
fornecedores de produtos ou serviços; compar- ela aconteça pouco. É no âmbito das reflexões e
tilhamento da rede de colaboradores, parceiros e construções teóricas que estão os elementos mais
amigos; instrução sobre gestão e uso de unidades, consolidados. A ideia de que o fundamento está
arquitetura e sistemas de informação; participa- no pertencimento ao campo das Ciências Sociais
ção conjunta no planejamento institucional anual; parece apontar a direção para a concretização
desenvolvimento de projetos educacionais/cul- das possibilidades: a partir desse reconhecimento
turais conjuntos; criação de novos métodos para comum, articular os achados no campo teórico e,
realizar atividades compartilhadas (preservação por fim, inserir aquelas similitudes e influencias
de acervos, gestão de unidades, arquitetura e sis- existentes nos cenários acadêmico-institucional e
temas de informação, entre outros); desenvolvi- profissional.
mento de estudos e pesquisas que envolvam as três É necessário extrapolar a senda histórica de ar-
áreas; construção de conhecimento sobre os usuá- quivos, bibliotecas e museus, como se fosse uma
rios; desenvolvimento de novas tecnologias para única possibilidade de encontro. O peso da tra-
democratização e acesso à informação, acervos, dição deve ser relativizado, da separação institu-
coleções e documentos; uniformidade em algu- cional e científica, em prol de uma compreensão
mas disciplinas curriculares; compartilhamento mais ampla de que arquivos, bibliotecas e museus
de repositórios virtuais de acervos e coleções; po- são instituições culturais a serviço da sociedade e
líticas de acesso à informação, mediação e gestão que todas elas realizam ações de mediação —ação
de ativos informacionais; preservação cultural e intencional e de interferência— assim, tais insti-
patrimonial. tuições extrapolam a noção de estocar e organizar
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bibliotecas anales de investigación Araújo | Tanus | Ramos | Renault | Nogueira
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