Você está na página 1de 29

E QUAÇÕES D IFERENCIAIS

O RDINÁRIAS
Notas de Aula

© Luis Fernando Nazari†



Instituto Federal Catarinense, Rio do Sul, Brasil
ii
Notas de Aula de Equações Diferenciais Ordinárias

Luis Fernando Nazari

1 de setembro de 2023
ii

“One of the basic rules of the universe is that nothing is perfect. Per-
fection simply doesn’t exist... without imperfection, neither you nor I
would exist.”

Stephen Hawking
Prefácio

Esta notas de aulas são destinadas somente ao ensino de Equações Diferenciais ordinárias, baseadas
em diversos autores renomados da área e não tendo fins comerciais.

iii
iv
Conteúdo

1 Introdução e Motivação 1
1.1 Motivação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2
1.2 Equações Diferenciais Ordinárias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4

2 Equações Diferenciais Ordinárias de Primeira Ordem 9


2.1 Campo de Direções . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
2.2 EDO’s Separáveis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
2.3 EDO’S Lineares de Primeira Ordem . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14
2.4 Substituição . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16
2.5 Aplicações . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18

v
vi CONTEÚDO
Capítulo 1

Introdução e Motivação

O estudos relacionados a equações difereciais apesar modernos e sofisticados, têm suas origens em
civilizações antigas, como os babilônios e os egípcios, que já utilizavam métodos rudimentares para
resolver problemas matemáticos que envolviam taxas de variação. Isaac Newton (1642-1727) e
Gottfried Wilhelm Leibniz (1646-1716) desenvolveram de forma independente o cálculo diferencial
e integral, que é uma ferramenta essencial para o estudo de equações diferenciais como conhecemos
nos dias de hoje. Esta invenção é um marco crucial na história da matemática e da física. Leonhard
Euler (1707-1783) foi um dos matemáticos mais influentes no desenvolvimento do estudo de
equações diferenciais. Euler fez importantes contribuições para a teoria das equações diferenciais
ordinárias e parciais, além de ter introduzido conceitos fundamentais, como a função exponencial e a
função gama. Joseph-Louis Lagrange (1736-1813) desenvolveu a teoria das equações diferenciais
com derivadas parciais, o que permitiu a resolução de equações mais complexas que surgiam em
problemas de mecânica e física. Sophie Germain (1776-1831) trouxe significativos avanços na teoria
das equações diferenciais parciais, estabelecendo as bases para o estudo de equações de onda e de
calor, constantemente vistas e estudas atualmente. Os matemáticos Niels Henrik Abel (1802-1829)
e Évariste Galois (1811-1832) foram pioneiros no estudo de equações diferenciais e suas soluções
algébricas. As descobertas de Galois, em particular, tiveram um grande impacto na teoria das
equações diferenciais. James Clerk Maxwell (1839-1907) usou equações diferenciais para unificar a
teoria da eletricidade e do magnetismo, resultando nas famosas equações de Maxwell que descrevem
o eletromagnetismo. Henri Poincaré (1854-1912) foi um dos fundadores da teoria das equações
diferenciais dinâmicas e trouxe importantes teorias ao estudo de sistemas dinâmicos e teoria do
caos. Por fim, mas a história não se limitando somente a estes fatos, Albert Einstein (1879-1955)
que utilizou equações diferenciais em suas teorias da relatividade geral e especial, revolucionando a

1
2 Motivação

compreensão da gravidade e do espaço-tempo.

1.1 Motivação
O processo de obtenção de um modelo matemático que descreva as características físicas de um
sistema dinâmico pode ser considerado tanto ciência quanto arte. Os projetistas desejam unificar a
descrição matemática mais adequada enquanto ainda representam a realidade com precisão adequada.
O termo “mais adequado” é relativo, como resultado, diferentes modelos podem descrever a mesma
dinâmica. Resumindo, a síntese de modelos para sistemas dinâmicos é um processo não trivial [1].

Na literatura são encontradas diversas estratégias a obtenção de um modelo matemático. Essas


estratégias podem ser categorizadas de acordo com o tipo de modelo empregado, que pode ser
conceitual, empírico ou híbrido. Ou de outra forma, classificados em modelagem caixa branca, caixa
preta e híbrida [2].

Basicamente, os modelos conceituais são derivados da física dos processos envolvidos e, como tal,
podem descrever com precisão os fenômenos subjacentes. Projetar esses modelos pode ser complexo
e muitas vezes demorado. Porém, as dinâmicas são explícitas possibilitando entender e analisar
o sistema por meio do modelo. Em outra direção, os modelos empíricos recorrem a heurísticas
e utilizam relações inferidas a partir de observações. Como vantagem, esses modelos baseados
em dados não dependem de um grande número de parâmetros físicos para serem ajustados e que
possivelmente difíceis de se identificar [3]. Por fim, o processo que emprega ambas as estratégias é
conhecido como modelagem híbrida. Nesse contexto, a relevância da aplicação de modelos híbridos
cresce, uma vez que a metodologia se beneficia das vantagens tanto das estratégias conceituais
quanto das empíricas.

Como motivação ao estudo de equações diferenciais entraremos em um contexto muito importante


para matemática, a modelagem.

Definição 1. Modelo Matemático


O modelo matemático de um sistema dinâmico é a representação matemática que descreve as
caracterírticas ficas deste sistema.

Como a maioria das leis da física são baseadas em equações diferenciais toda ciência e engenharia
utiliza de certa forma estas equações, ou melhor, em um estudo aprofundado de um problema
físico é necessário a construção de um modelo matemático o mesmo certamente utilizará equações
diferenciais se utilizado a abordagem conceitual.

Exemplo 1. Considere o sistema dinâmico, Figura 1.1, e defina o modelo matemático que descreve
o deslocamento de massa y(t). Sejam k e c, respectivamente, a constante da mola e do amortecedor.
Motivação 3

A variável y(t) representa o deslocamento da massa m no tempo t. Seja u(t) uma força externa no
instante t.

Figura 1.1: Sistema Massa Mola Amortecedor

Solução. Uma estratégia de modelagem do sistema acima, é através da utilização das leis de Newton.
A segunda lei relaciona a aceleração de um objeto com massa m à força resultante Fr que age sobre
ele. Essa relação é dada pela equação:

d2 y
Fr = m. , (1.1)
dt2
d2 y
Observe que a função de aceleração dt2 é a segunda derivada da função de deslocamento y(t).
Como resultado da relação de transitividade entre as funções aceleração e deslocamento, o modelo
do fenômeno é dado por:
d2 y
u(t) − f1 − f2 = m
dt2
com f1 and f2 sendo as forças exercidas pela mola e amortecedor sobre o objeto, respectivamente.
Sendo assim, o modelo é definido pela equação:

dy d2 y
u(t) − ky − c =m 2, (1.2)
dt dt

e descreve o sistema físico, ilustrado na Figura 1.1, por meio de uma equação diferencial ordinária.

Conforme observado no Exemplo 1, o modelo do sistema de equação (1.1) é derivado das leis da
física, então podemos categorizar como um modelo conceitual. O modelo não expressa a função de
deslocamento y(t) de forma analítica e a busca dessa expressão envolve compreender como resolver
uma equação diferencial. Com isso, vamos estruturar os conceitos de equações diferenciais que serão
fundamentais para o decorrer da disciplina.

Definição 2. Uma equação diferencial é uma equação que envolve uma ou mais derivadas de uma
função desconhecida.

i) Se esta função depende unicamente de uma variável trata-se de uma equação diferencial ordinária
4 Equações Diferenciais Ordinárias

(ODE). O foco deste curso.

ii) Caso esta função dependa de 2 ou mais variáveis independentes, trata-se de equação diferencial
parcial (P DE).

Exemplo 2. Seja P (t) uma função que descreve a população de uma certa região no tempo t em
anos, contados a partir de certo dia. O modelo de crescimento populacional de Malthus, a regra
natural da evolução (desconsiderando êxodo rural, guerra, epidemias e etc) representado pela
equação:
P 0 (t) = kP (t), (1.3)

diz que a taxa de crescimento da população é proporcional a população para algum k > 0.

Exemplo 3. Seja T (t) temperatura de um objeto que está em contato com um ambiente de tempera-
tura constante Ta no instante t. A lei de resfriamento de Newton descreve como ocorre a mudança
de temperatura deste objeto em relação ao tempo. Esta lei é definida pela equação diferencial:

dT
= k(T − Ta ), (1.4)
dt
onde k é uma constante relacionada às propriedades térmicas do objeto e do ambiente. Essa equação
modela como a temperatura do objeto se ajusta em direção à temperatura ambiente ao longo do
tempo.

1.2 Equações Diferenciais Ordinárias


Bom, já vimos em partes que entender equações diferenciais é essencial para matemáticos, físicos,
químicos e engenheiros. Acreditem, isto é realmente importante e aprender a resolvê-las é o objetivo
de nosso curso. Porém, antes disso, é necessário a introdução de alguns conceitos.

Definição 3. Ordem de uma EDO


A ordem de uma equação diferencial ordinária é expressa pela maior ordem da derivada da função
desconhecida.

Exemplo 4. Defina a ordem das EDOs:

(1) y 0 = 2xy
(2) y 0 = y 2 − x
(3) y 00 + y 02 + y = sin(x)
(4) y 000 + y 00 + y 0 + y = ex
(5) y 000 2y 00 + y 0 = 0
(6) y 00 + 3y 0 − 4y = 0
Equações Diferenciais Ordinárias 5

As equações diferenciais, além da ordem, também são classificadas quando sua linearidade e não-
linearidade.

Definição 4. EDO linear


Uma equação diferencial ordinária linear é caracterizada pelo fato de que sua variável dependente
(ou função desconhecida) e suas derivadas estão no primeiro grau. Além disso, não ocorre produto
entre a variável dependente e suas derivadas.

Exemplo 5. Defina se as EDOs são Lineares ou não-Lineares:

(1) y 00 − xy 0 + 6y = cos(x)
(2) (y 0 )2 − y = x
(3) y 0 + x2 y = sin(x)
(4) y 00 + ey = 0
(5) y 00 + xyy 0 − 3y = 1

Definição 5. Solução de uma EDO


A solução de uma Equação Diferencial Ordinária (EDO) em um intervalo I é qualquer função que
satisfaz a equação e suas condições iniciais (se fornecidas).

Exemplo 6. Verifique que:

(1) A função y = 3x é solução da EDO (y 0 )2 − 3y 0 + yy 0 = 9 em <.


(2) A função y = c.sen(x), onde c ∈ <, é solução da EDO y 00 + y = 0 em <.
(3) A função y = k.cos(x) , onde k ∈ < é solução do exemplo 2. Após, verifique também que a
combinação linear das soluções sen(x) e cos(x) é solução da mesma equação.
p
(4) A função y = (9 − x2 ) é solução da EDO y 0 = − xy − xy 0 em <.

Agora, observe a equação (1.5) dada por:

dx
+ x = 2cos t. (1.5)
dt
Suas soluções são do tipo x = cos t + sen t + Ce−t para alguma constante C. (Certifique-se!!)
Como podemos notar temos uma “família” de soluções, pois a cada valor de C definimos uma
nova função. Uma EDO pode possuir uma infinidade de soluções, na Figura 1.2 podemos observar
algumas das soluções da equação (1.5).

No caso de uma equação de primeira ordem e esta possuir solução, a solução envolverá uma constante
arbitrária. Esta solução com base na constante arbitrária é chamada de solução geral. Uma vez que
atribuímos valores a esta constante obteremos uma solução particular.

• Obs1. Se uma equação for de ordem n teremos n constantes arbitrárias. Logo mais explicaremos o
6 Equações Diferenciais Ordinárias

Figura 1.2: Soluções Particulares da Equação (1.5)

porquê.
• Obs2. Soluções não obtidas através das solução geral são chamadas de soluções singular.

Exemplo 7. Quais as soluções das equações:

(1) (y 0 )2 + y 2 + 1 = 0
(2) (y 0 )2 + y 2 = 0

Voltemos ao problema da evolução natural P 0 (t) = kP (t), para melhor visualização, vamos escreve-
la com y 0 = ky. Qual é a função que quando derivada se transforma nesta mesma multiplicada por
uma constante? Uma exponencial!!! Ou mais específico

y = cekt ,

com k e c<.

Exemplo 8. Em uma comunidade isolada, onde o crescimento populacional obedece a regra natural,
havia em 01/01/2000, 3561 habitantes. Constatou-se que em 01/01/2004 este número aumentou
para 4025 pessoas. Qual é a projeção para 01/01/2010?
Equações Diferenciais Ordinárias 7

Solução. Seja y(t) a população após t anos, com início em 01/01/2000. Então,

y 0 (t) = ky(t), (1.6)

é a equação diferencial para este problema cuja solução é dada por y(t) = cekt . Contudo, sabemos
que:
y(0) = ce0 = 3561 =⇒ c = 3561.

Agora podemos determinar o valor de k sabendo que:

4025
y(4) = 3561ek.4 = 4025 =⇒ ek.4 =
3561
 
1 4025
k = ln =⇒ k = 0.036.
4 3561

Com isso a função que descreve o crescimento populacional da comunidade é dado pela função:

P (t) = 3561e0.036t =⇒ P (10) ≈ 4836 hab.

Nota: Resolver equações diferenciais não é uma tarefa fácil e em muitos casos não vamos obter
soluções explícitas em termos de funções elementares, o que não desengrandesse o seu resultado e
sua importância.
8 Equações Diferenciais Ordinárias
Capítulo 2

Equações Diferenciais Ordinárias de


Primeira Ordem

Antes de adentrarmos no estudo de resoluções de EDOs de primeira ordem, vejamos o conceito de


campo de direções.

2.1 Campo de Direções


O campo de direções é uma ferramenta gráfica útil para visualizar o comportamento qualitativo das
soluções de uma Equação Diferencial Ordinária (EDO) de primeira ordem. Ele mostra a direção das
derivadas em diferentes pontos do plano, ajudando a entender como as soluções se comportam ao
longo do tempo ou de uma variável independente.

Considere uma EDO de 1a ordem, escrita na forma y 0 = F (x, y), ou seja, ou seja, a derivada em
função das variáveis x e y (lembre-se que y é uma função de x, porém você não a conhece). A
função F (x, y) expressa a direção da reta tangente ao gráfico da solução que passa pelo ponto (x, y).

Exemplo 9. Considere a equação y 0 = xy.

Exemplo 10. Considere a equação y 0 = x2 + y 2 − 1.

Exemplo 11. Considere a equação y 0 = −y.

Como recomendação ao leitor é interessante o conhecimento da ferramenta IODE que poder ser adici-
onada aos softwares Matlab ou Octave. Tal ferramenta auxilia na visualização de campos de direções,
soluções particulares e muito mais. Para mais informações acesse a site http://www.math.uiuc.edu/iode/.

9
10 Campo de Direções

Figura 2.1: Campo de Direções y 0 = xy

Figura 2.2: Campo de Direções Campo de Direção de y 0 = x2 + y 2 − 1, com as solução y(0) = 0

Teorema 1. Teorema de Picard’s


∂f
Se f (x, y) é contínia e ∂y existe e é contínua perto de algum (x0 , y0 ) então a solução y 0 = f (x, y),
y(x0 ) = y0 existe e é única.

Este Teorema não será demonstrado.


EDO’s Separáveis 11

Figura 2.3: Campo de Direções y 0 = −y

2.2 EDO’s Separáveis


Considere novamente a EDO de 1a ordem y 0 = F (x, y). Para este método escreveremos a expressão
da seguinte forma:

dy
= F (x, y).
dx

h(x)
No caso de F (x, y) ser do tipo F (x, y) = g(y) dizemos que a EDO é separável, e na prática
resolveremos da seguinte forma:

dy dy h(x) dy
= F (x, y) ⇒ = ⇒ g(y) = h(x)
dx dx g(y) dx

g(y)dy = h(x)dx (2.1)

Note que a equação (2.1) possui somente a variável y na esquerda e somente a variável x na direita,
e para resolvê-la vamos integrar ambos os lados da equação, ou seja,

Z Z
g(y)dy = h(x)dx. (2.2)

dy
Este método pode causar estranheza, pois tratamos dx como um quociente de diferenciais e podere-
mos pensar que estamos realizando procedimentos diferentes em cada lado da igualdade. Vamos
entender melhor. Observe a equação,
12 EDO’s Separáveis

dy
g(y) = h(x) (2.3)
dx

seja G(y) e H(x) as primitivas de g(y) e h(x) respectivamente. Então,

G0 (y) = g(y) ( é derivada em relação a y)

H 0 (x) = h(x) ( é derivada em relação a x)

não esquecendo que y é uma função de x então,

dy
G0 (y) = g(y). ( é derivada em relação a x).
dx
Voltando agora para (2.3) se integrarmos ambos os lados em relação a x obteremos:

G(y) = H(x) + C (2.4)

que identica a solução da equação (2.2).

Exemplo 12. Classifique em separável e não separável as seguintes EDO’s:


dy x+y
(1) dx = 3x−4y
dy 3x2 −1
(2) dx = y 2 +4
0
(3) y = ky
4y
(4) y 0 = x+ 1
(5) (y − x y)dx + (xy 3 + x)dy = 0
2

Vamos agora encontrar as soluções dos exemplos 2 e 3. Faça os demais exemplos classificados como
separáveis. (EM SALA!!!)

Exercício 1. Encontre a solução geral da equação y 0 = xy , com y 6= 0.



Exercício 2. Encontre a solução geral da equação y 0 = 2x y − 1.

Exercício 3. Encontre a solução geral da equação x2 y 0 = 1 − x2 + y 2 − x2 y 2 .


EDO’s Separáveis 13

Figura 2.4: Campo de Direções de y 0 = x/y, com algumas soluções

Uma vez obtida a solução geral da equação podemos encontrar soluções particulares da mesma,
atribuindo valores para as constantes. Caso o problema forneça mais alguma informação as constantes
“provavelmente” serão determinadas por estas informações. Considere o sistema de “informações”:

(
y 0 = x2 y
(2.5)
y(−4) = 0

Note primeiramente que a a equação da linha 1 é separável, então,

dy x2 1
y 0 = x2 y ⇒ = ⇒ dy = x2 dx
dx y y
x3
Z Z
1 x3 x3
dy = x2 dx ⇒ ln |y| = + c ⇒ y = e 3 +c = c.e 3
y 3

Sabendo agora que para x = −4 temos y = 0, entendemos que como c não pode ser zero, y = 0 é
solução singular, pois não pode ser obtida pela solução geral. Vejamos a mesma equação agora do
ponto de vista de outra informção:

(
y 0 = x2 y
√ (2.6)
y(−1) = 3 e
14 EDO’S Lineares de Primeira Ordem

3
Pelo desenvolvimento anterior sabemos que a solução geral é dada por y = cex /3
, então se para

x = −1 temos y = 3 e:

√ (−1)3 2
3
e = c.e 3 ⇒ e1/3 .e1/3 = c ⇒ c = e 3 .

x3 +2
Logo, a solução é dada por y = e 3 .

Observe que o acréscimo de informações reduziu o número de soluções, conforme dito anteriormente.
As segundas equações do sistemas (2.5) e (2.6) são chamadas de condições iniciais.

Definição 6. Dada uma EDO de primeira ordem e uma condição inicial, o problema que consiste
em achar a solução que satisfaz a condição inicial chama-se Problema de Valor Inicial (PVI).

Caso a EDO seja de 2a ordem, o PVI necessita de 2 condições iniciais, no caso de uma EDO de 3a
ordem, 3 condições iniciais e assim por diante. Por quê?

2.3 EDO’S Lineares de Primeira Ordem


Seja P (x) e Q(x) funções contínuas em um intervalo aberto I. Uma equação diferencial ordinária
de 1a ordem linear pode ser escrita da forma:

dy
+ P (x).y = Q(x) (2.7)
dx
conforme determina a definição 6. O método de resolução desta classe de equações consiste na
multiplicação de uma determinada função φ(x) em ambos os lados da igualdade da equação. Esta
função será chamada de fator de integração. Ou seja, não trabalharemos com a equação (2.7), e sim
com a equação:

φ(x) [y 0 + P (x)y] = φ(x).Q(x) (2.8)

É bem claro e óbvio que a função φ(x) deva possuir alguma propriedade e não seja uma função
qualquer.

Fator de Integração: A função φ(x) deve ser definida de forma que

0
φ(x) [y 0 + P (x)y] = (φ(x).y) (2.9)

Vejamos porque, substituido (2.9) em (2.8) obtemos:


EDO’S Lineares de Primeira Ordem 15

φ(x) [y 0 + P (x)y] = φ(x).Q(x)


0
(φ(x).y) = φ(x).Q(x)

viabilizando assim a aplicação do operador integrador em ambos os lados,


Z Z
0
(φ(x).y) = φ(x).Q(x)

Z
φ(x).y = φ(x).Q(x)

o que por fim descreve, de forma analítica, a propriedade de impor φ(x) pela equação (2.9), obtendo
a solução da EDO apenas “isolando” a variávial y.

Z
1
y= φ(x).Q(x)
φ(x)

Observe que φ(x) 6= 0, o que também não faria sentido algum. Bom, sabemos o porquê, agora
apreenderemos como fazer. Por definição:

0
φ(x) [y 0 + P (x)y] = (φ(x).y) ⇒ φ(x)y 0 + φ(x)P (x)y = φ(x).y 0 + φ(x)0 .y (2.10)

ou seja,

φ(x)P (x)y = φ(x)0 .y. (2.11)

Note que y = 0 é solução de (2.7) se e somente se Q(x) = 0, e neste caso a equação era separável.
Sendo assim, não haveria necessidade de todo este processo, então

φ(x)0
φ(x)0 y = φ(x)P (x)y ⇒ = P (x)
φ(x)
esta equação é separarável e por tanto podemos resolve-lá:

φ(x)0
Z Z Z
= P (x) ⇒ ln |φ(x)| = P (x) dx + c
φ(x)

R
P (x) dx
φ(x) = c.e ; com c ∈ <

e como precisamos apenas de uma das soluções, estipularemos c = 1.


16 Substituição

Exemplo 13. Vamos resolver a EDO y 0 + 3x2 = 6x2 pelo método do fator de integração.

Figura 2.5: Campo de Direções de y 0 + 3x2 y = 6x2 , com algumas soluções

Exercício 4. Resolva o PVI


(
y 0 sen x + ycos x = 5ecos x sen x 0 < x < π
y(π/2) = −4

Exercício 5. Resolva o PVI


(
y 0 (x + 2)2 = 5 − 8y − 4xy
y(−1) = 1

Exercício 6. Resolva o PVI (


y 0 = 2y + x(e3x − e2x )
y(0) = 2

Exercício 7. Resolva a EDO xy 0 + (1 + x)y = e−x sen 2x com x > 0.

2.4 Substituição
Uma técnica também utilizada para a resolução de equações diferencias é a técnica da substituição.
Com certeza muitos dos leitores já utilizaram desta abordagem para a resolução de algum problema
Substituição 17

matemático. Vejamos um problema para familharizarmos melhor esta metodologia. Lembre-se de


equações do tipo:

x4 − 3x2 + 2 = 0.

Resolver esta equação através de divisões polinomiais, ou outros métodos pode ser umja tarefa árdua,
mas realizando uma pequena substituição como, por exemplo, y = x2 , teremos:

y 2 − 3y + 2 = 0

e assim tudo fica mais simples. Vale recordar também que em conteúdos mais complexos, como
integrais, substituições eram realizadas para facilitar sua resolução, e da mesma forma vamos utilizar
esta técnica em EDO’s. Observe a EDO de 1a ordem:

y 0 = (x − y + 1)2 (2.12)

Ela não é nem separável e nem linear. Tentaremos transformar, através de uma substituição, a
equação (2.12) em uma equação separável ou linear, pois estas acabamos de aprender a resolver.
Então, vamos substituir v = x − y + 1, e consequentemente, v 0 = 1 − y 0 . Aplicando a substituição
em (2.12) obtemos:

1 − v0 = v2 (2.13)

Uma EDO separavél em v (que depende de x). Vamos resolver (2.13).

dv dv
1 − v0 = v2 ⇒ 1 − = v2 ⇒ = dx
dx 1 − v2

Z Z Z Z
dv dv 1 1 1
= dx ⇒ =x+c ⇒ + dv = x + c
1 − v2 (1 − v)(1 + v) 2 (1 − v) (1 + v)

1 1+v 1+v
ln =x+c ⇒ = de2x
2 1−v 1−v
para algum d ∈ <. Agora usando v = x − y + 1, retornaremos a variável original:
18 Aplicações

x−y+2 xde2x + x + 2
= de2x ⇒ y = .
y−x 1 + de2x
Existem diversas substituições possíveis, vai da sua experiência e imaginação encontrá-las para
simplificar sua equação. Porém existem algumas que usualmente são utilizadas:

Figura 2.6: Tabela de Substituições

2.5 Aplicações
Nesta seção apresentaremos algumas aplicações de EDOs para fins de fixação e motivação dos
conceitos até aqui abordados.

Problema 1: A meia vida do rádio 226 é de 1590 anos. Significa que 50% de uma quantidade
qualquer de rádio 226 se desintegra em 1590 anos. A taxa de desintegração radioativa deste elemento
é proporcional à massa presente. Uma amostra de rádio 226 tem massa de 110g. Encontre a massa
resultante daqui a 1000 anos. Após quantos anos a massa estará reduzida a 30g?

Problema 2: A lei de resfriamento de Newton diz que a taxa com que um objeto adquire ou perde
calor é proporcional à diferença entre a temperatura do objeto e a temperatura do ambiente, desde
que esta última se mantenha constante. Um pedaço de carne é tirado da geladeira a uma temperatura
de 6o C e colocado sobre o balcão da cozinha, a uma temperatura ambiente constante de 22o C. Se
após 10 min a temperatura da carne é de 14o C, encontre a função que descreve a temperatura da
carne t minutos após ter sido tirada da geladeira.

Problema 3: Um tanque contém 20kg de sal disolvidos em 5000 litros de água. Uma Solução de
água salgada que contém 30g de sal por litro começa a ser injetada no tanque à razão de 25l/m e
a mistura mantida homogênea através de um mecanismo de agitação. Simultaneamente a mistura
deixa o tanque através de um orifício, à mesma razão de 25l/m. Determine a quantidade de sal que
permanece no tanque após meia hora.

Problema 4: Uma solução de 60kg de sal em água enche um tanque de 500 litros. Outra solução em
que cada 5 litros contém 1kg de sal é lançada no tanque à razão de 10l/m. A mistura, que é mantida
homogênea, sai do tanque à uma razão de 15l/min. Encontre a quantidade de sal no tanque após 1
hora.
Aplicações 19

Problema 5: A população de uma cidade é de 1.000.000 de habitantes. Houve uma epidemia e


10% da população contraiu um vírus. Em sete dias esta porcentagem cresceu para 20%. O vírus
se propaga por contato direto entre indivíduos enfermos e sãos (logo, é proporcional ao número de
contatos). A partir destes dados e supondo que o modelo seja fechado, isto é, a população se mantém
constante, sem nascimentos, mortes ou migração, e os indivíduos tendo toda a liberdade de interagir,
calcule:

• A proporção de indivíduos enfermos e sãos, como uma função do tempo.


• O tempo necessário para que a percentagemde indivíduos enfermos seja de 50%.

Problema 6: Uma bola de golfe de massa 0,5kg recebe uma tacada que lhe imprime uma velocidade
de 72km.h−1 . Supondo-se que a bola permanece em contato permanente com o chão e sabendo-se
que a força de atrito sobre ela é de -5N, qual a distância percorrida pela bola até ela parar?

Problema 7: Considerando um pára-quedista em queda livre, sem o acionamento do pára-quedas,


determine a sua velocidade como uma função do tempo e sua velocidade limite. Considere v(0) = 0.
Refaça o exercício considerando o pára-quedas aberto. Considere v(0) = v0.

Problema 8: Quando um corpo se move através de um fluido viscoso sob a ação de uma força F~ , a
força resultante é F − Kηv, onde K depende da forma do corpo, v e a velocidade do corpo e η e o
coeficiente de viscosidade. Obter a velocidade como função do tempo. Suponha que o movimento
seja retilíneo, que a força aplicada seja constante e que v(0) = v0 .
20 Aplicações
Bibliografia

[1] D. E. Kirk, Optimal Control Theory: An Introduction. Courier Corporation, 2004.

[2] L. A. Aguirre, Introdução à Identificação de Sistemas: Técnicas Lineares e Não-Lineares


Aplicadas a Sistemas Reais. Editora da UFMG. 3a edição, 2007.

[3] C. E. M. Tucci, Modelos Hidrológicos. Porto Alegre, RS: Editora da UFRGS, 2005.

[4] M. Raissi, P. Perdikaris, and G. Karniadakis, “Physics informed deep learning (part ii): Data-
driven, discovery of nonlinear partial differential equations,” arXiv preprint arXiv:1711.10566,
2017.

[5] L. C. Barroso, M. d. A. Barroso, F. F. Campos-Filho, M. L. B. d. Carvalho, and M. L. Maia,


Cálculo Numérico. São Paulo: Harbra Ltd., 1987.

[6] S. P. Venkateshan and P. Swaminathan, Computational Methods in Engineering. Elsevier, 2013.

[7] J. Stewart, Calculus: Concepts and Contexts. Cengage Learning, 2009.

[8] J. L. Boldrini, S. I. Costa, V. Figueredo, and H. G. Wetzler, Álgebra Linear. Harper & Row,
1980.

21

Você também pode gostar