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Docencia em Deriva Atravessamentos de Um
Docencia em Deriva Atravessamentos de Um
Faz uma meia hora que evito olhar para esse copo de cerveja. Olho para cima, para
baixo, para a direita, para a esquerda: mas ele – o copo – não quero ver. E sei muito
bem que todos os celibatários que me rodeiam não podem me ajudar: é tarde demais,
já não posso me refugiar entre eles. Bateriam no meu ombro dizendo: ‘Então, o que
há com esse copo de cerveja? É igual aos outros. É biselado, tem uma asa, um
pequeno escudo com uma pá onde se lê Spatenbräu. Sei de tudo isso. Mas sei que há
outra coisa. Quase nada. Mas não posso explicar o que vejo. A ninguém. É isso:
deslizo suavemente para o fundo da água, para o medo. (SARTRE, 1994, p.23) 1
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Fragmento do romance ‘A Náusea’, de Jean-Paul Sartre, onde o autor apresenta um personagem
chamado Antoine Roquentin que, durante todo o livro, narra, em forma de diário, suas experiências e
acontecimentos cotidianos triviais, que vão lhe provocando estranhamentos a partir de sensações inexplicáveis
que acontecem na extensão de seu corpo com um aparente exterior indissociável. A esse estranhamento, essa
impossibilidade de reconhecer até mesmo o próprio corpo, ele chama de náusea.
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da bicicleta que a atinge antes de entrar, pela lembrança do cheiro de madeira revivido a cada
vez que se volta o olhar para o verniz que desbota lentamente. Ela é uma porta para quem a
olha a partir de um conceito genérico, mas é diferente de qualquer outra porta, e inclusive de
si mesma, para quem a vivencia.
Nos espaços educacionais, muitas vezes, a mesma certeza sobre o copo de cerveja também é
depositada sobre os profissionais que neles atuam. A escola, espaço criado com a finalidade
de promover a educação, acaba tendo essa característica como inerente a si, assim como sua
estrutura de divisão de papéis ocupados por cada membro da comunidade escolar. O
reconhecimento de um professor se dá pelo lugar ocupado, pelo fato de o mesmo ter tido uma
formação que lhe garantiu a certeza de ser um profissional ou, mesmo sem formação
específica, por estar atuando dentro de um espaço onde é reconhecido como ‘o professor’,
pelo fato de ele fazer uso de currículo e de metodologia, independente de quais forem. Dentro
de uma instituição de ensino, por exemplo, podem-se ouvir diversos comentários sobre a
competência de um determinado profissional, que ele é um bom ou um mau professor, mas
nunca que ele não é um professor, pois ‘ser professor’ já lhe está garantido.
Ao mesmo tempo em que acreditamos nesse ser estável, o ‘ser professor’, percebemos que há
sempre algo fluido nessa aparente certeza. A profissão de professor, em muitos momentos é
tomada por turbilhões de incertezas, por vezes dolorosas, que nos fazem nutrir uma espécie de
náusea. Entre as certezas de ‘ser professor’, enquanto profissão assumida indiscutivelmente,
explodem diferenças, as quais nossa formação acadêmica não traz garantias de soluções. Na
escola, nem todas as coisas funcionam como planejamos e isso faz com que vivamos
momentos já não tão tranquilos quanto pareceria caber a uma fixidez de ‘ser professor’. É
assim que nos deparamos com o mal-estar:
O mal-estar está na perda de algo que se acreditava ser a única base com força suficiente para
suportar o tamanho de um ‘ser’. Se mantemos as diferenças como externas a nós, investimos
arduamente no afastamento da causa do mal-estar e no retorno à segurança do homogêneo, do
absoluto, da certeza de ‘ser professor’. Mas se, ao invés de afastar o mal, de temer a
instabilidade, entendermos a nós mesmos como potência de diferenciação, não como ser, mas
como devir, que passa pelo lugar ‘professor’, atravessando-o, o mal-estar deixará de ser algo
tão temível e servirá como um impulso para repensarmos as supostas verdades que ele
desestabiliza.
Como inventar novas formas de ação sabendo que, independente de qualquer coisa, tenho a
certeza de que meu papel é o de ‘ser professor’ quando dentro desse sistema?
Inventar modos de existir professor não significa abandonar tudo o que já se sabe para
encontrar novos conhecimentos mais adequados. Os próprios conceitos que já possuímos nos
servem como possibilidades de encontros com outras experiências. Não se trata de um
abandono, mas de uma reterritorialização.
Sendo assim, tratar o professor como um ‘ser’ seria utilizar padrões universais para designar
algo mutável. Não se trata de acreditar que a soma do Paulo, do André, do Sérgio e de todos
os outros vai compor um encaixe que determinará a totalidade do professor, pois cada um
desses fragmentos, enquanto devir, nunca se completa ao ponto de se considerar formado e
definitivamente encaixável. O devir, para Deleuze, “não tem um objetivo, não tende a um
final, não é um processo para um ser, pois se fosse já teria alcançado seu objetivo” (1987,
p.25). O ser do devir não se dá na identidade, pois isso excluiria a possibilidade de passagem,
mas no retorno, no eterno retorno, naquele instante em que num jogo de dados os mesmos são
lançados (devir) e logo caem (ser do devir), reproduzindo uma combinação como afirmação
da necessidade. O ser do devir não é a combinação em si, mas a confirmação da necessidade
(DELEUZE, 1987).
Para falar sobre o devir, sobre a invenção, e com isso sobre o conceito de diferença, Deleuze
vai buscar argumentos na filosofia de Nietzsche. Para Nietzsche, de nada adianta descrever,
reproduzir, se não houver uma postura de criação; e é nesse sentido que ele propõe uma vida
como obra de arte, na qual todo e cada homem é artista, inventor. Como descreve Onate
(2003, p.230), para Nietzsche “a mera contemplação das obras de arte nada agregará ao
homem da ciência se ele não se alçar às mesmas atmosfera e intensidade de criação do gênio
artístico enquanto este produz sua obra”. O artista cultiva o mundo ao mesmo tempo em que
cultiva sua própria existência, superando a si próprio.
Essa criação não se faz sozinha, não é fruto do livre arbítrio, mas das relações, dos
atravessamentos com ideias, experiências, objetos, lugares, tempos...
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É pela arte que Nietzsche propõe uma saída para nos curarmos da verdade insuportável,
através de uma vontade criadora, de uma criação da ilusão que se sabe ilusão. É o que ele
chama de estética da existência, produzida com o devir, onde o homem tem a possibilidade de
abandonar cada elemento ao passo que não lhe sirvam mais (VIEIRA, 2008). O mundo seria
aquilo que herdamos como resultado dos erros e fantasias da evolução orgânica. As
explicações para nossas verdades seriam históricas e físicas, advindas da dinâmica da vida. Se
tal dinâmica não possui uma essência, cabe ao homem produzir o próprio mundo.
Agora imaginemos um professor em devir, entregue à necessidade de que algo aconteça. Esse
acontecimento depende de sua própria ação, das relações escolhidas no momento em que
percorre esse caminho, no momento em que os dados foram lançados. Lançado em devir ele
depende da intensidade com que percorre os espaços, dos espaços que escolhe percorrer e das
relações que estabelece nos encontros com esse trajeto. O professor, nesse instante, não busca
o encontro com o ‘ser’, ele necessita do acaso, que não é dispersão porque vai ao encontro de
uma necessidade de diferença.
Loponte (2011) investe em uma pesquisa que propõe pensar como a arte, em especial a
contemporânea, pode contribuir para a formação estética docente. Ela aposta em uma
experiência com arte que não abrange somente a formação de professores de arte, mas de
qualquer outra área de ensino, fazendo uso de conceitos de Foucault e Nietzsche para tratar de
uma docência artista, onde professores olham para a arte como algo que perturba e desaloja,
possibilitando ver as coisas existentes de modos diferentes, percebendo modos de fazer da
própria docência uma experiência artística, ou seja, inventiva.
Uma docência artista nos faz pensar a vida de modo mais transversal, duvidando de
dicotomias como a que fragmenta a vida entre vida pessoal e vida profissional ou entre o que
é natural e o que é artificial. Guattari (1999, p.25) sugere que aprendamos a classificar menos
o que cabe ao homem do que o que cabe à natureza afirmando que, “mais do que nunca a
natureza não pode ser separada da cultura e precisamos aprender a pensar ‘transversalmente’
as interações entre ecossistemas, mecanosfera e Universos de referência sociais e
individuais.” As mudanças se fazem nas relações, o que um estudante aprende na escola tem
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implicações em seu corpo, em sua profissão, em sua família, começando pela compreensão
que ele faz de corpo, profissão e família. O que ele aprende com o próprio corpo, com a
profissão e com a família também tem implicações em seu devir estudante. Do mesmo modo
um professor não é professor sem considerar os atravessamentos de sua vida, para além do
papel que exerce profissionalmente.
Entender essas relações como inseparáveis é algo que nos permite duvidar da apreensão de
um ‘ser’.
O que pretendi questionar aqui é justamente o ‘ser professor’, esse conhecimento identitário,
carregado como independente até mesmo do próprio sujeito que o encarna. A lógica
ecosófica, descrita por Guattari,
se aparenta à do artista que pode ser levado a remanejar sua obra a partir da intrusão
de um detalhe acidental, de um acontecimento-incidente que repentinamente faz
bifurcar seu projeto inicial, para fazê-lo derivar longe das perspectivas anteriores
mais seguras. Um provérbio pretende que ‘a exceção confirme a regra’, mas ela
pode muito bem dobrá-la ou recriá-la. (GUATTARI, 1999, p.36)
Como relacionar nossas experiências de mundo com nossos devires professor? Como
promover criações que potencializem outras relações além do lugar-comum de professor,
repensando nossas ações como seres humanos, como docentes e também como constantes
aprendizes do mundo?
Pensemos, assim, na vida como um sistema autopoiético, em que sejamos capazes de inventar
a nós mesmos e de, logo em seguida, nos reinventarmos a partir da própria repetição que não
é redundância, mas semelhança que propicia a capacidade de diferenciação. É essa
capacidade, sugerida por Kastrup (2007), que corresponderia a uma busca ativa para
solucionar um problema, tirando partido do meio e não, simplesmente, respondendo
passivamente a ele. Essas soluções são sempre temporárias, é preciso inventar outras, pois o
meio está sempre a nos impor perturbações, a nos afetar, a nos colocar problemas.
Considerando que os lugares que ocupamos não são estáticos, mas relacionais, eles podem se
transformar sem que ninguém perceba mudança aparente. Sem que o espaço físico mude, o
que pode mudar são os modos como nos relacionamos na construção de nossos papéis
habitados. Que ‘maneiras artista’ investimos em nossas vidas? Nas palavras de Loponte
(2005, p.75), numa visão contemporânea de arte, investir em algo que “não é acabado,
encerrado em uma moldura comportada na parede: é um produto da criação humana que pode
ser efêmero, fugidio, e estar em processo no momento mesmo de sua exposição”.
Essas invenções são experiências que se aproximam do conceito descrito por Bondía (2002)
onde, muito além de pensar as experiências enquanto práticas, ele sugere que as tomemos
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como o colocar-se em risco, permitindo que algo nos aconteça, correndo os imprevisíveis
perigos da transformação, encontrando sentidos (e não verdades) naquilo que nos acontece.
Investindo em ações distanciadas das relações diretas professor/educando, produzimos uma
válvula de escape da possível confusão de ‘experiência’ com ‘experimento’, genérico e
reproduzível, convertido em um caminho seguro e previsível da ciência experimental. Bondía
(2002, p.27) acredita que “ninguém pode aprender da experiência do outro, a menos que essa
experiência seja de algum modo revivida e tornada própria”. Nesse sentido, almejei
experiências que não encontrassem implicações diretas na ação educativa em instituições
escolares, que não buscassem um aprender de práticas para serem reproduzidas/aplicadas nas
aulas de arte. Pelo contrário, o que proponho é a promoção de rupturas no perceber-se e no
posicionar-se enquanto professor. Buscar a desterritorialização desse papel, aparentemente
bem definido, para deixarmos de pensar em nossas ‘identidades’ e passarmos a assumir a
transversalidade de nossas ações, entendendo que o professor não se faz unicamente dentro do
campo educacional. Gallo (2003, p.79) diz que “as políticas, os parâmetros, as diretrizes da
educação maior estão sempre a nos dizer o que ensinar, como ensinar, para quem ensinar, por
que ensinar”. A desterritorialização desses processos educativos nos leva a um
posicionamento de escape a um controle imposto por regimes de verdade, para a produção de
diferenças que, rizomaticamente, nos afastam da compartimentalização de saberes limitados
em si mesmos.
A pesquisa de Clareto (2011) mostra uma aproximação com essas ideias ao passo que discute
a aprendizagem do professor a partir da pergunta: “como o tornar-se professor se dá no
processo de invenção de si e do mundo?” (2011, p.54). Desse modo, a pesquisadora relaciona
a formação do professor considerando as três metamorfoses do espírito apontadas por
Nietzsche: modo-camelo (onde se carrega todo o conhecimento obtido) – modo-leão (onde se
crê que as verdades precisam ser colocadas sob os olhos da crítica) – modo-criança (a abertura
para as virtualidades), num processo de aprender que não é evolutivo, mas que se movimenta
como criação de possibilidades para uma existência inventiva, para abertura de devires
(CLARETO, 2011). Esse modo criança seria um professor que inventa a si, mas sem que para
isso seja necessário ignorar os conhecimentos de que já dispunha:
A docência em deriva
‘Ser professor’ é uma profissão que assumimos, assim como inúmeras outras possíveis ao
longo de uma vida. Ainda assim, podemos inventar possibilidades de não deixarmos que o
‘ser professor’ se torne identidade fixa, de entendermos nossa vida como um constante
processo formativo onde o professor não é existência (ser), é acontecimento; não é identidade,
é devir, é alguém que constrói lugares ao invés de somente habitar espaços inventados por
outrém.
Mas como pesquisar nosso processo formativo se ele não é materializável, não passa de devir?
Deixando-se levar por experiências que não direcionem a conceitos pré-formados sobre os
lugares percorridos é possível explorar espaços supostamente já conhecidos sem partir desse
suposto conhecimento, permitindo que esses lugares sejam sentidos de outros pontos de vista,
a partir de novas conexões.
A prática da deriva foi proposta pelo grupo Internacional Situacionista, na França das décadas
de 1950 e 1960. Partiam da ideia de que grupos de duas ou três pessoas se lançassem num
deslocamento urbano para além do passeio, renunciando aos motivos de caminhada, apenas
deixando-se levar pelas solicitações do terreno e os encontros que a ele correspondem
(DEBORD, 1958).
Nessa prática, o sujeito se propõe a desvincular-se dos significados que, muitas vezes, o
impedem de perceber o cotidiano tal como ele se apresenta no instante vivido; acreditando
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Praticar a deriva é perceber o que movimenta a própria vida no instante vivido, a partir dos lugares
onde nos vemos e nos colocamos enquanto nos deslocamos pela cidade.
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conhecer os espaços por onde circula, tem-se a tendência a ignorar os detalhes que os fazem
diferentes a cada nova experiência. É como a duração de Bergson, nas reflexões de Deleuze
(1999), que sendo simples, indivisível, se diferencia sem por isso deixar de ser o que é,
dando-nos a impressão de que estamos revendo as mesmas imagens nos mesmos lugares,
quando na verdade nem as imagens nem os lugares e nem nós mesmos continuamos iguais, já
trazemos novos sentidos para a existência, nos diferenciamos para além da própria matéria
visível. É nessa concepção que podemos considerar a impossibilidade de dotarmos de
significados únicos as imagens com as quais nos deparamos ao longo das derivas. Martins
(2008, p.31) pontua que
Sendo assim, uma imagem, mesmo quando dentro de um mesmo contexto, não é percebida
através dos mesmos significados, sua interpretação está sujeita aos modos como cada pessoa a
percebe a partir de suas predisposições. A deriva permite novos olhares para o lugar-comum,
para as identidades que fixamos nos lugares pelos quais passamos, possibilitando-nos
repensar nossas ações como constantes aprendizes e inventores do mundo. É produzir algo
capaz de transformar uma localização em lugar dotado de sentidos; um ‘lugar-comum’,
espaço banalizado, em ‘lugar comum’, espaço coletivo, e ao mesmo tempo propiciador de
descobertas individuais.
A deriva surge como uma prática importante para minhas pesquisas por permitir o abandono
de objetivos e metas pré-fixados, numa aproximação a diferentes contextos cotidianos, na
tentativa de problematizar alguns preconceitos que impediriam o traçar de novas experiências
em encontros com os lugares que vivemos enquanto professores. Se levadas para o processo
formativo do professor, penso como essas relações com a deriva podem possibilitar, cada vez
mais, pensar a profissão para além das políticas nela já calcadas, aproximando o professor de
situações que antes, talvez, não o tivessem afetado.
Desse modo, invisti na possibilidade de uma pesquisa onde ações artísticas relacionais
pudessem acabar se voltando para construções de subjetividades, de experiências visuais, mas
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também corpóreas que conduzissem a construções sociais. Nas palavras de Guasch (2005,
p.65) “lo fundamental de la vida es que la usamos para mirar a la gente, no para mirar al
mundo, y además no sólo miramos a otros, sino que también somos mirados por ellos.” Esse
processo de ver e ser visto é que faz com que a experiência, vista de modo artístico, não leve a
perguntas e respostas prontas, mas a invenções construídas coletivamente, nunca dadas por
acabadas.
Kinceler (2008) faz uso do conceito ‘arte relacional em sua forma complexa’ para descrever a
realização de propostas artísticas que usam referentes da realidade, capazes de diluir os
limites entre arte e vida cotidiana, complexizando a prática artística ao passo que junta
unidade e multiplicidades. Para tanto, ele inter-relaciona o objeto de conhecimento e o seu
contexto na produção de descontinuidades que permitam que as relações com o outro, com o
próprio corpo e com os objetos e desejos possam ser praticados de uma forma diferente.
Na Casa de Cultura, recortes desses registros estavam à disposição do público para que o
mesmo os colasse na parede, sem seguir um padrão azulejar, mas criando novas narrativas
pela união de diferentes fragmentos. Era a reinvenção de nossas seleções pelas seleções e
organizações do público, que recombinava imagens dando a elas sentidos bastante pessoais,
por vezes relatados oralmente.
Falo de um trabalho artístico por ter sido algo significativo no desenvolver de minha
subjetividade, poderia, com essa mesma experiência, estar falando sobre educação, sobre
como ensino e aprendo no ato da docência, inventando conhecimentos e coletividades que não
visem a uma finalização (obra acabada), mas à abertura para novas invenções do saber e de si.
De devires porvir
Entre derivas e invenções acredito que pensar o processo formativo do professor implica
investir em possibilidades, ainda que provisórias, sendo elas devires, de construções de
subjetividades a partir de experiências sociais, promovendo criações que potencializem outros
sentidos além dos significados profissionais de ‘ser professor’, onde a docência possa se
construir nas relações com o mundo, a partir das escolhas, acasos, agenciamentos e encontros.
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Como somos afetados ao longo das derivas, por quais imagens, objetos ou acontecimentos e
em que discussões isso implica não é algo que possamos prever de antemão, especialmente
quando abandonamos o fardo de ‘ser especialistas’, protegidos na segurança dos
conhecimentos profissionais. Algumas coisas nos afetam, outras nem tanto, outras sequer
notamos passar diante de nossos olhos. Grafites, arquiteturas, pessoas, animais, cores,
vitrines, plantas, vida, morte, movimentos, fissuras são encontrados pela cidade quando
andamos em deriva por ela e, independentemente de ser arte ou não, são imagens passíveis de
reinvenção, assim como o ‘ser professor’ que atravessamos em nossas vidas. Os modos como
cada professor se compõe nesses atravessamentos são o que diferencia a estaticidade de uma
profissão, da dinâmica de uma ‘vida’ profissional, que por ser vida, já é movimento.
Referências
BONDÍA, Jorge Larrosa. Notas sobre a experiência e o saber de experiência. In Revista Brasileira de
Educação. n. 19, Jan/Fev/Mar/Abr, 2002. pp. 20-28.
CLARETO, Sônia Clara. Como alguém aprende a ser professor? Políticas cognitivas, aprendizagem e
formação do professor. In Formação de Professores, Culturas: desafios à Pós-graduação em
Educação em suas múltiplas dimensões/ Helena Amaral da Fontoura e Marco Silva (orgs.). Rio de
Janeiro: ANPEd Nacional, 2011. pp.50-6.
GUASCH, Anna Maria. Doce reglas para una nueva academia: la nueva Historia del arte y los
estudios audiovisuales. In BREA, José Luis. Estudios Visuales: la epistemologia de la visualidad en
la era de la globalización. Madrid: Ediciones Akkal, 2005.
LOPONTE, Luciana Gruppelli. Arte contemporânea, inquietudes e formação estética para a docência.
In Anais do XX Encontro Nacional da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas
(Anpap). Rio de Janeiro: 26 de setembro a 1º de outubro de 2011.
NIETZSCHE, Friedrich. A Gaia Ciência. São Paulo: Editora Martin Claret, 2004.
SARTRE, Jean-Paul. A Náusea. 8ª Edição. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1994.
VIEIRA, Ariel D. A vida como obra de arte: ética em Nietzsche? Monografia apresentada para
conclusão da disciplina de Ética Profissional no curso de Psicologia da Universidade Estadual
Paulista. Novembro, 2008.