Íon é um rapsodo especializado na recitação e interpretação dos versos de Homero.

Na história de
hoje, Sócrates, nosso valente herói, trava um diálogo com o artista em busca de respostas para uma
questão vital: qual a natureza da poesia? Aqui poderia-se incluir a arte, de modo geral, e
possivelmente as ciências, filosofia, geometria, mas atendo-se especificamente à poesia, Sócrates
quer saber se o ofício dos poetas e dos rapsodos, no ofício de interpretação dos poemas clássicos, é
uma habilidade técnica, como a de outros ofícios, ou um conhecimento que parte do divino.
Tanto Sócrates como Íon compreendem que os mais diversos ofícios serão melhor explicados por
aqueles que o realizam, visto terem a devida técnica e familiaridade. No entanto, o trabalho de um
poeta e de um rapsodo é mais complexo, visto que, ao abordar diversos assuntos, o artista trata de
áreas da vida das quais outros profissionais se ocupam, de forma que o poeta e o rapsodo não teriam
domínio sobre seu próprio ofício. Nesse diálogo percebe-se a incapacidade de Íon em explicar o
trabalho que realiza e qual a fonte de seu conhecimento, como é comum em diversos diálogos de
Platão, mas nesse Sócrates propõe uma interpretação epistemológica para o fenômeno da arte e da
poesia. Essa teoria, Sócrates explica tomando por exemplo um ímã, que irradia seu magnetismo a
aneis de ferro, que, os quais, por sua vez, passam igualmente a irradiar essa energia. O processo da
arte decorre da mesma forma, a poesia tem como fonte inicial as musas, que transmitem essa arte
aos poetas, que por sua vez transmitem esse conhecimento aos rapsodos, que o levarão ao público
geral. Essa é a teoria da inspiração divina, na qual o artista não domina de fato um ofício, mas tem a
capacidade de receber a inspiração sagrada e apresentá-la à humanidade.
A filosofia platônica sempre se desenvolve a partir das concepções religiosas helênicas, sem as
quais suas teses não se sustentam. Essa é uma interpretação que, no entanto, compreende o ofício
artístico de um ponto de vista religioso, e para artistas religiosos mesmo nos dias atuais, essa tese é
verossímil, como demonstrou a reação de meu avô, que concordou com platão.