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EIXO TEMÁTICO: SUBTEMA 2

O COMPORTAMENTO ESTRUTURAL DO PALÁCIO GUSTAVO


CAPANEMA

CINTRA, DANIELLI C. B. (1); LEAL, JOÃO L. (2); CAMPOS, LEANDRO C. (3)

Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN/RJ


Rua da Imprensa, 16 – Centro, Rio de Janeiro - RJ. CEP 20030-080
1. danielli.cintra@iphan.gov.br
2. joao.leal@iphan.gov.br
3. leandrocampos.arq@gmail.com

RESUMO
Considerado um marco da Arquitetura Moderna Brasileira, o Palácio Gustavo Capanema é
um edifício de uso institucional que reuniu projetistas renomados como os arquitetos Lúcio
Costa, Oscar Niemeyer, Affonso Reidy, Carlos Leão, Ernany Vasconcelos e Jorge Machado
Moreira, com a consultoria de Le Corbusier, além do engenheiro Emílio Baumgart e artistas
renomados como Burle Marx, Cândido Portinari, Bruno Giorgi, Adriana Janacópulus, Celso
Antônio e Jacques Lipchitz, responsáveis pelas artes integradas com pinturas, esculturas e
paisagismo. Foi construído entre 1937 e 1945, para ser a sede do Ministério da Educação e
Saúde durante a gestão do então ministro Gustavo Capanema no Governo Vargas, reunindo
pela primeira vez algumas das características da arquitetura moderna em sua vertente
corbusiana, como o uso de pilotis, planta livre, terraço-jardim, fachada livre de paredes e
vedação contínua em vidro (curtain wall). O sistema estrutural do edifício em concreto
armado consiste em 16 pavimentos com lajes cogumelo de capitel invertido, pilotis com 10
m de altura e fundação em sapatas assentadas a cerca de 2 m de profundidade.
Atualmente, ocorre a maior intervenção de sua história, com as obras de restauração,
conservação e modernização das instalações do edifício. O objetivo do trabalho é
reconstituir cronologicamente o comportamento estrutural diante das adequações de uso ao
longo do tempo. Apresentam-se as premissas do projeto, o processo construtivo destacando
o controle tecnológico do concreto, os efeitos ambientais e a demanda de adaptação diante
das situações de utilização do edifício, com destaque para o reforço que está sendo
executado nas lajes.

Palavras-chave: Patrimônio moderno; Emílio Baumgart; laje cogumelo; reforço estrutural;


Palácio Gustavo Capanema.

4º Simpósio Cientifico do ICOMOS Brasil / 1º Simposio Científico ICOMOS-LAC

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1. INTRODUÇÃO

Reconhecido internacionalmente, o Palácio Gustavo Capanema (Figura 1) é considerado


como o marco inicial da bem sucedida parceria entre a estrutura de concreto e a arquitetura
moderna no Brasil, em que as possibilidades plásticas do concreto foram exploradas de
modo pioneiro, impulsionando tantas obras que vieram depois (COSTA, 2005). É composto
por um edifício administrativo de 16 pavimentos, mais um bloco horizontal de 2 pavimentos
que abriga os auditórios e o espaço de exposições (Figura 2). De uso institucional, situado
no centro do Rio de Janeiro, é tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional, desde 1948 (IPHAN, 1948).

Figura 1 – Palácio Gustavo Capanema: fachadas, pilotis e interior do edifício.


Fotos: João Leal, 2019.

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Figura 2 – Palácio Gustavo Capanema:(a) planta; (b) corte AA.

Foi construído entre 1937 e 1945, para ser a sede do Ministério da Educação e Saúde
durante a gestão do então ministro Gustavo Capanema no Governo Vargas. Apresentou
pela primeira vez algumas das características da arquitetura moderna em sua vertente
corbusiana (LISSOVSKY; SÁ, 1996), como o uso de pilotis, planta livre, terraço-jardim,
fachada livre de paredes e vedação contínua em vidro (curtain wall), seu projeto reuniu
arquitetos renomados como Lúcio Costa, Oscar Niemeyer, Affonso Reidy, Carlos Leão,
Ernany Vasconcelos e Jorge Machado Moreira, com a consultoria de Le Corbusier. Artistas
como Burle Marx, Cândido Portinari, Bruno Giorgi, Adriana Janacópulus, Celso Antônio e
Jacques Lipchitz foram responsáveis pelas artes integradas ao edifício como pinturas,
esculturas, paineis de azulejos e paisagismo.

A edificação do Ministério da Educação e Saúde se define por dois corpos, ambos sobre
pilotis, aprumados e perpendiculares entre si. O mais alto com duas sobrelojas, dezeseis
pavimentos tipo e cobertura com duas casas de máquinas e caixa d´água, disposto na
direção leste-oeste, paralelo à Rua Araújo Porto Alegre, de forma retangular medindo
21,45 metros por 68,56 metros com 82,25 metros de altura. O outro mais baixo,
transversal, no sentido norte-sul, com a parte sul de forma retangular medindo 50,55
metros por 24,40 metros e com 12,10 metros na sua maior altura; a parte norte, que
abriga o teatro, configurado por um trapézio de 23.20 metros na base menor, e 25,80
metros na base maior, por 14,40 metros de comprimento, com 15,85 metros na sua
maior altura. O total da área construída é de 27.547 metros quadrados, sendo 24.154
metros quadrados de área fechada e 3.382 metros quadrados de área aberta (LAURD,
2009).
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O projeto estrutural foi desenvolvido em concreto armado entre 1937 e 1938 pelo
engenheiro Emílio Baumgart (1890-1943). Os principais desafios foram o sistema de
contraventamento, pilotis com pé direito de 10 m, vigas balcão para conduzir a carga das
empenas para os pilares afastados da fachada, a ligação entre o bloco administrativo e os
demais blocos devido à diferença de rigidez, a cobertura em casca do auditório, o emprego
de laje com espessura radicalmente reduzida, que proporcionasse teto plano e piso com
instalações embutidas, carregamento diferenciado da laje para biblioteca, além da
readequação de projeto para atender às demandas de ampliação da estrutura durante a
etapa de construção.

Atualmente, ocorre a maior intervenção de sua história, com as obras de restauração,


conservação e modernização das instalações do edifício, contemplando o reforço de laje no
3º e 6º pavimentos, destinados à adequação de uso para arquivos e bibliotecas.

O objetivo do trabalho é apresentar a estrutura do Palácio Gustavo Capanema e suas


adaptações ao longo do tempo. Apresentam-se as premissas do projeto, o processo
construtivo destacando-se o controle tecnológico do concreto, ampliações e a demanda de
adequação diante das situações de utilização do edifício, como o reforço que está sendo
executado nas lajes.

2. CONTEXTUALIZAÇÃO

2.1. O sistema estrutural

Entre os componentes que caracterizam o caráter inovador do Palácio Gustavo Capanema,


encontra-se o sistema estrutural de concreto armado. O projeto de Emílio Baumgart permitiu
a imagem de leveza do prédio, na independência das colunas dos planos das fachadas,
situando-as, no interior da lâmina vertical e no exterior do salão de exposições. Mas também
apoiou o desejo dos arquitetos de ter um espaço totalmente contínuo no interior do edifício,
que permitisse em planta a livre disposição das salas dos funcionários. Daí que elaborou
uma solução de sustentação baseada em colunas e lajes; onde em vez de vigas, colocava
sobre cada coluna um cogumelo invertido, absorvido na espessura total da laje de trinta
centímetros; onde a laje tinha dez, o cogumelo de reforço de aço com um embasamento de
4,80m de lado, também dez, denominado piltzdecken, e que deixava os vinte centímetros

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livres da espessura para enchimento e a colocação dos dutos do sistema elétrico. Esta
leveza também foi obtida pela alteração das normas estabelecidas para a construção em
concreto armado. Engenheiros americanos chegaram ao Brasil para verificar as novas
dosagens aplicadas por Baumgart, quem, soube desenhar a estrutura com suficiente
capacidade de carga, que não teve que alterar os planos quando o prédio mudou de 12
andares à 16 (LAURD, 2009).

O sistema de colunas moduladas de 70 cm, situadas no interior da lâmina alta e pintadas de


cor creme, que se duplicam nos extremos das duas empenas para o reforço contra a ação
do vento, estão colocadas a seis e oito metros de distância, e separadas das duas fachadas
principais, uma envidraçada e a outra com os brise-soleil. Mas no bloco do salão de
exposições, com a finalidade de diferenciar a imagem de leveza da lâmina e acentuar o
peso do volume horizontal baixo, as colunas de 60 cm de diâmetro, estão colocadas no
exterior e unidas à laje pelo sistema de consolo ou denominado “cão mordendo”, ou seja, do
“cachorro”. Estes pilotis são revestidos com lâminas finas de gnaisse, mas quando se
continuam no salão de exposição, no espaço principal estão revestidas em madeira. Todas
as colunas são redondas, nos dois volumes, com exceção das colocadas nos pavimentos ao
longo do corredor interior da lâmina, que são pilares quadrados, revestidos com lambris de
sucupira, para permitir a integração da estrutura com os painéis baixos que separam o
corredor das salas dos escritórios. Esta estrutura leve, para a sustentação da lâmina alta, é
reforçada pelos pilares robustos de concreto que delimitam as caixas dos elevadores e das
escadas, situados nos extremos este e oeste do volume principal. Como as empenas cegas
não chegam até o térreo, o sistema estrutural foi imaginado para acompanhar a sensação
de leveza procurada pelos arquitetos (LAURD, 2009).

2.2. Fachadas

O corpo principal da lâmina vertical é definido nas duas fachadas por esquadrias metálicas,
que na sul cobre do piso ao teto, e na norte tem um contra-corpo de alvenaria, assim como
um sistema de brise-soleil para a proteção solar no interior do pavimento. A estrutura
metálica é de origem belga e foi construída em aço-carbono AISI-1010, de alta qualidade e
resistência que se evidencia na sua persistência em boas condições até os dias atuais, e
que na totalidade do prédio, somam 4.222,43 m2 de esquadrias metálicas. A fachada sul
pode ser considerada a primeira fachada curtain wall no Brasil e na América Latina, e

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possivelmente, também dos Estados Unidos. Como o objetivo proposto foi de obter a
ventilação natural cruzada, foram desenhados grandes panos de vidro de 6 mm de
espessura – importados da Bélgica – que abrem manualmente com o sistema de janela
guilhotina e asas metálicas (LAURD, 2009).

No pavimento do ministro, 2º pavimento, que tem uma altura de 4,80 m, a modulação


horizontal de 2,00m, tem as três folhas de vidro, que desde o piso ao teto, tem
sucessivamente as dimensões de 0,82 m, de 1,73 m e 1,81 m de altura; e nos pavimentos
normais, onde a altura é de 4,00 m, se mantém com uma proporção semelhante. A menor é
fixa, de vidro marchetado, e as outras duas são móveis, de vidro transparente. Para
movimentar estas janelas de grandes dimensões foi necessário criar um sistema de guias
com contrapesos de ferro no interior das esquadrias metálicas, que permita a abertura dos
panos de vidro. Esse sofisticado sistema permite movimentar com facilidade as duas
esquadrias superiores das janelas, já que a inferior é fixa de vidro chanfrado. Como a lâmina
alta tem uma variação de 18º em relação ao eixo norte-sul, nas horas iniciais da manhã dos
meses de verão entra o sol no interior dos pavimentos. Para controlar a luz, foram colocadas
na fachada persianas industrializadas de madeira freijó e pintadas de azul – 476 unidades –
importadas dos Estados Unidos (LAURD, 2009).

Sem dúvida, os brise-soleil espalhados em toda a fachada norte, constituem um dos


elementos mais originais do edifício. Esses protegem do sol a fachada e ajudam na
movimentação do ar na ventilação cruzada no interior do edifício, favorecida pelas
diferenças de temperatura e pressão nas fachadas norte e sul, bem como da direção do
vento dominante da entrada da Baía de Guanabara. Uma grelha de concreto armado, de
5,00 m x 2,00 m, com profundidade de 1,30 m, composta por mainéis verticais e pestanas
horizontais, que obedecem à modulação das esquadrias, suportam as lâminas de fibro-
cimento. As placas estão pintadas da cor azul céu – cor definida por Lucio Costa e Oscar
Niemeyer, para refletir a atmosfera do ambiente externo – e se articulam em um caixilho de
aço que permite a movimentação das três lâminas nos andares tipo, e as quatro colocadas
no andar do ministro. O conjunto dos três brises, situados na metade superior de cada
janela, estão colocados a 0,50 m da folha de vidro da janela para permitir a movimentação
do ar quente exterior e impedir a entrada no interior dos locais. Eles se movimentam com
uma alavanca metálica que é acionada manualmente desde o interior. O engenheiro elétrico
Carlos Stroebel, tinha inventado um sofisticado sistema de painéis sensíveis à luz solar, que

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acompanhavam o movimento do sol nas diferentes estações do ano, com a utilização de
motores elétricos, mas a idéia, não foi aplicada pelo alto custo da proposta (LAURD, 2009).

3. PROJETO ESTRUTURAL

3.1. Bloco administrativo

O bloco administrativo é um edifício de 16 pavimentos com lajes cogumelo de capitel


invertido, pilotis de cerca de 10 m de altura e fundação em sapatas assentadas a cerca de
2m de profundidade. Inicialmente projetado para 12 pavimentos, durante a obra ocorreu o
acréscimo de 4 pavimentos, com a devida verificação do projeto.

No sistema de contraventamento (Figura 3), o pilotis interrompe a ligação lateral dos


elementos da estrutura para distribuir cargas de vento. As paredes da empena lateral foram
recuadas, quebrando a continuidade como elemento enrijecedor vertical. Em cada
pavimento, Baumgart utilizou vigas balcão robustas, apoiadas nos pilares laterais para cintar
a parede cega, a fim de enrijecê-la como elemento vertical. Segundo Vasconcelos, o
raciocínio de Baumgart, hoje genericamente difundido, era uma novidade na época, por
considerar as lajes como vigas dispostas horizontalmente, apoiadas na superfície das
empenas e no conjunto enrijecedor das escadas e elevadores. Os esforços seriam
transferidos para o teto do pilotis (2º pavimento), apropriadamente engrossada para essa
finalidade (VASCONCELOS, 1992). Tal engrossamento também é constatado na laje do
último pavimento.

Figura 3 – Representação esquemática do sistema de contraventamento do bloco administrativo.


Adaptado a partir de Vasconcelos (1992).

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Os robustos capiteis de lajes cogumelo não se adaptavam às espessuras reduzidas
requeridas pelo projeto arquitetônico. Não havia maneira de esconder as vigas entre pilares.
Então, Baumgart teve a ideia de substituir os capiteis pelo engrossamento da laje na face
superior (Figura 4). O denominado cogumelo invertido manteve a condição de teto liso,
garantindo ao mesmo tempo a resistência à punção das lajes. Os espaços vazios entre
capiteis seriam preenchidos com material inerte e leve, permitindo o livre trajeto das
instalações. Foi a primeira vez que se usou no Brasil esse tipo de laje cogumelo, cujo
dimensionamento se desenvolveu em total desacordo com as normas da época
(VASCONCELOS, 1992).

Figura 4 – Detalhe da armadura do capitel invertido nos pilares de borda.


Fonte: acervo do Arquivo Central do Iphan/RJ.

Parte da área do 4º pavimento foi projetada para receber cargas de estantes de biblioteca.
Assim, a laje recebeu o apoio extra de cinco paredes estruturais esbeltas, indicadas em azul
na Figura 5, para melhorar a distribuição das cargas entre o 3º e 4º pavimentos.

Figura 5 – Planta esquemática do 3º pavimento.

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Em 1937, um engenheiro alemão, Adolf Kleinlogel, considerado um dos grandes nomes do
concreto armado, veio ao Brasil conferir a boa reputação das construções brasileiras e ficou
impressionado com as proporções e elegância das colunas recém construídas. Em 1944, o
engenheiro norte americano, Arthur Boase, membro do comitê normativo americano, veio ao
Brasil e também se impressionou com a esbeltez das colunas. Concluiu que um edifício
similar ao bloco administrativo consumiria cerca de 30% a mais de concreto, 25% a mais de
aço e o custo dos pilares seria 60% mais alto se a estrutura fosse projetada pelas normas
dos Estados Unidos (COSTA, 2005).

3.2. Auditórios

O bloco de auditórios contempla um auditório no pavimento inferior e outro, no superior. A


estrutura consiste em uma laje de piso nervurada tipo caixão e a cobertura em casca
nervurada unidirecional de seção e vão variáveis, também tipo caixão (Figura 6). A parte
posterior do bloco para uso de área técnica tem estrutura em pórtico com lajes maciças.

Figura 6 – Variação da seção transversal da cobertura em casca nervurada do auditório.


Fonte: acervo do Arquivo Central do Iphan/RJ.

3.3. Área de exposições

O bloco da área de exposições consiste num pilotis, a sala de exposição no pavimento


superior e um terraço-jardim. Inicialmente projetado com 5 vãos em laje com capitel

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invertido, o bloco da área de exposições teve ampliação de um vão ainda durante a obra,
que também foi objeto de projeto de Emílio Baumgart, em 1938, em laje nervurada
unidirecional tipo caixão (Figura 7).

Em 1944, portanto, antes da inauguração do edifício que ocorreu em 1945, foi acrescido um
outro vão ao salão de exposições e um volume solto no térreo, de formas sinuosas,
aproveitando o fechamento da rua Pedro Lessa, com o intuito de permitir um acesso direto
ao terraço-jardim do ministro para os trabalhos de manutenção das áreas verdes (LAURD,
2009). Esse último vão também foi construído com laje tipo caixão, completando os sete
vãos que se mantém até os dias atuais (Figura 8). A drenagem do jardim é conduzida pelos
pilares internos vazados até a galeria subterrânea de águas pluviais.

Figura 7 – Configuração das lajes da área de exposições.

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Figura 8 – Jardim do terraço do segundo pavimento e área de exposições: (a) imagem de 1944, com
6 vãos, acervo do Arquivo Central do Iphan/RJ; (b) imagem de 1945 (?), já com 7 vãos, autor
desconhecido; (c) aspecto atual com 7 vãos, por João Leal, 2018.

4. PROCESSO CONSTRUTIVO

Os desafios enfrentados no desenvolvimento do projeto estrutural foram estendidos para o


processo construtivo, especialmente diante das adversidades de trabalho com elementos
robustos, com alta taxa de armadura e em alturas elevadas, como pode ser observado no
amplo registro fotográfico da obra. O processo construtivo foi vastamente documentado e
divulgado para demonstrar a solidez e ascensão do Estado Novo, pela afirmação da
arquitetura moderna e demonstração de sua viabilidade, além de refutar as críticas
provocadas pela construção morosa e que rompia com os padrões estéticos então
estabelecidos (MARTINELLI, 2017). Com a intervenção em andamento, é possível constatar
que as especificações de projeto foram fielmente atendidas durante o processo construtivo.

4.1. Estrutura

Na época da construção não existiam bombas de concreto, assim, o concreto era misturado
no térreo e subia por elevador numa caçamba até um pouco acima do nível do pavimento a
ser concretado. O concreto era então despejado em dutos inclinados e articulados para o
lançamento do concreto nas formas (Figura 9a). A Figura 9b ilustra a montagem da

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armadura de pilar sobre laje e a Figura 9c, o posicionamento de armadura dentro de formas
em madeira dos pilares do pilotis.

Figura 9 – Processo construtivo: (a) concretagem da cobertura do bloco de auditórios; (b) suspenção
da armadura dos pilares nos pavimentos; (c) montagem das formas no pilotis.
Fotos: acervo do Arquivo Central do Iphan/RJ.

Na Figura 10a, observa-se o pequeno espaçamento entre barras da armadura inferior das
lajes, o reforço na espera de abertura para luminária do teto inferior e a área de capitel
densamente armada, a fim de resistir aos esforços de punção. A Figura 10b ilustra a
montagem da laje tipo caixão da primeira ampliação do bloco da área de exposições. O
fechamento da laje tipo caixão com placas pré-moldadas apoiadas em nervuras de concreto
é apresentado Figura 10c.

Figura 10 – Montagem das lajes: (a) tipo cogumelo com capitel invertido; (b) nervurada tipo caixão; (c)
fechamento da laje tipo caixão com placas pré-moldadas.
Fotos: acervo do Arquivo Central do Iphan/RJ.

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A Figura 11a ilustra o lançamento do concreto por meio do duto de concretagem e o
espalhamento do material com aspecto pouco consistente, no piso do 3º pavimento, com o
capitel prolongado de base para parede estrutural. Na Figura 11b observa-se a concretagem
no 4º pavimento de parede estrutural do pavimento inferior. A Figura 11c apresenta a
montagem da armadura das nervuras longitudinais da cobertura do bloco de auditórios.

Figura 11 – Elementos diversos: (a) concretagem da laje do 3º pavimento; (b) concretagem de parede
estrutural pelo nível superior; (c) montagem de armadura no auditório.
Fotos: acervo do Arquivo Central do Iphan/RJ.

4.2. Enchimento das lajes

Após a concretagem das lajes, o espaço entre a saliência dos capiteis foi utilizado para o
caminhamento das instalações de piso para tomada elétrica, telefonia e comunicação
interna, além de dutos para iluminação de teto do pavimento inferior. A fim de nivelar a face
superior dos capiteis com o material mais leve possível, foi empregada uma camada de
10cm de enchimento de argamassa de carvão. Em alguns pavimentos foram utilizados
fragmentos de cortiça misturados ao carvão. Em seguida, era feita uma camada de
argamassa de contrapiso para receber o revestimento de piso.

Na laje do segundo andar, com capiteis mais espessos, foram utilizados blocos de concreto
celular como enchimento. Numa prospecção, foram encontrados fragmentos de jornais da
época relatando episódios da 2ª Guerra Mundial e eventos esportivos da cidade do Rio de
Janeiro (Figura 12). No piso do décimo sexto pavimento, foi empregada uma laje tipo caixão,
com espessura de cerca de 60 cm. As nervuras unidirecionais encontradas são em
alvenaria de tijolos cerâmicos. Na cobertura do décimo sexto, também foi utilizada uma laje
tipo caixão, porém, com espessura menor do que a do piso.

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Figura 12 – Pedaços de bloco de concreto celular do enchimento da laje do 2º pavimento, com
fragmentos de jornais da época da construção.
Fotos: João Leal, 2020.

4.3. Controle da resistência do concreto

Na década de 1940, o Prof. Lobo Carneiro estabeleceu um critério para o controle da


resistência do concreto a ser adotado por fiscais de obras (CARNEIRO, 1944). Introduziu o
conceito de fck (resistência à compressão característica do concreto aos 28 dias), como
resistência mínima, em contraposição ao fcm (resistência à compressão média do concreto),
então vigente. Para o embasamento das suas considerações, utilizou uma imensa
quantidade de resultados experimentais de concreto e de barras de aço acumulada em
pesquisas do Instituto Nacional de Tecnologia. Em decorrência desses estudos, a revisão da
NB1 de 1946 contemplou esses conceitos para definir a tensão admissível do concreto σC28
(ABNT, 1946).

Uma das amostras desse estudo corresponde ao concreto da obra do Palácio Gustavo
Capanema, compreendendo 480 corpos de prova rompidos à compressão. O concreto foi
dosado para 200 kgf/cm2, com resistência requerida em projeto de 180 kgf/cm2. A
resistência média obtida aos 28 dias foi de 215 kgf/cm2, com desvio padrão de 52 kgf/cm2 e
coeficiente de variação de 24% (Figura 13).

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Figura 13 – Distribuição de frequência (%) de resistências à compressão (kgf/cm2) de 480 corpos de
prova moldados com o concreto empregado no Palácio Gustavo Capanema (CARNEIRO, 1944).

5. REFORÇO DE LAJES

Estima-se que as lajes dos pavimentos tipo suportam até 2 kN/m2 de carga acidental de
utilização, que corresponde a cerca de 200 kgf/m2 (TECHNISCHE, 2018). Com o reforço
previsto no 3º e 6º pavimentos, essas lajes passam a suportar a carga prevista para
bibliotecas (Figura 14a), conforme a NBR 6120, norma de ações para o cálculo de
estruturas de edificações, que especifica uma carga variável de 6 kN/m2 para sala com
estantes de livros de até 2,2 m de altura e 5 kN/m2 para regiões de arquivos deslizantes
(ABNT, 2019).

Figura 14 – Reforço: (a) área com arquivos deslizantes; (b) aspecto de como ficará o laminado de
fibra de carbono na face inferior de laje (TECHNISCHE, 2018).

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Para o reforço à flexão e à punção das lajes serão ampliadas as áreas de capiteis e a
espessura das lajes. Será utilizado concreto de fck 30 MPa, tela eletrosoldada e barras de
Ø6,3 mm, aço CA-50. Em seguida, serão aplicadas faixas unidirecionais e bidirecionais de
laminado de fibra de carbono, coladas com resina de alta aderência na superfície inferior e
superior das lajes (Figura 14b). Esse trabalho exige a retirada e posterior recomposição da
camada de revestimento, de enchimento e dos eletrodutos das instalações. Após a colagem
das faixas de laminado, deverá ser executada uma camada de argamassa de proteção do
reforço contra fogo, com no mínimo 2 cm, que servirá de revestimento de teto na face
inferior da laje e de contrapiso, na superior.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A arquitetura do Palácio Gustavo Capanema, como referência do estilo Moderno, gerou


demandas para o sistema estrutural consideradas ousadas para a tecnologia construtiva e
de materiais disponíveis na época. Os principais desafios para o projeto estrutural foram o
sistema de contraventamento, pilotis com pé direito de cerca de 10 m, vigas balcão para
conduzir a carga das empenas para os pilares afastados da fachada, a ligação entre o bloco
administrativo e os demais blocos devido à diferença de rigidez, a cobertura em casca do
auditório, o emprego de laje que proporcionasse teto plano e piso com instalações
embutidas, carregamento diferenciado da laje para biblioteca, além da readequação de
projeto para atender às demandas de ampliação da estrutura durante a etapa de
construção.

As inovações expressivas e bem-sucedidas do projeto elaborado por Emílio Baumgart e o


estudo da qualidade do concreto desenvolvido pelo Prof. Lobo Carneiro fazem com que a
construção do Palácio Gustavo Capanema seja um exemplar do avanço das soluções
construtivas das décadas de 1930 e 1940, com repercussão internacional.

Os desafios enfrentados no desenvolvimento do projeto estrutural, a fim de atender aos


requisitos do projeto arquitetônico, foram estendidos para o processo construtivo, que
atendeu satisfatoriamente às adversidades de trabalho com elementos robustos, com alta
taxa de armadura e em alturas elevadas.

Oportunamente, com a intervenção em andamento, constata-se que as especificações de


projeto foram fielmente atendidas durante o processo construtivo. Assim, a documentação
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de projeto estrutural como também as fotos da construção são frequentemente utilizadas
como referência de dados para os projetos da intervenção atual, evitando-se prospecções
onerosas e indesejavelmente intrusivas tratando-se de bem tombado.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ABNT, ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NB-1 - Cálculo e execução


de obras de concreto armado. Rio de Janeiro: ABNT, 1946.

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