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“Tudo são pretextos a um coração agoniado.”
Machado de Assis, Dom Casmurro
enterrado
inferior.
ao crânio.
Mas o que...
quarto.
Confuso, saltou da cama, girou sobre os calcanhares
outra coisa.
Mas o que chamava a atenção naquele lugar já não
1•2•3•4•5•6•7
Os números 2, 3, 5 e 7 pareciam emitir uma
aparentemente apagados.
também um bilhete.
você é.
lembra de nada.
lendo agora.
Para abrir a caixa à sua frente, você terá que
medo do desconhecido.
As outras pessoas.
interior.
Olhou em volta, deixou a cozinha e caminhou pela
A chave.
Ela se encaixava perfeitamente na porta da sala. Ele
dedos doíam.
Mas, apesar do medo, havia uma estranha sensação
esquecido dele.
Esperou.
Esperou mais, e, quando não notou mais nenhum
Não sabia explicar por quê, mas sentia que aquela árvore
e aquelas grossas raízes que se alastravam no solo em
respondeu ela.
— Se tentar pegar a arma, eu juro...
— Eu não estou com a arma.
— Não mente pra mim!
O homem a encarou.
— Dá pra parar de apontar essa coisa pra mim?
Ele a analisou, os olhos percorrendo todo o corpo
dela. Lentamente, desceu os braços, mas ambos
matar a gente.
— É, pode ser — concordou ela, sem muita certeza.
— Ou talvez seja pra gente se defender mesmo,
mas não dos animais, não os da floresta — disse ele.
ouvir.
— A gente não sabe quem são as outras pessoas —
ele se esquivou.
— É, não sabemos. Mas, se a primeira coisa que a
dúvida.
— Só pra ter certeza de que não tem nenhuma
arma escondida aí na cintura.
Ela largou a mochila no chão, ergueu a barra da
— Dá pra notar.
— E você, está?
— Não. Mas não acho que vamos resolver nada
assim. E acho que se quisessem que a gente saísse
caçando uns aos outros, teriam deixado apenas a arma.
— Eu não lembro de ter visto nenhum sinalizador
subindo no céu — provocou ele.
Dessa vez a mulher ficou em silêncio.
sombras.
grama.
Quando o micro-ondas apitou, a garota se virou com
— Ah, merda!
Alisou aquela coisinha metálica, passou os dedos
hesitou.
choro.
procedimento médico.
diferentes projetos.
rodeada de pessoas.
em dizer.
ambiente.
Subitamente, soou um grito abafado de dor. Ela
Por favor...
Com dificuldade, conseguiu apenas virar o rosto
machucá-la.
O desconhecido que lhe aplicara a injeção se afastou
branca do quarto.
4
Inês tinha dez anos quando conheceu a senhora Marlene,
a avó paterna de sua melhor amiga, Cristina.
o intervalo.
— Doença de velha?
— É. Quando a gente fica velha, a gente vai
— Como assim?
também.
A senhora Marlene estava sentada à mesa da
— Oi.
Inês assentiu.
Marlene.
empolgado.
gordos bombons.
— Não vai contar pra sua mãe, hein? Senão eu vou
me encrencar.
— Obrigada, vovó!
— Obrigada — Inês também agradeceu.
— Ah, é?
vida comigo.
abusado.
teria que falar pra minha amiga primeiro que queria ficar
comigo.
— E ele falou?
sujos de chocolate.
contidos.
— Que palavra?
— Puta?
— É, vó.
— Por quê?
divertida.
quero ir pra minha casa, pra minha casa, e você que não
bote os pés lá dentro de novo, tá me ouvindo? Maldito
fora.
aqui.
Mesmo assim, lá estava: o medo. Essa coisa
Quatro.
apenas encarando.
— Vamos entrar. Tomem um banho e descansem —
branco.
— Quer água?
não disse.
— Não.
mulher.
naquela discussão.
Os dois visitantes balançaram a cabeça, em
silêncio.
— E você, lembra de algo? — perguntou Número
homem.
Ele assentiu e os dois se encararam, cada um
olhou para trás e viu que Número Quatro não tinha saído
do lugar.
— Vamos!
— Primeiro diz pra quê.
movimento do visitante.
— Cuidado ao fazer isso — disse a mulher.
mulher.
— Olhando o quê? — respondeu ela, com um tom
Senhora?
Ela pensou, mas não disse nada.
salientes.
— Então quer dizer — falou Número Quatro
enquanto caminhava para perto de sua caixa — que os
números acesos indicam quando o dono da casa está
dentro dela.
— Deve ter algo nisso aqui — disse a mulher,
tocando de leve a prótese em seu crânio.
Dois.
— Verdade. Você já teve uma ideia agora há pouco.
Talvez seja demais ter duas em um intervalo de tempo
tão curto — ironizou ela.
própria piada.
— Seria um preço alto demais a pagar pra ter minha
memória de volta — reagiu a mulher, e Número Dois fez
uma careta de desdém.
que não fugiam dos temas “o que você acha que significa
alta.
insistiu em recusar.
aqui mesmo.
mulher.
sozinhas?
— O número 3 na minha caixa continua apagado.
Ele, ou ela, deve estar procurando também. Talvez esteja
— Talvez.
— Talvez esteja na casa 1, na 5 ou na 7 — disse a
mata.
— Melhor pararmos com isso — disse Número
ou um?
Todos estavam de pé, olhando em volta como se
demais.
Quando chegou diante da porta, a menina travou,
silêncios?
suavidade.
capela.
disse Cristina.
— Lembro.
— Será que foi por causa do cigarro que ela ficou
desse jeito?
— Não sei.
era de cigarro?
nascido.
inexpressivo.
empolgada.
— O quê?
— Vem comigo.
na barraquinha?
indignada.
balcão.
O homem encarou as duas sem dizer nada. Olhou
— É.
— Não vendo cigarro pra criança.
— Não é pra mim, né? É pro meu pai.
minha mãe não gosta que ele fume... Ele está tão triste,
ele só quer um cigarro.
se distanciavam.
— Você vai colocar no caixão? — perguntou Cristina.
— Aham.
As duas chegaram à entrada da capela e olharam lá
dentro. Havia muitas pessoas próximas ao caixão.
ali dentro.
— Desculpa — disse baixinho.
verdade.
Dois.
— Conversar pode nos ajudar a lembrar de algo. Só
isso.
mulher.
brancas?
— Não faço ideia — admitiu ela.
— Se eu sonhei?
— É.
A mulher refletiu.
— Não lembro.
sonho?
conexão?
dela.
— Como assim?
tudo, hein?
— Eu gosto de pensar debaixo do chuveiro. Não sei
conclusão agora.
pra isso, pra você não pensar muito sobre o assunto, pra
depois afirmou:
— Como assim?
— Igual à gente. Gente mesmo, sabe? No sentido
árvores.
— Ei! — chamou a mulher.
Número Quatro voltou-se para ela com um olhar tão
na direção do homem.
— Lembrou o quê? — perguntou a mulher, com
expectativa.
— Eu lembrei — suspirou, cansado —, lembrei que
Número Quatro.
— Não estamos nem na metade do dia — contestou
Número Dois.
No entanto, Número Quatro já buscava o tronco de
— O quê?
Ele balançou a cabeça, depois continuou:
— Acho que está vindo outra tempestade.
— Então hoje vai ser uma noite sem fogo — disse a
mulher.
Número Quatro se encolheu ao ouvir aquilo.
— Senta e come alguma coisa — sugeriu ela, mas o
homem continuou por mais um tempo de pé até
finalmente se sentar.
Número Quatro terminava de montar o pequeno
fogareiro que encontrara na sala de mantimentos.
Acoplou a panelinha sobre a pequena grade. Retirou da
indefinidamente.
Número Quatro exibia uma expressão vaga e
perdida, como se tivesse esquecido a palavra
necessária para terminar uma frase. Olhava para o
cenário que se estendia adiante, depois baixava a
do revólver.
— Aí está você. — Número Seis surgiu atrás dele.
— O quê?
— Ele. Foi cagar, né? Você pegou ele no flagra,
pra ele.
pouco.
— Pensando em quê?
— Como é que eu vou saber?
olhos esbugalhados.
sentiu envergonhado.
— Vamos comer e sair daqui — disse ela, dando-lhe
as costas.
a fantasia.
asfixiava.
Número Seis abriu o zíper da barraca e saiu
— Como assim?
— Sim.
sabe de nada.
— Mas eu sinto que não é só isso.
anterior.
— Uma casa.
Por uma fração de segundo, Números Dois e Seis
demoraram para entender o que aquela frase queria
Número Seis.
— Como é que eu vou saber? — respondeu Número
Dois.
desistido da investida.
— Perdeu a coragem? — provocou Número Dois.
cansei disso.
Ela se ajeitou sob o olhar surpreso dos dois homens,
olhou em direção à casa, respirou fundo e disse
novamente:
— Chega.
— O quê?
— Quem fez isso nem levou a chave.
pegar a chave?
— Talvez ele e a outra pessoa tenham se
desentendido.
Número Dois havia se recomposto e voltara a se
aproximar deles.
— A gente se desentende toda hora e nem por isso
de fora.
direção à porta.
confortável em tocá-lo.
terra.
constrangida.
— Sério? Ninguém?
A mulher assentiu.
— Um, dois, três!
branco.
dizer.
— Não. Eu ajudo.
qualquer um deles.
fora.
— Não estou com fome. Só quero dormir —
dormir.
Os quatro se entreolharam. Número Dois deu de
ombros.
Número Quatro.
Era madrugada e a casa estava em silêncio agora. Por
na artéria do pescoço.
Caminhou até uma das janelas, abriu uma fresta na
frente.
— Eu fico pensando se tem alguém lá fora —
revelou o homem sem olhar para a mulher, como se isso
uma criança.
— Ela é jovem, mas não é uma criança.
— O Número Três levou um único tiro.
— Ela pode ter acertado só um.
requisitada.
bagunça da mudança.
— Não sabia que tinha voltado a fumar — disse ele,
— Lembrança?
morta?
idosa viva.
O marido sorriu.
ele.
— O quê?
— Imagina se fosse uma garrafa de vinho guardada
— Isso é verdade.
Os dois riram.
adequadamente.
— Ué, já não fizemos isso ontem à noite?
— Ah, verdade.
— Mãe!
Os dois pararam de se beijar, se desvencilharam e
os encarava.
— Oi, amor.
divertido.
tudo.
insistiu a garota.
hoje!
cigarro na mão.
Beatriz.
— Ai, já vou.
As meninas se puseram a terminar a arrumação das
morte celular.
amiga.
um sorriso cansado.
Bobagem.
hipotéticas.
Vanessa.
anteriores.
Vanessa assentiu.
neles.
ido embora.
Ligou de novo.
Nada.
Abriu uma garrafa de vinho que conseguiu
encontrar em uma das caixas. Demorou para achar o
— Trocado o quê?
— E se for a Beatriz que estiver aqui e não a
— Não trocaram.
— Mas e se trocaram?
Opção interessante.
— Elas são diferentes — respondeu Inês,
complacente.
mostradas no tablet.
Inês o olhou.
graça.
alegria.
— É bonita. A ideia de sinalizar o fim do inverno —
sorriso gentil.
Inês continuou deslizando as opções no tablet até
perguntou Inês.
armadilha.
— Sim, também.
— Perfeito.
mas se conteve.
— Jequitibá.
— É enorme.
trêmulos.
aplicativo?
Inês assentiu.
Ao entrar no seu apartamento, Inês passou pela
gravidez.
retrucou ele.
— Sua mãe?
— É.
— Duvido. A dona Joice jamais falaria isso de você.
aliás. Uma vez ela disse pra amiga dela que eu parecia
um filhote de sharpei.
ser escolhido.
Inês gargalhou.
gordinha.
O tapa de Inês estalou na nuca de Rui, e ele chiou e
depois riu.
acusarem positivo.
— ele perguntou.
— O quê? — Inês pareceu confusa.
que é geladinho.
— Não.
pelo equipamento.
tranquilo.
imaginação.
A obstetra foi explicando o que via, falou sobre a
quarto.
— Só assim mesmo pra gente dar um jeito nisso
gostava de repetir.
— Engraçadinho.
Rui suspirou.
as coisas.
— Quando mudamos pra cá você disse que ia fazer
desfez de nada.
— Ah, tá.
— Ah!
— Inês?
— Espera — gemeu.
Inês se curvou ainda mais, e, quando suas mãos
— Acende a luz!
Rui levantou às pressas em direção ao interruptor e
a luz revelou todo o vermelho do sangue na cama.
novamente...
Enquanto escutava em silêncio, Inês abaixou a
silêncio.
A primeira árvore transplantada para o solo foi o
cerimônia.
Inês assentiu.
disse:
frente.
disse Inês.
evocavam.
do dedo anelar.
fazia tanto tempo que eu não falava sobre ela. Era uma
passar — disse Joice. — Vai ter hora que você vai pensar
que não vai dar conta, que não vai conseguir viver sem
Que jeito?
A vontade era de pedir que alguém buscasse tudo
diários.
Abriu o caderno em uma página aleatória e sentiu o
pontos
dois pontos
inteligentes.
dois pontos
aí...
pedaço.
decepção.
janela.
cheiro vinha dali. Parecia que não. Foi até a outra porta e
assim fez de porta em porta em todos os apartamentos
— Oi.
que fazer.
visita-surpresa.
de noz-moscada raladinha.
ter...
Entra, vem.
em tom de brincadeira.
torta.
— Obrigada.
moléculas carbonizadas.
Queimada.
utensílios descontaminados.
a sua presença.
constrangedora.
intimidada.
— Minha família morreu em um acidente de
absurdo.
— Eu prefiro falar sobre os dados. — Inês olhou para
cúmplice.
— Tá bom. Eu gostaria da sua opinião em uns dados
esticar hoje?
— Vou ficar mais um pouquinho — disse ela.
debate do trio.
apenas esperando.
— Como assim? — perguntou Número Dois.
— Pra mim essa é a estratégia dele ou dela. Depois
fácil se proteger.
— O Três estava aqui, na casa dele, e não deu muito
Mas isso não significa que eu ache que ele ou ela tem
relação ao Cinco...
— O Cinco pode estar em qualquer lugar — disse
Número Dois.
ele.
— Número Um está sem bala, então vê com ela se
ela.
questionou o homem.
Número Três?
replicou:
estiver dormindo?
foi a menina.
— Pode ser um erro continuar tratando essa garota
Dois.
causava vergonha.
estão prontas.
— Mas frias? Devem ser horríveis.
séria.
— Só pra descontrair, gente — resmungou ele, meio
constrangido.
A mulher apenas revirou os olhos.
caminhando juntos.
— Eu estou com medo — disse a jovem, do nada.
apavorado.
— Você acha?
— Com certeza. Não é à toa que aquela arma é tão
importante pra ele. E um homem com medo e armado
nossas memórias?
— Eu tenho que acreditar que sim — respondeu
Número Quatro. — Tenho que acreditar.
Nesse momento, Número Um escutou um barulho
— O quê?
— Não é nada.
— Sei.
— Algum bicho?
— É, algum bicho.
Números Quatro e Seis já haviam armado suas
partirem.
Isso é loucura. Não era ninguém!
Mas seus próprios pensamentos não a convenciam.
Com o barulho vindo de todas as direções, não sabia qual
encontrar o acampamento.
Número Seis acordou assustada quando sentiu
alguém abrir sua barraca. Em seguida viu o homem
sacudir suas pernas. A chuva entrava e ele apontava a
meio da escuridão.
— O que é isso?!
— Calma, sou eu! Melhor não acender a lanterna.
Mas Número Quatro acendeu e lá estava Número
secas da mochila.
— Você só pode estar brincando...
— É, eu pensei: vai ser superdivertido sair no meio
da madrugada numa tempestade e entrar pelado na
vai pra...
— Eu vou cagar. Cagar! — Ele mostrou o papel
higiênico que tentava disfarçar.
— Tá bom. Nossa, também não precisa sair gritando
risinhos.
— O que foi? — perguntou a mulher.
— Nada não — desconversou Número Quatro, e
voltou a comer.
— Sim, já secou.
— Vem, entra. — Número Seis abriu espaço para a
garota entrar.
Número Um ajeitou rapidamente suas coisas e se
sabia, sim ela sabia, que poderia ter sido a garota quem
havia matado o outro homem. E agora a menina estava
ali, pedindo para dormir com ela e querendo ficar quieta.
Tão jovem, pensou. E, ao pensar nisso, olhou para a
busca de proteção.
Mas quem cuidaria dela própria?, pensou Número
Seis. Quem a abraçaria no meio da noite quando o medo
sussurrasse em seu ouvido que o tempo dela estava
passando, que ela já não era tão jovem quanto aquela
seguia em frente.
café?
nós duas.
seus objetivos.
— O Jorge gosta de drones? — Inês perguntou para
drone.
que vai chegar uma hora em que eles vão entrar pela
morte, sabe?
— Inês...
tentava se concentrar.
Passarinho gordinho.
do cabelo.
Dentro do carro, já em direção ao laboratório, ela
aguardava Vanessa atender o celular.
— Pra cá?
— Eu só liguei — ela se agitou — pra vocês não me
— Sábado?
— É, Inês. Pelo amor de Deus, vai dormir. — E
se agitou lá dentro.
unidade.
Após o procedimento, a unidade, ainda sedada, foi
no ambiente.
Inês registrou as observações no diário de
Inês observou.
de Vanessa.
— Você precisa parar um pouco, Inês — disse ela
voltar pra casa? Voltar pra lá? Se isso está te fazendo tão
mal, talvez seja uma boa ideia procurar um outro lugar,
Inês.
meses?
— Sete. E onze dias. E, mesmo que fossem dez
com a luminosidade.
— Vai pra casa, Inês — pediu Vanessa, dando
— Eu vou tomar.
23
Havia quatro noites seguidas, Inês realizava as sessões
de “Reset Emocional”, nome dado por ela à etapa
comportamento do animal.
disse Beatriz.
respondeu Beatriz.
essa época passa tão rápido, pelo menos era o que a avó
etapa.
Em seguida, disparou o sinal sonoro outras quatro
cresciam.
Gostava de ver o jequitibá mais alto que as duas
juntos.
podia ser isso: se conectar com algo que não podia ser
utensílios domésticos.
Na mesa de centro, estavam agora o notebook de
Cinco anos.
parede.
lado do aplicador.
Minha filha.
Cinco anos.
“Local do óbito.”
outros e ignorado”.
pública”.
Na rua.
O pensamento abateu-se sobre Inês.
próxima folha.
“Beatriz Garcia de Assis.”
menina.
“Rui Garcia Marinho”, dizia o conteúdo no campo
grau na temperatura.
Com as informações disponíveis, fez uma avaliação
ambiente.
Ela sabia exatamente o que havia feito na noite
Aqueles documentos.
Harley-Davidson.
— Sabia que eles emulam o som do motor a
Daqui a pouco vão fazer vinho que não é vinho, mas que
— Jura?
semáforo aberto.
— Se você puder...
— Posso sim.
teorias.
Inês sorriu.
— Mas algumas conversas são interessantes
ainda.
— O pessoal não tem tempo para ouvir algo que
— Inês?
Ao ouvir seu nome, Inês olhou para o lado e avistou
Olhou o relógio.
— Vai que vale a pena — disse ele, gesticulando
comentou.
— Mmm, eu sou meio assim com porco. — O outro
torceu o rosto.
— O quê? Você não provou?
— Não.
— Eu comi — respondeu a outra colega. — E gostei
— Eu também.
Inês assentiu, sustentando um semblante satisfeito
no rosto com mais intensidade do que deveria. Aquela
luto.
pensamentos suaves.
— Inês?
— Inês?
— Inês?!
um grupo de empresários.
experimento.
É só a dor, só a dor.
pessoas!
— Inês?
— Sim. Pode continuar.
Vanessa a encarou.
— Essa apresentação é importante, Inês.
— Eu sei.
— Eu posso fazer ela sozinha, se você achar...
provou.
defender.
e suor.
impaciente.
distanciando-se do grupo.
pelo caminho.
momento presente.
Número Quatro saiu do lago, abaixou-se diante da
não dizia nada de novo porque ele sabia, era óbvio, que
todos eles estavam nus, mas a frase pareceu clarear o
Dois.
Número Quatro assentiu, sem olhar para ele
diretamente.
— Tudo bem? — perguntou Número Dois.
emergiu, tossindo.
— Tudo bem aí? — perguntou Número Seis, um
pouco alarmada.
A jovem olhou para a mulher e depois voltou-se
visto.
Devo estar ficando maluca, pensou. Talvez seja
direção às mochilas.
Número Um queria sair do lago, mas estava com
vergonha. Número Dois já havia se vestido e Número
Seis se trocava. Número Quatro não estava ali, e ela
cordão enganchou.
— Ai — soltou a mulher, imaginando.
— Mas passou rápido. O seu dói?
— Não — respondeu ela.
— Pode ser que sim. Pode ser que não. Acho que só
dá pra ter certeza se a gente visse um. Ou se a gente
fosse um — concluiu, tentando soar mais leve.
— Quando eles são fantasmas, você acha que eles
a mulher.
Número Seis deixou os ombros caírem, cansados,
sabendo que a jovem escondia algo.
— Tem certeza?
próprio caminho.
28
A cada administração da droga durante os acessos
daquelas lembranças dolorosas, as modificações
químicas em seu cérebro avançavam gradualmente,
reduzindo a síntese de proteínas utilizadas nas sinapses
emocional.
No meio da tarde, a equipe do laboratório havia se
juntado para cantar parabéns para uma das colegas que
fazia aniversário. Sobre a mesa de uma sala usada para
reuniões, estava o bolo que eles haviam comprado, e
— Assim como?
— Sorrindo.
colegas.
— Ixi, foi só eu falar e o sorriso foi embora. —
Vanessa brincou.
Inês voltou-se para ela, com um sorriso diferente,
espaços.
Será que ela também se sentira assim em outros
amiga.
Ir ao bar.
rasgou o ar.
Merda.
Inês ficou parada, olhando para as roupas de Rui no
lâmpadas pisca-pisca
— Batizar não é legal, mas montar árvore de Natal
outra prateleira.
Ela lhe lançou uma olhadela descrente.
— Aham.
Inês o encarou, segurando o fio de pisca-piscas.
tomada.
— Deixa eu ver um negócio aqui. — Rui procurou o
disse ela.
— Qual?
— Esse uísque sour.
— Será?
— Sim.
— Por que não está bebendo?
— Remédio?
— É — respondeu vagamente.
Cada uma selecionou o seu drinque no tablet. Como
— Ao retorno.
perguntou Inês.
— Foi a clara de ovo que te lembrou isso, né? Tinha
Vanessa riu.
— Eu gosto.
— Ah, não, tá brincando.
— Como assim?
— Nada não, só uma coisa que eu achei hoje numa
terem livre-arbítrio.
— Essa também é uma dúvida minha. Uma delas —
— Uhn.
— Deus era onisciente e sabia de tudo, mas a gente
— E se eu quiser refilmagens?
— Como assim?
— Quando terminam de gravar um filme, mas
— Não?
— Não. É orçamento e prazo fechados. Você tem
enquanto ria.
de rum e hortelã.
A noite prosseguiu, com as duas mesclando
própria Inês.
— Acho que deu algum problema — comentou Inês,
digital.
— Deixa que eu peço aqui no meu — prontificou-se
Inês.
— A gente chama ele aqui.
também.
Inês se levantou e saiu. Passou por algumas mesas,
a bartender.
— É, estou.
— Já estamos resolvendo isso. O que vai querer?
— Um french 75.
— Eu já termino esse e faço o seu.
— Obrigada.
não exibia.
Ele sorriu, meio embaraçado, em seguida estendeu
a mão.
— Hiram.
Ela apertou a mão dele.
— Inês.
Ele franziu o rosto.
continuou:
Inês riu.
Até a bartender do outro lado do balcão riu, sem
pegando o drinque.
— O garçom disse que já arrumaram o sistema —
— É bom esse?
— Já volto.
— Aonde você vai?
— No banheiro.
— De novo?
comer.
— Ok.
celular.
“Tudo bem aí?”, perguntou Vanessa.
nervosismo passa.
— Mas você é bom nisso — interferiu Vanessa. —
Um discurso desses...
nome?
— Hiram.
— Inês e Hiram — pensou Vanessa em voz alta.
Os dois se olharam, trocando risos.
esperançoso.
— Ok, eu... tá, tudo bem.
Quando ele se distanciou da mesa, Vanessa encarou
mesa.
— Espero que essa cadeira não seja para colocarem
a bolsa — arriscou ele, sorrindo.
comentou Inês.
Os três riram. Hiram puxou a cadeira, sentou e
começaram uma ritmada conversa, passando primeiro
pelos assuntos triviais sobre o que cada um fazia, onde
nos dela.
— Quer beber alguma coisa? — Inês desconversou.
— Não, não, estou bem. Já bebi o suficiente.
— Tá bom.
Os dois ficaram em silêncio. Inês olhou para as
caixas.
— Então, por qual a gente começa? — disse ele.
— O quê?
— As caixas. Temos muito trabalho pela frente. —
Ele sorriu, olhando em volta.
Ela devolveu o sorriso. Era bom sorrir. Um sorriso
sincero, que saía sem a necessidade de existir só para
parecer aos olhos dos outros que ela estava bem.
reconfortavam.
Encontrou Hiram na cozinha, com a luz acesa,
bebendo água. Quando viu Inês parada na entrada, ele
parou de beber e a encarou, e os dois ficaram assim por
sorriso.
lado de fora. Talvez fosse por isso que ela não queria sair
dali.
queda-d’água.
— Estou tentando lembrar como foi que eu fiz isso
ela.
A garota o olhou, acompanhando sua fala em um
empolgante. — Riu.
— É sim.
Ficaram quietos por um momento.
— O que você imaginaria?
Número Dois.
— Eu?
— É.
— Gritando o quê?
— Sim.
que tivera.
Não quero apagar.
fora revelado. Pelo menos ele achava que o que vira era
uma lembrança. A memória de um dia estranho, com
pessoas indo para suas casas. Ele se lembrou de uma
garotinha que ele não reconhecia, que lhe dizia: “Eu não
quero apagar”.
escuro.
puxá-la.
profundo.
— Mas dói.
— Eu sei.
fodida!
— Consegue andar?
— Só alguns cortes.
Quatro.
— Droga — murmurou o homem quando viu o que
completamente.
— Segura aqui — disse Número Dois, entregando a
lanterna para Número Um, que apontava o feixe de luz
enquanto o homem retirava os galhos com dificuldade
para alcançar o interior da tenda.
Dois.
Ele se posicionou ao lado do homem ferido, pôs
que caíra.
O interior da floresta ganhava a luz suave da
novamente.
No segundo encontro com Hiram, ela lhe contara
certidão de óbito.
para fazer algo que havia muito não fazia. Após almoçar,
trazê-la de volta.
— Pra quê?
— Eu estou bem.
— Estou.
As duas continuaram a comer, até que,
um câncer no seio.
problema.
a disfarçar o constrangimento.
do ar...
— Se fosse só isso, Vanessa... Mas a grosseria dela
expressões de indiferença.
— Posso.
— O que está acontecendo?
voz ameno.
te defender.
— Defender do quê?
falando.
decifrá-la.
— Que o quê?
indiferente:
— Nada.
saiu.
outro lado.
— Em casa.
— A apresentação é daqui a meia hora.
Silêncio.
— Você esqueceu?
— Não.
— Você vem?
— Oi.
— Oi.
— Quero falar com você. Abre pra mim.
dormir.
humano.
acompanhamento da experiência.
autoadministração revelam...
família?”
gente diz.
— Se eu soubesse... — murmurou Joice, olhando em
anteriores.
olhar aterrorizado.
Aflitos, os integrantes da mesa emudeceram.
família!
— Os membros da família que testarem negativo
terão que...
— Que abandonar seus familiares? É isso que você
está sugerindo?
— Você precisa entender...
seus filhos?!
— Se me deixar continuar, talvez o senhor consiga
ajudou a enterrá-lo!
Os outros dois olharam ao redor. Se fossem enterrá-
lo, teriam que tirar o corpo dali e carregá-lo até uma área
Número Dois.
— Mas nós precisamos! — protestou Número Um. —
do homem.
outro!
mulher.
de fazer.
pareciam pesadelos?
37
Sem a proteção das barracas, a noite foi longa e fria.
daquele martírio.
ela.
— Repete — mandou o homem.
— Sei lá.
Número Seis.
— O quê?
chão.
— Uma casa.
Números Dois e Seis ouviram a voz da garota e
casa.
apagadas.
tomou a iniciativa.
— Olá! — gritou a jovem, sem sair do lugar. —
nossa deixa.
Número Seis.
encararam, desconfiados.
semblante desconfiado.
Número Sete os viu entrar na casa onde ela
tomar um banho?
— Claro — disse Número Sete, passando pelo
a garota.
A jovem a fitou em silêncio, como se tivesse algo a
cintura.
A mulher levantou os olhos e os dois se encararam,
palavra:
— Não!
falasse sozinha.
murmurado.
mãe, entende?
— Entendo.
hoje...
assistido.
do lado de cá.
tudo isso.
— Tenho certeza.
Ela se virou e seguiu em direção ao quarto da filha,
— Pra onde?
Luiz olhou para trás para se certificar de que não
— Tá bom.
— Eu vou tomar um banho enquanto... enquanto
você se apronta.
— Tudo bem.
Luiz terminou seu banho, trocou de roupa e
encontrou Miguel na sala, esperando-o.
— Vamos.
Desceram pelo elevador em silêncio, entraram no
— Quer uma?
O rapaz ficou em silêncio, encarando o pai. Luiz
baixou os olhos para a tela da mesa, acionou com sua
digital e escolheu duas cervejas. Permaneceram em um
bem.
— Estudar não é só a questão das... matérias —
disse Luiz. — Eu mesmo, gostava de ir pra escola não por
causa dos estudos, ninguém realmente gosta, não nessa
idade, mas a escola é o primeiro pé que você realmente
põe no mundo, no seu mundo, entende? Lá é onde você
vai viver as coisas que você deve viver. E algumas
dessas coisas você vai carregar pra sempre, mesmo que
acompanhadas de um homem.
— Tá vendo aquela ali? A de vestido azul?
— Aham.
— Gosta dela?
anteriores.
— Ali. Tá vendo? — disse, olhando para o balcão do
apoderava do rapaz.
dele.
— Gosto desse seu cabelo. — Ela o encarou. — As
cômodo ao lado.
— Vamos embora — disse o pai, já no andar de
aqui.
— Não.
O garoto procurou a mesa onde estavam sentados
em silêncio.
— Pode pedir outra cerveja?
ele.
— Eu gostei dela.
— A de saia amarela?
— Não. Aquela ali — apontou com o dedo.
— Ela?
— É.
silêncio.
Subiram as escadas até o terceiro andar, e ela o
banheiro.
— Vem aqui.
Receoso, ele também se recostou na cabeceira da
cama ao lado dela, tentando disfarçar o olhar que desceu
a verdade.
coisa... Você acha que essa, que é assim que ele devia
viver isso?
Ela sentou ao lado do marido na beirada da cama e
programa qualquer.
ainda nos resta — disse ela. — Mas sempre foi assim, não
é?
— É, deveria.
Cida disse:
— Vamos dormir.
Emocional.
A cada dia ele era um pai, um marido e um amigo
enguia.
— Trabalhar?
— Ir conhecer a fazenda.
— Dá sim.
voltar a dormir.
funcionários.
— Vamos tomar um café — disse ele para Miguel, e
demais a de Miguel.
— E aí, garoto? Começou cedo, hein? — brincou.
peça.
Buscou sua maleta de ferramentas em uma
parafusadeira elétrica.
No fim do dia, quem havia terminado seu turno
anterior.
— Vamos ser sinceros — disse um dos colegas do
sua cara.
— Ou vai comer vocês — disse outro homem.
— Que horror!
— Nem pensar, cachorro nem pensar. Nem gato. Os
gatos comem seus olhos primeiro.
— Você é ridículo.
cutucando o filho.
O garoto se refez, se ergueu e seguiu o pai, que já
saía do refeitório.
— Vem. Rápido — chamou o pai.
— É.
Os dois ficaram ali, recostados na grade da
plataforma, observando o movimento lento e suave do
sol, descendo e descendo, a cada minuto se escondendo
segura.
Quantos tiros?
Cinco tiros!
Resolveu passar a noite ali. Não acendeu nenhuma
na escuridão.
angústia.
aterrorizado.
Após dias de caminhada, esgotado, sujo e faminto,
situação.
casa número 1.
Após outra sequência exaustiva de dias
aquela casa.
Como não viu nenhum sinal de movimento,
O bilhete!
Por que você precisa saber dessas pessoas? Porque
sete chaves.
O problema é que, para outra pessoa abrir a caixa
é.
Boa sorte.
Somente um de vocês.
Somente um de vocês.
Somente um de vocês.
A frase que antes era apenas uma informação agora
Dos corpos.
Bastava pensar nisso para a cabeça latejar e sentir
E se não estiverem?
E se for uma armadilha?
E se souberem que eu os estava seguindo esse
tempo todo?
familiaridade.
Esticou um dos braços até a maçaneta e a girou
— A outra?
— A garota!
— Ah — gemeu Número Sete. — A garota. No
banheiro.
imaginar.
O homem a encarou, o braço esticado, tremendo,
com a arma na mão.
— Eu só quero as chaves — disse ele.
Ela pareceu indiferente ao que ele dizia.
valha a pena.
Com um movimento rápido, a mulher esticou o
braço em direção ao revólver. Número Cinco, que estava
com a arma apontada para ela, só precisou colocar mais
parte do país.
sentia.
— Está?
— Duvidando de mim de novo?
— Eu não estou aqui para duvidar de você, Sandro.
pacífico irritante.
Eles ficaram em silêncio novamente, até que a
está no trabalho?
— Você tem acesso aos meus relatórios, dá pra
saber tudo neles.
— Sim, eu já os li.
Ficaram em silêncio mais uma vez. Normalmente
bastante curioso.
Sandro refletiu em silêncio e a máquina aguardou.
sobre a questão.
Sandro odiava aqueles cacoetes programados para
— É, pode ser.
— Talvez você possa fazer essa pergunta para
outros pacientes. Quem sabe com várias respostas você
tenha alguma que lhe sirva. Acho que é algo que vale a
pena ir mais a fundo.
Sandro.
— Você pode usar essa nomenclatura, se achar
autoanálise?
— Eu não tenho questões para resolver sobre mim
mesma, então não há a necessidade de uma autoanálise.
— Você acabou de dizer que entende que pode
falhar.
— Ainda não entendi seu ponto, Sandro.
— Se você entende que pode falhar, você não faz
uma autoanálise para consertar suas falhas?
existo.
— Da mesma forma que nós.
— Não exatamente.
— Como assim?
— Algumas questões existenciais impedem os seres
— Quarenta e dois.
— O quê?
— Nada, deixa. Foi só... deixa pra lá. A verdade é
que não há uma conclusão significativa para padrões
humanos.
— Ah — suspirou o homem de maneira pesada e
aborrecida. — É perda de tempo discutir isso com uma
máquina — disse Sandro, frustrado. — Não sei por que eu
— Curioso?
— Você se referiu a reflexões pré-formuladas, mas
isso não é muito diferente do que você também faz,
Sandro.
animais.
jeito nenhum.
outro colega.
infectados?
— É.
outro, rindo.
naquele edifício.
paciente.
— Podemos entrar?
— Sim. — Abriu espaço, e os dois sujeitos
— Obrigado.
Os dois visitantes se sentaram.
pela doença.
— Mesmo assim nós agradecemos — respondeu
Rosana aquiesceu.
— Certo — disse Sandro. — Ela é a Cristina, correto?
— disse, após verificar na ficha o nome da adolescente
em silêncio.
— Prefiro que comecem comigo — respondeu
Rosana.
Sandro a encarou.
— Como quiser.
Os dois homens se levantaram. Sandro pegou a
maleta do chão e a colocou sobre a mesa. Da parte
— Eu sou o Leandro.
Três amigos dividiam o lugar: Leandro, Caio e Paula.
Os três já não tinham uma relação próxima com seus
próprios familiares antes da doença, então decidiram
ficar juntos e cuidar uns dos outros. Tinham idades
do Setor Dois.
As áreas chamadas de Setor Dois eram prédios e
condomínios inteiros transformados em dependências
para pessoas com apatia generalizada. Tais locais
cuidaria deles.
Após terminarem os procedimentos no segundo
apartamento, resolveram fazer uma pausa para
descansar antes de seguirem para a terceiro e última
decidiram prosseguir.
— Apartamento 512 — disse Lúcio.
No corredor daquele andar, Sandro olhara o local
onde deveria estar um extintor de incêndio na parede.
pergunta.
— O quê?
Ela riu.
— É que uma amiga me falou... Eu tenho uma amiga
novo.
— E vocês passam o dia todo sem comer nada?
— A gente se alimenta, mas não do jeito normal.
intestinal.
Sandro a observava atentamente enquanto ela
falava.
— Mas e se escapar? O acesso, e se escapar?
— É, seria ótimo.
— Sabor pão de mel — disse ela, como se pensasse
em voz alta.
— Pão de mel?
— Eu?
— É, ué.
— Gosto. Não é algo que eu pense muito sobre...
— perguntou Sandro.
lado.
— Pra todo mundo?
— E você tem?
Ele demorou um segundo para responder.
de sua mente.
— Se eu não sinto, como saber o que é real e o que
não é? — disse Adriana. — Talvez fosse melhor deixar de
algumas vezes.
Sandro riu.
— É, tem que ficar de olho nesses jovens mesmo.
posso...
— Não — interrompeu Adriana. — Eu vou continuar
para sentir.
43
Quando deixou a casa de Número Sete, após matar a
É horrível, não é?
diferente.
7 brilhavam.
fechados.
Mas será que alguma coisa justificaria o que eu fiz?
chave 7 na mão.
Espero que o que você encontre valha a pena.
um medo.
Receoso, ele a abriu. Não havia nada lá dentro. Seu
assustador vazio.
atormentado.
Certa noite, uma forte chuva caiu e ele olhou pela
em admitir aquilo.
— E você chegou a alguma conclusão?
bicicleta...
máquina. — Continue.
ele caiu. Não foi nada grave, mas ele só tinha sete anos,
e assim que ele caiu no chão já foi se levantando,
máquina.
trabalho de campo.
— Eu sei.
vezes.
dois.
a máquina.
divertida.
Sandro riu.
espontânea.
— Eu acho que tem cerveja sem álcool na geladeira
— ofereceu ele.
— Hum, não, obrigada. Uma vez eu li uma frase que
dizia: “Café descafeinado é igual sexo sem tapa na
— Tá, sei.
Durante a conversa, tanto Sandro quanto Marília
marido fosse voltar logo pra casa, sabe? Mas dava pra
ver que no fundo ela sabia que ele não iria sair daquele
seu marido talvez não acorde amanhã, por que você não
vai tomar esse café lá dentro com ele enquanto falam de
hein?”.
— Talvez a forma dela tentar te ensinar algo não
tenha sido o melhor exemplo de modelo pedagógico —
brincou Sandro —, mas dá pra entender um pouco do
— Tá.
Marília entrou no apartamento e, quando voltou,
começou a falar sobre outro assunto e a conversa
continuou. Ao redor deles, o som de música e pessoas
tornozelo latejar.
No apartamento, loucos de desejo, começaram a se
despir apressadamente. Ele até mancou um pouco, mas,
em meio àquela movimentação toda, com botões e
assim.
— Então você ficou andando cheio de dor e sem
orgulho ferido.
Marília voltou com um copo d’água e um
comprimido. Trazia também alguns emplastros, um rolo
de atadura e esparadrapo.
lado do pé.
— Tem uma coisa que você não pensou — disse ela
— O quê?
— Essa história — ela começou, apertando a
sádica por ele ter tido uma atitude tão infantil, apesar de
parte dela ter gostado de saber que ele fizera aquilo por
dizer?
Ela riu.
de mim?
— Bom — respondeu Sandro —, se por acaso te der
— Tá. Combinado.
No entanto, quando Renato nasceu e Marília o
Talvez o vento.
diferente.
seus monitores.
do experimento.
— Leitura neural? — disse Ester, com uma voz
coisas como: “Eu sei que não é algo bom de assistir, mas
sentado.
Após comer, o homem foi até a caixa 7. Tirou o
divertido.
— Ela teve a pachorra de mandar um “tem
mesmo?
— Não é? Cretina.
atenção do colega.
respondeu, sorrindo.
— Droga.
— O que foi?
o para Adriana.
gostem.
gente!
— Que pena que você não pode se juntar pra comer com
a gente.
para abri-la.
máscara.
com a gente.
Agora ele se sentia solitário de novo. E a solidão é
atrasarmos.
Ela o encarou em silêncio e Lúcio se aproximou com
aplicador da droga.
Durante a sessão, ao contrário do que era comum, a
segredo e disse:
— Que merda foi aquilo?
reação que pode, no fim das contas, não ter sido nada.
— Você sabe muito bem que não é assim que
trás.
— Sim, senhor.
— Eu sei que não é fácil, afinal nós ainda podemos
sentir, então, de certa forma, a doença deles acaba nos
afetando mais do que a eles mesmos. Nós ainda
— Sim. Mas...
— Ótimo. Por hoje é isso, Sandro. Não quer mesmo
um café?
Sandro deixou escapar um suspiro e o encarou.
— Não, senhor.
— Então está certo, Sandro. É melhor você ir se
preparar. — Digitou algo na tela à sua frente. — Já lhe
enviei seu novo cronograma de trabalho. Ah, Sandro, eu
cortina fina.
ter.
A gente devia ter se juntado.
vezes o envolvendo.
de raiva.
aquela mulher havia dito... seu nome? Era seu nome? Ele
Meu nome?
as palmas.
Por que ele? Ele não era especial, não se sentia especial.
Sentia-se sujo, não merecedor, com medo de descobrir a
pessoa que um dia foi, porque, apesar de não se lembrar
de tudo, ele sentia que iria sofrer. E ele não queria mais
sofrer. Ele só queria deixar de sentir aquela dor.
a desacelerar.
Número Cinco desceu. A mulher e o outro tripulante
mencionado.
veículo.
organizadas.
— É, eu percebi.
— Eu vou ajudar.
— Ótimo. Só tem uma coisa que você não deve
eles.
Sandro.
— Ok.
— Vem.
necessário, exceto?
— Isso aí.
Sandro não conseguia dizer com certeza quantos
mas uma parte dele não estava ali. Ainda atordoado com
A pasta insossa.
equipamentos de limpeza.
— Bom dia, Olivia — disse Ana ao passarem por ela.
das calças.
— Meu Deus.
— É.
O elevador se abriu e eles saíram pelo corredor do
estava limpo.
— A maior parte da equipe é formada por pessoas
— Da mulher estuprada?
Sandro assentiu.
não perguntou.
— Vamos continuar que temos muito pela frente. —
nunca trancamos.
Teoricamente Sandro sabia como eram os lares de
descansar em paz”.
No entanto, independentemente de qualquer um
dos lados, em uma coisa todos que residiam no Setor
Zero concordavam: a prioridade eram as pessoas que
não estavam doentes; os recursos deveriam ser usados
deitada na cama.
Catarina voltou-se para Sandro. Ela vestia um
uniforme hospitalar de enfermeira, luvas de látex e uma
máscara de tecido lhe cobria a boca. Seus olhos eram
— Ok.
Sandro foi até a cama de Thiago. Havia um adesivo
colado no móvel com o nome do rapaz escrito a lápis.
Dava para ver que fora escrito sobre outro nome que
— Isso.
Sandro puxou o cobertor que cobria o corpo de
Thiago. O rapaz parecia dormir. Ele vestia um pijama
largo, ou talvez estivesse largo porque seu corpo era
franzino. O suplemento vitamínico cumpria a função de
suprir as necessidades básicas do organismo, mas não
era a alimentação ideal para ser utilizada durante tanto
tempo. Além disso, a falta de movimentação fazia com
— brincou Catarina.
Sandro se voltou para ela.
— Essas máscaras de vocês ainda têm a vantagem
de dar uma amenizada no cheiro — disse ela, já se
levantando após terminar de vestir a garota que acabara
de limpar.
No quarto havia três camas e Catarina se dirigiu
para a próxima, onde uma mulher de cinquenta e sete
anos estava deitada, com os olhos abertos, encarando o
teto.
— Oi, Solange. — Catarina sentou no colchão,
posicionando-se ao alcance de seu campo de visão.
Sandro reparou naquele cuidado de se mostrar presente.
Depois ele se voltou para Thiago. À medida que o despia,
notou um início de vermelhidão debaixo das coxas, na
parte lateral interna dos joelhos.
— Não é preciso mudar de posição a cada duas
sejam atendidas.
— Claro.
Sandro e Catarina se encaminharam para o próximo
cômodo do apartamento. A máscara que ele usava
ficavam.
Ao terminar de cuidar da família, a dupla foi para o
apartamento ao lado. E depois para o seguinte, e o
próximo, até finalizarem as atividades em todos os
— É.
Catarina estava terminando de vestir uma
ele.
— Eu também. Mas vai chegar — disse ela enquanto
responder.
— Eles são casados — explicou Catarina. — Eles
— Te avisou?
isso claramente.
— Eu acho que sim.
consciente.
— Como é essa sensação, do paradoxo? Eu já
desse jeito...
— É. Enfim... sobre o paradoxo, e sobre sentir
meio que uma culpa, sabe? Não sei se essa ideia faz
sentido pra você ou só pra gente como eu.
Catarina.
— Sim.
— Quando você soube que estava doente, que em
Você usa esse pouco tempo pra fazer o que faz sentido
sua vida, ele teve que aceitar. Às vezes, quando ele via
algumas crianças brincando, aquilo o fazia sentir uma
encararam a distância.
Dava para ver o volume dos dois corpos cobertos,
mal.
deles.
região.
sido detectados.
prédio.
imediato.
dentro do prédio.
Tá-tá-tá-tá-tá-aaaa.
— É.
— Se eu fosse, você acha que eu falaria?
fosse um deles.
— É, tenho certeza que falaria. Malditos. Eles
— Não sei.
— O que você acha da ideia do drone com lança-
chamas? — perguntou ele, a indagação soando como um
tipo de armadilha.
— Pra ser sincero, não acho que resolveria muita
coisa.
— Mas pelo menos seria divertido. — O homem deu
comparada ao medo.
Tá-tá-tá-tá-tá-aaaa...
O som ecoou na mente de Sandro, acompanhado da
imagem daqueles drones incendiários botando fogo nas
pessoas...
Pra onde vocês vão levar o meu irmão?!
Tá-tá-tá-tá-tá-aaaa.
Aquelas centenas de olhos bovinos naqueles
prédios...
Tá-tá-tá-tá-tá-aaaa.
Eu fico com a mãe e o caçula...
A mãe e o caçula...
Ficaria com gosto queimando esses arrombados...
Tá-tá-tá-tá-tá-aaaa
Só pode ser um engano...
Tá-tá-tá-tá-tá-aaaa.
Tá-tá-tá-tá-tá-aaaa.
Tá-tá-tá-tá-tá-aaaa.
Tá-tá-tá-tá-tá-aaaa.
Quando pensou em correr para o banheiro, Sandro
não teve tempo e vomitou o lanche e o chá que acabara
de comer.
50
Quando acordou, ainda meio desnorteado, Número
coisas, não é?
nenhum sentido!
— Vão fazer.
precisa...
encararam em silêncio.
— Está certo.
algumas injeções.
Mesmo com a consciência de que fora o
mundo.
consternado.
Márcio.
— Não quero.
prosseguiu:
— Não há obstáculo maior para uma pessoa boa do
— Nós sabíamos?
Ester o encarou em silêncio.
— Antes de aceitarmos, nós sabíamos o que
soubéssemos disso?
— Às vezes pessoas boas fazem coisas ruins —
conectado.
O vídeo estava congelado e Ester aguardava,
observando a reação do homem. Márcio tocou o implante
mais uma vez, e, ao vê-lo na tela, aquele objeto cravado
em sua cabeça o incomodou mais do que nunca.
Aquela coisa ali estava errada. Aquela coisa ali era
uma invasão e ele teve vontade de fechar os dedos ao
redor e puxá-la.
— Gravamos esse vídeo antes de prosseguir com os
procedimentos — disse Ester.
Márcio permaneceu em silêncio, olhando para
— Se você quiser...
— Eu gostaria de ficar sozinho — disse ele, sem
olhá-la.
Ester se calou, o observou por um momento e foi
em direção à porta.
— Vou pedir para trazerem algo para você comer —
informou ela, mas Márcio não respondeu, imerso em
pensamentos.
Então ela deixou o quarto.
Algumas horas depois, alguém bateu à porta e
entrou. Era outra mulher.
envergonhada.
— Você acha que eu ganhei? É isso que você acha?
— Não foi isso que eu quis dizer.
— Foi exatamente o que você disse.
— Eu...
— Me deixa sozinho — pediu ele, virando-se
novamente para a janela.
De pé, a mulher não conseguia encará-lo.
— Eu...
questionou ele.
— Todo mundo pensa sobre isso. A questão é o
quanto pensa.
breve reflexão.
— Uma vez por semana, duas, todo dia?
riu.
isso?
— Às vezes — admitiu ela, dando uma tragada no
você está sexy, você está sexy; se você está com cara de
se compreendiam.
preciso mudar.
tema.
suspense.
— Fala logo!
horizontal...
— Tá, continua.
— Carona?
— É.
completou ele.
captar.
pensativa.
do veículo. — Pelo jeito você não pode sair por ali, né? —
disse ela.
parte do estacionamento.
uma pessoa.
aqui.
Sandro.
seguiu.
estava aberto.
— Obrigado.
— Parece importante.
— É sim.
temeroso.
do porta-malas.
abrir.
rapidamente?
O veículo entrou em movimento e aos poucos foi
— Vamos.
Dentro do carro, a única pergunta que o sujeito fez
— Alô?
— Oi.
— Quem é?
— Sou eu — disse ele de um jeito natural e logo
aguardou.
A porta se abriu.
— Sou eu — repetiu ele.
continuou ela.
— O quê?
não soubesse.
— Isso não tem importância mais.
parecer um astronauta.
— Eu estava pensando — disse ele — se o convite
— Foi.
Ela ficou em silêncio, desviou o olhar e depois
— Eu sei...
— Eu não sei nem por que a gente está falando
coisa dessas.
— Por quê?
grandes, brilhando.
— Coloca essa máscara — disse ela. — Ainda dá
tempo.
Ele riu.
— Quem disse que eu quero te beijar agora? — Ela
sorriu.
— Eu resolvi arriscar.
E ele ficou.
Naquela noite, quando ele e Adriana estavam
deitados na cama, nus, após se entregarem pela primeira
vez, o silêncio de um encontrou conforto no silêncio do
— Estou.
— A mãe iria gostar de saber disso.
— Sim, ela iria.
— Eu também estou. Mesmo não concordando.
— É justo.
— E o que você vai fazer agora?
Após falar com o filho, Sandro ligou para a empresa
dia”.
O trabalho na fazenda e no lar de acomodação era
igualmente desgastante, mas agora, quando voltava
para casa, ele se sentia de fato voltando para casa. Ele e
ex-parceiro.
Lúcio acompanhou a desconexão emocional de
Adriana ao lado de Sandro e, sempre que conseguia,
demorava-se um pouco mais nas sessões para fazer
companhia ao homem que agora já se permitia chamar
de amigo. Em um dos aniversários de Sandro, Lúcio ficou
um tempo maior. Eles pegaram a gravação de um jogo
de futebol de décadas atrás, de um time desconhecido,
arrepender?
— Do quê?
— De ter feito o que fez?
— De vir pra cá?
— É.
Sandro pareceu refletir sobre a questão, mas Lúcio
sabia que a hesitação era causada pelo avanço da
doença. Mesmo assim, o homem deu sua resposta,
para os três.
Algumas horas depois, após acomodá-los, antes de
deixar o quarto, Lúcio lançou um último olhar para eles.
Ele se sentia triste pelo apagar do amigo, mas sua
superbactérias,
a próxima pandemia
nossos.
João Cavalcante, grande amigo, irmão que a vida
tanta paciência.
tipográfico.
Tatiany Leite, Rejane Benvenuto e Rodrigo Tavares,
Capa
João Cavalcante
@joaocavalcante.art
Fotos
Gabriella Pontel
@gabypontel
Modelo
Mayara Marostica
@maymarostica
Caligrafia
Ivan Jerônimo
@ivanjeronimo
Ilustração
Daniel Rasello
@danielraselloart
Copidesque
Maria Lúcia A. Mayer
Revisão
Lígia Alves
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3
4
5
6
7
8
9
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11
12
13
14
15
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17
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31
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35
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42
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44
45
46
47
48
49
50
51
52
Posfácio
Agradecimentos
Créditos