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Espaço e Cultura Visual: Reflexões na Arte-educação

Rebeca Sasso Laureano¹


Prof. Dr. Jerônimo Siqueira Tybusch²

¹ Mestranda no Programa de Pós Graduação em Tecnologias Educacionais em Rede;


Mestrado profissional em Tecnologias Educacionais em Rede; Universidade Federal de
Santa Maria.

² Doutor docente no Programa de Pós Graduação em Tecnologias Educacionais em Rede


(PPGTER); Mestrado profissional em Tecnologias Educacionais em Rede;Universidade
Federal de Santa Maria.

Resumo: O presente artigo apresenta algumas considerações a respeito da cultura


visual e de que forma ela pode se manifestar na arte-educação, atuando como
dispositivos propulsores de problematizações sobre as territorialidades e espaços
artísticos e visuais. Se trata de uma pesquisa em abordagem qualitativa-dedutiva,
que tem como procedimento resumos e fichas de leitura dos textos selecionados.
Serão abordados os temas de cultura visual a partir das teorias de base de Martins
(2015, 2018) e Debord (1997), interculturalidade, Arte e cultura de Canclini (2009),
espaço e cidadania de Santos (2000, 2002) e dispositivo de Foucault (2000).

Palavras Chave: Cultura Visual, Arte-educação, Interculturalidade


Introdução

Este artigo busca identificar possíveis relações da cultura visual com a


arte-educação a partir das problematizações sobre a cultura visual e de seus
tensionamentos, com ênfase na teoria de interculturalidade, tecnologia e arte de
Néstor García e de suas implicações nas concepções de espaço e de
territorialidades. Inicialmente, se faz necessário compreender um pouco do atual
panorama no qual se encontra a arte-educação e dos motivos pelos quais neste
momento, a cultura visual se faz objeto de estudo.
O ensino de artes obrigatório nas escolas ocorre no Brasil durante no ano de
1996 com a Lei 9394/96 chamada Lei de Diretrizes e Bases - LDB (BRASIL, 1996)
com ênfase bastante tecnicista, a então Educação Artística possuía como centro o
ensino geométrico, priorizando a formação profissional, a fim de suprir uma carência
industrial em expansão. De acordo com Barbosa (2018) as reformas educacionais
que seguiram até 1985, foram criadas mais escolas e a demanda por profissionais
formados na área fomentou o desenvolvimento de formações polivalentes de curta
duração.
Neste período, o ensino das artes era unificado, ou seja, o professor deveria
ter conhecimento nas áreas de teatro, música e artes visuais. Na década de 80, aos
que não se rendiam às abordagens totalmente tecnicistas, seguiam desenvolviam as
artes como apenas a expressão pessoal do aluno (BARBOSA, 2018) sem análise de
obras nem de contextos históricos, as artes recebiam o status de tempo livre e
relaxamento, imperando o desenho livre, e o pouco rigor metodológico.
A precursora brasileira a escrever e popularizar teorias de ensino para as
artes foi Ana Mae Barbosa, que desenvolveu a abordagem triangular para o ensino
de artes na escola, compilando três passos não necessariamente nesta ordem:
análise da obra, desenvolvimento de uma produção visual inspirada na obra e
análise de contexto.
Em um período com pouca ou nenhuma produção acadêmica em língua
portuguesa sobre como ensinar ou como explorar as possibilidades do ensino das
artes, Ana Mae se torna referência, porém sem formações continuadas, muitos
profissionais acabaram por não acompanhar as mudanças em sua teoria e por não
acompanhar as mudanças históricas e de conceitos do próprio mundo da arte.
A formação polivalente só foi revista em 2016 com a Lei nº 13.278/2016 que,
no seu artigo 20, propunha separar as áreas em teatro, música e artes visuais e
ainda incluía a “​necessária e adequada formação dos respectivos professores em
número suficiente para atuar na educação básica.” ​(BRASIL, 2016, s/p)​. ​Essa
mudança se deu a partir das pressões causadas pelos próprios profissionais e
pesquisadores e na necessidade das universidades em adequar seus currículos, que
tornavam-se obsoletos e superficiais em relação aos campos do conhecimento tão
vastos como artes, teatro e música.
No final da década de 90, os cursos em educação artística começam a ser
extintos, dando preferência a cursos específicos e aos poucos a pesquisa em
licenciatura de artes visuais se consolida. É neste momento, que começam a ser
fomentadas novas metodologias de pesquisa em artes visuais, novas metodologias
de ensino e também, novas articulações de campos de saberes, como a cultura
visual. Os estudos da cultura visual são influenciados pelo advento das tecnologias e
das relações entre cultura, imagem e sociedade e dela, surgem questões como as
mudanças de paradigmas estéticos e visuais, surgem as problematizações dos
espaços artísticos, das produções visuais coletivas-individuais e das implicações nas
subjetividades dos sujeitos.

Cultura Visual como dispositivo para fazer pensar

De acordo com Martins (2015) cultura visual se trata de um campo


transdisciplinar que busca fomentar e problematizar questões que se relacionam
com campos do conhecimento como história da arte, teoria fílmica, estudos culturais,
literatura e antropologia. Neste sentido, a cultura visual busca compreender como
são construídas as noções de cultura a partir de imagens como filmes, imagens de
arte, publicidade, artefatos históricos e de outras manifestações que ganham
significados e que articulam sentidos.
Esta análise, das relações entre cultura e imagem, surgem de diversas teorias
que defendem uma mudança de paradigma no século XX com relação às imagens e
aos papéis que desempenham. Santos (2003) em seu livro ‘Politizar as novas
tecnologias’ nos expõe a partir da teoria de Atget e de Benjamin, a compreensão das
imagens como uma possibilidade em questionar-se a respeito das dominações e
alienações do homem.
A virada cultural dos anos 60 e os estudos culturais advindos deste
fenômeno, compreendem os indivíduos sociais, principalmente os comuns e
marginalizados, como produtores de linguagens e valores culturais que transcendem
aos conceitos de belo e erudito (MARTINS, 2015). Neste período, começam a ser
questionados dentro do campo das artes, por exemplo, o valor da arte como
representação da realidade e também seu compromisso com isso. A compreensão
da cultura visual é mais ampla e propõe pensar a arte como não apenas pelo seu
papel estético, mas também pela sua influência no papel social, político e cultural.
Mitchell (1995) foi um dos pioneiros autores sobre cultura visual e conceitualiza a
cultura visual como:

[...] o reconhecimento de que o ato do espectador/interprete (olhar, faze,


relacione, práticas de observação. vigilância e prazer visual) pode ser um
problema tão profundo quanto as várias formas de leitura (decifração,
decodificação etc) e que a experiência visual ou alfabetização visual pode
não ser totalmente explicável através do modelo da textualidade. (MICHELL,
1995. p. 16)

Apenas análises e aparatos como fruição individualizada e contemplação de


obras são são suficientes na contemporaneidade de abarcar as influências e
disseminação de imagens, suas possibilidades de experimentação (Martins, 2015) e
neste sentido, podemos citar Santos (2003) quando explana a teoria de Atget, no
qual ele suscita o entendimento da fotografia como uma nova possibilidade de leitura
do mundo e da investigação da realidade, e não apenas como possibilidade de
contemplação.
Na perspectiva da cultura visual, são diluídas as fronteiras territoriais e
começam a ser debatidas as produções imagéticas e de sentidos nos mais diversos
campos, classes e grupos sociais. São elaborados significados coletivos,
compartilhados e difundidos, sem hierarquização, questionando os status de ‘obra’ e
de ‘artista’. Os espaços se tornam subjetivos porém, compartilhados em seus pares,
sendo organizados de acordo com suas interpretações e diálogos, manifestando
opiniões, desejos, discursos e poderes. As imagens começam a ser problematizadas
e questionadas por não apenas um ponto de vista, mas tantos quantos forem
possíveis.
Desta forma, é importante salientar que na cultura visual a imagem pode ser
encarada como um dispositivo. Para Foucault (2000) o sujeito estaria
constantemente modificando-se através das produções e modificação de verdades,
implicando em transformando seus pensamentos, sua posição e organização
subjetiva, social, afetiva, política como em um jogo onde as regras mudam. Para
Foucault, existem estratégias discursivas e múltiplos dispositivos capazes de
institucionalizar verdades, de transmutar nossas noções relacionadas à poder,
sexualidade, vigilância, disciplina dentre outros. As imagens assim como as
tecnologias, o governo, a família dentre outros, também podem ser vistas
dispositivos, como algo que carrega em si significados e influências que muitas das
vezes não percebemos pelas distâncias físicas ou pelas distâncias de signos.
As imagens, assim como tantos outros elementos de nosso cotidiano, é
ideológica e carrega em si, seus contextos, influências e podem ser alvo do que
chamamos de estudos da alfabetização visual (literacias) justificada nas palavras de
Santos (2003, p. 156), ao “[...] surgimento de um novo tipo de analfabeto, os
‘analfabetos da imagem’, aqueles que são incapazes de ler o acontecimento através
de indícios​, traços, vestígios​”​. Estes estudos, procuram investigar como as imagens
chegam até os indivíduos, como se manifestam em seus grupos, quais laços são
enfraquecidos e quais laços são reforçados através de suas visualidades e ainda,
como o olhar estas imagens pode contribuir para o desenvolvimento da subjetividade
nos campos da cidadania, da politização ou de competências socioemocionais.
Bauman (2009) trata a cultura da modernidade como um comércio, centrado
no consumidor, busca-se oferecer o maior tipo de mercadoria possível a fim de
seduzir e fomentar um estilo de vida consumista e desapegado, na massa de
informações, se perdem as noções de pertinência, de utilidade. Dessa forma,
compreende o produtor ou o consumidor como alguém manipulativo, ou ainda, não
consciente de sua predileção imagética.
É importante aqui salientar, que os discursos das imagens dependem
justamente, das subjetividades de quem as olha e por este motivo, se torna difícil
definir um grupo de imagens por exemplo, como diabólicas ou profanas ao senso
ético ou estético. Martins (2015) salienta o cuidado que devemos em tratar a cultura
visual apenas como uma análise discursiva ou política ideológica, na verdade, a
cultura visual também inclui estas análises, mas a ênfase não são os modos de
transmissão ou a comunicação destes discursos, principalmente, porque devemos
conceber que toda análise pressupõe um ponto de vista e um posicionamento, que
nunca é totalmente neutro.
A ênfase é a imagem e os artefatos visuais como objetos de estudo, que se
interligam a construção de subjetividades, sociais e políticas dos indivíduos, dos
grupos dos quais pertencem e dos espaços que ocupam. São possíveis
problematizações e análises de imagens compartilhadas nas redes digitais como por
exemplo, no site ​streetartsp ​(2019) que dispõe conectar através de registros
fotográficos visualidades como lambe-lambe, adesivos, grafites, pixos entre outros
na cidade de São Paulo. O site, oferece possibilidades de marcar o local onde tal
artefato foi encontrado e também, de interagir entre os colaboradores da página,
chamados de ​Street Art Hunters​ (figura 01).

FIGURA 1 - SITE STREETARTSP

Fonte: Acervo Pessoal


É possível ir além dos discursos instaurados nas imagens, pensar como estas
imagens auxiliam a formação de grupos ou, de que forma estes grupos se articulam
para compartilhar imagens. Quais são as implicações nas formas de ver o mundo
destes indivíduos e como estas imagens podem coadjuvar em participações políticas
ou de valorização dos espaços da cidade.
Debord (1997) nos narra em seu livro “A sociedade do espetáculo” sobre o
que Santos (2003, p. 162) trata sobre a “erosão da realidade”, sobre a “proliferação
das imagens da mídia conduz, portanto a uma perda do ‘senso de realidade’”.
Santos faz uma análise teórica que trata sobre teoria crítica da arte e elabora então,
que a perda deste senso de realidade é uma das possibilidades de pluralização e
emancipação plena, através do caos relativo.
No texto de Santos (2003) Debord e Vattimo (apud Santos, 2003) se
aproximam em confirmar o poder das imagens, porém Debord, assume um
posicionamento crítico, quase acusatório, não no sentido de emancipação, mas de
dominação de subjetividades. As imagens são capazes de modular e oscilar
realidades e dessa forma, os objetos-imagens são conduzidos a tomar o papel de
agentes de produção de da sociedade, conduzindo a emancipação mas também, a
própria anestesia dos corpos:

Na forma do indispensável adorno dos objetos hoje produzidos, na forma


da exposição geral da racionalidade do sistema, e na forma de setor
econômico avançado que modela diretamente uma multidão crescente de
imagens-objetos, o espetáculo é a principal produção da sociedade.
(Debord, 1997, p.18)

A compreensão dessas visões, nos ajudam a pensar a politização das


imagens, se de alguma forma a cultura visual é capaz de atuar como
problematizador de independência ou ao menos, de tomada de consciência das
linhas rizomáticas de poderes. Uma maneira de desafiar os sistemas vigentes,
propondo examinar as alienações e as representações de realidades forjadas, não
no sentido de interpretar imagens como máquinas malignas de manipulação mas, de
perceber que por trás destas imagens, existem signos e discursos que muitas das
vezes podem passar despercebidos sem atenção.
Cultura Visual: Entre territórios e espaços sociais

O ideal de que as imagens na modernidade atuariam como emancipatórias


parecem não alcançar os tempos vividos. Experimentamos uma concepção de
liberdade, de politização das imagens e de diversidade nos espaços da arte, porém
um olhar atento nos revela ainda a prevalência da estética dominante, elitizada,
voltada aos públicos de classe média e alta. Canclini (2004) nos chama atenção ao
conceito de diferença a partir da desigualdade de Bourdieu (apud Canclini, 2004) em
como se manifestam as escolhas de grupos e do que considera digno ou
considerável de admiração e nisto, percebemos claramente como nossa percepção
pode ser modulada por determinados grupos a parecer livre e politizadas, isentas de
ideologias e de outros aspectos culturais que permeiam as visualidades.
Na cultura visual, partimos do pressuposto de que as imagens estão
associadas aos estudos da cultura e do social, isto é, de como estas visualidades se
manifestam e afetam os sujeitos no cotidiano. As produções visuais, sejam elas
quaisquer, são produzidas por indivíduos, que articulados ou não em coletivos,
pertencem a grupos e carregam em si, signos, linhas de poder, discursos, modos de
viver e ver. Canclini (2004) nos chama atenção para as palavras de Bourdieu:

[...] que aquilo que um grupo social escolhe como fotografável revela o que
este grupo considera digno de ser solenizado, como estabelece condutas
socialmente aprovadas, a partir de quais esquemas percebe e aprecia o real.
Os objetos, os lugares e personagens selecionados, as ocasiões para
fotografar mostrar o modo pelo qual cada setor se distingue dos outros.
(CANCLINI, 2004, p.70)

Partindo desta mesma lógica é possível estabelecer que os indivíduos,


aglomeram-se em espaços e territórios, compartilhando não apenas determinadas
características como sexo, raça ou classe social, mas também visualidades, hábitos
e até mesmo, percepções estéticas. Estes grupos, reunidos e articulados, são
capazes de fortalecer discursos, valores, aprendizados e estéticas. Dotados de suas
próprias cosmovisões, são capazes de institucionalizar ou de influenciar a
institucionalização de suas visualidades, seja por meio de meio do compartilhamento
em massa, elaboração audiovisual, uso de redes digitais ou até mesmo, ocupações
marginais de espaços de arte.
De acordo com Canclini (2004) Bourdieu na década de 80, conduz a pesquisa
na frança, de que museus e exposições são privilégios de classes com maior nível
econômico e estas problemática, se reflete nas construções não apenas de valor
estético para estes grupos, mas também, na elaboração de preconceitos e
individualismos. Estes embates, surgem da compreensão que do ponto de vista da
cultura, ainda temos no ocidente a forte demarcação das desigualdades étnicas, de
classe e de gênero e neste sentido, precisamos de um olhar atento ao que isto
produz (Martins, 2015).
Estas desigualdades, por exemplo, colaboram nos conflitos e nos
tensionamentos encontrados nos espaços de veiculação de imagens, sejam espaços
físicos como museus ou galerias como em espaços digitais, como redes sociais.
Podemos através da problematização destes assuntos, pensar em como estes
territórios, estes espaços territoriais de propagação de visualidades provocam
tensionamentos? Que leituras são possíveis destes encontros?
Para Santos (2000) a globalização e a expansão do capitalismo podem não
apenas nos dar apenas pistas de como estas inquietações se manifestam, mas
podem também ser a causa destes embates. O uso das tecnologias aliado aos
espaços digitais de compartilhamento e agrupamento de informações, colaboram
para a produção de visualidades, de subjetividades e de lógicas que preconizam o
individualismo e por vezes, a selvagem competitividade:

Os individualismo na ordem do território (as cidades brigando umas com as


outras, as regiões reclamando soluções particularistas). Também na ordem
social e individual são individualismo arrebatadores e possessivos, que
acabam por constituir o outro como coisa. (SANTOS, 2000, p. 47)

Os sujeitos, habitando seus territórios, em resistências ou em dominâncias,


produzem estéticas a partir de suas influências religiosas, escolhas econômicas,
relações sociais, circulações dos corpos. Podemos nos questionar, quais são as
imagens, publicitárias, televisivas, virtuais, artísticas, urbanas que também podem
manifestar as tensões causadas pelo individualismo. As imagens são capazes de
refletir o pensamento de um grupo e também, de um tempo histórico, como a
modernidade e são configuradas em dimensões sociais e simbólicas da cultura,
como espaços artísticos. Desta forma, podemos compreender:

[...] em retrospectiva, que as teorias universalizantes do


conhecimento e da estética foram sustentadas por ideologias
dominantes que omitiram ou silenciaram vozes e,
consequentemente, esmagaram os pontos de vista das mulheres,
dos negros, dos índios e de outras minorias. (MARTINS, 2015, p.35)

Se nos componentes territoriais, podemos apontar através da teoria de


Santos (2000) de que a cidadania supõe a igualdade de acessibilidade semelhante
aos bens e serviços, poderíamos ainda problematizar a cidadania manifesta na
acessibilidade das produções artísticas e de visualidades em um contexto
abrangente. Desta forma, o estudo da cultura visual se articula na compreensão das
perspectivas de interpretação imagéticas e de como elas se surgem por exemplo, na
própria experimentação artística por determinados grupos e nas ausências em
outros.
Se os espaços artísticos visuais se diferem pelos grupos e também pelos
espaços, de que forma percebemos estes grupos? Como são possíveis enxergar os
que anteriormente foram silenciados ou oprimidos pelas ideologias anteriores?
Inicialmente, precisamos compreender a existências de nichos e de ideologias, de
teorias universalizantes do conhecimento e de estética e como são alimentados em
nossa sociedade. Investigar estes espaços e estas visualidade consiste em perceber
as imagens como dispositivos, em ir a fundo nos questionamentos e nas
problematizações, em tentar perceber o mundo pelos olhos do outro.
Canclini (2004) nos traz as discussões propostas por Bourdieu quanto às
diferenças das práticas culturais e dos sujeitos culturais, como se comportam e
como ocupam espaços. São caracterizados os grupos e abordadas suas
características, dando ênfase não apenas ao consumo e a produção de símbolos,
mas também em como são usados:

[...] se estabelece pela composição dos seus públicos (burguesia, classes


médias e populares), pela natureza de suas obras (obras de arte/bens e
mensagem de consumo de massas) e pelas ideologias que os expressam
(aristocratismo esteticista/ascetismo e pretensão/pragmatismo funcional).
Os três sistemas coexistem dentro da mesma sociedade capitalista, porque
esta organiza a distribuição (desigual) de todos os bens materiais e
simbólicos. Tal unidade ou convergência manifesta no fato, entre outros, de
que os bens são, em muito casos, consumidos por distintas classes sociais.
Então a diferença se estabelece, mais do que nos bens de cada classe se
apropria, no modo de usá-los. (CANCLINI, 2004, p. 78)

Grupos pertencentes às classes com maior poder aquisitivo, a qual


reconhecem museus como espaços simbólicos intocáveis, com um “silêncio religioso
que se impõe aos visitantes, ascetismo puritano do equipamento​” (​ CANCLINI, 2004,
p. 79) demonstram interesse por objetos artísticos nos quais elaboram mais
significados, compartilhando conhecimentos como estilos e épocas e justamente por
demonstrarem possuir os conhecimentos de tais signos, menosprezam os que não
compartilham dos mesmos referenciais demonstrando uma imensa dificuldade em
compreender a estética popular ou de setores médios. Podemos também pensar nos
atores que atuam na manutenção de valores e ideologias dominantes como
curadores e artistas, acadêmicos e outros. A cultura visual pressupõe compreender
a multipluralidade de grupos e imagens e perceber que de certa forma, determinados
grupos dominam e compartilham seus valores reagindo com certa violência
simbólica aos diferentes.

4 Arte-educação e cultura visual

São nas problematizações dos estudos da cultura visual que surgem então
possibilidades pedagógicas nas artes visuais, onde encontramos as manifestações
visuais de grupos socialmente diferentes e desiguais? Como questionar as
produções de forma mais abrangente em sala de aula? Como ampliar as noções do
ensino das artes e das problematizações das imagens no cotidiano? Como se dão
as institucionalizações das imagens, os tensionamentos cotidianos, as repulsas e as
aproximações destes grupos, de suas estéticas? Como podemos perceber, ambos
se relacionam, se contaminam, mas como se dá estes descompassos cruzamentos?
Como nós, professores nas Artes Visuais, podemos abordar tais visualidades?
De acordo com Barbosa (2018) ainda imperam no ensino das artes visuais, os
temas eruditos e puristas, apesar das tentativas em incluir manifestações estéticas
populares abordadas por Canclini (2004, p. 91) como “particulares [...] não redutíveis
à relação com os modelos predominantes nem à preocupação utilitária, que também
costumam ser presentes​”.​ No ensino das artes, ainda temos uma predominância do
estudo formal das obras, a priorização de artistas Brasileiros modernistas como
Tarsila do Amaral ou consagrados ao senso comum como Romero Britto.
No entanto, existem manifestações e fomentos em projetos na Arte-Educação
que buscam dar o mesmo valor apreciativo pela produção erudita a produção
cultural e imagética de classes populares (BARBOSA, 2018). Os elementos
populares bem como as visualidades das publicidades, ou quaisquer que sejam
costumam adentrar os currículos após as legitimações das classes dominantes. Este
é o motivo pelo qual é tão necessária a politização das tecnologias e de suas
visualidades (SANTOS, 2003).
Alguns anos atrás, em 2008, tivemos um destes atravessamentos, que
demonstram como os espaços são confrontados e como as perspectivas
educacionais de erudição podem ser questionadas,inclusive, através destes
acontecimentos são possíveis as demonstrações práticas das diferenças e
desigualdades propostas por Canclini (2004). No ano de 2008, o Brasil protagonizou
um acontecimento incomum: a invasão do espaço da Bienal Internacional de Artes
de São Paulo, no parque do Ibarapuera, na qual um grupo de 40 pichadores,
munidos por latinhas spray, pularam muros, quebraram janelas e registraram suas
imagens nas paredes no segundo andar do pavilhão (G1, 2010) (figura 02).

FIGURA 2 - PIXOS NA BIENAL EM 2008

Fonte: Aguinaldo Rocca, G1 (2010)


Dois anos depois, em 2010, três destes artistas aceitaram o convite da
curadoria da Bienal, a expor seus trabalhos. As produções do grupo, agora com
status de arte marginal, receberam um local na exposição, porém não como pixo
propriamente dito e sim, como ação documental.
É interessante pensar que mesmo dentro de um espaço institucional, apesar
do status de obra, ela não se torna conectada com a linguagem artística em si, e isto
se manifesta em outro acontecimento, que se dá em outro espaço formal da arte.
Cripta, um dos três artistas que aceitaram expor na Bienal em 2010, foi convidado a
participar de outros eventos e exposições no Brasil (Figura 03) e também no mundo,
incluindo a Bienal em Berlim em 2016, no qual protagonizou uma colisão
compreensão por parte da curadoria, do conceito de pixo e de arte marginal.
Ao ser delimitado por terceiros, a intervenção deixaria de ser na prática, pixo.
Em entrevista à revista Vice (2016) quando questionado sobre sua participação na
Alemanha, o artista elucida o acontecimento: “a gente começou a pixar nas paredes
de propósito, e eles falaram que não poderíamos fazer isso, e nós respondemos
'bom, vocês exigiram uma demonstração prática do pixo, que inclui pixar onde não
pode, então estamos fazendo nosso trabalho’.​”​ (aspas do autor, VICE, 2016).

FIGURA 03 - EXPOSIÇÃO “EM NOME DO PIXO” DE CRIPTA DJA, 2016.

Fonte: Larissa Zaidan, VICE (2019)


Percebe-se aqui como este evento pode apontar sobre o mercado
interclassista que Canclini (2004) oferece a obra de Bourdieu. Interessados em suas
próprias questões e setores, este mercado interclassista busca oferecer uma
inclusão de produtos “nascidos nos setores populares, as representações
independentes das suas condições de vida e ressemantização da cultura
hegemônica​”​, porém, é necessário perceber que estas produções, possuem suas
próprias características, suas estéticas próprias, suas existências que fogem a
padrões dominantes.
De forma alguma estas manifestações visuais devem ser assimiladas como
inferiores ou restringidas a determinado número de signos, como no caso de Cripta
na Bienal Alemã, a uma parede escolhida pela curadoria. Devemos respeitar e
procurar compreender o que cada grupo, o que cada espaço produz e por sua vez, o
que os sujeitos ali operam, engendram, reinventam, quais signos próprios são
elaborados e que mesmo que independentes não são desconectado do mundo.
Para Bauman (2009) há uma intenção do capitalismo selvagem nesses
enfraquecimentos de laços, na dissolução das identidades, se tornam como âncoras
em mares e portos que podem ser lançadas assim que seja solicitado ou que haja o
desejo de ancorar. É importante que nós arte-educadores tenhamos consciência de
as imagens e os espaços artísticos são capazes de subverter a (des)ordem social
instaurada, respeitando e também incentivando as percepções de pertencimentos,
reforçando que houveram em nossa história e que ainda existem culturas e olhares
subjugados pelas dominâncias,

Conclusão

Pensar cultura visual, é questionar-se os motivos que levam estes elementos


visuais, como por exemplo o pixo, a entrar nos espaços institucionais, qual a posição
dos grupos dominantes, quais olhares sobre a estética quando deslocado de seu
território são possíveis. Será que existem diferenças entre o pixo dentro do museu e
do pixo na rua?
O ensino das artes, é capaz de fazer questionar quem pode ou não pode ver
esta imagem, qual a posição do sujeito que vê. Quais estéticas foram silenciadas no
decorrer de nossa história e como estes grupos hoje resistem ou, se modificam em
nossa sociedade. Questionar-se por exemplo, quem são os autores do ‘belo’, do
‘feio’, do ‘agradável’, o que causam em nós, os efeitos a curto e longo prazo em
nossas vidas.
Quando levados e aplicados ao contexto educacional, a cultura visual nos
permite uma educação do ver, questionando e problematizando territórios e
espaços, juízos e valores. Questionando e fazendo questionar até que ponto, as
instituições são capazes de incluir silenciados e enfraquecidos historicamente e até
que ponto, nós também nos afetamos as manifestações visuais dos diferentes.
BIBLIOGRAFIA

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http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2016/Lei/L13278.htm

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