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Matemática Aplicada II

Notas de Aulas

Viatcheslav I. Priimenko e Fernando D. de Siqueira

13 de junho de 2017
Prefácio

O presente livro tem como objetivo complementar a bibliografia para as disciplinas


Métodos da Física-Matemática e Matemática Aplicada II, ministrada para estu-
dantes dos Cursos de Graduação e Pós-Graduação do Laboratório de Engenharia
e Exploração de Petróleo - LENEP do Centro de Ciência e Tecnologia - CCT da
Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro - UENF. Além disso,
acreditamos que este livro também possa ser um suporte didático para várias ou-
tras disciplinas ministradas na UENF, bem como em outras instituições de ensino
superior.

1
2
Capítulo 1

Introdução em Equações Diferenciais


Parciais

1.1 Modelos Matemáticos

Muitas idéias importantes da matemática têm a sua origem em ciências físicas. Por
exemplo, o cálculo foi criado na tentativa de escrever na forma correta o movimento
de corpos. As equações matemáticas sempre servem como uma linguagem para for-
mular conceitos em física, como por exemplo as equações de Maxwell, que descrevem
fenômeno eletrodinâmico, equações de Newton descrevem sistemas mecânicos, etc.
Durante de muitos anos matemáticos e físicos estenderam tal conexão, incluindo
todas as áreas da ciência em tecnologia, criando uma nova área chamada modelagem
matemática. O modelo matemático é uma equação (ou sistema de equações), cuja so-
lução carateriza o comportamento de um processo físico relacionado. Neste sentido,
podemos dizer que o sistema de Maxwell é o modelo para o fenômeno eletrodinâ-
mico. Em geral, o modelo matemático é a descrição simplificada da realidade física
explicada em termos matemáticos. Os principais passos da modelagem matemática
podem ser resumidos aa seguinte maneira, ver Fig. 1.1. Usualmente o processo
começa com a análise de um problema real com objetivo de extrair o principal pro-
cesso físico usando idealização e várias proposições. Formulando um modelo físico
ideal, podemos também formular o correspondente modelo matemático em termos
de equações diferenciais, integrais ou modelos estatísticos. Após essa etapa, o mo-
delo matemático deve ser estudado em detalhes usando métodos apropriados. Se
os resultados obtidos for satisfatórios, então o modelo matemático pode ser aceito.
Se não, os dois modelos, físico e matemático, devem ser modificados com base na
avaliação realizada, e a seguir, os modelos atualizados devem ser avaliados de novo,
diversas vezes, até receber resultados satisfatórios.

3
4

Figura 1.1: Etapas de modelagem.

Neste livro nós estudamos modelos baseados em equações diferenciais parciais


(PDE’s), ou, em outras palavras, examinamos fenômenos físicos os quais podem ser
caracterizados por equações diferenciais parciais. O leitor provavelmente conhece
sistemas físicos governados por equações diferencias ordinárias (ODE’s). Conside-
remos como exemplo a modelagem do processo de decaimento radiativo.

Exemplo 1.1. A radioatividade é uma propriedade característica de substâncias cu-


jos átomos experimentam decomposição expontânea. Tais substâncias podem existir
em isótopos, "radioativos"instáveis ou na forma estável. O decaimento usualmente
ocorre em uma taxa de variação constante. Como os átomos diminuem, a taxa de
variação de massa do isótopo radioativo é simplesmente proporcional à massa pre-
sente. Inicialmente definimos as variáveis do problema e fornecemos alguns dados
relevantes.
Seja t é o tempo desde de início do experimento, e m(t) é a massa do isótopo
radioativo. A massa do isótopo radioativo é sempre um número positivo mas, com
o tempo, ela torna-se pequeno quanto mais a substância é convertida em material
não radioativo estável. Recorde o fato de que a taxa de variação da massa dm dt
do
isótopo radioativo é proporcional a massa m em um dado instante de tempo. Aqui
temos que a massa é decrescente. Isto significa que a derivada, dm
dt
é negativa, o que
implica que a constante de proporcionalidade deve ser negativa.
Escrevemos:
dm
= −km (k > 0). (1.1)
dt
5

A solução da Eq.(1.1) é:
m(t) = m0 e−kt , (1.2)
onde a constante m0 > 0 caracteriza a massa do isótopo radiativo no tempo inicial
t = 0. Observe que quando t → ∞ a função m(t) → 0. Alguns membros desta
família de funções (para vários valores de m0 ) são mostrados na Fig. 1.2.

0.4
m0=0.1
0.35 m0=0.2
m0=0.3
0.3 m0=0.4

0.25

0.2

0.15

0.1

0.05

0
0 0.2 0.4 0.6 0.8 1 1.2 1.4 1.6 1.8 2
Tempo

Figura 1.2: Solução da Eq.(1.1) para diferentes valores de m0 .

Modelos baseados em PDE’s distinguem-se de baseados em ODE’s, porque as


soluções delas dependem de mais que uma variável e são baseados em PDE’s. Os
modelos de PDE’s podem depender também da variável de tempo, além de depender
de várias variáveis espaciais.

1.2 Equações Diferenciais Parciais

1.2.1 Equações e Soluções


A modelagem matemática de problemas em ciências aplicadas resulta frequente-
mente na formulação de uma Equação Diferencial Parcial (EDP), (ou sistema de
equações diferenciais parciais), que é uma equação envolvendo uma função desco-
nhecida, que depende de duas ou mais variáveis independentes e de suas derivadas
parciais. No caso de apenas duas variáveis, uma EDP pode ser definida na seguinte
maneira:

Definição 1.1. EDP da ordem n de duas variáveis independentes (x, t) ∈ R2 é uma


equação da seguinte forma

Φ(x, t, u, ux , ut , . . . , Dn u) = 0, (1.3)
6

onde
∂ku
Dk u = , 1 ≤ k ≡ l + m ≤ n, l, m ∈ N.
∂xl ∂tm

Em casos dinâmicos, a variável t carateriza o tempo, e a variável x carateriza o


espaço e pode pertencer a um intervalo aberto, semi-aberto ou fechado. A ordem de
uma EDP é a ordem de derivada superior envolvida na construção dessa equação.

Definição 1.2. Como solução da Eq.(1.3) no domínio D vamos entender uma função
u = u(x, t), definida e diferenciável n vezes no domínio D ⊆ R2 , u ∈ C n (D), que
após sua substituição em (1.3) reduza esta equação até a igualdade válida para
qualquer (x, t) ∈ D.

A condição u(x, t) ∈ C n (D) é necessária para calcular as derivadas até ordem


n da função u e, depois, substituir elas em Eq.(1.3). Tal função suave chama-se
solução clássica. Depois nos estenderemos esta definição para incluir funções mais
fracas também; tais soluções chamam-se soluções fracas. Graficamente, a solução

Figura 1.3: Representação da solução u = u(x, t) no espaço R3 das variáveis (x, t, u).

clássica u = u(x, t) da Eq.(1.3) é uma superfície suave no espaço R3 das variáveis


(x, t, u), que fica acima do domínio D ⊂ R2 , ver Fig. 1.3. Uma representação
alternativa é plotar no plano (x, u) o gráfico da função u = u(x, t) para um tempo
fixo t=const, ver Fig. 1.4.
Em geral, uma EDP como (1.3) terá um número infinito das soluções que
dependem de funções arbitrárias.
7

Figura 1.4: Gráfico da solução u = u(x, t = const) no plano (x, u).

Exemplo 1.2. A equação da onda

utt − c2 uxx = 0, (1.4)

onde c > 0 - uma constante, que carateriza a velocidade de propagação das ondas,
tem uma solução geral, representada como a soma de uma onda viajante para a
direita F (x−ct) com a velocidade c e de uma onda viajante para a esquerda G(x+ct)
com a mesma velocidade c, ou seja,

u(x, t) = F (x − ct) + G(x + ct) (1.5)

para quaisquer funções F, G ∈ C 2 (R).


Exemplo 1.3. O problema de valor inicial (ou de Cauchy) para a equação de onda
é

utt − c2 uxx = 0, (x, t) ∈ R2+ ,


u(x, 0) = u0 (x), ut (x, 0) = u1 (x), x ∈ R.

No caso quando c é uma constante positiva e as funções u0 , u1 ∈ C 2 (R), a solução


deste problema é dada pela fórmula D’Alambert
1 x+ct
Z
1
u(x, t) = [u0 (x − ct) + u0 (x + ct)] + u1 (ξ)dξ.
2 2c x−ct
Então, os dados auxiliares selecionam uma única solução, definida pela fórmula
D’Alambert.
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Os problemas considerados para EDP’s podem ser generalizados em várias


direções. Por exemplo, considerando várias variáveis independentes, várias funções
desconhecidas (governadas por sistemas de EDP’s), etc.

1.2.2 Ondas
Uma das principais aplicações de EDP’s é a análise de propagação das ondas. A
onda é um sinal reconhecido que propaga-se de uma parte de meio para outra com
uma velocidade conhecida de propagação. A energia é frequentemente transferida
como uma onda. Podemos citar algumas áreas onde a propagação de ondas tem a
importância fundamental.

• Mecânica de fluídos

• Acústica

• Elasticidade

• Física

• Biologia

• Meios porosos

• Qúimica

Ondas Viajantes

A forma matemática mais simples de uma onda é uma função da seguinte forma

u(x, t) = F (x − ct). (1.6)

Podemos interpretar u como a amplitude de um sinal, por exemplo, acústico. No


tempo t = 0 a onda tem a forma F (x), que é o perfil inicial da onda. Então F (x−ct)
representa o perfil da onda no tempo t, que é exatamente o perfil inicial transmitido
para a direita na distância ct de unidades espaciais, ver Fig. 1.5. A constante c
representa a velocidade da onda. É obvio, que (1.6) representa uma onda viajante
direita com a velocidade c. Semelhante, u(x, t) = F (x + ct) representa uma onda
viajante para esquerda com a velocidade c. Estes tipos de ondas propagam se na
forma não distorcida ao longo das linhas x − ct = constante (ou x + ct = constante).
9

Figura 1.5: Ondas viajantes: (a) quando o tempo é fixo, e (b) no espaço-tempo.

Ondas Planas

Outro tipo de onda interessante é uma onda plana. Essas ondas são definidas pela
seguinte expressão matemática
u(x, t) = A cos(kx − ωt), (1.7)
onde A é a amplitude da onda, k é o número de onda, e ω é a frequência. O número k
é uma medida do número de oscilações espaciais (por 2π unidades), observadas num
tempo fixo, e a frequência ω é uma medida do número de oscilações em tempo (por
2π unidades) observadas num ponto espacial fixo. O número λ = 2π/k chama-se o
comprimento de onda, e P = 2π/ω é o período.
Observamos, que (1.7) pode ser re-escrito como
ω
u(x, t) = A cos k(x − t),
k
portanto (1.7) representa uma onda viajante que se propaga à direita com velocidade
c = ω/k. Este número chama-se a velocidade de fase. Para o cálculo a complexa
forma
u(x, t) = A exp {i(kx − ωt)} (1.8)
é mais preferida porque o cálculo de derivadas de uma função exponencial é simples.
Depois de completar o cálculo, podemos usar a fórmula de Euler exp iθ = cos θ +
i sin θ e achar partes real ou imaginária para recuperar uma solução real.
Exemplo 1.4. Substituindo (1.8) na equação da onda
utt − c2 uxx = 0
implica que ω = ±ck. Portanto, a equação da onda admite soluções da seguinte
forma
u(x, t) = A exp {ik(x ± ct)},
que representam ondas direita e esquerda viajantes com a velocidade c.
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1.2.3 Linearidade×Não-Linearidade
Um critério mais importante de classificação é distingir EDP’s como linear ou não-
linear.

Definição 1.3. A EDP homogênea chama-se linear se a combinação linear da duas


soluções é uma solução também. No caso contrário, esta equação chama-se não-
linear.

A divisão de EDP’s em duas categorias é muito importante. Métodos mate-


máticos desenvolvidos para a solução de equações lineares e não-lineares é muito
vezes totalmente diferentes, e o comportamento de soluções são bastante diferentes
também.
Mais formal, linearidade e não-linearidade usualmente definam-se em termos
de um operador diferencial, associado com a EDP. Vamos assumir que a EDP (1.5)
pode ser escrita na seguinte maneira

Lu = f, (1.9)

onde f = f (x, t) e L é um operador que inclua todas as operações (diferenciação,


multiplicação, composição, etc.) com a função u = u(x, t). Por exemplo, a equação
da onda utt − c20 uxx = 0 pode ser escrita como Lu = 0, onde L ≡ ∂t2 − c20 ∂x2 é o
operador diferencial parcial . Se f = 0, então a equação (1.9) chama-se homogênea;
no caso contrário - não homogênea.
Usando a definição do operador linear, podemos dar a seguinte definição da
linearidade.

Definição 1.4. Um operador L chama-se linear se ele satisfaz as seguintes condições:

1. L(u + v) = Lu + Lv,

2. L(cu) = cLu,

onde as funções u e v pertençam ao domínio de definição do operador L e c é uma


constante qualquer.

A EDP (1.9) é linear se operador L é linear; no caso contrário a EDP é não


linear.

Exemplo 1.5. A EDP ut + uux = 0 é não linear porque L(cu) 6= cLu. Aqui
Lu ≡ ut + uux .
11

As condições (1) e (2) significam que a EDP linear Lu = 0 tem a seguinte


propriedade: se u1 , u2 , . . . , un são n soluções, então a combinação linear

u = c1 u1 + c2 u2 + · · · + cn un

também é uma solução para quaisquer constantes c1 , c2 , . . . , cn . Este fato chama-se o


princípio de superposição para equações lineares. Para EDP’s não lineares nos não
podemos superposicionar soluções nesta maneira.

1.2.4 Problemas Bem Postos


Dado um modelo matemático envolvendo EDP’s, condição inicial e/ou condição
de fronteira, é desejável que tal problema tenha uma solução única. Mais ainda,
atendendo a que em geral dos dados do problema - obtidos por medição - são cons-
truídas as expressões que definem as condições, pretende-se que o problema seja tal
que pequenos erros nas expressões consideradas não influenciem determinantemente
a solução. Estas considerações levam-nos ao conceito de problema bem-posto.
O termo matemático problema bem-posto vem de uma definição dada por um
matemático francês Jacques Hadamard. Ele acreditava que modelos matemáticos
de fenômenos físicos deveriam ter as seguintes propriedades

1. existência da solução;

2. unicidade da solução: condições de contorno e iniciais insuficientes levam a


soluções múltiplas e quando estão em excesso levam a soluções não físicas;

3. solução depende continuamente dos dados do problema: isto implica que pe-
quenas mudanças nos dados do problema causam pequenas mudanças na so-
lução.

Assim, podemos criar a seguinte definição.

Definição 1.5. Um problema chama-se bem-posto, se todas essas condições são


válidas. Se alguma das condições não é satisfeita, tal problema chama-se mal-posto.

Exemplos de problemas bem-postos incluem a equação de Laplace e a equação


do calor, quando especificamos condições iniciais. Podemos dizer que são problemas
naturais onde os quais tem fenômenos físicos envolvidos nos processos. Em contra-
partida temos os problemas que não são bem-postos, como por exemplo a equação
de calor inversa, que deduz que a distribuição de temperatura a partir dos dados
finais não é bem-posto pois a solução é altamente sensível às mudanças nos dados
12

finais. Um problema inverso geralmente não é bem posto. Problemas de continui-


dade geralmente tem que ser descritizados para que a solução numérica seja obtida.
Em termos de análise funcional, esses problemas são tipicamente contínuos, eles po-
dem sofrer de instabilidade numérica quando resolvidos com precisão finita, ou com
erros nos dados. Mesmo que um problema seja bem-posto, ele ainda assim pode
ser mal condicionado, significando que um pequeno erro nos dados iniciais pode
resultar em erros muito maiores nas respostas. Um problema mal condicionado é
caracterizado por ter um elevado número de condicionamento. Se o problema for
bem-posto, são boas as chances de que ele possa ser resolvido por um computador
usando um método numérico estável. Se ele não for bem-posto, ele precisa ser refor-
mulado numericamente. Usualmente isso envolve incluir hipóteses adicionais, como
por exemplo suavidade na solução.
Exemplo 1.6. Consideremos o seguinte problema para a equação de difusão

ut − uxx = 0, (x, t) ∈ R2+ ,


(1.10)
u(x, 0) = u0 (x), x ∈ R,

onde R2+ = {(x, t) : x ∈ R, t ∈ R+ }, e


Z
|u0 (x)|dx ≤ δ
R

com δ > 0. Podemos verificar que a única solução desse problema é dada pela
seguinte fórmula Z
u(x, t) = G(x − y, t)u0 (y)dy,
R
onde Z
1 −(x−y)2 /4t
G(x − y, t) = √ e =⇒ G(x − y, t)dy = 1.
4πt R
Então, para qualquer t ∈ R+ ,
Z Z
|u(x, t)| ≤ G(x − y, t) · |u( y)|dy ≤ |u0 (y)|dy ≤ δ.
R R

Portanto, se o número δ é pequeno, a solução do problema for pequena também, isto


implica que pequenas mudanças nos dados do problema causam pequenas mudanças
na solução. De acordo com a nossa classificação, o problema (1.10) é bem-posto.
Exemplo 1.7. Agora consideremos o seguinte problema para a equação de difusão
de backward
ut + uxx = 0, (x, t) ∈ R2+ ,
(1.11)
u(x, 0) = 0, x ∈ R.
13

É óbvio que a função u = 0 é uma solução do problema. Agora vamos mudar os


dados iniciais para
1
u(x, 0) = sin nx,
n
que para grandes n representa somente variações pequenas em dados iniciais. Po-
demos verificar que a função
1 2
u(x, t) = sin nxen t
n
é a única solução do problema que para grandes n cresce até infinito. Portanto, as
variações pequenas em dados iniciais produzem as variações arbitrariamente grandes
na solução. De acordo com a nossa classificação, o problema (1.11) é mal-posto.

1.3 Leis de Conservação


Várias EDP’s em ciências e engenharias são obtidas de Leis de Conservação, que
caracterizam a conservação de algumas quantidades básicas da física de um sistema.
Uma Lei de Conservação determina que a razão de mudança da quantidade total de
um material contido num volume fixo V ⊂ R3 é igual a fluxo deste material através
da superfície fechada S deste domínio. Se denotar a densidade deste material como
u(x, t), x ∈ R3 , e o vetor de fluxo como F(x, t), então a Lei de Conservação será
dada por Z Z
d
udV = − (F · n)dS, (1.12)
dt V S
onde dV é o elemento de volume e dS é o elemento de superfície, n é o vetor orto-
normal externo à superfície S, ver Fig. 1.6. Aplicando a Teorema da Divergência de
Gauss e calculando a derivada com respeito à variável t dentro da integral, obtemos
Z 
∂u 
+ divF dV = 0. (1.13)
V ∂t
Este resultado é válido para qualquer volume arbitrário V , e, se o integrando é
contínuo, isso tem que ser igual ao zero em qualquer ponto do domínio. Portanto,
obtemos a forma diferencial da Lei de Conservação
∂u
+ divF = 0. (1.14)
∂t
Em casos da presença de uma fonte, caraterizada pela função f (x, t, u), na Eq.(1.12)
tem que ser inserido mais um termo, correspondente a esta função
Z
f (x, t, u)dV. (1.15)
V
14

Figura 1.6: Volume V limitado por uma superfície fechada S com um elemento da
superfície dS e vetor ortonormal externo n.

Assim obtemos a seguinte forma integral da Lei de Conservação


Z Z Z
d
udV = − (F · n)dS + f (x, t, u)dV. (1.16)
dt V S V

Neste caso, repetindo as considerações utilizadas para obter a forma diferencial da


Lei de Conservação Eq.(1.16), obtemos
∂u
+ divF = f (x, t, u). (1.17)
∂t

Equações Constitutivas

A versão um-dimensional da Lei de Conservação é

ut + Fx = f (x, t, u), (1.18)

onde u = u(x, t), F = F (x, t, u), (x, t) ∈ R × R+ . De ponto de vista matemática ou


empírica, é razoavelmente assumir que a relação funcional entre F e u é

F = F (u). (1.19)

Tal relação chama-se equação constitutiva. Assim, as Eqs.(1.18) e (1.19) formam


um sistema fechado para u e F . Substituindo (1.19) em (1.18) obtemos a seguinte
equação
ut + c(u)ux = f (x, t, u), (1.20)
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onde c(u) = F 0 (u). Eq.(1.20) é universalmente considerada como a EDP de onda


da primeira ordem, quasi-linear e não-homogêneo. Tal equação é bem utilizada na
análise de vários processos não-lineares, quando os fenómenos de dissipação, tais
como viscosidade e difusão são desprezados.

Exemplo 1.8. Consideremos o fluxo de um liquido inviscoso num meio isotrópico


e homogêneo, caraterizado pela sua concentração u. Neste caso a função de fluxo é
dada pela seguinte expressão
u2
F = . (1.21)
2
Substituindo esta expressão na Eq.(1.18) obtemos a seguinte EDP, chamada de
Burgers inviscoso
ut + uux = f (x, t, u). (1.22)

Exemplo 1.9. O fluxo mais simples acontece quando o material está carregado por
um meio que move com velocidade constante, como, por exemplo, no caso quando
as partículas são carregadas por água ou vento. Nestes casos a função de fluxo é
definida pela seguinte simples relação linear

F = cu, (1.23)

onde c é uma constante positiva, qua carateriza a velocidade do processo. Subs-


tituindo (1.23) em (1.18) obtemos a seguinte Lei de Conservação, chamada como
equação de adveção
ut + cux = f (x, t, u). (1.24)

O termo adveção é referido a movimento horizontal de um material (propriedade)


físico, por exemplo, a densidade de material.

Exemplo 1.10. Para um fluído isotrópico, caraterizado pela sua concentração u,


fluxo de fluído F depende do gradiente da concentração u. Assim, podemos assumir
a seguinte Lei Constitutiva chamada como lei de Fick

F = −κ∇u, (1.25)

onde κ > 0 é chamada como constante difusiva. Usando Eqs.(1.17) e (1.25) obtemos
a seguinte EDP
∂u
− div(κ∇u) = f (x, t, u), (1.26)
∂t
chamada de difusão, que carateriza vários processos físicos e biológicos.
16

1.4 Problemas de Valores Inicial (de Cauchy) e de


Contorno
Observamos que em alguns dos modelos matemáticos estabelecidos surgiram dife-
rentes tipos de condições: inicial e de fronteira. A condição inicial surge, em geral,
quando a EDP’s envolve a variável tempo e diz respeito à solução no instante em que
se inicia a contagem deste. Pode ser dada indicando a solução no instante inicial,
como no caso da equação de calor, e a sua derivada relativamente ao tempo, como
no caso da equação da onda. Um problema envolvendo apenas condições iniciais
é chamado problema de valores (valor) iniciais (inicial) ou também problema de
Cauchy.
Exemplo 1.11. A solução de um problema de Cauchy para a equação de calor (κ
é uma constante positiva)

ut = κuxx , (x, t) ∈ R2+ ,


(1.27)
u(x, 0) = u0 (x), x ∈ R,
é dada pela seguinte fórmula
Z
1 2 /4κt
u(x, t) = √ u0 (ξ)e−(x−ξ) dξ.
4πκt R

A solução é valida para os todos (x, t) ∈ R2+ restrições moderadas nos dados iniciais
u0 (x), e a solução tem um grau alto de suavidade mesmo se a função u0 (x) for
descontínua.
Exemplo 1.12. Consideremos um problema de Cauchy para a equação de adveção
linear com a velocidade c constante
ut + cux = 0, (x, t) ∈ R2+ ,
u(x, 0) = u0 (x), x ∈ R.

É fácil verificar que a função u(x, t) = f (x−ct) é uma solução da equação de adveção
para qualquer função f ∈ C 1 (R). Aplicando a condição inicial para determinar f ,
temos u(x, 0) = f (x) = u0 (x). Portanto, obtemos a solução global do problema de
Cauchy formulado
u(x, t) = u0 (x − ct), (x, t) ∈ R+ .
Exemplo 1.13. Um exemplo mais complicado é o problema de Cauchy para uma
EDP não-linear
ut + uux = 0, (x, t) ∈ R2+ ,
1 (1.28)
u(x, 0) = , x ∈ R.
1 + x2
17

Em contradição aos exemplos anteriores, a solução não existe para qualquer tempo
t ∈ R+ . Para provar isso, vamos assumir que este problema tem uma solução
u = u(x, t), e consideremos uma família de curvas no plano das variáveis x, t definidas
pela EDO
dx
= u(x, t).
dt
Anotamos uma curva Γ dessa família por x = x(t). Ao longo dessa curva temos
du dx
= ut (x(t), t) + ux (x(t), t) · = 0,
dt dt
portanto u é uma constante em pontos da curva Γ. Esta curva deve ser uma linha
reta porque d2 x/dt2 = du/dt = 0. A curva Γ chama-se caraterística da equação de
Burger’s inviscoso no problema de Cauchy (1.28). A equação da Γ é dada por

x = x0 + u(x0 , 0)t,

onde a sua velocidade, u(x0 , 0) = 1/(1 + x20 ) determina-se pelo dado inicial do
problema de Cauchy (1.28), x0 é o ponto de interção da curva Γ com o eixo de
x. Agora vamos definir como se comporta o gradiente ux ao longo dessa curva.
Denotamos g(t) = ux (x(t), t). Então
dx
g 0 (t) = uxx + uxt = (ut + uux )x − u2x = −u2x = −g 2 (t).
dt
A solução geral da EDO g 0 = −g 2 é
1
g(t) = ,
t+c
onde c é uma constante. Usando os dados iniciais do problema de Cauchy (1.28)
obtemos g(0) = −2x0 /(1 + x20 )2 , e por essa razão
1
g(t) = .
t − (1 + x20 )2 /2x0
Observamos, que x0 pode ser escolhida positiva. Portanto, ao longo das retas Γ o
gradiente ux é igual ao infinito quando t = (1 + x20 )2 /2x0 . Então, uma solução suave
não pode existir para qualquer tempo t ∈ R+ . A não existência de uma solução
global do problema de Cauchy é uma coisa típica para EDP’s não lineares.

A indicação da solução na fronteira do domínio, como nos modelos matemáti-


cos já considerados, definem condições fundamentais para o modelo. Estas condições
são chamadas condições de fronteira. O problema envolvendo EDP’s e apenas con-
dição de fronteira diz-se problema de condição de fronteira. Se além das condição de
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fronteira, o problema apresenta condição (condições) inicial (iniciais), então o pro-


blema diferencial é chamado problema de condições iniciais (inicial) e de fronteira
(misto).
Se o domínio espacial é substituído por um intervalo (a, b), então a equação com
derivadas parciais tem que ser complementada com condições, para u, na fronteira e
passamos a ter um problema com condições iniciais e de fronteira. Neste caso, tais
condições de fronteira podem ser formulados na seguinte forma

αu(x0 , t) + βux (x0 , t) = g(t), (1.29)

where x0 = a, b, e α, β são constantes arbitrárias. Quando α 6= 0, β = 0 a relação


(1.29) chama-se condição de Dirichlet; no caso α = 0, β 6= 0 chama-se condição
de Neumann; e no caso α 6= 0, β 6= 0 chama-se condição de Robin.
Exemplo 1.14. Para a equação de calor (1.26) um-dimensional consideremos um
problema misto com as condições de fronteira Dirichlet

ut + (κux )x = 0, (x, t) ∈ (a, b) × R+ ,


u(x, 0) = u0 (x), x ∈ (a, b), (1.30)
u(a, t) = u1 (t), u(b, t) = u2 (t), t ∈ R+ ,

onde u0 , u1 , u2 são funções dadas.

Figura 1.7: Os dados na fronteira x = 1 não podem ser arbitrários: na parte A eles
dependem de dados iniciais u0 (x) e na parte B - da função u1 (t).

O problema (1.30) tem uma solução sob restrições moderadas nos dados. Em-
bora, se considerar a equação de adveção, o problema misto raramente tem uma
solução para dados de fronteira arbitrários, como o exemplo seguinte mostra.
19

Exemplo 1.15. Para a equação de adveção, onde a velocidade c é uma constante,


consideremos um problema misto problema misto com as condições de contorno de
Dirichlet
ut + cux = 0, (x, t) ∈ (0, 1) × R+ ,
u(x, 0) = u0 (x), x ∈ (0, 1), (1.31)
u(0, t) = u1 (t), u(1, t) = u2 (t), t ∈ R+ .

Como foi notado anteriormente, a solução geral da equação de adveção é u(x, t) =


f (x − ct), para qualquer função arbitrária f . Obviamente, u deve ser uma constante
em pontos das linhas retas x − ct = constante. Portanto, os dados não podem
ser especificados independente em pontos da fronteira x = 1, ver Fig. 1.7. Neste
caso, os dados iniciais u0 (x), x ∈ (0, 1), são carregados ao longo das linhas retas
até o segmento A da fronteira x = 1; dados da fronteira x = 0, função u1 (t), são
carregados até o segmento B da fronteira x = 1. Portanto, a função u(1, t) não pode
ser especificada na forma arbitrária.

As condições de fronteira em casos multi-dimensionais podem ser classificadas


na forma similar.
Exemplo 1.16. Seja Ω um domínio (aberto) de Rn com fronteira ∂Ω suave - admite
plano tangente em cada ponto da fronteira. As relações seguintes apresentam apenas
condições para a fronteira.
u = g1 (x), x ∈ ∂Ω, (1.32)
∂u
(x) = g2 (x), x ∈ ∂Ω, (1.33)
∂n
∂u
α(x) + β(x)u(x) = g3 (x), x ∈ ∂Ω, (1.34)
∂n
em que n é normal unitária exterior ao domínio Ω, f é uma função definida em Ω,
e gk , k = 1, 2, 3, e α, β são funções definidas em ∂Ω.

O exemplo anterior ilustra os diversos tipos de condições de fronteira. Estas


condições podem ser classificadas do seguinte modo:

1. Primeiro tipo ou de Dirichlet - homogénea ou não homogénea - a solução


é especificada na fronteira (ver 1.32),

2. Segundo tipo ou de Neumann - a derivada relativamente à normal unitária


exterior ao domínio é especificada na fronteira (ver 1.33),

3. Terceiro tipo ou de Robin - é especificada uma combinação linear da solu-


ção e da derivada relativamente à normal na fronteira (ver 1.34).
20

Observamos que num problema


S podem surgir vários tipos de condições contornas.
Por exemplo, se ∂Ω = Γ1 Γ2 , poderemos ter
∂u
u(x) = g1 (x) , x ∈ Γ1 , (x) = g2 (x), x ∈ Γ2 .
∂n

Exercícios
1. Verificar que a função
1 2
u(x, t) = √ e−x /4kt
4πkt
é uma solução da equação de calor
ut − kuxx = 0, k > 0 − constante,
no domínio R2+ .
2. Verificar que a função p
u(x, y) = ln x2 + y 2
satisfaz à equação de Laplace
uxx + uyy = 0
para qualquer (x, y) 6= (0, 0).
3. Para quais valores de a, b a função u(x, t) = eat sin bx será uma solução da
equação de calor ut − kuxx = 0?
4. Achar solução geral da equação uxt + 3ux = 1. Sugestão: introduzir uma nova
função v = ux e resolver a equação obtida; depois achar u.
5. Mostrar que a equação não linear ut = u2x +uxx pode ser reduzida até a equação
de calor ut − kuxx = 0 depois de mudança w = exp(u).
6. Provar que a função u(x, y) = arctan(y/x) é uma solução da equação de La-
place uxx + uyy = 0 para y > 0.
7. Verificar que a função
Z t Z x+c(t−τ )
1
u(x, t) = dτ f (ξ, τ )dξ
2c 0 x−c(t−τ )

é uma solução da equação de onda


utt − c2 uxx = f (x, t), c > 0 − constante,
para qualquer função f (x, t) contínua com respeito às variáveis x, t.
21

8. Representar a equação
ut + uux + uxxx = 0
na forma de uma Lei de Conservação, identificando a função de fluxo.
22
Capítulo 2

Equações Diferenciais Parciais da


Primeira Ordem

Vários problemas em física, matemática, geofísica e engenharia de petróleo pode ser


formulados usando EDP’s da primeira ordem. Do ponto de vista da matemática as
EDP’s da primeira ordem tem certa vantagem servindo como uma base conceptual
que pode ser utilizado para EDP’s de ordem superior.

2.1 Classificação de EDP’s da Primeira Ordem


Definição 2.1. A equação

F (x, y, u, ux , uy ) = 0, (x, y) ∈ D ⊂ R2 , (2.1)

onde F é uma função dada de seus argumentos, u = u(x, y) é uma função desco-
nhecida das independentes variáveis x e y, que pertençam a um domínio dado D em
R2 , chama-se a EDP da primeira ordem em duas variáveis independentes x e y.

Eq.(2.1) é frequentemente escrita em termos padronizados p = ux , q = uy :

F (x, y, u, p, q) = 0. (2.2)

Semelhantemente, a EDP da primeira ordem mais geral, no case de três variáveis


independents x, y, z, pode ser escrita como

F (x, y, z, u, ux , uy , uz ) = 0. (2.3)

Definição 2.2. Eq.(2.1) ou (2.2) chama-se EDP quasi-linear se ela é linear com
respeito às derivadas da primeira ordem da função desconhecida u(x, y).

23
24

Assim, a EDP quasi-linear mais geral deve ter a seguinte forma

a(x, y, u)ux + b(x, y, u) = c(x, y, u), (2.4)

onde seus coeficientes a, b e c são as funções de x, y e u.


Exemplo 2.1. As seguintes são exemplos das EDP’s quasi-lineares:

x(y 2 + u)ux − y(x2 + u)uy = (x2 − y 2 )u,


uux + uy + 10u2 = 0,
(y 2 − x2 )ux − xyuy = xu.

Definição 2.3. Eq.(2.4) chama-se semi-linear se seus coeficientes a e b não depen-


dem de u.

Portanto, a EDP semi-linear pode ser representada na seguinte forma

a(x, y)ux + b(x, y) = c(x, y, u). (2.5)

Exemplo 2.2. As seguintes são exemplos das EDP’s semi-lineares:

xux − yuy = u2 + x2 ,
(x + 1)2 ux + (y − 1)2 uy = (x + y)u2 ,
uy + aux + u2 = 0.

Definição 2.4. Eq.(2.1) chama-se linear se a função F é linear em relação às


u, ux , uy .

A forma mais geral da EDP linear é

a(x, y)ux + b(x, y) + c(x, y)u = d(x, y), (2.6)

onde a função d(x, y) é dada. Eq.(2.6) chama-se homogênea se d(x, y) ≡ 0 or não


homogênea se d(x, y) 6= 0.
Exemplo 2.3. As seguintes são exemplos das EDP’s lineares:

xux − yuy − 5u = 0,
3ux + (x + y)2 uy − u = e2x ,
xuy + yux = xy 2 .

As vezes, uma EDP que é não-linear chama-se não-linear. Então, as EDP’s da


primeira ordem frequentemente são classificadas como linear e não-linear.
25

2.2 Construção de EDP’s da Primeira Ordem


Consideremos um sistema de superfícies geométricas, definidas pela equação

f (x, y, z, a, b) = 0, (2.7)

onde a, b são constantes arbitrários. Diferenciando Eq.(2.7) com respeito das variá-
veis x, y, obtemos
fx + pfz = 0, fy + qfz = 0, (2.8)
∂z ∂z
onde p = ∂x e q = ∂y . Eqs.(2.8) envolvem dois parâmetros arbitrários a e b. Em
geral, esses dois parâmetros podem ser eliminados das Eqs.(2.8) para obter a seguinte
EDP da primeira ordem
F (x, y, z, p, q) = 0. (2.9)
Assim, o sistema de superfícies (2.7) foi reduzido à Eq.(2.9).

Definição 2.5. Uma equação de tipo (2.7), dependente de dois parâmetros arbitrá-
rios, chama-se solução completa ou integral completa da Eq.(2.9).

Definição 2.6. Qualquer relação de tipo

f (φ, ψ) = 0, (2.10)

que involve uma função arbitrária f de duas funções conhecidas φ = φ(x, y, z) e


ψ = ψ(x, y, z) e representa uma solução de PDE da primeira ordem é chamada
solução geral ou integral geral desta EDP.

Obviamente, a solução geral de EDP da primeira ordem depende de uma fun-


ção arbitrária. Isso está em contradição à situação com equações diferenciais ordi-
nárias, onde a solução geral depende de uma constante arbitrária. A solução geral
(2.9) de uma PDE pode ser construída usando sua integral completa (2.7).
Quando esta função arbitrária é definida, nos obtemos, usando a solução geral,
uma solução particular. Sendo que a solução geral depende de uma função arbitrária,
existe o número infinito de soluções. Na prática, somente uma solução, que satisfaz
condições predefinidas, é requerida para um problema físico. Tal solução chama-se
uma solução particular.
Finalmente, é importante dizer que podemos esperar que soluções de uma EDP
são funções suáveis.

Definição 2.7. Uma função chama-se suave se todas as derivadas dela existem e
são contínuas.
26

Embora, em geral, soluções não sempre são suáveis. A solução que não é
diferenciavel em qualquer ponto, chama-se solução fraca. As soluções fracas mais
comuns são daquelas que tem suas primeiras derivadas discontinuas em pontos de
uma curva.
Exemplo 2.4. Mostrar que um conjunto de esferas (c, r > 0-constantes)
x2 + y 2 + (z − c)2 = r2 (2.11)
satisfazem a seguinte EDP da primeira ordem
yp − xq = 0.

Diferenciando Eq.(2.11) com respeito às variáveis x e y, obtemos


x + p(z − c) = 0, y + q(z − c) = 0.
Excluindo a constante arbitrária c dessas equações, obtemos a EDP da primeira
ordem
yp − xq = 0.
Exemplo 2.5. Mostrar que um conjunto de esferas (a, b, r > 0-constantes)
(x − a)2 + (y − b)2 + z 2 = r2 (2.12)
satisfazem a seguinte EDP da primeira ordem
z 2 (p2 + q 2 + 1) = r2 .

Diferenciando Eq.(2.1) com respeito às variáveis x e y, obtemos


(x − a) + zp = 0, (y − b) + zq = 0.
Excluindo as constantes arbitrárias a, b, obtemos a EDP não-linear da primeira
ordem
z 2 (p2 + q 2 + 1) = r2 .

2.3 EDP’s Lineares da Primeira Ordem e Carate-


rísticas
A EDP da primeira ordem simples é uma equação hiperbólica, associada com a pro-
pagação de sinais em velocidade finita. A idéia fundamental associada com equações
hiperbólica é a noção de caraterística, uma curva ao longo de qual sinais se propa-
gam. A meta principal deste parágrafo é construção de uma base sólida do conceito
de caraterísticas, examinando as EDP’s lineares da primeira ordem, dependentes de
uma variável espacial x e do tempo t.
27

2.3.1 Equação de Adveção com Velocidade Constante


Foi mostrado anteriormente que o problema de Cauchy para a equação de adveção
pode ser formulada na seguinte maneira

ut + cux = 0, (x, t) ∈ R2+


(2.13)
u(x, 0) = u0 (x), x ∈ R.

No caso da equação de adveção a função de fluxo é F = cu, onde c > 0 é uma


constante que carateriza a velocidade do processo. Neste caso mais simples, intro-
duzimos um método chamado método das caraterísticas para a solução do problema
de Cauchy (2.13).
Suponhamos que x = x(t) é uma curva no semi-plano R2+ , começando de um
ponto (x0 , 0) do eixo Ox. Quando um ponto (x(t), t) move-se sobre essa curva, o
valor de u(x(t), t) muda na razão dtd u(x(t), t). Pela regra de cadeia, essa derivada
pode ser escrita da seguinte forma
d dx
u(x(t), t) = ux · + ut . (2.14)
dt dt
Se selecionarmos uma curva x = x(t), tal que
dx
= c, (2.15)
dt
então as equações (2.13)–(2.15) fornecem o seguinte resultado
d
u(x(t), t) = cux + ut = 0.
dt
Isso significa que o valor da função é uma constante sobre essa curva particular e
que esse valor é igual ao valor de u no ponto inicial (x0 , 0). Da condição inicial do
problema de Cauchy (2.13) concluímos que esse valor é u0 (x0 ). A curva em especial
x = x(t), que passa pelo ponto (x0 , 0) é determinada pelas condições
dx
= c, x(0) = x0 . (2.16)
dt
A solução do problema de Cauchy (2.16) é

x = x0 + ct.

Essa curva chama-se característica da equação ut + cux = 0, que defina linhas para-
lelas no plano das variáveis (x, t) passando os pontos iniciais (x0 , 0) do eixo Ox com
inclinação 1/c, ver Fig. 2.1. A derivada dxdt
chama-se velocidade das características,
28

Figura 2.1: Caraterísticas.

que para esse problema é c.


Usando o fato que a solução u é uma constante nas linhas x = x0 +ct, podemos
construir o valor de u(x, t em qualquer ponto (x, t) ∈ R2+ . Para o ponto (x, t) dado
a característica é extendida para trás do (x, t) até o ponto (x0 , 0) do eixo Ox, onde
x0 é dado pela fórmula x0 = x − ct. Uma vez que a função u(x, t) é uma constante
ao longo da característica, o valor da u no ponto (x, t é igual da u no ponto (x0 , 0).
Utilizando a condição inicial do problema (2.13), esse valor é

u(x, t) = u(x0 , 0) = u0 (x0 ) = u0 (x − ct). (2.17)

A solução (2.17) é uma onda com perfil inicial u0 (x) viajando através de um meio
um-dimensional com velocidade c.

Teorema 2.1. Seja u0 (x) ∈ C 1 (R). Então existe uma única solução u(x, t) ∈
C 1 (R2 ) do problema de Cauchy (2.13), dada pela formula

u(x, t) = u0 (x − ct). (2.18)

Tal solução depende continuamente do dado inicial do problema.

Demonstração. E simples verificar que a função (2.18) satisfaz às equações


(2.12) e que essa função é única.
Para mostrar a dependência continua da solução do problema de Cauchy (2.13),
suponhamos que as funções uk0 (x), k = 1, 2, são duas funções iniciais uk0 (x), k =
1, 2, e as funções uk (x, t), k = 1, 2, são as soluções dos problemas de Cauchy que
correspondem a esses dados iniciais. A equação de adveção é linear, por isso, a função
29

u ≡ u1 − u2 resolve o problema (2.13) com dado inicial u0 ≡ u10 − u20 . Aplicando a


fórmula (2.18), temos

u(x, t) = u1 (x, t) − u2 (x, t) = u10 (x − ct) − u20 (x − ct),

que dá

max2 |u1 (x, t) − u2 (x, t)| = max2 |u(x, t)| = max |u10 (x) − u20 (x)|.
(x,t)∈R+ (x,t)∈R+ x∈R

Portanto, se |u10 (x) − u20 (x)| ≤ δ para qualquer ponto x ∈ R, então |u1 (x, t) −
u2 (x, t)| ≤ δ para qualquer ponto (x, t) ∈ R2+ . A dependência contínua da solução
de dados iniciais é estabelecida no sentido de que pequenas mudanças nos dados
iniciais produzam pequenas mudanças na solução.

Exemplo 2.6. Consideremos um problema de Cauchy

ut + 4ux = 0, (x, t) ∈ R2+


u(x, 0) = arctan x, x ∈ R.

Ao longo da curva x = x(t), a derivada da u(x(t), t) é

d dx
u(x(t), t) = ut + ux .
dt dt
Considerando x(t) satisfazendo ao problema

dx
= 4 , t ∈ R+ ,
dt
x(0) = x0 ,

temos que a caracteristíca é x = x0 + 4t. Ao longo da curva

d
u(x(t), t) = ut + 4ux = 0,
dt
u(x(t), t) tem valor constante na curva x = x0 +4t. Agora, qualquer ponto (x, t) pode
ser ligado com o ponto (x0 , 0) do eixo Ox através da característica, i.e., x0 = x − 4t.
Uma vez a solução u e uma constante na característica, o valor da u(x, t) é

u(x, t) = u(x0 , 0) = arctan x0 = arctan(x − 4t).

A solução do problema de Cauchy e uma onda com perfil arctan x viajando com
velocidade c = 4.
30

As características podem ser usadas para solução do problema de Cauchy para


equação de adveçao não-homogênea

ut + cux = f (x, t), (x, t) ∈ R2+ ,


(2.19)
u(x, 0) = u0 (x), x ∈ R.

A razão da mudança da solução ao longo da curva x = x(t) é


d dx
u(x(t), t) = ut + ux ,
dt dt
e a característica com começo no ponto (x0 , 0) que procura a solução na qual
dx
= c, t ∈ R+ ,
dt
x(0) = x0 ,

e x = ct + x0 . Então, a razão na mudança da função u ao longo da característica


para a (2.19) e dada pela fórmula
d dx
u(x(t), t) = ut + ux = f (x(t), t).
dt dt
O valor da u ao longo da característica não é constante, mas pode ser encontrado
pela solução do problema de Cauchy para a equação diferencial ordinária
dU
= f (x(t), t), t ∈ R+ ,
dt
U (0) = u0 (x0 ),

onde U (t) ≡ u(x(t), t) é o valor da u ao longo da característica x = ct + x0 .

Exemplo 2.7. Consideremos o problema de Cauchy

ut + 4ux = 1, (x, t) ∈ R2+ ,


u(x, 0) = arctan x, x ∈ R.

A característica da equação é x = x0 + 4t. A razão da mudança da u(x(t), t) ao


longo da característica e
d
u(x(t), t) = ut + 4ux = 1.
dt
Integrando a última com respeito a variável t, temos

u(x(t), t) = t + C,
31

onde C é uma constante qualquer. Para encontrar o valor de C, notamos que para
t = 0 nas condições iniciais,

C = u(x(0), 0) = u(x0 , 0) = arctan x0 .

A característica que passa no ponto (x, t) pode ser estendida para trás até o ponto
(x0 , 0) do eixo Ox, onde x0 = x − 4t. O valor da u no ponto (x0 , 0) portanto, dá o
valor da u no ponto (x, t)

u(x(t), t) = t + arctan x0 = t + arctan(x − 4t).

Figura 2.2: Problema misto.

Exercícios
1. Usando o método das características, resolver o problema de Cauchy

ut + 2ux = 0, (x, t) ∈ R2+ ,


2
u(x, 0) = e−x , x ∈ R.

2. Usando o método das características, resolver o problema de Cauchy

ut − 16ux = 0, (x, t) ∈ R2+ ,


u(x, 0) = x2 , x ∈ R.

3. Mostrar que a EDP


ut + kuux + q(t)u = 0
32

pode ser reduzida até a equação de Burgers inviscoso

vs + vvx = 0

usando as transformações
Z  Z  Z 
v = u exp q(t)dt , s = k exp − q(y)dy dt.

4. Resolver o problema misto

ut + cux = 0, (x, t) ∈ R+ × R+ ,
u(x, 0) = 0, x ∈ R+ ,
t
u(0, t) = , t ∈ R+ ,
1 + t2

usando o fato que u deve ser constante em pontos das curvas x = ct + x0 ,


onde c > 0 e x0 são constantes, ver Fig. 2.2. Sugestão: considerar as regiões
x > ct e x < ct separadamente.

5. Utilizando o método das características, resolver o problema de Cauchy

ut + 2ux = −u, (x, t) ∈ R2+ ,


1
u(x, 0) = , x ∈ R.
1 + x2

6. Resolver o problema de Cauchy

ut + cux + u = 0, (x, t) ∈ R2+ ,


u(x, 0) = u0 (x), x ∈ R.

7. Resolver o problema de Cauchy

ut + cux = xt, (x, t) ∈ R2+ ,


u(x, 0) = u0 (x), x ∈ R.

8. Resolver o problema de Cauchy

ut + cux = u2 , (x, t) ∈ R2+ ,


u(x, 0) = u0 (x), x ∈ R.
33

2.3.2 Equação de Adveção com Velocidade Variavel


Até agora, consideramos uma velocidade constante c para um meio homogêneo.
Porém, é mais comum imaginar um meio com propriedades físicas variáveis. Nesse
caso, a velocidade de propagação pode depender da coordenada espacial x e do
tempo t, tal que c = c(x, t). Então, podemos formular um problema de Cauchy do
seguinte modo
ut + c(x, t)ux = 0, (x, t) ∈ R2+ ,
(2.20)
u(x, 0) = u0 (x), x ∈ R.
O coeficiente c(x, t) não é mais constante, mas podemos usar o método das caracte-
rísticas para esse caso também. Uma característica que ultrapassa um ponto (x0 , 0)
pode ser construída como a solução do problema de Cauchy do seguinte modo, ver
Fig. 2.3,
dx
= c(x, t), x(0) = x0 .
dt
O valor da função u(x(t), t) é uma constante nessa característica porque

t
Curva x=x(t)
(x(t),t)

x
(x0,0)

Figura 2.3: Uma caraterística com velocidade c passando através um ponto arbitrário
(x, t).

d dx
u(x(t), t) = ut (x(t), t) + ux (x(t), x) = ut + c(x, t)ux = 0
dt dt
pela equação de adveção. Por isso, o valor da solução do problema de Cauchy para
a equação de adveção no ponto (x, t) pode ser construído por:

1. Construção das características por solução do problema de Cauchy


dx
= c(x, t), x(0) = x0 . (2.21)
dt
34

2. Construção do ponto particular (x0 , 0) para a característica passando o ponto


(x, t);

3. Utilizando x0 para calcular u(x, t) = u(x0 , 0) = u0 (x0 ).

Observação 2.1. Como podemos ver, de novo, a equação diferencial parcial do


problema de Cauchy (2.20) foi reduzida para uma equação diferencial ordinária em
pontos de uma família das curvas, caraterísticas definidas pelo problema de Cauchy
(2.21).

Exemplo 2.8. Resolver o problema de Cauchy

ut − xtux = 0, (x, t) ∈ R2+ ,


u(x, 0) = u0 (x), x ∈ R.

O problema de Cauchy para construção das características (2.21), nesse caso é

dx
= −xt, x(0) = x0 .
dt
2 /2
A solução desse problema são as curvas Γ : x = x0 e−t . Em pontos dessas curvas
a EDP transforma-se em
dx du
Γ : ut − xtux = ut − ux = = 0,
dt dt
ou
2 /2
u(x, t) = u(x0 , 0) = u0 (x0 ) = u0 (xe−t ).

2 /2
Figura 2.4: Posição das caraterísticas Γ : x = x0 e−t no plano (x, t).

O seguinte teorema é válido:


35

Figura 2.5: Figura ilustrando a propagação de um sinal inicial u0 (x) ao longo das
2
caraterísticas Γ : x = x0 e−t /2 .

Teorema 2.2. Sejam c(x, t) e u0 (x) funções contínuas com primeiras derivadas
contínuas também. Suponhamos que para t > 0 a característica que passa em
qualquer ponto (x, t) possa ser construída para trás até um ponto x0 (x, t) do eixo
Ox. Então existe a única solução u(x, t) ∈ C 1 do problema de Cauchy (2.20).

Além disso, se a função u(x, t) é a solução do problema de Cauchy (2.20) com


dados iniciais u0 (x) e se v(x, t) é a solução do mesmo problema de Cauchy com
dados iniciais v0 (x), então,

max |u(x, t) − v(x, t)| = max |u0 (x) − v0 (x)|,


(x,t)∈R2+ x∈R

o que significa que a solução do problema de Cauchy (2.20) é estável.

Exercícios
1. Resolver o problema de Cauchy

ut + xtux = 0, (x, t) ∈ R2+ ,


1
u(x, 0) = , x ∈ R.
1 + x2
a) Resolver o problema de Cauchy (2.21) com c(x, t) = xt para mostrar que
2
a equação da característica passando o ponto (x0 , 0) é x = x0 et /2 .
36

2 /2
b) Construir a solução u(x, t) usando x0 = xe−t .

2. Resolver o problema de Cauchy (c-constante)

ut + cux + u = 0, (x, t) ∈ R2+ ,


u(x, 0) = u0 (x), x ∈ R.

3. Para o caso u0 (x) = exp [−2(x − 2)2 ], resolver o problema de Cauchy

ut + xux = 0, (x, t) ∈ R2+ ,


u(x, 0) = u0 (x), x ∈ R,

e plotar, utilizando o MATLAB, o gráfico da solução u(x, t), x ∈ [0, 10], em


pontos t = 0, 5; 1; 1, 5.

2.4 EDP’s Não-lineares da Primeira Ordem e Ca-


raterísticas
Consideremos, agora, o caso em que a velocidade de propagação c depende da solu-
ção u. Vamos repetir as principais argumentações utilizadas na construção da Lei
de Conservação para este caso, suponhando que uma substância flui através de um
tubo, tal que a densidade dela é constante através de cada seção do tubo. Então,

Figura 2.6: Perfil da densidade u(x, t) (tempo t é fixo) num médio 1D.

podemos assumir que a densidade é uma função de uma variável espacial, por exem-
plo da variável x. Denotamos como u(x, t) a densidade no ponto x e tempo t. A
37

Figura 2.7: Um segmento S de tubo sobre o intervalo [a, b]. As partes laterais do
tubo são isoladas e as quantidades variam-se em direção de x e em função do tempo.

dimensionalidade de u é massa/comprimento. A massa da substância no intervalo


[a, b] é
Z b
u(x, t)dx.
a
Seja F (x, t) a razão com que a substância ultrapassa o ponto x. Então, F chama-se
fluxo. Nós adotamos F positiva quando a substância ultrapassa da esquerda para
a direita e negativa para o caso contrário.
Seja a equação de balanço:
d b
Z
u(x, t)dx = F (a, t) − F (b, t). (2.22)
dt a
Essa equação diz que a razão da mudança de massa no intervalo [a, b] é igual à razão
(fluxo) na qual a substância entra no ponto a do intervalo menos a razão na qual
ela sai no ponto b. A equação (2.22) expressa a lei de conservação de massa no
caso um-dimensional.
Suponhamos que a densidade u e o fluxo F são funções do C 1 . Neste caso,
nós podemos diferenciar dentro da integral e também representar a parte direita da
fórmula (2.22) como uma integral do seguinte tipo
Z b Z b
ut (x, t)dx = − Fx (x, t)dx,
a a

que dá Z b
[ut (x, t) + Fx (x, t)] dx = 0. (2.23)
a
Portanto, essa igualdade é válida para qualquer intervalo [a, b] e o integrando deve
ser igual a zero. Então, as funções u, F tem que satisfazer à equação

ut + Fx = 0. (2.24)
38

Para reduzir a última equação em uma função só, nós devemos fazer uma suposição
sobre a relação entre u e F . Suponhamos que existe uma relação constitutiva entre
fluxo e densidade dada na seguinte forma

F (x, t) ≡ F (u).

Supondo que F ∈ C 1 , temos, então

ut + F 0 (u)ux = 0. (2.25)

A equação (2.22) chama-se a forma integral da lei de conservação e a equação (2.24)


(e (2.25)) é a forma diferencial. A primeira forma é mais generalizada que a se-
gunda. Vamos mostrar mais adiante que existem situações em que a equação (2.22)
é satisfeita mas a equação (2.24) não é definida.

Exercicios

1. Mostrar que a solução do problema de valor inicial

ut + uux + au = 0, (x, t) ∈ R2+ ,


u(x, 0) = bx, x ∈ R,

onde a, b são constantes, é


abx exp (−at)
u(x, t) = .
(a + b) − b exp (−at)

2. Consideremos
uut + ux = 1
com dado de Cauchy u = x/2 na linha x = t para x ∈ (0, 1). Provar que
4x − 2t − x2
u= .
2(2 − x)
Achar o domínio de validade da solução e plotar as caraterísticas.

3. Consideremos
uut + ux = 1
com dado de Cauchy u = x na linha t = 1 para x ∈ R. Provar que
x − t2
u= + t2 .
1 + ln t
Achar o domínio onde a solução e valida.
39

2.4.1 Caraterísticas
Voltando para o problema de valor inicial geral, vamos aplicar o método das carac-
terísticas para o problema

ut + c(u)ux = 0, (x, t) ∈ R2+ ,


(2.26)
u(x, 0) = u0 (x), x ∈ R,

onde c = F 0 (u). As características com início no ponto (x0 , 0) para esse problema
podem ser construídas utilizando o seguinte problema de Cauchy

dx
= c(u(x, t)), x(0) = x0 . (2.27)
dt
Nesse caso, nós não sabemos a função u(x, t). Mas por outro lado, o valor da u(x, t)
é uma constante ao longo da característica (x(t), t) porque

d dx
u(x(t), t) = ut + ux · = ut + c(u)ux = 0.
dt dt
Como visto anteriormente, isso mostra que o valor da u sobre a característica é uma
constante. O valor da u em cada ponto (x, t) da característica é o mesmo valor da
u no ponto inicial (x0 , 0), que pela condição inicial é

u(x, t) = u(x0 , 0) = u0 (x0 ).

Sabendo que a função u é uma constante ao longo da característica, podemos

Figura 2.8: As características da lei de conservação não-linear ut +c(u)ux = 0 podem


ser não paralelas
40

reconsiderar o problema (2.27) para construir a u(x, t). Uma vez que a u(x, t) tem o
valor constante u0 (x0 ) sobre a característica que ultrapassa o ponto (x0 , 0), podemos
escrever o problema de valor inicial (2.27) como

dx
= c(u0 (x0 )), x(0) = x0 .
dt
Resolvendo o problema, encontramos

x = c(u0 (x0 ))t + x0 . (2.28)

Como c = constante, as características são linhas retas. Porém, elas não são neces-
sariamente linhas paralelas porque a inclinação 1/c(u0 (x0 )) de cada linha depende
do valor de u no ponto inicial da característica, como mostra Fig. 2.8.
O procedimento de construção do valor de u no ponto (x, t) é:

1. Construir as características x = c(u0 (x0 ))t + x0 usando a velocidade c(u) da


equação ut + c(u)ux = 0 e perfil inicial u0 (x0 ).

2. Achar o ponto inicial (x0 , 0) da característica que passa através de (x, t) pela
solução x = c(u0 (x0 ))t + x0 para x0 .

3. Usar o valor de x0 para calcular u(x, t) = u(x0 , 0) = u0 (x0 ).

Figura 2.9: Características do problema (2.29)-(2.30).

Exemplo 2.9. Se F = 12 u2 , então a lei de conservação ut + Fx = 0 transforma-se


na equação de Burgers, ut + uux = 0, com velocidade c(u) = u.
41

Consideremos o problema de valor inicial


ut + uux = 0, (x, t) ∈ R2+ , (2.29)
(
0, x≤0
u(x, 0) = u0 (x) = −1/x
(2.30)
e , x>0
Uma vez que c(u0 (x0 )) = u0 (x0 ), a característica que passa no ponto (x0 , 0) é x =
u0 (x0 )t + x0 , ou (ver Fig. 2.9)
(
0 · t + x0 , x0 ≤ 0
x= −1/x0
e · t + x0 , x0 > 0
A solução u(x, t) é a função
(
0, x≤0
u(x, t) = −1/x0
e , x>0
onde x0 é a solução da equação
x0 + e−1/x0 · t = x,
isto é,
x0 = x0 (x, t).

Exercícios
1. Achar a solução do problema de Cauchy
ut + uux = 0, (x, t) ∈ R2+ ,

 −1, x<0
u(x, 0) = 2x − 1, 0 ≤ x ≤ 1
1, x>1

2. Construir a solução do problema de Cauchy:


ut + u2 ux = −u, (x, t) ∈ R2+ ,
u(x, 0) = 3, x ∈ R.

3. Definir e plotar as características do problema de Cauchy:


ut + uux = xt, (x, t) ∈ R2+ ,

 1, x≤0
u(x, 0) = 2, 0<x<1
3, x≥1

42

4. Definir e plotar as características do problema de Cauchy:

ut + uux = 0, (x, t) ∈ R2+ ,



 3, x≤0
u(x, 0 = 2, 0<x<1
1, x≥1

5. Definir e plotar as características do problema de Cauchy:

ut + (u2 + 1)ux = 0, (x, t) ∈ R2+ ,



 1, x≤0
u(x, 0) = 2, 0<x<1
1, x≥1

6. Definir e plotar as características do problema de Cauchy:

ut + u3 ux = 0 (x, t) ∈ R2+ ,

 2, x ≤ 0
u(x, 0) = 1, 0 < x < 1
2, x ≥ 1

2.4.2 Catástrofe de Gradiente e Tempo de Queda


Na seção anterior foi mostrado que a solução da lei de conservação ut + Fx = 0
poderia ser construída no ponto (x, t) usando uma característica seguida do ponto
(x, t) de volta em um ponto (x0 , 0). Uma suposição implícita do método é que existe
somente uma característica extendida do ponto (x, t). No caso da lei de conservação
não linear, é possível quando duas ou mais características interceptam-se no ponto
(x, t) como ilustra a Fig. 2.10. Para a análise detalhada dessa situação consideremos
um problema de valor inicial

ut + c(u)ux = 0, (x, t) ∈ R2+ ,


(2.31)
u(x, 0) = u0 (x), x ∈ R.

Na seção anterior foi mostrado que as características do problema (2.26) são as retas
x = c(u0 (x0 ))t + x0 , onde a solução u é uma constante. No caso quando c(u) é uma
constante, as características x = ct + x0 são as retas paralelas. Mas quando c(u)
não é uma constante, as características x = c(u0 (x0 ))t + x0 não são necessariamente
as linhas paralelas e podem ultrapassar uma a outra. O valor da solução u deixa de
ser constante em cada característica individual.
43

Figura 2.10: Exemplo das caraterísticas cruzadas.

Figura 2.11: Valor constante da solução u(x, t) ao longo de caraterística.


44

Figura 2.12: Caraterísticas paralelas transmitam o perfil inicial no tempo.

Figura 2.13: Caraterísticas cruzadas podem resultar em declive infinito ux .


45

Na Fig. 2.13 podemos ver que se as duas características atravessam u e o


valor de u é diferente sobre cada linha, fazendo com que ux (x, t) na direção x tenda
para infinito quando t se aproxima da intersecção das linhas. A formação de declive
("slowness") infinito ux na solução u chama-se catástrofe do gradiente.
Vamos supor que c(u) aumenta com u, por exemplo, c(u) = u. Nesse caso,
para valores maiores do que u ≥ 0 temos os maiores valores da velocidade c(u) e a
parte superior do perfil u(x, t) (maiores valores de u) move-se com velocidade mais
rápida do que a parte inferior (menores valores de u). Como mostra a Fig. 2.15,

Figura 2.14: Velocidade horizontal de um ponto do perfil u(x, t) é c(u).

Figura 2.15: Parte superior do perfil de solução u(x, t) propaga-se com a velocidade
maior que a parte inferior quando ut + uux = 0.

se o perfil de u(x, t) em tempo é uma função crescente da variável x, então em um


tempo posterior t o perfil da u(x, t) aparece como "thinned out"ou "rarified". Por
outro lado, se o perfil da u(x, t) tem a forma de um pulso, Fig. 2.16, então o topo
46

Figura 2.16: Parte superior do perfil de solução u(x, t) pode alcançar até parte
inferior, formando a catástrofe de gradiente.

do perfil alcança a parte de baixo do perfil que move-se com velocidade menor. Isso
forma um valor infinito da ux criando a catástrofe do gradiente.
Definição 2.8. O mais cedo tempo tb ≥ 0 no qual acontece a catástrofe do gradi-
ente na solução u(x, t) do problema (2.31) chama-se tempo de queda (ou "breaking
time"em inglês).
Exemplo 2.10. Consideremos um problema de valor inicial para a equação de
Burgers no meio inviscoso

ut + uux = 0, (x, t) ∈ R2+ ,


2
u(x, 0) = e−x , x ∈ R.
2
Com velocidade c(u) = u e perfil inicial u0 (x) = e−x , as características com começo
no ponto (x0 , 0) são
2
x = c(u0 (x0 ))t + x0 = e−x0 t + x0 .

Um diagrama das características com pontos iniciais (x0 , 0) está representado


na Fig. 2.17. Na figura, o tempo onde as características ultrapassam uma e outra é
aproximadamente igual a tb = 1, 2 (valor do tempo de queda).
Consideremos, agora, um método para o cálculo do tempo de queda no caso
geral. Consideremos o seguinte problema de Cauchy:
ut + c(u)ux = 0, (x, t) ∈ R2+ ,
(2.32)
u(x, 0) = u0 (x), x ∈ R.

A solução do problema no ponto (x, t) é u(x, t) = u0 (x0 ), onde x0 = x0 (x, t) de-


termina o ponto inicial (x0 , 0) da característica que ultrapassa o ponto (x, t). A
47

2
Figura 2.17: Caraterísticas x = x0 + te−x0 do Exemplo 2.10.

derivada ux é
0 ∂x0
ux (x, t) = u0 (x0 ) · , (2.33)
∂x
o valor x0 determina-se da equação

x = x0 + c(u0 (x0 ))t

na forma implícita. Então


∂x ∂
= [c(u0 (x0 )t + x0 ] ,
∂x ∂x
d ∂x0 ∂x0
1=t [c(u0 (x0 )] · + .
dx0 ∂x ∂x
∂x0
Resolvendo a última equação com respeito a ∂x
, temos

∂x0 1
= d
. (2.34)
∂x 1 + t dx0 [c(u0 (x0 )]

Substituindo a equação (2.34) na equação (2.33) temos


0
u0 (x0 )
ux (x, t) = . (2.35)
1 + t dxd0 [c(u0 (x0 )]
48

O problema de determinação quando ux é igual a infinito reduz-se ao problema


quando o denominador em (2.35) aproxima-se de zero.
Se dxd0 [c(u0 (x0 )] ≥ 0 para todos os pontos iniciais (x0 , 0), então o denominador
em (2.35) nunca aproxima-se de zero quando t aumenta. Nesse caso, a catástrofe do
gradiente não acontece nunca. Por outro lado, se dxd0 [c(u0 (x0 )] é negativa para um
valor de x0 , então a catástrofe do gradiente pode acontecer quando t aproxima-se
de − d [c(u1 (x )] . O valor de x0 que produz o tempo tb é o valor de x0 que produz o
dx0 0 0
d
termo dx0
[c(u0 (x0 )] mais negativo. Utilizando esse valor de x0 , o tempo de queda é
−1
tb = d
. (2.36)
dx0
[c(u0 (x0 )]

Exemplo 2.11. Consideremos de novo o problema de Cauchy


ut + uux = 0, (x, t) ∈ R2+ ,
2
u(x, 0) = e−x , x ∈ R.
2
Com velocidade c(u) = u e o perfil inicial u0 (x) = e−x temos
2 2
c(u0 (x0 )) = c(e−x0 ) = e−x0 .

O tempo de queda tb requer buscar o valor mais negativo da função


d d −x20 2
F (x0 ) = [c(u0 (x0 )] = e = −2x0 e−x0 .
dx0 dx0
2
A derivada F 0 (x0 ) = (−2 + 4x20 )e−x0 mostra que F (x0 ) tem os pontos críticos x0 =
± √12 com x0 = √12 entregando o valor mais negativo da função F (x0 ). Então, o
tempo de queda (2.36) com x0 = √12 é
r
1 e
tb = − 2 = .
−2x0 e−x0 2

Exercícios
1. Considere o problema de Cauchy

ut + u2 ux = 0 (x, t) ∈ R2+ ,
1
u(x, 0) = , x ∈ R.
1 + x2
– Construir as características do problema. Usando MATLAB, construir
as características no plano das variáveis (x, t).
49

– Calcular o tempo de queda tb .

2. Consideremos o problema de valor inicial

ut + u2 ux = 0 (x, t) ∈ R2+ ,
(
1, x>0
u(x, 0) =
(2x − 1)/(x − 1), x < 0

Plotar o dado inicial e definir o salto inicial em ux . Plotar as caraterísticas e


definir o tempo de queda tb .

2.4.3 Solução Suave por Partes


A construção da EDP na forma de uma lei de conservação pressupõe que a solução
é uma função contínua junto com suas derivadas da primeira ordem. O método
das caraterísticas pode construir tal solução, mas somente até do tempo quando
primeira vez acontece o catástrofe de gradiente, tb . Nessa seção a solução u(x, t)
será continuada para os tempos maiores do tempo de queda, permitindo que tal
solução pode ser caraterizada pela uma função suave por partes. Para fazer assim,
nós retornamos até forma integral da lei de conservação em pontos (x, t) onde u(x, t)
é descontínua.
Como foi mostrado na seção anterior, as caraterísticas para o problema de
Cauchy
ut + c(u)ux = 0, (x, t) ∈ R2+ ,
(2.37)
u(x, 0) = u0 (x), x ∈ R,
pode ser utilizadas para a construção de uma solução u(x, t) começando no tempo
t = 0, mas finalizando no tempo de queda tb de um catástrofe de gradiente. Nesta
seção nós vamos modificar o método de caraterísticas, permitindo que a solução
u(x, t) quebra-se no tempo t = tb , formando uma função suave por partes para t ≥ tb ,
ver Fig. 2.18. Para definir funções (soluções) suaves por partes, suponhamos que
x = xs (t) é uma curva no plano das variáveis (x, t), que divide o semi-plano superior
em duas partes, ver Fig. 2.19. Sejam R− a região à esquerda da curva e R+ à direita
dessa curva.

Definição 2.9. A função u(x, t) chama-se a solução suave por partes do problema
(2.37) com salto de discontinuidade ao longo da curva Γ : x = xs (t), se u(x, t) tem
as seguintes propriedades:

1. u(x, t) tem derivadas da primeira ordem contínuas ut e ux em R+ e R− , e


50

Figura 2.18: Perfil de uma solução u(x, t) que "quebra-se"depois de catástrofe de


gradiente.

Figura 2.19: Curva x = xs (t) e regiões R± .

Figura 2.20: Gráfico de uma função suave por partes u(x, t).
51

Figura 2.21: Perfis de uma função suave por partes u(x, t) com descontinuidade em
pontos x = xs (t).

satisfaz o seguinte problema de Cauchy na região R−

ut + c(u)ux = 0, para (x, t) ∈ R− ,


u(x, 0) = u0 (x), para x < xs (0),

e na região R+
ut + c(u)ux = 0, para (x, t) ∈ R+ ,
u(x, 0) = u0 (x), para x > xs (0).

2. Em cada ponto (x0 , t0 ) da curva Γ : x = xs (t) o limite u(x, t) quando (x, t) →


(x0 , t0 ) em R− e o limite u(x, t) quando (x, t) → (x0 , t0 ) em R+ ambos existem
mas não necessariamente são iguais.

O gráfico de tal função é composto por duas seções de uma superfície com um
salto ao longo da curva x = xs (t), ver Fig. 2.20.

Exercícios

2.4.4 Ondas de Choque


A construção de uma solução de equação ut +Fx = 0 pelo método das características
temporariamente para-se quando um catástrofe de gradiente acontece. No entanto,
o processo físico modelado pelo este lei de conservação não necessariamente termina-
se. Nesta seção nos vamos descrever como a solução u(x, t) tem que ser continuada
depois do tempo de queda, permitindo u(x, t) ser suave por partes, mas obedecendo
ao lei de conservação. A formação de uma discontinuidade depois de catástrofe de
52

gradiente é uma mudança dramática na natureza da função u(x, t). Tal função será
chamada solução de tipo onda de choque do lei de conservação.
Suponhamos que as caraterísticas do problema

ut + Fx = 0, (x, t) ∈ R2+ ,
(2.38)
u(x, 0) = u0 (x), x ∈ R

cruzam-se primeira vez no tempo tb = 0, ver Fig. 2.22. Para aplicar o método das
caraterísticas, uma curva x = xs (t) é plotada através a área onde as caraterísticas
se cruzam, para separar as caraterísticas que se aproximam de direita e esquerda,
ver Fig. 2.22. Mas podem ser plotadas muitas curvas para separar as caraterísticas
cruzadas, por isso agora vamos discutir como usando o lei de conservação selecionar
somente uma curva x = xs (t). Suponhamos que a função u(x, t) é uma solução suave

Figura 2.22: Uso de uma curva para dividir uma região de cruzamento das carate-
rísticas

por partes do problema de Cauchy (2.38) com salto de descontinuidade ao longo da


curva x = xs (t). Embora a função u(x, t) satsifaz ut + Fx = 0 em cada ponto (x, t)
em R− e R+ , as derivadas da u(x, t) não necessariamente existem em pontos da
curva x = xs (t). Para ver o que vai acontecer em pontos da curva x = xs (t), vamos
retornar à forma original do lei da conservação (2.22). Fixando um ponto (xs (t), t)
na curva, escolhemos a e b em tal maneira, que a < xs (t) < b como mostrado na
Fig. 2.23. A integral na lei de conservacão (2.22) pode ser representado por duas
partes
Z b Z x−s (t) Z b
u(x, t)dx = u(x, t)dx + u(x, t)dx. (2.39)
a a x+
s (t)

Substituindo (2.39) na lei de conservação (2.22) e usando a regra de cadeia para


53

Figura 2.23: Escolha de pontos a e b.

calcular a derivada dessas integrais em relação da variavel do tempo t, obtemos


Z x−s (t) Z b
− dxs dxs
ut (x, t)dx + u(xs , t) + ut (x, t)dx − u(x+
s , t) =
a dt +
xs (t) dt
F (a, t) − F (b, t).

Dirigindo a → x− +
s e b → xs obtemos a seguinte equação

dxs dxs
u(x−
s , t) − u(x+
s , t) = F (x− +
s , t) − F (xs , t),
dt dt
de qual nos podemos construir a seguinte equação diferencial ordinaria

dxs F (x+
s , t) − F (xs , t)
= −
. (2.40)
dt u(x+s , t) − u(xs , t)

A equação (2.40) mostra que para que uma solução suave por partes do problema
(2.38) satisfaria a forma integral da lei de conservação (2.22), a curva x = xs (t)
tem que satisfazer à equação (2.40). Esta equação chama-se a condição de salto de
Rankine-Hugoniot para u(x, t). Usando a notação de salto
[F ](x, t) = F (x+ , t) − F (x− , t) , [u](x, t) = u(x+ , t) − u(x− , t),
A condição de salto de Rankine-Hugoniot reescreve-se como
dxs [F ]
= .
dt [u]
Definição 2.10. Uma solução suave por partes u(x, t) da equação ut + Fx = 0
com um salto ao longo de curva xs (t), que satisfaz à condição de Rankine-Hugoniot
(2.40), chama-se solução de tipo onda de choque da lei de conservação. A curva xs (t)
chama-se caminho de choque.
54

Exemplo 2.12. Consideremos o seguinte problema de Cauchy para a equação de


Burgers inviscoso:
ut + uux = 0, (x, t) ∈ R2+ ,
(
1, x ≤ 0
u(x, 0) =
0, x > 0
As caraterísticas x = x0 + t · c(u0 (x0 )) do problema são x = x0 + t · 0 para x0 ≤ 0,

Figura 2.24: As caraterísticas e curva que separa as caraterísticas cruzadas para o


exemplo.

e x = x0 + t · 1 para x0 > 0. Com base na análise das caraterísticas no semi-


plano t ≥ 0 (ver Fig. 2.24) podemos concluir que a primeira vez o catástrofe de
gradiente acontece no ponto (0, 0) com tempo de queda tb = 0. Por esta razão vamos
procurar uma solução de tipo onda de choque com caminho de choque começando
no ponto (0, 0). Construindo o caminho de choque x = xs (t), podemos separar as
caraterísticas cruzadas e, usando o método das caraterísticas, construir a solução do
problema em domínios R− e R+ . Se (x, t) ∈ R− , então existe uma caraterística que
passa este ponto e um ponto (x0 , 0) do semi-eixo negativo x < 0. Visto que u é uma
constante ao longo dessa linha e o valor de u no ponto (x, t) é u(x, t) = u(x0 , 0) = 1
para x0 < 0, o valor de u no ponto (x, t) serâ u(x, t) = u(x0 , 0) = 1. Semelhante,
se um ponto (x, t) ∈ R+ , então u(x, t) = u(x0 , 0) = 0. Construindo o caminho de
choque, a solução do problema de Cauchy serâ dada pela seguinte fórmula
(
1, (x, t) ∈ R−
u(x, 0) =
0, (x, t) ∈ R+

A curva x = xs (t) para separar as duas regiões pode ser construída usando
a condição de salto Rankine-Hugoniot; começando o caminho de choque do ponto
55

Figura 2.25: Interpretação gráfica da solução do problema.

(0, 0):
dxs [F ]
= , xs (0) = 0.
dt [u]
A funcão de fluxo para a equação de Burgers é F = u2 /2, portanto
dxs 1 [u2 ] u+ − u−
= = ,
dt 2 [u] 2
onde u± são valores da função u em pontos da curva (da direita - com sinal +, e
da esquerda - com sinal −). Mas u = 1 em R− e u = 0 em R+ , portanto u− = 1
e u+ = 0. A condição de salto simplifica-se até dxs /dt = 1/2, o que junto com a
condição inicial xs (0) = 0 permite construir o caminho de choque xs (t) = t/2. A Fig.
2.25 mostra o caminho de choque x = xs (t) ≡ t/2, as caraterísticas do problema de
Cauchy com (
1, x ≤ t/2
u(x, t) =
0, x > t/2
Animação dessa função é representada na Fig. 2.26. Notamos, que o salto de
discontinuidade propaga-se para a direita com velocidade 1/2.

Exercícios
1. Achar a solução de tipo onda de choque para o seguinte problema de Cauchy:
ut + u2 ux = 0, (x, t) ∈ R2+ ,
(
2, x < 0
u(x, 0) =
1, x ≥ 0
56

Figura 2.26: Animação da solução de tipo onda de choque

Definir o valor da solução no ponto (x, t) = (7, 3).


2. Resolver o problema de Cauchy:
ut + uux = 0, (x, t) ∈ R2+ ,

2, x ≤ 1
u(x, 0) =
0, x > 1
Achar o valor da solução em ponto (x, t) = (2, 3). Analizar a variação de perfil da
solução.
3. Provar que o caminho de choque x = 3t/2 e a função

2, x ≤ 3t/2
u(x, t) =
1, x > 3t/2
satisfaz a condição de Rankine-Hugoniot e a Lei de Conservação na forma integral
do problema de Cauchy
ut + uux = 0 (x, t) ∈ R2+ ,

2, x ≤ 0
u(x, 0) =
1, x > 0

2.4.5 Ondas de Rarefação


Até agora, utilizando as características, foram construídas as soluções da lei de
conservação na forma de ondas de choque. A partir de agora, vamos examinar o
problema em outra situação extrema: para a equação não linear é possível ter no
plano das variáveis (x, t) algumas regiões que não contêm nenhuma característica.
Para regiões desse tipo, o método das características será modificado para formar
as soluções na forma de ondas de rarefação.
57

Para mostrar isso, vamos considerar nosso problema de valor inicial para a
equação de Burgers inviscoso

ut + uux = 0 (x, t) ∈ R2+ ,


(
0, x ≤ 0 (2.41)
u(x, 0) =
1, x > 0

As características do problema são as linhas definidas pela seguinte fórmula


(
x0 , x0 ≤ 0
x= (2.42)
x0 + t, x0 > 0

Analizando as características no plano (x, t) (Fig. 2.15), podemos observar que


as características não são exibidas na região (x, t) : 0 < x < t < ∞. Nessa seção,
vamos ver, com a ajuda das ondas de rarefação, onde podemos construir uma solução
u(x, t) do problema (2.41) nessa região. Suponhamos que o perfil inicial u(x, 0) é

Figura 2.27: Caraterísticas que não entram numa parte do semi-plano t > 0.

modificado para fazer uma transição suave de u = 0 até u = 1 através de um


intervalo de comprimento ∆x sobre o ponto x = 0. Como mostra Fig. 2.28, as
características fazem uma transição suave de linhas com velocidade c = 0 (vertical)
até linhas com velociade c = 1. Considerando o limite ∆x → 0 (Fig. 2.28) podemos
sugerir que a solução da equação ut + uux = 0 na região 0 < x < t < 0 pode
ser construída usando a "família de características". Essa família consiste de linhas
x = ct, onde c varia de 0 até 1. A função u(x, t) que é uma constante sobre cada
uma dessas características pode ser representada na forma u(x, t) = g(x/t) e é uma
função da velocidade das linhas x = ct.
58

Figura 2.28: Suavização do dado inicial u(x, 0) para criar uma família de caraterís-
ticas, quando ∆x → 0.
59

Para buscar uma solução da equação ut + uux = 0 na forma u(x, t) = g(x/t),


calculamos as derivadas
x x 1 x
ut = − 2 g 0 ( ), ux = g 0 ( ).
t t t t
Substituindo essas derivadas na equação ut + uux = 0, temos:
1 0 x x x
g ( ){−g 0 ( ) + } = 0.
t t t t
Isso mostra que g 0 = 0 (g é uma constante) ou g(x/t) = x/t. O exercício seguinte
mostra que o caso g 0 = 0 é impossível.
Exercício: Consideremos o problema de valor inicial (2.41). Usando o método
das características, mostrar que u(x, t) ≡ 0 para x ≤ 0 e u(x, t) ≡ 1 para x > t.
Suponhamos que no domínio 0 < x < t, u(x, t) = g(x/t) = A, isto é,

0, x ≤ 0

u(x, t) = A, 0 < x ≤ t (2.43)

1, x > t

Usando a condição de Rankine-Hugoniot para as linhas x = 0, x = t, provar que


u(x, t) não pode ter a solução do tipo de onda de choque dada no problema (2.41).
A outra possibilidade para g é g(x, t) = x/t. Fig. 2.29 mostra diagrama formada

Figura 2.29: Interpretação gráfica da solução do problema, construída usando a


funcão u(x, t) = x/t.

pela função u(x, t) = g(x/t) = x/t na região 0 < x < t e, usando o método das
60

caraterísticas, em domínios x < 0 e x > t. A função agora é suave por partes e


definida pela seguinte fórmula

0,
 x≤0
u(x, t) = x/t, 0<x≤t (2.44)

1, x>t

A variação do perfil dessa solução é mostrada na Fig. 2.30. Notamos que embora a
função u seja contínua para t > 0, as derivadas ut e ux não existem em pontos das
linhas x = 0 e x = t e, por isso, a função u(x, t) não satisfaz a equação diferencial
ut + uux = 0 nesses pontos. Mas essa função satisfaz as condições da definição de
solução fraca da equação ut + uux = 0, que será introduzida posteriormente.

Figura 2.30: Animação da funcão u(x, t).

Em geral, uma onda de rarefação é uma função não constante dada na seguinte
forma u(x, t) = g((x − a)/t). As linhas x = a + ct no plano das variáveis (x, t) são
frequentemente chamadas caraterísticas porque u é uma constante ao longo delas;
embora elas não são contruídas usando a equação de caraterísticas dx/dt = c(u)
derivadas de ut + c(u)ux = 0. Estas linhas se distinguem pela sua forma originárias
do ponto x = a no eixo Ox, ver Fig. 2.31.

Exercícios
1. Construir uma solução de rarefação do problema

ut + u2 ux = 0 (x, t) ∈ R2+ ,
(
1, x ≤ 0
u(x, 0) =
2, x > 0
61

Figura 2.31: Caraterísticas para uma onda de rarefação u(x, t) = g((x − a)/t).

2. Construir uma solução de rarefação do problema

ut + uux = 0, (x, t) ∈ R2+ ,


(
0, x ≤ 1
u(x, 0) =
1, x > 1

3. Resolver o problema de Cauchy:

ut − uux = 0 (x, t) ∈ R2+ ,



2, x ≤ 1
u(x, 0) =
0, x > 1

Achar o valor da solução em ponto (x, t) = (1, 3). Analizar a variação de perfil
da solução.

4. Achar a solução do problema de Cauchy

ut + uux = 0 (x, t) ∈ R2+ ,



−1,
 x<0
u(x, 0) = 2x − 1, 0 ≤ x ≤ 1

1, x>1

2.4.6 Um Exemplo com Ondas de Rarefação e Choque


Em geral, leis de conservação não-lineares podem ter soluções construídas como uma
combinação das ondas de choque e rarefação. Vamos analisar um exemplo da tal
solução.
62

Consideremos o problema de valor inicial para a equação de Burgers inviscoso

ut + uux = 0, (x, t) ∈ R2+



0,
 x≤0
(2.45)
u(x, 0) = 1, 0<x<1

0, x≥1

Com c(u) = u as caraterísticas são



x0 ,
 x≤0
x = x0 + tc(u(x0 , 0)) = x0 + t, 0 < x < 1

x0 , x≥1

A posição das caraterísticas no plano das variáveis (x, t) é apresentada na Fig. 2.32.
Podemos ver áreas com caraterísticas cruzadas tanto sem nenhuma caraterística.

Figura 2.32: Caraterísticas do problema de Cauchy (2.45).

Uma vez que u é constante ao longo das caraterísticas, a condição inicial e o diagrama
de caraterísticas mostram que u(x, t) = 0 para x < 0, u(x, t) = 1 para 0 < t < x < 1,
e u(x, t) = 0 para 0 < x < t < x − 1 < ∞, ver Fig. 2.33. Uma solução suave por
partes do problema (2.45) será construída usando uma combinação das ondas de
choque e rarefação em regiões restantes do plano das variáveis (x, t).
Passo I. Rarefação.
Vamos começar pela construção de uma onda de rarefação para preencher a região
que não conta nenhuma caraterística. Como foi mostrado na Seção 2.4.5, a solução
63

Figura 2.33: Valor da solução u é constante ao longo das caraterísticas em regiões


de simples caraterísticas.

na forma de uma onda de rarefação da equação ut + uux = 0 com uma família das
caraterísticas originadas no ponto (0, 0) é
x
u(x, t) = .
t
Plotagem da família de caraterísticas para esta rarefação no triângulo resulta no
diagrama de caraterísticas representado na Fig. 2.34 e num diagrama atualizado
representado na Fig. 2.35.
Passo II. Choque.
O diagrama da Fig. 2.34 mostra o cruzamento de caraterísticas com o tempo de
queda tb = 0. O próximo passo será construir um caminho de choque, começando
no ponto (x, t) = (1, 0), que separa as caraterísticas x = x0 + t das linhas verticais
x = x0 . Com a função de fluxo F (u) = u2 /2 para a equação de Burgers ut +uux = 0,
a condição de Rankine-Hugoniot (2.40) para o caminho de choque transforma-se em

dxs F (x+
s , t) − F (xs , t) 1 (u+ )2 − (u− )2 u+ + u−
= −
= · = .
dt u(x+s , t) − u(xs , t) 2 u+ − u− 2

As caraterísticas de lado esquerdo do caminho de choque estendam-se para trás até


pontos (x0 , 0) do eixo Ox onde 0 < x0 < 1. O valor da função u(x, t) ao longo dessas
linhas será u(x, t) = u(x0 , 0) = 1, assim, o valor de u(x, t) quando (x, t) aproxima-se
o caminho de choque do lado esquerdo é u− = 1. Similarmente, as caraterísticas de
lado direito do caminho de choque são as linhas verticais, que estendam-se para trás
até pontos (x0 , 0) no eixo Ox onde x0 > 1. O valor da função u(x, t) ao longo dessas
64

Figura 2.34: Caraterísticas da rarefação u(x, t) = x/t


que preencham região com acunhamento começando do ponto (0, 0).

Figura 2.35: (x, t)-diagrama da solução incluindo a onda de rarefação.


65

linhas será u(x, t) = u(x0 , 0 = 0, assim, o valor de u(x, t) quando (x, t) aproxima-se o
caminho de choque do lado direito é u+ = 0. A condição de salto para este caminho
de choque torna-se em
dxs 1+0 1
= = ,
dt 2 2
de onde obtemos xs = t/2 + C, 0 ≤ t ≤ 2. O constante C é encontrado usando
a condição que o choque começa no ponto (xs , t) = (1, 0). Neste caso C = 1, e o
caminho de choque é
t
x = xs (t) ≡ + 1, 0 ≤ t ≤ 2.
2
Como mostra-se na Fig. 2.36, esta parte do caminho de choque termina-se no
ponto t = 2, onde as caraterísticas verticais começam cruzar com as caraterísticas
construídas para a onda de rarefação.

Figura 2.36: Caminho de choque x = t/2 + 1 para 0 ≤ t ≤ 2 separa a região


onde u(x, t) = 1 da região onde u(x, t) = 0. O caminho de choque precisará ser
prorrogado depois do ponto (2, 2) na região das caraterísticas da onda de rarefação.

Passo III. Extensão de Choque.


O caminho de choque construído no Passo II separa as caraterísticas x = x0 + t das
linhas verticais x = x0 . Como um passo final na construção da solução u(x, t), o
choque será extendido do ponto (x, t) = (2, 2) na região t > 2 onde as linhas verticais
x = x0 cruzam a família de caraterísticas da onda de rarefação, ver Fig. 2.36.
Como no Passo II, a condição de salto para o caminho de choque é
dxs 1 (u+ )2 − (u− )2 u+ + u−
= · = .
dt 2 u+ − u− 2
66

As caraterísticas do lado direito do caminho de choque são as linhas verticais, que


Figura 2.37: Extensão do caminho de choque pela xx (t) = 2t para t ≥ 2 para
separar as caraterísticas da onda de rarefação das caraterísticas verticais.

se estendam para trás até pontos (x0 , 0) do eixo Ox, onde x0 > 1. O valor da função
u(x, t) ao longo dessas linhas será u(x, t) = u(x0 , 0) = 0, assim, o valor de u(x, t)
quando (x, t) aproxima-se o caminho de choque do lado direito é u+ = 0. Do lado
esquerdo do caminho de choque, já determinado que o valor de u é u(x, t) = x/t,
assim, quando (x, t) aproxima-se o caminho de choque do lado esquerdo, temos
u− = xs /t. A condição e salto para pontos no caminho de choque é
dxs 0 + xs /t xs
= = .
dt 2 2t
A EDO da primeira ordem para xs é separável; re-escrevendo a equação como
1 dxs 1
= (xs 6= 0)
xs dt 2t
√ √
e integrando, obtemos ln xs = ln t + C, ou xs = C1 t. Visto que esta parte√do
caminho de choque começa no ponto (x, t) = (2, 2), determinamos que C1 = 2,
então o caminho de choque aqui é

x = xs (t) ≡ 2t, t ≥ 2.
67

Figura 2.38: Interpretação da solução obtida no plano das variáveis (x, t).

Como mostra-se na Fig. 2.37, esta curva separa a região com as caraterísticas de
rarefação da região com as caraterísticas verticais para tempos t ≥ 2. O diagrama de
caraterísticas na Fig. 2.37 completa a construção de uma solução suave por partes
do problema de Cauchy (2.45); a solução final é interpretada na Fig. 2.38. Para
0 ≤ t ≤ 2 a solução é dada pela seguinte fórmula



 0, x<0

x/t, 0<x<t
u(x, 0) = (2.46)


 1, t < x < t/2 + 1

0, t/2 + 1 < x

e para t ≥ 2

0, x≤0


u(x, 0) = x/t, 0 < x < 2t (2.47)
 √
0, 2t < x

68

Exercícios

1. Resolver o seguinte problema de Cauchy

ut + 3u2 ux = 0, (x, t) ∈ R2+ ,



0, x ≤ 0

u(x, 0) = 2, 0 < x < 1

0, x > 0

Analizar a variação de perfil da solução.

2. Construir uma solução combinando onda de rarefação e onda de choque

ut + uux = 0, (x, t) ∈ R2+ ,



1,
 x≤1
u(x, 0) = 2, 1<x<2

1, x>2

Analizar a variação de perfil da solução.

2.4.7 Condição de Entropia

As ondas de rarefação e de choque são soluções especiais de leis de conservação. Du-


rante do processo de construção dessas soluções nós percebemos que a generalização
da definição de solução da lei de conservação ut + Fx = 0 forma uma lei de conser-
vação na forma integral, onde a função u é não contínua. Nesta seção nós vamos ver
que esta generalização da solução faz possível que um problema de Cauchy pode ter
várias soluções. A condição de entropia então será introduzida como um exemplo
de uma condição utilizada para selecionar uma solução entre todas as outras.

Não-Unicidade de Soluções Suaves por Partes

A onda de rarefação da Seção 2.4.5



0,
 x≤0
u(x, t) = x/t, 0 < x < t (2.48)

1, x≤t

69

foi construída como uma solução suave por partes do seguinte problema de Cauchy
ut + uux = 0, (x, t) ∈ R2+ ,
(
0, x ≤ 0 (2.49)
u(x, 0) =
1, x ≥ 1

Por outro lado, é possível achar outras soluções do problema usando ondas de choque.
De fato, se A, 0 < A < 1, um número qualquer, então a função

0, x ≤ At/2

u(x, t) = A, At/2 < x < (A + 1)t/2 (2.50)

1, x ≤ (A + 1)t/2

representada na Fig. 2.39 é uma solução de tipo onda de choque com dois caminhos
de choque (ver Exercício a seguir). Portanto, existe um número infinito de soluções
do problema (2.49) - uma onda de rarefação e um número infinito de ondas de
choque.

Figura 2.39: Solução de tipo onda de choque do problema (2.49) com os dois cami-
nhos de choque.

Exercício. Consideremos a função u(x, t) dada pela fórmula (2.48).

a. Verificar que u(x, t) satisfaz ut + uux = 0 em cada de três regiões x < At/2,
At/2 < x < (A + 1)t/2, e x > (A + 1)t/2.

b. Verificar que as curvas de discontinuidade x = At/2 e x = (A+1)t/2 satisfazem


a condição de salto Rankine-Hugoniot.
70

Condição de Entropia

Quando um problema de valor inicial tem mais que uma solução, informação adi-
cional tem que ser usada para selecionar uma solução particular. Em dinâmica de
fluídos, por exemplo, a condição de entropia utizia-se para selecionar uma solução
com maior sentido físico.
Definição 2.11. Uma função u(x, t) satisfaz a condição de entropia, se é possivel
achar uma constante positiva E, tal que
u(x + h, t) − u(x, t) E
≤ (2.51)
h t
para quaisquer t > 0, h > 0, and x.

Graficamente, essa condição é uma limitação no declive do perfil da solução


u(x, t) em cada tempo t - o declive entre quaisquer dois pontos do perfil (declive de
secante) em cada tempo t é menor que E/t. Notamos que esta condição restringe

Figura 2.40: Interpretação da condição de entropia no plano das variáveis (x, u).

como grande o positivo declive de secante pode ser, e não proíbe de ter uma curva
com declives negatives. Além disso, E/t → 0 quando t → ∞.
No problema de Cauchy (2.49) temos um número infinito das soluções tipo
onda de choque dadas pela fórmula (2.50). Fig. 2.41 mostra o perfil dessas soluções
e indica que maiores positives declives da secante são possíveis escolhendo x and
x + h em lados opostos do choque. O declive de secante
u(x + h, t) − u(x, t) 1−A
=
h h
71

Figura 2.41: Grande positivo declive da secante acontece nos perfis das soluções de
tipo onda de choque (2.50).

Figura 2.42: Maior positivo declive de secante é 1/t nos perfis da onda de rarefação
(2.48).
72

cresce arbitrariamente grande quando x e x + h aproximam a locação de salto, assim


não é possível achar uma constante E tal que este secante decliva menor que E/t
para quaisquer x e h > 0. As soluções do tipo onda de choque (2.50) não satisfazem a
condição de entropia (2.51). A onda de rarefação, por outro lado, satisfaz a condição
de entropia. O perfil dessa função no tempo t é apresentado na Fig. 2.42 e indica
que o valor máximo positivo do declive de secante 1/t ocorre quando x e x + h é
atendido escolhendo E = 1, uma vez que

u(x + h, t) − u(x, t) 1
= .
h t

A condição de entropia seria então selecionar esta onda de rarefação como a solução
mais realística entre todas as soluções possíveis do problema de Cauchy (2.49).
A condição de entropia tem um papel importante no desenvolvimento de al-
goritmos numéricos na solução de problemas para leis de conservação não-lineares.
Uma vez que uma lei de conservação pode possuir várias soluções, deve ser tomado
cuidado para assegurar que o método numérico não só converge, mas converge para
a solução desejada.

Exercícios

1. Achar uma solução de tipo onda de rarefação para

ut + u2 ux = 0, (x, t) ∈ R2+ ,
(
1, x < 0
u(x, 0) =
2, x ≥ 0

e desenhar um perfil da solução u(x, t) no tempo t. Qual o valor máximo do


declive de secante deste perfil? Esta onda de rarefação satisfaz a condição de
entropia?

2. Achar uma solução de tipo onda de rarefação para

ut + u2 ux = 0, (x, t) ∈ R2+ ,
(
0, x < 1
u(x, 0) =
1, x ≥ 1

Esta onda de rarefação satisfaz a condição de entropia?


73

2.4.8 Soluções Fracas


Soluções Clássicas

Construção das soluções de leis de conservação reunindo choques e rarifações pode


ser bem complicado se o dado iniciail é alguma coisa mais de que uma função
muito simples. Além disso, a construção de uma solução particular as vezes não
tal importante como a determinação algumas propriedades mais gerais da lei de
conservação. Nesta seção a forma fraca de uma lei de conservação será introduzida
como uma alternativa à lei de conservação na forma diferencial ut + c(u)ux = 0.
Esta visão da lei de conservação tem várias vantagens matemática sobre a forma
diferencial.
As soluções de EDP’s em quais nós foram concentrados frequentemente cha-
madas como soluções clássicas a fim de distinguir elas das soluções fracas, descritas
na seção a seguir. Consideremos o problema geral de Cauchy

ut + Fx = 0, (x, t) ∈ R2+ ,
(2.52)
u(x, 0) = u0 (x),

onde F (x, t) tem derivadas da primeira ordem e u0 (x) é contínua.

Definição 2.12. Uma função u(x, t) chama-se solução clássica do problema de Cau-
chy (2.52) se

1. u é contínua para quaisquer (x, t) ∈ R2+ ,

2. ux , ut existem e são contínuas para quaisquer (x, t) ∈ R2+ ,

3. u satisfaz ut + Fx = 0 para quaisquer (x, t) ∈ R2+ ,

4. u(x, 0) = u0 (x) para qualquer x ∈ R.

Esta definição de solução fraca permitirá prosseguir diretamente a funções


u(x, t) que não necessaramente são contínuas or diferenciáveis, mas são soluções
num sentido diferente.

Soluções Fracas

A forma fraca de ut + Fx = 0 é uma forma integral alternativa da lei de conservação.


A idéia principal é usar funções especiais das variáveis (x, t), chamadas funções de
teste, para examinar a solução da ut + Fx = 0 em regiões do plano das variáveis
(x, t).
74

Definição 2.13. Uma função real T (x, t) chama-se função de teste se

1. Tx , Tt existem e são contínuas para quaisquer x, t;


2. Existe um círculo no plano (x, t) tal que T (x, t) ≡ 0 para quaisquer (x, t) fora
deste círculo.

Um exemplo de tal função de teste é


( 2 2
e−1/(1−x −t ) , x2 + y 2 < 1
T (x, t) =
0, x2 + y 2 ≥ 1

cujo gráfico é representado na Fig. 2.43.

Figura 2.43: Função de teste T (x, t).

Para obter a forma fraca de lei de conservação, vamos supor que u é uma
solução clássica do problema de Cauchy (2.52) e seja T (x, t) uma função de teste
qualquer. O produto T (x, t)u(x, t) agora é função que igual ao zero em qualquer
ponto (x, t) em e fora de um círculo no plano das variáveis (x, t). Multiplicando a
EDP do problema (2.52) por T (x, t) e integrando o resultado sobre todos x ∈ R e
t ≥ 0, obtemos
Z ∞Z ∞
 
ut (x, t)T (x, t) + Fx (x, t)T (x, t) dxdt = 0. (2.53)
0 −∞

A parte esquerda pode escrita como a soma de duas integrais I1 e I2 , onde


Z ∞Z ∞ Z ∞Z ∞
I1 = ut (x, t)T (x, t)dxdt, I2 = Fx (x, t)T (x, t)dxdt.
0 −∞ 0 −∞
75

Trocando a ordem de integração na integral dupla I1 e aplicando a integração por


partes obtemos
Z ∞Z ∞ Z ∞h Z ∞ i
t→∞
I1 = ut (x, t)T (x, t)dtdx = u(x, t)T (x, t)|t=0 − u(x, t)Tt (x, t)dt dx.
∞ 0 −∞ 0

O valor de u(x, t)T (x, t) é zero quando t → ∞ porque T (x, t) é zero para todos os
pontos (x, t) fora de um circulo no plano das variáveis (x, t). O valor de u(x, 0)T (x, 0)
é u0 (x)T (x, 0) pelo dado inicial. A expressão para I1 então é
Z ∞ Z ∞Z ∞
I1 = u0 (x)T (x, 0)dx − u(x, t)Tt (x, t)dxdt. (2.54)
−∞ 0 −∞

Um cálculo similar pode ser aplicado para I2 . Usando a integração por partes para
a integral dentro da integral dupla I2 , obtemos
Z ∞hZ ∞ i
I2 = Fx (x, t)T (x, t)dx dt =
0 −∞
Z ∞h Z ∞ i
x→∞
F (x, t)T (x, t)|x→−∞ − F (x, t)Tx (x, t)dx dt.
0 −∞

O valor de F (x, t)T (x, t) é zero quando x → ±∞ porque T (x, t) é zero para todos
os pontos (x, t) fora de um circulo no plano das variáveis (x, t), por isso
Z ∞Z ∞
I2 = − F (x, t)Tx (x, t)dxdt. (2.55)
0 −∞

Substituindo (2.54) e (2.55) em (2.53), finalmente obtemos


Z ∞Z ∞ Z ∞
 
u(x, t)Tt (x, t) + F (x, t)Tx (x, t) dxdt + u0 (x)T (x, 0)dx = 0. (2.56)
0 −∞ −∞

A fórmula (2.56) chama-se a forma fraca do problema de Cauchy (2.52) para a lei
de conservação ut + Fx = 0. Observamos que (2.56) não involve nenhuma derivada
da função u(x, t).
Definição 2.14. Uma função u(x, t) que satisfaz à (2.56) para qualquer função de
teste T (x, t) chama-se solução fraca do problema de Cauchy (2.52).

Para uma solução fraca não há nenhuma exigência que ut ou ux mesmo existem.
E mais, a EDP e o dado inicial são os dois unidos em uma equação só.
Exemplo 2.13. Consideremos o problema de Cauchy
ut + u2 ux = 0, (x, t) ∈ R2+ ,
1
u(x, 0) = .
1 + x2
76

O fluxo para esta lei de conservação é F (u) = u3 /3. Substituindo a função de fluxo
e o dado inicial u0 (x) = 1/(1 + x2 ) em (2.56), obtemos a forma fraca do problema
Z ∞Z ∞ Z ∞
 1 3  T (x, 0)
u(x, t)Tt (x, t) + u (x, t)Tx (x, t) dxdt + 2
dx = 0
0 −∞ 3 −∞ 1 + x

para qualquer função de teste T (x, t).

Exercícios
1. Achar a forma fraca do seguinte problema de Cauchy

ut + u2 ux = 0, (x, t) ∈ R2+ ,
u(x, 0) = exp{−x2 }, x ∈ R.

2. Formular a forma fraca do seguinte problema de valor inicial

ut + eu · ux = 0, (x, t) ∈ R2+ ,
(
2, x < 1
u(x, 0) =
3, x ≥ 1
Sumário

1 Introdução em Equações Diferenciais Parciais . . . . . . . . . . . 3


1.1 Modelos Matemáticos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3
1.2 Equações Diferenciais Parciais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5
1.2.1 Equações e Soluções . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5
1.2.2 Ondas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8
1.2.3 Linearidade×Não-Linearidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10
1.2.4 Problemas Bem Postos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
1.3 Leis de Conservação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13
1.4 Problemas de Valores Inicial (de Cauchy) e de Contorno . . . . . . . 16

2 Equações Diferenciais Parciais da Primeira Ordem . . . . . . . . 23


2.1 Classificação de EDP’s da Primeira Ordem . . . . . . . . . . . . . . . 23
2.2 Construção de EDP’s da Primeira Ordem . . . . . . . . . . . . . . . . 25
2.3 EDP’s Lineares da Primeira Ordem e Caraterísticas . . . . . . . . . . 26
2.3.1 Equação de Adveção com Velocidade Constante . . . . . . . . 27
2.3.2 Equação de Adveção com Velocidade Variavel . . . . . . . . . 33
2.4 EDP’s Não-lineares da Primeira Ordem e Caraterísticas . . . . . . . . 36
2.4.1 Caraterísticas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39
2.4.2 Catástrofe de Gradiente e Tempo de Queda . . . . . . . . . . 42
2.4.3 Solução Suave por Partes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49
2.4.4 Ondas de Choque . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51
2.4.5 Ondas de Rarefação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56
2.4.6 Um Exemplo com Ondas de Rarefação e Choque . . . . . . . 61
2.4.7 Condição de Entropia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 68
2.4.8 Soluções Fracas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73

77

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