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João A. M.

Gondim Cálculo 4

Aula 1
1 Equações diferenciais

Uma equação diferencial consiste de uma equação, cuja incógnita é uma função y(x), envolvendo
derivadas de y (e, opcionalmente, x e y). Por exemplo,
y0 = x
As funções que satisfazem essa equação, de acordo com o Teorema Fundamental do Cálculo, possuem a
forma
x2
y(x) = + C,
2
onde C é uma constante real. Dizemos que a expressão acima é a solução geral da equação (para cada
valor de C temos uma função que satisfaz a equação, ou seja, uma solução).
Um outro exemplo é a equação
y0 = y
Nesse caso, não é tão simples determinar a solução geral quanto no exemplo anterior, mas sabemos que
uma função que, ao ser derivada, resulta em si mesma é a exponencial y(x) = ex . Mais geralmente, a solução
geral é
y(x) = Kex ,
onde K ∈ R. A derivada y 0 não precisa aparecer na equação, mas alguma derivada precisa. Por exemplo,
no caso de
y 00 = −y,
podemos ver que duas soluções são y1 (x) = sen x e y2 (x) = cos x. Além disso, veremos ao longo do curso
que a solução geral é
y(x) = λ1 sen x + λ2 cos x,
onde λ1 e λ2 são reais. Finalmente, equações como
∂y ∂2y
α2 =
∂t ∂x2
envolvem derivadas parciais, por isso dizemos que trata-se de uma equação diferencial parcial, ou sim-
plesmente EDP. Quando não há derivadas parciais, como nos demais exemplos, dizemos que a equação é
uma equação diferencial ordinária, ou EDO, que será o assunto principal destas notas.
A ordem de uma EDO é a maior ordem de derivada que aparece na equação. Por exemplo, y 0 = y é de
primeira ordem, enquanto y 00 = −y é de segunda ordem. O primeiro capı́tulo deste curso abordará as EDOs
de primeira ordem. Nem toda EDO pode ser resolvida analiticamente, isto é, em geral não conseguimos
determinar a solução geral de uma equação qualquer. Veremos cinco casos em que isto é possı́vel nas
próximas seções.

2 EDO separável

Dizemos que uma EDO é separável quando ela possui a forma


y 0 = f (x)g(y), (2.1)
ou seja, y 0 é igual ao produto de uma função que depende apenas de x por uma que depende apenas de
y. Para resolver uma equação deste tipo, escrevemos y 0 como dy/dx e separamos as variáveis dividindo por
g(y) e “multiplicando” por dx. Assim, a equação passa à forma
1
dy = f (x)dx, (2.2)
g(y)
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ou seja, separamos asvariáveis (de um lado a única variável é y, enquanto do outro, é x). Agora, basta
integrar os dois lados.
Por que isso dá certo? Afinal, multiplicar por dx não é algo formalmente correto... De fato, é correto
escrever a equação na forma
1 dy
= f (x).
g(y) dx
Agora, suponha que G(y) e F (x) são, respectivamente, primitivas de 1/g(y) e de f (x). Isso significa que

dG(y) 1
= e F 0 (x) = f (x)
dy g(y)

Lembrando que y é uma função de x, a Regra da Cadeia nos permite derivar G(y) em função de x:

dG(y) dG(y) dy 1 dy
= = = f (x)
dx dy dx g(y) dx

por conta da forma em que escrevemos a EDO. Assim, G(y) e F (x) possuem mesma derivada em relação a
x, logo existe uma constante C tal que
G(y) = F (x) + C
Observe que Z Z
1
dy = G(y) + C1 e f (x)dx = F (x) + C2 ,
g(y)
portanto quando integramos os dois lados da equação (2.2) obtemos

G(y) + C1 = F (x) + C2 ,

que é exatamente o mesmo que G(y) = F (x) + C com C = C2 − C1 , como vimos no parágrafo anterior. Isso
mostra que é válido “multiplicar” por dx (apesar de haver Teoremas importantes por trás deste truque).
Vejamos alguns exemplos.
Exemplo 2.1. Resolva a equação y 0 = y.
Solução. Já sabemos como deve ser a solução geral neste caso, mas vamos resolver a equação usando o
processo acima. Temos
dy
y0 = y ⇒ =y
dx
dy
⇒ = dx
y
Z Z
dy
⇒ = dx
y
⇒ ln |y| = x + C

Se pararmos neste ponto, dizemos que a soluçção geral está na forma implı́cita (onde C é uma constante),
pois y não está isolado. Ainda podemos melhorar a expressão final, escrevendo

|y| = ex+C = ex eC

Como eC também é uma constante, vamos escrever λ = eC , de modo que |y| = λex . Daı́, y(x) = ±λex , mas
como λ é constante, ±λ também é, e escrevemos K = ±λ. Assim, a solução geral, em forma explı́cita, é

y(x) = Kex
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Algumas observações precisam ser feitas. Primeiramente, em cada etapa costumamos atualizar o valor
da constante. Como ficam muitas constantes diferentes, em geral chamamos todas elas pelo mesmo “nome”.
Assim, quando chegamos a |y| = eC ex , irı́amos escrever |y| = Cex , onde esta nova constante C não é a
mesma da equação anterior, nem estamos criando uma equação C = eC . A partir do próximo exemplo
usaremos uma mesma letra para a constante em todas as etapas do problema.
Note também que, pela forma que resolvemos, K não pode ser zero. Isso decorre de termos dividido por
y na resolução, logo y não poderia ser zero, o que forneceria λ = 0. No entanto, y ≡ 0 (significa y constante,
igual a zero) também é solução da EDO! Soluções constantes, como essa, são chamadas de soluções de
equilı́brio. Essa solução entra na solução geral se liberarmos λ = 0, mas nem sempre é possı́vel incluir a
solução de equilı́brio na fórmula geral, portanto é importante começar sempre procurando por tais soluções.
Como encontrar soluções de equilı́brio? Bem, se y ≡ K é solução, temos y 0 = 0, logo a EDO fica

0 = f (x)g(K)

para todo x. Para que isso ocorra, K tem que ser uma raiz da parte da EDO que depende apenas de y.
Uma outra forma de pensar é ver se dividimos por alguma função de y nos cálculos. No exemplo acima,
dividimos por y, portanto y não pode ser zero, e y ≡ 0 é solução. Se tivéssemos dividido por y − 1, então y
não poderia ser igual a 1, logo y ≡ 1 que seria a solução constante procurada.
Observe ainda que a EDO tem infinitas soluções. Em outras situações, temos uma condição inicial
y(x0 ) = y0 e um Problema de Valor Inicial, ou simplesmente PVI (também chamado de Problema de
Cauchy)
y0

= f (x, y)
y(x0 ) = y0
Nesse caso, queremos a solução da EDO que cumpre a condição inicial, o que consiste em determinar o valor
exato da constante que aparece na solução geral.
Para compreender problemas de valor inicial, imagine um corpo em queda livre. Como a aceleração é
igual à segunda derivada da posição S(t), então podemos modelar o problema como uma EDO de segunda
ordem
S 00 = g,
onde g é a aceleração da gravidade. Integrando duas vezes, obtemos a solução geral

gt2
S(t) = S0 + V0 t + ,
2
com duas constantes S0 e V0 que correspondem à posição e à velocidade iniciais, respectivamente (S(0) e
S 0 (0)). Há infinitas soluções para esse problema, mas quando fixamos as condições iniciais, há exatamente
uma solução para a equação. Nos exemplos que resolveremos inicialmente, todo PVI terá uma única solução,
mas isso nem sempre ocorre. Esses casos mais estranhos serão analisados posteriormente.
x2
Exemplo 2.2. Resolva a equação y 0 =
y
Solução. Primeiramente, note que f (x) = x2 e g(y) = 1/y. Como não existe nenhuma constante K tal que
g(K) = 0, não há nenhuma solução de equilı́brio. Também poderı́amos concluir isso notando que, ao separar
as variáveis, vamos multiplicar por y, e não dividir, como no Exemplo anterior. Temos, então

x2 dy x2
y0 = ⇒ =
y dx y
⇒ ydy = x2 dx
Z Z
⇒ ydy = x2 dx

y2 x3
⇒ = +C
2 3
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é a solução (implı́cita) da EDO. Note que não é possı́vel isolar y e ficar com somente um resultado, pois
terı́amos r r
2x3 2x3
y(x) = + C ou y(x) = − +C
3 3

2x
Exemplo 2.3. Resolva o PVI y 0 = , y(0) = −2.
y + x2 y
Solução. Observe que a equação pode ser reescrita como
2x 2x 1
y0 = 2
=
y(1 + x ) 1 + x2 y

Assim, novamente não existem soluções de equilı́brio (pois vamos multiplicar por y e não dividir). Separando
as variáveis, temos
2x 1 dy 2x 1
y0 = ⇒ =
1 + x2 y dx 1 + x2 y
2xdx
⇒ ydy =
Z 1 +Z x2
2xdx
⇒ ydy = (u = 1 + x2 , du = 2xdx)
1 + x2
y2
Z
du
⇒ =
2 u
y2
⇒ = ln |u| + C
2
y2
⇒ = ln(1 + x2 ) + C
2

é a solução (implı́cita) da equação. Como temos um PVI, devemos impor a condição inicial substituindo
x = 0 e y = −2, logo
4
= ln(1 + 02 ) + C ⇒ C = 2
2
Daı́,
y2
= ln(1 + x2 ) + 2 ⇒ y 2 = 2 ln(1 + x2 ) + 4
2
é a solução implı́cita. Tirando a raiz quadrada e lembrando que y(0) = −2, o sinal tem que ser negativo,
logo
p
y(x) = − 2 ln(1 + x2 ) + 4

é a solução explı́cita do PVI.

y−1
Exemplo 2.4. Resolva a equação y 0 =
x+3
Solução. Como f (x) = 1/(x + 3) e g(y) = y − 1, então g(1) = 0, logo y ≡ 1 é uma solução de equilı́brio.
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Resolvendo, vemos que


y−1 dy y−1
y0 = ⇒ =
x+3 dx x+3
dy dx
⇒ =
y−1 x+3
Z Z
dy dx
⇒ =
y−1 x+3
⇒ ln |y − 1| = ln |x + 3| + C
⇒ |y − 1| = eln |x+3|+C = eln |x+3| eC = |x + 3|eC
⇒ |y − 1| = C|x + 3| (Mesmo nome para a constante)

y − 1
⇒ =C
x + 3
y−1
⇒ = ±C = C (Mesmo nome para a constante)
x+3
⇒ y − 1 = C(x + 3)

⇒ y(x) = 1 + C(x + 3)

é a solução geral da EDO.


A quarta linha da da resolução acima também poderia ter sido escrita como
ln |y − 1| = ln |x + 3| + ln K
Essa abordagem é válida, pois como a imagem de um logaritmo é igual a R, a constante C que aparecia
originalmente sempre é igual ao logaritmo de um único número (positivo) K. Isso é útil pois, como todas as
funções são logaritmos, podemos usar suas propriedades para acelerar a simplificação. De fato,
ln |y − 1| = ln |x + 3| + ln K = ln(K|x + 3|) ⇒ |y − 1| = K|x + 3|
pela injetividade da função logaritmo (se logc a = logc b, então a = b).
Além disso, veja que a solução de equilı́brio y ≡ 1 faz parte da solução geral, pois é obtida quando C = 0.

Note que colocar os módulos nos logaritmos não é fundamental aqui, pois eles sempre são eliminados ao
trocarmos ±C por C. Assim, usaremos sempre ln x como primitiva de 1/x de agoras em diante.
y
Exemplo 2.5. Resolva a EDO y 0 = 2 .
x +x
Solução. Neste exemplo, g(y) = y, logo y ≡ 0 é solução de equilı́brio pois g(0) = 0. Vamos separar as
variáveis para resolver a equação:
y dy y
y0 = ⇒ = 2
x2 + x dx x +x
dy dx
⇒ =
y x(x + 1)
Z Z  
dy 1 1
⇒ = − dx (Frações parciais explicadas a seguir)
y x x+1
 
Kx
⇒ ln y = ln x − ln(x + 1) + ln K = ln
x+1

Kx
⇒ y(x) =
x+1
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é a solução geral da equação.


Para as frações parciais necessárias na terceira linha da resolução acima, temos

1 A B A(x + 1) + Bx
= + =
x(x + 1) x x+1 x(x + 1)

Assim,
1 = A(x + 1) + Bx
Substituindo x = 0, obtemos A = 1, e fazendo x = −1, obtemos B = −1, logo
1 1 1
= − ,
x(x + 1) x x+1

como usamos acima.

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