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Debrucei-me sobre a escrivaninha, observando atentamente os papeis espalhados.

O
documento incriminatório tinha de estar em meio à papelada, mas não havia tempo suficiente para
vasculhar tudo com cautela. Passei os olhos por cima das folhas, com cuidado para não mover nada,
sem deixar pistas de que alguém haveria revirado a mesa de trabalho do presidente.
Sabia que o papel que valia milhões de reais estaria em algum lugar, mas onde?
A mesa era uma escrivaninha estranhamente simples para um cargo daquela envergadura.
Não teria mais de um metro e meio por um, com duas gavetas laterais à direita, trancadas.
Sendo um documento que poderia destruir sua carreira, faria sentido que não estivesse em
cima da mesa, e sim protegido em uma das gavetas. Porém, a única condição do guarda que havia
aceitado o suborno foi de não mover nada de lugar e não fazer barulho. Isto era praticamente
impossível, mas tinha de trabalhar para chamar o mínimo de atenção, pois se o presidente notasse
algo, acusaria-o, e este não teria motivo para não me entregar.
Eis o dilema: se o papel que buscava estivesse mesmo nas gavetas, para mim valeria a pena,
mesmo que fosse descoberto. No entanto, se não encontrasse o que queria, nunca mais teria outra
oportunidade.
Talvez fosse prudente evadir-me, mas a inconsequência da juventude falou mais alto.
Agarrei a alavanca da gaveta, calcei o pé esquerdo na lateral da mesa e forcei-a uma, duas, três
vezes. O interior da gaveta era repleto de papeis com texto. Nunca encontraria o documento.
Resolvi agarrar toda a pilha de papel e colocá-la no chão, ao lado. Repeti o processo com a segunda
gaveta, que levou ainda mais para ceder. Ouvi algum grito e barulho pelos corredores. Dentro havia
algumas pastas de capa preta, também cheias de papeis. Agarrei todas, empilhei em cima do
primeiro grupo de papeis, e resolvi que o melhor seria sair dali com todos os papeis.
Uma fuga do Palácio do Planalto já seria difícil em condições normais, carregado com uma
pilha de quase trinta centímetros de papel, que deveria pesar alguns quilos, seria ainda mais difícil.
E para completar, com os papeis soltos, ainda talvez acabaria por perder algo importante. Mas, ao
menos, talvez tivesse muito material com o qual pudéssemos trabalhar.
De um fôlego juntei todos os papeis. Ouvia passos e gritos pelos corredores. Tinha de sair
imediatamente.
Abri a porta traseira do escritório e desci pela escada de incêndio. Era uma rota de fuga para
presidentes da república, projetada desde a construção de Brasília. Desci calmo por saber que a fuga
tinha sido a parte mais bem planejada da operação. Em outras condições, os guardas estariam
prontamente esperando embaixo para me prender.
Entretanto, este seria um dia de outras condições. Logo que passei a mureta vi um batalhão
fortemente armado, que abriu fogo em minha direção.
Tive de pular para trás, abandonando todo o material colhido. Senti uma sensação de calor e
amortecimento no braço esquerdo. Era uma bala que o havia atravessado.
Completamente cercado e sozinho, vi que as únicas opções seriam me entregar, ou enfrentar
o pelotão de fuzilamento.

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