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Licenciatura em História
02/05/2020
1
Resumo:
Palavras-Chaves:
2
Índice
Introdução ......................................................................................................................... 4
Religião Romana .............................................................................................................. 4
Sacrifícios e rituais em Roma ....................................................................................... 5
Religião do lar .................................................................................................................. 6
Divindades e espíritos do lar ............................................................................................ 8
Lares ............................................................................................................................. 9
Penates ........................................................................................................................ 11
Manes .......................................................................................................................... 12
Lemuria ....................................................................................................................... 13
Genius ......................................................................................................................... 14
Vesta............................................................................................................................ 14
Sacerdotisas de Vesta.............................................................................................. 15
As etapas da vida de um cidadão e a religião familiar ................................................... 16
Nascimento ................................................................................................................. 16
Casamento ................................................................................................................... 17
Morte ........................................................................................................................... 18
Religião no campo .......................................................................................................... 19
Conclusão ....................................................................................................................... 20
Referências Bibliográficas .............................................................................................. 21
Anexos iconográficos ..................................................................................................... 25
3
Introdução
Este trabalho vai debruçar-se acerca da religião na habitação de uma família
romana. Para a demonstração deste tema, irei começar por abordar como era a religião
romana, e breves apontamentos de como eram os sacrifícios. Depois especificarei como
era a religião no lar em si, de seguida, passarei a falar das principais divindades e espíritos
associadas a este culto. Posteriormente passarei para outro tema, que irá mostrar como a
religião familiar estava presente na vida de um romano. O trabalho terminará com a
explicação de como era a religião na vida do campo
Para a realização deste trabalho tentei usar uma vasta bibliografia, baseada quer
na religião romana, onde depois procurei mais focada no tema central do trabalho;
também procurei obras relativas ao quotidiano de uma família romana. Da bibliografia
que utilizei destaco o estudo Roman domestic religion: a study of the roman lararia de
David Gerald Orr.
Religião Romana
Antes de passar para a explicação de como era a religião familiar, convém fazer
alguns pequenos apontamentos sobre a religião romana, esta teve um grande impacto nas
principais instituições romanas, e permitiu uma estabilidade na ideologia e na dinâmica
social da sociedade romana1, esta era uma religião politeísta e antropomórfica, uma
religião que bebeu influências quer gregas quer etruscas, havendo respeito por outras
religiões2.
1
Vide, Religião, género e sociedade: ordem romana, ordem sagrada,
https://www.researchgate.net/publication/276122011_Religiao_genero_e_sociedade_ordem_romana_
ordem_sagrada/fulltext/58d6422baca2727e5ec930df/Religiao-genero-e-sociedade-ordem-romana-
ordem-sagrada.pdf, consultado em 14/03/2020, p.134.
2
Vide, História geral das religiões,
https://www.academia.edu/33806901/HIST%C3%93RIA_GERAL_DAS_RELIGI%C3%95ES, consultado em
08/02/2020, p.20.
3
Vide, BRANDÃO, José Luís et OLIVEIRA, Francisco de, História de Roma Antiga: das origens à morte de
César, Vol. 1, Coimbra, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2015, p.307.
4
Vide, Práticas culturais no império romano: entre a unidade e a diversidade,
https://www.academia.edu/30033758/PR%C3%81TICAS_CULTURAIS_NO_IMP%C3%89RIO_ROMANO_-
ENTRE_A_UNIDADE_E_A_DIVERSIDADE.pdf, consultado em 14/03/2020, p.4.
4
Em suma, podemos então concluir que a religião tinha um grande impacto no
quotidiano das pessoas e nas suas mentalidades dos romanos.
Para os romanos, a sua ênfase não se situava nas mitologias ou nos deuses, mas
sim nos rituais, onde os romanos eram obcecados pela perfeição, se tudo não corresse
bem o ritual teria de começar de novo6, e este momento era um momento traumático para
um romano.
O culto era como uma festa que servia para os deuses se divertirem, e significa
prestar homenagem aos deuses. Os romanos julgavam-se servidores dos deuses, e tinham
um grande medo deles7.
Havia ainda uma espécie de contrato com os deuses, por vezes, como é o caso de
quando um romano estava doente podia fazer uma promessa, e se depois se curava, podia
oferecer às divindades um ex-voto para agradecer e pagar a dívida9.
5
Vide, História geral das religiões, op. Cit., p. 21.
6
Vide, LIMA, Jónatas Ferreira de, Costumes funerários da Roma Antiga, Rio Grande do Norte, Universidade
Federal do Grande do Rio grande do norte, 2012, p.9.
7
Vide, VEYNE, Paul, História da vida privada – Do império Romano ao ano mil, São Paulo, Schwarcz LTDA,
2009, p. 163.
8
Vide, RÜPKE, Jörg, A companion to roman religion, Malden, Blackwell Publishing, 2007, p. 265.
9
Vide, VEYNE, Paul, op. Cit., p. 176.
5
Por fim, dizer que estas crenças e práticas religiosas tem um papel de primeiro
plano na formação de identidades, de certo modo, a religião para além de dar um sentido,
esta cria um mundo ordenado para os seres humanos10.
Religião do lar
No que diz respeito ao culto privado, que é o tema central deste presente trabalho,
esta estava muito presente numa casa de um romano, como demonstra a arqueologia. Este
tipo de religião permitiu ao povo romano um mundo religioso diferente11.
Para cultuar estas divindades era utilizado o lararium, que eram uma espécie de
mini santuários no interior das casas romanas, o altar podia ser temporário ou permanente.
Lá existiam pinturas e estatuetas para homenagear as divindades, estas representações
desejavam a apropriação dos poderes do deus para as funções domésticas. Alguns
defendem que as estatuetas aqui presentes podiam vir dos arredores dos templos16.
10
Vide, Religião, Gênero e Sociedade: Ordem romana, ordem sagrada, op. Cit., p. 129.
11
Vide, BEARD, Mary, NORTH, Jonh et PRICE, Simon, Religions of Rome – A History, vol. 1, Cambridge,
Cambridge University Press, 1998, p.71.
12
Vide, KATAJALA-PELTOMAA, Sari et VUOLANTO, Ville, Religious participation in ancient and medieval
societies rituals, interaction and identity, Roma, Institutum Romanun Finlandiae, 2013, p. 40.
13
Vide, POTTER, David S., A companion to the roman empire, Malden, Blackwell Publishing, 2006, p.551.
14Vide, ORR, David Gerald, Roman Domestic Religion; A study of the Roman lararia, Maryland,
6
Nestes mini santuários, o paterfamilias colocava também, para além de oferendas,
árulas para oferecer às divindades17.
Este culto doméstico tinha a pietas como um dos seus pilares pietas é um
sentimento que o romano sente de obrigação/ devoção para com aqueles que um ser
humano está ligado pela natureza, nomeadamente, os pais, os filhos, ou seja os parentes.
Para além disto este tipo de culto romano criava uma ligação entre os membros da
comunidade familiar, pois estavam unidos sob a égide do pátria potestas que se projetava
no culto dos ancestrais. Este pietas alargou-se e passou a também simbolizar as relações
com o estado24.
17
Vide, ENCARNAÇÃO, José d´, Religião dos Romanos, religião de sempre?, Lisboa, Academia das ciências
de Lisboa, 2016, p.7.
18
Idem, Ibidem, p.551.
19
Vide, OGLE, M. B., “The House-Door in Greek and Roman Religion and Folk-Lore”, The American Journal
of philology, ano 3, vol. 32, 1911, p. 263.
20
Vide, KATAJALA-PELTOMAA, Sari et VUOLANTO, Ville, p.43.
21
Vide, ORR, David Gerald, p.68.
22
Vide, JOHNSON, Paulo Donoso, El culto privado en la religión romana: Lares y Penates como custódias
de la Pietas Famílis, Santiago, Revista eletrónica Historias del Orbis Terrarum, número 3, 2009, p. 16.
23
Vide, JOHNSON, Paulo Donoso, op. Cit., p. 15.
24
Vide, BUSTAMANTE, Regina Maria da Cunha, Lemuria: apaziguando os mortos malfazejos na Roma
Antiga, Rio de Janeiro, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2014, p.111.
7
No culto doméstico romano, para além da função cuidadora, havia divindades
domésticas destinadas a cuidar das memórias dos familiares defuntos, como veremos
mais à frente.
Um dos exemplos deste culto doméstico era na hora da refeição, onde para
santificar as refeições, ou seja, para convidar as divindades para a refeição, eram
colocadas estatuetas nas salas das refeições, frente destas estatuetas eram colocados
pratos de comida. Para além disto, antes das refeições havia a bênção na mesa, onde se
faziam orações pela saúde das crianças, pela vida tranquila e pela estabilidade
económica25.
Ainda relativo à alimentação, era habitual no início de cada mês as famílias mais
ricas oferecerem leitões aos Lares e aos Penates, podendo oferecer também presentes
luxosos como o caso do vinho e do mel. Relativamente aos pobres, estes ofereciam coisas
mais baratas, como as aves domésticas que depositavam num altar doméstico26. No que
diz respeito aos escravos, estes continham os seus próprios santuários, e era lá que estes
entregavam as suas oferendas27.
25
Vide, JOHNSON, Paulo Donoso, op. Cit., p.16.
26
Vide, VEYNE, Paul, op. Cit., p.163.
27
Vide, RÜPKE, Jörg, op. Cit., p. 199.
28
Idem, ibidem, p. 199.
29
Vide, Cicero’s Minerva, Penates, and the Mother of the Lares: An Outline of Roman Domestic Religion,
https://www.academia.edu/2389328/Cicero_s_Minerva_Penates_and_the_Mother_of_the_Lares._An_
Outline_of_Roman_Domestic_Religion_-_2008, consultado em 03/02/2020, p.267.
8
Estas divindades estavam presentes em muitos dos acontecimentos da vida de um
cidadão romano, havendo uma oração às divindades em qualquer grande evento/momento
da família30. Outra caraterística deste tipo de divindades era serem tão importantes como
as divindades protetoras da cidade romana.
Lares
A divindade dos Lares era cultuado periodicamente, cerimonial e intimamente. A
origem deste culto remete-nos para os primórdios da história romana, mais precisamente
para o povo etrusco31, apesar de a sua natureza estar em torno de muito debate ainda.
Uma das teses defendidas relativas à sua origem é que estes tiveram origem nas
terras agrícolas e só posteriormente passaram para protetores das famílias romanas32.
Segundo o professor Fowler, esta passagem do campo para a cidade pode ter sido efetuada
através dos escravos, outros autores, como Samter´s colocam a hipótese destas divindades
terem tido origem no culto dos mortos33.
Esta divindade era percebida como protetor de toda a família, das casas romanas
e protetores dos campos. No entanto, a ideia de Lares está associada a casa como
comunidade e não como lugar34. Para além disto, os Lares também estavam associados à
sorte da casa; podem ser vistos como protetores de um determinado local, sem ser a casa;
ou como deuses das ruas, estradas, prédios ou até mesmo do ar; ainda foi considerado por
outros que também fosse a alma dos mortos35.
30
Vide, HUNT, Norman Bancroft, Living in…Ancient Rome, Nova Iorque, Thalamus Publishing, 2009, p.308.
31
Vide, JOHNSON, Paulo Donoso, op. Cit., p. 13.
32
Vide, HUNT, Norman Bancroft, op. Cit., p. 307.
33
Vide, ORR, David Gerald, op. Cit., pp. 5-7.
34
Vide, Cicero’s Minerva, Penates, and the Mother of the Lares: An Outline of Roman Domestic Religion,
op. Cit., pp. 264-265.
35
Vide, ORR, David Gerald, op. Cit., pp. 10-14.
36
Idem, Ibidem, p. 14.
9
Os romanos pensavam que os Lares estavam em volta da casa de forma constante,
a sua ronda afastava os demónios e certificava a prosperidade para toda a família que
protegiam37.
No que diz respeito ao culto a esta divindade, podemos dizer que não existia um
culto comum, havia sim uma total independência deste culto. No entanto, podemos
observar caraterísticas comuns entre eles41.
Os Lares eram adorados por toda a família, e eram adorados em todas as ocasiões
familiares, provavelmente as famílias oravam a eles todas as manhãs e antes da principal
refeição do dia. Todos os meses era oferecido aos Lares bolos de mel e de farinha, leite,
flores e vinho.
Para um sacrifício sangrento em honra dos Lares poderiam ser utilizados porcos,
ovelhas ou touros. Para a realização deste sacrifício devia-se utilizar um prato ou patera
(que devia ser feita de ouro ou de prata); um thuribulum onde o incenso permanecia para
perfumar o altar; um aspersor de crina de cavalo, ou em substituição um ramo de oliveira;
o utensílio é o saleiro, onde se preserva os objetos e que impede a corrupção; e um
praefiriculum para a libação no altar42.
37
Vide, GRIMAL, Pierre, A civilização romana, Lisboa, Edições 70, 2009, p.74.
38
Vide, JOHNSON, Paulo Donoso, op. Cit., p. 14.
39
Vide, BEARD, Mary, NORTH, Jonh et PRICE, Simon, Religions of Rome – A Sourcebook, vol. 2, Cambridge,
Cambridge University Press, 1998, 31.
40
Vide, ORR, David Gerald, op. Cit., p. 15.
41
Vide, JOHNSON, Paulo Donoso, op. Cit., p. 16.
42
Idem, Ibidem, p. 15.
10
suas origens. O segundo momento foi então a partir desta reforma, onde a divindade foi
convertida em Lares Augusti, e onde o culto ficou centrado na figura do imperador43.
Este culto aos Lares resistiu durante muito tempo, em muitas áreas resistiu até ao
fim do sistema religioso que faziam inicialmente parte.
Havia ainda um festival em Roma, em honra dos Lares, eram as Compitalia, onde
figuras de lã eram penduradas nas portas das casas romanas e nas estradas, estas figuras
de lã foram ao longo do tempo substitutas dos sacrifícios humanos44.
Fora de Roma, relativamente aos Lares, considero importante fazer mais duas
referências, a primeira é que podemos traçar laços de semelhança entre esta divindade e
os deuses gregos45, e a segunda é que no Egito, sob domínio romano também veneravam
os Lares, no entanto, a principal divindade protetora do lar era Bes, sendo Harpócrates e
Ísis as divindades de apoio doméstico46.
Penates
A origem destas divindades remonta, segundo a lenda dizia que Eneias os tinha
trazido para o centro do império, aquando da sua saída de Troia47. No entanto, parece que
a sua origem remonta, mais uma vez, para o povo etrusco.
43
Los Dioses Lares en la hispania Romana,
https://www.researchgate.net/publication/39437759_Los_dioses_lares_en_la_Hispania_romana,
consultado em 03/02/2020, p. 154.
44
Vide, OGLE, M. B., op. Cit., p. 263.
45
Idem, Ibidem, p. 262.
46
Vide, POTTER, David S., op.cit., p. 551.
47
Vide, RODRIGUES, Nuno Simões, Mitos e lendas da Roma Antiga, Lisboa, Clássica Editora, 2012, p.73.
48
Vide, JOHNSON, Paulo Donoso, op. Cit., p. 19.
11
Eram também associados às colheitas agrícolas, um bem muito importante para
muitos, visto que era o único sustento de vida para uma grande parte da sociedade
romana49. E é por isto que uma das oferendas aos Penates eram colheitas agrícolas.
Para além dos cultos em sua honra existia também um festival em sua honra, que
acontecia no dia 14 de outubro50.
Manes
A palavra “Mane” significa os bons, os Manes eram adorados coletivamente.
Começaram por ser designados por di manes (os mortos divinos), e posteriormente por di
parentes (os mortos da família). Cada romano tinha um espírito individual que era esta
divindade52.
Os Manes são espíritos dos mortos que andavam a vaguear pela casa,
aterrorizando a tranquilidade da vida dentro da habitação. E por isto eram temidos pelos
romanos53. Estes eram representados através de bustos ancestrais.
Para além destes dias, havia outros momentos dedicados aos Manes, um desses
momentos eram os dies natalis, que eram dias onde a família romana celebrava
juntamente com os seus mortos, através de festins sobre o túmulo55.
Havia ainda as lemúrias que eram festivais onde se evocavam os Manes. No início
destas festas eram chamadas de Remúria e, segundo Ovídio, eram festas em honra não só
49
Idem, Ibidem, p. 20.
50
Vide, HUNT, Norman Bancroft, op. Cit., p. 308.
51
Vide, ORR, David Gerald, op. Cit., p. 24.
52
Vide, HUNT, Norman Bancroft, op. Cit., p. 308.
53
Vide, JOHNSON, Paulo Donoso, op. Cit., pp. 20-21.
54
Vide, BUSTAMANTE, Regina Maria da Cunha, op. Cit., p. 113.
55
Idem, Ibidem, p. 113.
12
dos Manes, mas também de Remo. Estas celebravam-se sete dias antes dos idos de março,
e eram oferecidos mel, flores, leite ou vinho56.
Nos dias das festas em honra destas divindades, o paterfamilias saÍa e casa e
lançava aos espíritos maus um punhado de favas cozidas57. Os Manes eram então
celebrados nas Parentalia, nas Feralia (ocorria no dia 21 de fevereiro, e faziam visitas às
sepulcros, pão embebido em vinho, oferendas de sal e flores), nas Lemuria, e no aniversário
do morto
Lemuria
Os lemures eram fantasmas dos mortos, estes eram diferentes dos Manes, isto
porque, após a morte de um homem romano, pensava-se que havia espíritos que passavam
a ser espíritos errantes e vingativos, porque os mortos foram condenados a eternidade a
vaguear pelo mundo, atormentando os vivos58.
56
Vide, RODRIGUES, Nuno Simões, op. Cit., pp. 117-121.
57
Vide, GRIMAL, Pierre, op. Cit., p. 74.
58
Vide, CASTRO, Rúben de, Omina mortis ivliorvm clavdiorvm - Expressão da mentalidade religiosa-
cultural e da memória coletiva romana, dissertação de mestrado em história, especialidade em história
antiga, apresentada na faculdade de letras da Universidade de Lisboa, 2017, p.26.
59
Idem, Ibidem, p.26.
60
Vide, BUSTAMANTE, Regina Maria da Cunha, pp. 114-121.
13
mãos; um bater em objetos de bronze; e por fim um pedido feito nove vezes para os
lemures abandonarem a habitação familiar.
Tal como os lemuria, os manes são espíritos romanos mortos, este tema da morte
é complexo, e por isso irei desenvolver melhor posteriormente no subtítulo da morte.
Genius
Esta divindade é exclusiva ao homem e à casa do homem (pois a casa também
tinha o seu genius), é uma divindade protetora que nasce e morre junto ao homem. A sua
origem remonta-nos para a Itália pré-histórica e nunca foi uma divindade totalmente
desenvolvida61.
Se o homem romano era protegido pelo Genio, a mulher romana tinha Juno (ou
Iunu) para a proteger, a origem destas duas divindades parecem remeter para o mesmo
sítio.
Vesta
Esta era a deusa do lar, e estava intimamente ligada ao lar da família 64. Uma das
caraterísticas desta divindade é que esta era eterna, renascendo continuamente65. Outro
aspeto é que esta era por vezes ligada ao fogo da lareira da casa romana.
61
Vide, ORR, David Gerald, op. Cit., p.25
62
Idem, Ibidem, pp. 25-27.
63
Vide, ADKINS, Roy A. et ADKINS, Lesley, Handbook to life in ancient Rome, USA, Facts on File, 2004, p.
307.
64
Vide, GRANT, Michael, O mundo de Roma, Lisboa, Arcádia, 1967, p. 186.
65
Vide, BLOCH, Raymond, Roma e o seu destino, Lisboa, Cosmos, 1964, p.180.
14
No entanto, pouco se sabe sobre o seu papel na religião do interior de uma casa
romana e com a sociedade agrícola. Evidência disto é a pouca referência na literatura
latina da ligação desta divindade ao culto religioso doméstico66.
Esta deusa pode ser vista como pertencente ao grupo dos Penates, pois estes
tinham morada no templo de Vesta o autor latino Ovídio referiu esta deusa em conjunto
com os Lares e os Penates, dizendo que estes tinham uma conexão íntima67.
Sacerdotisas de Vesta
Outro ponto que acho importante falar sobre esta divindade é como é que as
sacerdotisas desta divindade se podem relacionar ao culto doméstico, mas antes de
esclarecer este ponto considero importar fazer uma contextualização de quem eram estas
e o que faziam.
As sacerdotisas eram seis, e eram escolhidas entre os seis e os dez anos de idade,
pelo pontifex maximus, depois disto tinham trinta anos de compromisso (dez de
preparação, dez de prática, e por fim dez de instrução aos iniciantes), depois destes anos
podiam terminar as suas funções e casar com um homem romano, no entanto muitas
optavam por ficar68.
Para uma menina romana poder ser escolhida para este cargo, esta tinha de ter
ambos os pais vivos, e nenhum podia ter profissões consideradas infamantes; tinha de
residir em Itália; seguir a castidade, a virgindade e a abstinência sexual69.
A principal função destas sacerdotisas era manter o fogo da lareira pública aceso
no santuário em honra de Vesta. Se não cumprissem com as suas funções ou infringissem
alguma regra tinham castigos muito pesados, que podiam passar por castigos corporais
(caso o fogo se apagasse), ou mesmo pela pena de morto (caso infringissem o voto de
castidade)70.
66
Vide, ORR, David Gerald, op. Cit., pp. 16-17.
67
Idem, Ibidem, pp. 17-18.
68
Vide, GOUREVICH, Danielle et RAEPSAER-CHARLIER, Marie-Thérèse, A vida quotidiana da mulher na
Roma Antiga, Lisboa, Editora Livros do Brasil, 2005, p.184.
69
Idem, Ibidem, p. 185.
70
Idem, Ibidem, p. 187.
15
Para além destes castigos, estas tinham algumas vantagens, nomeadamente a
possibilidade de fazerem o seu próprio testamento; conduzir os seus negócios; e poderem
testemunhar, entre outros71.
Posto esta breve introdução de quem eram estas sacerdotisas, importa relacioná-
las com o tema central deste trabalho. Estas tinham alguns ritos de tipo doméstico, como
a limpeza do santuário72. Alguns sacríficos do festival de Matronalia (ocorrido nas
calendas de março) podiam ser realizados ou no templo de Juno Lacina ou no interior das
casas da aristocracia, nestes rituais, os maridos oravam pela saúde das mulheres e pela
harmonia entre o casal, depois as matronas serviam um banquete aos escravos73.
Importa referir que não me vou incidir em todos os rituais preparativos, mas sim
sobretudo sobre os pontos que dão para demonstrar como a religião familiar estava
patente nestas etapas.
Nascimento
O nascimento de um cidadão romano acontecia geralmente em casa, num quarto
que era preparado para o efeito, ou no quarto onde a mãe dorme. O parto compete à
parteira e às suas ajudantes, as ministrae75.
Este era um acontecimento de alto risco, tanto para a mulher como para o filho,
esta foi sempre a principal causa de morte nas romanas, esta é uma das razões para a
religião estar bem presente neste acontecimento76.
71
Idem, Ibidem, p. 189.
72
Idem, Ibidem, p. 188.
73
Vide, Religião, Gênero e Sociedade: Ordem romana, ordem sagrada, op. Cit., p. 129.
74
Vide, POTTER, David S., op. Cit., p. 551.
75
Vide, GOUREVICH, Danielle et RAEPSAER-CHARLIER, op. Cit., p.119.
76
Vide, BEARD, Mary, SPQR – Uma história da Roma Antiga, São Paulo, Planeta, 2017, p. 314.
16
Depois do nascimento da criança o paterfamilias tem o poder de decidir se
aceitava ou não a criança se não aceitasse a criança era exposta estas raramente
conseguiam sobreviver77. Quando tudo corria bem agradecia-se a Diana ou a Juno.
As divindades associadas a este momento são: Leuana (era quem presidia ao ato
de filium tollere), Vaticanus (presidia os primeiros choros); Rumina (proporcionava bom
leite); Potina (responsável pela bebida); Edusa (responsável pela comida); Cunina
(protetora do berço); Carna (responsável pelo desenvolvimento dos músculos);
Fabulinus (responsável pelas primeiras palvras); e Ossipagina (responsável pelo
rompimento dos dentes).
Casamento
Em Roma, um casamento era sobretudo um contrato e a cerimónia não tinha papel
de primeiro plano, no entanto, a questão religiosa está muito presente. O principal motivo
para este ato era a descendência78.
Na noite após a cerimónia eram realizados rituais para levar a noiva até à sua nova
casa, a do noivo, a esposa oferece três ases, um ao marido, o segundo coloca na casa para
assegurar a proteção do lar familiaris, e o terceiro coloca na mesa dos sacrifícios80.
77
Vide, VEYNE, Paul, op. Cit., pp. 16-17.
78
Vide, BEARD, Mary, op. Cit., pp. 304-305.
79
Vide, GOUREVICH, Danielle et RAEPSAER-CHARLIER, op. Cit., p.89.
80
Idem, Ibidem, p. 90.
17
Depois haveria novos rituais para atrair os deuses do lar, para isso ornava-se a
entrada da porta com tirinhas de lã e flores, oleando o alizar. No entanto, antes de entrar
na sua nova casa havia muito cuidado para não haver um grande acidente religioso. Para
isto não acontecer, os amigos do marido pegavam ao colo a noiva e passavam-na para o
lado de lá da porta, para assim não tropeçar na porta de casa, o que era visto como um
mau presságio81.
O facto de os romanos pensarem que a noiva tropeçar na porta de casa ser um mau
presságio, pode ser explicado pelo facto de estes acreditarem que existiam espíritos
malignos ao pé da porta da casa, prova disto é o facto de existir evidências de substâncias
que se acreditavam que protegiam a casa destes espíritos. A somar isto, o limiar com a
vizinhança era o lugar escolhido para se fazer rituais específicos com os espíritos dos
mortos82.
Morte
Este trabalho já se debruçou sobre os espíritos da morte, que eram os Manes (os
espíritos “bons”) e os Lemuria (os espíritos “maus”), e ficou aí provada a existência de
uma estrita relação entre a morte e a religião doméstica, no entanto, podemos traçar mais
traços de ligação.
Os mortos eram depositados fora da cidade83, pois tudo o que envolvia a morte
era considerado poluente e por isso, havia alguns rituais com o morto e com quem
contactava com ele.
A morte era por muitos considerada uma categoria intermédia entre os Homens e
os deuses, visto que também recebiam cultos e oferendas, mas não como indivíduos mas
sim como um grupo generalizado. Os mortos eram considerados uma coletividade divina,
e as suas almas eram consideradas perigosas84.
O culto dos mortos era muito importante para a religião doméstica, e apesar de
não existir evidências de enterramentos dentro de casa, ocasionalmente, as crianças que
81
Vide, GRIMAL, Pierre, op. Cit., p. 92.
82
Vide, OGLE, M. B., op. Cit., p.254.
83
Vide, FUNARI, Pedro Paulo, Grécia e Roma – Vida pública e vida privada, cultura, pensamento e
mitologia, amor e sexualidade, São Paulo, Editora Contexto, 2002, p. 70.
84
Vide, BUSTAMANTE, Regina Maria da Cunha, op. Cit., p. 113.
18
morriam até aos quarenta dias de vido o seu corpo ficava em casa. Para além disto, o culto
doméstico incluía um cuidado e uma inovação dos mortos ancestrais85.
A somar a isto, importa ainda dizer que o culto dos mortos tinha um duplo
propósito, nomeadamente, os mortos sobreviverem na memória da sua família; e
assegurar o conforto, alimentação e renovação permanente para a vida dos seus espíritos
falecidos86.
Religião no campo
Também no campo a religião estava bem presente, onde também eram veneradas
divindades para uma boa vida, e para haver boas colheitas.
No que diz respeito ao ancestral, este era um camponês que vivia numa pequena
fazenda, trabalhavam muito e viviam com a sua família. Este estava encarregue de manter
o equilíbrio entre o mundo dos homens e o mundo divino89.
Por fim, dizer que as principais divindades cultuadas na religião do campo eram
Ceres, Priapus e Lares.
85
Vide, OGLE, M. B., op. Cit., p. 266.
86
Vide, BUSTAMANTE, Regina Maria da Cunha, op. Cit., p. 114.
87
Vide, GRANT, Michael, op. Cit., p. 190.
88
Vide, KATAJALA-PELTOMAA, Sari et VUOLANTO, Ville, op. Cit., p. 45.
89
Idem, Ibidem, p. 45.
19
Conclusão
Finalmente, dizer que este culto doméstico que procurei demonstrar ao longo deste
trabalho, sofreu um forte revés quando o imperador do império romano Teodósio proibiu
a veneração aos Lares e aos Penates90.
90
Vide, Los Dioses Lares en la hispania Romana, op. Cit., p.154.
20
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