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A primeira carta chegou no dia em que meu marido foi enterrado.

Foi carimbada na penitenciária estadual e continha uma única


frase:

Vou esperar para sempre, se for preciso.

Estava assinado por Dante, um homem que eu não conhecia.

Por simples curiosidade, escrevi de volta para perguntar o que ele


estava esperando, exatamente.

A resposta dele?

Você.

Eu disse ao homem misterioso que ele escreveu para a garota


errada.

Ele disse que não. Eu disse que nunca nos conhecemos, mas ele
disse que eu estava errada.

Nós íamos e voltámos trocando cartas a cada semana que se


tornavam cada vez mais íntimas.

Então, um dia, as cartas pararam. Quando descobri o porquê, já


era tarde demais.

Dante estava na minha porta.

E nada na terra poderia ter me preparado para o que aconteceu


depois.
O caminho para o paraíso começa no inferno.

~ A Divina Comédia
Está chovendo enquanto o caixão do meu marido está
descendo num buraco no chão. Chovendo forte, como se o próprio
céu estivesse prestes a se rasgar ao meio como o meu coração.

Fico imóvel sob um guarda-chuva com os outros enlutados,


ouvindo o padre tagarelar sobre ressurreição e glória, bênçãos e
sofrimento, redenção e o santo amor de Deus. Tantas palavras, e
todas tão sem sentido.

Tudo é sem sentido. Há um buraco no formato de Michael no


meu peito e nada mais importa.

Deve ser por isso que me sinto tão entorpecida. Estou vazia. A
dor me despedaçou, espalhando meus ossos em um deserto, onde
eles vão assar em silêncio sob um sol impiedoso por mil anos.

Uma mulher atrás de mim chora baixinho em seu lenço.


Sharon? Karen? Uma colega de Michael que conheci em uma festa
da faculdade há muito tempo. Uma daquelas horríveis festas de
fim de ano no auditório da escola onde servem vinho barato em
copos de plástico e as pessoas ficam em volta, conversando
constrangedoramente até ficarem bêbadas o suficiente para dizer
o que realmente pensam umas das outras.

Sharon ou Karen atrás de mim disse a Michael que ele era um


idiota naquela festa. Não consigo lembrar o porquê, mas
provavelmente é por isso que ela está chorando agora.

Quando alguém morre, você começa a contar todas as


maneiras com que falhou com eles.
O padre faz o sinal da cruz sobre o peito. Ele fecha a bíblia e
dá um passo para trás. Ando devagar para frente, abaixo-me para
pegar um punhado de terra da pilha ao lado, depois o jogo no
caixão fechado.

O amontoado de terra molhada faz um som oco feio quando


chega na tampa cinza do caixão, um respingo indiferente de
finalidade. Em seguida, ele desliza, deixando uma mancha marrom
para trás como uma mancha de merda.

De repente, estou tremendo de raiva. Sinto gosto de cinzas e


amargura na boca.

Que ritual estúpido é esse. Por que nos incomodamos? Não é


como se os mortos pudessem nos ver chorando por eles. Eles foram
embora.

Uma súbita rajada de vento frio sacode as folhas das árvores.


Eu me viro e vou embora pela chuva, sem olhar para trás quando
alguém soluça baixinho meu nome.

Preciso ficar sozinha com a minha dor. Não sou uma daquelas
pessoas que gostam de lamentar uma tragédia. Especialmente
quando a tragédia é minha.

Quando abro a porta da frente de casa, demoro um pouco para


perceber que estou em casa. Não me lembro do caminho do túmulo
até aqui, embora o ponto em branco no tempo não me surpreenda.
Desde o acidente, tenho estado em um nevoeiro. É como se meu
cérebro estivesse coberto por nuvens grossas.

Li em algum lugar que o luto é mais do que uma emoção. É


uma experiência física também. Todos os tipos de substâncias
químicas desagradáveis do estresse são liberados na corrente
sanguínea quando uma pessoa está de luto. Fadiga, náuseas,
dores de cabeça, tonturas, aversão alimentar, insônia... A lista de
efeitos colaterais é longa.

Tenho todas elas.

Chuto meus sapatos e os deixo embaixo da mesa de canto, na


entrada. Jogando meu casaco de lã nas costas de uma cadeira da
cozinha, vou até a geladeira. Abro a porta e fico olhando para
dentro enquanto a chuva bate contra as vidraças e tento me
convencer de que estou com fome.

Eu não estou. Sei que deveria comer para manter as forças,


mas não tenho apetite para nada. Deixo a porta se fechar e aperto
meus dedos contra minhas têmporas latejantes.

Outra dor de cabeça. Essa é a quinta esta semana.

Quando me viro, noto o envelope na mesa ao lado da fruteira.


Parado lá, um retângulo branco com caligrafia elegante e um selo
que diz “AMOR” em letras vermelhas.

Sei, com certeza, que não estava lá quando eu saí.

Meu primeiro pensamento é que Fiona deve ter trazido do


correio. Depois lembro de que ela limpa a casa às segundas-feiras.
Hoje é domingo.

Então, como foi parar lá?

Quando vou até a mesa e pego a carta, o estrondo de um trovão


sacode as janelas. Uma súbita rajada de vento assobia através das
árvores lá fora. A sensação estranha se intensifica quando leio o
endereço do remetente.

Penitenciária do Estado de Washington.


Franzindo a testa, abro a borda do envelope e puxo a única
folha de papel branco sem linhas. Desdobro e leio em voz alta.

“Vou esperar para sempre, se for preciso”.

É isso. Não há mais nada, a não ser uma assinatura riscada


depois das palavras.

Dante.

Viro a folha, mas está em branco do outro lado.

Por um momento fugaz, acho que a carta deve ser para


Michael. Essa ideia é deixada de lado quando percebo que é
dirigida a mim. É o meu nome bem na frente do envelope, impresso
em letras maiúsculas com caneta azul. Esse Dante, quem quer que
seja, queria que eu recebesse isso.

Mas por quê?

E o que ele está esperando?

Abalada, dobro a carta em três, coloco de volta no envelope e


sobre a mesa. Então, certifico-me de que todas as portas e janelas
estão trancadas. Puxo as cortinas e as persianas contra a tarde
cinzenta e úmida, sirvo uma taça de vinho e me sento à mesa da
cozinha, olhando para o envelope com uma estranha sensação de
mau presságio.

Uma sensação de que algo está vindo.

E que seja o que for, não é bom.


Quando me arrasto da cama de manhã, a dor de cabeça ainda
está comigo, mas a sensação opressiva de pavor se foi. Está cinza
e tempestuoso lá fora, mas a chuva parou. Por enquanto, pelo
menos. Está úmido e nublado o ano todo em Washington, e janeiro
é especialmente sombrio.

Tento trabalhar, mas desisto depois de apenas uma hora. Não


consigo me concentrar. Tudo que desenho parece deprimido. O
livro infantil que estou ilustrando é sobre um menino tímido que
faz amizade com um coelho que fala, mas hoje meu coelho parece
preferir tomar uma overdose de Percocet1 do que comer as
cenouras que o menino tenta alimentá-lo.

Abandonando minha mesa, vou para a cozinha. A primeira


coisa em que meu olhar pousa é a carta sobre a mesa. A próxima
coisa que noto é a água por todo o chão.

Durante a noite, o teto teve um vazamento. Dois, para ser


específica.

Eu sabia que deveríamos ter comprado algo mais novo.

Mas Michael não queria uma casa nova. Ele preferia casas
mais antigas com “caráter”. Quando nos mudamos para o Queen
Anne Victorian há seis anos, éramos recém-casados com mais
energia do que dinheiro. Passamos fins de semana pintando e
martelando, tirando carpetes velhos e remendando buracos em
drywall.

Foi divertido por cerca de três meses. Depois ficou cansativo.


Então se tornou uma batalha de vontades. Nós contra uma casa
que parecia determinada a permanecer em estado de decadência,
por mais que tentássemos melhorá-la.

1
Analgésico opioide;
Substituíamos um cano de água quebrado, então o aquecedor
se desligava. Renovávamos os antigos eletrodomésticos da
cozinha, depois encontraríamos mofo tóxico no porão. Foi um
carrossel interminável de reparos e substituições que drenaram
nossas economias e nossa paciência.

Michael tinha planejado substituir o telhado gotejante este


ano.

Às vezes me pergunto o que restará na minha lista de tarefas


quando eu morrer.

Mas me forço a pensar em outra coisa, porque já estou triste


o suficiente.

Trago dois baldes de plástico da garagem para a cozinha e os


coloco no chão sob os lugares em que o teto está pingando, depois
pego o esfregão. Leva quase uma hora para tirar toda a água e
secar o chão. Assim que estou terminando, ouço a porta da frente
abrir e fechar. Olho para o relógio do micro-ondas.

Dez horas. Bem na hora.

Minha governanta, Fiona, entra na cozinha. Ela dá uma


olhada em mim, deixa cair as sacolas plásticas de material de
limpeza que está segurando e solta um grito de gelar o sangue.

Uma prova de como estou exausta é que nem pulo com o som.

— Eu realmente pareço tão ruim assim? Lembre-me de colocar


um pouco de maquiagem antes de você vir na próxima semana.

Respirando com dificuldade, com o rosto branco, ela apoia um


braço no batente da porta e faz o sinal da cruz sobre o peito.
— Santo Deus! Você me deu um susto e tanto!

Eu franzo a testa para ela.

— Quem você estava esperando? Papai Noel?

Ao contrário do resto de seu corpo, sua risada é pequena e


fraca.

De ascendência escocesa, ela é roliça e atraente, com olhos


azuis brilhantes, bochechas rosadas e pernas fortes. Suas mãos
estão vermelhas e ásperas de anos de trabalho limpando casas.
Apesar de estar em algum lugar por volta dos sessenta anos, ela
tem a energia de uma mulher com metade de sua idade.

Ter ela me ajudando a manter a casa é um luxo caro, mas com


dois andares, mais de cinco mil pés quadrados, e o que parece ser
um milhão de cantos e recantos que acumulam poeira, a casa
precisa de limpeza constante.

Ela balança a cabeça, abanando-se.

— Uau! Você fez meu coração velho disparar, minha querida!


— Ela ri. — Faz algum tempo.

Então ela fica séria e me olha de perto, olhando para mim


como se ela não me visse em cem anos.

— Como você está Kayla?

Desvio o olhar. Não posso mentir enquanto olho diretamente


para aqueles olhos azuis penetrantes. — Estou bem. Apenas
tentando me manter ocupada.
Ela hesita, como se não tivesse certeza do que dizer. Então ela
exala e faz um gesto impotente em direção à janela e à visão turva
do Puget Sound. — Sinto muito pelo que aconteceu. Li no jornal.
Um grande choque. Há algo que eu possa fazer?

— Não. Mas obrigada. — Limpo minha garganta. Não chore.


Não chore. Controle-se. — Então não se preocupe com a cozinha
hoje, obviamente. Vou encontrar alguém para dar uma olhada no
vazamento, mas, enquanto isso, não faz sentido limpar aqui se vai
ficar molhado de novo. Meu escritório não precisa ser limpo esta
semana, e também…

Engulo em torno do nó na minha garganta. — Também pule o


escritório de Michael. Acho que gostaria de deixar como está por
um tempo.

— Entendo, — diz ela suavemente. — Então você vai ficar?

— Sim. Estarei aqui o dia todo.

— Não, eu quis dizer se você vai ficar na casa?

Há algo estranho em seu tom, um entrelinhas que não estou


entendendo, mas depois entendo. Ela está preocupada com a
segurança de seu emprego.

— Oh, eu não poderia vender agora. É muito cedo para tomar


uma decisão tão importante. Talvez em um ano ou dois, quando
as coisas parecerem mais definidas. Não sei. Honestamente, estou
apenas vivendo um dia de cada vez.

Ela acena. Ficamos em um silêncio constrangedor por um


momento até que ela aponta por cima do ombro.

— Vou começar a trabalhar agora.


— Ok. Obrigada.

Ela pega as sacolas de onde as deixou no chão e se vira para


ir embora. Mas ela vira de repente e diz: — Vou rezar por você,
querida.

Eu não me incomodo em dizer a ela para não perder o fôlego.

Sei que sou uma causa perdida, que nenhuma quantidade de


oração no universo pode me ajudar, mas isso não significa que eu
tenha que ser rude. Simplesmente mordo meu lábio, aceno e
engulo minhas lágrimas.

Quando ela sai, meu olhar pousa na carta sobre a mesa.

Eu não consigo dizer o que me leva a fazer isso, mas antes que
eu perceba, estou sentada escrevendo uma resposta. Rabisco no
verso da carta que Dante me enviou.

O que você está esperando?

Eu envio antes que eu perca a coragem. Demora uma semana


antes de eu obter uma resposta, e é ainda mais curta do que a
minha. Na verdade, é apenas uma palavra.

Você.

No canto inferior direito do papel, há uma mancha de algo seco


e cor de ferrugem que parece sangue.
Coloco a carta no fundo da gaveta de roupas íntimas e a deixo
lá, determinada a esquecê-la. Se vier outra, posso ligar para o bom
detetive que me interrogou depois do acidente e ver o que ele pensa
sobre isso. Talvez eu faça com que ele investigue esse personagem
de Dante e veja o que pode descobrir.

Dante Alighieri, de acordo com o nome no envelope, parece que


foi inteiramente inventado.

Enquanto isso tenho outras coisas com que me preocupar.

Além do novo vazamento no telhado, a casa também decidiu


que tem problemas elétricos.

O lustre da sala de jantar pisca. Ouço estalos e rangidos


quando aciono o interruptor de luz no quarto principal. De vez em
quando, a campainha toca quando ninguém está lá.

Tentei ligar para três carpinteiros locais diferentes, mas


ninguém me ligou de volta. Então agora estou esperando por um
faz-tudo, um cara chamado Ed. Encontrei seu cartão de visita no
fundo da gaveta de lixo da minha cozinha quando estava
procurando por uma caneta.

Não sei por que, mas estou esperando um homem mais velho
com a cabeça careca e barriga de cerveja usando um cinto de
ferramentas pendurado nos quadris. Em vez disso, o que recebo
quando abro a porta da frente é um jovem sorridente e esbelto,
com longos cabelos castanhos afastados do seu rosto por uma
faixa de couro trançada. Ele está vestindo uma camiseta de John
Lennon, calça boca de sino desbotada e sandálias, e segura uma
caixa de ferramentas de metal enferrujada em uma das mãos.

Ele cheira a maconha.

— Ei. Você é Kayla?

— Esta sou eu.

Sorrindo, ele estende a mão. — Eu sou Eddie.

Retribuo seu sorriso, e apertamos as mãos. Ele parece meigo


e inofensivo, duas coisas que gosto em qualquer homem que
permito entrar em minha casa enquanto estou aqui sozinha.

— Entre. Vou te mostrar a casa.

Ele me segue até a cozinha, comentando o quão legal ele acha


que a casa é.

— Legal, mas desmoronando um pouco mais a cada dia. —


Gesticulo para os dois anéis marrons de manchas de água no teto
da cozinha.

— Sim, essas casas antigas precisam de muito amor e carinho.


— Ele estica o pescoço para olhar para as manchas. —
Especialmente com a umidade aqui. Você tem problemas de mofo?

— Não mais. Cuidei disso alguns anos atrás. Agora é o


vazamento no telhado e a parte elétrica. — Dou a ele uma visão
geral do que está acontecendo com as luzes e a campainha. —
Além disso, sinto cheiro de algo queimando quando ligo a
secadora. E a TV às vezes desliga sozinha. Ah, e algumas lâmpadas
estouraram recentemente.
Um súbito vento frio levanta os pelos dos meus braços e nuca,
e envia um arrepio pela minha espinha. Tremendo, esfrego minhas
mãos sobre os arrepios em meus braços.

Eu deveria pedir a ele para dar uma olhada ao redor das


janelas enquanto ele está aqui. Mas as primeiras coisas primeiro.
— Deixe-me mostrar onde está o painel elétrico.

Eddie me segue até a despensa nos fundos da casa ao lado da


garagem. A lavadora e a secadora estão lá, junto com armários
contendo uma mistura de utensílios domésticos.

Colocando sua caixa de ferramentas no chão, Eddie abre a


porta de metal no painel elétrico e faz uma rápida varredura visual
dos interruptores.

— Vou verificar a tensão primeiro, ver se o disjuntor está


funcionando na capacidade correta. Depois vou verificar a
condição da fiação. Você pode ter danos causados pela água ou
desgaste que podem causar problemas. Então vou verificar todas
as suas tomadas, ter certeza de que não estão comprometidas.
Onde está o medidor?

— Do lado de fora da porta da garagem.

Ele concorda. — Certo. Vou dar uma olhada nisso também.


Devo levar uma hora ou mais para passar por tudo, depois darei
uma estimativa para os reparos. Parece bom?

— Parece ótimo, obrigada. Para entrar no sótão, o acesso é no


segundo andar pelo armário do quarto principal. A escada está na
garagem.

— Legal.
— Grite se você precisar de mim. Estarei por perto.

— Certo.

Eu o deixo e vou para o meu escritório. Consigo trabalhar por


um tempo antes que a dor de cabeça comece. É um latejar maçante
ao redor das minhas têmporas e uma pressão atrás dos meus
olhos tão forte que os faz lacrimejar. Deito-me no pequeno sofá
com as persianas fechadas e as luzes apagadas até Eddie aparecer
na porta com sua caixa de ferramentas.

— Ah, desculpe, senhora. Não sabia que você estava dormindo.


Eu só ia checar as tomadas aqui.

Desorientada, sento. — Eu não estava dormindo. Apenas


descansando meus olhos. Estou com uma terrível dor de cabeça.

Ele acena em solidariedade. — Eu costumava ter enxaquecas


loucas.

Costumava, passado. Sinto uma estranha pontada de


esperança. — Você encontrou algo que ajudou? Nada que eu tomo
faz efeito.

— Você vai rir. Importa-se se eu acender as luzes?

— Vá em frente. E não vou rir, prometo. Estou muito


desesperada.

Quando Eddie aperta o interruptor e a luz inunda a sala,


estremeço. Tento ficar em pé, mas descubro que estou muito tonta.
Afundo de volta ao sofá, fecho meus olhos e cuidadosamente
aperto a ponta do meu nariz.

Quando comi pela última vez? Não consigo me lembrar.


Eddie anda de um lado para o outro, procurando tomadas. Ele
é tão magro que seus passos são silenciosos. Conheço gatos que
faziam mais barulho.

— Depois que comecei a ver um terapeuta, as dores de cabeça


desapareceram. Puf, cara. Desapareceu. Acontece que eu tinha
muitas emoções reprimidas.

Abro os olhos para encontrá-lo agachado debaixo da minha


mesa com um pequeno medidor de energia na mão. Ele o enfia na
tomada elétrica, espera um momento enquanto lê o que quer que
esteja dizendo, então se levanta e se move para a próxima tomada
onde repete o processo.

— Doença psicossomática, como chamam. Seu cérebro


literalmente te deixa doente. O estresse é tão tóxico. Incomum, não
é?

— Incomum, — concordo, perguntando-me se ele mora em


uma commune ou co-op2. Eles estão por toda Washington e na
área de Seattle, grupos de vida comunitária iniciados nos anos 60
de amor livre, onde as pessoas compartilham moradia e recursos
e evitam coisas modernas como telefones celulares e alimentos
transgênicos.

Sou muito reservada para viver tão perto de pessoas com quem
não faço sexo, mas não julgo as escolhas de vida de ninguém.

De pé, ele se vira para olhar para mim. — Posso te dar o nome
do meu médico se você quiser. A menos que você não ache que o
estresse possa ser um problema para você.

2
Uma commune tende a ser autogerida, mais como uma co-op. Mas ao contrário das co-op, que pelo
menos em Nova York possui termos imobiliários, descreve um grupo que co-gerencia um prédio de
apartamentos mas que vive em grande parte vidas separadas, nas commune os moradores compartilham a
maioria de seu espaço e recursos;
— Perder meu marido conta como estresse?

Eu não sei por que disse isso. Ou por que disse ironicamente.
Normalmente não uso meu coração na manga, e não sou
sarcástica como Michael era. Ele lidava com coisas depressivas ou
mórbidas com humor negro que às vezes parecia insensibilidade,
mas eu sabia que era apenas um mecanismo de enfrentamento. O
homem era um marshmallow.

Confuso, Eddie me encara. — Você o perdeu?

Ninguém pode ser tão burro. — Ele morreu.

Agora ele parece ferido. — Ah, cara. Sinto muito.

— Obrigada.

— Foi recente?

— Véspera de Ano Novo.

— Puta merda! Isso foi apenas algumas semanas atrás!

Eu deveria parar de falar agora. Cada palavra que sai da


minha boca deixa o pobre Eddie cada vez mais triste.

Sempre tive um problema de empatia excessiva com outras


pessoas, que é uma das razões pelas quais costumo guardar as
coisas para mim. As emoções de todo mundo empilhadas em cima
das minhas podem ser sufocantes às vezes.

— Sim. De qualquer forma, — Consigo ficar de pé dessa vez,


então evito os olhos de Eddie enquanto digo: — qual é o veredito?

Em sua pausa, sinto-o me olhando. Lendo a rigidez do meu


corpo e o tom artificialmente brilhante da minha voz. Talvez ele
também seja empático, porque fica com pena de mim e muda de
assunto.

— Bem, esse vazamento no telhado é uma chatice. Está vindo


do deck do telhado pela torre, o que significa que você terá que
remover as telhas e cortar a madeira para consertar o vazamento.
Entre as empenas, a torre e a inclinação íngreme do telhado em si,
vai ser um grande trabalho, lamento dizer. Você definitivamente
vai ter que trazer um especialista.

Meu coração afunda. Sempre que um especialista se envolve,


o preço sobe. — Tentei ligar para três reparadores de telhados
diferentes antes de encontrar você, mas não consegui falar com
ninguém.

Ele ri, balançando a cabeça. — Sim, não sei por que, mas os
reparadores de telhados são notoriamente esquisitos. Eu te faria
uma recomendação, mas não conheço ninguém em quem confie
com um trabalho como esse.

— Ok. Obrigada de qualquer maneira. Vou continuar


tentando. Eu esperava evitar ligar para uma empresa de Seattle
porque eles são muito caros, mas acho que tenho que fazer isso.

Depois de um momento, ele diz gentilmente: — Se você quiser,


posso ver a cotação que você receber. Você sabe, ver se não está
sendo enganada.

Porque estou sozinha, ele quer dizer. Porque não terei um


homem por perto para negociar por mim.

Porque alguém na minha posição – de luto, desorientada,


desesperada – é alvo de golpes.
Quando ele sorri, sei que ele não está tentando flertar comigo.
Ele é apenas um cara genuinamente legal tentando ajudar alguém
que ele pode perceber que está em perigo.

Se ao menos o mundo inteiro fosse feito de pessoas tão gentis.

— Isso é muito gentil da sua parte, Eddie. Mas posso lidar com
isso. Eu venho de uma longa linhagem de garotas de Jersey
arrasadoras.

Seu sorriso se transforma em uma risada. Ele tem um dente


da frente torto, o que é estranhamente cativante. — Conheci uma
dessas uma vez. Ela tinha apenas 1,60m, mas me assustou pra
caramba.

Eu sorrio para ele. — Mesmo pequenos dragões ainda podem


cuspir fogo.

— Isso é verdade.

— E a parte elétrica? É ruim, não é?

Ele dá de ombros. — Não. Tudo resolvido.

Eu o encaro incrédula. — O que você quer dizer com resolvido?

— Quero dizer que não há nenhum problema. A corrente está


forte, os disjuntores não estão desarmando, não encontrei
nenhum desgaste na fiação, não há curto circuito, pontos
esquentando, tomadas que não funcionam ou conexões soltas... —
Ele dá de ombros novamente. — Tudo parece ótimo.

— Isso não pode estar certo. E as luzes piscando?


— Pode ser um problema com a rede elétrica local. Você pode
perguntar a um vizinho se a mesma coisa está acontecendo com
eles. Parte da rede por aqui têm mais de um século. Seja qual for
a causa, não está vindo de dentro da casa.

— E as lâmpadas estourando? Isso definitivamente não é


normal.

— É mais comum do que você pensa. Ou o fabricante não


colocou isolamento suficiente na base para que o fio não
superaquecesse, ou havia uma conexão frouxa entre a lâmpada e
a tomada que causou a alteração da corrente. Apenas certifique-
se de não comprar lâmpadas baratas de agora em diante, e
também se certifique de que elas estejam bem apertadas.

Estou ficando um pouco irritada. Será que ele checou a fiação


ou ficou no sótão fumando maconha o tempo todo?

— Ok, mas a campainha toca quando ninguém está lá. E o


cheiro de queimado quando ligo a secadora? Como você explica
isso?

Ele hesita. Sinto-o escolhendo cuidadosamente suas palavras.

— Quero dizer... você tem estado sob muito estresse


ultimamente, cara. — Ele acrescenta timidamente: — E com seu
marido e tudo mais.

Por um momento, não entendo. Depois entendo, e tenho que


respirar antes de falar para não morder sua cabeça. — Minha
mente não está pregando peças em mim, Eddie. Não estou
alucinando problemas elétricos.

Desconfortável sob meu olhar, ele se mexe de um pé para


outro. — Não estou tentando ser desrespeitoso. Tudo o que posso
dizer é que quando eu estava em um lugar ruim, pensei ter ouvido
vozes sussurrantes e vi sombras se moverem.

— Algo disso aconteceu enquanto você estava sob a influência


de substâncias que alteram a mente?

Sua expressão é de dor, o que considero um sim.

De qualquer forma, acho que nosso relacionamento comercial


chegou ao fim. Talvez quem eu conseguir para fazer o telhado
possa recomendar um eletricista que esteja sóbrio. — Deixa para
lá. Obrigada por vir conferir. O que eu devo a você?

Ele enfia o pequeno medidor de energia no bolso de trás de sua


calça jeans, se abaixa para pegar sua caixa de ferramentas no
chão, endireita-se e balança a cabeça. — Nada.

— Não, isso não está certo. Você deve ser recompensado pelo
seu tempo.

Seu sorriso está torto. Ele joga o cabelo comprido sobre o


ombro. — Agradeço, mas é minha política que, se eu não encontrar
um problema, a visita é gratuita.

Tenho uma pequena suspeita de que ele acabou de inventar


essa política na hora porque sente pena de mim. — Tem certeza?
Não quero tirar vantagem.

— Não, nós estamos bem. Mas talvez se um de seus amigos


precisar de um faz-tudo...?

— Eu vou recomendar você. Pode apostar. Obrigada, Eddie, eu


realmente valorizo isso.
Ele sorri para mim, mostrando aquele dente torto. — Estou
indo, então. Tome cuidado agora, ok? E me ligue se quiser o nome
do meu médico. Ele é realmente o melhor.

Forço um sorriso e minto. — Eu vou. Obrigada novamente.

— Vou sair. Até a próxima.

Ele sai. Quando ouço a porta da frente abrir e fechar, vou atrás
dele para ter certeza de que está trancada. Depois vou até a
cozinha pegar um copo de água, mas paro quando vejo o envelope
sobre a mesa.

Mesmo do outro lado da sala, posso ver o carimbo de AMOR


no canto e a impressão grossa em caneta azul soletrando meu
nome.

Minha respiração fica presa na garganta. Meu coração começa


a bater. Minhas mãos firmes começam a tremer.

Então todas as luzes do teto da cozinha ficam mais brilhantes.

Com um zumbido agudo, elas piscam e se apagam.


Querida Kayla,

Você não respondeu à minha última carta, o que eu entendo,


porque você acha que nunca nos conhecemos. Você está errada. Eu
poderia aborrecê-la com os detalhes, mas por enquanto apenas
confie que eu conheço você.

De todas as maneiras que uma pessoa pode conhecer outra, eu


conheço você.

Conheço sua aparência, seu som, seu gosto e seu cheiro.

Conheço suas trevas mais escuras e suas luzes mais claras.

Conheço seus sonhos, seus pesadelos e todos os segredos que


você já manteve escondidos, todos aqueles desejos sem nome que
você nunca admitiu nem para si mesma.

Conheço a forma da sua alma.

Eu sei que suas mãos tremem ao ler essas palavras, e seu


coração bate tão rápido quanto as asas de um beija-flor. Sei que
você quer rasgar esta carta, e também sei que não vai.

Como eu preciso te tocar. Como eu preciso ouvir sua voz. Não


posso, claro, porque eu estou aqui e você está aí, mas a distância
não faz a saudade passar.

Ainda posso sentir o gosto da sua pele.

Dante
Fico ao lado da janela da cozinha com a carta nas mãos e a
leio novamente à luz cinzenta da tarde. Então novamente. Então,
mais uma vez, porque é tão bizarro, meu cérebro se recusa a
apresentar qualquer explicação plausível para isso.

Provavelmente porque não existe.

As luzes do teto piscam novamente, iluminando a sala.

Jogando meus braços no ar, digo para o teto: — Eu gostaria


que você tivesse feito isso quando o Sr. Tudo Está Bem Eddie
estava aqui!

Depois dobro a carta, coloco-a de volta no envelope, coloco-a


sobre a mesa e me sirvo de uma taça de vinho tinto. Engulo,
decidindo por impulso que preciso ter certeza de que a casa está
segura. Vou de quarto em quarto, verificando as travas das janelas
e as fechaduras das portas até que esteja satisfeita de que estou
bem trancada.

Depois disso, sento-me à mesa da cozinha e faço uma lista. Eu


sempre penso melhor com uma caneta na mão.

POSSÍVEIS EXPLICAÇÕES

 Alguém está fodendo com você.


Eu imediatamente risco isso, porque obviamente alguém está
fodendo comigo. A pergunta é por quê? E por que agora?

 Esse Dante viu a matéria no jornal sobre o acidente.

 Ele busca dinheiro.

 Ele está tentando dar um golpe na viúva solitária.

Assim que escrevo isso, acho que acertei.

Ele está na prisão, afinal. Para chegar lá, ele teve que fazer
algo ruim. Assim, o homem tem o que poderia ser educadamente
chamado de moral comprometida. Ele provavelmente vasculha a
seção de obituário dos jornais e envia essas cartas para novas
viúvas em todo o lugar, esperando que uma delas morda a isca e
escreva de volta para que ele possa iniciar um relacionamento e
seduzi-la a enviar grandes somas de dinheiro.

Mas a carta é muito estranha para ser uma isca. E muito


específica. Ele deveria ter dito que era um cara solitário
procurando um amigo por correspondência, não que ele ainda
podia sentir o gosto da minha pele.

Ou que ele conhece a forma da minha alma.

O que isso significa, afinal? O que isso significa?

— Nada, — murmuro, olhando para o envelope. — É uma


fraude.

Não levo em consideração o mistério de como uma carta


chegou à minha mesa da cozinha sem eu saber como – de novo –
porque suspeito que estou tendo mais lapsos de memória e a
trouxe da caixa de correio eu mesma.

Consolo-me um pouco com o fato de que a carta do misterioso


Dante não tem nenhum tom de hostilidade. Reconhecidamente
assustadora com todo o negócio de “eu conheço você”. Pelo menos
ele não está me ameaçando.

Embora eu acredite que ele não seria capaz. Acho que li em


algum lugar que a correspondência da prisão é monitorada. Ele
provavelmente teria problemas se tentasse enviar uma ameaça
violenta pelo correio.

Não que ele tivesse uma razão para enviar uma ameaça.
Michael não tinha nenhum inimigo, e nem eu. Nós somos um casal
comum de classe média, ao mesmo tempo sobrecarregados e
cansados, então nossa ideia de diversão é aconchegar-se no sofá
para assistir a um filme nas noites de sexta-feira.

Era. Nossa ideia de diversão era assistir a um filme juntos.

Nunca mais faremos isso.

O aperto repentino no meu peito torna impossível respirar.


Tonta, descanso a cabeça nos antebraços e escuto a chuva
batendo nas janelas como mil unhas.

— Ele é apenas um criminoso idiota que está tentando atacar


uma mulher vulnerável, — digo ao tampo da mesa.

Não me faz sentir melhor. Na verdade, isso me faz sentir pior.

Quem esse cara pensa que é, mandando-me essa porcaria?

Quem quer que ele seja, claramente tem problemas mentais.


Sento de repente. Talvez seja isso. Talvez ele não esteja
tentando me enganar.

Talvez o misterioso Dante esteja simplesmente louco.

Não tenho certeza do que sinto mais: empatia ou apreensão.


Quer dizer, se o coitado só está preso porque tem algum tipo de
doença mental que não foi diagnosticada e deveria mesmo ser
medicado, não encarcerado, isso é uma coisa.

Por outro lado, ele fez algo para se colocar na prisão. E se fosse
algo violento?

Ele pode ser perigoso.

Retiro a carta do envelope e a leio novamente. Um impulso


estranho me faz levantá-la até o nariz e cheirar.

Um leve cheiro de cedro e fumaça enche minhas narinas. E


algo mais, terroso e almiscarado, como o cheiro de um homem.

Ou um animal.

O pensamento me perturba. Dobro a carta rapidamente e a


coloco no envelope, depois levo para o meu quarto e coloco na parte
de trás da minha gaveta de roupas íntimas.

Então, desço, entro no meu computador e faço uma busca por


reparadores de telhados em Seattle.
Quando a campainha toca dois dias depois, estou na
lavanderia, dobrando toalhas. Vou até a porta da frente, esperando
que uma pessoa real esteja lá desta vez quando eu a abrir.

Há.

E ele é tudo o que o gentil e sorridente Eddie não é.

Sua altura e tamanho são imediatamente intimidadores,


assim como sua expressão pétrea. Ele tem cabelos escuros, olhos
escuros e uma barba escura cobrindo uma mandíbula quadrada.
Vestindo jeans desbotados, botas de trabalho surradas e uma
camisa caçador verde de botão enrolada nos antebraços
musculosos tatuados, parece que ele acabou de sair da floresta
depois de construir uma cabana com a árvore que ele cortou com
um machado.

Para minha grande surpresa, eu o acho sexy.

É surpreendente porque ele não é meu tipo. Eu gosto do tipo


limpo de Wall Street. Um homem com um ou dois diplomas
avançados, excelente higiene e uma sólida compreensão de como
um 401(k) funciona.

Esse cara parece o fundador de um clube de luta clandestino.

Ele fica na porta olhando para mim em silêncio intenso até que
eu digo: — Posso ajudá-lo?

— Aidan.

Quando fica claro que é tudo o que ele vai dizer, presumo que
esteja procurando por alguém chamado Aidan que ele acha que
mora nesta casa.
— Desculpe, não há nenhum Aidan aqui.

Sua expressão de pedra pisca com o que parece ser desprezo.


— Eu sou Aidan. Da Seattle Roofing. — Ele aponta o polegar por
cima do ombro, indicando a caminhonete branca na entrada da
garagem com o nome da empresa estampado na lateral em letras
vermelhas.

Envergonhada, rio. — Oh! Desculpe, pensei que você não viria


até a próxima semana.

— Tinha uma vaga na agenda, — diz ele sem um traço de


cordialidade. — Pensei em passar por aqui. Se este é um momento
ruim...

— Não, não, é ótimo, — eu interrompo, abrindo mais a porta.


— Por favor entre.

Ele atravessa o limiar. Instantaneamente, o foyer parece


menor. Fecho a porta atrás dele e gesticulo em direção à cozinha.

— Eu vou te mostrar onde estão os vazamentos, se você quiser


começar por lá?

Ele responde com um aceno sem palavras.

Sinto como se um lobo raivoso estivesse me seguindo


enquanto caminhamos para a cozinha. Não, não um lobo. Algo
maior e ainda mais perigoso. Um gorila, talvez. Ou um leão.

— Então, é ali que a água está entrando, — digo, apontando


para o teto da cozinha. — Eu chamei um faz-tudo para ver a parte
elétrica. Ele também deu uma olhada no telhado e disse algo sobre
o deck precisar ser cortado e substituído perto da torre.
Aidan não olha para o teto. Seu olhar frio e firme permanece
fixo em mim.

— Você consertou a parte elétrica?

— Não. Na verdade, não.

— Qual deles? Não ou na verdade não?

Ele não sorri quando diz isso. Não há nenhum indício de


brincadeira em seu tom ou expressão.

Ele não é exatamente hostil, só que estou tendo a impressão


de que ele prefere estar em qualquer outro lugar do mundo do que
aqui.

Levo um momento para responder, porque não tenho certeza


se quero esse cara na minha casa. Estou achando-o cada vez mais
irritante.

— O faz-tudo disse que não conseguiu encontrar nenhum


problema com a fiação, mas ainda estou tendo problemas.

Aidan resmunga. — Vou dar uma olhada nisso.

— Você também faz a parte elétrica?

Seus olhos escuros encontram os meus. — Eu faço tudo.

Ele diz isso sem rodeios, como se eu tivesse insultado


profundamente sua masculinidade. Como se ele não pudesse
acreditar que eu não adivinhei, só de olhar para ele, que ele é o
Capitão Capaz.

Eu gostaria que mais alguém estivesse aqui para que eu


pudesse me virar e perguntar a uma pessoa razoável qual eles
acham que é o problema de Aidan, mas já que estou sozinha, vou
ter que descobrir sozinha.

— Você imita uma pessoa que sabe ser educada? Isso pode ser
útil de vez em quando. Como agora, por exemplo.

Suas sobrancelhas se fecham sobre os olhos. — Você quer sua


casa arrumada ou quer fazer uma festa do chá, senhora?

Seu tom rude faz meus pelos arrepiarem. — Eu não faço festas
do chá com animais selvagens. E sim, eu gostaria que minha casa
fosse consertada, mas não pago as pessoas para serem más
comigo. Além disso, meu nome é Kayla. Caso você não tenha
notado, as mulheres são indivíduos reais. Então você vai agir como
um ser humano agora ou vai embora?

Ele morde de volta qualquer insulto que está preparando e me


encara com raiva. Então ele olha para as manchas no teto e exala
uma respiração lenta.

— Desculpe, — diz ele, sua voz rouca. — Tem sido um par de


semanas ruins.

Quando ele engole e um músculo em sua mandíbula aperta,


sinto-me como uma idiota.

É fácil esquecer que todo mundo tem problemas quando você


está tão presa aos seus.

Digo baixinho: — Sim, eu entendo.

Ele olha para mim. Cautelosamente, como se ele não tivesse


certeza se estou prestes a lhe dar um tapa ou não, o que me faz
sentir pior.
— Ouça, vamos recomeçar. — Estendo minha mão. — Oi. Eu
sou Kayla Reece.

Ele olha para minha mão. Algo parecido com um sorriso


levanta os cantos de sua boca, mas desaparece antes que ele se
comprometa a ficar.

Ele pega minha mão e a aperta solenemente. — Prazer em


conhecê-la, Kayla. Aidan Leighrite.

Sua mão é enorme, áspera e quente. Como o resto dele, exceto


pela parte quente.

Eu sorrio e solto sua mão. — Ok. Agora que tudo isso está fora
do caminho, você pode me ajudar com meu telhado? Estou
desesperada.

Ele inclina a cabeça e me considera. — Você sempre supera as


coisas tão rápido?

Uma imagem do caixão de Michael descendo lentamente no


chão passa pela minha mente. Meu sorriso morre. Um nó se forma
na minha garganta. Digo com firmeza: — Não.

O olhar de Aidan se aguça. Não suporto deparar-me com seu


olhar penetrante. De repente, só preciso ficar sozinha. Já posso
sentir a pontada quente das lágrimas formando-se em meus olhos.

Dando um passo para trás, cruzo os braços sobre o peito e


digo: — O acesso ao telhado fica no armário do quarto principal.
No andar de cima, primeira porta à direita. Vou deixar você dar
uma olhada por aí. Por favor, dê-me licença.

Eu me viro e o deixo parado no meio da minha cozinha.


Mal consigo chegar ao meu escritório e fecho a porta atrás de
mim antes de cair em lágrimas.
Caro Dante,

Eu não tenho nenhum dinheiro, então vá pegar outra pessoa se


é isso que você está procurando. Sério, estou quebrada.

Quem é você? O que você quer? Por que você entrou em contato
comigo? Você disse que me conhece, mas está errado. Não conheço
ninguém com o seu nome, muito menos alguém na prisão.

Eu não estou julgando você, você sabe. Mas eu gostaria de


saber o que você fez para chegar aí.

Na verdade, esqueça. Só estou escrevendo agora para pedir que


pare de me escrever. Se você enviar outra carta, darei ao meu amigo
detetive e o deixarei lidar com você.

Sinceramente,

Kayla
Demoro um pouco para me recompor, jogo água da torneira
do banheiro no rosto e enxugo os olhos. Coloco um selo em um
envelope, coloco a carta dentro, fecho-a e levo-a para a caixa de
correio.

Quando volto para a cozinha, Aidan não está à vista. Entro na


lavanderia e termino de dobrar as toalhas, volto para a cozinha e
esvazio os baldes de plástico na pia, recoloco-os no chão sob os
pingos, depois olho para a geladeira em busca de algo que sei que
não vou comer porque não tenho apetite.

Morreu com meu marido, junto com todo o resto.

Fecho a porta, encosto a testa nela, fecho os olhos e suspiro.

É assim que Aidan me encontra.

— Você está bem?

Olho para encontrá-lo parado na porta da cozinha, olhando


para mim com o que pode ser preocupação. Ou alarme, não sei
dizer.

— Honestamente? Não estive menos bem em provavelmente


nunca. — Franzo a testa. — Isso foi uma dupla negativa?

Aidan diz: — Não importa. Eu entendi. Você não está bem.

Se ele for como a maioria dos homens que conheço, ele prefere
mastigar o próprio braço a ouvir os detalhes, então mudo de
assunto. — Ficarei melhor se você me disser que pode consertar
meu telhado.

— Eu posso consertar seu telhado.

— Oh. Sério?

Sua expressão azeda. Insultei sua masculinidade novamente.

— Desculpe. É só que não tive nenhuma boa notícia


ultimamente, então estou feliz em ouvir isso.

Ele examina minha expressão. — Você não parece feliz.

— Não estou. Era uma figura de linguagem.

Nós nos encaramos em silêncio até que ele diz: — Você vai ficar
menos feliz quando eu lhe disser quanto vai custar.

— Eu deveria estar sentada para isso?

— Não sei. Você tem facilidade para desmaiar?

Levanto minhas sobrancelhas. — Eu perguntaria se você


estava fazendo uma piada, mas tenho certeza de que o humor não
está em você.

— Você não me conhece. Eu poderia ser engraçado.

Nós olhamos um para o outro. Nenhum de nós sorri. Essa


tatuagem de caveira no pescoço parece estar sorrindo para mim.

Pergunto: — Você é engraçado?

Sem perder o ritmo, ele diz: — Não.


Não consigo evitar: rio. — Excelente. Então eu não estou feliz
e você não é engraçado. Este projeto deve ir muito bem.

— Fora que acabei de fazer você rir, então talvez eu seja hilário
e você esteja feliz.

Quando apenas olho para ele, ele diz: — Você foi por um
segundo, de qualquer maneira.

Isso é estranho? Não consigo dizer se isso é estranho ou não.


Sentindo-me estranha e constrangida, a garganta. — Bem.
Obrigada por isso.

— Sem problemas. Será por volta de dez mil.

É uma mudança de assunto tão rápida, que meu pobre


cérebro leva um momento para perceber que ele está falando sobre
o preço que cobrará para consertar o telhado. — Dez... mil?

— Sim.

— Dólares?

— Não, conchas. Claro que dólares.

Faço uma careta para ele. — E você diz que é engraçado.

— Vou anotar o orçamento. — Sem outra palavra, ele se vira e


sai da casa.

Não tenho ideia se ele está saindo e enviará o orçamento ou o


quê, mas ele volta sem bater e se senta na minha mesa da cozinha
com um bloco de papel. Ele começa a rabiscar nele.

Ele é tão grande que faz com que a mesa e as cadeiras pareçam
pertencer a uma classe de jardim de infância.
Quando ele rasga o pedaço de papel do bloco e o estende para
mim, eu pego e olho. — A mão de obra é oito mil, mas os materiais
são apenas dois?

Ele se recosta na cadeira e cruza os braços sobre o peito. — Se


você quiser, trago todos os materiais e você pode fazer isso sozinha.

Espertinho. — O que eu quero é um preço justo.

— Esse é um preço justo.

— Como seu trabalho pode ser tanto?

— Você é uma especialista em preços de construção?

— Não, mas sou uma especialista em besteira. — Balanço meu


pulso, apontando o papel. — E isso é besteira.

Ele olha para o meu anel de casamento. — Pergunte ao seu


marido se você não acredita em mim. É um orçamento justo.

Uma onda de calor sobe pelo meu pescoço. Meu coração


começa a bater no meu peito. Segurando seu olhar, digo
rigidamente: — Sou perfeitamente capaz de fazer julgamentos por
conta própria.

Seus olhos se estreitam. Mas não como se estivesse com raiva,


mas como se estivesse tentando me entender.

Então as luzes da cozinha piscam, lembrando-me de que essa


besta grosseira é a única pessoa que retornou minhas ligações
além de Eddie, o hippie que adora maconha, então talvez eu não
devesse expulsá-lo da minha cozinha ainda.
Puxo uma cadeira e sento em frente a ele. — Eu não tenho dez
mil dólares.

Ele não diz nada. Ele simplesmente me encara.

Ah, como eu gostaria de pegar seu orçamento e picotar todinho


em cima dos seus braços.

Não que você pudesse ver o papel picado com todas as


tatuagens, mas ainda assim. Seria satisfatório.

— Não estou mentindo para você, Sr. Leighrite. Não tenho dez
mil dólares.

— É Aidan. E como você está morando em uma casa desse


tamanho se você não tem dinheiro?

— Essa é uma pergunta muito pessoal que não vou responder.


E eu nunca disse que não tinha dinheiro. Eu disse que não tenho
dez mil dólares.

Ele se inclina, apoia aqueles grandes antebraços tatuados na


mesa e entrelaça os dedos. — Então, estamos negociando.

Sua intensidade é formidável, mas não quero que ele pense


que está me intimidando. Sento-me mais ereta na cadeira e levanto
o queixo. — Você diz que negociar é sua coisa favorita.

— É.

— Hum. Eu teria imaginado clientes em potencial


encantadores com seu incrível senso de humor.

— Não. Essa é a minha segunda coisa favorita.


Estamos nos encarando novamente. Mais uma vez, nenhum
de nós está sorrindo.

Por fim, digo: — Quatro mil.

Sua bufada indica o que ele pensa do meu lance inicial.

— É o dobro do seu custo de materiais.

— Eu sou capaz de fazer matemática básica, obrigado. Dez mil.

— Achei que estávamos negociando.

— Nós estamos.

— Então você não pode continuar dizendo o mesmo valor.

— Quem disse?

— Eu!

— Sorte minha não ser você quem está em vantagem aqui.

Olho para ele indignada e com minha boca aberta. Então


acontece uma coisa estranha: ele sorri.

— Eu só queria ver o que você faria quando eu dissesse isso.

Eu gostaria de atropelá-lo com meu carro. Digo com firmeza:


— Quatro e quinhentos.

— Nove mil, novecentos e noventa e nove.

— Só pode estar de brincadeira comigo.

— Já concordamos que não tenho senso de humor.


— Se você vai cair um dólar toda vez que negociamos,
ficaremos aqui até o próximo ano.

Seu olhar está reto e sua voz fria. — Você tem outro lugar para
estar, Kayla?

Ele está fodendo comigo? O que exatamente está acontecendo?

Outro estrondo de trovão faz as janelas da cozinha tremerem


em seus portais. A chuva começa a cair com mais força, batendo
no telhado. Os pingos caindo nos baldes no chão ganham
velocidade, pequenos ploop ploop ploop que parecem zombar de
mim.

Como o Sr. Personalidade aqui.

— Não posso pagar dez mil dólares para consertar meu


telhado. Ou nove mil, novecentos e noventa e nove, também.
Então, obrigado pelo seu tempo. — Deixo o orçamento na mesa,
fico de pé e olho para ele. — Eu acompanho você até a saída.

Ele olha para mim. Seus olhos escuros estão calculistas. — E


se eu acrescentar a parte elétrica?

— Isso é generoso, mas não fará dinheiro aparecer na minha


conta bancária magicamente. Prazer em conhecê-lo. Vou te
mostrar a saída.

Eu me afasto, esperando que ele se levante e me siga. Quando


ele não segue, paro e me viro.

Ele ainda está sentado na minha mesa da cozinha. Ele nem


está olhando para mim, está apenas observando a água pingar nos
baldes no chão.
— Sr. Leighrite.

Sem virar a cabeça, ele diz: — É Aidan. E se você puder pagar


cinco mil, conheço um cara que pode ajudá-la.

Eu penso sobre isso. — Ele é profissional?

Ele faz um pequeno movimento de cabeça, uma sacudida que


parece indicar seu espanto com minha estupidez.

Digo irritada: — Não vou deixar ninguém trabalhar na minha


propriedade sem licença e seguro. Tenho certeza de que não
preciso repassar todas as razões.

Seus ombros sobem e descem enquanto ele inspira e expira.


Ele passa a mão pelo cabelo escuro e grosso. Então ele balança a
cabeça novamente e se levanta.

Ele caminha até onde estou e olha para mim. — Sou eu. Eu
sou o cara. Estarei de volta na primeira hora da manhã. Dinheiro
ou cheque, não aceito cartão de crédito.

Então ele passa por mim e sai sem perguntar se temos um


acordo.

Ele já sabe que temos um acordo porque estou desesperada.

O filho da puta acabou de me dar xeque-mate.


Às oito horas em ponto da manhã seguinte, o Sr.
Personalidade bate na minha porta.

Na verdade, espanca ela com força brutal. Como se ele fosse o


líder de uma equipe da SWAT e tivesse a tarefa de derrubar um
grupo de sequestradores enlouquecidos para salvar a vida de uma
centena de pessoas.

Abro a porta e olho para ele. — Bom dia, Sr. Leighrite. Qual é
a emergência?

Franzindo a testa, ele me olha de cima a baixo.

Como a casa está congelando, estou vestindo um suéter


volumoso com um colete de penas sobre ele junto com calça de
moletom e um cachecol, mas o homem me olha como se eu
estivesse usando uma colmeia em cima da minha cabeça
combinando com calças de couro.

Ele pergunta: — Você está bem?

— Pareço que não estou bem? Não, não responda isso. Por que
você estava tentando arrombar minha porta?

— Estou aqui há dez minutos.

— Vejo que seu senso de tempo é tão bom quanto seu senso
de humor.
Ele levanta o braço. Enrolado em seu pulso grosso está um
relógio preto grosso. Algum tipo de coisa esportiva que rastreia
seus passos e espiona você enquanto dorme. Ele bate no cristal. A
leitura mostra dez depois das oito.

— Dez minutos. E pela quarta vez, é Aidan.

Eu não acabei de olhar para o relógio na cozinha? Dizia oito em


ponto. Surpresa, eu digo: — Desculpe. Meus relógios devem estar
errados.

— Sua audição também está ruim?

Porque parece ser a nossa coisa, ficamos lá e olhamos um para


o outro em silêncio.

Até que ele exige: — Olha, você vai me deixar entrar ou não?

— Ainda não decidi.

— Bem, decida. Eu não estou ficando mais jovem.

Quantos anos ele tem? Trinta? Trinta e cinco? Difícil dizer. Ele
está em ótima forma, qualquer que seja a idade. Deus, esses bíceps
são enormes. E essas coxas poderiam esmagar um Volkswagen.

— Sim, entre, — digo muito alto, tentando abafar a voz idiota


na minha cabeça sorrindo com seus grandes músculos estúpidos.

Evitando seus olhos, deixo a porta aberta, viro-me e entro na


cozinha. Sento-me à mesa, depois levanto novamente porque não
sei o que fazer comigo mesma.
A porta da frente se fecha. Passos pesados cruzam o saguão.
Ele se arrasta para a cozinha e fica a poucos metros de distância
de mim.

Começamos nosso jogo de olhares silenciosos de Quem Vai


Dizer Algo Estranho Primeiro.

Eu quebro sob a tensão antes que ele o faça. — Eu tenho o seu


dinheiro.

Ele olha para minhas mãos vazias. — Eu tenho que cavar no


seu quintal por ele, ou você vai me dar?

— Sabe, acho que você mentiu quando disse que não tem
senso de humor. Acho que você é um grande comediante.

— Você pode xingar na minha frente se quiser. Não vou me


ofender.

Eu tomo um momento para massagear minha testa antes de


suspirar. — Isso é muito generoso. Obrigada. Fiquei acordada a
noite toda me preocupando em como não perturbar sua
delicadeza.

— De nada. E para constar, minha delicadeza é tão sólida


quanto meu humor.

Ou ele está tentando não sorrir, ou está tendo dores de


estômago. É difícil dizer. O homem tem um rosto como uma parede
de tijolos.

— Você disse que um cheque estava bem, certo?

Ele inclina a cabeça.


Hoje ele está vestindo outra versão de lenhador chique, com
uma flanela xadrez preta e vermelha desbotada para combinar com
o jeans desbotado. Suas botas são...

— Oh não.

Seguindo meu olhar, ele olha para seus pés. — O quê?

— Você deixou um rastro de lama por todo o chão.

Ele olha de volta para mim. — Você não tem um tapete de


entrada. E está chovendo lá fora.

— Você fez um bom ponto.

— Além disso, este chão está muito sujo de qualquer maneira.

— Desculpe-me, mas acabei de limpar.

— Quando? Cem anos atrás?

Meu pescoço começa a queimar de raiva. Cara, esse cara fica


sob minha pele!

Olhando para ele, digo categoricamente: — Sim, Sr. Leighrite.


Cem anos atrás. Vou pegar meu talão de cheques. Faço o cheque
em nome do Godzilla ou devo deixar em branco?

— Godzilla está bom, — ele responde, olhando fixamente para


mim. — O que devo colocar no seu recibo? Dama Dragão de Olhos
Tristes?

Não posso discutir com a primeira coisa. Mas a segunda me


incomoda. — Eu não tenho olhos tristes.
Ele leva um tempo me observando antes de dizer: — Não é da
minha conta, mas se você precisar de ajuda...

— Eu não preciso de ajuda, — interrompo com veemência. —


Estou bem. Não há nada de errado comigo.

— Não disse que havia, — Aidan responde suavemente.

Mas seu olhar não é tão tranquilo quanto sua voz. Seus olhos
são como seu punho batendo na minha porta da frente, exigindo
uma resposta em voz alta.

Com meu coração acelerado, digo: — Quer saber? Não acho


que isso vai funcionar. Lamento incomodá-lo, mas vou pedir-lhe
para sair agora.

A chuva bate no telhado. Uma rajada de vento sacode as


janelas. Em algum lugar no andar de cima, uma veneziana solta
bate para frente e para trás, dobradiças enferrujadas gemendo.

Depois de um momento longo e tenso, Aidan diz: — Ok. — Ele


se vira e caminha até a porta da frente.

Estou aliviada até que ele se vira e olha para mim. Seus olhos
estão escuros e penetrantes. Parece que eles podem ver direto até
o fundo da minha alma.

— Mas se você mudar de ideia, Kayla, você tem meu número.

Não sei se ele quer dizer mudar de ideia sobre precisar de


ajuda com meu telhado ou outra coisa.

Ele sai, fechando a porta da frente atrás dele.


Assim que ele sai, tiro o cachecol do meu pescoço em chamas
e vou para o banheiro no final do corredor. Acendo a luz, fico na
frente do espelho e olho para mim mesma, tentando determinar o
que há de tão errado com meus olhos.

Suspiro em choque quando vejo as feias manchas roxas ao


redor do meu pescoço.

O que está logo abaixo do lóbulo da minha orelha esquerda


parece ter sido feito por um polegar.

Cinco dias depois, as marcas no meu pescoço desapareceram


completamente. Pesquisei na internet por causas de hematomas
inexplicáveis e encontrei tudo, desde diabetes a deficiências de
vitaminas.

Considerando minha dieta pobre e a quantidade de estresse


que tenho sofrido ultimamente, aposto que tem a ver com isso.
Provavelmente estou anêmica, o que também explicaria o cansaço.

As marcas também podem ter sido causadas pelo acidente.

Mas não quero pensar nisso. Porque pensar nisso significaria


lembrar disso, reviver isso, e ainda não estou preparada. Duvido
que algum dia estarei. Deixei aquele dia horrível em uma caixa e
coloquei em uma prateleira alta no fundo da minha mente por
segurança.
Mas sabendo que minha saúde mental é frágil, decido
participar de um grupo de luto local.

A reunião é realizada em uma sala no centro do idoso. Cerca


de uma dúzia de cadeiras de metal dobráveis estão arrumadas em
círculo no meio de um tapete marrom feio. Contra uma parede,
uma mesa de madeira raquítica está coberta com um pano de
plástico branco e com serviço de café, chá e uma pilha inclinada
de copos de isopor. Cartazes de idosos sorridentes estão pregados
com lembretes para tomar suas vacinas anuais contra a gripe. A
janela solitária dá para o estacionamento e para a tarde chuvosa.

Algumas pessoas já estão sentadas quando chego. Posso dizer,


pelo jeito que elas estão conversando, que todos se conhecem.
Sentindo-me ansiosa, vou até a mesa com o café e me sirvo de uma
xícara. Enquanto estou debatendo se vou ficar ou sair correndo
pela porta e fazer uma fuga rápida, uma mulher se aproxima de
mim e pega um copo de isopor.

— Primeira vez? — ela pergunta, servindo-se de um café.

— Sim. Você?

— Oh não. Venho para este grupo há seis anos.

Ela se vira para mim, sorrindo. Ela é morena, quarentona e


chique, usa salto alto, um terno Chanel marfim e um enorme anel
de diamante no dedo. Sua pele é impecável. O corte de cabelo dela
custa mais do que toda a minha roupa. Ela é incrivelmente bonita.

Eu me sinto como um torrão de terra ao lado de um unicórnio.

Ela diz: — Você não precisa participar se não quiser. Não há


pressão para participar, você pode simplesmente sentar e ouvir.
Isto é o que eu faço. Às vezes, apenas estar perto de outras pessoas
que entendem o que você está passando é suficiente. Jan é a líder
do grupo.

Ela gesticula para uma mulher magricela de cabelos grisalhos


com um vestido estampado esvoaçante que está entrando pela
porta. Jan cumprimenta o grupo e se senta em uma cadeira,
deixando sua bolsa volumosa no chão.

— Eu sou Madison, — acrescenta a mulher ao meu lado.

— Oi, Madson. Eu sou Kayla. Prazer em conhecê-la.

Quero perguntar por que ela está aqui, mas não pergunto.
Ainda não conheço as regras. E não quero ofender alguém tão legal
que provavelmente pode dizer que estou em pânico.

Como se pudesse ler minha mente, ela diz: — Minha filha foi
sequestrada quando tinha quatro anos. A polícia nunca a
encontrou.

Quase derrubo meu café. Em vez disso, cubro minha boca com
a mão e sussurro: — Oh, meu Deus. Eu sinto muito.

Madison toma um gole de sua xícara, depois olha para ela


como se estivesse procurando por algo.

— Foi minha culpa. Soltei sua mão enquanto estávamos


fazendo compras no shopping. Só por um segundo, para checar
uma mensagem do meu marido, mas quando olhei para cima, ela
havia sumido.

Ela levanta a cabeça e encontra meus olhos. Os dela estão


assombrados.
— Essa é a pior parte. Que foi minha culpa. Isso e não saber
se ela ainda está viva. O FBI disse que se uma criança
desaparecida não for encontrada em 24 horas, provavelmente
nunca será. Eles desistiram da busca depois de seis meses porque
não havia pistas. É como se Olivia desaparecesse no ar. E todos os
dias desde então, eu me pergunto o que aconteceu com meu bebê.
Quem a levou. O que eles podem ter feito com ela.

Os olhos de Madison ficam vidrados como se ela estivesse


olhando para algo distante. Sua voz cai.

— Olivia faria dez anos agora. Não consigo dizer quantas horas
passei pesquisando sites de pornografia infantil na dark web,
procurando por ela. A única coisa que me impede de me matar é a
esperança de que um dia eu veja uma garota em um daqueles
vídeos horríveis com um olho azul e um castanho, e eu possa
abraçá-la novamente.

Acho que posso vomitar. Minhas mãos tremem tanto que o


café na xícara se espalha, quase derramando.

Madison vira seu olhar assombrado para mim. Seu verniz


sofisticado caiu. Ela parece ter envelhecido dez anos em poucos
minutos, deixando-a exatamente como ela é:

Uma mulher vivendo no inferno.

Com lágrimas surgindo em seus olhos, ela diz com voz rouca:
— Você acha que ela poderia me perdoar?

Quero explodir em soluços. Mas descanso minha mão trêmula


em seu antebraço e digo: — Não há nada para perdoar. A pessoa
que a levou é má. Não foi sua culpa.
Ela sorri tristemente. — Isso é o que meu terapeuta diz. Mas
eu não acredito. Nem meu marido. Ele me deixou por outra pessoa.
Alguém muito mais jovem. Acabei de saber que eles vão ter
gêmeos.

Uma voz grita: — Se todos quiserem se sentar, podemos


começar.

Atordoada e enjoada, olho para o grupo. Jan está acenando


para duas pessoas que estão entrando pela porta. Quando me viro
para Madison, ela já está se afastando.

Agarro seu braço e digo desesperadamente: — Ajudou você,


este grupo?

Ela olha para mim por um breve momento antes de dizer


baixinho: — O que você acha?

Então ela se vira e vai embora. Ela se senta no círculo e olha


para seu café.

Ninguém a cumprimenta. Ela também não reconhece mais


ninguém. É como se ela estivesse em sua própria bolha de dor,
isolada de todo o resto.

Imagino-me daqui a seis anos contando a uma estranha nesta


mesma mesa de café o que aconteceu com meu marido e ela me
perguntando se o grupo ajudou, e sei sem sombra de dúvida que
minha resposta seria a mesma que a de Madison.

Um grande e gordo não.

Coloco minha xícara na mesa e saio sem olhar para trás.


Do outro lado da rua há um bar chamado Cole's. Seu letreiro
de neon amarelo brilha como um farol. Ignorando a chuva e não
me incomodando com a faixa de pedestres, corro direto pela
avenida e atravesso a pesada porta de madeira.

No momento em que entro, vejo Aidan Leighrite sentado em


uma mesa no canto.
Ele me nota imediatamente. Ele estava prestes a tomar um
gole, mas congela com o copo de cerveja a meio caminho da boca.

É tarde demais para fingir que não o vi. Então faço um aceno
curto e vou até o bar. Deslizo para um banquinho e olho na direção
oposta, examinando a decoração.

Um espelho iluminado atrás do bar exibe prateleiras de


bebidas. Mesas de couro vermelho se alinham no limite do salão e
na parede oposta. Do outro lado, uma mesa de bilhar está
iluminada com uma lâmpada por cima com o logotipo da
Budweiser. O resto do lugar está escuro e cheira a cerveja velha,
batatas fritas e tabaco.

Pode ser qualquer bar em qualquer lugar do planeta.

Acho a normalidade disso estranhamente reconfortante.

— O que você vai querer?

O barman, um hipster de óculos usando suspensórios com


jeans e um gorro preto de tricô, parece ter dezoito anos. Isso me
faz sentir velha, e eu o odeio por isso.

— Johnnie Walker Blue, — digo a ele. — Três dedos. Puro.

— Bom, — diz ele, balançando a cabeça. Como se eu desse a


mínima para a opinião dele.
Calma, Kayla. Ele está apenas fazendo seu trabalho. Eu lhe
envio um sorriso fraco para compensar meus pensamentos
indelicados. Ele me dá um olhar como se estivesse preocupado que
eu possa estar dando em cima dele, e rapidamente se afasta,
pegando uma garrafa.

Apoio meus cotovelos na barra, coloco minha cabeça em


minhas mãos e suspiro.

Ao meu lado, uma voz baixa diz: — Você está bem?

Meu coração afunda. Não me incomodo em olhar. Eu já sei


quem é. — Essa é a terceira vez que você me pergunta isso, Sr.
Leighrite.

— E essa é a quinta vez que você me chama pelo nome do meu


pai. Eu não gostava do meu pai. É por isso que continuo pedindo
para você me chamar de Aidan.

Quando levanto a cabeça e olho para ele, ele está encostado


no bar olhando para mim com aqueles olhos escuros. Sua
expressão está séria, quase intensa, mas não acho que seja sobre
a coisa do nome.

Acho que ele está preocupado comigo.

Que faz de nós dois.

— Peço desculpas.

— Aceito, — diz ele instantaneamente. — O que você está


fazendo aqui?
O barman hipster coloca a bebida na minha frente e sai para
atender outro cliente. Eu pego o copo e o seguro no alto. —
Desfrutando de um uísque escocês excepcional.

— Sem seu marido?

Congelo. Então me lembro de como respirar e tomar um gole


de uísque. — Como você é observador.

Ele olha para o meu perfil com um foco tão inabalável que eu
quero perguntar se ele está tentando memorizá-lo para que ele
possa reconhecer de uma lista de polícia.

Ele desliza para o banco ao meu lado.

Merda.

— Não há necessidade de fazer essa cara. Eu não mordo.

— Eu não estou fazendo nenhuma careta. E a coisa da


mordida é discutível.

— Você não gosta muito de mim, não é?

Expiro pesadamente, depois tomo outro gole de uísque. — Isso


vai soar clichê, mas não é você. Sou eu.

— Você tem razão. Isso parece clichê.

— Se eu lhe dissesse o motivo, você entenderia.

— Então me diga o motivo.

Ele se senta de frente para mim com as coxas abertas para


que uma de suas pernas fique em cada lado do meu banquinho.
Não estou presa - posso virar para o outro lado no banco e pular -
mas de alguma forma parece que estou.

Olho para ele com o canto do olho. Ele está de camiseta preta
e jaqueta de couro preta esta noite, com jeans para combinar. Até
suas botas são pretas. Ele se parece mais com o fundador de um
clube de luta subterrâneo do que nunca.

— Eu... estou passando por um momento difícil.

— Sua casa, — ele sugere.

Tenho a sensação de que ele sabe que meu momento difícil


não tem nada a ver com a minha casa. Ele só quer que eu continue
falando. Limpo minha garganta, lambo meus lábios e debato o
quanto dizer a ele.

— É mais pessoal do que isso.

Um casal ocupa os dois bancos à minha esquerda. Eles estão


rindo e falando sobre o filme que acabaram de ver. O homem passa
um braço casualmente ao redor dos ombros da mulher, puxando-
a para um beijo. Ao observá-los, sou atingida no coração por uma
flecha de angústia.

O beijo. O companheirismo. A simples alegria de estar com


alguém que você ama, compartilhando uma risada e uma bebida.

Pensando que você tem todo o tempo do mundo até que do


nada o relógio para de bater.

Minha garganta fecha. Meus olhos ardem. Levanto-me


abruptamente e coloco minha bebida de lado. Com a voz
estrangulada, digo: — Tenho que ir.
Sem dizer uma palavra, Aidan pega meu copo, pega-me
gentilmente pelo braço e me conduz em direção à mesa em que
estava sentado no canto.

Lutando para não chorar, deixo-o me levar até ela. Sento


primeiro. Em vez de sentar na minha frente, ele desliza ao meu
lado.

Quando enrijeço, ele diz: — Você pode chorar se precisar.


Ninguém pode ver você daqui.

Ele tem razão. Seu volume bloqueia o resto do bar. Somos


apenas nós dois, de frente para a parede com uma cópia
emoldurada de Dogs Playing Poker pendurada nela.

Abaixo, inclino minha cabeça para trás contra a mesa, e


pressiono meus dedos nas órbitas dos meus olhos.

Ficamos sentados assim pelo que parece um longo tempo, a


jukebox tocando ao fundo e o zumbido baixo de conversas e copos
tilintando no ar. De repente, ouço o som de um copo deslizando
sobre a mesa em minha direção.

— O uísque vai ajudar. Por um tempo, de qualquer maneira.

Espio por entre os dedos. O copo de Jonnie Walker Blue está


na mesa à minha frente. À minha esquerda, Aidan olha para mim
com olhos semicerrados.

Sussurro, — Obrigada, — e levanto o copo, esvaziando-o de


uma só vez.

Aidan resmunga. Não sei se é em aprovação ou desaprovação,


e não me importo de qualquer maneira.
Ele chama a atenção do barman, levanta dois dedos e faz sinal
para mais uma rodada. O garoto hipster acena com a cabeça,
reconhecendo-o.

Não nos falamos novamente até que nossas bebidas sejam


entregues e o barman tenha ido embora.

Aidan diz em voz baixa: — Ele está machucando você? Batendo


em você?

Eu sei o que ele quer dizer com “ele”, e quase rio com isso.
Michael era a pessoa menos agressiva do planeta. Ele não podia
nem assistir a uma luta de boxe porque a violência o incomodava
muito.

— Não.

O silêncio de Aidan parece duvidoso.

Sei que não devo nenhuma explicação a esse cara, mas ele
está sendo gentil comigo, e ele está obviamente preocupado, então,
relutantemente digo a ele uma meia verdade.

— Ele... me deixou.

— Vocês estão separados?

Essa é uma maneira de explicar. — Sim.

Ele toma um longo gole de sua cerveja e coloca o copo na mesa.


— Nunca me casei. Não consigo ver o sentido disso.

— Você veria se estivesse apaixonado.

— Você diz isso como se achasse que eu nunca estive.


— Você já esteve?

Ele toma outro gole de cerveja. Lambendo os lábios, ele olha


para mim.

— Não.

— Então você não sabe o que está perdendo.

Seu olhar se torna penetrante. — Sim, parece todos os tipos


de diversão.

Isso queima. Quebro o contato visual e tomo um gole do novo


copo de uísque. — Vale a pena. Não importa o quão ruim possa
ficar, não importa se tudo desmoronar no final, vale a pena cada
minuto.

— Mesmo quando você acaba chorando em um bar ao lado de


um estranho?

— Sim. E eu não estou chorando. E tecnicamente, você não é


um estranho.

Ele solta um suspiro pelo nariz que pode ser uma risada. —
Ok. Vou acreditar em sua palavra.

Ele joga a cabeça para trás e bebe o resto da cerveja. Bebo


mais uísque e brinco com minha aliança de casamento, torcendo-
a no dedo anelar com o polegar. Aidan avisa.

— Posso te fazer uma pergunta pessoal?

— Seria ótimo se você não fizesse.

Ignorando, ele diz: — Você me acha atraente?


Minha respiração fica presa. Meu coração dispara a galope.
Coloco o copo na mesa e digo com cuidado: — Sou casada.

— Essa não foi a minha pergunta.

— Aidan...

— Porque acho você linda. Triste, um pouco vadia, mas linda


pra caralho. Quero que você venha para casa comigo esta noite.

Sem chão, fico boquiaberta. — O quê?

Ele não sorri. Ele não responde. Ele simplesmente olha direto
nos meus olhos e espera.

Afasto meu olhar do dele e o fixo na cópia emoldurada de Dogs


Playing Poker enquanto luto para controlar minha respiração. —
Eu não durmo com estranhos.

— Você acabou de dizer que eu não era um estranho.

— Certo. Também não durmo com conhecidos recentes.

— Olhe para mim.

— Eu prefiro que não.

Ele pega meu queixo em sua mão e vira minha cabeça para
que eu esteja olhando em seus olhos.

— Você me acha atraente?

Meu corpo explode em chamas. Engulo nervosa e digo: — Não.

— Certo. Vamos tentar de novo. E desta vez, seja honesta


comigo. Você me acha atraente?
Puxo meu lábio inferior entre os dentes e mastigo. Seu olhar
cai para a minha boca, então se move de volta para os meus olhos.

Mantendo a mão no meu queixo, ele diz rispidamente: — Foi o


que pensei. Então venha para casa comigo. Deixe-me fazer amor
com você. Você precisa disso.

Eu me afasto e cubro meus olhos com a mão. — Eu não posso


acreditar que você acabou de dizer isso.

— Ninguém nunca te disse que queria te foder antes?

Meu rosto está tão quente que parece queimado de sol. Meus
ouvidos também. — Eu deveria ir.

— Não fuja.

— Geralmente é isso que as pessoas fazem quando estão com


medo.

— Você não está com medo de mim. Você está apenas


surpresa. São duas coisas diferentes.

— Como você sabe se estou com medo ou não? Você nem me


conhece!

— Eu sei o suficiente.

Sufoco uma risada surpresa. — Porra, você é realmente seguro


de si mesmo, não é?

— Olhe para mim, Kayla.

— Não posso. Eu poderia derreter em uma poça flamejante de


vergonha.
— Você não deveria ter vergonha de querer me foder.

— Oh meu Deus! Você ouve a si mesmo?

Ele puxa minha mão do meu rosto e não à solta. Ele coloca a
outra mão em volta da minha bochecha e gentilmente vira minha
cabeça em direção a ele.

Quando estou olhando para ele, ele diz: — Você disse que era
uma boa observadora para besteira. Então me diga se você acha
que isso é besteira. Quero você. Você também me quer. Você está
triste. Eu quero fazer você se sentir melhor, mesmo que isso
signifique apenas esta noite. Você não tem medo de mim. Você
sabe que não vou te machucar. Você está um pouco fodida agora,
você não está acostumada com as pessoas dizendo exatamente o
que elas querem dizer, e você não tem certeza de como lidar com
isso.

Seu olhar cai para minha boca novamente. Sua voz sai rouca.
— E você quer que eu te beije.

Meu coração bate dolorosamente forte, digo fracamente, —


Você é louco, é isso? Você é uma pessoa louca.

— Você sabe que não sou.

— Posso dizer honestamente que nem sei meu próprio nome


agora.

— É Kayla, — ele diz suavemente, então se inclina e pressiona


seus lábios contra os meus.

É quase um beijo. Não há língua. Quase não há pressão. É


apenas um leve roçar de sua boca sobre a minha, então acabou.
E estou ofegante.

Tremendo e ofegando por ar, porque meus pulmões estão


sendo espremidos em um torno e cada gota de adrenalina que meu
corpo pode produzir inundou minha corrente sanguínea.

Aquele não beijo foi elétrico.

Olhando no fundo dos meus olhos, ele sussurra: — Você quer


outro?

Faço uma pausa para tomar uma respiração irregular


enquanto ele me observa a centímetros de distância, seus olhos
ferozes. — Não tenho certeza. Estou me sentindo sobrecarregada.
Meu cérebro não está funcionando direito, então não posso te dar
um sim ou não honesto.

— Ok, — diz ele, acariciando levemente o polegar para frente


e para trás sobre minha bochecha. — Você me avisa quando
decidir.

Então ele se afasta e gesticula para o barman para outra


rodada de bebidas.

Quase caio de bruços sobre a mesa, mas consigo me controlar.


Tomo um gole de uísque e solto um suspiro pesado e irregular. —
Não poderei dirigir para casa se beber mais alguma coisa. Ou esse
é o seu plano?

— Meu plano é te deixar nua e descobrir como você soa quando


goza.

— Senhor...
— Mas eu não quero você bêbada. Quero que você se lembre
de tudo para que volte para mais.

— Você parece confiante de que eu voltaria.

— Estou. E você vai.

Balanço minha cabeça em descrença. — Deve ser fantástico


passar pela vida com tanta autoconfiança.

— É. Quero te beijar de novo.

— Você pode, por favor, dar-me um minuto para recuperar o


equilíbrio? Sinto que alguém acabou de me empurrar de um
penhasco.

— Você está bem.

— Como você sabe?

— Porque você não quer mais chorar.

Penso sobre isso. — Você tem razão. Não quero.

— De nada.

Ele é bizarramente autoconfiante, mas tenho que admitir que


ele não é arrogante. Não há arrogância na maneira como ele fala.
É como se ele estivesse simplesmente declarando fatos, deixando-
me decidir como quero reagir a eles.

Não sei se sua franqueza é refrescante ou estranha.

Mas ele está certo sobre uma coisa. Eu não tenho medo dele.
Ele não é o que você chamaria de normal, pelo menos em relação
a minha experiência com os homens, mas ele só me deixa nervosa,
não com medo.

Acho que o nervosismo também pode ser descrito como


excitada, mas ainda não estou pronta para pensar nisso.

Eu pergunto: — Tudo bem se nos sentarmos um de frente para


o outro?

— Claro. Algum motivo em particular?

— Estou achando sua presença um pouco avassaladora.

Ele ri. — Vou trocar de lugar, mas vou te avisar que ainda
estarei dominando a mesa.

— Isso provavelmente é verdade.

— Além disso, você será forçada a olhar para mim. Dessa


forma, você pode evitar meus olhos e olhar para aquela pintura
feia o quanto quiser.

Isso me faz sorrir. — Você é um cara interessante, Aidan, vou


te dar isso.

— Obrigado. Acho que você é interessante também. — Sua voz


cai. — Esses seus olhos são incríveis pra caralho.

Minhas bochechas e orelhas ficam quentes novamente. O calor


queima ainda mais quando ele acrescenta: — Quero esses olhos
abertos quando você gozar para mim.

Minha boca fica seca. Tenho que tomar outro gole de uísque
antes que possa falar novamente. — Não que eu esteja dizendo que
vou dormir com você, porque eu não vou, mas apenas por uma
questão de conversa, você deveria saber que sou o tipo de garota
sem luz acesa.

— Não, comigo você não é.

Eu balanço minha cabeça em descrença. — Eu realmente não


posso acreditar nisso.

— Por quê?

— Porque conversas como essa não acontecem na vida real.

— Só porque você não as teve antes, não significa que elas não
aconteçam.

Ele continua fazendo todos esses pontos muito bons, o que é


altamente irritante. — Todos os solteiros hoje em dia são tão…

— O quê?

— Estou procurando uma palavra.

— Cegos?

— Explícito está mais perto do que estou pensando.

Sua risada é baixa e perigosa. — Você não ouviu explícito


ainda, Kayla.

Eu finalmente desvio meu olhar da parede na minha frente e


me viro para olhar para ele. Seus olhos estão quentes e sua
expressão também, mas tremo de qualquer maneira.

Digo com firmeza: — Eu não vou fazer sexo com você.

— Ok.
— Estou falando sério, Aidan. Eu não estou com a cabeça no
lugar certo para ficar com alguém agora.

— Eu te escutei.

Estreito meus olhos e examino sua expressão. — Por que isso


soa como se você ainda achasse que vou dormir com você?

— Porque eu acho. Mas posso estar errado. Acontece.

Nós nos encaramos por um momento, até que ele diz baixinho:
— Mas espero que não. Eu realmente quero fazer você gozar.

Eu não entendo como ele consegue ser completamente


inadequado e também ridiculamente atraente. Seja o que for essa
feitiçaria, preciso me livrar dela antes que faça algo estúpido.

— Estou indo para casa agora. Foi uma conversa interessante,


que não esquecerei por muito tempo.

Seu olhar cai para minha boca. Com um arrependimento


óbvio, ele diz: — Eu também não vou esquecer.

Ele olha para encontrar o meu olhar. — Mas se você mudar de


ideia, moro no andar de cima, em cima do bar. Estou em casa
todas as noites depois das seis e fico acordado até depois da meia-
noite. Se você vier depois disso, talvez tenha que bater um pouco
mais alto, porque durmo como um morto.

— Eu não vou bater na sua porta, Aidan.

— Ok.

— Por favor, pare de dizer isso. Você faz com que a palavra não
pareça nada com o que ela significa.
Seus lábios se curvam para cima. Seus olhos escuros dançam
com uma luz travessa. Ele murmura: — Tudo o que você disser
chefe, — e parece que ele acha que me conhece melhor do que eu.

Então ele se levanta e gesticula em direção à porta. — Tenha


uma boa noite.

Procuro dinheiro no bolso de trás, que coloco na mesa. Aidan


olha para mim como se eu tivesse pisado em seu dedão do pé.

— Não faça isso. — diz ele.

— Pagar pelas minhas bebidas?

— Tornar isso condescendente.

— Estou sendo justa.

— Você está ferindo minha masculinidade.

— Isso é ridículo.

— Sim? Você é um homem?

Eu lhe envio um olhar azedo. — Não desde a última vez que


verifiquei.

— Então você não sabe o que é masculinidade. Fique com o


seu dinheiro.

Com o timing perfeito, o garoto hipster chega com nossa


rodada de bebidas. Parece que Aidan os encomendou há um
século. Antes que ele possa colocá-las na mesa, eu me levanto.

Digo a Aidan: — Se estivéssemos em um encontro, eu deixaria


você pagar pelas minhas bebidas. Mas eu demiti você, e isso não é
um encontro, então estou pagando. Foi muito bom rever você. —
Eu paro. — Estou procurando uma palavra mais precisa do que
bom, mas nada me vem à mente.

O hipster coloca as bebidas na mesa e diz: — Desconcertante.


Confuso. Desorientador. Estranho.

Ele olha de um lado para o outro entre nós, então se vira e sai
novamente.

Olhando para mim com uma intensidade ardente, Aidan diz:


— Sempre gostei daquele garoto.

— Adeus, Aidan.

— Boa noite, Kayla.

Sei que a diferença em nossas despedidas é deliberada da


parte dele, mas sem mais nada a dizer, eu me viro e saio.
Prezada Kayla,

Obrigado por me escrever. Quanto a todas as perguntas que


você fez, nenhuma delas importa. Desculpe se isso soa rude, mas é
a verdade.

Sempre lhe direi a verdade. Não posso fazer o contrário.

Aqui está um versículo que você pode gostar:

Mas já meu desejo e minha vontade estavam sendo girados


como uma roda, tudo numa velocidade, pelo Amor que move o sol
e as outras estrelas.

O que você acha?

Dante
Desta vez, encontrei a carta na caixa de correio. Sem aparições
misteriosas na mesa da cozinha, mas ainda um grande mistério
sobre por que veio em primeiro lugar.

Porque eu não conheço esse cara.

O Sr. Misterioso ignorou minha ameaça de entregar suas


cartas ao detetive, então ele pensa que estou blefando ou não se
importa.

Estou na cozinha sob a luz bruxuleante e leio a carta


novamente. O versículo não significa nada para mim. Não que
devesse, porque vem da mente de um lunático.

Eu gostaria de poder contar a Michael sobre isso. Que risada


daríamos. Pouco antes de chamar a polícia.

Eu sei que é isso que eu deveria fazer, mas estou


absolutamente exausta. Talvez de manhã eu tenha forças para
pegar o telefone e dizer a um bom despachante da polícia que
tenho um amigo por correspondência maluco e eles poderiam, por
favor, ir até a prisão e dizer a ele para parar de me escrever cartas,
mas por enquanto, tudo que eu quero fazer é dormir.

Dormir e esquecer Aidan Leighrite e sua feitiçaria.

Ainda tenho adrenalina correndo em minhas veias daquele


encontro casual. A maneira como ele olhou para mim. As coisas
que ele disse.
— Meu plano é te deixar nua e descobrir como você soa quando
goza.

Para minha eterna descrença, eu realmente considerei sua


oferta por um momento.

Foi choque. Tinha que ser. No meu estado de espírito normal,


eu teria dado um tapa no rosto daquele cara, saído do bar e
apresentado uma queixa sobre ele no Better Business Bureau.
Quem fala assim com um cliente?

Uma ex-cliente, mas ainda assim.

Na verdade, eu tecnicamente o contratei? Negociamos preços,


mas não assinei nenhum tipo de contrato. Não foi tão longe. Eu o
expulsei da minha casa primeiro.

Oh Deus, quem se importa? Isso tudo é demais para mim.

Certifico-me de que todas as portas estão trancadas e as


cortinas fechadas. Depois subo, coloco a carta com as outras na
gaveta de roupas intimas e vou para a cama.

Adormeço em poucos minutos, mas no meio da noite, algo me


acorda.

Grogue, deito na cama ouvindo no escuro. Está tempestuoso


novamente, e o vento está soprando. A chuva cai no telhado. Um
galho de árvore raspa contra uma vidraça em algum lugar no
andar de baixo.

Não, isso não é um galho de árvore. É uma tábua do chão


rangendo.

Parece que alguém está subindo as escadas.


Sento-me na cama, meu coração martelando. Escuto com
atenção, tentando ouvir sobre a batida do meu pulso, mas o som
não vem novamente.

Será que eu imaginei? Ou tem alguém em casa?

Tento não entrar em pânico. Tento ser lógica. A casa é velha e


faz todos os tipos de ruídos estranhos, especialmente quando há
uma tempestade. As coisas estão se arrastando no quintal... talvez
o som fosse de uma cadeira caindo. Ou uma corrente de ar
soprando pelas cortinas da sala. Ou uma invenção total da minha
imaginação, vendo como ainda estou me adaptando a dormir
sozinha.

Todas essas coisas fazem todo o sentido até que o piso range
novamente e tenho que abafar um grito.

Salto da cama, corro para a porta e tranco. Com o coração


acelerado, pego a lanterna debaixo da pia do banheiro. É grande,
pesada, e a única coisa que consigo pensar em usar como arma.
Depois agacho ao lado da cama em frente à porta e sento lá,
tremendo e hiperventilando, segurando a lanterna como um taco
de beisebol.

Não sei quanto tempo fico assim antes de decidir que estou
sendo boba.

Se alguém invadisse a casa, eu teria ouvido uma janela


quebrar ou uma porta sendo arrombada. Eu teria ouvido mais
passos, não apenas algumas tábuas rangendo, porque as escadas
rangem a cada passo. Estou apenas sendo paranoica.

Tem que ser isso.

A alternativa é assustadora demais.


Levanto, estremecendo quando minhas coxas doem. Vou até a
porta, encosto o ouvido nela e escuto. Não ouço nada além da
chuva no telhado. Decido trocar de roupa e rapidamente troco
minha camisola por jeans e uma blusa.

Então, com a lanterna na mão, mas não ligada, abro


cuidadosamente a porta do quarto e olho.

O corredor está escuro como breu. É uma noite sem lua, e a


camada de nuvem está grossa. Escuto a escuridão por um
momento, a ponta dos pés descalços no corredor e olho por cima
do corrimão para a sala de estar.

Está escuro lá embaixo também. Escuro e silencioso. Nada se


move.

Então minha pele começa a se arrepiar porque tenho a


sensação mais assustadora de estar sendo observada.

Saia de casa!

Não é nem mesmo um pensamento coerente. É mais como


uma coisa subliminar, como se a parte antiga do meu cérebro
gritasse um aviso para mim.

Com o coração na garganta e as mãos tremendo, desço as


escadas o mais rápido e silenciosamente que posso. Pego as chaves
do carro na mesa do saguão e corro para fora de casa em pânico
total, nem me incomodando em trazer minha bolsa.

Dez minutos depois, estou batendo na porta de Aidan.


Ele abre vestindo nada além de um par de jeans desbotados
que pendem em seus quadris. Seu cabelo está despenteado, sua
barriga é plana, seu peito está coberto de tatuagens.

Ele é magnífico para caralho.

O pensamento horrível de que ele não está sozinho passa pelo


meu cérebro, logo antes de eu deixar escapar: — Sinto muito por
incomodá-lo. Eu estou indo agora.

Ele me agarra pelo braço e me puxa para dentro antes que eu


possa fugir.

Fechando a porta atrás de mim, ele exige: — O que há de


errado? O que aconteceu?

Meus dentes começam a bater. É quando percebo que estou


encharcada, porque saí correndo de casa na chuva sem casaco.
Ou sapatos.

Ou roupa de baixo.

Cruzo os braços sobre o peito em uma tentativa de esconder


meus seios sob a camiseta fina que estou vestindo. — P-pensei que
al-alguém invadiu minha ca-casa.

Suas sobrancelhas escuras se juntam. — Então você veio


aqui?

Sou uma idiota. Sou a pessoa mais estúpida que já andou na


face da terra. Para a segurança do resto da humanidade, eu deveria
ficar trancada em uma instalação operada pelo governo pelo resto
da vida.
Ele deve ver a angústia em meu rosto, porque diz gentilmente:
— Isso não foi uma reprovação.

Faço uma anotação mental de que esse carpinteiro quente tem


um bom vocabulário, mas me distraio quando ele acrescenta: —
Você está molhada.

Seu olhar se move lentamente pelo meu corpo, pegando


minhas roupas encharcadas e meus pés descalços. Seu olhar
volta, ficando preso em meus lábios antes de finalmente pousar
em meus olhos.

Com a voz rouca, ele diz: — Vamos te aquecer. Então você pode
me dizer o que aconteceu.

Ele me leva para dentro pelo cotovelo, senta-me na mesa da


cozinha e desaparece em outra sala. Por uma toalha, acredito,
embora ele pudesse estar ligando para a polícia para dizer a eles
para pegar a senhora louca que acabou de aparecer encharcada
na porta de sua casa no meio da noite.

Tremendo, olho em volta.

Sua casa é pequena, mas arrumada. A cozinha e a sala estão


lado a lado em um projeto de conceito aberto. O espaço é separado
visualmente por um conjunto de estantes abertas, com um sofá e
cadeiras do outro lado junto com a TV e uma mesa de centro. No
final do corredor, onde ele desapareceu, devem ser os quartos.

Estou surpresa com o quão limpo e arrumado é, considerando


que um solteiro mora aqui. Não há sequer louça suja na pia.

Ele volta com uma toalha branca fofa nas mãos e ordena: —
Levante-se.
Embora eu geralmente fique rabugenta quando alguém me dá
ordens, obedeço sem protestar. Ele envolve a toalha em volta das
minhas costas e ombros e começa a esfregar meus braços com ela.

Sem olhar para o meu rosto, ele diz: — Não tenha vergonha.

— Fácil para você falar. Você não é a idiota molhada de pé na


cozinha de um estranho à uma da manhã.

— Eu não sou um estranho, lembra? E você não é uma idiota.

Ele parece irritado por eu ter me chamado assim. Ou talvez


sua irritação tenha a ver com minha chegada inesperada, o que
faria muito mais sentido. O pobre homem tem que ir trabalhar de
manhã, e agora ele tem que lidar com uma psicopata encharcada.

Ele puxa a toalha sobre minha cabeça e começa a secar a


chuva do meu cabelo.

Com o rosto em chamas, digo miseravelmente: — Acho que


posso estar morrendo de humilhação.

— Você não está morrendo de nada. Fique quieta e deixe-me


fazer isso.

Fecho os olhos e fico ali me perguntando como uma pessoa


saberia se perdesse a cabeça. Mas me obrigo a parar de pensar
nisso porque os sinais de insanidade provavelmente incluem
imaginar que a chuva é um ladrão e fugir em busca de ajuda para
a casa do carpinteiro que você demitiu e recusou sexo.

Em um tom de conversa, Aidan diz: — Vamos ter uma


discussão mais tarde sobre por que você escolheu vir aqui quando
estava com medo, mas enquanto isso, me explique o que
aconteceu.
Sou muito covarde para olhar para ele enquanto falo, então
mantenho os olhos fechados e conto tudo a ele. Quando termino,
ele diz: — Você não tem um alarme de segurança?

— Não.

— Vamos consertar isso amanhã.

Finalmente tenho coragem de olhar para ele. Sua expressão é


uma bela combinação de diversão e preocupação. Aqueles olhos
escuros estão calorosos, mas suas sobrancelhas ainda estão
franzidas.

Resistindo à vontade de estender a mão e acariciar sua barba,


digo: — O que você quer dizer?

— Você sabe o que eu quero dizer. E você ainda está tremendo.

— Eu não posso evitar. Estou congelando.

Ele para de esfregar minha cabeça com a toalha. — Vou dizer


algo agora. Não se assuste.

— Você deveria apenas ter dito. Agora eu tenho que me


assustar.

— Você precisa se trocar e vestir roupas secas.

Eu franzo a testa para ele. — Por que isso me assustaria?

— Porque as roupas secas que você vai colocar são minhas.

Estamos a um palmo de distância, eu tremendo de frio, ele


ardendo de calor, até que digo: — Duvido que você tenha algo que
me sirva.
Ele sorri. — Olhe para você, não enlouquecendo.

— Ah, eu estou. Mas já fiz coisas estranhas o suficiente por


uma noite, então estou colocando isso junto.

— Venha comigo.

Ele leva-me pela mão para fora da cozinha e pelo corredor até
seu quarto. Enquanto ele entra em seu armário e acende a luz,
olho para sua cama, que se resume a um travesseiro e um cobertor
em cima de um colchão estendido no chão. As únicas outras coisas
no quarto são uma cômoda de madeira simples em uma parede, e
uma estante cheia de livros na outra.

— Sim, eu sei. Superluxo. Aqui.

Ele está de volta, segurando um moletom preto tão grande que


eu poderia usá-lo para jantar com cinto e salto alto, e estar bem
vestida.

Eu pego e aperto no meu peito como um cobertor de


segurança. A toalha ainda está enrolada em volta da minha cabeça
e ombros. Ainda estou tremendo de frio.

Sinto-me totalmente ridícula.

— Aidan?

— Sim, Kayla?

— Eu realmente sinto muito por isso. Prometo que não sou um


grande caso perdido. Sou apenas um pequenino.

Parecendo muito sério, ele acaricia uma mecha de cabelo


úmido da minha bochecha e murmura: — Você não é nada além
de linda. — Depois de uma pausa, ele acrescenta: — Você também
não precisa surtar com isso. Eu não tento seduzir mulheres
traumatizadas que correm da chuva.

— Ok. Obrigada por isso. Hum... você possivelmente tem um


par de calças de moletom que eu poderia usar com isso?

— Você estaria nadando nelas.

— Eu sei, mas…

— Mas o quê?

Respiro fundo e digo. — Eu ficarei extremamente


envergonhada se minha menina estiver exposta.

Ele pisca em confusão.

— Eu não estou usando calcinha.

— Oh. Oh.

— Sim. Então...

— Espere. Você veio aqui sem calcinha?

— Juro que não foi premeditado.

Quando ele levanta uma sobrancelha, suspiro. — Vesti-me em


pânico. Não tinha tempo para calcinhas.

— Ou um sutiã, também. — diz ele, sua voz mais baixa.

Estremeço. — Você percebeu.


— Você está brincando comigo? Claro que percebi. — Ele faz
uma pausa. — Também percebi que suas bochechas ficam muito
vermelhas quando você está envergonhada.

Digo secamente, — Obrigada pela informação. Você vai me dar


uma calça ou não?

— Eu não tenho um par de calças de moletom.

— Oh.

— Mas posso colocar seu jeans na secadora. — Quando não


digo nada, ele acrescenta: — Ou podemos simplesmente ficar aqui
e olhar um para o outro. Sou bom com isso também.

— Por quê?

Depois de uma palpitação, ele diz baixinho: — Gosto de olhar


para você.

Há uma sensação engraçada dentro do meu peito. Como um


aperto, mas também um relaxamento ao mesmo tempo. Tenho
certeza que significa que estou prestes a fazer algo que vou me
arrepender.

Encolho os ombros e deixo a toalha cair no chão. Então, tiro


minha blusa molhada e fico nua da cintura para cima na frente de
Aidan.

Seu olhar desce para o meu peito. Seus lábios se separam.


Suas pupilas dilatam. Ele permanece perfeitamente imóvel
enquanto olha para meus seios nus com olhos ardentes.

Eu sussurro: — Quero que você faça mais do que olhar.


Com uma voz rouca, ele responde: — O que você disser, chefe,
— e me agarra.
Sua boca é de alguma forma macia e dura. Torna-se evidente
rapidamente que este homem não só sabe dar um beijo de língua
incrível, mas também sabe dar um beijo devorador.

E tão. Bom.

Ele me segura com força em seus braços enquanto toma


minha boca e eu estremeço, pele com pele, meu pulso disparando.
Nem tenho certeza se estou me segurando ou se ele está. Nós nos
beijamos apaixonadamente até que ele geme na minha boca e se
afasta ofegante.

Ele segura meus seios em suas mãos grandes e ásperas e se


inclina para beijá-los.

Quando sua boca quente se fecha sobre um mamilo duro,


suspiro com a sensação. Suspiro novamente quando ele chupa.
Quando seus dentes raspam sobre aquele mamilo ao mesmo
tempo em que ele belisca o outro entre dois dedos, gemo e desabo
contra ele, enfiando minhas mãos em seu cabelo.

Não me importo se isso é loucura. Não me importo se isso


estiver errado. Não me importo com nada agora, a não ser perder-
me nessa bela fera por um tempo.

Minha vida fodida estará esperando por mim exatamente onde


a deixei amanhã.

Aidan me pega. Envolvo minhas pernas ao redor de sua


cintura e abaixo minha cabeça, faminta por sua boca. Ele me dá,
enfiando a língua entre meus lábios e agarrando minha bunda.
Nós nos beijamos enquanto ele vira e caminha em direção à cama
e não para de beijar quando ajoelha no colchão, abaixa-me e
desaba em cima de mim.

Seu peso. Deus, seu peso é incrível. Michael pesava uns


sessenta e cinco quilos depois de uma grande refeição. Aidan deve
ter mais de noventa quilos de puro músculo.

Ele beija meu queixo, meu pescoço, meu peito. Meus seios
também, bruscamente e avidamente. Arqueio minhas costas e
fecho meus olhos, amando a sensação de sua barba contra a
minha pele. Como ele está respirando forte. Não como se estivesse
me tratando como uma coisa frágil e quebrável, mas como se ele
pensasse que sou forte o suficiente para lidar com o que ele quer
me dar.

E eu quero que ele me dê tudo.

Tipo agora, porra.

Contorcendo-me debaixo dele, digo sem fôlego: — Tire meu


jeans. Rápido.

Ele levanta a cabeça e olha para mim com olhos quentes. —


Qual é a pressa?

— Você acabou de me dizer que sou a chefe. Então estou


dizendo para você se apressar.

Segurando meu olhar, ele abaixa a cabeça e traça sua língua


ao redor do meu mamilo dolorido. O que entendo como se ele
tivesse dito que sou a chefe apenas como uma figura de linguagem.
Ele se move para o outro mamilo e faz a mesma coisa. Apoiado
nos cotovelos, ele se deita em cima de mim, entre minhas coxas
abertas e vai e volta entre meus seios, chupando e lambendo, até
que estou choramingando e implorando para ele não me provocar.

— Eu não estou provocando você, baby, — diz ele com uma


voz rouca. — Estou dando o que você precisa.

Eu desmaiaria, mas não quero perder nada.

Ele beija e lambe meu estômago até o cós do meu jeans, então
desliza a ponta de sua língua por baixo. Quando estremeço,
gemendo, ele ri.

Então ele abre o botão, abre o zíper, enfia o rosto na abertura


e inala.

Ele faz um barulho no fundo da garganta. Um som primitivo e


masculino de desejo que envia um arrepio através de mim. Com
outro movimento rápido, ele puxa meu jeans pelos meus quadris,
expondo-me.

Ele enterra o rosto entre as minhas pernas e começa a lamber.

Gemendo impotente, mergulho minhas mãos em seu cabelo e


controlo o movimento dos meus quadris para os golpes de sua
língua. Não posso abrir mais minhas coxas porque agora elas estão
restritas pelo cós do meu jeans, mas isso não importa. Aidan sabe
exatamente o que está fazendo. Ele desliza as mãos sob minha
bunda e levanta meus quadris, agarrando minhas nádegas e
beijando minha boceta enquanto me contorço e gemo em
desespero.

Estremecendo, suspiro seu nome.


— Vamos lá, — ele sussurra calorosamente, movimentando a
língua para frente e para trás sobre meu clitóris latejante. — Solte-
se, baby.

Nunca fui chamada assim por um homem antes. Michael não


usava apelidos, e os namorados que tive antes dele também não.
Não sei por que acho isso tão insanamente sexy, mas acho. Não
quero que ele me chame de Kayla nunca mais.

Ele para de lamber para sugar meu clitóris como se estivesse


tirando leite de um mamilo. Gozo em sua boca, sem pensar e
gritando seu nome.

Ele continua chupando até que imploro para ele parar porque
está muito sensível. Então, ele se levanta, tira meu jeans pelo resto
das minhas pernas, abre os botões de sua braguilha e tira seu
próprio jeans.

Tenho uma visão por uma fração de segundo de tatuagens na


coxa e uma ereção cercada por pelos pubianos escuros antes de
Aidan estar em cima de mim novamente, beijando-me
apaixonadamente enquanto desliza a cabeça de seu pau para cima
e para baixo entre os lábios da minha boceta para lubrificá-la.

Ele enfia-se dentro de mim com um impulso repentino e forte.

Enquanto grito, ele rosna no meu ouvido: — Diga-me se


preciso tirar ou vou gozar dentro de você.

Sem esperar por uma resposta, ele começa a me foder fundo e


com força.

E eu amo isso. Deus me ajude, mas eu amo. Ele disse que ia


fazer amor comigo, mas isso é muito mais animalesco do que isso.
É bruto e agitado, e preciso lutar contra a risada de euforia que
quer sair do meu peito.

Quando ele toma minha boca novamente, sinto meu gosto


nele. Alguma parte turva do meu cérebro reconhece que todas as
luzes estão acesas, e eu provavelmente deveria estar me sentindo
um pouco constrangida pelo menos, mas não há espaço para isso.
Com cada impulso poderoso de seus quadris, ele está me tirando
da minha cabeça e indo mais fundo no meu corpo, fazendo-me
sentir tudo.

Meus mamilos duros arrastando contra seu peito.

Seus dedos puxando meu cabelo.

Nossos dentes se chocando enquanto nos beijamos


profundamente.

Os ruídos que estamos fazendo e os sons de nossos corpos se


juntando. Acho que posso até ouvir seu coração batendo tão
loucamente quanto o meu.

Então ele me assusta, rolando de costas e me levando com ele.


Ofegante, olho para ele em uma névoa de prazer. Espalho minhas
mãos sobre seu peito largo.

Ele lambe os lábios e corre as mãos para cima e para baixo no


meu corpo, parando para apertar meus seios, então segue a forma
das minhas costelas e cintura até meus quadris. Ele cava seus
dedos na carne e flexiona sua pélvis para cima, empurrando-se
mais fundo dentro de mim.

— Mova-se, — ele ordena com os dentes cerrados.


O homem não precisa pedir duas vezes. Pulo para cima e para
baixo em seu pau duro até que minhas coxas estão doendo e nós
dois estamos gemendo e suando e ele diz: — Você precisa gozar?

— Sim!

Ele pressiona o polegar contra o meu clitóris e o mantém lá


enquanto mexo meus quadris, empanturrando-me loucamente em
seu sexo grosso.

Ele ordena sombriamente: — Então goze.

É como se ele tivesse acionado um interruptor. Minha vagina


começa a convulsionar, apertando em torno de seu pau com
pulsações violentas e rítmicas. Elas são tão poderosas que perco o
fôlego. Deixo minha cabeça cair para trás, fecho meus olhos, e
afundo minhas unhas em seus músculos do peito, ouvindo-o
grunhir de prazer enquanto ele me fode e gozo forte em seu pau.

Ele estende a mão e aperta meu peito com força. — Tão bom
pra caralho, — ele sibila. — Jesus Cristo. Kayla. Porra. Estou...

Ele para com um gemido e goza dentro de mim, empurrando.

Olho para ele.

Seus olhos estão fechados. Sua cabeça está inclinada para


trás no travesseiro. Seus músculos abdominais estão contraídos,
assim como sua mandíbula e bíceps. Sua pele brilha com um leve
brilho de suor. Uma veia está saltando e pulsando loucamente na
lateral de seu pescoço, e entendo com um lampejo de clareza
brilhante que isso foi tão bom para ele quanto foi para mim.

Essa sensação de euforia volta. Sem saber que vou fazer isso,
começo a rir.
Respirando com dificuldade, Aidan abre os olhos e olha para
mim.

Ele diz rispidamente: — Você está bem?

Sorrio para ele. — Não se preocupe, não estou tendo um surto


psicótico nem nada. Isso é como uau.

Seus olhos escuros piscam, ele retribui meu sorriso e aperta


meus quadris. Ele parece um pirata que acabou de encontrar um
monte de tesouros de ouro.

Sou atingida com o pensamento repentino e horrível de que ele


pode pensar que esta é apenas mais uma noite de quinta-feira
comum para mim. Como se pular na cama com semiestranho fosse
normal, e isso não fosse nada de especial.

Não quero que ele pense isso.

Então digo: — Juro que normalmente não faço isso. Na


verdade, nunca fiz isso antes.

— Fez sexo?

Bato em seu peito. — Você sabe o que quero dizer, cara


engraçado.

Ainda sorrindo, ele me agarra pela cintura e me rola de costas,


mantendo seu pau dentro de mim. Ele coloca seu peso entre as
minhas pernas e se inclina para que nossos peitos fiquem
encostados. Então, beija-me profundamente, segurando minha
cabeça em suas mãos grandes.

Quando paramos para respirar, ele murmura: — Sorte minha.


Envolvo minhas pernas em volta de suas costas e meus braços
em volta de seus ombros e suspiro de contentamento.

Ele acaricia meu pescoço, cheirando meu cabelo e faz um


ruído de prazer. Ele sussurra: — Eu queria te secar, mas acabei
deixando você ainda mais molhada, não foi?

— Não pareça tão satisfeito consigo mesmo.

Ele ri. — Mas estou. Isso foi incrível.

Um pequeno arrepio de satisfação percorre meu corpo. Então


começo a me preocupar com o que devo fazer a seguir. Ficar?
Dormir? Colocar minhas roupas molhadas em sua secadora e
andar de um lado para o outro com uma vergonha fervente até que
eu possa fugir?

Ele levanta a cabeça e olha para mim. — Você vai passar a


noite.

Pisco de surpresa. — Você é um leitor de mentes ou algo


assim?

— Não. Por quê?

— Hum. Sem motivo.

— Besteira.

— OK, tudo bem. Eu só estava me perguntando se eu deveria


ir para casa agora.

— Acabei de dizer que você vai passar a noite. Você pode sair
de manhã e ter o resto de sua vida para se preocupar se isso foi
um erro, mas, por esta noite, você vai ficar aqui.
Ele flexiona os quadris quando diz “aqui”, deixando-me saber
que ele ainda não terminou de fazer sexo comigo.

— E se eu quiser ir embora?

— Você não quer.

— Você parece ter certeza disso.

Ele me beija suavemente nos lábios. Sorrindo, ele diz: — Gosto


quando te irrito.

— Isso é lamentável, porque gosto quando não estou irritada.

— Sua boca fica toda franzida e seu nariz enruga. Você parece
uma velhinha certinha.

— Uau, vá devagar com os elogios, Romeu! Vou desmaiar e


bater minha cabeça em alguma coisa.

— Sabe o que acabei de perceber? — ele sussurra, os olhos


queimando.

Digo grosseiramente: — Que sua vida está em perigo?

— Que agora eu sei os sons que você faz quando goza.

— E daí?

Ele abaixa a cabeça e morde o lóbulo da minha orelha dizendo


rispidamente: — É meu novo som favorito. Quero ouvir de novo.

Então ele empurra seus quadris, entrando em mim.

Meu gemido sai fraco. Com as pálpebras estremecendo, digo:


— Como você ainda está duro?
— Porque não terminei de foder você ainda.

— Ah, isso me lembra. Você prometeu que ia fazer amor


comigo, não me foder.

— Semântica. — Ele empurra novamente.

Digo sem fôlego: — Não, eu me lembro. Você disse fazer amor.

— Eu disse que lhe daria o que você precisa. Que é exatamente


o que estou fazendo. — Ele empurra novamente, desta vez se
inclinando para chupar forte no lado da minha garganta enquanto
isso.

Gemo baixinho, arqueando contra ele, inclinando minha


cabeça para dar melhor acesso ao meu pescoço enquanto balanço
minha pélvis na dele.

Isso o faz rir sombriamente. — Vê?

Puxando uma mecha de seu cabelo, sussurro: — Hora de calar


a boca agora, Aidan.

— Sim, senhora.

Sem outra palavra, ele estala os quadris, direcionando seu pau


duro em mim. Ele faz isso de novo quando estremeço e gemo. Ele
mantém o ritmo, fodendo implacavelmente e beijando por todo o
meu pescoço e seios, até que começo a sacudir e gritar, cravando
minhas unhas em seus ombros.

Com a boca perto do meu ouvido, ele diz com uma voz rouca:
— É disso que você precisa, baby? Você gosta de bruto? Ou você
quer que eu recite um pouco de poesia e faça uma porra de uma
xícara de chá?
— Isso! Isso!

Sua risada é tão sombria e satisfeita que me faz estremecer.


Gozo ouvindo aquela risada e me perguntando em que diabos eu
me meti.
Acordo com a luz cinzenta da manhã nos braços de Aidan.

Minha cabeça repousa em seu peito. Seu coração bate uma


batida lenta e constante debaixo da minha orelha. Ele está com
seus dois braços grandes e pesados em volta do meu corpo,
segurando firme, mesmo durante o sono.

Aproveito um momento para me orientar para esta nova versão


da realidade, onde estou acordando em um colchão com um
homem que mora em cima de um bar e tem mais tatuagens no
peito do que todos os outros que conheço juntos, e decido quase
instantaneamente que gosto.

Dele, quero dizer.

Eu gosto dele.

Isso me surpreende. Não tenho tendência a gostar de pessoas


em geral. Desconfio levemente da maioria das pessoas até
conhecê-las melhor, o que geralmente é quando decido que nunca
mais quero vê-las.

Michael e eu tínhamos isso em comum. Uma vaga decepção e


aversão à raça humana como um todo. É um milagre que ele fosse
tão bom em seu trabalho, já que tinha que interagir com tantas
pessoas diariamente em sua sala de aula.

Pensar em Michael me deixa sóbria. Ele ficaria chocado se


pudesse ver-me agora.
— O que você está fazendo? — ele choraria, sua testa franzida
em desânimo. — O homem provavelmente nem tem um diploma
universitário!

Ele era um esnobe sobre o ensino superior. Era um ponto de


discórdia entre nós já que eu estava satisfeita com meu diploma
de bacharel em artes plásticas e não tinha vontade de fazer um
mestrado.

Mas de nós dois, eu era a mais prática. E mais apertada com


dinheiro. Eu não poderia me endividar ainda mais por um diploma
adicional que não me ajudaria a ganhar mais. Mas para Michael,
a educação era sua própria recompensa.

Achei que pagar as contas em dia era bastante


recompensador.

Com a voz grossa de sono, Aidan diz: — Você está acordada?

— Sim.

— Bom. Preciso foder você de novo.

Enquanto rio baixinho, ele me rola de costas e beija meu


pescoço. — Você ainda nem acordou, Clube da Luta.

Ele levanta a cabeça e olha para mim com as pálpebras


pesadas. — Clube da luta?

— Foi o que pensei quando te vi pela primeira vez. Que você


parecia o fundador de um clube de luta. — Faço uma careta. —
Isso é ruim?

— Não. Porque eu sou o fundador de um clube de luta.


Fico boquiaberta. — Sério?

— Não. Só queria ver o que você faria quando eu dissesse isso.

— Ugh. Seu terrível senso de humor está aparecendo


novamente.

— Não posso dizer que não avisei.

Ele é muito, muito bonito na luz suave da manhã. Eu alcanço


e escovo uma mecha de cabelo escuro de seus olhos, passando
meu dedo em sua testa e sobre uma sobrancelha sedosa.
Sussurro: — Gosto do seu penteado. É sexy.

— Assim como sua linda bunda.

Posso me sentir corar. — Obrigada.

Ele esfrega sua bochecha contra a minha, arrastando sua


barba contra ela, e diz em meu ouvido: — Quase tão sexy quanto
aquele gemido desesperado que você faz quando está perto de
gozar para mim.

Escondo meu rosto em seu pescoço, fecho meus olhos e desejo


poder fazer algo sobre o quanto estou corando. Meu rosto parece
estar pegando fogo.

Ele ri. — Não seja tímida. Eu amo isso.

Como não tenho ideia de como responder a isso, sussurro: —


Ok.

Beijando meu pescoço, ele sussurra de volta: — Como você


quer que eu te foda, doce Kayla?
Oh Deus. Não há tempo suficiente no mundo para cobrir tudo
isso. — Hum... vigorosamente?

Ele deixa cair à testa no meu ombro e se dissolve em uma


risada suave.

— Não foi tão engraçado.

— Eu só estou rindo porque é exatamente isso que eu queria


que você dissesse.

— Sério?

— Sim. — Sua voz cai. — Ou em outras palavras, forte.

Quando fico ali deitada e olho para ele em um silêncio nervoso,


ele diz lento e intencionalmente, — Vou devorar você, coelhinha,
pedaço por pedaço saboroso. Vou comer. Você.

Uma emoção passa por mim.

Não é medo. Está mais perto de euforia, um tipo de alegria


descontrolada com a qual não estou acostumada. O desejo mais
estranho de pular da cama e fazê-lo me perseguir me faz dizer sem
fôlego: — Não, se você não puder me pegar, você não pode.

Seu corpo inteiro fica tenso. Seus olhos, já tão escuros, ficam
pretos. Suas narinas se dilatam, e juro por Deus, Aidan
desaparece, substituído em um instante por um predador.

Um perigoso e belo predador, pronto para me despedaçar com


dentes afiados.

Com um pequeno grito de terror e prazer, saio de debaixo dele


e fico de pé. Corro nua para fora do quarto e pelo corredor, meu
coração martelando, sua risada sombria ecoando em meus
ouvidos.

Mas não há para onde fugir. Seu apartamento é pequeno, e eu


não vou correr nua para a rua. Então, enquanto ele caminha pelo
corredor, olho em volta loucamente em busca de algum lugar para
me esconder.

— Nenhum lugar para onde ir, coelhinha, — ele rosna, parado


no final do corredor e olhando para mim com fome em seus olhos.
Ele se aproxima, nunca tirando seu olhar feroz de mim. Entre suas
pernas, seu pênis está longo e duro, balançando a cada passo. —
Você está presa. Renda-se.

Digo a ele uma mentira ultrajante. — Desculpe, Sr. Rei Leão.


Este coelho não está com vontade de tomar café da manhã. —
Então corro para a cozinha, colocando a mesa entre nós, e espero
para ver o que ele faz.

Bem, ele se lança, não é? Porque é isso que os leões famintos


fazem.

Ele me persegue ao redor da mesa enquanto grito e faço o meu


melhor para vencê-lo. Mas ele é tão rápido! Quando puxo uma
cadeira para tentar bloqueá-lo, ele a empurra para o lado com um
golpe poderoso de sua mão e a joga contra o chão. Eu viro e fujo
para a sala de estar, mas ele me pega pelo pulso e me gira,
puxando-me contra seu peito.

Ele puxa minha cabeça pelo meu cabelo, esmaga sua boca na
minha e me beija vorazmente.

Cedo por um momento, calculando que isso o faria baixar a


guarda, então eu poderia fugir. Meu plano é correr para o banheiro
e trancar a porta atrás de mim, mas essa ideia vai para o inferno
quando Aidan me ataca. Caímos no tapete da sala e começamos a
lutar pelo controle.

Acaba em segundos. Ele é muito forte. Não sou páreo para


todos esses malditos músculos.

— Uma coelhinha tão astuta, — ele rosna, os olhos piscando.


Ele agarra meus pulsos e os prende no chão sobre minha cabeça,
então me monta.

Ainda me contorcendo e tentando escapar, grito de frustração.

Sua risada soa exultante. — Coelha má, — ele sussurra. —


Tão má.

Ele me beija com força, então me vira de barriga para baixo


com tanta facilidade, é ridículo. Achata a mão entre minhas
omoplatas, prende-me no tapete e dá uma palmada dolorosa na
minha bunda.

Quando grito, ele bate de novo.

— Ai!

— Diga que você sente muito por tentar fugir, coelhinha.

— Não! Eu não sinto muito!

Como eu esperava que ele fizesse, ele me espanca novamente,


então desliza a mão entre as minhas pernas. Ele faz um som baixo
de prazer em sua garganta.

— Não sente muito, mas está fumegante e escorregadia. Acho


que minha coelhinha precisa ser fodida aqui mesmo neste tapete.

Quando ele desliza um dedo grosso dentro de mim, eu gemo.


Ele exige: — Diga-me que você quer que eu te foda.

Eu sei que tudo isso faz parte do jogo. Eu sou o rato e ele é o
gato, e ele quer que eu lhe dê permissão para arrancar minhas
tripas e me comer. Mas os ratos não dão permissão aos gatos para
comê-los, e eu também não.

— Não!

Sua risada soa satisfeita.

Ele retira o dedo de dentro de mim e me bate de novo, nas


duas nádegas desta vez, golpes pungentes que me deixam sem
fôlego e tão excitada que começo a esfregar minha pélvis
descaradamente contra o tapete para tentar encontrar a liberação.

Aidan se inclina e morde minha bunda. Dói quase tanto


quanto a surra, e eu adoro isso.

— Minha coelha gosta de apanhar, não é?

— Não! Solte-me! — Ofegante, contorço-me impotente.

Com a voz baixa e sombria, Aidan diz: — Oh, eu não vou soltar
você, minha coelhinha doce. Você nunca vai ficar longe de mim.

Não deveria me excitar do jeito que excita. A parte racional do


meu cérebro sabe que este é um jogo perigoso e que estou jogando
com um homem que é quase um estranho, eu deveria acabar com
isso agora, antes que as coisas vão longe demais. Eu deveria dizer
a ele com calma que estou com medo e quero que ele pare, e eu
deveria sair deste apartamento e nunca mais vê-lo.

O único problema é que não tenho medo.


E não quero que ele pare.

E acima de tudo, quero vê-lo novamente.

Quero que ele me tire da minha cabeça e me mantenha fora,


porque é um lugar escuro e assustador que prefiro não passar
muito tempo.

Mas não há como eu ganhar este jogo pela força bruta. Ele me
venceu nesse departamento. Então este coelhinho vai ter que usar
seu cérebro.

Eu paro de lutar e digo inocentemente: — Estaria tudo bem se


eu usasse o banheiro antes de fazermos isso? Desculpe, acabei de
perceber que precisava ir.

Depois de uma pausa surpresa, Aidan diz: — Claro.

No momento em que ele tira a mão das minhas costas e passa


uma perna por cima de mim, eu me levanto. Sorrindo para seu
rosto surpreso, eu digo: — Otário.

Então saio da sala de estar.

Ele me pega antes que eu esteja na metade do corredor.

Agarrando-me pelo braço, ele faz algum tipo de movimento


ninja e me joga por cima do ombro. Enquanto grito e me contorço,
ele se vira e entra na cozinha.

Ele me deixa de pé ao lado da mesa da cozinha.

Agarrando meus braços e olhando para baixo em meus olhos


arregalados, ele sussurra calorosamente: — Que coelhinha má do
caralho.
Ele me gira, empurra minha parte superior do corpo sobre a
mesa, abre minhas pernas pelo tornozelo e agarra meus pulsos em
suas mãos, juntando-os atrás das minhas costas.

Ele empurra dentro de mim tão de repente, que arqueio e grito


em choque.

Curvando-se sobre mim, ele rosna no meu ouvido, — Você vai


aguentar o bruto como punição por fugir de mim. Pronta?

— Sim!

Seu gemido de prazer é a última coisa suave que ele me dá.

Então ele morde meu ombro e me fode, entrando em mim com


força, de novo e de novo, empurrando tão poderosamente que a
mesa pula no chão. Suas mãos apertam meus pulsos, seus dentes
arranham minha pele, seus grunhidos de dominação soam em
meus ouvidos, e não consigo me lembrar da última vez que me
senti tão livre.

Encosto minha bochecha contra a madeira lisa da mesa, fecho


meus olhos e me rendo completamente.

— Prepare-se para tomar meu esperma, baby. Abra bem essa


doce boceta.

Sua voz está rouca perto do meu ouvido. Em resposta, só


consigo dar um gemido baixo e fraco. Depois de mais duas
estocadas fortes, o movimento dos quadris de Aidan vacila. Ele
geme. Soltando meus pulsos, ele enfia uma mão no meu cabelo e
a outra no meu quadril e me puxa selvagemente contra sua pélvis
enquanto se esfrega em mim e chega ao clímax.
Com meu pescoço arqueado e meus mamilos duros roçando a
mesa, gozo em torno de seu pau latejante.

Ele desaba em cima de mim, me prendendo no chão, e


sussurra roucamente em meu ouvido: — Pegue. Pegue. Pegue.
Pegue cada gota, minha linda coelhinha, e me diga que você ama.

À beira de soluçar, engasgo: — Amo isso. Aidan, eu amo muito


isso.

Sua risada sem fôlego soa triunfante. — Eu sei que você gosta,
querida. Essa é a minha boa coelhinha.

Brilhando como um sol nascente queimando na velha


escuridão, descanso minha bochecha contra a madeira lisa e
sorrio.
Ao contrário de sua selvageria rosnando quando me pegou,
Aidan está silencioso e gentil enquanto lava meu corpo sob o jato
quente do chuveiro.

Estou trêmula e em estado de choque, sem saber o que diria


mesmo se pudesse falar, então estou grata por ele não estar me
pedindo. Ele me vira de um lado para o outro, ensaboando e
enxaguando minha pele, então esguicha um pouco de xampu na
palma da mão e lava meu cabelo.

Fico com os olhos fechados e me pergunto o que acontece a


seguir.

Eu nunca tive um caso de uma noite, então não sei o que


esperar. Não sei a etiqueta envolvida. Devo pedir o número dele?
Não, isso eu já tenho. Agradeço a ele? Isso parece estranho, mas,
de novo, todo esse encontro foi estranho.

Incrível, mas estranho.

Eu só posso imaginar o quão estranho será o adeus, eu de pé


na porta dele de pés descalços e minhas roupas amassadas que
provavelmente ainda não estão secas, tentando parecer indiferente
e falhando completamente. O que digo mesmo?

— Tem sido ótimo, companheiro! Obrigada pela fabulosa foda!

Não. Posso não ser a maior faladora do mundo, mas até eu sei
que isso não é nada bom.
Ele murmura: — Nunca conheci uma mulher que pensa mais
alto do que você.

— Desculpe. Estou sempre na minha cabeça.

— Você não precisa se desculpar. Só estou fazendo uma


observação. Incline a cabeça para trás.

Eu o obedeço, fechando os olhos e permitindo que ele enxágue


o xampu do meu cabelo. Inclino-me contra ele com meus braços
em volta da sua cintura e meus seios pressionados contra seu
peito e me pergunto novamente o que Michael pensaria se ele
pudesse me ver agora.

É quando a culpa me atinge, fria e sólida como um tijolo que


caiu na minha cabeça. Uma vozinha desagradável dentro da minha
mente começa a assobiar insultos.

Seu marido morreu não faz um mês inteiro e você já fez sexo
com outro homem! Como você pôde?

Aidan diz suavemente: — Seu corpo fica muito tenso quando


você começa a surtar.

Expiro e permaneço em silêncio. Não há palavras para o que


estou sentindo, de qualquer maneira.

Ele alcança atrás de mim e fecha a torneira. Apalpa minha


cabeça e a pressiona contra o peito. Seu outro braço envolve em
mim. Ficamos nus e pingando assim por um tempo, abraçados em
silêncio, até que ele diz: — Podemos fazer qualquer coisa ou nada.
Eu não espero que você tenha nenhuma resposta agora.

Como ele sempre sabe o que estou pensando?


A emoção ameaça fechar minha garganta, mas falo por entre
ela. — O que você quer fazer?

Ele me dá um aperto e pronuncia: — Isso, tanto quanto


possível.

Minha risada é suave. — Isso pode ser arranjado.

Acariciando meu cabelo molhado, ele dá um beijo no topo da


minha cabeça. — Tem certeza? Eu sei que sua situação é
complicada. Não quero piorar.

Sem pensar, digo: — Até agora, você é a única coisa que


melhorou.

Encolho-me quando ouço como parece. Quão cru e vulnerável.

Quão carente.

Mas se Aidan acha que é desanimador, ele não demonstra. Ele


simplesmente beija minha cabeça novamente e murmura: — Bom.

Levanto a cabeça e olho para ele. Ele olha para mim com um
leve sorriso, seus olhos quentes.

Minha voz vacilante, digo: — Posso ser honesta com você?

— Isso é tudo que eu quero que você seja.

— Ok. Bem... — Eu inalo uma respiração, então deixo ir em


uma rajada. — Isso tem sido incrível. Quero dizer realmente
incrível. Tipo, incrível. Eu não tenho nenhuma experiência com
esse tipo de coisa, porque fui casada por muito tempo e
praticamente sempre em um relacionamento de longo prazo antes
disso.
Quando não continuo, ele diz: — Você está me perguntando
algo em particular ou está apenas pensando em voz alta?

— Não tenho certeza. Estou tendo todos os tipos de


sentimentos sobre isso.

— Eu também. Você acha que isso acontece comigo todos os


dias?

Eu me afasto e o olho de cima a baixo, toda aquela


masculinidade perfeita e robusta. — Sim.

Ele me puxa contra ele e segura meu queixo em sua mão. —


Não. Não acontece.

Ele me encara com tanta intensidade que acredito nele.


Ninguém pode mentir tão bem assim de tão perto.

Digo: — Graças a Deus, — e nós dois ficamos surpresos com


a força com que isso sai.

Aidan começa a rir. Eu ruborizo do pescoço à testa. Ele me


puxa e me segura com força, acariciando minha orelha. — Doce
coelho, — ele sussurra, ainda rindo. — Acho que você gosta de
mim.

Flamejando de vergonha, digo: — Não, eu só preciso consertar


meu telhado, e pensei em transar com você até seus miolos
explodirem para ver se consigo um desconto.

Afastando-se, ele finge estar chocado. — Já te dei um


desconto!

Sorrio para ele. — Oh sim. Eu esqueci. Dois mil no total, certo?


Ele olha carrancudo, mas está apenas brincando. — Errado.
Dez mil.

— Espere, você disse cinco!

Seu olhar racha. Ele começa a rir novamente.

Bato levemente em seu peito. — Idiota.

— Culpado. O que você quer para o café da manhã?

— Não me diga que você cozinha também?

— Apenas os melhores ovos mexidos que você já comeu.

Sorrindo, digo: — Acho que é isso que vou ter então.

Ele abaixa a cabeça e me beija suavemente. Quando ele se


afasta, sua expressão fica séria. — Eu preciso te contar uma coisa.

Meu estômago despenca. — Merda. Eu sabia que era bom


demais para ser verdade.

— Não é ruim.

— Então por que você está fazendo essa cara?

— Que cara?

— Aquela cara assustadora e séria, como se você estivesse


prestes a me dizer que tem uma DST.

Ele abre a porta do chuveiro, pega uma toalha do balcão na


parede, enrola em volta de mim e começa a secar meu corpo. —
Não. Limpo como um apito.
Aproveitando a atenção, paro por um momento de sobriedade.
— Eu também, caso você esteja se perguntando. Suponho que
deveríamos ter conversado sobre isso antes de toda, hum...

— Foda?

— Essa seria a palavra, sim.

Ele se abaixa para secar minhas pernas enquanto apoio


minhas mãos em seus ombros. — Isso e suas chances de
engravidar com sexo desprotegido também. — Ele se endireita e
olha para mim. — Também consentimento e palavras de
segurança. Normalmente não me empolgo tanto.

— Estou tomando pílula... espere. Volte um segundo. Palavras


seguras?

— No caso de eu ficar muito bruto com você.

Eu quase rio alto. — Não existe tal coisa. Eu amo o quão bruto
você é.

Ele fica imóvel. Olhando para mim com intensidade sem


piscar, ele diz lentamente: — Eu poderia te machucar, Kayla.
Acidentalmente, quero dizer. Não quero que isso aconteça.

Gosto que ele esteja tão preocupado com o meu bem-estar.


Também gosto que ele esteja gastando o tempo para comunicar
isso. O que eu não gosto é o pensamento repentino e indesejável
de que talvez ele tenha machucado alguém no passado.

Acidentalmente ou não, parece que pode haver uma história


aí.

Pergunto timidamente: — Você já machucou alguém antes?


— Sim, — diz ele instantaneamente. Então ele fecha os olhos
e engole. — Não durante o sexo, no entanto. E não foi um acidente.

Estou começando a me sentir alarmada, mas mantenho minha


voz firme. — Então como?

Ele abre os olhos. Um músculo em sua mandíbula salta. Ele


inala uma respiração lenta. — Meu pai batia na minha mãe. Muito.
Ele era um alcoólatra furioso e muito violento. Mandou-a para o
hospital mais de uma vez. Isso durou anos. Eu não podia fazer
nada sobre isso quando era pequeno, mas quando cresci…

Percebo que estou prendendo a respiração. Meu batimento


cardíaco acelera alguns pontos. Sussurro: — O quê?

Ele desvia o olhar. Aquele músculo em sua mandíbula salta


novamente. Quando ele fala, sua voz fica muito baixa. — Temo que
se eu te contar, nunca mais te verei.

Isso me balança por várias razões.

Uma, porque o que quer que ele tenha feito, foi obviamente
ruim. E por ruim quero dizer violento. E dois, ele está disposto a
me contar, mas tem medo das consequências. Ele está com medo
que eu enlouqueça e saia correndo pela porta.

O que significa que três, ele está tão envolvido nessa situação
inesperada entre nós quanto eu.

Não sei se há uma palavra para essa emoção que estou


sentindo. Talvez porque seja uma mistura de tantas coisas
diferentes ao mesmo tempo. Mas sei, com certeza, que o que quer
que ele tenha feito com seu pai, ele fez isso para proteger sua mãe.

Então lembro-me do que ele me disse no bar.


— Eu não gostava do meu pai.

Não, passado. O que sugere que seu pai não está mais na terra
dos vivos.

E nesse momento, descubro algo sobre mim que nunca soube


antes.

— Ei.

Ele olha para mim novamente, seu olhar cauteloso e sua


mandíbula apertada.

Olhando diretamente em seus olhos, digo: — O passado está


morto. Então, o que quer que tenha acontecido, o que quer que
você tenha feito, saiba que eu nunca vou pedir que você se explique
para mim. Eu também nunca vou te julgar por algo que você fez
para evitar que outra pessoa se machucasse. Não importa o quão
ruim isso seja. A vida é uma bagunça, e todos nós temos nossas
razões para fazer o que fazemos. Eu não me importo com nada que
você fez antes de nos conhecermos.

Seus lábios se separam. Ele me encara incrédulo e algo mais


que não consigo identificar.

Pode ser esperança.

— Mas de agora em diante, eu me importo com o que você faz.


Se continuarmos nos vendo, espero total honestidade. Entendido?

Parecendo atordoado, ele assente.

— Bom. Agora se enxugue, Clube da Luta, porque estou


morrendo de fome. — Enrolo meus braços em seus ombros, fico
na ponta dos pés e dou-lhe um beijo suave. Contra sua boca,
sussurro: — Sua coelhinha ficou com apetite por ter sido fodida
tão bem por seu grande leão mau.

Ele me agarra e me abraça com tanta força que perco o fôlego.


Sinto seu corpo tremer contra o meu, pequenos arrepios em seus
músculos que estão em sincronia com sua respiração irregular.

Por alguma estranha razão, nesse momento me passa pela


cabeça o verso que Dante enviou em sua última carta.

Mas já meu desejo e minha vontade

estavam sendo girados como uma roda, tudo em uma


velocidade,

pelo Amor que move o sol e as outras estrelas.

As palavras ecoam na minha cabeça antes de desaparecer


quando Aidan me beija.
Tomamos café da manhã e depois ele me segue para minha
casa em sua caminhonete.

Quando chegamos, ele insiste em entrar e verificar tudo antes


de eu entrar. — Melhor prevenir do que remediar, — diz ele,
inclinando-se na janela aberta do lado do motorista do meu carro.
— Chaves?

Eu as entrego a ele. — Eu não sei se tranquei. Saí com muita


pressa.

Ele acena com a cabeça, endireita-se e caminha pela entrada


até a porta da frente.

Ao vê-lo ali tentando a maçaneta, sofro um momento de


dissonância cognitiva.

Apenas no mês passado, teria sido Michael em seu lugar. Meu


charmoso e extrovertido marido com suas camisas brancas
engomadas, oxfords pretos polidos e calças com as costuras das
pernas limpas. Ele era meticuloso com sua aparência, nunca
saindo de casa sem um fio de cabelo fora do lugar ou a mais leve
sombra de barba em sua mandíbula.

E esqueça as tatuagens. A visão das agulhas deixava Michael


enjoado. Todos os anos, quando ele ia tomar a vacina contra a
gripe, ele quase desmaiava no consultório do médico.
Aidan é quase exatamente o oposto dele. Duvido que eu
pudesse ter escolhido alguém mais diferente do que Michael se eu
tentasse.

Aidan se vira e olha para mim, esperando ansiosamente no


meu carro. Ele levanta o queixo e desaparece pela porta da frente,
deixando-a aberta atrás dele.

Dez minutos depois, ele aparece na porta e gesticula para que


eu entre.

Apreensiva, apresso o caminho com os pés descalços. Pelo


menos não está chovendo hoje, mas ainda estou tremendo de frio.

O céu acima é o mesmo cinza fosco do caixão de Michael.

— Nada? — Eu pergunto quando chego a Aidan.

— Tudo limpo. Entre.

Eu entro no saguão, abraçando com meus braços em volta de


mim. Estou usando o grande moletom preto de Aidan, os braços
enrolados até a metade para que fiquem alinhados com meus
pulsos. Um par de meus sapatos está embaixo da mesa de entrada.
Enfio meus pés neles, sem me preocupar em amarrar os cadarços.

Aidan diz: — Tudo estava trancado. Não há sinais de


arrombamento. Verifiquei o andar de cima também.

Estou aliviada, mas também me sinto boba, vendo como saí


correndo de casa como se estivesse sendo perseguida por
demônios. Minha imaginação hiperativa está tirando o melhor de
mim.

— Excelente. Obrigada.
— Sem problemas.

— Por que você está sorrindo assim?

— Oh nada. Só acho que você é muito boa em pintar, só isso.

Eu não sei o que ele quer dizer por um momento. Quando me


atinge, reviro os olhos. — Você estava no meu escritório.

— Tive que verificar as janelas.

— Você verificou algumas outras coisas também, eu acho.

Ele estende a mão e puxa a manga de seu moletom, puxando-


me até ele. Então ele me envolve em seus braços e sorri para mim.
— Acho aquele coelho de estimação que o garotinho tem muito fofo.

Eu sorrio. — Sim, aposto que sim.

— Então você é uma artista?

— Ilustradora. Livros infantis principalmente, embora eu faça


o calendário ocasional e peça de revista.

Ele se inclina e gentilmente pressiona seus lábios nos meus.


— Você é talentosa demais, Kayla.

Esse elogio me faz sentir como se a gravidade tivesse deixado


de existir, e a única razão pela qual ainda estou amarrada a terra
é que seus braços estão em volta do meu corpo. — Obrigada.

— Ah. Olhe para minha coelhinha tímida com suas bochechas


vermelhas.

— Cala a boca antes que eu te chute na canela.


Rindo, ele se inclina e me beija novamente. — Tímida e vadia.
Minhas duas coisas favoritas.

— Chame-me de vadia de novo e vamos ver até onde você


consegue andar com um baço rompido.

Ele tenta abafar o som de sua risada pressionando o rosto na


lateral do meu pescoço.

Empurro contra seu peito sem entusiasmo. — Idiota.

— Você não acha que sou um idiota, — ele diz suavemente,


então me beija novamente, desta vez mais profundamente.

Não, eu admito para mim mesma enquanto sua língua


mergulha na minha boca. Não, senhor, eu não acho.

Nós nos beijamos até que estamos respirando com dificuldade


e o pequeno pulso de calor entre minhas pernas se tornou uma
dor. Então a culpa me inunda de novo, e afasto-me, pressionando
meus dedos em meus lábios.

Aidan procura meu rosto. — Você está bem?

— Sim.

Quando me recuso a encontrar seus olhos, ele pega meu


queixo em sua mão e inclina minha cabeça para cima, então sou
forçada a olhar para ele.

— O que é isso?

Minha boca ficou seca. Umedeço meus lábios e engulo. —


Estou me sentindo um pouco... — Limpo minha garganta. —
Desconfortável.
Ele parece surpreso. — Comigo?

— Com fazer isso na minha casa.

Depois de uma breve pausa, ele diz: — Ok. — Então ele dá um


passo para trás, me liberando.

— Oh Deus. Eu sinto muito. Eu não queria ferir seus


sentimentos.

— Não, eu entendo.

Ele não pode entender, mas dou-lhe pontos por tentar. — É só


que foi muito recente. Minha separação do meu marido. — Limpo
minha garganta novamente. — E continuo esperando que ele entre
pela porta a qualquer minuto. É apenas estranho para mim. Sinto
muito.

— Você pode parar de se desculpar, — diz ele suavemente. —


Eu disse que está tudo bem.

Encolhendo-me, torço minhas mãos. — Eu sei, mas posso


dizer que não está, e agora me sinto uma idiota.

— Você não é uma idiota. Eu te beijaria de novo, mas não


quero tornar isso mais estranho do que já é para você. Então o
negócio é o seguinte: vou ligar para meu amigo Jake, dono de uma
empresa de segurança. Ele vai vir aqui e colocar um alarme para
você. Enquanto isso, tenho uma reunião que preciso ir, mas depois
vou trabalhar nesse vazamento.

Ele acena para a cozinha e os baldes no chão. — Não poderei


começar os reparos até que tenhamos uma pausa no tempo que
dure mais do que alguns dias, mas vou colocar uma lona no
telhado para impedir que mais água entre e tirar qualquer
isolamento molhado do sótão para que você não tenha um
problema de mofo. Ok?

— Sim. OK. Obrigada. Oh, deixe-me pegar meu talão de


cheques...

— Mais uma maldita palavra, — ele corta, — e você ganha uma


surra.

Assustada, eu o encaro. Não há sorriso em seu rosto, nenhum


traço de humor.

Ele está completamente sério.

Digo timidamente: — Posso fazer uma pergunta?

Ele concorda.

— É sobre o talão de cheques que eu não deveria estar falando


ou você só queria que eu ficasse quieta em geral?

Ele aperta os lábios e cruza os braços sobre o peito. Posso dizer


que ele está tentando manter uma cara séria, agora. Ele também
está tentando ser intimidador e está falhando em ambas as coisas.

Ele diz severamente: — O que eu quis dizer é que não vou


aceitar seu dinheiro.

— Mas nós concordamos...

— Mais uma palavra, — ele interrompe novamente, desta vez


bem alto.

Espelhando sua postura, cruzo meus braços sobre meu peito


e o encaro. — Eu não fiz sexo com você para conseguir reparos
grátis no telhado, Aidan.
— Não me diga, Kayla. Ainda não estou aceitando seu
dinheiro.

— Isso é uma daquelas coisas de ego machista? Você


realmente acha que estou ferindo sua masculinidade ao pagar pelo
seu tempo e experiência?

— Sim e sim.

Digo categoricamente: — Isso é loucura.

Ele descruza os braços, inclina-se para o meu rosto e olha nos


meus olhos. — Obrigado por compartilhar sua opinião sobre o
assunto. Essa é a última vez que você consegue fazer isso.
Mencione dinheiro para mim novamente, e você sabe o que está
por vir.

Quando só fico lá olhando para ele, ele pede: — Reconheça que


você sabe o que está por vir.

— Por quê?

— Isso se chama consentimento.

Digo com altivez: — Não concordo com uma surra por causa
de dinheiro.

— Não mencione isso de novo, e você não vai conseguir uma.

— Lembra quando eu te disse que gostava quando não estava


irritada?

Ignorando isso, ele acrescenta: — Mas se você mencionar isso


novamente, estou considerando que você foi avisada e totalmente
informada das consequências, independentemente de você alegar
ou de não querer.

Eu faço uma cara de irritada. — Acho que sua lógica é falha.

— Que bom para você. Não muda nada. — Ele se vira e se


dirige para a porta da frente.

— Onde você está indo? Estamos no meio de uma conversa!

Por cima do ombro, ele diz: — Não mais.

— Volte aqui agora ou você é o único que vai levar a maldita


surra!

Rindo, ele desaparece pela porta da frente.

Uma hora depois, Jake, o cara da segurança, aparece. Ele é


feito do mesmo tecido que Aidan: grande, musculoso, de lenhador.
Ele ainda tem tatuagens no antebraço e uma barba também,
embora a sua seja um tom mais claro de marrom e tenha algumas
listras prata. Eu o deixo entrar e mostro a casa para ele.
Terminamos no meu escritório.

— Querida, — diz ele com confiança. — Onde você quer o


smart hub3?

3
O smart hub é o hub central que conecta todos os dispositivos inteligentes dentro de uma residência;
— Eu não tenho ideia do que é isso.

— Ele une todos os seus dispositivos e serve como o centro


nervoso do seu sistema de segurança.

Quando olho para ele sem expressão, ele continua.

— Vamos conectar seu alarme, câmeras de segurança e


câmera de campainha a um hub sem fio que controla tudo e faz
interface com seu smartphone para que você possa fazer isso
remotamente.

Hub? Câmeras? Controle remoto? Eu começo a ficar nervosa.


— Isso soa caro.

Jake sorri conscientemente. O chiclete rosa brilhante que ele


está mascando se destaca entre dois molares. — Aidan disse que
se você mencionasse dinheiro, eu deveria dizer que você sabe o que
acontece.

Meu rosto arde. Eu digo acidamente, — Ele disse?

— Ei, não atire no mensageiro. Apenas fazendo meu trabalho


aqui.

Seu tom é leve e há um brilho distinto em seus olhos. Vou


matar Aidan da próxima vez que o vir.

— Que tal se nós apenas criássemos uma coisa básica de


segurança onde eu, tipo, digitasse um código para armar o alarme?

Jake faz uma careta para mim como se eu tivesse insultado


sua mãe.
— Sério, não preciso de câmeras e todas essas outras coisas.
Só quero que um alarme soe se alguém entrar.

— Mas você deve ter câmeras, então se alguém invadir, você


filma. Não vai ajudar muito a polícia se eles não puderem
identificar o criminoso.

Toda essa conversa de criminosos e arrombamentos está


começando a me perturbar. Eu digo: — Talvez devêssemos apenas
esquecer a coisa toda.

Jake ri. — Sim, isso não vai acontecer.

Estou surpresa com isso. — Por que não?

— Porque Aidan disse que você está recebendo um sistema de


segurança. O que significa, goste ou não, você está recebendo um
sistema de segurança.

— Eu entendo.

— Sim. — Ele masca seu chiclete e me olha como se quisesse


dizer alguma coisa, mas acha que não deveria.

— O quê?

— Nada. Não é da minha conta.

— Uh-hum. Exceto que seu rosto pensa que é. Desabafe, Jake.

Ele debate consigo mesmo por um momento, depois diz: —


Você parece uma garota legal.

— Caramba. Isso soa mal.


Ele levanta uma mão. — Ouça. E me faça um favor e não repita
isso, ok?

Eu aceno, ansiedade surgindo em meu estômago.

— Sou amigo de Aidan desde o colegial...

Interrompo: — Se você está prestes a me dizer que ele é um


mulherengo, eu realmente não quero ouvir isso.

— Não, não era isso que eu ia dizer.

— Bom.

Ele inclina a cabeça e franze a testa para mim. — Mas se ele


fosse, você não gostaria de saber?

— Como você disse, não é da minha conta.

Ele faz outra careta, e agora estou começando a ficar furiosa.

— E agora?

— Só nunca conheci uma mulher que não gostaria de saber se


ela estava se envolvendo com um caçador de saias.

— Certo. Ele é um caçador de saias?

— Não.

Eu jogo meus braços no ar. — Você está me matando! Vá direto


ao ponto.

— Ok, olhe. Eu vou ser direto com você. Aidan não se aproxima
das pessoas. Não confia nelas.
Sua pausa parece significativa. Eu digo: — E...?

— Ele passou por um momento difícil praticamente toda a sua


vida.

Quando ele para e estala o chiclete, acho que sei aonde ele
quer chegar, e minhas bochechas ficam quentes de novo.

— Você está sugerindo que estou tirando vantagem dele?


Porque eu disse especificamente a ele que pagaria por tudo...

— Ele gosta de você, — ele interrompe, sua voz baixa. — E


Aidan não gosta de ninguém. — Ele olha incisivamente para o meu
dedo anelar, então encontra meus olhos novamente. — Eu não
quero vê-lo se machucar.

Depois de uma batida em que meu cérebro se reinicia e meu


coração derrete, digo baixinho: — Também gosto dele. E eu não
vou machucá-lo, Jake. Prometo.

Ele dá algumas mordidas duvidosas na gengiva com os


molares.

Eu me pergunto o que Aidan disse a ele sobre mim, mas não


vou perguntar. Jake não me diria, de qualquer maneira. Ele é um
amigo leal, e há o código do homem e tudo mais. Tenho sorte de
ter conseguido tanto dele.

— Ouça. Sugiro um compromisso. Que tal se você instalar algo


que não seja vigilância no nível FBI, mas que também não seja
básico. Não vou conseguir mexer em nada muito sofisticado, mas
também não quero que você tenha que lidar com a ira de Aidan se
ele não aprovar, então vamos tentar algo entre James Bond e o
inspetor Clouseau. Podemos fazer isso?
Ele sopra uma bolha, estoura, então sorri para mim. — Nós
podemos fazer isso.

Eu estendo minha mão, e nós a apertamos.

É quando olho por cima do ombro de Jake pela janela do meu


escritório e noto alguém parado no quintal, perto da beira da água.

Parcialmente escondido pelo tronco de uma árvore, a figura


parece ser um homem. Embora ele esteja muito longe para
discernir quaisquer traços faciais, e seus olhos estejam
obscurecidos pela aba do chapéu que ele está usando, tenho a
nítida sensação de que ele está olhando diretamente para mim.

Capto um brilho branco quando o homem mostra os dentes


como um animal.

Uma rajada de vento assobia pela chaminé. Arrepios se


formam em meus braços. Um arrepio de medo percorre meu corpo,
me gelando até os ossos.

— Vou pegar meu equipamento na caminhonete e começar a


trabalhar, — diz Jake.

Olho em sua direção enquanto ele sai da sala. Quando me viro


para olhar pela janela, o homem perto da árvore se foi.
Sentindo-me abalada, mas também corajosa porque Jake está
em casa – e é de dia – decido dar um passeio até a água para
investigar.

Bainbridge Island fica a apenas 35 minutos de balsa de


Seattle, mas parece que está em um planeta diferente. Grande
parte é coberta por grandes bosques de cedro ou a reservas
naturais, mas há uma pitoresca área no centro da cidade com
cafés aconchegantes, butiques e restaurantes. Quilômetros de
trilhas que seguem a costa íngreme e o interior montanhoso fazem
dela um paraíso para os caminhantes. Com oito quilômetros de
largura e quinze quilômetros de comprimento, com uma população
de apenas vinte e cinco mil habitantes, a ilha é pequena, mas
também é um local perfeito para quem trabalha na cidade, mas
não quer morar lá.

Michael e eu nos mudamos quando ele aceitou o cargo de chefe


do programa de doutorado da Universidade de Washington.

Isso parece uma vida atrás.

Eu era uma mulher diferente naquela época. Uma mulher


mais jovem e mais feliz que ainda não tinha provado nenhuma das
amargas traições da vida.

Como somos ingênuos quando somos jovens. Com que


facilidade confiamos que o sol continuará nascendo e se pondo,
aquecendo nossos dias. E que golpe terrível é descobrir que não é
o sol que faz as coisas brilharem, mas as pessoas que nos amam,
por isso, quando se vão, tudo fica mergulhado na escuridão.
A propriedade abrange mais de dois hectares. É arborizada
com árvores resistentes e antigas, é separada da beira da água por
um longo trecho de gramado e uma praia estreita e rochosa.
Embrulhada em um pesado casaco de inverno com um gorro de
tricô sobre as orelhas, atravesso a varanda dos fundos e desço os
degraus até o gramado, depois sigo o caminho até a água.

Evito chegar perto do cais ou olhar na direção do barco


amarrado a ele.

Michael a batizou de Eurídice. Eu sempre odiei esse nome. Eu


disse a ele que dava azar nomear um barco com o nome de uma
ninfa da mitologia grega que ficou presa no submundo, mas
Michael disse que gostou. Ele achou romântico que o marido de
Eurídice, Orfeu, a amasse tanto que a seguiu até o inferno para
implorar a Hades por sua libertação.

Quando mencionei que a história termina em tragédia,


Michael apenas riu de mim. — É apenas uma história. — disse e
me deu um abraço.

Acontece que eu estava certa. Mito grego ou não, condenado é


condenado.

A lembrança é uma verdadeira cadela às vezes.

Quando chego à árvore onde vi o homem parado, olho bem


para o chão. Se eu encontrar pegadas, poderei descobrir para onde
ele fugiu. O chão está enlameado ao redor do tronco e sem grama,
então devo conseguir detectar alguma coisa.

Mas não há nada lá.

Sem pegadas. Nenhuma terra mexida. Nenhum sinal da


pessoa que parou e olhou para mim.
Meu cabelo balança na brisa fria, viro e olho para trás em
direção a casa. A partir daqui, posso ver diretamente no meu
escritório. A casa fica um pouco mais alta que a costa, mas as
janelas do meu escritório são grandes e é bem iluminado. Minha
mesa de desenho fica de frente para a porta, então, quando me
sento, a luz e a janela estão às minhas costas.

O que significa que alguém poderia ficar aqui olhando por um


algum tempo enquanto trabalho e eu não saberia.

Olho para os dois lados da costa. Está vazio. Minha única


companhia são as gaivotas sobrevoando o céu e as ondas escuras
batendo inquietas na costa.

Quem quer que ele fosse, se foi há muito tempo.

Um brilho no chão perto dos meus sapatos chama minha


atenção. Inclino e pego uma moeda na lama. Eu a limpo com o
polegar, e minha respiração fica presa.

É uma moeda de búfalo.

Produzida entre 1913 e 1938, as moedas podem valer de trinta


e cinco centavos a três milhões de dólares, dependendo do ano e
da condição. Esta moeda em particular tem o carimbo de 1937. É
um tipo D, que mostra o búfalo com apenas três pernas em vez
das quatro habituais, e vale exatamente $ 2.560,00.

Eu sei disso porque Michael avaliou. Tinha sido de seu avô.


Ele a carregava para todos os lugares com ele. Ele jurou que lhe
trouxe sorte.

Encontrei enterrada debaixo da lama de uma árvore onde um


estranho estava, espionando-me.
Meu coração bate mais rápido, seguro a moeda em meu punho
e corro de volta para casa, tentando me convencer de que o frio
formigando na minha espinha é apenas o vento.

Algumas horas depois, Jake termina de instalar o sistema de


segurança.

Aidan ainda não voltou.

Jake me mostra como usar o sistema do hub que ele instalou


na parede do meu escritório ao lado do interruptor de luz, do lado
de dentro da porta. Em seguida, ele instala o aplicativo no meu
iPhone para que eu possa ver os feeds de vídeo em tempo real, para
que caso alguém toque a campainha, eu possa ver quem é sem
sair. Ele também colocou uma câmera acima da porta dos fundos
que pega uma visão grande e angular do quintal.

— Há quanto tempo isso está gravando? — Eu pergunto,


perguntando-me se pegou o homem perto da árvore.

— Cerca de vinte minutos. Acabou de entrar ao vivo. Você tem


memória suficiente no sistema para uma semana de imagens,
depois disso, ele gravará sobre si mesmo e apagará as coisas
antigas para que você não pague por armazenamento de dados
extra, o que pode ficar caro.

Portanto, não há registro do quintal no momento em que vi a


figura. Estou decepcionada, mas não há nada a fazer sobre isso.
Pelo menos de agora em diante, poderei ver se ele me faz outra
visita, mesmo quando eu não estiver por perto.

Jake diz: — Coloquei teclados de código nas portas dianteiras


e traseiras, e dentro da garagem ao lado da porta da lavanderia.
Se o sistema for acionado acidentalmente enquanto o alarme
estiver armado, você terá trinta segundos para desarmá-lo com seu
código antes que ele nos notifique automaticamente. Se você não
chegar a tempo, diga sua senha ao operador que ligar e eles
cancelarão o alarme.

Seu sorriso é triste. — E tente não deixar isso acontecer,


porque cobramos cem dólares toda vez que você acidentalmente
aciona o alarme.

— Ai.

— Sim, somos mercenários.

— Pensei que você fosse o dono da empresa?

— Eu sou.

— Então, quando você diz 'nós', você realmente quer dizer


você.

Ele ri. — Você parece minha esposa.

— Aposto que ela é uma mulher muito inteligente.

Sorrindo, ele balança a cabeça. — Agora você parece ainda


mais como ela.
— Mentes brilhantes pensam iguais. Por curiosidade, existe
uma maneira de receber uma notificação no meu telefone se as
câmeras pegarem movimento?

— Claro, o aplicativo faz isso se você quiser que eu configure


assim para você. Algumas pessoas não gostam porque você vai
levar um ping toda vez que um esquilo cruzar o gramado ou um
carro passar pela casa. Pode ser irritante.

— Existe uma configuração de tamanho? Assim, talvez ele


deixe um esquilo escapar, mas pegue uma pessoa?

— Não, mas posso reduzir o campo para onde a câmera ainda


gravará tudo, mas só emitirá um aviso e tocará seu telefone se
alguém digamos, andar a menos de um metro e meio da porta.

Isso tudo está soando um pouco mais complicado do que eu


esperava. Imagino-me lutando em pânico pelo meu telefone toda
vez que ele tocar apenas para encontrar um roedor correndo pela
varanda da frente.

— Vamos pular as notificações por enquanto. Sempre posso


ativá-las depois, certo?

— Claro que pode. Tudo que preciso de você agora é que


programe sua senha no hub. Depois vou te mostrar como usar o
teclado do código. Então terminamos.

Ele me orienta no processo de inserção do meu código e


demonstra como o sistema funciona, o que não demora muito.
Depois ele está guardando suas coisas e apertando minha mão.

Levando-o até a porta da frente, digo: — Sei que não devo


mencionar a palavra com D, mas você tem que me deixar fazer algo
por você, Jake. Isso foi muito mesmo.
— Não se preocupe com isso. Se você mantiver o que eu disse
sobre Aidan entre nós, vou nos considerar quites.

Abro a porta e me afasto para deixá-lo passar. — Eu vou. E


obrigada. Sério. Isso significa muito para mim.

Ele faz uma pausa para sorrir para mim. — Espero vê-la
novamente, Kayla. Seria muito bom se Aidan tivesse uma garota
com quem eu e minha esposa pudéssemos sair para um encontro
duplo. Eu sei que ele se sente como uma terceira roda às vezes.

Surpresa ao ouvir isso, digo: — Já faz um tempo desde que ele


esteve sério com alguém?

Ele ri de um jeito que me faz pensar que há uma longa e


complicada história por trás disso.

— Você poderia dizer que sim. Cuide-se agora.

Ele desce o caminho para a garagem e sobe em sua


caminhonete, acenando enquanto acelera o motor.

Aceno de volta, entro e tranco a porta, esperando que meu


novo sistema de alarme seja desnecessário, mas não acreditando
inteiramente nele.

Quando Aidan retorna, está escuro.

— Desculpe o atraso, — diz ele quando abro a porta depois de


sua batida. — A reunião foi uma merda. Quase perdi a última
balsa. — Ele olha além de mim para o saguão. — Tudo bem se eu
entrar?

— É claro.

Abro a porta e dou um passo para trás para deixá-lo passar.


Ele entra no saguão e inspeciona o teclado do código de segurança
na parede. — Jake fez um bom trabalho para você?

Sorrindo, fecho a porta. — Jake é incrível.

Ele corta seu olhar para mim. — Sim?

— Sim. Eu gosto dele.

— Você diz isso como se fosse uma surpresa.

Dou de ombros. — Não sou fã de pessoas em geral. Tomo caso


a caso. Mas Jake é uma boa pessoa.

— Ele é. — diz ele suavemente, seus olhos brilhando. — E o


mesmo aqui sobre não ser fã da maioria das pessoas.

— Devemos fundar um clube. Introvertidos Unidos, capítulo


de Seattle. Você pode ser o presidente.

— Não somos introvertidos. Somos misantropos4. Grande


diferença.

— Isso me lembra que eu queria dizer que admiro seu


vocabulário.

4
Aquele que odeia a humanidade ou sente aversão às pessoas;
Olhando nos meus olhos e olhando como se quisesse me
agarrar e me devorar, ele diz rispidamente: — Sim? Mais alguma
coisa que você admira, coelhinha?

Ouvir esse apelido me lembra de nossa perseguição sexy em


torno de sua mesa de cozinha. Meu corpo inteiro fica quente. —
Vou fazer uma lista para você.

Nós olhamos um para o outro por um momento até que ele


estende a mão e passa o polegar sobre minha bochecha ardente.

Ele murmura: — Bom. Você pode recitar para mim da próxima


vez que eu estiver dentro de você.

Alguém me pegou e jogou em um vulcão. Calor abrasador


envolve minha pele. A respiração que puxo em meus pulmões é
escaldante. Não ficaria surpresa se olhasse para baixo e
encontrasse todas as minhas roupas queimadas em uma pilha de
cinza aos meus pés.

Quando lambo meus lábios, há um momento em que juraria


que ele estava prestes a me atacar. Mas ele se controla, tirando a
mão do meu rosto e tornando-se profissional.

— Vou levantar essa lona agora.

— O quê? Agora? Está escuro lá fora!

— E?

— E não quero que você caia do meu telhado e quebre o


pescoço!

Ele olha fixamente para mim, seu olhar afiado. — Duas coisas.
— Oh não. Por que tenho a sensação de que isso vai acabar
mal para mim?

Passando por isso, ele diz: — Número um. Não caio de


telhados, por mais íngremes que sejam.

Cruzo os braços sobre o peito e resisto a revirar os olhos.

— Número dois, — ele diz mais suavemente, — e daí se eu


quebrar meu pescoço?

Empalideço. — Aidan, isso não é engraçado.

— Ninguém está rindo. Responda à pergunta.

Ele está muito sério agora, olhando para mim com uma
intensidade ardente, uma luz estranha atrás de seus olhos. Não
sei por que, mas meu pulso dispara.

Deixo cair meus braços ao meu lado e digo: — Por favor, não
me faça responder isso.

— Por que não?

— Porque não acho que estou pronta para essa conversa


ainda.

— Que conversa?

Ele se aproxima. Sua intensidade queima ainda mais


brilhante. Estamos a centímetros de distância, tão perto que posso
sentir o calor de seu corpo, mas ele não me toca. Ele apenas olha
para mim com os olhos encobertos, esperando.

Olhando em seus olhos escuros, sussurro: — A conversa sobre


como me sinto sobre o que está acontecendo entre nós.
Ele diz instantaneamente: — Sim, nós vamos falar disso. Agora
mesmo. Porque eu quase enlouqueci pensando em você hoje, e se
você não gosta disso, prefiro saber mais cedo ou mais tarde.

Eu fecho meus olhos e exalo uma respiração trêmula. — Você


esqueceu tão rápido nossa pequena conversa no chuveiro?

— Não. Olhe para mim.

Eu abro meus olhos. Quando ele me pega e me prende na


fogueira de seu olhar, diz: — Eu sei que você não está confortável
de nos tocarmos perto de sua casa, e eu respeito isso. Caso
contrário, eu já teria você nua. Entendido?

Porra, ele é intenso. Engulo nervosa e aceno.

— Bom. Agora fale.

Eu debato comigo mesma em silêncio por um tempo, mas


Aidan não insiste. Ele simplesmente fica lá olhando para mim
como se eu estivesse prestes a revelar alguns segredos místicos do
universo que estavam perdidos para a raça humana desde que
éramos habitantes das cavernas.

Finalmente, digo: — Ok. Mas eu gostaria de pedir que, depois


de dizer o que vou dizer, você não dê muita importância a isso.

— Defina muita importância.

Solto um suspiro e balanço a cabeça. — Acho que você sabe o


que quero dizer, Clube da Luta.

Um leve sorriso levanta seus lábios. — Sim. Só queria mantê-


la falando.
— Alguém já te disse que você é um idiota?

— Sim. Você. Duas vezes. Você não quis dizer isso nenhuma
vez. Volte aos trilhos e me diga o que preciso ouvir.

Enfio as mãos no cabelo, fecho os olhos e conto até dez. O


homem é impossível.

— Você pode ficar aí com as mãos pressionadas contra a


cabeça pelo tempo que quiser, mas eu ainda estarei aqui
esperando.

— Acredito nisso. — Abro os olhos, deixo meus braços ao meu


lado e olho para ele. — Ok, Aidan. Aqui está o acordo. Gosto de
você. O que tenho certeza que você já sabe, a propósito, esta é
apenas sua maneira de me torturar.

Faço uma pausa por um instante, mas ele não nega, então
continuo.

— Se você caísse do meu telhado e quebrasse o pescoço, isso


iria me foder seriamente.

Quando ele abre a boca para me interromper, levanto a mão.


— Eu não terminei. Você terá sua vez.

Um grunhido baixo de desagrado ecoa em seu peito, mas eu o


ignoro.

— Estou muito atraída por você. — Lembrando o quão


descontroladamente montei seu pau e o quão forte gozei, o calor
em minhas bochechas fica mais quente. — Acho que já
estabelecemos isso sem sombra de dúvida. Também me sinto
segura com você. E por algum motivo bizarro, confio
instintivamente em você, o que não acontece com ninguém, mas
principalmente com os homens. Demorou seis meses de namoro
antes que eu deixasse meu futuro marido ver o interior do meu
apartamento, então essa coisa que está acontecendo aqui, apesar
de ser nova, é diferente. Não sei nada, além disso, e espero que
você não me pressione por mais, porque tendo a agir como uma
loba encurralada quando estou encostada na parede, e acredite em
mim quando digo que isso não é bonito.

Fico em silêncio. Feroz e sem piscar, Aidan me encara.

Acrescento timidamente: — Eu também, hum, nunca, uh,


interpretei ou o que quer que fizemos quando você estava me
perseguindo pelo seu apartamento, e...

Aidan praticamente grita: — E?

Deixo escapar, — E eu adorei. Quero fazer isso de novo.

Então fico ali vibrando de vergonha e desejando poder voltar


atrás.

Depois de um período interminável em que sofro em silenciosa


humilhação, Aidan diz: — Tudo bem.

Desconcertada, pisco. — O que você quer dizer com tudo bem?

Seu sorriso vem lento e quente. — Apenas o que eu disse. —


Ele aponta para o teto. — Vou subir no telhado e cuidar dessa lona
agora.

E o bastardo dá meia-volta e sai pela minha porta da frente.

Ele sai!
Grito atrás dele: — Quer saber? Eu só estava brincando! Eu
inventei tudo isso!

Ele não pode me ouvir, mas isso me faz sentir melhor de


qualquer maneira.
Caro Dante,

Fiquei com dúvidas sobre escrever ou não para você de novo, já


que acho que você pode ser instável. Mas você também pode estar
sozinho, e se alguém entende sobre solidão, sou eu.

O verso que você enviou foi muito poético.

Desculpe, mas não consigo pensar em mais nada para dizer


sobre isso agora.

O que eu gostaria de dizer é que espero que você não seja


perigoso e esteja prestes a receber liberdade condicional, porque
cara, eu seria uma idiota quando a polícia encontrasse meu cadáver
e nossa correspondência. Já consigo ver a manchete:

“A mulher mais burra do mundo ignora toda a lógica e escreve


cartas ao prisioneiro que eventualmente a mata”!

Ok, isso é muito, mas você entendeu meu ponto. Todos nós já
ouvimos sobre o romance do amigo da prisão que deu errado. Não
que eu esteja sugerindo que haja algo romântico aqui, veja bem! Só
que vou parecer muito estúpida se você escapar da prisão e me
matar.

Especialmente depois de escrever essa última linha.

De qualquer forma. Provavelmente vou destruir isso antes que


tenha a chance de ser enviado. Mas caso eu não destrua, por favor,
considere ser sincero sobre o que você fez para ser sentenciado à
prisão. Acho que posso pedir ao meu amigo detetive que me diga o
porquê, as pessoas na posição dele provavelmente têm acesso a
todos os tipos de informações confidenciais, mas prefiro ouvir de
você.

Por enquanto é isso. Duvido que você leia esta carta, porque
tenho noventa por cento de certeza de que vou rasgá-la, mas se não,
bem...

Tome cuidado, eu acho?

Atenciosamente,

Kayla
São três horas da manhã quando termino a carta. Estou
acordada desde a uma, andando pelo meu escritório, incapaz de
dormir. Minha mente gira como um carrossel frenético de
perguntas.

Quem era o homem à beira da água?

O que significa encontrar a moeda búfalo de Michael no local


exato em que ele estava?

Quando decidi que era razoável ter um amigo por


correspondência na prisão?

Onde posso encontrar meu cérebro?

E, finalmente, por que Aidan foi embora sem se despedir?

Porque foi exatamente isso que aconteceu. Depois de sair no


meio da nossa conversa, ele subiu numa escada até o meu telhado,
colocou uma lona azul à prova d'água sobre uma parte dela, tirou
um pouco de isolamento úmido do sótão, depois saiu rugindo para
a escuridão em sua caminhonete grande de macho, como se a
mulher com quem ele fodeu quase ao ponto de morrer na noite
anterior não estivesse lá dentro esperando por ele.

Eu realmente não entendo os homens.

Lidar com homens é como lidar com uma espécie alienígena


hostil que aterrissou no planeta e decidiu que nossa linguagem e
costumes são bobos demais, e daqui em diante devemos ser
tratados com leve desdém e/ou como objetos de liberação sexual
aleatória antes de sermos ignorados como seres inferiores
novamente.

Sinto-me melhor com o alarme, no entanto, então isso é uma


coisa positiva.

A pequena luz verde no hub brilha alegremente para mim da


parede ao lado da porta, lembrando-me de que, no mínimo, posso
trazer os policiais aqui em menos de dez minutos se eu esquecer
de desativar o alarme.

Ou se alguém entrar para tentar me matar, mas não estou


pensando nisso.

Dobro a carta para Dante em três e coloco em um envelope.


Coloco-o na gaveta de cima da minha mesa, pensando que vou
decidir se quero enviá-la ou não pela manhã. Então caio
pesadamente na cadeira da escrivaninha e distraidamente esfrego
a moeda búfalo entre dois dedos enquanto olho para as cortinas,
absorta em pensamentos.

Até que bem acima da minha cabeça, no quarto principal, uma


tábua do assoalho estala.

Congelo, olhando para o teto. Quando nada mais acontece


depois de vários segundos excruciantes, olho para a central de
segurança na parede nervosa.

A luz verde brilha tranquilizadoramente de volta para mim.

Relaxo por dois segundos até que outra tábua do assoalho


range no alto, depois outra, e começo a suar frio.
— É o vento, — eu sussurro, agarrando os braços da cadeira
e hiperventilando. — É só o vento.

Meu cérebro decide acordar de seu coma recente para


lembrar-me de que meus ouvidos não podem ouvir um sopro de
vento soprando do lado de fora das janelas.

Respondo com o fato indiscutível de que ninguém poderia


estar na casa já que tranquei todas as portas e armei o sistema de
segurança antes de ir para a cama.

Meu cérebro – o idiota – sugere, sem levar em conta meu bem-


estar emocional, que talvez quem está fazendo aquele barulho lá
em cima já estava na casa antes disso.

Porra.

— Recomponha-se, Kayla, — sussurro enquanto minhas mãos


começam a tremer. — Ninguém está na casa, a não ser você.

Quando o silêncio acima da minha cabeça continua pelos


próximos cinco minutos, decido que não estou mais com medo.
Estou brava.

Comigo mesma.

Porque se eu tivesse ouvido outro rangido, não tenho dúvidas


de que teria saltado da cadeira e corrido gritando pela porta da
frente, apenas para fazer outra aparição surpresa no apartamento
de Aidan, fazendo papel de boba mais uma vez.

Armada com minha nova raiva, respiro fundo e vou até a porta.

Estou bem quando saio do escritório e olho em volta. Estou


bem enquanto subo as escadas e olho para o quarto principal, que
está exatamente como deixei, sem nenhum intruso rangendo o
piso à vista. Também estou bem enquanto verifico todos os quartos
do andar de cima, acendendo as luzes, sentindo-me mais e mais
ridícula a cada segundo que passa quando não encontro nada fora
do lugar.

Não é até eu voltar lá embaixo, entrar na cozinha e acender as


luzes do teto que vou de bem a enlouquecer.

Cada gaveta está aberta. Todas as portas do armário estão


escancaradas.

Coloco minhas mãos sobre minha boca para abafar meu grito
aterrorizado.

Fico paralisada, ouvindo meu pulso rugir em meus ouvidos. A


adrenalina queima em minhas veias, incitando-me a correr, mas
estou enraizada no chão com medo. Não consigo mover um
músculo.

A sensação sinistra de que estou sendo observada lentamente


toma conta de mim.

Quase choro de terror. Mas consigo me segurar e viro para ver


se alguém está atrás de mim.

Mas não há ninguém. Estou sozinha.

Só eu, minha paranoia e as gavetas e armários, que


aparentemente têm trilhos e dobradiças engraxados demais.

Porque não há outra explicação para isso. Porque a cozinha


simplesmente não decide abrir as coisas sozinha.
Só que talvez sim, porque do nada, um pote de mel voa de uma
prateleira e se despedaça no meio do chão da cozinha.

Meus nervos não são páreo para isso.

Eu pulo, grito e giro, correndo em direção ao meu escritório.


Abro a porta, fecho-a, tranco e mergulho atrás do sofá, enfiando-
me entre ele e a parede.

Fico ali enrolada em uma bola aterrorizada e trêmula até o sol


nascer quatro horas depois.

De manhã, sinto-me como uma idiota gigantesca.

Engraçado como a luz do dia pode afugentar até o mais


assustador dos monstros.

Assim que o sol nasceu, finalmente lembrei de ver o feed da


câmera no meu telefone. Devo ter apertado o play e rebobinado
uma centena de vezes, mas não havia nenhuma evidência de
alguém chegando perto da casa, exceto quando Jake partiu à tarde
e quando Aidan chegou e saiu mais tarde.

E de acordo com meu confiável centro de segurança, o


perímetro da casa nunca foi violado.

Ninguém subiu por uma janela.

Ninguém chutou uma porta.


Fiquei aqui sozinha a noite toda.

Quanto aos armários e gavetas abertos, lembro-me que existe


a possibilidade considerável de eu ter feito isso e não me lembrar.
Se eu somasse todos os pequenos lapsos em minha memória
ultimamente, poderia ter um caso convincente de demência
precoce.

Por que diabos eu poderia ter sentido a necessidade de deixar


minha própria cozinha em tal estado é um mistério, mas também
pode ter havido um pequeno terremoto que eu perdi que explicaria
isso.

Certo? Isso é plausível.

Mais plausível do que as outras coisas que não estou me


permitindo considerar.

Em relação ao pote de mel voador, bem… eu estava


supermotivada. Ele provavelmente caiu da prateleira, não voou, e
em meu estado agitado, confundi isso, junto com o medo do ranger
do piso e o armário estupido aberto, como sendo mais do que era.

Sei muito bem que estou racionalizando, mas é o que fazemos


quando nos deparamos com a possibilidade de que seu domínio da
realidade esteja em questão.

Considero voltar para o grupo de luto, mas descarto essa ideia


o mais rápido que ela vem. Se eu quiser ficar deprimida, estou indo
muito bem por conta própria.

Considero ligar para Eddie, o faz-tudo, para pegar o número


de seu psiquiatra. Mas, após cuidadosa análise, decido que, se
Eddie é o produto final da psicanálise, talvez seja melhor evitar
isso.
Se vou gastar centenas por semana descarregando minhas
várias neuroses em um terapeuta, gostaria de sair do outro lado
sem a necessidade de fumar o que cheirava a uma safra inteira de
maconha para conseguir passar pelos meus dias.

Preparo-me para sair do escritório e encarar a cozinha, mas


quando chego lá, sinto-me curiosamente decepcionada. À luz do
dia, as gavetas e armários abertos parecem totalmente benignos.
Esperava ficar pelo menos nervosa, mas a única coisa que sinto é
uma leve irritação.

É totalmente decepcionante.

Fecho os armários e as gavetas, depois limpo a bagunça


pegajosa de mel e cacos de vidro do chão. Despejo os baldes
plásticos de água da chuva na pia.

Graças à lona de Aidan, o teto parou de vazar. As manchas de


água se parecem assustadoramente com dois grandes olhos
olhando para mim acusadoramente.

Olhando para eles, murmuro: — Não me dê esse olhar. Você


teria ficado com medo também.

Debato se devo ou não ligar para Aidan, mas decido que não.
Não sei sobre o que foi sua estranha reação ontem, mas sei que
não vou recompensá-lo por fugir depois de insistir que eu lhe
mostrasse todas as minhas cartas.

Mas isso é típico, não? No minuto em que você começa a falar


sobre sentimentos, os homens ficam surdos e mudos de repente.
É como o superpoder deles.

Pensar nisso me deixa deprimida.


Tomo banho e me visto, depois trabalho até que seja tarde o
suficiente para não me sentir uma completa degenerada por abrir
uma garrafa de vinho. Depois de dois copos, decido voltar ao
trabalho. Consigo terminar a parte do menino-alimentando-o-
coelho-falante que venho trabalhando por muito tempo, e passar
para a próxima na história. Preciso completar vinte e sete
ilustrações deste livro, e só tenho seis semanas, então preciso
apressar-me para cumprir o prazo da editora.

Mas meus dedos decidem desenhar outra coisa.

A árvore toma forma primeiro. É uma sempre-viva alta com


uma ponta torta e galhos mais baixos e desgrenhados. Em
seguida, surge a faixa rochosa da costa. Um céu escuro cheio de
nuvens sinistras é o próximo, seguido por pássaros marinhos
grandiosos e água tempestuosa.

A figura aparece por último.

Alto e esquelético, o homem espia por trás do tronco da árvore,


os olhos escondidos pela aba do chapéu, os dentes à mostra em
uma careta feia.

Uma careta hostil.

Uma realmente assustadora.

Meu coração bate mais rápido, largo a caneta, sento na cadeira


e olho para o desenho.

Algo neste homem é familiar.

Não consigo decidir o que é, mas sinto como se já o tivesse


visto antes. Mas onde?
Quando a campainha toca, eu pulo. Estou de pé antes de me
lembrar de ver o vídeo no aplicativo. Mas quando pego meu celular
na mesa e navego para a transmissão ao vivo, a varanda da frente
está vazia.

Irritada, digo em voz alta: — Pare com isso, casa!

Como se respondesse, a lâmpada da mesa pisca.

Congelo e olho para ela tremendo. Meu pulso e pressão arterial


aumentam junto com minha ansiedade. O momento se estende até
que sinto como se meus nervos fossem quebrar com a tensão.

Não sei exatamente o que estou esperando, mas seja o que for,
já estou com medo.

Então chega uma mensagem com seu toque alegre, e dou um


pulo tão forte, que deixo o telefone cair.

Fico com os dedos pressionados nas têmporas por um


momento, tentando recuperar o fôlego, antes de me curvar para
pegar o telefone do tapete. Minhas mãos tremem tanto que estou
envergonhada de mim mesma. Mas quando vejo a mensagem,
expiro aliviada.

Você não me ligou. Agora seria um bom momento para corrigir


isso.

— Ah, Aidan. — Suspiro, balançando a cabeça. — Você vai dar


trabalho, não é?

Disco o número dele e tento fingir que ainda não o tenho


memorizado.
Ele atende depois de um toque. — Olá, coelhinha linda, — diz
ele com uma voz rouca.

— Olá para você.

Meu tom deve ter sido menos entusiasmado porque depois de


uma batida, ele diz: — Você está brava comigo.

— Brava é uma palavra muito forte. É mais como irritada.

— O que eu fiz para ganhar à ira de uma coelhinha tão doce?

Irritada com o humor em seu tom, digo rispidamente: — Talvez


você precise de um tempo para pensar sobre isso.

— E talvez você precise de uma surra para lembrá-la com


quem você está falando.

— Essa ameaça teria muito mais peso se você não estivesse


rindo de mim.

— Eu não estou rindo. Estive obcecado por sua bunda perfeita


o dia todo. Como ficou rosa quando eu a espanquei. Como você
gemeu. — Ele faz uma pausa. — Eu me pergunto o quão alto você
vai gemer quando eu a foder?

Ah sim. Aí vem aquela onda de calor se espalhando acima do


meu pescoço até minhas bochechas, como acontece toda vez que
o homem abre a boca e diz algo para mim.

Limpo minha garganta seca. — Você está perguntando em um


nível profissional, como meu carpinteiro? Porque se for assim,
acho que talvez precise apresentar uma reclamação.
— Com quem? Eu sou o dono da empresa. — Sua voz cai. —
E não há nível profissional aqui, querida. Não me entenda mal.
Isso é tudo pessoal.

Estou suando. Por que estou suando? Cristo, estou assando


viva.

Puxando a gola da minha blusa, digo: — Se é tão pessoal, por


que você foi embora sem se despedir ontem?

— Venha aqui, e eu vou te dizer.

Ganhando tempo, pergunto: — Onde é aqui?

Ele diz baixinho: — Você sabe onde. E não se preocupe em


usar calcinha. Elas só serão rasgadas em pedaços.

Ele desliga, deixando-me ainda mais desorientada e trêmula


do que antes dele ligar.

Hesito, indecisa se devo ir ao apartamento dele.

Eu sei que não é sábio. Tomei duas taças de vinho, tenho


trabalho que precisa ser feito, e ele é uma ladeira escorregadia que
estou escorregando na velocidade da luz. Uma bela distração dos
destroços da minha vida.

O perigo das distrações, porém, é a rapidez com que elas


podem se tornar viciantes.

— E você já não passou por bastante? — Sussurro, olhando


para a foto emoldurada na parede de Michael e eu no dia do nosso
casamento.
Era uma tarde gloriosa de maio. O céu estava sem nuvens pela
primeira vez, e o cheiro de madressilva perfumava o ar. De pé ao
meu lado em um smoking nos degraus da igreja, Michael olha para
mim. Ele está sorrindo amplamente, bonito mesmo de perfil, um
braço em volta da minha cintura.

Usando um espumoso vestido sem mangas de seda e renda,


segurando um buquê de lírios brancos puros, estou ao lado dele,
olhando diretamente para a câmera.

Ao contrário de Michael, não estou sorrindo.

Lembro-me de como eu estava nervosa naquele dia. Como meu


estômago se revirou em nós. Com que força Michael apertou
minhas mãos enquanto recitávamos nossos votos. Mais tarde, ele
disse que eu estava tão pálida e trêmula que pensou que eu
poderia desmaiar ali mesmo no altar.

Eu nunca disse a ele que vomitei antes de caminhar pelo


corredor. Isso não é algo que você quer que seu cônjuge se lembre.
Também não é algo que você queira se lembrar. Não há lugar para
essas coisas no que deveria ser o melhor dia da sua vida.

E então eu a tranquei, tão eficientemente que essa memória


em particular não veio à tona.

Até agora.

Percebo algo na foto que nunca havia notado antes. Alguns


centímetros abaixo do meu ombro direito há uma mancha no meu
bíceps. Aproximando-me da foto, aperto os olhos para vê-la.
Levantando minha mão, traço um dedo sobre o vidro onde está a
mancha.

Mas não borra porque não é uma mancha.


É uma contusão.

Um pequeno hematoma escuro em forma de polegar.

Eu paro. Algo escuro se transforma em tempestade dentro de


mim. Um barulho como mil batidas de asas ecoa em meus ouvidos.
Por baixo, há um som abafado que pode ser um grito, mas soa
como se estivesse vindo de muito longe.

Ou de debaixo d'água.

Todos os minúsculos cabelos na parte de trás do meu pescoço


se arrepiam.

Sinto como se um entendimento importante estivesse fora do


meu alcance, uma chave para uma fechadura que eu nem sabia
que existia até este momento.

O que é isso? O que estou perdendo?

Então a lâmpada da mesa pisca novamente, quebrando o


feitiço.

Balançando a cabeça para limpá-la, envio uma mensagem a


Aidan com as mãos trêmulas.

Vou agora.
Antes que eu possa bater, Aidan abre a porta.

Ele me puxa, chuta a porta, pega-me em seus braços e me


beija apaixonadamente.

Eu o beijo de volta, desesperada para que ele me faça esquecer


tudo, menos a sensação de quando sua boca está na minha.

Sem uma palavra, ele puxa minha camiseta sobre minha


cabeça, joga no chão e me beija novamente.

Ele não está vestindo uma camisa, então meus seios estão
pressionados contra seu peito nu. Sua pele está lisa e quente, e ele
parece maravilhoso.

— Acho que você deveria estar dizendo o porquê você saiu sem
se despedir ontem, — provoco.

Em vez de responder, ele me pega no colo e me leva para seu


quarto. Fico maravilhada que ele possa fazer isso com tanta
facilidade, porque não estou nem perto do que poderia ser descrito
como pequena. Depois ele está nos abaixando no colchão e
pressionando o comprimento longo e duro de seu corpo contra o
meu, e esqueço sua força porque estou muito ocupada deliciando-
me com a sensação dele em cima de mim.

— Eu amo o quanto você pesa, — digo sem fôlego, contorcendo


debaixo dele. — Você é tão forte. — Quase acrescento: Isso me faz
sentir segura, mas mordo minha língua a tempo.
Agora não é hora de conversar sobre meu recente colapso
depois do que aconteceu na cozinha.

Beijando meu pescoço, ele diz: — Esse é o número um da lista


que você ia fazer sobre todas as coisas que você gosta em mim?

— Não está nem entre os dez primeiros. Por favor, continue


fazendo isso. Eu amo a sensação da sua barba na minha pele.

No meu ouvido, ele diz rispidamente: — É a segunda vez que


você disse a palavra amor, coelhinha. — Quando não respondo, ele
levanta a cabeça e olha para mim com uma sobrancelha arqueada.

Tremendo, sussurro, — Hum. Ok.

Ele ri.

— Ei, se você pode usar essa palavra para estender conversas


inteiras, eu também posso.

— Ah, você acha que as mesmas regras se aplicam a coelhos


e lobos maus?

Seu tom é sombrio e quente, e há um brilho emocionante de


perigo em seus olhos. Sabendo exatamente o que estou fazendo,
pisco para ele inocentemente.

— Eu pensei que os coelhos faziam as regras que os lobos


tinham que seguir.

— Não, você não pensou isso. Mentirosa.

Ele me vira, puxa meu jeans pelos meus quadris e me espanca.

Quando acaba e estou ali deitada, ofegante e tremendo de


necessidade, ele diz baixinho: — Foi muito forte?
— Não.

— Pense nisso por mais de meio segundo antes de responder.

Esticando o pescoço, olho para ele por cima do ombro e


encontro seu olhar ardente. — Eu sei que você está preocupado
que você vai me machucar. Obrigada por isso, mas eu gosto de
bruto.

Olhando para mim com aqueles olhos escuros acesos, ele diz:
— Precisamos ter uma palavra de segurança, apenas no caso.

— O que exatamente é uma palavra de segurança?

— É uma palavra que faz com que tudo pare quando você a
diz.

— Hum. Que tal brega?

Ele arqueia as sobrancelhas, esperando uma explicação.

— Porque é brega.

— Não, é necessário. Precisamos nos comunicar claramente


sobre essas coisas.

Eu franzo a testa para ele. — Desde quando você é o Sr.


Conversação? Metade do tempo eu mal consigo um grunhido seu.

Ajoelhando-se sobre mim e acariciando a palma da mão sobre


uma das bochechas da minha bunda, ele sorri. — Isso é
engraçado.

— De que maneira, exatamente?


— Falo mais com você em um dia do que com qualquer outra
pessoa em uma semana.

Faço uma careta para ele. — Sério? Como você ainda é dono
de um negócio? Você conhece a linguagem de sinais ou algo assim?

Ele se abaixa e morde minha bunda. Quando grito de


surpresa, ele morde a outra bochecha, rindo contra a minha pele.

— Que coelhinha tagarela, — ele sussurra, esfregando a barba


sobre o meu traseiro. Então ele desliza a mão entre as minhas
pernas, e sua voz ganha um tom. — E tão pronta para mim.

Fecho os olhos e enrolo os dedos nos lençóis, deitada imóvel


enquanto ele desliza os dedos pela minha umidade. Ele leva seu
tempo, acariciando meu clitóris preguiçosamente até que estou
ofegante.

— Aidan?

— Sim, baby?

— Preciso de mais.

— E você vai conseguir. Quando eu estiver pronto para dar a


você.

Viro meu rosto para os lençóis e contorço meu traseiro,


tentando apressá-lo.

— Coelha má, — ele sussurra calorosamente.

— Por favor?
Seu gemido é suave. Ele puxa meu clitóris, beliscando-o
suavemente entre dois dedos para provocar um suspiro, junto com
mais necessidade e remexer de bunda.

— Por favor, Aidan. Por favor.

Em uma voz sombria e sensual, ele diz: — Mexa essa bunda


mais uma vez, e eu vou entender que você quer que eu a foda.

Eu paro. Respirando com dificuldade, meu corpo inteiro


tremendo, digo: — V-você quer?

— Você sabe que eu quero. Sabe o que mais eu quero?

Posso sentir o cheiro dele nos lençóis. O almíscar terroso e


quente de seu corpo, aquele cheiro inesquecível e inebriante de um
macho em seu auge.

Quero rolar nesses lençóis como um cachorro na lama,


deixando seu cheiro em cima de mim, sufocando minha pele com
aquele cheiro delicioso para que eu nunca possa lavá-lo do meu
corpo.

Eu sussurro: — O quê?

Ele se inclina perto da minha orelha, tão perto que sinto o


calor saindo dele em ondas.

— Tudo. Eu quero tudo que você tem para me dar, Kayla. E eu


quero que você me dê sem hesitar. Sem questionar. E sem
arrependimentos.

O puro domínio e desejo em sua voz me faz estremecer. Meus


mamilos estão duros e minha boceta está latejando, e eu assinaria
a escritura da minha casa e tudo mais que tenho agora, se ele se
apressasse e me fodesse.

Eu deixo escapar, — Ok.

Para minha grande decepção, ele diz: — Não. Ainda não


chegamos lá.

— Eu sim!

Sua expiração é irregular, enviando uma onda de ar quente


sobre meu ombro. — Doce menina. Eu amo que você tenha dito
isso. Mas você não chegou lá.

Ele afunda seus dentes em meu ombro, fazendo-me


estremecer em desespero.

— Como chegamos lá?

— Tempo.

Ele desliza um dedo dentro de mim, pressionando


profundamente. Eu gemo, amando a sensação, mas ainda
precisando de mais.

— E prática.

Ele adiciona outro dedo, trabalhando dentro de mim enquanto


aperto os lençóis.

— Muita prática.

Ele empurra os dedos para dentro e para fora, mordendo-me


com mais força enquanto o dedo me fode. Inclino meus quadris e
abro mais minhas coxas, meu coração acelerado e meu corpo
respondendo a ele como se ele estivesse tocando um instrumento.
— Oh Deus. Aidan. Aidan.

Em meu ouvido, ele suavemente ordena: — Implore-me para


deixar você gozar.

— Sim! Por favor, sim, isso é exatamente o que eu ia dizer, por


favor, por favor, deixe-me gozar?

Não me importo se estou gaguejando. Não me importo com


minha aparência, contorcendo-me sem pensar debaixo dele. Nem
me importo que tudo o que precisei para entregar a ele as rédeas
da minha mente e corpo foram algumas palavras, ditas naquele
tom suave e dominante que de alguma forma me deixa louca.

Tudo o que me importa é o fogo entre minhas pernas que


preciso que ele apague imediatamente.

— Olhe para você se fodendo em meus dedos, — ele rosna. —


Olhe para esses quadris gananciosos se movendo. Minha
coelhinha não sabe que deve pegar o que eu quero dar a ela?

É uma pergunta que não requer resposta. O que é bom, porque


não sou capaz de falar no momento, de qualquer maneira.

Na voz mais dominante que ele já usou, Aidan diz: — Aqui


nesta cama, é isso que acontece: eu dou. Você toma. Você vai
tomar e você vai tomar até se despedaçar, então você vai me
implorar para despedaçar tudo de novo.

À beira do orgasmo, eu soluço.

— Não se atreva a gozar sem minha permissão, — ele rosna,


empurrando aqueles dedos longos e duros dentro de mim uma e
outra vez.
Faço um som distorcido de prazer e esmago freneticamente
contra sua mão. Meus olhos rolam para trás na minha cabeça.

Assim que estou prestes chegar ao extremo, Aidan tira seus


dedos de mim.

Ignorando meu gemido de protesto, ele puxa meu jeans pelas


minhas pernas e o joga. Ele me coloca de joelhos e me dá uma série
de tapas rápidos e doloridos na minha bunda enquanto agarra a
parte de trás do meu pescoço, segurando minha cabeça e peito
contra o colchão.

Não é o suficiente. Quero mais forte, quero mais rápido, quero


que ele me arruíne.

Quero que ele me faça esquecer meu próprio nome.

Ele para de me bater no instante em que gemo.

Ofegante, ele diz: — Fale comigo.

A única coisa que consigo fazer é arfar sem fôlego, — Mais.

Ele passa a mão sobre meu traseiro em chamas, então se


abaixa para beijá-lo. Então ouço o som de um zíper sendo aberto.
Um momento depois, a cabeça de seu pau duro cutuca minha
entrada.

Com os dentes cerrados, ele diz: — Repita a palavra segura.

— Brega.

— Boa menina.

Agarrando meus quadris, ele empurra dentro de mim com um


grunhido rouco.
Desta vez, meu gemido é de gratidão.

Então ele me fode. Forte e rápido, seus dedos cavando em


minha carne. Sinto a picada fria de metal na parte de trás das
minhas coxas e percebo que ele não tirou todo o seu jeans antes
de me pegar.

Ele também não podia esperar mais.

Ele se inclina, chegando debaixo de mim para apertar meu


peito. Ofegante e puxando meu mamilo duro, ele entra em mim
implacavelmente até que meus gemidos ficam tão altos que ecoam
nas paredes. Minha boceta aperta em torno de seu pau.

— Não se atreva, — ele sibila.

O aviso só me deixa mais quente. Flexiono meus quadris no


ritmo de seus impulsos, esforçando-me para tê-lo o mais fundo
que ele puder entrar em mim, até que de repente ele fica parado.

Respirando com dificuldade, ele move a mão do meu peito para


baixo entre as minhas pernas. Ele desliza os dedos, em seguida,
dedilha as pontas dos dedos para frente e para trás sobre meu
clitóris inchado.

Como ele, sem dúvida, sabia que aconteceria, isso me faz ter
um orgasmo instantaneamente.

Gritando, empurro violentamente. Minha boceta convulsiona,


apertando uma e outra vez em ondas fortes e rítmicas.

— Goze, baby! Ah, foda-se sim, goze para mim!

Ele parece triunfante.


Entendo então que me proibir de chegar ao clímax era parte
deste jogo, que ele sabia que cada minuto que eu segurasse,
aumentaria meu prazer quando finalmente o soltasse, e estou
estupidamente grata por ele saber o que está fazendo porque isso
é exatamente o que eu precisava.

Ele é exatamente o que eu precisava.

Um estranho bonito com segredos nos olhos e um jeito de me


olhar como se já soubesse tudo o que há para saber sobre mim.
Como se eu fosse um livro que ele leu mil vezes e destacou todas
as suas partes favoritas.

Como se ele já soubesse como isso acabaria.

Ele cai em cima de mim, empurrando-me de barriga para baixo


no colchão e me prendendo com seu peso. Com as duas mãos
apertadas no meu cabelo, ele empurra com força mais algumas
vezes, então geme meu nome.

Estremecendo, ele se despeja dentro do meu corpo.

Fecho meus olhos e me preparo para a enorme onda de


emoção que atinge um pico acima, então me rendo à sua escuridão
agitada enquanto ela cai e me leva, caindo longe.
Depois, não falamos.

Não sei se ele está se sentindo tão emocionalmente cru quanto


eu ou se ele simplesmente não tem nada a dizer, mas ele sai de
cima de mim e vai para o banheiro, fechando a porta atrás dele.

A torneira abre. O vaso sanitário dá descarga. Ele reaparece


carregando uma toalha molhada e uma toalha de mão. Ele
silenciosamente me empurra de costas e passa a toalha
suavemente entre as minhas pernas enquanto deito ali sentindo
como se todos os meus ossos tivessem se transformado em líquido.

Ele me seca com a toalha de mão, então se levanta e desliga o


interruptor de luz. Então ele rasteja no colchão ao meu lado, puxa-
me pela barriga contra seu peito e enterra o rosto no meu cabelo,
inspirando profundamente.

Quando ele expira, soa como se cem anos de frustrações


reprimidas deixassem seu corpo na mesma respiração.

Por acaso, sua respiração diminui para um ritmo profundo e


uniforme que me diz que ele está dormindo.

Fico lá no escuro envolta do seu calor e penso em Michael.

Fui uma boa esposa?

Não sei. Tentei ser. Mais do que tudo, eu queria fazê-lo feliz.
Ele queria que eu fosse feliz também, e eu achava que éramos
perfeitos um para o outro. Todos os nossos pedacinhos irregulares
combinaram. Nós nos encaixamos.

Mas nosso relacionamento não era nada disso.

Eu sei que é injusto fazer comparações. Também sei que é


injusto eu ter mentido para Aidan sobre estar separada do meu
marido em vez de simplesmente dizer a verdade a ele.

Mas ele me pegou desprevenida. Eu não tinha ideia de que algo


remotamente parecido com isso aconteceria. Eu não estava
preparada para o tamanho da nossa atração, para a força dela,
para a forma como sou atraída por ele com uma intensidade que
me sinto estranhamente impotente a resistir.

Então simplesmente o deixei acreditar que Michael ainda


estava vivo. Parte de mim quer acreditar nisso também. Parte de
mim quer acreditar que isso não é verdade:

Meu marido está morto.

Ele caiu do nosso barco e se afogou.

Eu vi acontecer.

Talvez eu não tenha contado a Aidan sobre isso porque não


quero reviver essa última parte. Os respingos de água e os gritos.
Os gritos desesperados de Michael por ajuda ficavam cada vez
mais fracos à medida que o barco se afastava cada vez mais.

O cheiro de fumaça sobre a água escura e a risada irritante e


horrível que parecia vir de todos os lugares.

Não contei ao detetive que me interrogou depois do acidente


sobre o riso. Não é exatamente algo que eu possa explicar.
Devo adormecer em algum momento, porque a próxima coisa
que sei é que o quarto está claro e a mão grande de Aidan está
acariciando suavemente minha bunda. Ele ainda está atrás de
mim na mesma posição que estava quando adormeceu.

Ele murmura: — Bom dia, coelhinha. Dormiu bem?

Virando minha cabeça para ele, inspiro e estico minhas


pernas, curvando meus dedos dos pés. — Acho que sim. Você?

Ele dá um beijo na minha nuca. Sua mão desliza sobre meu


quadril e desce entre minhas pernas. — Como os mortos.

— Hum. Essa coisa grande e dura cutucando meu cóccix não


parece muito morta.

Ele ri. — Você não pode culpá-lo. Ele tem uma linda mulher
nua em sua cama.

Quando ele desliza os dedos dentro da minha boceta e os


acaricia sobre meu clitóris, suspiro de prazer.

— Estou obcecado por esse som, — diz ele, sua voz mais
sombria. — Com todos os sons que você faz. Não me canso de você,
Kayla.

Ele me morde no ombro. Não é forte, mas é dominante. Como


algo que um animal faria antes de montar em sua companheira.

— Você está tremendo.

— Não é de frio.

— Eu sei, Baby. Hora de sentar na minha cara.

Meus olhos se abrem. — Perdão?


— Você me ouviu. E a partir de agora, espero que você obedeça
a uma ordem na primeira vez que eu disser.

Meu coração dispara. Fico deitada com a mente a um milhão


de quilômetros por hora até que me arrisco hesitante: — Quero te
perguntar uma coisa, mas não quero que pense que estou sendo,
hum, desobediente. Estou apenas tentando descobrir as regras.

Ele beija meu ombro, então meu pescoço. Na verdade, beijar


não é realmente o que ele está fazendo. É mais como lamber e
chupar. Como se ele estivesse provando minha pele e achasse
deliciosa.

Mordiscando o lóbulo da minha orelha, ele sussurra: — Peça


ao seu mestre permissão para falar.

Oh Deus. Oh querido santo Deus do céu, isso está realmente


acontecendo.

Ele! Apenas! Disse! Isso!

Calmamente chupando meus ombros e pescoço com seus


lábios e língua, Aidan preguiçosamente esfrega seus dedos para
frente e para trás sobre meu clitóris, que agora está dolorosamente
sensível. Meus mamilos também. Assim como todo o meu sistema
nervoso, que parece prestes a explodir.

Hiper ventilando, sussurro: — Posso, por favor, ter permissão


para falar... mestre?

Com a voz baixa e hipnótica, ele diz: — Sim, minha linda e


perfeita coelhinha. Você pode.

Então ele pressiona os dentes ao lado da minha garganta e


desliza um dedo dentro de mim.
Meu grito de prazer é suave e quebrado. Levo um momento
para lembrar o que diabos eu ia dizer. — Eu... eu não sei
exatamente o que você quer dizer com sentar no seu rosto.

— Não é ciência de foguetes.

— Sim, mas quero dizer, logisticamente, como isso funciona?


Eu, tipo, apoio minhas mãos contra a parede para me equilibrar?

Ele parece surpreso. — Você nunca fez isso antes?

— Não. E eu não quero sufocar você.

Sua risada é abafada contra a minha pele. Então ele geme. —


Porra, você é doce. Você é tão doce, só quero afundar meus dentes
em cada centímetro seu.

— Você está fazendo um bom trabalho até agora.

Ele me vira de costas e segura meu rosto em sua mão. Olhando


atentamente para mim, ele diz: — O que mais você não fez?

— Tudo que não inclua o estilo missionário ou cachorrinho


com as luzes apagadas. Ah, e oral. Mas nada…

— O quê?

Minhas bochechas estão esquentando, droga. — Excêntrico.

— Defina excêntrico.

— Eu acho que você sabe o que quero dizer, chefe.

Ele está tentando não rir de mim. Apertando os lábios, os olhos


iluminados, ele balança a cabeça. — É mestre ou senhor. Sem
chefe. Vou te dar um passe livre, mas da próxima vez, o desrespeito
vai te levar a uma surra.

Sorrio para ele. — Você diz isso como se já não soubesse que
adoro quando você me dá uma surra.

Ele me encara em silêncio por um momento, sua risada


desaparece. Sua voz sai áspera.

— Eu gostaria que você soubesse o quão perfeita você é. Quão


diferente e perfeita. Eu nunca conheci ninguém como você. Sempre
que estamos juntos, sinto-me como um novo homem. Um homem
melhor. Como se tudo de ruim que já aconteceu comigo não
importasse mais porque seu doce sorriso tira tudo.

O calor toma conta de mim. Parece que o céu acabou de se


abrir e estou sendo banhada por um brilhante raio de sol da
cabeça aos pés. Sentindo-me tímida, sussurro: — Que coisa bonita
de se dizer. Obrigada.

Ele me encara, seu olhar se movendo lentamente sobre meu


rosto, então ele me beija profundamente, sua mão ainda em
concha ao redor do meu rosto.

Contra a minha boca, ele murmura: — Vou deitar de costas e


você vai montar no meu rosto, baby. Não se preocupe em me
sufocar. Eu vou te segurar. Preparada?

Cintilando de necessidade e vergonha, sussurro: — Sim,


senhor.

Quando ele exala com o mais fraco dos gemidos, sei que o
agradei.

Assusta-me o quanto de repente quero agradá-lo novamente.


Ele vira de costas e me puxa para cima dele, apertando as
mãos em volta da minha cintura. Ele me empurra em direção à
parede, então subo, apoiada em minhas mãos e joelhos enquanto
ele se abaixa no colchão. Quando meus joelhos estão ao lado de
sua cabeça, ele me puxa pelos quadris até que minha boceta surge
logo acima de sua boca e estou olhando entre minhas pernas
abertas para ele.

Ele avisa: — Não goze até que eu lhe dê permissão. — E ele


agarra meu clitóris com a boca.

Eu suspiro. Minhas coxas tremem. Minhas pálpebras se


fecham. Ele me estabiliza agarrando meus quadris, então alcança
meus peitos com as duas mãos e aperta. Ele acaricia meus seios e
belisca meus mamilos enquanto lambe minha boceta, e duvido que
minha cabeça volte a ficar reta.

Quando gemo baixinho, ele tira uma mão do meu peito e me


dá um tapa na bunda. É forte e dói, e adoro.

Coloco minhas mãos contra o colchão e tranco meus cotovelos.


Flexiono meus quadris contra a boca de Aidan. Ele faz um som
suave de aprovação, então flexiono meus quadris novamente.

Ele puxa forte meu mamilo e dá um tapa na minha bunda,


fazendo-me gemer alto de prazer.

— Foda a minha boca, — ele ordena. — Monte meu rosto,


baby. Não me faça dizer de novo.

Tudo bem, senhor.

Eu moo minha boceta contra seu rosto, rindo sem fôlego


quando ele enfia sua língua profundamente dentro de mim. O riso
morre rapidamente porque sua boca é muito boa. Eu paro de me
preocupar que poderia sufocá-lo e realmente entro nisso,
concentrando-me na sensação de sua boca quente e molhada entre
minhas pernas e seus dedos calejados beliscando meu mamilo e
cavando em meus quadris.

Uma forte contração do meu útero me faz gemer.

Ainda brincando com meu mamilo, Aidan desliza um dedo


dentro de mim e chupa meu clitóris com mais força.

Sussurro roucamente: — Ah. Aidan. Oh Deus, isso é incrível.

— Você precisa gozar?

— Sim por favor.

— Ainda não.

Ele me come até que estou gemendo irregularmente, minhas


coxas estão tremendo e tenho certeza que vou cair antes que possa
chegar ao clímax. Então ele arrasta as unhas pelas minhas costas,
omoplatas até as nádegas, e ri na minha carne quando estremeço.

— Você precisa gozar, baby?

— Sim! Por favor!

— Então é melhor você merecer.

Antes que eu possa decifrar o que isso pode significar, ele me


puxa pelos quadris, forçando-me a rastejar para trás uns trinta
centímetros. Então ele se vira embaixo de mim, posicionando-se
de costas para que seu pau duro se vá em direção à minha boca e
meus joelhos fiquem ao lado de sua cabeça novamente.
Ele ordena: — Chupe meu pau, coelha, — e enterra o rosto na
minha boceta.

Agarro sua ereção com uma mão e abaixo minha cabeça para
lamber a coroa. Aidan cantarola de prazer, um som que vibra
deliciosamente pela minha pélvis. Então ele achata a mão na parte
inferior das minhas costas e me força a deitar de bruços, pele com
pele, enquanto ele chupa minha boceta com a língua e eu chupo
seu pau.

Ele empurra dentro da minha boca. Flexiono meus quadris


contra sua língua. Estamos ambos gemendo e frenéticos, nossa
pele escorregadia de suor, e se ele não me der permissão para gozar
logo, irei de qualquer maneira.

Quando faço um barulho alto, choramingando no fundo da


minha garganta, ele sabe que não posso aguentar mais.

— Engula meu esperma, então você tem minha permissão


para gozar, — diz ele, ofegante. — Mas não antes. Está pronta?

Eu faço um som desesperado de concordância em torno de seu


pau duro e continuo chupando e deslizando minha mão para cima
e para baixo.

— Boa menina.

Girando sua língua ao redor do meu clitóris inchado, ele


empurra dentro da minha boca, esticando meus lábios até que
meus olhos estejam lacrimejando e fico lutando contra a vontade
de vomitar. Então ele agarra a parte de trás do meu pescoço e
aperta.

Ele chega ao clímax com um grunhido, derramando sêmen


quente na minha língua em pulsos grossos.
Chupo e engulo uma e outra vez, respirando pelo nariz, meu
corpo inteiro tremendo. Ainda segurando a parte de trás do meu
pescoço, Aidan bate na minha bunda três vezes, com força, então
enfia um dedo profundamente dentro da minha boceta.

Sufocando em seu pau, convulsiono em torno de seu dedo.

— Essa é a minha boa menina perfeita, — ele rosna,


empurrando com os quadris, conduzindo seu pau mais fundo na
minha garganta. — Engula cada porra de gota enquanto você goza
para mim.

Cega de prazer, sacudindo impotente, soluço em torno de sua


ereção e faço o que me mandam.

Ele me elogia com palavras que ouço, mas não entendo. Estou
em algum lugar distante, voando pelo espaço, minha mente em
chamas com fogos de artifício, meu corpo totalmente fora do meu
controle.

Sou uma estranha para mim mesma neste momento. Alguém


sem limites e sem preocupações, uma mulher perfeitamente em
paz, mas, ao mesmo tempo, completamente surpresa por suas
ações.

Ele puxou uma corda que eu não sabia que estava escondida
e me desvendou de dentro para fora.

Então ele me vira de costas, joga meus tornozelos sobre seus


ombros, enfia seu pau ainda duro dentro de mim, e me desfaz de
novo.
Mais tarde, deito ao lado dele, minha cabeça apoiada em seu
peito, minha perna jogada sobre a dele, meu corpo desossado. Sou
uma tigela de gelatina trêmula e esgotada.

Nunca me senti tão viva.

Olhando para o teto, Aidan murmura: — Preciso fazer uma


pergunta. E preciso que você seja honesta quando responder.

Espero em silêncio. Ele não me deu permissão para falar, e


ainda não está muito claro como e quando todas essas regras dele
se aplicam, então fico do lado seguro e não digo nada.

Seu peito sobe e desce com uma respiração profunda. — Quais


são as chances de você voltar com seu marido?

Uma pontada repentina e aguda de dor me apunhala sob meu


peito. Fecho meus olhos com força. — Zero.

— Sim?

— Sim.

— Então por que você ainda está usando seu anel de


casamento?

Penso sobre isso por um momento. — Eu realmente não sei.


Hábito, suponho. Isso te incomoda?

— Sim e não.
Ele não se explica mais. Tenho a sensação de que ele está
esperando que eu diga alguma coisa, mas não posso ter certeza.
— Posso fazer uma pergunta?

Ele murmura: — Doce coelho. Você sempre pode me perguntar


qualquer coisa.

— Sério?

— Por que você parece surpresa?

— Porque não tenho certeza de quando estamos fazendo a


coisa da permissão e quando não estamos, e não quero ter
problemas. — Acrescento mais suavemente, — Ou desagradar
você.

Seu gemido é baixo. Puxando-me para mais perto, ele beija o


topo da minha cabeça.

— Kayla, — ele sussurra. — Tudo em você me agrada.

Aconchegando-me mais perto, sorrio. — Mas você pode


entender o meu problema, certo? Quer dizer, eu não tenho
nenhuma experiência com esse tipo de coisa.

Ele me vira de costas e levanta até um cotovelo, olhando para


mim com uma intenção ardente.

— Nem eu.

Rio bem na cara dele. — Isso é uma mentira total!

— Eu não estava falando sobre sexo.

Minha risada morre. Confusa, olho para ele com sobrancelhas


franzidas. — Então do que você está falando?
Ele achata a mão sobre o meu peito, logo acima do meu
coração.

— Isso. Nós. Você e eu. Como é tão fácil. Como é tão simples.
Como parece certo. Mas você ainda está usando seu anel de
casamento e não se sente confortável em me beijar em sua casa, e
isso me diz tudo que preciso saber sobre onde está sua cabeça. Eu
entendo, realmente entendo. Toda a sua vida foi virada de cabeça
para baixo. É compreensível que você não esteja pronta para isso.
Mas tenho que ser honesto. Não serei um rebote. Não vou ser o
cara com quem você se distrai por um tempo para se sentir melhor
e depois se afasta quando quiser. Então, acho que devo diminuir
meus danos agora antes que meu coração seja despedaçado,
porque já posso dizer que você vai me destruir se isso continuar
por muito mais tempo e você for embora.

Isso me tira o fôlego. Fico ali deitada olhando para ele com os
olhos arregalados e o coração acelerado, chocada com sua
honestidade.

Quando me recomponho, descubro, para minha surpresa, que


estou realmente louca.

Eu digo com firmeza: — Não.

Olhos escuros queimando, ele me encara. Seu silêncio me


deixa ainda mais irritada.

— Você não pode decidir como isso vai acontecer antes mesmo
de ir a qualquer lugar, Aidan. Entendo não querer ser um rebote,
mas você pode apenas dizer: 'Ei, vamos devagar' ou 'Vamos falar
sobre suas expectativas aqui', mas em vez disso, você decide
unilateralmente que está terminando comigo? Antes mesmo de
sermos oficialmente algo? Ah, foda-se. Não é assim que funciona.
Você pode mandar em mim na cama o quanto quiser, mas quando
se trata de tomar decisões sobre nosso relacionamento, estamos
fazendo essa merda juntos. Eu me recuso a ser um caso de uma
noite.

Depois de um momento de silêncio escaldante, ele diz


rispidamente: — Já é mais do que um caso de uma noite.

— Certo. Um caso de três noites. Que seja. — Olho para ele


até que algo em seus olhos derrete.

— Relacionamento? É assim que você está chamando isso?

— Eu disse o que disse. Lide com isso.

— Oh, coelhinha, — ele respira, uma emoção em sua voz, —


você está tão perto de levar a surra de sua vida.

Quero bater meus calcanhares contra o colchão em frustração.


E talvez gritar um pouco também. Mas deito ainda com meus
lábios fechados e minhas narinas dilatadas, internamente gritando
maldições para ele.

Então me lembro que não tenho uma única maldita perna para
me apoiar. Minha raiva está fora de lugar.

Não é ele quem está escondendo um detalhe importante sobre


a vida pessoal dele aqui. Sou eu.

Mas então me lembro que não tenho absolutamente nenhuma


ideia do que o homem está ou não escondendo. Fora isso, ele é
dono de uma empresa de telhados, tem um amigo chamado Jake
que o conhece desde o colegial, e que pode ou não ter perdido o
próprio pai, sobre quem eu não sei nada.
O que torna toda essa conversa ainda mais bizarra para nós
dois.

Fecho os olhos e expiro com dificuldade.

Aidan ordena: — Olhos em mim, Kayla.

Abro os olhos e olho para ele. — Oh, estamos de volta ao


mestre e escrava novamente? Perdoe-me enquanto entro na
internet para encontrar um quiroprático para tratar meu chicote.

Ele abaixa a cabeça e coloca a boca ao lado da minha orelha.


— Você tem alguma ideia do quanto eu quero bater em você agora?

Eu não posso me ajudar. Eu sorrio. — O sentimento é mútuo.

Ele rola em cima de mim, esmagando-me no colchão com seu


peso.

— Oh! — Bato fracamente em suas costas. — Você está me


esmagando!

— Você gosta. — ele murmura, segurando minha cabeça entre


as duas mãos e olhando para mim com olhos quentes. — Agora
pare de lamentar e me escute.

Desisto, jogando meus braços no colchão um pouco dramática


demais, de acordo com a curva de seus lábios.

— Rainha do drama.

— Tirano.

— Pode apostar sua bunda doce que sou. E você gosta disso
em mim.
Ele espera a confirmação enquanto encaro seu queixo.

— Kayla.

Eu sei o que aquele tom de aviso na voz dele significa. Expiro,


revirando os olhos. — Ok, sim, eu gosto. — Não consigo resistir a
acrescento: — Geralmente.

Rindo, ele beija a ponta do meu nariz. — Pirralha. Como eu


estava dizendo... — Sua voz cai para um sussurro. — Obrigado.

Droga, ele com certeza tem um jeito de me pegar de surpresa.


— Pelo quê?

Ele balança a cabeça, o que acho que significa que não vou
conseguir uma explicação.

Digo alegremente: — Ei, tenho uma ideia!

— E qual é?

— Por que você não me ensina a linguagem de sinais para que,


quando de repente você decidir que não quer mais usar suas
palavras, ainda possamos continuar conversando.

Meu olhar é afiado. Seu olhar é escuro. Então sorrio para ele,
porque ele obviamente entendeu meu ponto de vista, e eu
realmente não estou com disposição para mais discussões.

Envolvo meus braços em torno de suas costas. Sabendo muito


bem qual é a resposta, pergunto inocentemente: — Então você está
terminando comigo ou o quê?

Não consigo decidir se sua expressão é de admiração ou


irritação. Talvez uma combinação de ambos.
Ele diz sem rodeios: — Você quer que eu termine?

Porcaria. Ele virou de volta para mim. — Não.

Procurando em meus olhos por qualquer sinal de confusão,


ele diz mais suavemente: — Tem certeza? Não é tarde demais para
se afastar disso.

Não tenho certeza se é minha imaginação ou não, mas parece


que há uma vaga ameaça enterrada em algum lugar. Como se ele
achasse que há uma linha invisível na areia que ainda não
cruzamos, mas uma vez que cruzarmos, não há como voltar atrás
para nenhum de nós.

Deslizo minhas mãos sobre seus ombros e em seu cabelo.


Olhando em seus olhos, aceno.

— Diga em voz alta, — ele ordena.

— Tenho certeza.

Depois de um longo período de silêncio, ele pronuncia: — Ok.

Eu me dissolvo em uma risada incrédula. — Deus, você é


maluco.

Seus olhos escuros brilhando, ele diz suavemente: — Você não


tem ideia.

De volta para você, garanhão.


Depois de um banho e uma porção dos incríveis ovos mexidos
de Aidan, digo a ele que provavelmente deveria ir.

Sentado à minha frente na mesa da cozinha, ele enfia uma


garfada de ovos na boca. Ele não responde até muito tempo depois
de terminar de mastigar e engolir. Eu não tenho certeza se ele está
deliberadamente tomando um momento para pensar sobre sua
resposta ou se ele está realmente interessado nesses ovos.

Olhando para o prato, ele pergunta: — Você tem coisas para


fazer hoje?

— Estou atrasada com o trabalho.

Ele acena pensativo.

— O que você está fazendo?

— Trabalho na casa aos domingos.

— Que casa?

— Minha casa.

Surpresa, eu digo: — Você tem uma casa?

Ele olha para mim e assente. — Construindo uma do outro


lado da ilha.

— Você está construindo uma casa? Do início?

— Não, de cisnes de origami.

Eu sorrio para ele. — Ah, aquele senso de humor devastador


novamente. Sério, você está realmente construindo uma casa do
zero?
Ele me dá um olhar como se eu já soubesse que ele é
totalmente capaz disso e de qualquer outro projeto que ele possa
colocar em sua mente. Como, digamos, construir uma espaçonave
com latas de alumínio recicladas.

— Uau, Aidan. Isso é impressionante.

Ele balança a cabeça, voltando sua atenção para seus ovos.

— Posso ver?

Ele congela. Seus olhos piscam para os meus. Ele diz


rispidamente: — Você quer?

— Claro que quero. Por que você está chocado?

Ele balança a cabeça e olha para seu prato. Impacientemente,


deixei-o refletir sobre sua resposta, sabendo que ele nunca poderia
dar uma, mas mantendo a esperança.

Então ele diz baixinho: — Ainda não tenho certeza de quais


são os parâmetros.

Não é muito, mas é o suficiente. — Nem eu. Que tal se


descobrirmos à medida que avançamos?

Ele olha para cima para encontrar o meu olhar. — Ou podemos


decidir agora.

— É isso que você quer?

Seu aceno é curto.

Sorrio para ele e provoco: — Então, estamos negociando.

Ele diz amargamente: — Engraçado.


— Só me lembro de que é a sua coisa favorita.

Sem perder o ritmo, ele diz: — Estar dentro de você é minha


coisa favorita. Fazer você gozar é minha coisa favorita. Saber que
você não faz sexo casual, mas você abriu uma exceção para mim é
a minha coisa favorita. Todo o resto é agora um segundo distante.

Mastigo o interior da minha bochecha enquanto minhas


orelhas ficam quentes.

Ele diz mais suavemente: — Diga-me para parar de falar assim


e eu vou. Eu não quero te assustar.

Eu reflito. Com uma camiseta branca simples e jeans, ele está


tenso e sem sorrir, e tão bonito que parece impossível.

Segurando seu olhar, digo: — Você sabe que não me assusta.

— Eu quis te assustar.

— Eu sei o que você quis dizer. Minha resposta é a mesma.

Nós nos encaramos do outro lado da mesa até que ele empurra
o prato e se senta na cadeira. Sua voz baixa e seu olhar ardente,
ele diz: — Venha aqui.

Ele está com aquele olhar predatório novamente, como se ele


fosse o caçador e eu fosse sua presa. Cada terminação nervosa do
meu corpo responde a isso, ficando de pé em plena atenção. Meu
pulso, respiração e temperatura corporal saltam.

Umedecendo meus lábios, levanto e caminho lentamente ao


redor da mesa.
Assim que estou ao alcance, ele agarra meu pulso e me puxa
para seu colo. Ele afunda as mãos no meu cabelo e traz meu rosto
para perto do dele enquanto coloco minhas mãos sobre seus
peitorais.

Olhando no fundo dos meus olhos, ele diz rispidamente: —


Diga-me o que você quer.

Eu nem tenho que pensar sobre isso. — Continuar fazendo


isso. Conhecer você melhor. Passar um tempo com você e ver onde
isso vai.

Ele lambe os lábios. Seu olhar cai para minha boca. — O que
mais?

Engulo nervosamente, então sussurro: — Agradá-lo.

— Você não precisa dizer isso.

— Eu sei.

Sua respiração fica irregular. Sua ereção cava no meu traseiro.


Sob minhas palmas, seu coração bate rápido.

— Dê um beijo no seu leão, coelhinha. Docemente.

A rouquidão do seu tom e a necessidade em seus olhos me


fazem tremer. Pego seu rosto em minhas mãos e pressiono um
beijo suave em sua boca. Depois esfrego minha bochecha contra a
dele, fechando meus olhos e suspirando de prazer enquanto sua
barba faz cócegas na minha pele.

Ele murmura meu nome.

— Sim, senhor?
Um pequeno e delicado estremecimento percorre seu peito
quando o chamo assim. Ele murmura: — Cristo. Você vai ser a
minha morte, não vai?

— Ah, vamos lá, Clube da Luta. Você é forte. Pode lidar com
isso.

Ele me beija, devorando minha boca, gemendo baixinho


enquanto segura minha cabeça firme e pega o que precisa. Quando
ele rompe o beijo, nós dois respiramos com dificuldade.

Ele olha nos meus olhos com uma expressão de agonia.

Surpresa, passo a ponta do dedo sobre seu lábio inferior e


sussurro: — Aidan. O que é isso?

Ele cerra os dentes com tanta força que um músculo de sua


mandíbula se contrai. A sacudida de sua cabeça é curta e final.

Ele não vai dizer o que está errado.

Suspiro novamente, prevendo muito dessa bobagem silenciosa


em nosso futuro.

— Posso, por favor, ter permissão para lhe dizer que você é um
pé no saco?

Uma pitada de humor surge nas profundezas escuras de seus


olhos. — Cuidado, doce coelha.

Pisco inocentemente. — Ah, não pedi direito?

Ele abaixa as pálpebras e olha para mim enquanto um


rosnado perigoso ressoa em seu peito.
— OK, tudo bem. Serei boa. — Sorrindo, dou-lhe um beijo nos
lábios. — Podemos ir ver sua casa agora? Mal posso esperar para
descobrir que tipo de lugar um rei leão constrói para si mesmo.
Espero que você tenha se lembrado de deixar espaço nas paredes
para pendurar todas as peles de coelho que você deve ter coletado.

Soltando os punhos do meu cabelo, ele segura meu rosto e me


beija suavemente.

— As paredes estão nuas, — ele murmura. — Eu nunca quis


pegar um coelho até agora.

Dentro da minha barriga, um milhão de pequenas borboletas


voam de uma só vez.

Elas caem no chão, mortas por um súbito congelamento


ártico, quando Aidan acrescenta com firmeza: — Mas é hora de
você ir para casa.

Resmungo: — Uau, fale sobre um estraga prazeres. Vejo que


todo o tempo que você passou na escola de charme foi um total
desperdício de dinheiro.

— Você disse que precisa trabalhar. Não vou atrapalhar isso.


E use esse tom inteligente comigo de novo, e você vai ganhar para
si mesma...

— Eu sei. Uma surra.

— Não. Você gosta demais. É uma recompensa. Da próxima


vez que você me insultar, você será punida.

Avalio seu rosto sério com os olhos semicerrados. — Punida


como?
— Provoque-me e descubra.

Ele sorri para minha expressão venenosa. Então me coloca de


pé, fica de pé e me leva até a porta da frente.

Abrindo-a, ele diz: — Falo com você em breve. Enquanto isso,


— ele dá um tapa na minha bunda, — fique longe de problemas.

Ele se inclina, dá-me um beijo firme e rápido, empurra-me pela


soleira e depois fecha a porta na minha cara.

Irritada, grito: — Adeus, Aidan!

Do outro lado da porta vem uma risada baixa. — Vejo você


mais tarde, Kayla.

Desço as escadas para o estacionamento, perguntando-me por


que ele nunca diz a palavra adeus e por que ele evitou minhas
perguntas sobre isso nas duas vezes que perguntei.

Mais mistérios para adicionar à sua crescente coleção.

Estou perdida em pensamentos quando entro no carro e o ligo,


mas congelo quando vejo o que está no painel acima do volante.

Uma moeda búfalo tipo D de 1937.


Olho para a moeda com o coração palpitando e minha mente
balança como se avistasse uma cascavel.

Depois de um tempo, quando tenho coragem, pego-a com a


mão trêmula. Parece anormalmente fria em meus dedos, como se
estivesse num congelador.

Mas não estava num congelador. Estava onde a deixei, numa


gaveta da minha mesa de escritório.

E agora está aqui.

No meu carro.

O carro estacionado do lado de fora do bar onde Aidan mora.

Olho ao redor, mas não há ninguém à vista. O estacionamento


e as calçadas estão vazios. Há alguns carros estacionados ao longo
da rua, mas eles estão a um quarteirão ou mais, perto de uma
padaria.

Realmente assustada, olho para a moeda novamente.

Só pode ter acontecido duas coisas aqui. Ou peguei na gaveta


do meu escritório (não me lembro de ter feito isso) e deixei no
painel; ou outra pessoa pegou da gaveta e deixou aqui para eu
encontrar.

O que não faz sentido. Quem faria isso? E por quê?


Começando a tremer, coloco a moeda no porta-copos entre os
bancos dianteiros e pego minha bolsa no banco do passageiro. Só
trouxe a chave para dentro da casa de Aidan ontem à noite, mas
agora não consigo ter certeza se tranquei as portas do carro ou
não. Eu destranquei agora pouco?

Não sei. Não me lembro.

Como não me lembro?

Enquanto vasculho minha bolsa para pegar meu celular, meu


pânico aumenta. Vou até o aplicativo de segurança e o abro. Xingo
quando percebo que terei que voltar cerca de doze horas de vídeo
para ver se alguém estava na casa enquanto eu estava fora.

— Mas isso não pode ser possível, — eu sussurro. — O alarme


teria sido acionado.

O que significa que eu teria recebido uma ligação da empresa


de segurança de Jake, mas não há uma. As notificações estão em
branco.

Então a única possibilidade que resta é eu ter deixado a moeda


aqui e esqueci disso.

Encosto a testa no volante, fecho os olhos e respiro fundo,


tentando não hiperventilar.

Esse problema de memória deve ser causado por mais do que


estresse, mas sou extremamente cautelosa com os médicos. A
morte dos meus pais foi causada por um diagnóstico médico
errado. A da minha mãe quando o médico diagnosticou
erroneamente seus sintomas de câncer de pulmão como asma, e a
do meu pai quando o médico lhe disse que aquelas dores no peito
que ele vinha sentindo nas últimas doze horas, não passavam de
azia. O médico receitou antiácidos, quando na verdade o culpado
era um ataque cardíaco. Quando papai deu entrada na sala de
emergência, já era tarde demais.

Eu li em algum lugar que a maioria das infecções mortais que


as pessoas pegam, são dentro dos hospitais

— Você precisa de ajuda. — digo a mim mesma. — Pare de


racionalizar.

Mas o que eu diria a um médico? — Oi, eu sou Kayla! Tenho


ouvido barulhos estranhos em minha casa, potes voando sozinhos
dos armários da cozinha, minha memória tem mais buracos do
que um coador de espaguete, tenho um novo amigo por
correspondência na prisão e comecei um intenso caso sexual três
semanas depois que meu marido morreu com um homem que me
chama de sua coelhinha!

E não vamos esquecer a moeda búfalo reaparecendo


misteriosamente e o cara estranho de chapéu que me espionou
detrás de uma árvore e não deixou nenhuma pegada para trás. Na
lama.

Ala psiquiátrica, aqui vou eu.

Apenas respire, Kayla. Apenas se acalme e respire.

De volta em casa, estou preocupada de não ter acionado o


alarme antes de sair, mas está funcionando como deveria. Digito
meu código para religá-lo e fico no vestíbulo, ouvindo.

Para quê, não sei.

A casa está silenciosa. Quando entro na cozinha, meio que


espero ver mais gavetas e armários abertos, mas nada está errado.
Vou de quarto em quarto, verificando as coisas, até que me
convenço de que não há bicho-papão escondido em armários ou
atrás de portas.

Só que não estou muito satisfeita. Sou paranoica e não sei o


que fazer sobre isso.

Então faço o que qualquer pessoa racional faria e me sirvo de


uma taça de vinho.

Tranco-me em meu escritório e me forço a trabalhar,


ignorando o fato perturbador de que estou bebendo vinho antes do
meio-dia e tentando fingir que é um comportamento normal,
quando na realidade todos sabem que negar seus hábitos de
bebida é uma bandeira vermelha total para transtorno por uso de
álcool.

— Ah, quem se importa? — Murmuro, olhando para minha


prancheta. — Tenho coisas maiores com que me preocupar.

Depois de uma hora, desisto. Largo minha caneta e esfrego


meus olhos, vou para a cozinha e encho meu copo de vinho.
Encostada no balcão, aperto o botão de voltar no aplicativo de
segurança e me acomodo para assistir a um vídeo retroativo de
alta velocidade.

Tenho um mau pressentimento de que a revisão diária do


maldito feed da câmera está prestes a se tornar meu novo hobby.

Demora um pouco passar por tudo desde a hora em que saí


ontem à noite até quando voltei esta manhã, mas não encontro
nada incomum. Por volta do amanhecer, dois esquilos
perseguiram um ao outro pela calçada. Pouco depois da meia-
noite, um guaxinim gordo saiu da pilha de lenha na varanda dos
fundos e se afastou na escuridão. Fora isso, tudo estava parado.
Só quando volto ao meu escritório com outra taça de vinho é
que vejo algo interessante.

Um garotinho loiro de uns cinco ou seis anos brinca sozinho


no gramado dos fundos. Vestido com uma jaqueta vermelha,
calças combinando e botas de chuva amarelas, ele corre sorrindo,
perseguindo folhas e jogando-as no ar. Ele cai em algum momento,
gritando de tanto rir enquanto cai de cara na grama, depois rola e
acena para o céu.

Olhando da janela, pergunto-me se uma nova família se


mudou para o bairro. Ou talvez o neto de alguém está visitando?
Não consigo pensar em ninguém por perto que tenha filhos
pequenos.

Mas por que a mãe dele acharia uma boa ideia levar esse
garoto para brincar no meu gramado? A casa fica no meio de dois
hectares arborizados. Você tem que fazer um esforço para chegar
aqui. A menos que eles andassem pela praia? E onde está a mãe
dele, afinal? Não há nenhum adulto à vista. Apenas este pequeno
pré-escolar alegre rolando na minha grama.

Suspirando, coloco a taça de vinho na minha mesa e saio da


sala. Passo pela cozinha a caminho da lavanderia, depois atravesso
a garagem e saio pela porta lateral para o quintal.

Quando olho em volta, no entanto, o garoto desapareceu.

Eu grito: — Olá? Alguém aqui?

Minha única resposta é o grito solitário de uma gaivota voando


em círculos lá em cima.

Gelada porque esqueci de colocar uma jaqueta, dou a volta


pelos fundos da casa e olho para a rua. Não vejo ninguém. A
calçada está vazia. Olho para a praia de novo e ela também está
vazia. Assim como os bosques dos lados da casa.

Irritada, murmuro: — Onde você foi, seu filho da puta?

A última coisa que preciso é de um garoto idiota quebrando a


perna em uma pedra que tropeçou na minha propriedade. Posso
ver o processo chegando a uma milha de distância.

Passo mais quinze minutos procurando por ele, depois desisto


e volto para dentro para mais vinho. Então tenho a ideia de rever
o feed da câmera da última meia hora para ver onde o loirinho foi.

Mas quando abro o aplicativo, tudo o que recebo é estático. A


tela não mostra nada além de neve pixelada.

Excelente. O sistema de segurança funciona tão bem quanto o


sistema elétrico. Talvez eu devesse apenas vender o lugar e me
mudar.

Sentindo-me derrotada, volto para minha mesa e trabalho pelo


resto do dia.

Na manhã seguinte, acordo com o som do alarme disparando.

Desorientada, levanto-me da cama e olho em volta em pânico.


A luz cinzenta do dia penetra pelas frestas das cortinas. Meu
roupão está onde o deixei, pendurado no braço de uma cadeira.
Nada na sala parece estar fora de ordem, exceto pelo som agudo
do alarme de segurança.

Com meu pânico, caio da cama. Caio no chão com um baque,


mas me levanto, adrenalina queimando em minhas veias.

Alguém invadiu a casa.

Porra, porra, porra, oh puta merda alguém invadiu a casa!

O barulho é interrompido tão abruptamente quanto começou,


deixando meus ouvidos zumbindo com o silêncio.

Hiperventilada, vou silenciosamente até a porta, abro uma


fresta e escuto. Dentro de instantes, ouço uma voz feminina que
diz: — Maldita coisa. Que confusão infernal. Vou ficar surda, e isso
é um fato.

Quase desmaio de alívio. É Fiona.

Abrindo a porta, ando pelo corredor e me inclino sobre a


varanda com vista para o primeiro andar. — Fiona! É você!

Ela grita e pula, girando ao redor. Olhando para mim do


saguão, ela pressiona a mão sobre o coração.

Olhando zangada, ela diz: — São dez horas da manhã de


segunda-feira, querida. Claro que sou eu.

— Dez horas? — Repito, espantada. Não posso acreditar que


dormi até tão tarde, mas me distraio desse pensamento quando
outro me ocorre. — Como você sabe como desligar o alarme?

Segue-se uma pausa estranha. Parece carregado. — Eu digitei


o código.
— Como você sabia qual código digitar?

Segue-se outra estranha pausa. Ela pergunta hesitante: —


Como você acha que eu sei?

Ah Merda. Eu disse a ela o código, é assim que ela sabe. Eu


disse a ela e esqueci.

Passo a mão pelo rosto e expiro. — Porque eu dei a você. Claro


que sim. Desculpe.

Quando olho para ela novamente, ela parece aliviada.

— Não precisa se desculpar.

Um trovão ressoa no céu. A manhã cinzenta está prestes a


explodir em chuva novamente. E o que quer que seja essa minha
perda de memória assustadora, parece estar acelerando.

— Você está bem, querida? — pergunta Fiona, inclinando a


cabeça e olhando para mim com uma expressão de preocupação.

Depois de um momento, digo: — Não. Eu não acho que estou.


Acho que não estou nada bem.

Ela balança a cabeça, como se já soubesse que minha


condição é ruim, mas não queria dizer nada e correr o risco de me
ofender. Ela coloca as sacolas no chão ao lado da mesa do console,
tira a jaqueta de lã, desenrola o cachecol em volta do pescoço,
coloca os dois no console e depois volta a olhar para mim.

Em um tom gentil, ela diz: — Por que não nos sentamos na


cozinha e tomamos uma xícara de chá e conversamos?

Sem esperar por uma resposta, ela se vira e vai embora.


Sentindo-me enjoada, desço as escadas. Encontro-a na
cozinha, colocando um bule no fogão. Ela acende o fogo, depois se
senta à mesa e cruza as mãos. Mastigando uma unha do polegar,
tomo a cadeira em frente a ela.

Acho que ela vai me perguntar sobre minha saúde ou sugerir


que eu tire boas férias na instituição mental mais próxima, mas
ela me surpreende dizendo gentilmente: — Sempre gostei de você,
Kayla. Você é uma jovem brilhante e talentosa.

Lisonjeada, mas também surpresa, digo: — Bem, obrigada. Eu


sempre gostei de você também.

Ela sorri e acena com a cabeça como uma avó.

Olho de rabo-de-olho para ela. — Por que eu sinto que há mais


vindo?

— Porque há. E quero que você lembre que isso vem de uma
preocupação com você e seu bem-estar.

Apoio meus cotovelos na mesa e coloco minha cabeça em


minhas mãos. — Eu sei. Estou uma bagunça. Acredite em mim,
estou ciente.

— Eu não acho que você esteja uma bagunça. Eu acho…

Quando ela faz uma pausa muito longa, olho para ela,
nervosa. Em seu rosto há uma expressão curiosa. É parte
preocupação, mas principalmente antecipação. Pelo menos acho
que é isso. Ela está olhando para mim com uma luz estranha em
seus olhos, como uma pessoa viciada em jogos de azar olha para
uma máquina caça-níqueis.

— O quê?
Ela diz ameaçadoramente: — Acho que algo está incomodando
você.

Eu pisco. — Não quero ser rude, mas isso parece óbvio.

Ela balança a cabeça. — Eu não estou falando sobre a perca


do seu marido, querida.

— Ok. Então do que você está falando?

— Bem, não sei exatamente. Mas se há algo que você gostaria


de tirar do seu peito, estou aqui para você. Sou uma boa ouvinte.

Olho em seus olhos azuis penetrantes e me pergunto do que


diabos ela está falando. — Um...

Inclinando-se para frente, ela pergunta: — Alguma coisa


incomum aconteceu ultimamente? Na casa, quero dizer.

Todos os pelos dos meus braços se arrepiam. Um pequeno


arrepio de medo percorre minha pele.

— Sim, eu posso ver que sim, — diz ela suavemente. — Por


que não falamos sobre isso?

Meu coração decide que agora seria um bom momento para


fazer algumas acrobacias. Meu estômago segue o exemplo e torce
em um nó apertado. Minha boca fica seca, minhas mãos tremem
e um zumbido agudo soa em meus ouvidos.

Sussurro: — Como você sabia?

Seu sorriso é gentil. — Eu cresci com esse tipo de coisa.


Fantasmas são bastante comuns no país antigo. A Escócia é um
dos lugares mais assombrados do mundo.
Pisco novamente. Com certeza eu ouvi errado. Do lado de fora,
outro trovão rola pelo céu, sacudindo as janelas. Uma pressão
estranha se forma na sala, uma fricção, como se o próprio ar
estivesse carregado.

— Desculpe-me, mas você acabou de dizer fantasmas?

— Exatamente, minha querida.

Sento-me na cadeira, rindo um pouco. — Eu não acredito em


fantasmas.

Ela me olha fixamente. — O que você acredita é irrelevante,


Kayla. Porque os fantasmas definitivamente acreditam em você.

A chuva começa a cair, batendo suavemente contra as


vidraças da cozinha. Gotas deslizam pelo vidro como lágrimas.

Quando não digo nada, Fiona preenche o silêncio.

— Deixe-me dar alguns exemplos, então você pode me dizer se


eu estou louca, como sua expressão sugere. Você tem ouvido
barulhos estranhos recentemente? Como tábuas de assoalho
rangendo, por exemplo? Você sentiu correntes de ar frias
incomuns? Teve a estranha sensação de que você estava sendo
observado, mas ninguém estava lá?

Eu engulo. Está ficando difícil respirar. O zumbido agudo em


meus ouvidos fica mais alto.

— E os estranhos problemas com eletricidade? Luzes


piscando, lâmpadas explodindo, a televisão ligando ou desligando
sozinha?

— É uma casa velha. Tem muitos problemas.


Passando por isso, ela continua seu ataque à minha sanidade.

— Talvez você esteja tendo sonhos estranhos. Talvez objetos


estejam sendo movidos, aparecendo em lugares diferentes de onde
você os colocou.

Ela deve pegar algo em minha expressão, porque ela se inclina


mais perto. — Livros caindo das prateleiras? Móveis se
reorganizando no meio da noite?

Com minha voz fraca, digo — Um pote de mel voou para fora
do armário por conta própria. Uma moeda que coloquei em um
lugar apareceu em outro. E todas as gavetas e armários da cozinha
estavam escancarados de manhã quando desci.

Ela assente solenemente. — E os cheiros estranhos? Perfumes


ou odores fortes? Nada disso?

Penso no estranho cheiro de queimado quando ligo à secadora,


o cheiro que Eddie não conseguiu encontrar uma fonte – ou
qualquer um dos outros problemas elétricos na casa – e sinto como
se eu pudesse pular para fora da minha pele.

Quando a chaleira no fogão apita, eu pulo. De repente, estou


com um medo estúpido.

Fiona se levanta da cadeira, pega duas canecas de um armário


e despeja água quente. Os saquinhos de chá entram em seguida,
então ela coloca uma das canecas na minha frente e se senta.

Como se não tivesse acabado de me dar um aneurisma, ela


diz: — Seria adequado com uma gota de leite, mas fiquei
intolerante à lactose na minha velhice. Você gostaria de algum?

Eu mal consigo balançar a cabeça.


— Agora, querida, por favor, não tenha medo. Eu sei que ser
assombrada é um pouco demais para nossas mentes do século
XXI, mas vamos superar isso juntas.

Talvez eu ainda esteja dormindo. Talvez isso seja apenas um


sonho ruim. Talvez todo aquele vinho que tomei ontem subiu à
minha cabeça e matou mais células cerebrais do que o normal.

Sempre a prática, Fiona se torna profissional. — O que


precisamos é de uma sessão espírita.

Digo categoricamente: — Isso é ridículo.

— Não, a taxa de imposto federal é ridícula. Esta é uma


situação que precisa ser corrigida. — Ela bebe seu chá e faz um
barulho gostoso. — Assim que possível, devo acrescentar. Quanto
mais tempo um espírito estiver preso nesta dimensão, maiores
serão as chances de ele nunca poder seguir em frente.

— Fiona, eu não tenho um fantasma em casa!

Ela estala a língua em desaprovação ao meu tom. — Eu sei


que é alarmante, querida, mas por favor, tente se controlar. Os
escoceses têm uma aversão geneticamente embutida a
demonstrações evidentes de emoção, e eu odiaria pensar menos de
você por algo tão pequeno quanto ser assombrada. Agora, e quanto
aos distúrbios visuais? Você viu alguma coisa estranha por aí?

Em minha mente surge uma imagem do homem estranho e


hostil de chapéu escondido atrás da árvore que não deixou
pegadas para trás. Vem outra imagem, essa do garotinho loirinho
brincando no quintal…

O garoto que minha câmera de segurança não pegou,


apresentando-me em vez disso com uma gravação de estática.
O horror rasteja sobre mim, começando em meus pés e
movendo-se lentamente pelo meu corpo até que sou agarrada por
uma mão fria e apertada de medo.

Como se seu caso estivesse encerrado, Fiona diz sabiamente:


— Ah.

Gelada até os ossos, digo: — É impossível. Fantasmas não


existem.

Fiona sorri. Um estrondo grave de trovão rola pelo céu. A


chuva aumenta, salpicando as janelas e tamborilando contra o
telhado.

Então as luzes do teto se apagam e acendem três vezes, como


um presunçoso e sobrenatural foda-se.
— Agora ouça com atenção, — diz Fiona, tornando-se
profissional novamente. — Preciso te contar uma coisa importante.

— O quê?

— Não importa o que aconteça, não diga ao fantasma que ele


está morto. Eles não têm ideia de que não estão mais vivos.

Estou convencida de que estamos em uma cela acolchoada em


algum lugar tendo essa conversa. Essa é realmente a única
explicação razoável.

Enquanto sento olhando para ela incrédula, ela continua.

— Fantasmas são simplesmente almas com uma história para


contar. Quando uma pessoa morre de forma trágica ou violenta,
seu espírito muitas vezes não consegue seguir em frente. Eles têm
negócios inacabados que os mantêm ligados a este reino. Até que
eles se fechem, eles permanecerão aqui, assombrando as pessoas
e lugares que mais significaram para eles enquanto estavam vivos.

— Você está ouvindo as palavras que saem da sua boca?

Ela arqueia uma sobrancelha. — Estou ciente de que isso é


difícil para você, querida, mas não há necessidade de ser rude.

Culpada, suspiro. — Desculpe.

— Como eu estava dizendo... o que eu estava dizendo?


— Fantasmas precisam de encerramento.

— Sim está certo. E até que eles consigam, eles estão presos
aqui, vagando pela terra, na miséria.

Ela me encara com expectativa.

— Você está dizendo que precisamos ajudar esse fantasma que


não existe e definitivamente não está me assombrando a ter uma
conclusão.

Fiona sorri. — Isso mesmo.

Estupendo. Ela quer que eu desista da arte e me torne um guia


para espíritos perdidos. — Espero que você não se ofenda com isso,
mas essa é a coisa mais idiota que já ouvi.

Posso dizer pela expressão dela que ela está definitivamente


ofendida.

Ela funga, levantando o nariz. — Tudo bem. Se você não quer


minha ajuda, não posso forçá-la a aceitar. — Ela se levanta, leva
a caneca para a pia e joga o resto do chá no ralo. Enxaguando a
caneca, ela diz por cima do ombro: — Você precisa que seu
escritório seja limpo hoje?

— Sério? Vamos agir como se essa conversa nunca tivesse


acontecido?

Ela se vira para me nivelar com um olhar frio. — Eu tinha a


impressão de que mergulhar em negação é onde você se sente mais
confortável.

— Aí. Isso foi duro.


— Não sou de adoçar as coisas.

Digo secamente: — Nossa, não me diga.

Nós olhamos uma para a outra do outro lado da sala, até que
eu finalmente desisto.

— Ok, mesmo que eu concordasse com essa insanidade – o


que não vou, só estou dizendo se – e então?

Sua expressão suaviza. Ela coloca a caneca no escorredor ao


lado da pia e volta para sua cadeira. — Então tentamos entrar em
contato com o espírito para ver o que ele quer.

— Você está falando da coisa da sessão espírita novamente.

— Correto.

Nós olhamos uma para a outra do outro lado da mesa


enquanto tento recuperar meu cérebro do espaço sideral, onde ele
foi para um bom descanso dessa conversa ridícula.

— Ou talvez eu devesse ir ao terapeuta. Parece que pode ser


um dinheiro mais bem gasto.

— Oh, não haverá cobrança, minha querida. Ela poderia fazer


isso como um favor pessoal.

— Quem é ela?

— Minha irmã. Ela é uma médium.

A essa altura, essa nova informação nem me incomoda. —


Claro que ela é. E como alguém entra nessa linha de trabalho?

— Bem, a gente nasce com isso, não é? É um presente.


Repito duvidosamente: — Um presente.

— Algo que vem naturalmente, como sua habilidade artística.

— Só que com pessoas mortas.

— Exatamente.

— E ela pode garantir que esse não-espírito que não está me


assombrando irá embora depois disso?

— Oh não. Isso depende inteiramente do espírito. E sempre há


a chance de que... — Ela mastiga o interior de sua bochecha.

— Não me deixe esperando. Estou surtando o suficiente do


jeito que já está.

— Bem, nem todos os espíritos são amigáveis. Alguns deles


são vingativos e cheios de raiva.

Eu rio. — Então eles costumavam trabalhar no DMV5.

Seus olhos azuis brilham. Sua voz cai. — Isso não é uma
piada, minha querida. Deve-se ter extrema cautela ao lidar com
seres de outro reino. Eles são muito imprevisíveis. Se provocados
à raiva, eles são bem capazes de violência.

O arrepio de medo que senti antes retorna, deslizando sobre


minha carne e deixando arrepios em seu rastro. — Como pode um
fantasma ser capaz de violência se não tem corpo?

— Da mesma forma que pode reorganizar móveis ou derrubar


algo de uma prateleira.

5
Department of Motor Vehicles, a versão estadunidense do Detran no Brasil;
— Não entendo.

Ela reúne seus pensamentos por um momento. — Um espírito


é a energia se manifestando, semelhante a uma tempestade
elétrica que reúne força até que descarrega um relâmpago. Quando
um espírito está perturbado, essa emoção – essa energia – é
transformada em um resultado físico. Daí seus armários e gavetas
abertos.

Ela olha para cima. — Ou suas luzes piscando.

Olho para o teto com apreensão, meio esperando ver um goblin


verde sorridente flutuando sobre minha cabeça. — Então...
teoricamente falando, não que eu acredite em nada disso... o
espírito que mora na minha casa é louco?

Ela responde suavemente: — Eu diria que o espírito que vive


nesta casa está muito furioso.

Quando olho para ela, assustada, ela acrescenta em um tom


apressado: — Ou espíritos, plural. Esta casa é muito antiga.
Realmente não há como dizer quantas almas inquietas estão à
espreita. Podem ser dezenas.

— Dezenas? Você está dizendo que estou vivendo no inferno?

— O inferno é um estado de espírito, minha querida. A


realidade é simplesmente o que acreditamos que seja. Cada um de
nós cria nossas próprias verdades, até mesmo fantasmas.

Essa afirmação é a coisa mais perturbadora que ela disse até


agora. — Ok, mas eu ainda não acredito em fantasmas. Isso não
atrapalharia uma sessão espírita?
Fiona levanta as sobrancelhas. — Você acha que Deus é
afetado de uma forma ou de outra se as pessoas não acreditam
nele?

— Quero dizer... talvez os sentimentos deles fiquem feridos?

Ela suspira. — Eu não posso fazer biscoitos sem açúcar,


minha querida.

— Excelente. Agora você está falando em código. Além disso,


você pode fazer biscoitos sem açúcar. Eles são chamados de
biscoitos sem açúcar. Diabéticos os comem o tempo todo.

Ela me considera maldosamente. — Nossa, que conversa


maravilhosa estamos tendo. Estou tão feliz por esta chance de
conhecê-la melhor.

— Ha-ha. De volta à coisa do biscoito. O que esse comentário


significava?

— Significa que seu ceticismo não interferirá na habilidade de


um médium se conectar com um espírito, mas temo que faria com
que você interpretasse qualquer coisa que pudesse experimentar
como um subproduto de indigestão ou algo assim. Você
racionalizaria isso.

Penso sobre isso por um momento. — Isso parece comigo.

— Assim como eu pensei. Então, talvez você devesse demorar


um pouco refletindo sobre isso. — Ela sorri. — Veja se mais alguma
brincadeira do seu fantasma pode abrir sua mente.

— Brincadeira? Eu não gosto do som disso.


— Bem, pelo que você me disse, até agora parece que seu
espírito tem agido educadamente...

Ela para e olha para mim, sem piscar.

Digo: — Essa pausa deve ser a coisa mais assustadora que eu


já ouvi.

— Estou simplesmente sugerindo que os fantasmas, como as


pessoas, têm humor. Eu estaria disposta a apostar que você ainda
não viu o pior de tudo.

Pressiono meus dedos frios em minhas pálpebras e suspiro. —


Certo. Vamos supor, para argumentar, que haja um fantasma ou
fantasmas vivendo nesta casa. Que outras coisas eu deveria estar
atenta?

Fiona alegremente marca uma lista. — Orbes de luz. Vozes


sussurrantes. Sonhos estranhos. Formas sombrias vislumbradas
em sua visão periférica ou sombras não naturais onde não deveria
haver nenhuma. Itens mal colocados. O rádio ou a televisão
mudam de canal por conta própria. Sentindo um toque...

— Um toque? — Eu interrompo, horrorizada. — Um fantasma


poderia me tocar? Credo!

Ela franze os lábios, olhando para mim como se a tivesse


decepcionado muito.

— Eu disse sentindo um toque. É uma sensação. Se você se


lembra, querida, fantasmas não têm corpos. Então, naturalmente,
eles não têm mãos. Por favor preste atenção.

Juro, vou dar um tapa nessa mulher.


Mas me distraio desse pensamento quando ela diz: — Outra
coisa que pode acontecer é você começar a ser influenciada
fisicamente pela presença do espírito. Então você pode começar a
sentir dores de cabeça ou lapsos de memória, coisas assim.

Dores de cabeça? Lapsos de memória?

Olho para Fiona com a boca aberta.

Perplexa com a minha expressão, ela diz: — O quê?

Quando encontro minha voz novamente, digo fracamente: —


Acho que acabei de ter uma revelação.

Olhos brilhantes, ela se inclina ansiosamente sobre a mesa. —


E?

— Não há fim. Apenas... havia esse garotinho.

Ela pisca em confusão. — Garoto? Qual garoto?

— Eu o vi pela janela do meu escritório brincando no gramado


dos fundos, mas quando saí para encontrá-lo, ele havia sumido. E
o feed de segurança estava todo estático quando o revisei, como se
tivesse sido apagado. Ou não tinha gravado nada. — Com minha
garganta árida como um deserto, engulo. — Porque ele não estava
realmente lá.

Fiona está com uma expressão tão estranha que me deixa


nervosa.

Ela pergunta: — Como era esse garotinho?

— Loiro. Talvez cinco anos. Ele estava vestindo uma capa de


chuva vermelha e pequenas botas amarelas. E ele parecia feliz,
correndo e rindo. — Balanço minha cabeça em descrença. — Achei
que ele havia se perdido e entrado no meu quintal.

Fiona olha para a mesa. Ela estende as mãos por cima. Parece
estar calculando alguma coisa.

— O que há de errado?

Depois de um segundo, ela dá um sorriso brilhante. — É só


que eu nunca ouvi falar de um fantasma feliz. Normalmente, os
espíritos que permanecem neste plano estão aqui por causa de
uma tragédia que não superaram. Eles geralmente estão tristes ou
com raiva.

— Oh. — Minha risada beira a histeria. — Bem, o outro cara


definitivamente se encaixa na versão com raiva.

— Que outro cara?

— Eu vi esse homem me espionando por trás de uma árvore


no quintal. Ele parecia realmente chateado. Ele mostrou os dentes
para mim e tudo mais. Mas ele não deixou pegadas na lama, e
agora estou pensando que as únicas pessoas que não deixam
pegadas na lama são as pessoas que não têm corpos.

Eu não posso acreditar que acabei de dizer isso.

Piscando como uma coruja, Fiona repete lentamente: —


Mostrou os dentes.

— Sim. Ele me assustou. Embora eu realmente não pudesse


ver muito do seu rosto, apenas aquela careta estranha. Ele era alto
e magro e tinha um casaco e um chapéu sobre os olhos.
Eu suspiro, sentando-me reta na minha cadeira. — Oh Deus!
Você acha que ele pode ter machucado o garotinho? Talvez seja
por isso que eles estão aqui, porque eles estão ligados de alguma
forma?

Uma expressão estranha cruza o rosto de Fiona. Depois de um


momento, ela assente. — Talvez. Talvez eles morassem nesta casa
há muito tempo. Talvez fossem pai e filho. Ou talvez eles sejam de
duas épocas completamente diferentes e algo trágico aconteceu
com cada um deles. As possibilidades são infinitas. Às vezes, os
fantasmas são atraídos um pelo outro e acabam assombrando a
mesma área, mesmo que não se conheçam em vida.

Nós nos encaramos. Finalmente, digo: — Não que eu acredite


em fantasmas.

— Claro que não.

— Certo. Então, quando sua irmã pode vir e fazer a sessão


espírita?

— Vou perguntar a ela e descobrir.

— Excelente.

Nós nos encaramos novamente. Então ela diz com urgência:


— A coisa mais importante, Kayla, é que você se lembre do que eu
disse sobre não contar a um fantasma que ele está morto. Se você
vir esses espíritos novamente antes que possamos organizar uma
sessão espírita e, com sorte, ajudá-los a chegar ao Outro Lado,
apenas permita que eles façam o que estão fazendo sem serem
perturbados. Não tente interagir. E especialmente não faça nada
para irritá-los.
Sentindo frio novamente, pergunto: — Por que isso é tão
importante?

— Porque um espírito vive em um mundo de sua própria


criação. Ele só vê o que quer ver. É cego para a realidade. Os
espíritos errantes devem estar prontos para aceitar que não
habitam mais o mundo dos vivos. Eles devem ser gentilmente
persuadidos a esse entendimento e aceitá-lo por sua própria
vontade, ou eles podem afundar ainda mais em seu mundo de
fantasia, condenando-se a ficar trancados na escuridão por toda a
eternidade, ou vão além com toda esperança de alcançar o Outro
Lado e assim alcançar a paz.

Ela faz uma pausa e acrescenta baixinho: — Na verdade, eles


serão condenados.

Eu não quero ser a causa de qualquer espírito aleatório ser


condenado, mesmo que eu não acredite em nada disso e
provavelmente esteja sonhando com toda essa conversa, digo:

— Prometo que não direi a eles estão mortos.

— Bom.

Ela me dá um sorriso tranquilizador e se levanta da mesa,


deixando-me sozinha na cozinha com meus fantasmas figurativos
e literais.

Entro no meu escritório, pego a carta que escrevi para Dante


na gaveta e pego um guarda-chuva do suporte ao lado da porta da
frente. Saio na chuva, dirijo-me à caixa de correio.

Se estou sendo assombrada pelos espíritos de um garotinho


feliz e um cara hostil com um sobretudo, posso muito bem ter um
amigo por correspondência na prisão.
Pelo menos ele está vivo.

Só quando estou levantando a bandeira vermelha de metal na


caixa de correio é que algo que Fiona disse volta para mim como
um tapa na cara.

— Quando uma pessoa morre de forma trágica ou violenta, seu


espírito geralmente não consegue seguir em frente.

Meu coração bate forte, sussurro, — Michael.

Como se em resposta, uma explosão crepitante de relâmpago


rasga garras irregulares de um branco brilhante através do céu
escuro e tempestuoso.
Prezada Kayla,

Eu tive um gato quando era criança. Laranja malhado,


magrinho, odiava todo mundo. Exceto eu. Aquele gato me amava.
Eu também o amava, embora não soubesse até ele ser atropelado
por um carro. Antes disso, eu achava que SL era uma ameaça. (Esse
era o nome dele, SL. De suco de laranja. Não muito criativo, eu sei,
mas eu tinha oito anos).

Quando o gato morreu e não estava mais por perto, percebi o


quanto o amava. Aquele gato estúpido tinha sido meu melhor amigo,
mas eu só percebi isso em retrospectiva.

Coisa engraçada, não é, em retrospectiva? É memória, mas com


uma nova compreensão agregada, de modo que o passado significa
algo diferente do que significava antes.

E a única maneira de encontrar esse significado é procurando.

Olhar para o passado.

Desenterrar essas sepulturas.

Examinar os ossos que você encontrar lá.

Tenho feito minha parte ultimamente. Tenho tanto tempo livre


neste lugar que pensar no passado tornou-se a principal forma de
passar meus dias.
Você perguntou o que eu fiz para chegar aqui. A resposta
simples é que amei demais alguém.

Entenda, aprendi uma lição com a morte de SL. Aprendi que o


amor não significa nada a menos que seja posto em prática. O amor
não é real sem intenção. É um verbo. Não é passivo.

Mas acima de tudo, o amor significa sacrifício.

Tudo o que o amor pede de você deve ser dado, não importa o
preço.

E eu daria de bom grado o que o amor me pediu mil vezes.


Mesmo se eu tivesse que fazer isso todos os dias até o fim da
eternidade, eu cortaria minhas próprias veias com uma lâmina de
barbear e sangraria até secar feliz.

Dante
É sábado. A chuva caiu continuamente dia e noite esta
semana, diminuindo para uma garoa apenas para ganhar força e
bater no solo saturado mais uma vez.

Sento-me em meu escritório com a carta de Dante em minhas


mãos enquanto olho pela janela para a tarde triste. O lago está um
cinza-ferro escuro, suas águas agitadas, chicoteadas para picos
brancos por ventos tempestuosos. A casa exala um suspiro
melancólico de vez em quando, mas ás vezes fica em silêncio.

Tem sido assim desde minha conversa com Fiona na segunda-


feira passada. Estranhamente silencioso, como se estivesse
prendendo a respiração.

Ela não é a única.

Mal dormi a semana toda. Ando sobre ovos, meus nervos


gritando a cada rajada de vento ou galho de árvore raspando uma
vidraça. Mas nada de extraordinário aconteceu. Não houve mais
garotinho ou homem de sobretudo, nenhum cheiro inexplicável ou
luzes piscando.

No final do cais, o Eurydice balança inquieto na água agitada.


Atraído por alguma força irresistível, meu olhar volta a ele uma e
outra vez.

Sei que são apenas meus nervos esgotados que fazem parecer
que o barco está me observando.
Trabalho o resto do dia com a carta de Dante fervendo na
minha mente até que uma mensagem chega.

Você ganhou. Ligue para mim.

É o Aidan. Não nos falamos há seis dias. Não estou me


sentindo particularmente cooperativa, então mando uma
mensagem de volta para ele em vez de ligar.

O que eu ganhei?

Quase posso sentir sua irritação por eu ter desobedecido sua


ordem para ligar nos três pontos saltitantes enquanto ele digita
sua resposta.

Você deveria entrar em contato comigo primeiro.

Franzindo a testa, digito de volta.

Não sabia que era uma competição.

O telefone toca. Assim que atendo, digo: — Alô? — A voz


descontente de Aidan está no meu ouvido.

— Eu estava te dando espaço. Não pensei que se transformaria


em distância.

— Não há distância. Foi apenas uma semana estranha.

Depois de uma pausa, ele pergunta: — Você está bem?

— Honestamente, não há uma maneira precisa de responder


a isso. A propósito, sinto sua falta.

Sua voz suaviza. — Sim?


— Você sabe que sim.

— Eu esperei. Fiquei pensando que ouviria uma batida na


minha porta e abriria para encontrar uma atordoada encharcada
e descalça com uma blusa transparente na minha porta.

Isso me faz sorrir. — Não é isso que todo homem quer?

— Talvez, mas fui eu que consegui. — Sua voz abaixa uma


oitava. — Traga sua bunda doce aqui, coelha. Eu preciso de você
nua na minha cama. Você me fez esperar o suficiente.

— Você se fez esperar, Clube da Luta. Você poderia ter


atendido o telefone dias atrás.

— Eu disse que estava te dando espaço.

— Não que eu quisesse.

— Estou interessado em dar o que você precisa, Kayla, o que


pode não coincidir com o que você quer.

E estou interessada na reação do meu corpo a essas palavras,


que é uma mistura confusa de desejo e aborrecimento. Eu gostaria
de arrancar todas as minhas roupas e me ajoelhar a seus pés, mas,
ao mesmo tempo, gostaria de desligar na cara dele.

Eu sei que só ligaria de volta, então vou pular.

— E exatamente o que você acha que eu preciso, Aidan?

— Esquecer tudo para que você possa se lembrar de quem você


é novamente.

Isso me tira o fôlego. Não só por causa da maneira sombria e


sensual com que foi dito, mas também porque ele está certo. Meu
coração bate mais rápido, umedeço meus lábios e sussurro: —
Sim.

— Eu sei. Agora venha aqui. Você tem dez minutos. Mais tarde
do que isso, você será punida. — Ele desliga.

Sento-me com o telefone apertado na mão e meu estômago


dando cambalhotas, perguntando se devo esperar trinta minutos
antes de sair só para ver qual seria minha punição.

Decido que ainda não sou tão corajosa. Estou fora da porta em
menos de um minuto. E mais uma vez, Aidan abre a porta de seu
apartamento antes mesmo que eu tenha a chance de bater.

Vestindo apenas um par de jeans desbotados, ele está


descalço, com o peito nu e lindo. Eu rio quando ele me arrasta em
seus braços e chuta a porta atrás de nós.

— Você fica aí parado ouvindo meus passos na escada?

— Sim. É tudo o que posso fazer para não correr para o


estacionamento como um maldito lunático no minuto em que seu
carro estaciona.

Quando sorrio para ele, ele avisa: — Não se gabe.

— Nunca. Meu Deus, você é ainda mais bonito do que eu me


lembro.

Ele planta um grande beijo na minha boca e diz rispidamente:


— Doce coelhinho. Como você quer ser fodida?

Emocionada, sussurro: — Do jeito que você quiser.


Com um braço em volta das minhas costas, ele pega meu
queixo em sua mão e segura meu rosto com firmeza enquanto
rosna: — Do jeito que eu quiser... o quê?

Eu derreto. Derreto como um picolé jogado no asfalto quente


em um dia de verão escaldante. Todos os outros pensamentos,
exceto ele, voam para fora da minha cabeça.

Como se fosse a coisa mais natural do mundo, um modo


padrão oculto que eu não sabia que nasci para operar, sem um
único segundo de resistência, eu simplesmente me rendo.

Eu digo sem fôlego: — Do jeito que você quiser, mestre.

Ele me beija como se estivesse faminto pela minha boca toda


a sua vida.

Eu me agarro a ele, sentindo seu coração batendo


descontroladamente contra meus seios, sentindo como se eu
estivesse sugando hélio e pudesse subir até o teto e bater a
qualquer momento, rindo e flutuando. Ele sempre me faz sentir
tão viva, livre para fazer qualquer coisa totalmente imprudente.

Ele me faz sentir livre.

E santo inferno é incrível.

Parando o beijo, ele puxa minha blusa, joga de lado. Meu jeans
é puxado em seguida. Ele rosna em desaprovação quando me vê
usando calcinha e a tira impacientemente. Quando estou de pé na
frente dele totalmente nua, ele abre a braguilha de sua calça jeans
e ordena rispidamente: — De joelhos.

Eu me ajoelho no chão de madeira como uma suplicante


agradecida e tomo sua ereção saliente em minhas mãos.
— Chupa, coelhinha.

No momento em que meus lábios deslizam sobre a cabeça


inchada de seu pau, ele geme e inclina a cabeça para trás,
fechando os olhos. Ele afunda os dedos no meu cabelo e sussurra
meu nome com dificuldade.

— Tão doce pra caralho. Tudo sobre você. Amo sua boca doce,
minha boa menina.

Seu elogio áspero é doce para meus ouvidos. É heroína


injetada em minhas veias. É uma euforia quente percorrendo cada
terminação nervosa, incendiando-me. Chupo tão ansiosamente
seu pau, que ele tem que me avisar para ir mais devagar.

— Acalme-se, baby. Você vai ter meu esperma, mas ainda não.

Ele abre os olhos e olha para mim, passando o polegar sobre


meu lábio superior enquanto balanço minha cabeça, levando-o
profundamente em minha boca, em seguida, indo mais devagar.

— Olhe para você, — diz ele com veemência. — De joelhos por


mim. Meu pau duro em sua boca. Seus olhos implorando para eu
te foder. Você tem ideia de como você é linda? Quão perfeita?

Sentindo-me enlouquecida, fecho meus olhos e o engulo o


mais fundo que posso, engasgando um pouco enquanto o empurro
na minha garganta.

— Tão perfeita pra caralho. — Ele sussurra. — Kayla. Minha


linda e obediente menina.

Gemo em torno de seu pau, chupando freneticamente


enquanto acaricio seu comprimento com as duas mãos. Minha
boceta pulsa. Meus mamilos doem. Preciso tanto dele, que ele me
foda que gemo de novo, tremendo com a necessidade.

Ele sabe. Claro que ele sabe. Sua risada é suave e intensa.

— Você precisa abrir suas pernas para mim e levar fundo esse
pau, não é, baby? Você precisa que seu mestre te foda.

A veia na parte inferior de seu pênis pulsa contra minha


língua. Seus dedos apertam no meu cabelo. Agora, ele poderia
ordenar que eu me jogasse pela janela, e eu provavelmente o faria.

— Sim, você precisa. Garota gananciosa. Deixe-me ver seu


dedo foder essa boceta linda enquanto você toma meu pau em sua
garganta. Mas não se atreva a gozar sem minha permissão.

Enfio uma mão entre as pernas e começo a esfregar


freneticamente meu clitóris. Já estou encharcada, desesperada,
respirando com dificuldade pelo nariz e tremendo toda.

Ele embala meu rosto com as duas mãos e flexiona seus


quadris, guiando seu pau para dentro e para fora da minha boca,
controlando a velocidade e a profundidade, controlando cada parte
de mim.

Ele sussurra: — Ah, porra, sim, querida. Foda -se sim.

Olho para ele. Nossos olhos travam. Seus lábios estão


separados, e seus olhos queimam. Eles queimam direto em mim,
esfolando-me até que eu esteja totalmente exposta, crua e
vulnerável. Chorando em torno de seu pau, enfio um dedo dentro
do espaço dolorido entre minhas pernas.
— Não goze, — ele ordena em uma voz suave acariciando
enquanto me aprisiona em seu olhar hipnotizante. — Seja uma
boa menina e espere por mim.

Estou ficando louca. Imploro silenciosamente com meus


olhos. Ele lambe os lábios, me observando.

Uma contração no fundo do meu íntimo me faz puxar uma


respiração aguda pelo nariz. Aidan coloca a mão no meu cabelo e
puxa minha cabeça para trás. Seu pau sai da minha boca.

Respirando com dificuldade, ele se abaixa até que está


olhando nos meus olhos arregalados a apenas alguns centímetros
de distância. Segurando meu queixo com firmeza, ele diz com uma
voz profunda: — Você desobedeceu a seu mestre?

Estou ofegando tanto que mal consigo responder. — Não. Não.


Eu prometo.

Ele não acredita em mim. Com um grunhido, ele me empurra


de costas no chão de madeira nua e se ajoelha sobre mim,
achatando uma mão sobre meu esterno e pressionando para que
eu fique presa. A outra mão ele desliza entre as minhas pernas.
Ele sibila quando me encontra encharcada e pronta para ele.

Ele enfia um dedo dentro de mim, me calando quando gemo.

— Braços sobre sua cabeça. Abra suas pernas. Mais um som


e você será punida.

Tremendo, levanto os braços sobre a cabeça e descanso


minhas mãos entrelaçadas no chão. Abro minhas coxas e mordo
meu lábio inferior, rezando para ser forte o suficiente para
permanecer em silêncio como fui instruída.
Ele está parado por um momento, observando meu rosto com
olhos ávidos, aquele dedo afundado dentro de mim esperando o
aperto rítmico do orgasmo. Estou quase lá - quase - e se ele mover
o dedo, vou perder o controle e começar a foder sua mão
desesperadamente enquanto meu orgasmo rasga através de mim.

— Doce coelhinha, — ele sussurra, exultante. — Você está se


esforçando tanto para ser boa, não é?

Aceno freneticamente.

Ele desliza a mão pressionada contra meu esterno até um seio


e o acaricia por um momento antes de beliscar o mamilo duro.
Prazer ondula pelo meu corpo em ondas que descem direto entre
as minhas pernas. Embora eu seja incapaz de controlar a forma
como minhas coxas tremem e minhas costas arqueiem do chão,
permaneço em silêncio, respirando superficialmente pelo nariz.

Entre suas pernas, sua ereção sobressai da braguilha aberta


de seu jeans. É grande e brilha com a minha saliva, a coroa ficou
vermelha. O comprimento está grosso, tenso e mapeado com veias.

Quero isso. Eu preciso disso. Preciso que ele me empale, foda-


me sem sentido enquanto rosna coisas imundas em meu ouvido e
perfuma minha pele com seu cheiro enquanto mói contra meu
corpo.

— Olhos em mim, Kayla.

Encontro seu olhar escuro e sussurro: — Sim, senhor.

Embora eu devesse ficar quieta, posso dizer que ele está


satisfeito comigo.
Para minha recompensa, ele me vira de barriga e bate na
minha bunda habilmente, indo e voltando entre cada bochecha até
que estou quase chorando de necessidade.

Ele para um pouco antes de me espancar com um orgasmo.

Quando choramingo, minha bochecha contra o chão e meus


olhos bem fechados, ele diz com os dentes cerrados, — Você é a
coisa mais linda que eu já vi em toda a minha vida. É melhor você
fugir agora, coelhinha, ou eu vou rasgá-la em pedaços.

Sabendo que o alívio não está muito longe agora, soluço


enquanto fico joelhos e depois de pé.

Rosnando como um animal, ele bate na minha bunda. Eu grito


e pulo, então saio da cozinha com o coração na garganta. Mal
consigo chegar na porta do quarto dele e fechar antes que ele bata
nela, exigindo que eu o deixe entrar.

Quando recuso, ele chuta a porta.

Ela bate contra a parede. Alguns livros da estante caem no


chão. Um pedaço de gesso cai do teto. Aidan está parado na porta,
respirando com dificuldade, narinas dilatadas, olhos tão ferozes
quanto os de um predador faminto enquanto olha para mim,
apoiada na parede oposta, tremendo.

Ele rosna: — De quatro no colchão.

Grito desafiadoramente: — Não! Se você me quer, você tem que


me pegar!

Seu sorriso é largo e letal.


Vou para a esquerda. Ele se joga. Corro na outra direção,
rápido demais para ele girar e me agarrar. Com uma risada de
vitória, saio correndo do quarto e desço o corredor.

Ele me pega na sala.

Agarrando-me pela nuca, ele me puxa contra seu corpo e


envolve um braço de ferro em volta das minhas costelas. Enquanto
luto para me libertar, ele ri, aninhando o nariz no meu cabelo e
inalando profundamente.

— Você acha que é forte o suficiente para ficar longe de mim,


coelha?

— Sim! — Torço e me contorço impotente.

— Eu não acho. — Ele morde meu ombro, estendendo a mão


para me agarrar entre as minhas pernas. Sua voz abaixa. — O que
eu acho é que você está prestes a ser fodida muito, muito forte.

Posso desmaiar. Meu pulso está descontrolado, estou ofegante


em desespero e me sinto estranhamente sem peso, como se
estivesse desencarnado, flutuando fora de mim.

Aidan cai no sofá, levando-me com ele, vira e me prende sob


seu peso para que meu rosto seja esmagado nas almofadas. Eu me
esforço para me libertar, mas ele agarra meus pulsos e os prende
no alto.

Quente e dura, sua ereção cutuca minha bunda.

Ele leva um momento para apreciar minhas lutas e gritos


indefesos e simplesmente deita em cima de mim, seu peito nu
queimando minhas costas enquanto ele cheira meu cabelo,
ombros e pescoço e geme de prazer.
— Solte-me!

Ele ri. — Diga a palavra segura, e eu vou.

O bastardo presunçoso. Ele sabe que eu não vou dizer a porra


da palavra segura.

Grito de frustração. Isso o faz rir.

— Coelha mau, — ele sussurra, seu tom de júbilo.

— Não!

— Ah, sim, você é. E você sabe o que os coelhos maus ganham,


não sabe?

Não é uma pergunta, mas ainda requer uma resposta.

— Liberdade!

Ele coloca a boca perto do meu ouvido e diz com veemência:


— Não, baby. Eles são fodidos na bunda por seus mestres até
prometerem ser bons.

Quase gozo. Minha boceta aperta com a necessidade. Gemo


em desespero, contorcendo minha bunda contra ele.

Segurando meus pulsos com uma mão, Aidan desliza a outra


entre minhas pernas. Ele esfrega os lábios da minha buceta,
espalhando a umidade entre as bochechas da minha bunda.
Quando seus dedos deslizam sobre meu ânus, grito.

Ele desliza o dedo até a junta. Grito, ficando tensa.

— Isso é meu, — diz ele sombriamente. — Vou reivindicá-lo.


Se você não quer isso, diga a palavra segura agora, porra.
Presa embaixo dele, estou indefesa, mas não completamente.
Sei que bastaria uma palavra para mudar tudo isso. Se eu dissesse
a palavra segura, sei que ele pararia instantaneamente e me
soltaria. Sei disso sem dúvida, e é isso que me mantém no lado
certo da linha tênue entre prazer e medo.

Viro o rosto para a almofada e soluço seu nome.

Ele exala um gemido cheio de desejo e satisfação sombria. —


Sim, baby. Diga meu nome quando eu te foder. Grite quando você
gozar para mim.

Ele cospe em seus dedos, esfrega sua saliva por todo o nó


sensível entre as bochechas da minha bunda, segura-me enquanto
guia a cabeça de seu pau duro dentro de mim.

Eu grito, estremecendo.

— Pegue o pau do seu mestre, — ele ordena, e enfia tudo


dentro.

Queima e me deixa sem fôlego, meus olhos lacrimejando e


meus músculos da bunda apertam. Aidan não move seus quadris
novamente, ele simplesmente deita em cima de mim, respirando
pesadamente contra meu cabelo, ambas as mãos agora em volta
dos meus pulsos.

Seu domínio total sobre meu corpo faz algo frágil dentro do
meu peito se partir como um galho.

Uma lágrima desliza sobre a ponta do meu nariz. Tremendo,


cheia dele e de emoção caótica, sussurro: — Mestre.

Ele geme. Com uma voz fraca e sem fôlego, ele diz: — Doce
menina. Minha boa menina. Implore por mim.
Fecho os olhos e obedeço. — Por favor, mestre. Por favor, foda-
me. Foda-me com força.

Ele se retira e bombeia de volta na minha bunda com um


estalo afiado de seus quadris.

Meu soluço é despedaçado e grato.

Ele faz isso de novo, empurrando mais forte, novamente com


um grunhido quando gemo.

Dói como um filho da puta, mas meu clitóris está latejando e


meus mamilos duros esfregam com deliciosa fricção contra o
tecido grosso do sofá a cada impulso, então eu imploro para ele
continuar, inclinando meus quadris para cima e para trás como a
gananciosa putinha que ele me fez.

Soltando meus pulsos, ele agarra meu quadril com uma mão
e empurra o sofá com a outra. Ele fica de joelhos, mantendo seu
pau dentro da minha bunda e me trazendo com ele. Ele me
estabiliza e apoia um pé contra o chão, então agarra meus quadris
com as duas mãos enquanto se ajoelha atrás de mim.

Ele me fode forte e fundo, entrando em minha bunda macia


com força implacável enquanto grito delirante e suas bolas
pesadas batem contra minha boceta.

— Mestre! Mestre! Por favor, posso gozar?

Ele ofega: — Sim, baby. Me dê isto.

Ele alcança entre minhas pernas e puxa firmemente meu


clitóris inchado.

Isso desencadeia uma reação em cadeia instantânea.


Suspiro e pulo. Minha boceta aperta ritmicamente. Minha
mente pisca enquanto meu corpo assume, respondendo ao seu
toque em um nível além do controle consciente.

— Aidan! Oh Deus, Aidan, estou gozando! Estou gozando!

O som que sai de sua garganta é gutural, animalesco e


completamente satisfeito.

Ele enfia seu dedo grosso dentro da minha boceta latejante, e


seus sons são abafados pelo meu grito alto e vacilante de prazer.

Ele estremece, solta um rugido primitivo e goza dentro de mim.

Começo a chorar, soluçando impotente em doce rendição


enquanto este belo homem me arrasta com ele para a escuridão.
Depois, sou uma bagunça emocional.

Deito de bruços no sofá com a bunda para cima, soluçando


nas almofadas, tremendo toda, suada e exausta. Aidan está
curvado sobre mim, respirando com dificuldade. Sua testa quente
repousa entre minhas omoplatas.

— Oh, baby, — ele sussurra. — Não chore. Está tudo bem,


baby. Tudo bem.

Ele pressiona o mais suave dos beijos na minha espinha e


lentamente se retira do meu corpo. Ele arrasta a manta do encosto
do sofá e me envolve nela. Ele se senta, puxa-me para seu colo e
me envolve com seus braços fortes.

— Tão linda, — ele murmura, beijando minha testa e


bochechas molhadas. — Você é minha boa e linda garota.

Enterro meu rosto na curva de seu pescoço e choro mais.

Ele aperta os braços em volta de mim e me balança


suavemente, murmurando palavras suaves. Ele acaricia meu
cabelo e a mim, acalmando e ninando-me como um bebê.

Nós nos sentamos assim até que minhas lágrimas param e


estou fungando, tentando abafar o soluço aleatório.

Ele inala profundamente, exala e desliza as pontas dos dedos


levemente ao longo do lado do meu rosto. Descansando sua
bochecha no topo da minha cabeça, ele diz suavemente: — Diga-
me o que você precisa de mim.

Nenhum homem me perguntou isso antes.

Bem, tecnicamente era uma ordem, não uma pergunta, mas


não estou me apegando aos detalhes. Atordoada, dolorida e
completamente satisfeita, sento e penso seriamente sobre isso por
um tempo antes de decidir que preciso de mais detalhes.

— Você quer dizer agora ou em geral?

— Ambos. Eu quero saber o que te faz feliz. O que vai fazer


você se sentir o tempo todo como eu me sinto agora.

Eu olho para ele. — Como você se sente agora?

Ele olha para mim, seus olhos infinitos e escuros. Traçando


meu lábio inferior com a ponta do dedo, ele diz: — Renascido.
Perdoado. Ou talvez... eu não sei. — Ele luta silenciosamente por
um momento. — Livre.

Pergunto timidamente: — Eu faço você se sentir livre?

— Como se eu estivesse vivendo em uma caverna escura a


porra da minha vida inteira, e apenas tropecei na luz do sol.

Lágrimas se prendem na minha garganta, fecho meus olhos e


me aconchego mais perto dele. Com um nó na minha voz,
sussurro: — Nunca conheci ninguém como você.

Sua risada é suave e escura. — Vou tomar isso como um


elogio.
— É um. Sempre me sinto segura perto de você. Você traz à
tona um lado meu que eu nem sabia que existia antes. Sinto que
eu poderia te contar qualquer coisa, meu segredo mais sombrio, a
pior coisa que fiz da qual mais me envergonho, e tudo ficaria bem.
— Hesito. — Menos…

Ele para. — O quê?

— Quando você se afasta no meio de uma conversa, fico muito


frustrada.

Depois de um momento, ele assente. — Ok. Não vou fazer isso


de novo.

Encorajada, continuo falando. — E quando você desliga e não


me diz o que está pensando, fico confusa. Você é muito intenso em
alguns aspectos, muito comunicativo aberto bem na minha cara,
mas outras vezes parece que está se escondendo de mim.

Faço uma pausa para pensar novamente. E arrisco: — Talvez


você esteja preocupado como vou reagir se eu conhecer o
verdadeiro você?

Ele me beija, roçando seus lábios contra os meus com uma


ternura que faz meu peito doer.

Então ele murmura: — O que me preocupa é entregar meu


coração a uma mulher que ainda está usando uma aliança de
casamento.

A tristeza em sua voz faz meu coração pular. Sussurro: — Ah,


Aidan. Sinto muito.
— Você não precisa se desculpar. Ou explicar-se. Nunca quero
que você se sinta obrigada a se explicar para mim. Sei que você
está apenas vivendo um dia de cada vez.

Por “vivendo” ele quer dizer “nós”. Essa coisa que estamos
fazendo juntos, seja o que for. E ele está certo, de certa forma.
Estou levando um dia de cada vez. Não há outra maneira de dizer.
Ele caiu na minha vida como um meteoro caindo na terra, bem
quando eu estava mais quebrada do que já estive.

Só que não me sinto quebrada quando estou com ele.

Muito sobrecarregada para continuar com a conversa em meu


estado emocionalmente bruto, digo: — Ok. Você quer saber o que
eu preciso para ser feliz agora?

— Sim.

Sorrio para ele e puxo sua barba. — Um copo de vinho e um


banho quente.

Suas pálpebras abaixam. Ele arde em mim em silêncio por um


momento. — Posso fazer isso por você.

— Obrigada.

Ele levanta as sobrancelhas. — Você não está esquecendo de


nada?

Estendo minha mão sobre sua mandíbula e sorrio mais. —


Obrigada, senhor.

Ele olha profundamente em meus olhos por um longo


momento. Então diz baixinho:
— Kayla, tenha cuidado comigo.

Surpresa com isso, pergunto: — O que você quer dizer?

— Sei que você pensa que sou forte. Mas o problema com
coisas fortes é que elas são quebráveis. Elas não podem ceder sob
estresse. Elas simplesmente quebram.

Antes que eu possa responder, ele me pega e leva para o


banheiro.

Mergulho em êxtase por uma hora, espuma até o pescoço,


bebendo um copo de Cabernet. Aidan entra e sai do banheiro,
trazendo-me pequenos pedaços de queijo e fatias de maçã,
alimentando-me com seus dedos e me observando mastigar como
se fosse à coisa mais fascinante que ele já viu.

A maneira como me olha é viciante.

Porque gosto muito, também é um pouco assustador.

Acho que não estou pronta para isso. Parece que ele também
não. Somos ímãs que não querem ser ímãs, reunidos por
elementos invisíveis além do nosso controle.

Não tenho palavras nem vontade de dizer a ele que seria mais
sensato diminuir a velocidade desse trem desgovernado antes que
ele saísse dos trilhos e matasse todos os passageiros. Além disso,
não passamos desse ponto, afinal?
A resposta óbvia é sim. Nós passamos. Nós pulamos os
jantares e conversas educadas e pulamos direto para sacanagem
pervertida.

Não que eu esteja reclamando. É mais simples assim, e as


coisas simples são lindas. E com meu estado de espírito recente,
conversa fiada seria um exagero.

Vestindo apenas jeans, Aidan está sentado no vaso sanitário


com os cotovelos apoiados nos joelhos. — Irei para casa amanhã.

— Isso é um convite ou você está apenas me informando sobre


seu futuro paradeiro?

Um leve sorriso curva seus lábios. — É um convite, espertinha.


Que você já sabia. Qual é a resposta?

— A resposta é sim. Que você já sabia.

— Não quero assumir nada. — Ele olha para o meu dedo


anelar, depois desvia o olhar. — Não sei sua agenda.

Diga a ele. Apenas conte a ele sobre Michael. Diga a ele o que
aconteceu. Ele merece saber.

Ele? Não há compromisso aqui. E eu não sou a única a segurar


as coisas. Eu não sei nada sobre ele. Inferno, nem sei quantos anos
ele tem!

Vou e volto mentalmente por alguns segundos, discutindo


comigo mesma, até que ele me assusta perguntando: — Quantos
anos você tem?

Rio sem jeito. — Deus, isso é estranho.


— O quê?

— Eu estava pensando que não sei quantos anos você tem


quando você me perguntou.

— Tenho trinta e cinco.

— Tenho trinta.

Nós olhamos um para o outro. Ele murmura: — O que mais


você estava pensando?

Ganhando tempo, coloco a taça de vinho na borda da banheira


lentamente. Sento-me e olho para a espuma, brilhando em
aglomerados cintilantes, agarrados aos meus joelhos e seios.

— Eu estava pensando no meu marido.

Aidan permanece em silêncio. Não posso nem o ouvir respirar.


Sinto-o esperando, porém, sinto a nova tensão em seu corpo tão
claramente como se seus músculos fossem meus.

— Na verdade, não é exatamente isso. Estava pensando que


queria lhe contar algo sobre ele.

Engulo. Meu pulso começa a acelerar. Não sei por que isso
deveria ser tão difícil. Eu disse a Eddie, o faz-tudo, que meu marido
estava morto e que ele nunca me fodeu na bunda e me chamou de
coelhinha.

Quando respiro trêmula e fecho os olhos por um momento


para reunir coragem, Aidan ordena baixinho: — Olhos em mim.

Olho para ele. Ele me encara com intensidade inabalável, seus


olhos ferozes.
— Ele está machucando você? Isso é tudo que eu quero saber.

Há algo selvagem em seu olhar, um brilho perigoso que me faz


estremecer. Puxo meus joelhos mais para perto do peito,
envolvendo meus braços em minhas canelas. — Se eu dissesse
sim, o que você faria?

Sua resposta é dura e instantânea. — Matar ele.

Meu pulso dispara e meus olhos ficam arregalados, sussurro:


— Aidan.

Ele me encara, esperando.

Finalmente, digo: — Foi isso que você fez com seu pai?

Ele responde sem vacilar ou desviar o olhar. — Sim.

Expiro, fecho os olhos e coloco a cabeça nos joelhos.

Com sua voz mais baixa, ele diz: — Você não precisa ter medo
de mim.

— Eu não tenho.

Parecendo não convencido, ele acrescenta: — Eu não sou um


perigo para você. Eu nunca te machucaria.

— Eu sei.

— Mas você está se escondendo.

— Estou... porra, acho que estou. Estou apenas processando.


Dê-me um minuto, por favor.
Ficamos em silêncio interrompido apenas pelo som aleatório
da água pingando da torneira. Ele se ajoelha ao lado da banheira
e pega meu rosto em suas mãos.

Ele diz com urgência: — Estou mais velho agora. Mais esperto.
Tive muito tempo para pensar sobre o que fiz. E se acontecer de
novo, estarei mais bem preparado.

Meu coração martela contra meu peito. — Vou fingir que você
não acabou de me dizer que sabe como se safar de um assassinato.

— Finja o que quiser. A realidade é que, se eu descobrir que


um homem colocou as mãos em você com raiva, ele nunca mais
poderá fazer isso novamente.

Ele me beija suavemente, pressionando sua boca na minha em


uma promessa não dita. Envolvo minhas mãos em torno de seus
pulsos e o beijo de volta, abrindo meus lábios para sua língua
quando ele a desliza. Ele sonda mais fundo, inclinando minha
cabeça para pegar o que ele precisa enquanto tremo na água fria.

Então ele para o beijo e pressiona sua testa na minha.

— Kayla. Você me responde agora. E me diga a verdade. Ele


está te machucando?

Lágrimas brotam em meus olhos, digo: — Não.

Ele se afasta e olha para mim, franzindo a testa. — Então por


que você vai chorar?

— Porque acabei de perceber que sou louca. Sou literalmente,


comprovadamente insana.

— Por que você diria isso?


Uma lágrima solitária sobe pela minha pálpebra inferior e
desce pela minha bochecha. Com meu peito doendo, sussurro: —
Se eu fosse sã, não pensaria que você ameaçar matar alguém por
mim fosse tão bonito.

Ele me encara por um longo momento, seus olhos queimando.


Então ele se levanta, me põe de pé e me levanta da água. Ele me
carrega toda molhada, para o quarto e me deita no colchão.

Sem uma palavra, ele se ajoelha entre minhas pernas, abre


minhas coxas e se inclina para colocar sua boca no meu sexo
exposto.

Quando gemo e arqueio, ele estende as duas mãos e envolve


meus seios molhados, apertando-os suavemente antes de amassar
meus mamilos.

Acho que essa é a maneira dele de me dizer que podemos ser


loucos juntos.

Afundo minhas mãos em seu cabelo e suspiro. Sua barba


arranha minhas coxas. Sua deliciosa língua quente mergulha
profundamente dentro de mim. As pontas ásperas de seus dedos
deslizam para frente e para trás sobre meus mamilos duros, e logo
estou ofegante e gemendo alto, balançando meus quadris no ritmo
do movimento de sua língua.

Quando ele belisca meus mamilos com força, gozo em sua


boca, estremecendo e gritando seu nome.

Ele chupa meu clitóris até que eu fique mole, então se levanta
e tira o jeans. Ele se abaixa em cima do meu corpo e entra em mim.

Com as mãos no meu cabelo e seu rosto virado para o meu


pescoço, ele diz rispidamente: — Se você decidir que não é isso que
você quer, me prometa que vai acabar com isso antes que eu me
apaixone por você.

— Eu prometo, — sussurro, lutando contra as lágrimas


novamente.

— Bom. — Sua voz cai. — Mas você sabe, você não tem muito
tempo.

— Aidan...

— Silêncio agora.

Ele faz amor comigo com uma ternura cuidadosa que nunca
demonstrou antes, me tratando como se eu fosse feita de
porcelana. Quando ele chega ao clímax, é com um suave gemido
de desespero, como se ele soubesse que essa coisa que estamos
fazendo é grande e perigosa, capaz de aniquilar nós dois.

Entendo exatamente como ele se sente.


A manhã de domingo amanhece azul brilhante. As nuvens de
chuva foram afugentadas pelo sol e, pela primeira vez em semanas,
está lindo lá fora.

Aidan nos prepara o café da manhã – ovos mexidos, é claro,


mas também torradas e bacon – depois tomamos banho juntos.
Ele cantarola enquanto lava meu corpo, sorri enquanto me seca
depois, assobia enquanto nos vestimos.

Aidan de bom humor é inebriante. Com o rosto iluminado, ele


está ainda mais bonito que o normal.

Como o tempo está bom, ele sugere que façamos a viagem até
a casa de moto. Quando concordo e digo a ele que costumava
andar de motocross quando era criança, ele me encara incrédulo,
me olhando de cima a baixo.

— Você?

— Não julgue um livro pela capa, garanhão. Sei que pareço a


garota da casa ao lado, mas por dentro, sou mais como The Girl
With the Dragon Tattoo6. — Faço uma pausa para pensar. — Exceto
sem as tatuagens, o QI genial, os conhecimentos de informática ou
a memória fotográfica. — Então esclareço. — Mas sou antissocial.

Aidan ri. — O que você é, é adorável.

6
Titulo no Brasil: Millennium: Os Homens que Não Amavam as Mulheres;
— Certo? — Concordo, fingindo que isso não me fez brilhar
como o sol.

— Sim. Vamos ver se tenho uma jaqueta que você pode usar,
coelhinha.

— Não vou caber em uma de suas jaquetas gigantescas.

Ele vasculha seu armário, saindo com um bombardeiro de


couro preto tão grande que eu poderia muito bem usá-lo como uma
barraca e ir acampar.

Sorrindo para a minha expressão, ele ordena: — Coloque.

Eu me enfio nela. Fico ali parecendo a ideia de alguém de uma


piada hilária. — Se eu usar isso, o vento vai me pegar e eu vou
flutuar atrás de você como um balão.

— Não se preocupe, meu capacete gigante vai pesar em você.

Ele não está brincando. Ele me entrega um capacete feito para


o supervilão Megamente. Quando rio, ele diz: — Não posso evitar.
Meu cérebro é enorme. — Ele sorri. — Entre outras coisas.

Digo docemente: — Você está pensando em seu ego.

Ele passa arrogantemente, dando um tapa na minha bunda


enquanto passa. — Vamos, coelhinha. Se você for boa, eu lhe darei
uma cenoura mais tarde. — Ele se vira e pisca.

Gostaria de fazer uma observação inteligente, mas caramba,


eu também quero muito essa cenoura. Então mordo minha língua
e o sigo porta afora.
Há uma pequena garagem atrás do bar onde ele guarda sua
Harley, uma coisa bem macho e brilhante, feita sob medida para
assustar velhinhas e cachorrinhos e ensurdecer todo mundo.
Começa com um estrondo e aumenta para um volume de
perfuração do tímpano, vibrando a terra sob meus pés.

Aidan sacode o queixo, indicando que eu deveria subir atrás


dele. Quando subo e sinto aquela vibração adorável entre minhas
coxas, decido que deveria comprar uma para mim.

Talvez eu nunca saia de casa.

Envolvendo meus braços ao redor de sua cintura, seguro firme


enquanto decolamos com um rugido.

É apenas uma viagem de dez minutos até o outro lado da ilha,


mas é tão bonita que gostaria que fosse mais longa. O ar tem um
cheiro fresco e suave, as colinas estão inundadas de luz dourada,
e para onde quer que eu olhe, vejo um milhão de tons de verde, de
maçã pálida a esmeralda escura. O mundo inteiro parece
mergulhado nisso.

Damos uma volta e passamos por uma barraca de fazenda à


beira da estrada, depois por uma vinícola. Em seguida, descemos
uma colina até Port Madison, um bairro histórico à beira-mar
cheio de parques e trilhas para caminhada. Mais algumas curvas
e estamos em uma longa entrada de terra ladeada por árvores
altas. A entrada termina em uma parte plana de grama
desgrenhada com vista direto para as águas calmas e cristalinas
de Hidden Cove.

Aidan estaciona sob um cedro gigante e desliga o motor. Desço


primeiro, tirando o capacete da minha cabeça e olhando em volta
com admiração.
— Uau. Essa vista é incrível.

Ele passa a perna por cima da moto e tira o capacete. Ele o


coloca no banco da moto e sorri para mim.

— Muito espaço para uma coelha brincar, hein?

Minhas bochechas aquecem, torço meus lábios e olho para ele.

Ele ri da expressão no meu rosto. — Vamos lá. A casa é aqui


em cima.

Achei que estivéssemos no terreno principal, mas ele está


apontando para um declive além de uma brecha nas árvores. Ele
estende a mão. Eu a pego e sigo atrás dele pela encosta suave em
um caminho que parece bem gasto.

Quando chegamos ao topo, paro e suspiro.

A estrutura de uma casa fica no meio de um semicírculo de


pinheiros ocidentais brancos gigantes que têm pelo menos trinta
metros de altura. De frente para a água, a casa tem dois andares,
uma fundação, um telhado e nada mais. Ainda não há paredes ou
janelas internas. Nenhum paisagismo ou garagem, também. É
mais um esboço, o esboço de uma ideia, mas a ideia está tomando
forma lindamente.

— Haverá uma varanda contornando a frente, — diz Aidan


suavemente, olhando com orgulho para os ossos de sua casa. — E
um caminho ali que levará ao cais.

Ele olha para mim, os olhos brilhando. — Vou comprar um


barco. Nada grande. Um barco pequeno de lago com fundo plano
para que eu possa usar no final da noite.
Estou tão impressionada que mal sei o que dizer. — Há quanto
tempo você está trabalhando nisso?

— Alguns anos agora.

De olhos arregalados, olho em volta. — E você está fazendo


tudo isso sozinho?

Ele ri. — Eu queria. O encanamento e a eletricidade vêm em


seguida, e é aí que as coisas começam a ficar caras. — Ele olha
para a casa, respira fundo e sorri. — Muito disso eu posso fazer no
comércio. O que é bom, porque não tenho dinheiro para financiar
este projeto. Só o custo da madeira quase me fez falir.

Eu me aproximo dele. Ainda olhando para a casa, ele passa o


braço em volta do meu ombro e me puxa para perto.

— Correndo o risco de ser punida, preciso te dizer que


definitivamente vou te pagar agora pelo trabalho que você está
fazendo no meu telhado.

Sua risada é suave. Ele inclina a cabeça para trás e fecha os


olhos, aproveitando o sol no rosto. — Você tem sorte que estou de
bom humor, coelha, ou sua bunda estaria queimando.

Enrolo meus braços ao redor de sua cintura e descanso minha


bochecha em seu peito. — Promessas, promessas.

Ele beija o topo da minha cabeça. Então ficamos ali em um


silêncio confortável, nossos braços em volta um do outro, ouvindo
a brisa tocando entre as árvores. O som de risadas de crianças
distantes chega até nós sobre a água.

Aidan pergunta baixinho: — Você já quis ter filhos?


Meu pulso dispara. Minhas mãos começam a tremer. Fecho
meus olhos, enterro meu rosto em seu peito e sussurro: — Sim.

Há uma ligeira mudança em sua energia. Uma nova tensão


rasteja em seus braços. — Foi a coisa errada a dizer?

Balanço minha cabeça. — Não, é só que... eu tentei uma vez.


Nós tentamos.

Ele descansa sua bochecha contra o topo da minha cabeça e


aperta seus braços em volta de mim. — Você não precisa me dizer.

— Tudo bem. Não é segredo nem nada. — Solto um suspiro.


— Tive um aborto espontâneo. Eu estava bem adiantada.

Uma memória me atinge como um soco no estômago: dor,


gritos, sangue escorrendo pelas minhas coxas nuas. Rastejando
pelo chão do escritório e soluçando, tentando desesperadamente
chegar ao telefone na parede. É um emaranhado de impressões
que vêm de uma vez, como um clipe de um filme passando rápido
demais com o som no máximo.

Mas de quem é essa voz? Os gritos não soam como os meus.


É a voz de um estranho, cheia de raiva, caindo sobre mim como
um furacão.

A memória desaparece tão rapidamente quanto veio, cortada


como se um plugue fosse puxado.

Deixa para trás a impressão distinta e arrepiante de que


grandes pedaços estão faltando. Que algo importante foi deixado
de fora.

Ou apagado completamente.
Procuro algo mais, mas nada vem. Bati em uma parede de
tijolos.

— Você está tremendo, — diz Aidan, parecendo preocupado


enquanto me abraça mais apertado. — O que é isso, Kayla? O que
há de errado?

— Nada. Apenas me abrace, por favor.

Ele me envolve em seus braços, segurando firme. Eu me


agarro a ele, engolindo o gosto ácido da bile.

Depois de alguns minutos, quando me acalmo um pouco,


Aidan diz suavemente: — Não me importo se você não estiver
pronta para falar sobre certas coisas. Você pode simplesmente
dizer isso, e eu vou aceitar. Eu não vou pressionar. Mas não minta
para mim de novo, ok?

Eu sussurro: — Sinto muito.

Sua voz fica firme. — Diga que você não vai mentir para mim
novamente, Kayla.

— Eu não vou. Eu prometo.

Acariciando minha bochecha, ele murmura: — Bom. Porque


você não precisa. Você nunca tem que se esconder de mim.

Minha voz falha quando digo: — Eu não entendo como você é


tão incrível.

Ele beija meu pescoço, minha orelha, minha bochecha, beijos


suaves cheios de ternura.
— Só sou incrível quando estou com você. O resto do tempo,
eu não sou ninguém.

Eu me aproximo dele, precisando de sua solidez, amando


como me sinto segura em seu abraço caloroso. Ele faz um som de
prazer baixo em sua garganta e inala em meu cabelo. Depois ele
está beijando meu pescoço novamente, só que desta vez, sua boca
está mais exigente.

— Amo o seu gosto, coelha, — diz ele rispidamente. — Amo o


gosto da sua pele. Amo seu cheiro também. E como você perde o
controle quando faço você gozar. E como você me olha. A maneira
como você me olha me faz sentir como um maldito rei.

Ele afunda a mão no meu cabelo e puxa minha cabeça para


trás, expondo minha garganta. Segurando-me firmemente contra
seu corpo, ele lambe e beija um caminho do lóbulo da minha orelha
até a minha clavícula, pressionando os dentes na minha pele a
cada poucos centímetros como se quisesse dar uma mordida em
mim e me devorar.

Quando exalo um pequeno gemido, ele aperta minha bunda e


flexiona sua pélvis contra a minha, pressionando sua ereção
contra meu quadril.

Minha resposta é instantânea.

Meus mamilos endurecem. Meu coração bate. Minha pele


aquece, e minha boceta formiga. Nunca conheci um homem com
quem eu tivesse uma reação física assim, tão sem esforço e
instantaneamente. Nem meu marido.

Com meus olhos fechados e meu rosto virado para o céu


enquanto ele beija minha garganta, digo: — Que leão faminto.
Espero que você possa correr com o estômago vazio.
Sorrindo, afasto-o e olho para ele timidamente, agitando meus
cílios.

Então eu me viro e corro em direção aos pinheiros.

Rindo, ele grita atrás de mim: — Você tem dez segundos antes
que eu vá atrás de você, coelhinha! — Então ele começa a contar
em voz alta.

Com emoção no meu sangue, corro pela grama e passo pela


casa, bombeando meus braços e pernas tão rápido quanto eles me
levam. Assim que chego ao bosque de pinheiros, escondo-me atrás
de um tronco enorme e arrisco uma espiada rápida.

Aidan avança em minha direção em um galope fácil, sorrindo


sombriamente.

Eu grito e começo a correr novamente.

Além do conjunto de pinheiros altos, há um pequeno prado


cercado por uma área densamente arborizada. Percebendo que a
propriedade deve ter vários acres, corro em direção à floresta com
o coração na garganta, sem ousar olhar para trás. Respirando com
dificuldade, minhas coxas queimando, atravesso a linha das
árvores a todo vapor.

Sob os pés, o chão é macio e irregular, coberto por um manto


úmido de grama e folhas. Antes de eu ter avançado seis metros,
pego meu dedo do pé em uma raiz de árvore meio enterrada e saio
voando.

Caio sob meu estômago. Minha respiração é arrancada dos


meus pulmões. Fico atordoada e ofegante por um momento, então
tento me levantar.
Estou atrasada. Meu leão já atacou.

Rosnando, ele me agarra pela cintura. Caímos na terra úmida.


Eu luto para me libertar enquanto ele ri sem fôlego e luta comigo.
Então estou de costas e ele está em cima de mim, mordendo meu
pescoço enquanto prende meus pulsos no chão.

Ele ri de alegria enquanto me contorço embaixo dele.

— Coelha má.

— Solte-me!

— Você tem folhas no cabelo, coelhinha. Onde mais você


poderia ter folhas, eu me pergunto?

Ele me vira de bruços e tira sua jaqueta de couro de cima de


mim, jogando-a de lado.

— Hum. Aqui não. Talvez sob sua blusa.

Enquanto luto e grito em protesto, ele tira minha blusa e a


manda voando. Ele está rosnando na minha pele enquanto esfrega
a barba nos meus ombros.

— Minha coelhinha travessa precisa ser fodida na floresta, não


é?

— Não! — Sim. — Saia de mim!

Ele desliza a mão sob meu torso e aperta meu seio com força.
No meu ouvido, ele diz com veemência: — Eu vou te foder com
tanta força, coelhinha. Você vai pegar o pau do seu mestre em suas
mãos e joelhos, totalmente nua, no meio da floresta.
Eu quase desmaio de desejo e desisto imediatamente. Mas
como este jogo tem tudo a ver com a perseguição, não seria muito
divertido se eu o deixasse vencer tão facilmente.

— Eu não vou!

Lutando loucamente, de alguma forma consigo derrubá-lo.


Estou de pé e correndo em um piscar de olhos, meu cabelo voando
atrás de mim, meus seios nus pulando. Ar frio cobre minha pele
aquecida.

Ele me pega enquanto estou deslizando ao redor do tronco


retorcido de um carvalho. Puxando-me em seus braços, ele me
beija vorazmente. Desequilibrada, cambaleio, meu coração
disparado enquanto tento afastá-lo.

Ele é tão forte, no entanto. Ele é tão forte.

Ele abre o zíper da minha calça jeans, vira-me e abaixa meus


quadris. Tento fugir, mas ele me aperta tão forte, estou impotente.
Quando ele bate na minha bunda, grito, pulando.

Então ele me empurra contra o tronco da árvore e me segura


com uma mão agarrada em volta do meu pescoço enquanto ele
continua a me espancar.

Choramingando, agarro o tronco. A casca áspera arranha


meus seios e meu estômago. Minha bunda balança com cada golpe
de sua mão, inundando minha boceta com ondas de prazer.

A surra para abruptamente quando Aidan enfia a mão entre


as minhas pernas.
Sua boca pressionada no meu ouvido, ele diz: — Ooh,
encharcada. Você precisa que eu foda essa boceta bem molhada
com força, não é, coelhinha?

Eu soluço.

— Sim, você precisa. Eu sei que você quer. E você sabe o


quanto eu quero.

Ele enfia dois dedos dentro de mim e o dedo me fode por trás
enquanto grito e luto.

— Ah, Deus, baby, você é perfeita pra caralho. Meu pau está
tão duro para você. Eu preciso gozar dentro dessa boceta perfeita
enquanto você grita meu nome.

Ele tira os dedos de mim e os esfrega envolta, espalhando


minha umidade. Ele aperta meu clitóris inchado, fazendo-me
gritar, ele me gira e me empurra contra o tronco da árvore.

Ele enfia seus dedos escorregadios na minha boca.

— Prove-se, coelhinha. Lamba todo esse doce mel.

Ele se abaixa para chupar meu mamilo rígido enquanto


obedeço ao seu comando, meus olhos revirando na minha cabeça.

Ele puxa meu jeans rudemente pelas minhas coxas. Sem tirá-
los completamente, ele me joga por cima do ombro e começa a
andar, seu braço em volta da minha cintura, uma mão estendida
sobre a parte de trás da minha coxa, seus dedos cavando
possessivamente em minha carne.

Eu chuto e luto, mas meu jeans restringe o movimento das


minhas pernas. Ele me prendeu.
Quando grito de frustração, Aidan ri e me dá um tapa na
bunda.

— Aqui, — diz ele, parando. — Este parece um bom lugar para


minha coelhinha pegar o pau de seu mestre.

Ele me deixa de pé em um pedaço macio de terra, então me


empurra até que eu esteja de costas. Montando meus quadris, ele
agarra meus antebraços. Balanço descontroladamente para ele,
lutando para me soltar.

— Não, coelhinha, — ele respira, olhos selvagens com


necessidade. — Pare de lutar comigo agora. Hora de foder.

— Argh!

Eu me recuso a parar. Obviamente se divertindo, Aidan me


permite lutar com ele por alguns momentos antes de arrancar
meus sapatos e puxar meu jeans dos meus tornozelos. Quando
estou completamente nua, ele me vira de bruços e me arrasta até
meus joelhos.

O cheiro maduro e úmido da terra enche minhas narinas. Uma


brisa fresca passa por mim, formando arrepios por toda a minha
pele nua. Lá no alto, os pássaros cantam e as folhas sussurram
nos galhos das árvores.

Ver-me nua e indefesa com pedaços do chão da floresta


agarrados aos meus seios, barriga, costas e nádegas excita tanto
Aidan que ele está ofegante.

— Olhe para você toda coberta de sujeira. Minha doce e


imunda menina.
Ele me bate várias vezes, me forçando a me equilibrar nos
cotovelos para não cair de lado. Então ele acaricia minha boceta
exposta, beliscando e acariciando enquanto minha bunda pulsa
com calor.

Ele geme. — Você está tão molhada, baby. Deus, você está
molhada pra caralho, está em toda a sua coxa. Minha linda
putinha está tão pronta para mim.

Sua voz está rouca e exultante, cheia de luxúria e glória. Ele


demonstra estar pendurado por um fio, e assim que o soltar, um
animal que ele mantém firmemente amarrado será solto.

Estou prestes a ser devorada, e nós dois sabemos disso.

Cabeça baixa e olhos fechados, eu gemo.

Com os dentes cerrados, Aidan ordena: — Implore-me para te


foder agora, Kayla.

Eu sussurro: — Por favor, mestre. Por favor, foda-me.

Ouço o som de um zíper sendo aberto, então a coroa do pau


duro de Aidan cutuca minha entrada. Ele me agarra pela cintura
e empurra sua ereção profundamente dentro de mim. Quando
grito de prazer, ele começa a empurrar seus quadris, entrando em
mim uma e outra vez.

— Aidan! Aidan!

— Diga-me que você é minha.

— Sim! Sou sua!

— Diga-me que você ama meu pau.


— Eu amo isso!

Meus gritos ecoam nas árvores. Ele chega debaixo de mim e


apalpa um dos meus seios balançando, apertando-o rudemente,
em seguida, puxando o mamilo. É tão bom, eu gemo novamente.

— Coelhinha safada, — ele rosna calorosamente. — Você não


consegue se cansar do pau duro do seu mestre. Você quer meu
esperma também, não é, garota safada? Você precisa de seu
mestre para enchê-la até que você esteja pingando com ele.

Meus braços cedem. Caio para frente. Minha bochecha raspa


no chão úmido enquanto Aidan me fode por trás, totalmente
vestido e no controle de cada parte de mim.

Sua risada está sombria e satisfeita. — Sim, boa menina, você


toma isso como uma putinha doce deveria. Olhe para essa boceta
rosada e gorda, recheada com o pau grosso de seu mestre. Estou
esticando sua boceta bem aberta, não estou, coelhinha?

Quando gemo de novo, estremecendo e suando e muito perto


de gozar, Aidan ri.

— Talvez minha coelhinha safada também precise de seus


outros buracos gostosos preenchidos.

Ele enfia o polegar na minha bunda.

Quando grito, ele se inclina e enfia o outro polegar na minha


boca aberta.

Então ele continua a me foder, curvado e me montando duro


por trás enquanto eu chupo desesperadamente seu polegar e
empurro meus quadris para trás para encontrar cada um de seus
impulsos.
— Hora de tomar o esperma do seu mestre, — ele ofega, seu
tom urgente. — Mas eu quero esses olhos em mim.

Ele se retira e me joga de costas.

Ofegante, meu coração acelerado, olho para ele enquanto ele


paira sobre mim, seu pênis inchado saindo de sua calça jeans, seu
peito arfando, seus olhos escuros queimando como fogo. Abrindo
minhas coxas, ele cai em cima de mim. Ele pega seu pau em sua
mão e encontra meu centro molhado, então o enfia dentro de mim
com um grunhido.

Quando gemo e agarro sua jaqueta, ele agarra meus pulsos e


prende meus braços no chão.

Ele começa a me foder novamente, pairando sobre mim


enquanto me segura na terra e olha nos meus olhos.

Eu imploro gaguejando: — Por favor. Por favor, mestre. Por


favor, posso gozar?

Suas pálpebras tremem. Ele sussurra meu nome.

Mas ele não me dá permissão.

Minha boceta e clitóris pulsam com cada impulso de seus


quadris. Minhas costas arqueiam do chão. Meus mamilos doem
tanto, é doloroso. Minhas pálpebras se fecham e eu gemo.

Aidan solta meus pulsos e segura minha cabeça em suas


mãos. — Olhe para mim, — ele ordena.

Eu olho em seus olhos ardentes enquanto uma espiral branca


quente de prazer se enrola cada vez mais no meu núcleo e minhas
coxas começam a tremer incontrolavelmente.
— Você está pronta, baby? — ele sussurra, o movimento de
seus quadris ficando frenético.

Incapaz de falar, apenas aceno com a cabeça.

— Olhos em mim quando você gozar. Não olhe para longe. Eu


quero que você dê para mim olhando bem nos meus olhos. —
Depois de mais algumas estocadas, ele rosna: — Agora.

Puxo uma respiração e moo descontroladamente contra ele.


Meu clímax bate forte, e gemo, mas não desvio o olhar. Olho para
ele com os olhos arregalados enquanto minha boceta se contrai
repetidamente ao redor do enorme comprimento invasor de seu
pau, enterrado profundamente dentro de mim.

— Oh, foda-se, Kayla, — ele respira. — Jesus fodido Cristo,


aqui vou eu.

Seu corpo inteiro estremece. No fundo, sinto seu pau pulsar.


Então ele está gemendo e empurrando superficialmente enquanto
se derrama em mim, olhando diretamente nos meus olhos.

A intimidade é tão intensa e avassaladora que perco o fôlego.


Meu peito parece estar sendo esmagado por uma força invisível.

Ele também sente. Posso dizer por que seus olhos se enchem
de angústia.

Ele diz meu nome com uma respiração estrangulada, então me


dá um beijo desesperado e devorador.

Durante todo o caminho, nós dois mantemos os olhos abertos.


Deitamos enroscados no chão da floresta, respirando com
dificuldade, mas em silêncio. Então ele geme e deixa seu rosto cair
no meu pescoço, escondendo seus olhos.

Olhando para o céu azul sem fim, coloco meus braços em volta
de seus ombros, sabendo instintivamente que desta vez, é ele
quem está desmoronando.

— Está tudo bem, — sussurro com a voz rouca, atordoada. —


Aidan, está tudo bem.

Ele faz um som abafado de dor.

— Shh.

Beijo suavemente o lado de seu rosto e enfio meus dedos em


seu cabelo. Ele está pesado e quente em cima de mim, tremendo
todo, e de uma vez, sou inundada por uma profunda sensação de
paz.

Ou admiração, talvez. Ou algo completamente diferente. Não


tenho certeza se há uma palavra para isso.

Seja o que for, é lindo.

Meus lábios perto de sua orelha, eu sussurro, — Eu adorei.


Eu amei cada segundo. Tudo o que você fez e disse. Você está
ouvindo? Isso é o que eu precisava.

Ele exala um gemido irregular.


— Meu lindo leão. Você é tão maravilhoso. Você é exatamente
o que eu preciso.

Ele levanta a cabeça e me beija apaixonadamente, gemendo


em minha boca. — Kayla, — diz ele, ofegante. — Deus. Porra. Eu
te machuquei? Você está bem?

Eu rio. — Além de alguns arranhões e contusões, estou


excelente.

Seu olhar percorre todo o meu rosto, procurando por qualquer


sinal de que estou mentindo. Quando ele parece satisfeito que não
estou, ele engole e umedece os lábios.

Ele diz hesitantemente: — Eu me empolguei um pouco.

— Sim, — eu respondo com um sorriso. — Santo senhor, que


vocabulário obsceno você tem. É ainda melhor do que o seu
normal.

Depois de alguns segundos, ele começa a rir. Suavemente,


balançando a cabeça, ele ri de alívio, então me beija novamente.

— Eu não posso evitar. Você traz a besta em mim.

— Aparentemente! Mas agora eu agradeceria muito se


pudéssemos nos levantar. Há uma pedra cavando na parte inferior
das minhas costas, e está muito doloroso.

— Merda. Desculpe.

Ele se retira, se levanta, enfia-se de volta em seus jeans e o


fecha. Então ele me ajuda a ficar de pé, movendo-me com cuidado
enquanto limpa a terra e as folhas da minha pele.
— Você está toda arranhada, — diz ele em voz baixa,
estremecendo enquanto me limpa com golpes suaves como pena
com seus dedos. — Seu joelho está sangrando.

Suspiro profundamente de satisfação. — Isso é o que acontece


quando coelhos são fodidos na floresta. Tenho certeza de que
estarei dolorida como o inferno amanhã. Onde estão minhas
roupas? Estou ficando com frio.

Ele me deixa brevemente para pegar meus sapatos, blusa,


jeans e sua jaqueta de onde ele os jogou no chão mais cedo. Então
ele me ajuda a me vestir com uma concentração silenciosa,
tocando-me com cuidado como se estivesse convencido de que eu
poderia quebrar.

Sua ternura e preocupação são tocantes. Ele está sendo tão


doce e gentil, o oposto da minha fera dominante e brava de apenas
alguns minutos atrás.

É incrível quantas pessoas diferentes um corpo pode conter.


Todos nós andamos com mil estranhos dentro de nós, adormecidos
em silêncio até que alguém os acorde. Como o choque de
eletricidade que reanima o monstro de Frankenstein, tudo o que é
preciso para que nossos gigantes adormecidos ganhem vida é uma
única faísca.

Quando estou vestida, Aidan pega minha mão e


silenciosamente me leva para fora da floresta. Quando emergimos
na luz do sol, olhamos para o céu e depois um para o outro.

Algo se passa entre nós, não dito e profundo.

Ele desvia o olhar primeiro, apertando minha mão e sorrindo.

Aquele sorriso poderia partir meu coração.


Passamos o resto do dia no apartamento dele. Tenho que
tomar outro banho para tirar todos os restos de folhas e sujeira da
minha pele. Depois, Aidan coloca Neosporin em meus cortes e
arranhões e ataduras em meu joelho.

Ele parece infeliz ao fazê-lo, as sobrancelhas franzidas, os


lábios fechados em uma linha fina.

Embora meus ferimentos sejam menores e tenham se


recuperado da maneira mais surpreendente, ele odeia me ver
machucada.

Passo a noite novamente. Ele me acorda de madrugada e faz


amor comigo com uma urgência sem palavras que me deixa sem
fôlego. Então ele se retira para aquele lugar quieto dentro de sua
cabeça para onde vai quando precisa se esconder.

Mas eu não pergunto a ele o que está errado. Eu não forço. Eu


o deixei lá.

Ele não é o único a guardar segredos.

Quando chego em casa, Fiona já está lá. Eu a encontro no


escritório de Michael, o que me causa um pouco de irritação.

— O que você está fazendo aqui?


Segurando um espanador, ela se vira da mesa dele e se
assusta quando me vê.

— Kayla!

— Sim, sou eu. Eu moro aqui, lembra?

Seu sorriso está amável. — Desculpa querida. Não ouvi você


entrar. Você anda como um gato.

Desconfortável, hesito na entrada. Não entro nesta sala desde


o acidente. A porta estava trancada e o ar com cheiro de algo velho.
Algo sobre isso me faz sentir claustrofóbica.

— Eu não queria que este cômodo fosse limpo. Pensei que


tinha dito isso a você.

— Você disse?

— Não?

Ela ri. — Bem, se você disse, eu não me lembro.

— Oh. Desculpe. Para ser honesta... nem eu.

Lembrando o que ela disse na semana passada sobre a


possível causa dos meus lapsos de memória, fico ainda mais
desconfortável. Minhas bochechas aquecem, mudo meu peso de
um pé para outro e limpo minha garganta. — Mas eu gostaria de
deixar este quarto sozinho por enquanto. É só... — gesticulo
impotente. — Ainda não revisei nenhuma de suas coisas.

Ela diz gentilmente: — Oh, querida. Eu entendo perfeitamente.


Vou começar na cozinha.
— Obrigado. Hum... sobre aquela sessão espírita sobre a qual
conversamos.

Fiona se ilumina. — Sim, eu falei com minha irmã! Ela diz que
devemos realizar na próxima lua cheia, que é em três semanas.
Ah, e ela também disse que você não deveria usar perfume ou joias.
Nenhum outro acessório, especialmente telefones celulares.
Aparentemente, eles incomodam os espíritos. — Ela ri. — Como o
resto de nós.

Minha risada sai curta e envergonhada. — Na verdade, acho


que devemos esquecer a coisa toda.

Fiona me olha por um momento, puxando pensativamente as


penas do espanador com os dedos. — Oh?

Seu tom é suave, mas parece exigir uma explicação. Eu


timidamente forneço uma.

— Decidi que vou ver um terapeuta.

Ela levanta as sobrancelhas. — Como um terapeuta pode


ajudar com seus problemas de fantasmas?

Expiro, balançando a cabeça. — Só o fato de eu ter


considerado a possibilidade de estar sendo assombrada sugere
fortemente a necessidade de terapia.

Ela parece estar prestes a discordar, mas deve mudar de ideia


porque apenas acena com a cabeça.

— Tudo bem. Se é isso que você prefere.

— É. Obrigada, Fiona.
Ela passa por mim, evitando meus olhos. Enquanto seus
passos se afastam na direção da cozinha, preocupo-me por tê-la
insultado. Eu me viro para ir atrás dela, mas algo que vislumbro
na mesa de Michael chama minha atenção, e eu me viro.

Um jornal dobrado está sobre o mata-borrão ao lado de onde


Fiona estava tirando o pó. De onde estou não consigo ler a
manchete, mas posso ver claramente a fotografia que acompanha
o artigo.

É uma foto de Michael.

Meu pulso aumenta. Minha boca fica seca. Sinto-me um pouco


instável, como se o chão estivesse inclinado. Por alguma estranha
razão, de repente estou com medo.

Ando lentamente pela sala e fico ao lado da mesa. Quero pegar


o jornal, mas não pego. Eu simplesmente fico lá e leio a manchete.

Homem local se afoga.

O papel está dobrado, então apenas a manchete e a foto de


Michael são visíveis no lado esquerdo, junto com parte da
assinatura.

Tenho certeza que não vi este artigo antes. Tenho certeza que
não coloquei este jornal na mesa de Michael. O que eu não tenho
certeza é como ele chegou aqui.

Fiona trouxe?

Minha mente começa a correr. Tento pensar em explicações


racionais sobre por que ela pode ter colocado este jornal no
escritório de Michael, mas não consigo encontrar nenhuma. Ela
saberia que me chatearia ver isso. Eu atribuiria isso aos meus
lapsos de memória, mas sei que não estive neste escritório desde
o acidente.

Eu sei disso.

Uma vozinha na minha cabeça sussurra: Talvez não foi Fiona.

Cobrindo o rosto com as mãos, recito silenciosamente: Não


existem fantasmas. Não existem fantasmas. Não existem
fantasmas.

Algo atinge a janela do escritório com um estrondo.

Pulo, deixando escapar um pequeno grito, então fico com meu


coração palpitando e minhas mãos trêmulas segurando minha
garganta.

Nada se move. O ar está parado. Do lado de fora das janelas,


o céu é de um cinza chumbo e carrancudo.

Reunindo minha coragem, vou até as janelas e olho para fora,


examinando o horizonte. Não vejo nada de anormal. O pátio está
vazio. A praia rochosa está clara. Só quando estou prestes a me
afastar é que descubro a fonte do som.

No chão abaixo da janela jaz o corpo sem vida de um gaio azul.


Seu pescoço está dobrado em um ângulo não natural. Suas pernas
se estendem rigidamente para fora do tronco, dedos curvados
como garras. Seus olhos negros me encaram sem ver.

Há um contorno fantasmagórico do corpo do pássaro na


vidraça onde ele atingiu, asas estendidas em voo.

Lutando contra a vontade de gritar, viro e saio do quarto.


Tranco-me no quarto principal. Ando de um lado para o outro,
torcendo as mãos e me castigando por ser boba.

As colisões com pássaros não são novidade. Eu sei que eles


percebem o reflexo do céu no vidro como sendo mais céu, e é por
isso que eles voam direto para as janelas e quebram seus
pescocinhos. Não significa nada.

Só que parece que sim.

Parece sinistro. Como um mau presságio.

Ou talvez... uma mensagem do além.

Paro de andar e fico parada no meio da sala. Com meu coração


batendo como um louco, olho para o teto e sussurro: — Michael?

Nada acontece. O momento se estende até que meus nervos


estão desgastados com a tensão. Quando uma porta se fecha em
algum lugar lá embaixo, quase desmaio de terror.

Digo a mim mesma que é apenas Fiona, mas não acredito


muito nisso. Aquela sensação estranha de estar sendo observada
me invade novamente, mas estou sozinha na sala.

Ou não estou?

De repente, tudo na sala parece sinistro.

A sombra atrás do criado-mudo. A estatueta de palhaço de


porcelana na estante. O ursinho de pelúcia na minha cadeira de
leitura que tem, embora eu nunca tenha percebido antes, dentes
que parecem estranhamente humanos.

Depois, há o recuo na capa do edredom na cama.


Isso pode ser o mais assustador de tudo.

Como faço quase todas as manhãs, fiz a cama quando me


levantei, alisando as cobertas e arrumando cuidadosamente o
exército de pequenas almofadas decorativas que Michael zombava,
mas eu adorava. Gosto que a cama pareça arrumada, pois uma
cama desfeita faz todo o resto parecer bagunçado, então sou um
pouco chata sobre o hábito. Lençóis dobrados, travesseiros
colocados corretamente, cobertas perfeitamente alisadas.

Mas agora há um recuo distinto em um lado da cama. É o lado


mais próximo da porta, aquele em que nunca durmo.

O lado de Miguel.

O recuo é aproximadamente o tamanho e a forma de um corpo.

Expiro uma respiração irregular e me dou uma conversa


estimulante. — Calma, Kayla. Você está perdendo a cabeça. Não
há fantasmas nesta casa.

A campainha toca. Quando pego minha bolsa na cômoda, pego


meu celular e olho para o feed da câmera, não há ninguém lá. A
varanda da frente está vazia.

É isso. Eu já tive o suficiente. Não vou deixar um problema


elétrico estúpido me deixar louca!

Rapidamente percorro meu registro de chamadas para


encontrar o número de Eddie, o faz-tudo, então fico lá
hiperventilando até que ele atende.

— Alô?
— Olá Eddie. É Kayla. Lembra-se de mim? Com o telhado com
goteiras e os problemas elétricos?

— Claro, eu lembro! Oi, Kayla! Como você está, cara?

— Estou bem, obrigada. Como você está?

Sua risada é baixa e sem fôlego. — Beeeem.

Ele parece chapado. Que surpresa. — Muito legal. Então, a


razão pela qual estou ligando é porque queria obter o número do
seu terapeuta.

— Ah, com certeza! Eu só, uh... — Ele fica em silêncio por um


momento, então diz: — Eu realmente não me lembro do número.

— Não está no seu celular?

Ele parece confuso. — Celular?

Sim, totalmente chapado. Ou isso, ou eu estava certa sobre ele


viver em uma comunidade sem conveniências modernas. Este
número deve ser uma linha fixa. Eu suspiro. — Que tal se você
apenas me der o nome dele?

— Ah, sim, sim, sem problemas. O nome dele é Letterman. Dr.


David Letterman.

Eu franzo a testa. — Como o apresentador do talk show?

Outra pausa confusa. — Quem?

Então ele também não possui uma televisão. De qualquer


forma, essa conversa está andando em círculos. Hora de dizer
adeus. — David Letterman. Entendi. Vou ligar para ele. Ele está
em Seattle?
— Não, ele está bem na Winslow e Olympic, em frente ao
museu de arte. Aquele pequeno prédio de tijolos vermelhos com o
toldo verde.

Conheço bem o prédio, então agradeço a Eddie e prometo


novamente que darei o número dele para quem precisar de um faz-
tudo. Embora eu ache que ele provavelmente é muito mais
habilidoso em distribuir maconha.

Quando desligamos, desço para o meu escritório e procuro o


médico no Google no meu laptop.

Não há listagem. Eddie provavelmente estava tão chapado que


me deu o nome errado.

Considero ligar de volta, mas decido que é uma causa perdida.


Em seguida, ele provavelmente me daria o nome de seu dentista.

Sentindo-me derrotada, olho para a tela do computador por


um tempo. Sei que os terapeutas em Seattle serão mais caros do
que os da ilha, e não gosto da ideia de pegar a balsa de ida e volta
para a cidade uma ou duas vezes por semana. Eu poderia tentar
encontrar alguém em Bainbridge, mas sei que a busca será em
vão.

Então considero a possibilidade de que talvez o Dr. Letterman


seja o único psiquiatra da ilha. Ou talvez ele não seja um
psiquiatra, mas um médico vodu que vai querer sacrificar uma
galinha e ler suas entranhas para ver o que há de errado comigo.
Isso parece um pouco mais com Eddie.

Exceto que David Letterman não soa como um nome vodu.

Estou começando a ficar exausta com meu pequeno jogo de


adivinhação mental, então decido dar uma volta no centro da
cidade esta tarde, depois que Fiona for embora, e dar um pulo no
escritório de Letterman.

Você pode dizer muito pelo escritório de alguém. Se ele tiver


uma boa secretária e o lugar não parecer ter recebido
recentemente nenhuma cerimônia de magia negra, vou marcar
uma hora. Tenho limpeza a seco para pegar, de qualquer maneira,
e a lavanderia fica a apenas um quarteirão.

Espero que minhas roupas ainda estejam lá. Deixei-as antes


do acidente.

Quando uma dor aguda me apunhala atrás do globo ocular


esquerdo, murmuro um juramento.

Exatamente o que eu preciso, uma dor de cabeça.

Deito no sofá e fecho os olhos. Devo adormecer, porque quando


abro os olhos novamente, a luz mudou. Sombras se esgueiram
pelas paredes em longos dedos cinzentos. Quando olho para o
relógio, fico surpresa ao descobrir que estou dormindo há mais de
quatro horas.

Quando saio do meu escritório, a casa está silenciosa. Fiona


se foi. Subo as escadas e coloco uma blusa limpa, depois dirijo até
o centro e estaciono na rua arborizada do lado de fora do prédio
em que Eddie disse que fica o escritório de Letterman.

Quando estou saindo do carro, por acaso olho para o


restaurante do outro lado da rua.

O Harbour House é um lugar de frutos do mar com um pátio


com vista para a água e jazz ao vivo nas noites de sexta-feira. É
um local popular para turistas e moradores locais. Às vezes,
durante o verão, há até uma fila para entrar.
Mas não é verão agora, e não há fila. Tenho uma visão clara
da entrada do restaurante.

Entrando pela porta da frente com o braço em volta do ombro


de uma morena curvilínea está um homem que eu reconheceria
em qualquer lugar, mesmo de costas.

Aidan.
Eu congelo. Meu coração para. Sentindo como se tivesse
levado um chute no estômago, inclino-me contra a porta do carro
para me equilibrar. Então fico lá em choque, tentando decidir o
que fazer.

Mas não há nada a fazer. Aidan e eu não temos um


relacionamento sério. Inferno, nós nem conversamos sobre se ele
está ou não namorando outras pessoas. Não sei nada sobre a vida
pessoal dele.

— Oh, Deus, — digo em voz alta, horrorizada. — Kayla, sua


idiota!

Ele poderia ter vinte outras mulheres em um horário de foda


rotativa, pelo que sei, sem nenhum preservativo à vista.

É exatamente assim que os arrependimentos ao longo da vida


acontecem.

Volto rapidamente para o carro e bato a porta. Gemendo,


inclino para frente e descanso minha testa no volante. Com os
olhos fechados, amaldiçoo-me silenciosamente, alternando a cada
poucos momentos com uma bela maldição suculenta para Aidan
também.

Não que ele mereça. Nenhuma promessa foi quebrada aqui.


Essa dor terrível no meu peito é apenas a dor do meu ego. Ou talvez
seja meu coração, não sei dizer. Seja o que for, é doloroso.
Rapaz, eu realmente gostaria de bater um martelo em algumas
de suas partes mais delicadas do corpo.

Quando acontece uma batida forte na janela, levanto.

Aidan está curvado do lado de fora da janela do motorista,


olhando para mim com curiosidade.

Merda.

Quando não faço um movimento, ele diz: — Pensei que fosse


você. O que você está fazendo?

Calor sobe em minhas bochechas, digo rapidamente: — Nada.


Sentada aqui.

Depois de uma batida, ele pergunta: — Este é um momento


ruim?

Sei o que ele quer dizer, e ele não está falando sobre meu
colapso mental iminente. — Estou sozinha.

— Ok. De volta à outra pergunta, que você respondeu, mas


não de verdade. O que você está fazendo?

— Eu estava apenas... tratando de assuntos.

Ele franze a testa. Seu olhar fica penetrante. Suspiro e desejo


o poder da invisibilidade, que inconvenientemente não se
materializa.

— Saia do carro, Kayla.

Faço uma careta para ele. — Eu preciso?

— Sim.
Ele dá um passo para trás e cruza os braços sobre o peito,
esperando.

Considero ligar o motor e sair, mas decido não fazer isso. Ele
provavelmente correria atrás de mim e me pegaria no próximo
semáforo. Então me preparo para uma conversa desconfortável e
saio do carro.

Ele pega meu braço e me leva com segurança até a calçada,


então fica na minha frente com os braços cruzados sobre o peito
novamente. Ele não diz nada. Ele apenas fica lá, silenciosamente
me olhando.

Digo: — Ok, tudo bem. Vou começar. Olá, Aidan. Como você
está?

Seus olhos se estreitam. Fora isso, ele não responde à minha


pergunta.

Por experiência própria, sei que poderíamos ficar aqui a noite


toda antes que ele me diga o que está pensando. Se alguma vez
disser. Então aponto para o carro e digo: — Eu vou indo.

— Por que você está agindo tão estranho?

— Eu? Estou agindo estranho?

Ele fica com esse olhar em seu rosto, esse olhar irritado, como
se estivesse pensando seriamente em me colocar sobre o joelho
bem aqui na calçada e bater na minha bunda. Um aviso em sua
voz, ele exige: — O que há de errado, coelhinha?

Ouvi-lo me chamar assim faz meu sangue ferver.


Lembro-me que este homem não me pertence, que não temos
compromissos, que toda a química sexual quente e incrível do
mundo não faz um relacionamento, mas não consigo acreditar.

Estou magoada, zangada e envergonhada por ele ter me


apanhado caída sobre o volante porque estava muito magoada e
zangada.

Mas serei amaldiçoada se admitir isso. Posso não ter muito,


mas ainda tenho meu orgulho.

Levanto meu queixo e digo calmamente: — Não há nada de


errado. Eu estava tratando de assuntos. É bom ver você.

Seus olhos brilham com raiva. Com a voz baixa e controlada,


ele diz: — Três malditas mentiras em uma respiração. Tente
novamente, e desta vez seja honesta.

Calor pulsa em minhas bochechas. Olho para ele, ciente de


que minhas mãos estão tremendo e que gostaria de enrolá-las em
seu pescoço e apertar com força.

Com cada grama de autocontrole à minha disposição,


pergunto: — Como está indo o seu encontro, Aidan?

Ele pisca. Ele bufa uma risada curta. Ele olha por cima do
ombro em direção ao restaurante, então se vira e fixa em um olhar
tão intenso em mim, que dou um passo para trás.

Com os olhos brilhando, ele diz baixinho: — Oh, coelhinha.


Você vai pagar por isso mais tarde.

Então ele pega meu braço e me leva para o outro lado da rua.
Ignorando meus protestos, ele abre a porta do restaurante e me
guia pelo balcão da recepcionista e pela sala de jantar principal até
uma mesa perto dos fundos.

Uma mesa onde a morena com quem ele entrou está sentada.

Bem ao lado de seu amigo Jake, o segurança.

Entendo instantaneamente que minha tendência de assumir


o pior da natureza humana acabou de me morder na bunda.

Parando ao lado da mesa, Aidan gesticula para a morena. —


Deb, esta é Kayla. Kayla, diga oi para Deb. — Ele me dá um olhar
aguçado. — Ela é a esposa de Jake.

Com o rosto em chamas, eu digo: — Claro que ela é. Olá, Deb.


Prazer em conhecê-la.

Meu rosto fica mais quente quando Deb salta em sua cadeira
e bate palmas de emoção.

— Kayla! Ouvimos tudo sobre você! É tão bom conhecê-la!


Venha se juntar a nós, por favor!

— Oh não. Não quero interromper seu jantar.

— Não seja boba. Você não está interrompendo nada. Mal


posso esperar para conhecê-la melhor.

Enquanto estou ali com a grande mão de Aidan enrolada em


meu braço e minha mortificação pintando meu rosto inteiro de
vermelho, Jake sorri para mim. — Oi, Kayla.

— Jake.

— Como está o sistema de segurança?


— Ótimo, obrigada.

— Bom saber. — Ele olha para Aidan. — Você vai se sentar,


ou o seu homem aqui vai te jogar por cima do ombro e fugir para
a floresta?

— Realmente não há como dizer.

Aidan me coloca em uma cadeira. Pega a que está ao meu lado.


Então ele apoia os cotovelos na mesa e olha para o meu perfil com
a intensidade de um interrogador do FBI.

— Aidan? — diz Deb, parecendo confusa. — Tudo certo?

Ele não responde, mas a tensão em seu corpo é suficiente para


gritar em voz alta.

Olhando para Deb, digo timidamente: — Ele está bravo


comigo.

Obviamente surpresa, ela olha para trás e para frente entre


nós. — Por quê? Ele estava literalmente nos dizendo o quão incrível
você é antes de sair para atender uma ligação!

Isso só melhora. Quero escorregar para debaixo da mesa de


vergonha, mas consigo sorrir com força e responder a ela. — Eu fiz
algo que ele não gostou.

Ela e Jake olham um para o outro com surpresa, então olham


para mim com as sobrancelhas levantadas.

Eu me sinto como uma idiota de classe mundial.


Depois de um pigarro áspero, admito: — Eu o vi entrando aqui
com o braço em volta dos seus ombros e presumi que vocês
estavam juntos.

Ela ri. — Nós? Oh, querida, eu conheço esse cara desde o


colegial. Ele é como um irmão para mim.

Jake passa o braço em volta da cadeira dela e lhe envia um


sorriso preguiçoso. — Você me conhece desde o colegial, também.
Você sente que eu sou seu irmão?

Sorrindo, ela lhe dá um leve tapa na coxa. — Ah, fique quieto.


Você sabe o que eu estou dizendo.

Eles compartilham um beijo afetuoso enquanto Aidan


continua a fazer buracos na lateral do meu rosto. Então ele se
inclina e murmura no meu ouvido: — Você estava com ciúmes.

Viro minha cabeça. Não há como confundir o brilho de calor


em seus olhos. Está bem ali ao lado da decepção. Quando mastigo
o interior da minha bochecha, ele ri e se retira.

A risada me dá esperança de que minha punição por quebrar


minha promessa de nunca mentir para ele não será muito severa.

A garçonete aparece com uma bandeja com águas para a


mesa, depois pergunta se queremos bebidas ou aperitivos antes do
jantar.

Deb diz: — Deus, sim. Dê-me um uísque e água, por favor. Vá


com calma na água.

Já posso dizer que vou me dar bem com essa mulher.


Peço uma taça de vinho, e Jake e Aidan pedem cervejas.
Quando a garçonete sai para pegar nossas bebidas, Deb se inclina
sobre a mesa, sorrindo para mim ansiosamente.

— Então, Kayla. Eu soube que você é uma artista.

— Uma ilustradora, na verdade.

Ela enruga a testa. — Não é a mesma coisa?

— Acho que sou uma artista comercial. Ao contrário de uma


boa artista.

— O que significa que você ganha dinheiro, — diz Jake com


uma risada.

— Não muito, — respondo com tristeza. — Mas paga as contas.

Deb diz: — Estou com tanta inveja. Eu não tenho um osso


criativo no meu corpo.

Jake bufa. — Não sei disso, não. Você cria algumas histórias
bem criativas todos os meses quando a fatura do cartão de crédito
chega e você precisa explicar por que gastou tanto na Amazon.

Ela acena com a mão com desdém em sua direção. — Eu


continuo dizendo a você, querido, tudo que eu compro é
absolutamente essencial.

— Explique-me como seis pares de leggings pretas idênticas


são essenciais.

Ela se vira para ele indignada. — Você prefere que eu vá para


a aula de Pilates nua?

Ele sorri para ela. — Eu prefiro que você faça tudo nua.
Ela se vira para mim com os lábios franzidos. — Dez anos de
casamento e ele ainda é o Energizer Bunny7.

Tento não engasgar com o gole de água que estou tomando.


Debaixo da mesa, Aidan aperta minha coxa. Sei que ele está
sorrindo sem precisar virar para olhar.

A garçonete volta com nossas bebidas e anota os pedidos de


comida de todos. Quando ela sai, Jake, Deb e eu conversamos
sobre nada em particular enquanto Aidan nos observa em silêncio.
Sua mão ainda descansa na minha coxa, um lembrete caloroso de
que tenho um pouco de remição para cumprir mais tarde. E depois
disso, quando estiver sozinha, uma séria autorreflexão.

Eu disse a Aidan que o que eu queria era conhecê-lo melhor.


Passar um tempo com ele e ver onde vai. Essa era a verdade, mas
era toda a verdade?

Eu realmente quero algo mais?

Se eu for honesta comigo mesma... sim.

O pensamento disso me assusta. Eu não entendo como eu


poderia estar pronta para pular de cabeça em um compromisso
logo após a morte de Michael. O que isso diz sobre o tipo de pessoa
que sou?

O que isso diz sobre meu casamento?

Estas são perguntas que eu realmente não quero saber as


respostas. Mas, para ser justa tanto com Aidan quanto comigo,
elas precisam ser feitas.

7
O Energizer Bunny é o mascote de marketing das baterias Energizer na América do Norte. É um coelho
de brinquedo mecânico rosa usando óculos escuros e chinelos listrados em azul e preto que bate um bumbo
com o logotipo da Energizer;
— Você não acha, Kayla?

De repente, percebo que todos estão esperando que eu


responda a uma pergunta que Deb fez. Mas estive tão perdida em
meus próprios pensamentos, que não sei o que é. Olho ao redor da
mesa, minhas bochechas ficando quentes.

— Desculpe, o que você disse?

Deb hesita. Quando ela olha para minha mão esquerda,


descansando na toalha de mesa, percebo que estou torcendo
obsessivamente minha aliança de casamento em meu dedo com o
polegar. Puxo minha mão para debaixo da mesa e engulo
nervosamente, esperando que Aidan não perceba, mas sabendo
que ele provavelmente percebeu.

E por que diabos eu ainda estou usando essa maldita coisa?


O que estou segurando?

Mais perguntas que exigem respostas.

Deb diz gentilmente: — Eu estava apenas dizendo que nós,


garotas, precisamos ficar juntas.

É óbvio que não era isso que ela estava dizendo. Ela está sendo
gentil, deixando-me saber que ela pode dizer que sou uma grande
bagunça, mas que ela está torcendo por mim.

Jake, por outro lado, está me dando um olhar de aço. Ele não
está me dando nenhuma folga. Ele se vira para Aidan e pergunta
como está à construção da casa, uma manobra óbvia para levar a
conversa em uma direção diferente.
Eles falam sobre o projeto enquanto sento e escuto em um
silêncio desconfortável, de vez em quando oferecendo um sorriso
tenso em resposta a um olhar preocupado de Deb.

Isso é um desastre. Eu sou um desastre. Não consigo nem


mesmo puxar uma conversa de dez minutos com outras pessoas
sem me fazer de boba. Eu provavelmente envergonhei o pobre
Aidan de todas as maneiras que o homem poderia ficar
envergonhado, primeiro assumindo que a esposa de seu melhor
amigo é uma amiga de foda, depois brincando com minha aliança
de casamento e divagando sobre meu marido.

Eu não deveria estar aqui.

No momento em que esse pensamento passa pela minha


cabeça, Aidan passa o braço sobre meus ombros e me dá um
aperto.

Inundada de emoção, engulo e olho para baixo, piscando


rapidamente para limpar a água dos meus olhos.

Deb diz: — Tenho que ir ao banheiro das meninas. Kayla, quer


se juntar a mim?

A mulher é uma santa.

Aceno com gratidão, levanto-me e a sigo para longe da mesa,


sentindo o olhar de Aidan nas minhas costas enquanto vou.

Assim que estamos dentro do banheiro feminino e a porta se


fecha atrás de nós, eu me inclino contra a pia, cubro meu rosto
com as mãos e expiro com força.

Deb descansa a mão no meu ombro. — Não se culpe por isso.


Ele entende.
Abaixo minhas mãos e olho para ela impotente. — Entende o
quê? Que sou uma idiota?

Os olhos castanhos de Deb são tão gentis quanto o resto dela.


Ela sorri gentilmente para mim e diz: — Oh, querida. Aidan
também passou pelo inferno. Ele sabe que a única maneira de
passar por isso é continuar até chegar ao outro lado. Você vai
chegar lá. Você só precisa confiar no processo.

Ela se vira e se tranca em um banheiro. Fico olhando para a


porta fechada até a descarga do vaso sanitário e ela ressurgir.
Enquanto ela está na pia lavando as mãos, digo: — Ele realmente
contou tudo sobre mim.

Ela puxa uma toalha de papel do dispensador na pia. Secando


as mãos, ela assente. — Não é sempre que Aidan gosta de alguém,
então você vai ter que me perdoar por ficar animada. Não temos
um encontro duplo com ele há anos.

Ela joga o papel amassado no lixo, então passa por mim e abre
a porta do banheiro. — Vamos, namorada. Se ficarmos aqui muito
mais tempo, eles vão começar a se preocupar e vir nos procurar. E
confie em mim quando digo que não é algo que queremos que
aconteça.

— A parte de se preocupar ou a parte de procurar por nós?

Ela ri. — As duas.

Sorrio, pensando que realmente gosto muito quando Aidan


vem me procurar. Esconde-esconde é meu novo jogo favorito por
causa dele.

Quando nos aproximamos da mesa, Aidan e Jake param de


falar abruptamente. A julgar pela linguagem corporal e pela tensão
no ar, interrompemos uma discussão. Deb e eu tomamos nossos
lugares, então há um silêncio longo e constrangedor onde ninguém
diz nada ou olha um para o outro.

Quando Jake faz uma careta para minha mão esquerda, tenho
a sensação de que sei sobre o que era a discussão.

Ele diz agressivamente: — Posso te fazer uma pergunta, Kayla?

Aidan lança um olhar fulminante para Jake e avisa: — Deixe


isso para lá.

— Não, está tudo bem, — digo. — Vá em frente.

Ele apoia os antebraços na mesa e aponta para Aidan. — Esse


homem não merece nenhuma besteira.

Aidan diz com os dentes cerrados: — Jake.

Digo: — Concordo, ele não merece. Qual é a sua pergunta?

— O que você está fazendo?

— O que você quer dizer?

— Quero dizer, o que você está fazendo com ele, — ele faz uma
pausa para enviar um olhar aguçado para o meu dedo anelar, —
quando você está obviamente comprometida de outra forma?

Enfurecido, Aidan se vira para mim. — Não responda isso. —


Ele se vira para Jake. — Você está saindo da linha, porra.

— Ele está apenas cuidando de você, — digo suavemente.

— Eu não preciso ser cuidado.


Enquanto Aidan e Jake se encaram, Deb descansa a mão no
antebraço de Jake. Ela diz gentilmente: — Querido. Deixa para lá.

Jake estala, — O inferno que vou! Ele é meu melhor amigo. Eu


o vi passar por merda, ser espancado e chutar pela vida por muito
tempo. E ele finalmente está em um bom lugar, depois de anos do
pior que este mundo tem a oferecer. — Ele se afasta de Deb e me
fixa em um olhar frio. — Então você veio.

Ele baixa o olhar para o meu dedo e olha acusadoramente para


o meu anel de casamento.

Aidan sussurra: — Pelo amor de Deus!

Imitando o gesto de Deb, descanso minha mão no antebraço


tenso de Aidan. Com o coração acelerado, olho nos olhos raivosos
de Jake e digo baixinho: — Você perguntou o que estou fazendo.
Aqui está a resposta. O melhor que posso, como todo mundo.
Recentemente passei por uma grande transição. Eu não superei.
Não sei quanto tempo levará para superar isso. Mas enquanto isso,
estou vivendo e descobrindo minha vida. Estou levando as coisas
um dia de cada vez, apenas tentando resolver toda a confusão. Mas
não estou comprometida de outra forma. Não há mais ninguém.

Viro-me para Aidan e reúno minha coragem. — E hoje provou


algo para mim. Vendo você com o braço em volta de Deb, pensando
que você estava com ela... — Engulo em torno do nó na minha
garganta. — Não quero que haja mais ninguém. Para qualquer um
de nós. Estou muito mais a fundo nisso do que pensava e, para
ser totalmente honesta, isso me assusta pra caralho.

A emoção refletida nos olhos de Aidan é esmagadora.


Deb e Jake desaparecem. O restaurante desaparece. Tudo ao
nosso redor fica preto. Há apenas eu e Aidan sentados um ao lado
do outro, olhando para as almas nuas um do outro.

Ele diz rispidamente: — Eu também. Tudo. Eu também.

— Eu sei, — sussurro, lágrimas enchendo meus olhos.

Ele pega meu rosto em suas mãos. — Mas você não precisa ter
medo. Eu vou te pegar quando você cair. Eu sempre vou te pegar.

Ele me despedaça e me cola novamente, tudo com um beijo.

Jake geme. — Bem, estou fodido. Acho que agora eu sou o


idiota.

Deb diz: — Você vai compensar pagando o jantar de todos. Ah,


e aqui está à garçonete com os aperitivos agora! No momento ideal.
Vamos comer pessoal.

Quando Aidan se afasta de mim, vejo de relance uma figura


familiar no grande espelho retangular montado na parede atrás de
nossa mesa. Um homem alto e esquelético em um casaco cinza
com um chapéu puxado para baixo sobre os olhos está perto da
porta da frente do restaurante. Embora eu não possa ver seus
olhos, eu o sinto olhando em minha direção.

No momento em que me viro para olhar para ele, ele se foi.


— Kayla? Você está bem?

Aidan olha por cima do ombro, seguindo meu olhar. Eu me


viro rapidamente para a mesa e forço um sorriso. — Apenas pensei
ter visto alguém que conhecia.

Não é mentira. E não é como se eu fosse sentar aqui e admitir


que alguém que eu achava que conhecia pode ou não ser um
fantasma, então vou apenas manter esse sorriso estúpido no meu
rosto até que meu batimento cardíaco volte ao normal e eu possa
parar os gritos dentro da minha cabeça.

Não existem fantasmas. Não existem fantasmas. Não existem


fantasmas.

Querido Deus, por favor, que não haja fantasmas.

Comemos nossos aperitivos e jogamos conversa fiada. Pedimos


entradas e comemos. Não me lembro muito do resto do jantar,
porque meu cérebro estava preocupado em tentar resolver o
enigma de quem é o homem de sobretudo se ele não é uma
aparição de outra dimensão que está me perseguindo por toda a
cidade.

Eu realmente preciso ir ver aquele psiquiatra.

Quando terminamos de comer e nos despedimos de Deb e


Jake, Aidan me guia para fora do restaurante com a mão em meu
braço. Quando ele me conduz em direção à sua caminhonete
estacionada do lado de fora, eu digo: — Acho que não vou para
casa esta noite.

— Você terá sorte se eu deixar você ir para casa.

Oh garoto. Parece que estou em apuros. Acho que aquele beijo


na mesa não vai compensar o que aconteceu mais cedo. Digo
nervosa: — Deixei minha bolsa no meu carro.

Ele me lança um olhar intenso, sua energia crepitando. —


Esqueça a bolsa. Você tem coisas mais importantes para se
preocupar.

Tenho certeza de que meu engolir é audível.

A viagem até seu apartamento é tensa e silenciosa. Continuo


abrindo minha boca para dizer algo, mas fecho de novo, sem
palavras. Está escuro quando chegamos e está começando a
chover.

Ele estaciona, desliga o motor e se vira para mim, os olhos


brilhando.

Ele não diz nada, então eu falo primeiro. — Desculpe-me, eu


não fui honesta quando você me perguntou o que estava errado.

Ele espera por mais, seu silêncio queimando.

— Eu deveria ter lhe contado a verdade, mas... eu estava


magoada. E com raiva. E me senti uma tola.

— Você me prometeu que não mentiria para mim.

Sussurro: — Eu sei. Eu sinto muito.


— Acredito nisso. Mas o que acontece da próxima vez? O que
acontece se eu fizer uma pergunta que você não quiser responder?
Você vai mentir para mim de novo?

Não confiando em mim para falar porque estou ficando


emocionada, balanço minha cabeça.

— Não, pense de verdade sobre isso antes de responder. Você


sente que não pode confiar em mim?

Olho pelo para-brisa para a garoa e engulo as lágrimas. — Não


confio em mim mesma. Minha cabeça está toda fodida. Eu não sei
o que há de errado comigo. Tudo que eu sei é que eu quero você.
Eu quero você mais do que tudo, e não entendo como isso pode ter
acontecido tão rápido.

Ele estende a mão por cima do assento e pega minha mão.


Dando-lhe um aperto firme, ele murmura: — O mesmo. E estou
tão assustado quanto você, coelhinha, mas não vou deixar que isso
atrapalhe cada porra de segundo. Você é a melhor coisa que já me
aconteceu.

Oh Deus. Ele está me matando. Vou morrer aqui mesmo no


banco da frente deste caminhão.

Cubro o rosto com as mãos. Ele me arrasta pelo assento em


seus braços. Então ficamos ali sentados em silêncio interrompido
apenas pelo tamborilar da chuva no capô.

Depois de muito tempo, ele diz com voz rouca: — Você está
pronta para receber sua punição?

Um arrepio me percorre. Sussurro: — Sim, senhor.


Ele beija minha têmpora, então sussurra próximo ao meu
ouvido, — Boa menina.

O que acontece dentro do meu corpo quando ouço essas


palavras não pode ser normal. Há formigamento, calafrios,
borboletas. Mas tudo isso para abruptamente quando Aidan me
solta e liga o carro de novo.

Confusa, pergunto: — O que você está fazendo?

Sua única resposta é sair do estacionamento e ir para a rua.

— Aidan?

— Vou levá-la de volta para o seu carro.

— O quê? Por quê?

— Você vai para casa.

— Não entendo. Por que estou indo para casa?

Quando ele continua dirigindo silenciosamente pela chuva,


digo miseravelmente: — Porque esse é o meu castigo.

Olhando pelo para-brisa, ele diz: — Eu disse que daria o que


você precisa, o que pode não ser o que você quer. Neste momento,
o que você precisa é de espaço.

Com meu coração na garganta, sussurro: — O que eu preciso


é de você.

Estremecendo como se estivesse com dor, ele balança a


cabeça. — Eu nunca quero que você olhe para trás neste momento
e pense que apressamos as coisas. Eu nunca quero que você tenha
arrependimentos. Não sobre nós. Então, vamos desacelerar e dar
passos de bebê.

— Acho que é tarde demais para passos de bebê.

Ele olha para mim. Mesmo na penumbra do carro, seu olhar é


tão intenso que queima como fogo. Quando ele se vira para olhar
para a estrada e tira todo aquele calor, fico com frio. Quando
voltamos ao restaurante e ele estaciona na rua atrás do meu carro,
meus dentes estão batendo.

Deixando o motor ligado, ele estende a mão e acaricia meu


cabelo, em seguida, aperta a parte de trás do meu pescoço.

— Vá em frente, — diz ele suavemente.

— Por que eu sinto que nunca mais vou te ver?

— Porque você é uma rainha do drama. Agora tire sua bunda


da minha caminhonete, coelhinha. Ligue-me quando tiver clareza.

— Clareza? — A emoção deixa minha voz alta e aflita. — Afinal,


o que isso quer dizer?

Ele se inclina, pega meu rosto entre as mãos e olha direto nos
meus olhos.

— Quando você estiver pronta para tirar essa aliança, você


terá clareza. Até lá, não vou fazer nada por você além de deixar a
situação confusa.

Ele pressiona um beijo firme e de boca fechada em meus


lábios. Quando ele se retira, ele leva meu coração com ele.
— Agora vá, — ele ordena rispidamente, olhando para a chuva
pelo para-brisa. — Quando você estiver pronta, você sabe onde me
encontrar.

Lutando contra as lágrimas, meu rosto quente e meu coração


palpitando, digo: — Eu não quero deixar as coisas assim.

— Eu sei.

— Acho que podemos resolver isso de outra maneira.

— Eu não acho.

— Aidan, por favor!

— Saia do carro, Kayla.

Meu lábio inferior treme como o de um bebê. Um grito de


angústia está preso no meu peito, tornando impossível respirar.
Encaro o perfil de Aidan, mas ele se recusa a olhar para mim. Ele
apenas olha para a chuva com uma mão batendo no volante e um
músculo saltando em sua mandíbula.

É preciso toda a minha força de vontade para colocar minha


mão na maçaneta da porta. O que eu realmente quero fazer é me
jogar nele e segurar firme, mas sei que isso não vai me levar a lugar
nenhum.

Uma vez que Aidan se decide, não há como mudar.

Abro a porta, saio e fico no meio-fio na chuva olhando para


ele.
Ele abaixa a cabeça e exala com força. Sem olhar para mim,
ele sussurra com a voz rouca: — Maldição, coelhinha. Apenas vá,
porra.

Fecho a porta. Ela fecha com um tinido oco. A caminhonete se


afasta do meio-fio e vai embora, ganhando velocidade até virar uma
curva e desaparecer de vista.

Viro olho para o céu, fecho os olhos e deixo a chuva escorrer


pelo meu rosto para se misturar às minhas lágrimas.

Não durmo nada naquela noite. Fico acordada na cama,


olhando para as sombras brincando no teto e ouvindo a chuva nas
vidraças, minha cabeça cheia de Aidan e meu coração doendo com
sua perda.

Eu poderia ligar para ele, mas ele não atenderia. Eu poderia ir


ao apartamento dele e bater na porta, mas ele não abriria. Eu
poderia escrever uma carta para ele e implorar e implorar, mas sei
que tudo que receberia em resposta seria o silêncio.

Ele está fazendo isso por mim, por nós, mas caramba, isso dói.

O remédio mais forte sempre tem o sabor mais amargo.

Eu me arrasto da cama de manhã e me forço a trabalhar. As


horas passam tão devagar que parecem anos. Às três horas, estou
em tal estado, que deixo o trabalho por um dia e vou para o prédio
onde fica o consultório do Dr. Letterman, determinada a marcar
uma consulta.

No meio do caminho, vejo um sinal para uma vidente. Num


impulso, puxo para o lado da estrada e paro.

“Leituras do Destino!” o letreiro rosa neon declara. Ele irradia


de uma janela da frente de uma charmosa casinha amarela com
detalhes em branco. Colado sob o letreiro está um desenho
rudimentar de uma bola de cristal flutuando entre duas mãos.
Abaixo estão as palavras: “Somente hoje, $ 10 especial”!

Embora suspeite que o pôster esteja na vitrine todos os dias,


decido que dez dólares é um pequeno preço a pagar para que
minha sorte seja dita por uma mulher chamada Destiny.

No mínimo, será uma história divertida para contar.

Subindo o caminho de pedra até a porta da frente, ouço sinos


de vento e sinto o cheiro doce de incenso queimando. Sentindo-me
um pouco boba, toco a campainha. Depois de um momento, a
porta se abre para revelar uma velhinha baixinha com um rosto
profundamente enrugado, vestindo uma roupa de corrida roxa
com Air Jordans de couro roxo.

— Oi, — digo, sorrindo nervosamente. — Estava de passagem


e pensei em fazer uma leitura.

Depois de olhar para a esquerda, depois para a direita, a


mulher fecha a porta na minha cara.

Tomando isso como um sinal do universo de que eu deveria


abandonar minha missão ridícula, viro-me e começo a me afastar.
Mas a porta se abre novamente e a voz de uma mulher grita: —
Olá! Oláaaaa!
Viro para ver uma versão mais jovem da primeira mulher
parada na porta. Ela também é baixa, mas o cabelo empilhado no
topo de sua cabeça em um complicado monte trançado é preto em
vez de branco, e em vez de um agasalho roxo, ela está em um
vestido verde-azulado e dourado florido.

Fios de contas coloridas de plástico Mardi Gras estão


pendurados em volta do pescoço. Pulseiras de ouro decoram os
dois braços, dos pulsos aos cotovelos. Seu batom é vermelho
brilhante, e o esmalte em suas longas unhas de acrílico é prata
brilhante. Pontilhados por todo o seu penteado estão aglomerados
de strass que parecem enfeites de árvore de Natal.

É preciso uma quantidade significativa de autocontrole para


manter uma cara séria.

Ela mexe os dedos para mim e sorri. Em um sotaque sulista


que suspeito que não seja autêntico, ela diz: — Vamos lá, docinho.

— Você está aberta? A outra senhora não parecia muito


acolhedora.

— Não se preocupe com a mamãe. — Ela acena com a mão


para que seus anéis grossos captem a luz. — Cega como um
morcego e mais louca que uma galinha molhada. Tento chegar à
porta antes dela, mas a mulher é ágil como um bode. Entre, entre!

Isso deve ser algum tipo de recorde de comparação com


animais, mas decido que o entusiasmo dela compensa por bater a
porta na minha cara e aceito o convite.

Ligeiramente sem fôlego, ela fecha a porta atrás de mim,


empurra-me para uma sala no corredor, a excitação escorrendo de
todos os seus poros.
Tenho a sensação de que ela não recebe muitos clientes em
uma tarde de terça-feira.

Ou talvez nunca.

— Sente-se, querida, — ela instrui, apontando para uma


pequena mesa redonda forrada de veludo preto, ladeada por um
par de cadeiras de veludo dourado e marrom. Em cima da mesa
há um baralho de cartas e uma bola de cristal em um pedestal
baixo de prata.

A sala está decorada com o que suponho ser uma decoração


padrão de cartomante. Um lenço vermelho está pendurado sobre
o abajur com franjas no chão. Uma estante alta de vidro exibe uma
impressionante coleção de cristais. Na janela, um par de cortinas
de seda dourada empoeirado, presas por uma gambiarra, conferem
ao espaço um certo glamour surrado, assim como os tapetes no
piso de madeira que estão gastos em alguns pontos, mas ainda
elegantes.

Vários mapas astrológicos emoldurados e incompreensíveis


adornam as paredes, juntamente com uma citação de Henry David
Thoreau: — “Não é o que você olha que importa, é o que você vê”.

Ao lado da citação de Thoreau, há um retrato vagamente


perturbador de Jesus com uma cavidade torácica aberta expondo
seu coração ensanguentado e incrustado de espinhos. Seus olhos
estão voltados suplicantes para o céu.

Sento-me à mesa, inalando o cheiro inebriante de patchouli


enquanto procuro qualquer sinal de minha sanidade.

Meu Deus, o que eu estava pensando?


Minha anfitriã não me dá tempo para pensar no meu
arrependimento. Ela se joga na minha frente e anuncia: — Sou
Destiny, querida. E é um grande prazer conhecê-la. Agora, diga-
me por que você está aqui.

Ela espera com expectativa enquanto tento formular uma


resposta que não soe maluca. — Eu gostaria de uma leitura
psíquica, eu acho?

Ela torce o nariz. — Oh, querida, você não tem que desenhar
as figuras na parede para mim. Eu sei que você está aqui para uma
leitura! Minha pergunta é por que você precisa de uma leitura?
Diga-me o que está acontecendo em sua vida.

— Não deveria ser seu trabalho me dizer o que está


acontecendo?

— Sim, sim, mas preciso de uma pergunta para o Tarô. — Ela


aponta para o baralho de cartas na mesa entre nós. — Você tem
que fazer uma leitura com intenção, entende. Você não pode
simplesmente começar a puxar cartas à toa. Há um processo para
isso. Temos que fazer direito.

Sinto condenação em seu tom, então respondo com o que


espero ser o respeito apropriado. — É claro. Hum. Bem, acho que
minha pergunta seria... O que devo fazer?

Destiny agita seus cílios postiços acusadoramente para mim.


— Enquanto limpo as cartas, você pode pensar em como reduzir
isso a algo mais útil.

Ela passa a conduzir um elaborado ritual de “limpeza” nas


cartas, que inclui primeiro assoprar o baralho, depois colocar
vários cristais em cima dele enquanto murmura palavras
ininteligíveis. Uma vez concluído, ela embaralha o baralho, bate a
borda inferior contra o tampo da mesa três vezes para endireitá-
lo, depois coloca o baralho na minha frente com um floreio teatral.

Ela vai até a janela e fecha as cortinas, mergulhando o quarto


em uma penumbra turva. — Você tem sua pergunta, docinho?

— Sim.

— Pergunte ao Tarô.

Olho o baralho de cartas enormes com cautela, esperando ver


um globo ocular olhando para mim entre os pergaminhos e as
trepadeiras retorcidas ilustradas no verso. — Como posso seguir
em frente em relação ao meu marido?

Destiny toma seu assento novamente, assentindo. — Bom.


Corte o baralho ao meio, depois monte-o novamente e espalhe as
cartas em um semicírculo.

Sua voz está abafada agora. Seu nível de excitação parece ter
aumentado. Mesmo na escuridão, posso ver as gotas de suor
acumuladas em seu lábio superior.

Depois de seguir suas instruções, ela diz: — Agora, pegue três


cartas e coloque-as na sua frente, da esquerda para a direita,
virando-as enquanto estão no baralho sem virá-las de cabeça para
baixo enquanto faz isso.

Preciso parar e pensar por um segundo e entender isso na


minha cabeça porque meu cérebro é um macarrão molhado. Mas
consigo completar a tarefa para sua satisfação.

Pelo menos eu acho que ela está satisfeita. Ela também pode
estar tendo um ataque cardíaco.
Sua única reação visível são os olhos arregalados, mas há algo
de arrepiante em seu olhar. A maneira como ela passou de
animada para congelada no espaço de apenas alguns segundos é
enervante.

Seguindo seu olhar, olho para as cartas que tirei.

O da esquerda mostra uma pessoa deitada no chão com uma


fileira de espadas saindo de suas costas. A do meio mostra um
casal nu de mãos dadas debaixo de uma árvore, mas a carta está
voltada para Destiny, não para mim.

O da direita é o mais estranho. É um esqueleto de cabeça para


baixo em uma armadura de corpo inteiro montando um cavalo com
uma foice na mão ossuda, e cara, isso é realmente esquisito e não
ajuda em nada o meu estado de espírito frágil.

Olho para Destiny. — Então? O que isto significa?

Sua voz silenciosa, ela diz: — Você tem duas cartas de arcanos
maiores, o que por si só é significativo. — Ela aponta para o
esqueleto assustador e o casal nu. — Os arcanos maiores
representam as influências cármicas e o que está acontecendo na
jornada da alma em direção à iluminação. Estas são lições
importantes que você precisa processar. Mas quando invertido,
significa que você não está prestando atenção suficiente. E aqui,
ambos os arcanos maiores estão invertidos. Este é um sorteio
muito complexo.

Já não estou gostando do som disso. — Complexo ruim, você


quer dizer?

Ignorando isso, Destiny aponta para o cartão com o cara com


todas as espadas nas costas. — A carta à sua esquerda é o seu
passado. Este é o Dez de Espadas. Espadas carregam uma
poderosa energia masculina que lida com a mente. Como você a
tirou na vertical, indica crise, perda, feridas profundas, finais
dolorosos…

Ela olha para mim. — Traição.

A pele na parte de trás do meu pescoço se arrepia.

Ela aponta para o casal nu. — O cartão no meio é o seu


presente. Você tirou Os Amantes, que normalmente representa um
equilíbrio de forças, energias complementares, confiança em um
relacionamento, harmonia e força. Mas aqui está invertido, o que
indica desarmonia e desequilíbrio. O que quer que esteja
acontecendo em sua vida amorosa lhe causará uma grande dor.

Maravilhoso. Simplesmente maravilhoso. Não consigo nem


tirar uma folga de um baralho de cartas estúpido.

Destiny aponta para a carta à minha direita, o esqueleto


blindado a cavalo.

— Esta carta representa o seu futuro.

Quando ela não diz mais nada, incito impacientemente: — E?


O que significa?

Ela diz simplesmente: — Morte.

Nós nos encaramos do outro lado da mesa enquanto o relógio


bate na parede e meu batimento cardíaco fica fora de controle.

Desesperada por alguma notícia positiva, argumento: — Mas


está de cabeça para baixo. Isso não significaria vida ou algo assim?
Quando está invertido, não significa o oposto?
Ela balança a cabeça, fazendo os enfeites em seu cabelo
tremerem. — A morte é uma carta muito incompreendida. Não é
apenas sobre o fim da vida. É sobre novos começos, transformação
e mudança. Metamorfose de um estado para outro. Quando a carta
da Morte está invertida, significa que você está resistindo à
mudança. Houve uma grande reviravolta em sua vida, mas você
não está deixando o passado para trás. E quanto mais você se
recusar a seguir em frente, mais dolorosa sua situação se tornará.
Você deve se livrar da bagagem antiga antes que ela o
sobrecarregue permanentemente.

Livrar-me da bagagem? Como uma lavagem psíquica?

Confusa, sento na minha cadeira e expiro.

Destiny diz gentilmente: — Às vezes é útil tirar uma carta de


acompanhamento para entender melhor o que a carta da Morte
quer que você deixe de lado.

Olho para o baralho de cartas em leque e acho que prefiro


cortar um dos meus próprios dedos com uma faca cega do que
ouvir notícias mais deprimentes.

— Vá em frente, — ela insiste. — Vai ser bom para você.

Eu bufo. — Bom para mim como um tratamento de canal?

— Escolha uma, docinho.

Bem, merda. Poderia muito bem valer meus dez dólares.

Hesitando, mantenho minha mão sobre a mesa, tentando


obter algum tipo de sinal cármico. Quando nada acontece, apenas
escolho uma que está um pouco mais para fora do que as outras
e coloco com a face para cima na mesa à direita da carta da Morte.
— Ah. O Mágico.

Destiny parece satisfeita, o que me faz sentir melhor. — Isso é


bom?

Ela encolhe os ombros. — Bem, é outra carta dos arcanos


maiores, e invertida, então é complicado.

— Claro que é.

Ignorando meu tom derrotado, ela diz: — Mas resumindo, isso


significa que o que você precisa deixar de lado são suas ilusões.

Franzo minha testa. — Ilusões sobre o quê?

Destiny encontra meu olhar. Há algo muito triste em seus


olhos.

— Só você pode responder a essa pergunta, docinho. Você


perguntou ao Tarot como você pode seguir em frente depois do seu
marido. Meu conselho para você, com base nesta leitura, é dar
uma boa olhada exatamente no que você está segurando. — Ela
bate uma unha no Dez de Espadas. — Há uma traição aqui. Talvez
seja sobre isso.

Balanço minha cabeça. — Não. Isso não faz sentido. Michael


nunca me traiu.

— Tem certeza?

Na minha cabeça surge a memória da vez em que a mulher na


festa de férias de Michael o chamou de idiota. Sharon ou Karen ou
qualquer que fosse o nome dela, a mesma mulher que ficou atrás
de mim em seu funeral e chorou.
Empurro a memória de lado e digo com firmeza: — Tenho
certeza. Tem que ser sobre outra coisa.

Destiny olha para mim como se ela conhecesse todos os meus


segredos, e eles estão realmente a chateando.

— Tudo bem, docinho. Você quem sabe. Pense nisso por um


tempo quando sair. Pense bem. E enquanto isso, vou orar por você.

Por que diabos as pessoas continuam me dizendo que vão orar


por mim? Fiona disse a mesma maldita coisa!

Irritada, levanto. É quando percebo que deixei minha bolsa no


carro. — Desculpe, mas eu tenho que correr para o meu carro para
pegar seu dinheiro.

Destiny também se levanta, cruzando as mãos na cintura e


sorrindo para mim. — Oh, não há nenhum custo, docinho. A
leitura é por minha conta.

Então agora estou recebendo o desconto de pena, o mesmo


que Eddie, o faz-tudo, me deu. Devo estar muito pior do que
imagino se meu rosto inspira tanta caridade. — Obrigada. Isso é
muito legal da sua parte.

Eu levanto, ansiosa para sair desta casa. Destiny não se


oferece para me acompanhar até a porta, ela simplesmente fica lá
sorrindo tristemente, fazendo eu me sentir pior do que quando
entrei.

Quando estou fechando a porta da frente, ela grita: — Boa


viagem, querida!

De alguma forma, de todas as coisas que ela disse, isso parece


a coisa mais sinistra.
Caro Dante,

Espero que esta carta te encontre bem. Eu mesma não estou tão
bem.. Na verdade, acho que passei mal e aterrissei em Crazytown,
EUA, onde atualmente estou concorrendo a prefeita.

Você já sentiu como se sua vida estivesse fora do seu controle?


Como se houvesse forças invisíveis puxando as cordas, e você fosse
apenas uma marionete dançando impotente, sendo levado de um
lado para o outro?

É como eu me sinto. Desamparada. Perdida em uma


tempestade.

Também mais do que um pouco patética, porque a única pessoa


com quem posso falar sobre meus problemas é alguém que nunca
conheci. Que está atualmente encarcerado por razões
desconhecidas para mim. Que pode ser um serial killer pelo que sei.
(Isso não foi uma piadinha. Estou apenas apontando fatos).

Embora provavelmente seja melhor assim. Duvido que pudesse


contar a alguém que conheço que uma cartomante chamada Destiny
me disse que tenho bagagem psíquica, minha governanta está
tentando me convencer de que estou sendo assombrada e estou
pensando seriamente em fazer uma sessão espírita porque nada
“normal” faz mais sentido. Normal saiu pela janela quando meu
marido morreu.

Além disso... estou me apaixonando.


Isso só aconteceu comigo uma vez antes, então não sou muito
especialista no assunto. Tudo o que sei é que me sinto incrível
quando estou com ele e como merda quando não estou. Eu amo fazê-
lo sorrir, e odeio deixá-lo triste. Para o qual, infelizmente, pareço ter
um talento especial.

Estou toda confusa, Dante. Você tem alguma palavra de


sabedoria para mim?

Sinceramente,

Kayla
Prezada Kayla,

Você perguntou se eu tenho palavras de sabedoria para você. A


resposta é sim. Aqui estão elas:

Você não está controlando a tempestade e não está perdida


nela. Você é a tempestade.

Eu adoraria levar o crédito por isso, mas é de um escritor


chamado Sam Harris. Ele estava argumentando que o livre arbítrio
é uma ilusão, o que tenho certeza que você concordará que é uma
ideia completamente deprimente. Ignorando a postura filosófica
austera, no entanto, eu realmente gosto da perspectiva de que o
caos não está fora de nós. Está sempre dentro, mesmo que
percebamos que é diferente.

Você é o caos. Você é a tempestade. Você é quem cria os ventos


fortes e os mares agitados que você precisa navegar. Você é a fonte
de tudo o que está acontecendo.

Em outras palavras, você é a única com o poder.

A questão então se torna o que você vai fazer com isso?

Sam Harris diria a você que estraguei completamente o


argumento dele e não tenho ideia do que estou falando, mas não o
estamos ouvindo.

Ouça a si mesma, Kayla. Pare e realmente ouça.


Você é a tempestade.

O que todos os seus trovões e relâmpagos estão lhe dizendo?

Dante
Digo irritada para a carta na minha mão: — Se eu soubesse o
que todos os meus trovões e relâmpagos estão dizendo, não teria
pedido um conselho a você!

Talvez Dante tenha sido preso por ser criminalmente irritante.

Com um suspiro de frustração, coloco a carta na mesa e olho


tristemente pela janela para a tarde chuvosa.

Mais chuva, droga. É como se o tempo estivesse em algum


plano maligno para me deixar ainda mais maluca do que já estou.

Já se passaram duas semanas desde que tive contato com


Aidan. Cada dia que passa é mais triste e mais deprimente que o
anterior. Desenvolvi um caso grave de insônia para acompanhar
todos os meus outros problemas, e ainda não encontrei um
terapeuta.

Outro dia, quando visitei o prédio onde Eddie disse que o Dr.
Letterman tem seu consultório, não havia nenhum Dr. Letterman
listado no diretório.

De qualquer forma, não sei por que pedi ajuda àquele


maconheiro do Eddie. Ele provavelmente só tem uma única célula
cerebral funcionando.

Não que eu esteja em posição de julgar. Tenho bebido tanto


vinho que deveria comprar ações da indústria da uva.
Quando ouço o som de uma risada, levanto a cabeça e olho
para a janela. A risada vem de novo, brilhante e borbulhante,
embora eu não consiga ver ninguém no quintal. Curiosa, vou até
a janela e espio.

O garotinho loiro de capa de chuva vermelha corre pelo


gramado na minha frente.

Suspiro e me jogo contra a parede, achatando minhas costas


contra ela. Meu coração bate. A adrenalina inunda minhas veias,
deixando-me tremendo.

Se alguém tivesse me dito, antes deste momento, que a visão


de uma criança alegre causaria tanto terror em minha alma, eu
teria rido na cara deles. O cara de casaco nem me assusta tanto.

Não é um fantasma. Ele está muito feliz para ser um fantasma.


A Fiona não disse algo sobre os espíritos presos nesta dimensão
estarem tristes?

Em pânico, argumento comigo mesma que estou sendo


ridícula, mas não ajuda.

Então tenho um pensamento tão horrível, que faz meu coração


gelar.

Essa é a criança que eu abortei?

Estou sendo assombrado pelo espírito do meu filho morto?

Sei que não faz sentido. Meu filho nem tinha nascido ainda,
muito menos crescido e virado uma criança. Mas o que eu sei sobre
fantasmas? Talvez eles continuem a se desenvolver na pessoa que
teriam sido se tivessem vivido?
Mas onde eles conseguiriam roupas? Esse garoto visitou
alguma loja infantil de outro mundo para escolher sua pequena
capa de chuva e botas amarelas?

Bato a mão sobre meus olhos e gemo. — Pare com isso, Kayla!
Isso não é um fantasma! Agora vá lá fora e encontre a mãe dele!

O som da minha voz corta um pouco do meu pânico, o


suficiente para me estimular a entrar em ação. Endireito meus
ombros, respiro fundo e volto para a janela.

O garotinho loiro está a alguns metros de distância, olhando


diretamente para mim.

Olhamos um para o outro através do vidro. Meu coração


parece que está prestes a quebrar minhas costelas. Bate tão rápido
que não consigo recuperar o fôlego.

Por que ele é tão assustador?

O menino aponta para mim. Ele solta um grito alto e de gelar


o sangue, sua boca aberta e seus olhos azuis arregalados de terror.

Então ele se vira e sai correndo, desaparecendo de vista.

Fico enraizada no lugar, hiperventilando, até que a raiva me


domina. Grito para a janela: — Foda-se você também, garoto!

Imediatamente, coloco a mão na minha boca. Não posso ser


aquela senhora que grita com crianças em seu gramado. Tínhamos
uma dessas no nosso quarteirão quando eu era criança, e todo
mundo a odiava.

Corro pela casa até a porta dos fundos. Atravessando-a, lanço-


me para fora da varanda e olho ao redor do quintal. Não há sinal
do menino. Corro para a esquerda e olho ao redor da casa, mas ele
também não está lá. Vou na outra direção, minha respiração
saindo como uma nuvem branca no ar frio.

Não há sinal dele do outro lado da casa. Ele não está no jardim
da frente quando procuro. Ele não está se escondendo nos
arbustos ou correndo pela rua.

Ele desapareceu no ar.

De pé molhada e tremendo na calçada, sinto uma presença


atrás de mim. Quando me viro, estou sozinha.

Então, por acaso, olho para o segundo andar.

Na janela do meu quarto principal, o garotinho loiro está


olhando para mim.

Não existem fantasmas. Não existem fantasmas. Não existem


fantasmas.

Com o rosto virado para cima e a chuva caindo, grito: — Fique


aí!

Ele se afasta da janela e desaparece de vista.

Rangendo os dentes, corro de volta para dentro da casa, subo


as escadas para o segundo andar, dois de cada vez, e entro no
quarto principal.

Está vazio.

Procuro em todos os cantos da casa, em todos os lugares, mas


aquele filho da puta sumiu.
Quando reviso o feed da câmera, ele não mostra nada além de
estática.

Profundamente abalada pelo encontro, ando pela casa


obsessivamente verificando as fechaduras, fechando as cortinas e
agindo tão paranoica quanto me sinto. Imagino que o garoto tenha
entrado pela porta dos fundos depois que eu saí, mas não consigo
encontrar uma explicação de como ele saiu. Eu deveria ter dado
de cara com ele descendo a escada, mas não aconteceu.

Ele literalmente desapareceu no ar.

Eu ligaria para Jake e pediria para ele instalar mais câmeras


no interior da casa, mas considerando o quão ruim foi nosso
último encontro, duvido que seja uma boa ideia.

Então eu me sirvo de um barril de vinho, tranco-me no


banheiro e preparo um banho. Debaixo da espuma, seguro o copo
de vinho cheio demais com as mãos trêmulas e tento identificar
exatamente quando foi que eu comecei a perder a cabeça.

Porque não consigo mais me convencer de que tenho um


controle firme da realidade. Se estou considerando seriamente que
o fantasma de uma criança de cinco anos está me assombrando,
estou perdida.

Quando as luzes acima da penteadeira piscam três vezes,


sufoco um soluço e bebo o vinho, precisando de Aidan com uma
dor que parece terminal.
Naquela noite, sonho que estou me afogando.

É vívido e assustador. Acordo suando com um grito preso na


garganta.

Nas próximas três noites, tenho o mesmo sonho. No sábado de


manhã, estou um desastre. Não tenho conseguido trabalhar de
jeito nenhum. Cada pequeno rangido da casa me assusta pra
caramba. O cheiro de queimado quando ligo a secadora muda para
um fedor de algo pútrido, como esgoto.

Apenas no meu estado nervoso elevado, cheira a carne podre.

Quando investigo, não consigo encontrar a fonte.

Se eu ligar a televisão, ela desliga sozinha. Cada rajada de


vento lá fora envia uma corrente de ar frio pela casa, fazendo as
cortinas farfalharem e sussurrarem. Pelo menos acho que é isso
que está fazendo esse som sussurrante, mas estou com muito
medo de olhar.

Estou tão nervosa e tensa que grito quando uma mosca pousa
no meu braço.

Desesperada por contato, mando uma mensagem para Aidan.

Sinto sua falta.

Ele fica sem responder por um longo tempo, acho que não vai
responder. Mas então sua mensagem vem com um pequeno toque
que faz meu coração pular na minha garganta.

Sinto sua falta também.


Ele envia um emoji de coelho branco junto com a mensagem.
Por alguma estranha razão, isso traz lágrimas aos meus olhos.

Posso passar por aí?

Desta vez, sua resposta é instantânea.

Você ainda está usando esse anel?

Não.

Você tirou logo antes de me responder?

Merda. Por que o homem tem que ser tão insuportavelmente


inteligente?

Por favor, Aidan. Eu preciso ver você. Por favor.

Desculpe, coelha.

Olho para a tela, mordendo meus lábios. Ele não parece muito
arrependido. Talvez eu precise adoçar a oferta.

Por favor, posso ir... mestre?

Meu telefone permanece mudo.

Pergunto-me se eu deveria enviar a ele uma foto do meu


bumbum ou dos meus peitos, mas o pensamento de tirar uma
série de fotos nuas, nada lisonjeiras, na busca desesperada de
atrair um homem que me permita correr para vê-lo, deixa-me
ainda mais deprimida do que eu estava antes.

Como cheguei a este ponto da minha vida? O que diabos


aconteceu comigo?
Quando a campainha toca e encontro o degrau vazio quando
abro a porta da frente, decido que a única coisa lógica a fazer é
ficar bêbada.

Se estou ficando louca, não há razão para fazê-lo sóbria.

— Kayla? Kayla querida, você pode me ouvir?

Abro os olhos para encontrar Fiona curvada sobre mim com


uma expressão preocupada no rosto. É de manhã –
aparentemente, segunda-feira de manhã – e estou deitada de
costas no sofá da sala com uma dor de cabeça terrível e a boca
com gosto de cinzas.

— Meu, — diz ela, rindo. — Você parece uma visão. Teve uma
bebedeira no fim de semana, não é, querida?

— Foi mais do que pequena. — Eu sento. A sala se inclina, e


meu estômago dá uma guinada junto com ela. Cubro minha boca
com a mão e produzo um arroto alto e nada feminino.

— Tudo bem?

— Ah, sim, tudo esplêndido. Absolutamente incrível.

Ela franze os lábios e me dá um olhar de desaprovação. —


Devo dizer que o sarcasmo é muito impróprio para você.
— Você vai ter que me dar uma folga. Recentemente, percebi
que meu cérebro desapareceu. Pior ainda, percebi que
provavelmente já se foi há um bom tempo.

— Não há nada de errado com seu cérebro, minha querida.


Agora, saia desse sofá e se recomponha. Eu não gosto de ver você
deprimida.

— Eu não estou deprimida, — murmuro, sabendo que é


exatamente o que estou fazendo.

Quando Fiona se vira para ir embora, digo: — Tudo bem se eu


te pedir um conselho pessoal?

Surpresa, ela se vira para mim. — É claro. O que é ?

Expiro e arrasto minhas mãos pelo meu cabelo. Inclinando-


me, apoio meus antebraços em minhas coxas e olho para o tapete
enquanto reúno meus pensamentos. — Quando alguém diz que
está lhe dando espaço, mas você não quer o espaço que está
recebendo, como você lida com isso?

— Você quer dizer que eles fecharam uma porta, mas você quer
que ela abra?

Eu aceno, gostando daquela imagem.

Quando olho para cima para encontrar seu olhar, o dela é


suave e simpático. Ela diz gentilmente: — Minha querida menina.
Você bate.

Nesse momento, a campainha toca.

Fiona sorri. — Ou você toca a campainha. Eu vou atender.


Quando ela se vira e vai embora, eu a chamo: — Não vai ter
ninguém lá!

— Nunca se sabe, — diz ela, rindo como se estivesse curtindo


uma piada particular. Ela sai do quarto. Alguns momentos depois,
ela retorna, balançando a cabeça.

— Bem, você estava certa. Não havia ninguém lá. — Ela faz
uma pausa, olhando para mim significativamente. — Isso eu podia
ver, de qualquer maneira.

Gemo e coloco minha cabeça em minhas mãos. — Ok. Você


ganhou. Faremos a sessão espírita.

A campainha toca novamente. A televisão liga sozinha, o


volume está estrondoso. Do corredor vem o estalo distinto de uma
lâmpada explodindo em uma das luminárias.

Fiona diz sombriamente: — Acho que é uma ideia muito boa.


Caro Dante,

Obrigada pelo conselho. Devo dizer, no entanto, que foi uma


merda.

“Você é a tempestade. O que seus trovões e relâmpagos estão


lhe dizendo?” Isso realmente deveria ser útil? Porque não foi.

Por favor, perdoe a grosseria, mas minha vida está


desmoronando. Correção, já desmoronou. Estou apenas vagando
em todos os pedaços quebrados, levantando poeira e cortando meus
pés em cacos de vidro.

E a propósito, o que foi aquela coisa toda sobre o amor que virou
as estrelas e as rodas? Isso foi confuso como o inferno. Na verdade,
todas as suas cartas foram confusas. Eu ainda não sei o que você
quer de mim ou por que você decidiu que deveríamos ser amigos por
correspondência ou como você me encontrou em primeiro lugar.

Eu mal sei o que é real e o que não é mais. Eu nem sei se essas
cartas são reais. Talvez eu esteja olhando para a parede do meu
quarto trancado em uma instituição mental, inventando tudo isso na
minha cabeça? É assim que parece, de qualquer maneira. Sinto
como se tivesse soltado a corda que me prendia a uma doca, e agora
estou à deriva sozinha no mar em uma jangada com vazamento que
está sendo cercada por tubarões famintos. E o vento está
aumentando. E está começando a chover.

Estou me afogando, Dante. Estou me afogando.

O que eu realmente preciso agora é de um colete salva-vidas.

Kayla
Fiona me informa que a lua cheia é amanhã à noite, para que
possamos realizar a sessão imediatamente. Ela me diz que tenho
sorte de poder fazer isso tão rapidamente.

Eu não me sinto com sorte. Eu me sinto amaldiçoada. Não digo


isso em voz alta, no entanto, porque não quero tentar o destino a
provar isso.

Passo o resto daquele dia e o seguinte em um estado de grande


ansiedade, de vez em quando olhando para minha mão esquerda.
Cada vez me surpreendo ao encontrar minha aliança de casamento
ainda no meu dedo anelar.

Aidan estava certo quando adivinhou que eu tinha tirado logo


antes de responder sua mensagem. Não vou mentir para ele de
novo, então tive que ser criativa. Mas coloquei de volta quando ele
não me respondeu, e eu ainda não consigo descobrir por quê.

Embora eu nunca fosse admitir para ele, algo parecia errado


quando tirei aquele anel.

Parecia que a própria casa sugou uma lufada de horror.

O que obviamente é uma invenção da minha imaginação


exagerada, mas foi assim que me senti. Em algum momento nos
últimos meses, a casa se tornou mais do que simplesmente uma
coleção de cômodos sob um telhado com goteiras. Ela assumiu
uma presença que eu posso sentir fisicamente.

Esta casa tem pulso, e seu coração escuro bate por mim.
Acho que quer alguma coisa.

Acho que está tentando me enviar uma mensagem.

Outro gaio azul cometeu suicídio na janela do meu escritório.


Parecia simbólico, então procurei o significado de um gaio azul
morto online. Sim, agora estou tão desesperada que estou
acessando a internet para pedir ajuda. De qualquer forma, esses
pássaros em particular têm fortes associações espirituais e eram
frequentemente considerados pelos nativos americanos como
mensageiros dos deuses. Ver um deveria trazer boa sorte.

A menos que esteja morto, nesse caso significa que você está
fugindo de seus problemas.

Se eu ao menos pudesse correr mais rápido.

— Olá, Kayla. É um prazer conhecê-la. Eu sou Claire.

Fico na porta aberta olhando para a irmã de Fiona e pensando


que devo estar vendo em dobro. Elas são exatamente iguais, até as
covinhas em suas bochechas. O mesmo cabelo grisalho curto, os
mesmos olhos azuis brilhantes, as mesmas pernas robustas e
sorriso alegre.

Elas são tão parecidas, é assustador. Se Fiona estivesse


doente um dia e mandasse Claire limpar a casa no lugar dela, eu
nunca saberia. A única diferença é que Claire está carregando uma
mochila preta e Fiona tem um guarda-chuva.
— Prazer em te conhecer também. Por favor entre.

Fico de lado para deixar o par entrar no saguão, então fecho a


porta contra a noite tempestuosa. — Você não me disse que tinha
uma gêmea, Fiona.

Ela deixa cair o guarda-chuva pingando no suporte ao lado da


mesa do console e sorri. — Nós não somos gêmeas.

— Você poderia ter me enganado.

Claire acaricia seu cabelo. — Não seja ridícula. Eu sou muito


mais bonita do que ela.

Eles trocam um olhar carinhoso, depois tiram seus sobretudos


de lã azul combinando em movimentos que parecem
sincronizados. Enquanto Fiona pega os dois casacos e os pendura
no armário do corredor, Claire se vira para mim e me olha curiosa
de cima a baixo.

— O quê? — Pergunto nervosa, perguntando-me se tenho


manchas na minha blusa ou espinafre nos meus dentes.

Seu sorriso é gentil. — Fiona me falou tanto sobre você que já


sinto como se fôssemos velhas amigas.

— Oh. Bem, eu poderia usar alguns amigos agora, para ser


honesta. Minha vida está muito caótica.

Ela ri. — Não se preocupe minha querida. Você está em boas


mãos. Eu me comunico com espíritos desde os quatro anos de
idade, então vamos ver o que esta quer e tê-la a caminho em pouco
tempo.
Ignorando meu choque por essa pobre mulher ter mantido
conversas com pessoas mortas a vida toda, digo: — Ótimo. Mas os
espíritos que me assombram são do sexo masculino. — Minha
risada é nervosa. — Não acredito que acabei de dizer isso.

— Ah, sim, desculpe-me. Tenho duas outras sessões para


realizar esta noite, e os detalhes se confundem.

— Duas? — Repito, espantada.

Ela gesticula em direção ao teto. — A lua cheia é uma época


muito ocupada para mim. E esqueça os solstícios e os equinócios!
Estou com reservas há um ano de antecedência.

Quando ela vê minha expressão, ela explica: — Médiuns


experientes estão em alta demanda. Você não acreditaria na
quantidade de pessoas que morrem e se recusam a passar para o
Outro Lado.

Não sei como responder a isso, mas sinto que merece uma
resposta educada, mesmo que seja maluca. — Fico feliz em saber
que os negócios estão crescendo.

Fiona volta e pergunta a Claire: — Você gostaria de fazer uma


varredura na casa antes de começarmos a ver se você sente
alguma coisa?

Claire balança a cabeça. — Isso não será necessário. Já estou


recebendo uma energia muito forte. — Ela aponta para o corredor.
— O que há lá embaixo?

— Meu escritório. E do meu marido.

Ela e Fiona compartilham um olhar significativo.


— Vocês não podem ser telepáticas comigo. Já estou
assustada o suficiente. O que foi esse olhar?

Claire diz, — Eu não quero te assustar, querida, mas... — Ela


hesita, fazendo uma careta como se precisasse correr para o
banheiro mais próximo.

Doce menino Jesus, se isso piorar, vou subir no telhado e me


jogar de lá.

— Prossiga.

— Acho que devemos realizar a sessão no escritório do seu


marido.

Um estrondo distante de trovão sacode as janelas. Claro que


aconteceria naquele momento, porque até o maldito clima quer me
ver enlouquecer.

— Por quê?

Ela e Fiona compartilham aquele olhar estranho novamente.


— Porque sinto que é onde o espírito quer.

Nós nos encaramos. Ninguém diz nada por um tempo. Então


digo, — Claire, vou te perguntar uma coisa agora, e quero que você
seja completamente honesta comigo.

— Sim?

— Isso é besteira?

— Oh, não, minha querida, — diz ela com veemência,


balançando a cabeça. — Eu garanto a você, isso é o mais distante
da besteira.
Com mais evidência do meu controle da realidade
desmoronado, passo um momento debatendo comigo mesma sobre
a diferença entre as palavras mais distante e mais afastado. Então
suspiro e desisto.

— Certo. Faremos a sessão espírita no escritório de Michael.


Mas se o Fantasma do Natal Passado aparecer, não posso ser
responsabilizada se eu quebrar e o esmurrar com o objeto pesado
mais próximo. Vamos acabar com isso.

Viro e ando pelo corredor, ouvindo seus passos atrás de mim


e me perguntando se seria uma má etiqueta espiritual beber vinho
durante uma sessão espírita.

Tenho a sensação de que vou precisar de bebida antes que isso


aconteça.

Abro a porta do escritório e acendo as luzes. Dando um passo


para o lado para deixar Fiona e Claire passarem, percebo como
está frio na sala. Parece uma câmara frigorífica.

Tremendo, digo: — Desculpe pela temperatura.

Ignorando-me, Claire vagueia, olhando as coisas enquanto


Fiona e eu assistimos. Ela coloca sua bolsa em uma cadeira
qualquer e aponta para a mesa redonda ao lado dela.

— Podemos mover isso para o meio da sala?

— Para que precisamos disso?

— Uma mesa redonda é mais propícia.


Eu não me incomodo em perguntar para o quê, porque
oficialmente chegamos em Loonyville. Quando em Roma e tudo
isso.

Enquanto Fiona e eu movemos a mesa, Claire desempacota


sua mochila. Dela, ela pega um pano preto e o sacode,
murmurando algo sobre ele. Tenho que reconhecer que é feitiço.
Ela o coloca sobre a mesa, ajeitando-o para que vá até o chão e por
toda a volta, depois volta para a bolsa e retira três velas brancas
que coloca no centro da mesa. Em seguida ela coloca uma pequena
tigela de chocolates desembrulhados ao lado das velas.

— Para que serve o chocolate?

— Uma oferenda de comida para o espírito, — Claire responde,


como se fosse óbvio.

Não consigo resistir a contrariar este absurdo com um pouco


de lógica. — Como vai comer se não tem boca de verdade?

— Ah, mas o espírito não sabe que não tem boca de verdade,
sabe?

Quando olho para Fiona, ela dá de ombros. — Uma pequena


suspensão de descrença não iria te machucar, querida.

Murmuro, — Um litro de Cabernet também não me faria mal.

— Não coma ou beba durante a sessão! — repreende Claire,


acendendo as velas. Ela me lança um olhar severo por cima dos
aros de seus óculos. — E sem joias também. Isso vai ter que sair.
— Ela empurra o queixo em direção ao meu anel de casamento. —
Junto com qualquer outra coisa que você possa estar vestindo.
Desligue também todos os aparelhos eletrônicos, por favor, Fiona,
você vai diminuir as luzes?
Estou esperando que Fiona desligue a luz principal do teto e
deixe as lâmpadas acesas, mas ela desliga as duas, mergulhando
o quarto na escuridão interrompida apenas pelo brilho vacilante
das velas sobre a mesa.

O estrondo distante do trovão rola pelo céu novamente, mais


alto desta vez. Uma súbita rajada de vento uiva através das árvores
lá fora. A chuva bate nas janelas, deslizando como lágrimas
prateadas.

Se Claire estava indo para uma vibe assustadora, ela não


poderia ter escolhido uma noite melhor para isso.

— Todo mundo puxe uma cadeira, — diz ela, colocando um


bloco de papel e um lápis sobre a mesa.

Puxo a cadeira da mesa de Michael e sento. Fiona arrasta uma


cadeira lateral de um canto da sala e toma seu lugar à minha
esquerda. Claire empurra uma cadeira, tira sua mochila e a coloca
no chão. Então ela se acomoda na cadeira e olha para mim.

— Querida?

— Sim?

— Você precisa tirar o anel.

— Oh, certo. Desculpe. — Tiro o anel do meu dedo e o enfio no


bolso de trás do meu jeans.

Claire parece insatisfeita. — Não pode estar em seu corpo.


Talvez você possa colocá-lo sobre a mesa?

Não sei por que deveria ser algo de tanta importância, mas não
quero estragar a possibilidade de descobrir o que o fantasma que
não existe e não está me assombrando quer, então pego minha
aliança de casamento do meu bolso e coloco no mouse pad de
Michael.

Bem ao lado do jornal dobrado com o artigo sobre sua morte.

Seu rosto me encara em preto e branco por baixo daquela


manchete terrível.

Homem local se afoga.

Meu coração palpita, com cuidado, movo o anel para a foto


dele. Depois o empurro até que esteja em cima de seu rosto. Não
sei porque, mas parece certo. Quando volto, parece que um de seus
olhos espia do círculo de ouro, seguindo cada movimento meu.

Nervosa, volto para a mesa e tomo meu lugar. Limpo as palmas


das mãos suadas no jeans e tento afastar a sensação crescente de
mau presságio.

— Todo mundo coloque suas mãos espalmadas sobre a mesa


à sua frente, por favor.

Fiona e eu seguimos as instruções de Claire. Depois ela faz o


mesmo, olhando para cada uma de nós, seu comportamento
sombrio e sua voz baixa.

— Antes de começarmos, uma palavra de advertência. Os


espíritos são imprevisíveis. Aconteça o que acontecer, mantenha a
compostura. Permaneça em silencio. Não quebre o círculo de
energia levantando-se. Vou começar declarando nossa intenção de
fazer contato e convidando o espírito a se juntar a nós. Se o espírito
aceitar nosso convite, você poderá ouvir ruídos estranhos, como
batidas ou barulhos. Vou fazer perguntas sim ou não ao espírito
para começar, e se eles se mostrarem receptivos, vou perguntar o
que eles querem. Eles podem se comunicar através de mim,
usando minha mão para desenhar neste bloco ou minha voz para
falar diretamente com você.

Ah foda-se. Se eu testemunhar um cara morto falar por meio


dessa velhinha, nunca mais vou ficar bem da cabeça.

Assustada, engulo e pressiono minhas mãos com mais firmeza


contra o tampo da mesa para tentar fazê-las parar de tremer. Não
funciona.

— Quando a sessão terminar e você não tiver mais perguntas,


agradecerei ao espírito por ter vindo. Então podemos acender as
luzes e discutir o que aconteceu. Você está pronta, Kayla?

Concordo com a cabeça, embora não me sinta nem um pouco


pronta.

— Então vamos começar.

Claire fecha os olhos. Com o rosto inclinado para o teto, ela diz
em voz baixa: — Nós nos reunimos esta noite sob a lua cheia para
buscar orientação do mundo espiritual. Congratulamo-nos com
quaisquer espíritos próximos para se juntar ao nosso círculo. Por
favor, faça sua presença conhecida.

A pausa silenciosa a seguir é a mais longa de toda a minha


existência. Pode durar apenas sessenta segundos, mas parece
uma vida inteira. Meu pulso acelera. Minha respiração fica
superficial. Meus dentes começam a bater. Sinto-me tonta,
enjoada e incrivelmente fria.

Quando nada acontece, Claire repete: — Congratulamo-nos


com qualquer espírito próximo para se juntar ao nosso círculo. Por
favor, faça sua presença conhecida. Você está conosco? Dê-nos um
sinal.

O diploma universitário emoldurado de Michael desliza da


parede e cai com um estrondo no chão.

Eu suspiro. Todo o cabelo dos meus braços está em pé. Sento


congelada, minhas costas retas e meus olhos arregalados e sem
piscar. Meu coração acelerado é o único músculo do meu corpo
capaz de se mover.

— Fique calma, — diz Claire baixinho, seus olhos ainda


fechados.

Calma não estou. Calma, talvez nunca mais fique. Calma é


para pessoas em férias encantadoras na praia com os dedos dos
pés na areia e um daiquiri na mão, não para pessoas em perigo
iminente de ter a prova de que seu marido morto está estendendo
a mão do além-túmulo.

Não estou calma, estou prestes a explodir.

Um trovão me faz pular na cadeira. É seguido por um crepitar


de relâmpago que queima fogo branco através do céu escuro da
noite. A sala é brevemente iluminada com um brilho teatral, depois
mergulhada na escuridão desorientadora novamente como um
parque de diversões destinado a aterrorizar as crianças no
Halloween.

— Espíritos, — diz Claire, — obrigado por se juntarem a nós.


Há mais de um de vocês? Por favor, bata na mesa para responder.
Uma vez para sim e duas vezes para não.
O vento lá fora aumenta. A temperatura na sala cai mais
alguns graus. A chuva bate nas vidraças com um som como
granizo.

E meu coração. Jesus, Deus, meu pobre coração está gritando


assassinato sangrento, porque pela sala ecoa o som inconfundível
de duas batidas altas.

— Um de vocês, então, — murmura Claire. — Bem-vindo,


espírito. Estamos honrados com sua presença.

Sua voz diminuiu, junto com sua respiração. Ela parece estar
entrando em algum tipo de transe.

Qualquer que seja o oposto de um transe, é isso que está


acontecendo comigo. Estou prestes a me mijar. Nervos que eu
nunca soube que tinha acordaram e começaram a gritar. Eu
poderia vomitar.

— Michael? — Eu sussurro, meu corpo inteiro tremendo


enquanto olho descontroladamente ao redor da sala. — Michael,
você está aqui?

Nada acontece. Não há batidas na mesa. Nenhuma imagem cai


das paredes.

Claire diz: — Espírito, você conhece alguma das pessoas nesta


sala?

Batida.

— Você os conhecia quando estava vivo?

Batida.
— Sou eu?

Batida. Batida.

— É Fiona?

Batida. Batida.

— É Kayla?

A batida única de resposta é tão forte que eu me encolho e


gemo.

— Você tem uma mensagem que quer passar adiante?

BATIDA!

O som da minha respiração forte é ainda mais alta que o vento.


Até agora, estou tremendo incontrolavelmente.

Claire estende a mão com os olhos fechados, caçando


cegamente o bloco de papel na mesa ao lado dela. Ela o pega,
encontra o lápis e sussurra: — Diga-nos, espírito. Qual é a
mensagem?

Agarrando o lápis com tanta força que seus dedos estão


brancos, a mão de Claire paira sobre a página em branco do bloco.

Fiona está sentada na minha frente com os olhos fechados e


as mãos espalmadas sobre a mesa. Acho que se fechasse os olhos
agora, morreria instantaneamente de ataque cardíaco.

Estou com tanto medo, estou à beira de explodir em lágrimas.

— Espírito, qual é a sua mensagem?


Segundos se transformam em minutos. A tempestade ruge lá
fora. Nós três sentamos silenciosamente à mesa sob a luz de velas,
esperando por uma resposta que nunca vem.

Depois de muito tempo em que nada acontece, Claire diz: —


Deixe-me reformular a pergunta. Espírito, o que você quer?

Sua mão segurando o lápis fica tensa. Então se contorce.


Então começa a tremer incontrolavelmente. Assisto com horror
fascinado enquanto o antebraço de Claire começa a se mover,
empurrando para frente e para trás sobre o papel em rajadas
curtas.

Abruptamente, seu braço congela. Ela pressiona o lápis no


papel e escreve uma palavra em um rabisco rápido do início ao fim.
A palavra é composta de pesadas letras maiúsculas, todas em
maiúsculas, tão profundamente riscadas no papel, que em alguns
lugares chega até a página abaixo.

VINGANÇA

Um súbito vento gelado apaga as velas acesas. Algo frio roça


minha bochecha, como um vento fantasmagórico.

Ou dedos fantasmagóricos.

Grito a plenos pulmões e saio correndo do quarto.


Fiona e Claire me encontram na cozinha, encolhida no chão
em um canto com minhas costas contra os armários e meus
joelhos dobrados no meu queixo.

Olhando ao redor, Claire pergunta: — Por que você abriu todos


os armários e gavetas?

— Eles estavam abertos quando cheguei aqui. — Minha risada


soa desequilibrada. — O fantasma residente acha hilário fazer
coisas assim.

As irmãs olham uma para a outra, depois para mim. Claire


sugere gentilmente: — Por que não nos sentamos à mesa e
batemos um papo?

— Um bate-papo parece ótimo. Assim como um exorcismo. Há


um maldito fantasma na minha casa!

Fiona diz: — Sim, mas olhe pelo lado positivo. Pelo menos há
apenas um.

Gemo e coloco minha testa nos joelhos.

— Agora, agora, minha querida, não se desespere. Esta é


realmente uma notícia muito boa.

— Lembre-me onde, neste desastre sobrenatural absoluto,


podemos encontrar boas notícias?
Ela diz brilhantemente: — Agora sabemos o que o espírito
quer!

Olho para ela incrédula. — Pelo que parece, o espírito quer


cometer assassinato. E como sou a única pessoa que mora aqui,
acho que sou a principal candidata para sua busca homicida.

— O espírito está com raiva, mas senti que a raiva não é


direcionada a você, — diz Claire, puxando uma cadeira na mesa
da cozinha. Ela se senta, acariciando o cabelo e passando a mão
pela frente da blusa. Ela parece exausta.

Ser possuída por uma pessoa morta deve realmente tirar o seu
fôlego.

— Mas ele me conhece. O que isso significa?

— Você é a dona da casa. Você tem vivido aqui com isso. É


claro que ele conhece você.

Estou horrorizada de novo. — Oh Deus. Ele está me


observando quando estou no chuveiro?

Fiona diz: — Acho que você está perdendo a visão geral aqui,
querida.

Desesperada, exijo: — Qual é?

Ela puxa uma cadeira ao lado de sua irmã e se senta.


Cruzando as mãos no colo e olhando para mim com bondade nos
olhos, ela diz: — Se você puder ajudar o espírito a conseguir o que
quer, ele seguirá em frente.

Olho para Claire, que concorda.


— Você está dizendo que quer que eu seja uma cúmplice de
assassinato?

— O espírito não disse nada sobre assassinato. Dizia vingança,


que pode assumir todos os tipos de formas.

Deixo minha testa cair nos joelhos novamente e digo


miseravelmente: — Eu não posso acreditar que isso está
acontecendo.

Sempre a prática, Fiona diz: — Precisamos entrar em contato


com o espírito novamente.

Levanto minha cabeça e insisto: — De jeito nenhum vou fazer


outra sessão espírita!

Claire dá de ombros. — Como queira.

Cada vez mais desesperada, exijo: — Então é isso? Estamos


sem opções? Você não pode simplesmente queimar um pouco de
sálvia ou algo assim para fazê-lo desaparecer?

Claire ri como se eu estivesse sendo boba. — Oh, minha


querida, isso é um mito. Um espírito não é um inseto irritante que
se pode banir com um pouco de fumaça perfumada.

— Excelente. Então tenho que vender o lugar se quiser paz de


novo?

— A menos que não seja a casa que seu espírito está


assombrando.

— O que você quer dizer?


— Talvez o espírito esteja te assombrando. Nesse caso, não
importa onde você mora. Ele sempre vai te encontrar.

Eu a encaro com a boca aberta. Ela dá de ombros novamente,


como se ainda não tivesse dado a pior notícia.

Então percebo algo. — Puta merda. Talvez seja um dos meus


pais. Oh, Deus, eu nunca considerei isso!

Claire e Fiona compartilham outro de seus olhares estranhos.


Sentindo-me na defensiva, digo: — Não houve resposta quando
perguntei se era Michael, então tenho que assumir que não era ele.
Certo?

Há algo estranho na pausa de Claire, como se ela estivesse


escolhendo cuidadosamente suas palavras. — Não podemos supor
nada. Há quanto tempo seus pais estão mortos?

— Muitos anos. Ambos.

— Então não são eles.

— Como você sabe?

— Eles teriam entrado em contato antes. Os espíritos não


podem atravessar para o Outro Lado e depois retornar a esta
dimensão. Uma vez que eles ascendem além, este plano de
existência é fechado para eles. Os únicos espíritos que podem fazer
contato permanecem no limbo. Agora, venha sentar-se à mesa.
Minhas pernas estão ficando com cãibras só de olhar para você
encolhida no chão.

Embora minhas pernas estejam trêmulas, consigo me


levantar. Junto-me a elas, sentada em frente à Fiona e apoiando
meus cotovelos na mesa. Coloco minha cabeça em minhas mãos e
suspiro.

Depois de um momento, Claire diz gentilmente: — Kayla, por


favor, olhe para mim.

Levanto minha cabeça e encontro seu olhar.

— Eu quero ajudar você. Nós duas queremos.

Ela olha para Fiona, que assente.

— Então, se você não fizer outra sessão espírita, aqui está


minha sugestão para o que você deve fazer.

Quando ela faz uma pausa, digo: — Estou ouvindo.

— Pesquise a história desta casa. Descubra quem viveu aqui


antes de você. Talvez você encontre uma pista sobre a identidade
desse fantasma. Se não é alguém que você conhece, é alguém que
viveu aqui antes.

— Isso faz sentido. Exceto que você está esquecendo que


durante a sessão, o espírito disse que me conhecia enquanto
estava vivo.

Ela acena com a mão com desdém no ar. — Eu não tomaria


isso como exemplo. Normalmente, eles ficam muito confusos.

Quando só olho para ela, ela se explica.

— Fantasmas são um pouco como pessoas com transtornos


psiquiátricos. Eles não podem distinguir a ilusão da realidade.
Quando uma alma está presa aqui, ela precisa de um guia – um
guia espiritual, se preferir – para ajudar a conduzi-lo à luz.
— Espere. Agora você quer que eu seja uma guia fantasma?

Ela arqueia uma sobrancelha. — Você prefere ser assombrada


pelo resto de sua vida?

Olho para Fiona em busca de ajuda.

Ela apenas dá de ombros. — É isso ou voltamos ao escritório


e tentamos novamente.

— De jeito nenhum. Isso me tocou. — Estremeço de


aborrecimento. — Deus, agora como vou dormir aqui sabendo que
há um maldito fantasma flutuando por aí?

— Está flutuando por algum tempo, querida.

— Isso deveria me fazer sentir melhor?

Ela ri. — Bem, ainda não molestou você, se é isso que a


preocupa.

Horrorizada, fico boquiaberta para ela. — Ainda?

— Ninguém está molestando ninguém! — interrompe Claire,


irritada. — O espírito não quer te acariciar, ele quer que você o
ajude a se vingar.

— De quem? Para quê?

— Faça uma pesquisa e descubra.

Eu a encaro. Ela diz: — Ou voltamos para aquele escritório


agora e colocamos o assunto de lado. — Ela olha para o relógio. —
De qualquer forma, já estou atrasada. O que vai ser?

— Se eu puder evitar, nunca mais entrarei naquele lugar.


— Bem, então é isso. Se mudar de ideia, ligue-me.

Ela fica de pé. Fiona se levanta com ela. Não posso deixá-las
sair sem agradecê-las, então me levanto e sigo Claire até o saguão
enquanto Fiona pega seus casacos no armário do corredor.

A mochila de Claire com suprimentos para sessões espíritas já


está ao lado da porta, empacotada e pronta. Elas devem ter
recolhido as coisas enquanto eu estava encolhida no chão da
cozinha em sofrimento psíquico.

Quando Fiona volta, digo: — Obrigada pelo seu tempo, Claire.


Eu agradeço.

— O prazer é meu, querida.

— Você também, Fiona.

— Fique bem, Kayla. Vejo você na próxima segunda-feira.

— Certo. A menos que eu seja assassinada por um espírito


vingativo antes.

Ela sorri para mim, o que não ajuda em nada. Abro a porta
para elas. Claire está prestes a cruzar a soleira, mas para.

Fiona e eu seguimos seu olhar confuso.

Sobre o tapete de entrada está um colete de neoprene laranja


brilhante com quatro tiras pretas costuradas no peito. Fivelas de
plástico pendem no final das tiras. À luz da varanda, as manchas
refletivas nos ombros do colete são deslumbrantes.

Fiona diz: — O que diabos é isso?


— Um colete salva-vidas, — sussurro, começando a tremer
novamente.

Uma Claire visivelmente confusa diz: — O que está fazendo na


sua varanda?

— Pedi ao meu amigo por correspondência.

Elas olham para mim e repetem em uníssono: — Amigo por


correspondência?

— Sim. — Agarrando o batente da porta para me apoiar, rio


sem fôlego.

Fiona pergunta: — Por que isso é engraçado?

— Porque acho que descobri quem está me assombrando.

Dez minutos depois, nós três estamos de volta à mesa da


cozinha olhando as cartas de Dante que eu trouxe da minha gaveta
de roupas íntimas no andar de cima. Claire ligou para seus outros
dois clientes para cancelar, porque minha assombração se tornou
muito suculenta para ela deixar passar.

Aparentemente, não é todo dia que um fantasma entrega


correspondência e um dispositivo de flutuação pessoal do além.

— Notável, — diz Claire, curvada sobre a mesa enquanto ela


olha atentamente para uma das primeiras cartas que recebi. Com
cuidado para não tocar no papel, ela aponta para o canto inferior
direito. — Parece que pode ser sangue.

— Isso é o que pensei, também. Mas como um fantasma pode


sangrar?

— Não pode. — Ela olha para mim. — Mas pode ser o sangue
de outra pessoa.

— Ou de outra coisa, — diz Fiona. — Um animal, talvez.

Faço uma careta. — Isso é doentio. Por que diabos ele enviaria
uma carta manchada de sangue animal?

Claire diz: — Talvez seja uma pista.

Nós três olhamos para a mancha cor de ferrugem. Lá fora, a


tempestade continua a atingir a casa. Está chovendo tanto agora
que não soa mais como granizo, mas como uma enxurrada
constante de tiros no telhado. O vento uiva como uma matilha de
lobos famintos.

Claire pega a carta por um canto e a vira, colocando-a com


cuidado novamente. — 'Vou esperar para sempre se for preciso', —
ela lê em voz alta. — Isso deve ser em referência à vingança que
ele busca. Este fantasma está esperando que você o ajude a se
vingar.

— Mas há toda essa bobagem sobre os sentimentos dele, — diz


Fiona, apontando para outra carta. — O que isso pode significar?

— Talvez ele tenha uma queda por mim. Sou muito fofa.

Fiona e Claire me olham com expressões idênticas de dúvida.


— Foi uma brincadeira, pessoal.

— Isso é sério, — diz Claire com desaprovação. — Se não


pudermos ajudar esse espírito a fazer a transição para o Outro
Lado, será nossa culpa que ele esteja preso no limbo para sempre.
Vamos dar a esta situação o respeito que ela merece.

Não posso acreditar que estou sendo repreendida, por uma


médium usando sapatos ortopédicos, sobre a atitude correta em
relação à minha própria assombração, mas aqui estamos.

— Você tem razão. Desculpe. — Estudo as cartas espalhadas


na mesa entre nós e a pilha de envelopes de um lado. — Por que
todos eles estão com carimbos da prisão? Você acha que isso é
uma pista também?

— É mais provável que o espírito acredite que está preso.


Metaforicamente falando, ele está.

— Ok, próxima pergunta: como diabos um fantasma pode usar


uma caneta?

— Os espíritos podem manifestar sua energia de várias


maneiras, — diz Claire. — Usar objetos como canetas é um deles,
mas também podem controlar aparelhos elétricos como telefones e
computadores.

— Ou campainhas, — Fiona me lembra.

— Exatamente, — concorda Claire. — Eles são notavelmente


hábeis em manipular seu ambiente. Se potentes o suficiente, eles
podem até afetar o clima.

Ouço a tempestade rugindo lá fora e me pergunto se Dante


tem algo a ver com isso.
— Mas se ele pode controlar energia e objetos, por que ele
mesmo não vai se vingar? Para que ele precisa de mim? Ele não
poderia simplesmente jogar um piano na cabeça de seu inimigo?

— Bem, por um lado, ele pode não se lembrar de quem é seu


inimigo.

Quando olho para ela com surpresa, Claire diz: — Estar presa
no limbo é terrivelmente confuso. Na verdade, esse seu fantasma
provavelmente nem sabe que está morto.

— Eu já disse isso a ela, — diz Fiona.

— Então ele precisa de mim para ajudá-lo a se lembrar. —


Olho para as cartas novamente. — Lembre-me por que não posso
simplesmente dizer a ele que ele está morto?

— Isso só o levaria ainda mais à negação, — responde Claire.


— Você corre o risco de aliená-lo completamente. Se alguém lhe
dissesse que você está morta, qual seria sua reação?

Bufo. — Eu diria que sim, amigo, e você é um tomate de


herança.

— Precisamente. Devemos gentilmente persuadi-lo para a


verdade. Ele tem que chegar por conta própria. É como os passos
que uma criança dá para aprender a ler. Primeiro vem o alfabeto.
Então eles aprendem palavras curtas e fáceis. Gato. Cão. Árvore.
Então eles juntam as palavras em frases simples, até que,
eventualmente, estão devorando Shakespeare. A compreensão é
um processo de várias etapas. Não acontece tudo de uma vez.

— Mas como ele ficou preso no limbo em primeiro lugar? Por


que uma alma automaticamente não segue em frente quando o
corpo morre?
— Normalmente, elas seguem. Mas, às vezes, elas perdem de
vista para onde ir. A densa realidade da terceira dimensão
combinada com a gravidade do nosso planeta torna as coisas
bastante complicadas para um ser não temporal. Acrescente a isso
o sofrimento emocional de qualquer negócio inacabado de que eles
estejam sofrendo, e você acabará com um espírito perdido, muito
confuso e mal-humorado.

Expiro com força e murmuro: — Fantasmas são de alta


manutenção.

Fiona ri como se isso fosse especialmente perspicaz. — De fato.

Sentada na minha cadeira, cruzo os braços sobre o peito e


examino as letras novamente enquanto vasculho tudo na minha
cabeça. — Então, para recapitular, o que eu preciso fazer é
persuadir esse espírito a aceitar que ele não está mais vivo e que
ele precisa ir para o Outro Lado.

— Só isso, — diz Claire, radiante.

— Como exatamente eu devo fazer isso se não posso dizer a


ele que ele está morto?

Ela e Fiona trocam um olhar carregado, então ela diz


suavemente: — Se você der luz às pessoas, elas encontrarão seu
próprio caminho.

Irritada com sua ambiguidade, digo amargamente, — Claro.


Vou começar a gritar: “Vá para a luz!” ao teto em intervalos
aleatórios, que tal isso?

— Confie em seus instintos, — diz Fiona suavemente. — Você


vai pensar em alguma coisa. Você já tem a metade da batalha
ganha apenas por descobrir sua identidade.
— Mas eu não sei nada sobre ele! Só tenho o nome!

Aponto para sua assinatura em uma das cartas, aquele


rabisco familiar.

Dante.

Fiona e Claire se olham novamente em seu estranho silêncio


de telepatia gêmea.

Digo categoricamente: — Juro por Deus, se vocês não pararem


de fazer isso, eu vou quebrar alguma coisa.

— Por que você não começa pesquisando o nome dele? —


sugere Fiona.

Depois de um momento, admito de má vontade: — Não é uma


má ideia. Eu estava pensando em ligar para meu amigo detetive
para conseguir algumas informações sobre Dante. — Minha risada
é curta e fraca. — Isso foi antes de eu saber que ele era um
fantasma, no entanto.

Claire repete: — Amigo detetive?

— O homem do departamento de polícia que me interrogou


após o acidente de Michael.

As luzes do teto piscam. Todos olhamos para o teto. Um


zumbido elétrico baixo enche a sala, então as luzes se apagam.
Elas voltam em segundos.

Claire murmura: — Sim. Você definitivamente está indo na


direção certa.
Eu me inclino e sussurro: — Ele está apenas flutuando nos
escutando? Isso é tão assustador!

— Kayla, concentre-se.

— Sério, mas, por que precisamos de uma sessão espírita se


esse fantasma pode ouvir cada palavra que falamos?

Olhando para mim, Fiona pensa: — Ele parece bastante


onipresente, não é?

— É isso que estou dizendo!

Claire olha com os olhos apertados para o teto. Quase posso


ver as engrenagens girando em sua cabeça. Antes que eu possa
perguntar o que ela está pensando, ela diz em voz alta: — Espírito,
você ainda está conosco?

No final do corredor, uma porta se fecha com tanta força que


faz os armários da cozinha abertos balançar suavemente.

Pulo e suspiro.

Fiona murmura: — Oh, que coisa.

Claire pega a mão de Fiona e diz com urgência: — Acho que


estamos perto.

— Perto de quê? — Pergunto, confusa e alarmada.

Claire ordena: — Kayla, ligue para aquele detetive.

— O quê, agora? Já passa das oito horas!

— Talvez ele trabalhe até tarde. Se não, deixe-lhe uma


mensagem. Você tem um laptop que possa me emprestar?
— Bem, sim, está no meu escritório. Mas...

Sem esperar que eu complete o pensamento, Claire se levanta


e sai correndo da cozinha.

Olhando para ela, digo: — Fiona, o que está acontecendo?

Ela responde calmamente: — Acredito que Claire acha que


estamos à beira de um avanço.

— Avanço?

— Ajudando o espírito.

Olho cautelosamente para o teto e as luzes do teto, que agora


estão piscando continuamente. Em um momento, Claire retorna,
carregando meu laptop. Ela o coloca na mesa na minha frente.

— Oh, — ela diz, puxando algo do bolso de seu cardigã. — Isso


estava em cima da tampa do computador. Achei que poderia ser
significativo.

Ela coloca o objeto na mesa.

É a moeda búfalo tipo D de Michael de 1937. A que encontrei


debaixo da árvore onde o homem de casaco cinza estava olhando
para mim. A que encontrei no painel do meu carro do lado de fora
do apartamento de Aidan.

A que deixei guardada em segurança dentro de uma gaveta.

Perco o fôlego. Meu coração começa a bater. Uma rajada de


vento forte sacode as janelas da cozinha. Então, pelo teto, cai um
pequeno objeto de metal com um estrondo na mesa ao lado da
moeda. Ele gira por um momento antes de parar, a luz brilhando
em sua borda arredondada.

É o meu anel de casamento.


Olho com os olhos arregalados para a moeda e o anel com meu
pulso latejando e um grito preso dentro do meu peito, sabendo que
há algo extremamente significativo aqui que estou perdendo.

Quando olho para Claire, ela diz calmamente: — Ligue para o


detetive.

Sussurro: — Como meu anel caiu do teto?

— Ligue para o detetive, Kayla. Não temos muito tempo.

— O que você quer dizer? O que está acontecendo?

Lá fora, a tempestade está ganhando força. A chuva açoita as


janelas e o telhado. Trovões e relâmpagos crepitam. Parece que a
própria casa fica no centro de um tornado e está prestes a ser
arrancada do chão e lançada no espaço.

Do outro bolso, Claire tira meu celular. Ela deve ter pego na
minha mesa. Ela o empurra para mim, insistindo: — Faça a
ligação!

Em pânico, pego o telefone da mão dela. Atravessando a


cozinha, vasculho a gaveta ao lado do fogão onde guardo todas as
tralhas. Encontro o cartão de visita do detetive e disco seu número
com dedos trêmulos.
Uma mulher atende, seu tom cortante. — Seattle PD8, como
posso ajudá-lo?

— Detetive Roman Peters, por favor.

Há uma pausa, então ela diz: — Você é amiga dele, senhora?

Que pergunta estranha. — O quê? Não. Não, ele me ajudou um


tempo atrás. Meu marido sofreu um acidente, ele me interrogou e
me deu seu cartão. Gostaria de falar com ele, por favor. É urgente.

Olho para cima para ver Claire e Fiona de pé ao lado da mesa


da cozinha, encorajando-me com sorrisos e acenos.

A mulher do outro lado da linha diz: — Desculpe, mas isso é


impossível.

— Por quê?

— Detetive Peters partiu.

Estou em tal estado de agitação que não entendo o que ela


quis dizer. — Partiu? Você quer dizer que ele foi promovido para
outro departamento?

— Não, senhora. Ele morreu. Parada cardíaca súbita. Vou


transferi-la para o ramal do substituto dele, Detetive Brown. Por
favor, espere.

Ouço um clique, depois um breve silêncio. Em seguida, uma


gravação da voz de um homem é reproduzida, instruindo-me a
deixar meu número.

8
Departamento de Polícia;
Desligo, sentindo-me estranhamente entorpecida.

Fiona pergunta: — Bem, o que eles disseram?

— Ele está morto. O detetive Peters está morto. Ele morreu de


ataque cardíaco.

— Quando?

— Ela não disse. Por que isso importa?

Balançando a cabeça com impaciência, Claire abre o laptop e


aperta o botão liga/desliga. Ela abre o navegador de internet e
começa a digitar.

— O que você está fazendo?

— Procurando o escritório do registrador do condado. Podemos


verificar os registros de propriedade deste endereço para descobrir
quem era o dono da casa antes de você. — Ela clica por um minuto,
depois digita em uma barra de pesquisa. Então ela se afasta,
franzindo a testa.

— O que é isso?

— A escritura desta propriedade foi registrada em nome de


outra pessoa?

— Não. Deve estar listada como de Michael e Kayla Reece. —


Aproximo-me e espio por cima do ombro dela. — Quem diabos são
Sandy e David Wainwright? Diz que eles compraram esta casa em
janeiro!

Em algum lugar no andar de cima, outra porta bate. Ouço o


som de pés correndo, depois o riso de uma criança.
Minha respiração fica presa.

Olhando para cima, digo: — Espere. O garotinho. Estamos


esquecendo dele. Se Dante é o fantasma nesta casa... quem é o
garoto? E o homem de casaco e chapéu? Como ele se encaixa em
tudo isso?

Quando olho para Claire e Fiona, elas estão com expressões


idênticas de tristeza, junto com outra emoção que já vi antes. Vi
no rosto de Destiny, a vidente que visitei que me desejou boa
viagem quando eu estava saindo. É inconfundível.

É pena.

Com riava, exijo: — Por que vocês estão me olhando assim?

Claire diz gentilmente: — Está tudo bem, Kayla. Não tenha


medo. Não há nada a temer, minha querida.

— O que isto quer dizer?

— Dê-me o telefone, querida.

— Por quê?

— Vou ligar para a delegacia de novo.

— Para quê?

— Acho que há algo que você deveria saber.

— Como o quê?

— Me dê o telefone.
Um sentimento avassalador de injustiça toma conta de mim.
Dou uma passo para trás. Meu sangue se transforma em gelo.
Todos os pelos dos meus braços se arrepiam e começo a
hiperventilar.

A tempestade lá fora se enfurece.

Claire pega o telefone da minha mão rígida e aperta alguns


botões. Quando a voz familiar de uma mulher enche a sala,
percebo que ela apertou a rediscagem e colocou no viva-voz.

— Seattle PD, como posso ajudá-lo?

— Sim, boa noite, senhora. Você pode me dizer quando o


detetive Peters morreu?

Há uma pausa.

Claire explica: — Minha amiga falou com você há pouco e ficou


tão surpresa com a notícia que esqueceu de perguntar. Ela
gostaria de enviar flores para o funeral, caso ainda não tenha sido
realizado.

— Oh. Entendo. Bem, temo que seja tarde demais para flores.
Já se passaram seis meses desde que ele faleceu, quase no mesmo
dia.

Claire agradece, então desliga. Então ela e Fiona ficam lá


olhando para mim com aquela pena terrível em seus olhos,
esperando.

Como se estivesse de muito longe, ouço minha própria voz. —


Isso é impossível. Ela está errada. Ele me interrogou depois do
acidente. Isso foi há apenas dois meses. Ele sentou-se comigo no
cais e me interrogou!
Claire diz com tristeza: — Não tenho dúvidas de que ele fez
isso.

Minhas mãos começam a tremer. Acho difícil respirar fundo.


Dou mais um passo para trás. Olhando para ela pedindo ajuda,
digo: — Fiona?

Ela diz suavemente: — Você tem que entender, querida, que


existem muito poucas pessoas que podem se comunicar com
espíritos.

Minha voz sobe. — O que você está dizendo? O que isso tem a
ver com alguma coisa?

Ela continua naquele tom calmo e reconfortante, ignorando


meu pânico. — Médiuns, é claro. Alguns videntes também, embora
a maioria deles sejam falsos. Também esquizofrênicos, por razões
que realmente não entendemos, embora provavelmente tenha algo
a ver com a química cerebral alterada deles.

Claire acrescenta: — Gatos também.

— Sim está correto. Os gatos também podem ver fantasmas.


— Ela faz uma pausa. — Assim como algumas crianças
superdotadas.

O som da risada de uma criança flutuando no andar de cima


faz meu coração gaguejar.

Ele fica completamente paralisado quando Claire diz: — E


outros fantasmas também. Embora eles não se reconheçam como
tal.

Olho para frente e para trás entre elas. — Desculpe, o quê?


Uma das lâmpadas da luminária fluorescente explode. Outra
segue imediatamente depois, enchendo a sala com um estalo
agudo de vidro se estilhaçando e o cheiro acre de fiação queimada.
Uma rajada de vento frio assobia pela chaminé em um lamento
agudo que soa assustadoramente como um grito de banshee.

Uma linha da última carta de Dante surge em minha mente:

Você é a tempestade. Você é a fonte de tudo o que está


acontecendo.

Então me lembro de algo que Fiona me disse no dia em que


entrou e disparou o alarme:

— “Um espírito é energia se manifestando. Semelhante a uma


tempestade elétrica que ganha força até que ela descarregue um
relâmpago. Quando um espírito está perturbado, essa emoção –
essa energia – é transformada em um resultado físico. Daí seus
armários e gavetas abertos”.

E uma outra coisa que não comecei a compreender até agora:

— Eu diria que o espírito que vive nesta casa está muito furioso.

A maneira como ela olhou para mim quando disse isso, era
quase como se...

Como se ela estivesse falando de mim.

Como um exército de aranhas, o horror frio rasteja sobre


minha pele. Sussurro com a voz rouca: — Não.

Fiona diz baixinho: — Sim, minha querida. Temo que sim.


Com a força explosiva de uma bomba, cem memórias
diferentes detonam na minha cabeça de uma só vez.

Como Fiona ficou chocada quando me viu no dia seguinte ao


funeral de Michael. Como ela perguntou naquele tom peculiar: —
Então você vai ficar na casa?

Como todas as pessoas do grupo de luto ignoraram Madison,


a mulher cujo filho foi sequestrado anos atrás. Como ela se sentava
sozinha no círculo, como se fosse invisível para todos, exceto para
mim.

Como Eddie, o faz-tudo que se vestia de hippie, não tinha


celular e achava que David Letterman era apenas um terapeuta.
Como, quando fui encontrá-lo, aquele terapeuta não existia.

Como todos os carpinteiros para quem liguei nunca ligaram


de volta.

Como a câmera de segurança só gravava estática quando eu


saía para o quintal.

Como Destiny, a vidente, disse tristemente: — Vou orar por


você.

Como quando toquei a campainha, sua mãe abriu a porta,


olhou em volta e depois a fechou, como se não houvesse ninguém
ali.

A carta da Morte. Os Amantes. O Mago invertido, indicando


que eu precisava abandonar minhas ilusões.

O Dez de Espadas ereto que insinuava feridas profundas,


finais dolorosos…
Traição.

Fiona dizendo: — “A realidade é simplesmente o que


acreditamos que seja. Cada um de nós cria nossas próprias
verdades, até mesmo fantasmas”.

Como, quando Claire chegou pela primeira vez esta noite, ela
se referiu ao espírito que entrou em contato como “ela” antes de se
corrigir.

Tremendo tanto que mal consigo ficar de pé, sussurro: — Se


você der luz às pessoas, elas encontrarão seu próprio caminho.

Quando encontro o olhar de Fiona, seus olhos estão brilhando


com lágrimas.

Soluço, então coloco a mão na minha boca para abafá-lo. Pego


o telefone de Claire, corro de volta para a gaveta de lixo, e puxo as
coisas, freneticamente jogando canetas, post-its, menus para
viagem e baterias no chão até encontrar o que estou procurando.

O cartão de visita do Eddie, o faz-tudo.

Eu não tinha notado antes, mas o cartão está frágil e


amarelado com o tempo, a tinta descascando em alguns lugares.
Parece que foi impresso décadas atrás.

O que provavelmente foi.

Com o som da tempestade do lado de fora quase me


ensurdecendo, disco o número dele.

O telefone toca duas vezes antes de um homem atender. —


Faz-tudo local, três gerações forte. Como posso ajudá-lo?
Agarrando o telefone em minhas mãos trêmulas, pergunto: —
Eddie está aí, por favor?

Seu curto silêncio parece surpreso. — Oh não. Este é Marcos.


Como posso ajudá-la?

— Por favor, eu realmente preciso falar com Eddie. Você pode


colocá-lo ao telefone? Ele está por perto?

Depois de outra pausa, o homem do outro lado da linha diz:


— Isso é uma piada ou algo assim?

Grito: — Basta colocá-lo no telefone!

Ele suspira pesadamente. — Olha, senhora. Normalmente não


atendo tão tarde, mas os negócios estão fracos, então atendi. Você
fez com que eu me arrependesse. Tenha uma boa noite.

— Por favor! — Imploro, desesperada. — Tenho que falar com


Eddie! Tenho que falar com ele agora!

Ele retruca: — Sim, bem, isso vai ser meio difícil, senhora,
porque meu avô morreu em 1974.

Toda a respiração deixa meus pulmões. Um soluço fica preso


na minha garganta. Mais duas lâmpadas fluorescentes no teto
explodem com um estalo.

— Kayla.

Quando me viro em pânico, Fiona está estendendo um dos


envelopes de Dante para mim.

— Leia o nome no endereço do remetente, — ela diz


gentilmente.
Hiper ventilando, arranco-o de sua mão. — Dante Alighieri, —
choro, balançando minha cabeça. — Seu nome é Dante Alighieri!
E daí?

— Não olhe apenas para isso... veja.

Quando volto meu olhar para o canto superior esquerdo do


envelope, todas as letras no endereço do remetente estão se
movendo, trocando de lugar umas com as outras e lentamente se
reorganizando em outra coisa.

Pisco rapidamente, tentando clarear minha visão. Isso não


ajuda. As letras se movem para os lados, sobrepondo-se e
endireitando-se em outro nome.

Um nome que rasga um buraco direto no tecido do meu


coração.

Aidan Leighrite.

Dante Alighieri é um anagrama para Aidan Leighrite.

Em minha mente surge uma imagem da citação de Thoreau


emoldurada na parede da sala de Destiny: — Não é o que você olha,
é o que você vê.

Estive cega. Recusando-me a reconhecer a verdade.

Olhando para tudo, mas não vendo nada.

Lágrimas escorrem pelo meu rosto, deixo cair o envelope e


corro da cozinha. Disparo pela porta do escritório de Michael e caio
soluçando em sua mesa.
Pego o jornal com a foto de Michael na frente. Com as mãos
trêmulas, desdobro tudo. Quando vejo o resto da manchete que
estava obscurecida, meu coração para de bater.

A manchete não é Homem local se afoga, como apareceu


quando dobrada.

O título completo é Homem local afoga a esposa.

Do outro lado do vinco, minha foto me encara.

Vejo-me de pé no túmulo de Michael no dia do funeral, ouvindo


uma mulher soluçar meu nome, e percebo com a sensação do chão
desaparecendo sob meus pés que o nome na lápide não era do meu
marido.

Era meu.

Tudo volta com pressa. Uma porta de ferro trancada dentro da


minha mente se abre, e um oceano de memórias negras e geladas
inunda.

Eu grito.

As janelas explodem para fora em um milhão de cacos de vidro


afiados e brilhantes que são instantaneamente sugados pela
tempestade e levados para a noite chuvosa. Um violento
redemoinho arranca o jornal da minha mão e o faz voar
loucamente pela sala, rasgado.

Fiona e Claire estão na porta do escritório. Uma pequena


figura descalça de pijama azul se encolhe atrás delas aterrorizada,
espiando por entre as pernas de Fiona.

É o garotinho loiro que eu via no gramado.


O garoto que deu uma olhada em mim e gritou de puro terror.

O menino que mora aqui com os pais, Sandy e David


Wainwright, que compraram esta casa um mês depois que meu
marido acabou com minha vida.

Michael não morreu.

Aidan morreu.

Michael o matou.

Pouco antes de ele me matar.


Mesmo na sepultura, nem tudo está perdido.

~Edgar Allen Poe


Fiona

Quando eu disse a Kayla que fantasmas são simplesmente


almas com uma história para contar, era a verdade. Mas a coisa
sobre fantasmas é que eles são narradores não confiáveis.
Especialmente quando eles estão contando uma história para si
mesmos.

Descobrir que você está morto é um negócio complicado.

Um grito vem detrás de mim. Viro-me para encontrar Sandy


correndo pelo corredor em nossa direção em alta velocidade, com
os olhos arregalados e o rosto branco. Agarrando-se à minha
perna, Bennett começa a chorar quando vê sua mãe.

Ela o pega nos braços, o abraça com força contra o peito e olha
horrorizada para a sala. Sobre o rugido do vento, ela grita: — Ele
escapou da cama. Meu Deus, o que está acontecendo?

— Leve-o de volta para cima! — grita Claire.

Papeis voam, levantados pelo vendaval, torcendo-se como


pássaros quebrados em voo. As cortinas ao lado das janelas
quebradas batem e ondulam. Fotografias emolduradas arrancam-
se das paredes e batem no chão. Livros saem da estante como se
fossem disparados de uma arma. Um show de luzes irrompe das
lâmpadas explodindo no teto e nas lâmpadas, banhando a sala
com um jato de faíscas brancas brilhantes.

É um concurso de som e fúria. O caos visível quando um


coração invisível se parte.

— Eu sei, pobre querida, — murmuro, observando a loucura.


— Eu sinto muito.

O local onde Kayla estava há poucos momentos agora está


vazio.

Sandy corre de volta por onde veio, correndo pelo corredor com
Bennett em seus braços. Eles vão voltar para David no andar de
cima e esperar que Claire e eu os avisemos se o espírito de Kayla
Reece finalmente deixou sua casa.

Eles podem ter que esperar um pouco, no entanto.

Ainda há mais da história para contar.


Aidan

Eu sabia quase desde o início que Kayla era para mim. Esses
olhos, sabe? Tão bonito, mas tão tristes.

Levaria um tempo para descobrir por que ela estava tão triste.
Até então, eu tinha contado a ela sobre meu pai, sobre como ele
era abusivo. Sobre o que eu fiz para proteger minha mãe de suas
raivas violentas.

Sobre como passei um tempo na prisão por isso.

O juiz foi indulgente porque eu era menor de idade. O


depoimento de minha mãe também ajudou, assim como todas as
outras testemunhas que a defesa chamou para provar que
estávamos vivendo no inferno com aquele homem.

Mas ainda. Fatos são fatos. Eu era um criminoso condenado.


Não é bonito quando você diz isso em voz alta.

A coisa incrível? Kayla nunca me julgou por isso. Ela nunca


olhou para mim de forma diferente. Ela não deixou isso ficar entre
nós, quando ela tinha todos os motivos para dizer “Cai fora” e ir
embora.
Ela já tinha passado por tanta coisa. Ela não precisava de toda
a minha merda em cima disso.

Dizem que o marido dela era um gênio. Brilhante, como se isso


compensasse alguma coisa. Como se fosse uma explicação e uma
desculpa ao mesmo tempo. Ele era um grande professor de
matemática na universidade, cérebro como um supercomputador.

Um supercomputador com uma falha significativa.

Na verdade, duas. Esquizofrenia paranoica sendo a principal,


e um ego gigante sendo a outra.

Você sabe o que acontece quando você está doente, mas é


narcisista demais para admitir?

Você não toma seus remédios, é isso.

Sim. Então a merda estoura.

Então você começa a fazer coisas que normalmente não faria


se mantivesse sua merda sob controle. Digamos, por exemplo,
levar uma marreta a todas as televisões da casa porque você está
convencido de que o governo está espionando você por trás das
telas. Ou talvez escrever a mesma equação quadrática repetidas
vezes em um caderno e dizer à sua esposa que é a linguagem de
Deus que o ímã de geladeira, que na verdade é um anjo disfarçado,
está ditando para você. Ou, possivelmente, do lado de fora da
mercearia local gritando com todos que entram lá que os brócolis
eram alienígenas escondidos entre nós e estão planejando dominar
o planeta.

Michael e Kayla se casaram jovens. Antes que sua doença


piorasse. Antes das explosões. Antes das internações. Antes que
todo o dinheiro começasse a ser gasto com seus tratamentos.
Antes que ele a chutasse com tanta força no estômago, que
causou o aborto do seu bebê.

Ele pensou que ela havia engravidado do brócolis alienígena.


Ele pensou que a estava salvando.

Chorei quando ela me disse isso. Desabei e chorei porque era


tão trágico.

Então ela me contou sobre como ele a estava seguindo desde


a separação, e aquelas lágrimas secaram muito rápido.

Eu queria que ela conseguisse uma ordem de restrição, mas


Kayla disse que, além do chute mencionado acima – que, por
razões óbvias, acabou com o casamento deles – Michael só tinha
sido violento com ela uma vez, muitos anos atrás. Foi um dia antes
do casamento deles. Ele perdeu a cabeça sobre alguma coisa
menor e agarrou-a pelo braço. Ele se desculpou, mas isso a abalou.

Olhando para trás, ela disse, esse foi o primeiro sinal de que
algo em seu cérebro estava mudando. A pista inicial de que tudo
acabaria dando terrivelmente errado.

Eu não o culparia. Se ele estivesse em dia com seus remédios,


eu realmente não culparia. A doença mental não é algo que você
faz a si mesmo. Não é uma escolha. Seu cérebro é sabotado por
produtos químicos que estão além do seu controle.

O que está sob seu controle, no entanto, é sua resposta à


sabotagem.

Ele estava orgulhoso demais para continuar com seu plano de


tratamento. Ele pensou que poderia lidar com sua doença sozinho.
Em sua arrogância, ele achava que a força de vontade por si só era
forte o suficiente para ganhar a biologia.
Ele estava errado.

Kayla pagou o preço por essa arrogância. Nós dois pagamos.

Mas, como eu disse a ela na minha carta, é um preço que eu


pagaria com prazer um milhão de vezes. Mesmo se eu tivesse que
fazer isso todos os dias até o fim da eternidade, eu cortaria minhas
próprias veias com uma lâmina de barbear e felizmente sangraria
até secar.

Não havia nenhuma maneira de viver sem ela.

Então, morrer por ela era a única escolha.

Meu erro foi pensar que meu sangue por si só satisfaria o


monstro dentro da cabeça de seu marido.

Infelizmente, ele era mais sanguinário do que eu imaginava.


Kayla
Quatro meses atrás

Enquanto me sento à mesa da cozinha olhando para o meu


anel de casamento na palma da minha mão, vasculho todas as
memórias do meu casamento com Michael, boas e ruins, até
perceber que a razão pela qual eu não tirei este anel antes, agora
é muito simples.

Tenho honrado os mortos.

Meu filho morto.

Meu casamento morto.

Minhas esperanças mortas para o futuro que incluía os dois.

Todas as coisas que uma vez eu tinha, se foram. Agora, a única


maneira que consigo pensar para seguir em frente é fazer o que os
humanos fazem quando lamentam o que não está mais vivo.

Fazer um funeral.

Subo as escadas para o quarto principal e encontro uma caixa


de sapatos vazia no armário. Nela, coloquei nossa certidão de
casamento, minha aliança de casamento e a ultrassonografia em
preto e branco do bebê da minha primeira consulta de ultrassom,
junto com algumas outras lembranças.

Então saio para o quintal com uma pá que peguei no galpão e


cavo um buraco ao lado da pérgula coberta de trepadeiras sob a
qual contei a Michael que estava grávida.

Quando o buraco está fundo o suficiente, coloco a caixa de


sapatos. Eu a cubro com terra, de vez em quando enxugando as
lágrimas dos meus olhos com as costas de uma mão.

Meu casamento acabou há algum tempo, mas ainda dói. Eu


sei que sempre doeria.

A dor é o preço do amor. E quanto mais profundo for o seu


amor, também é a dor. Você nunca pode ter um sem o outro.

Sento-me sobre os calcanhares, minha garganta engasgada de


emoção. Para o pequeno monte de terra remexida na minha frente,
digo: — Eu amei vocês dois com todo o meu coração. Espero que
você possa me perdoar por todas as maneiras pelas quais falhei
com vocês.

Penso por um minuto, mas não há mais nada a dizer. Então


faço o sinal da cruz sobre o peito e volto para casa para me trocar.

Se meu passado está morto e enterrado, meu futuro ainda


espera.
Ele demora um pouco para abrir a porta depois que bato. Está
tarde, e ele não está me esperando. Estou no degrau com meu
coração batendo fora do meu peito e todos os meus nervos em
chamas de desejo até que ouço seus passos se aproximando. A
maçaneta gira, então lá está ele.

Embora tenham se passado algumas semanas e nosso último


encontro no restaurante Harbour House não tenha terminado
bem, Aidan olha para mim como sempre: como se eu fosse o
primeiro nascer do sol que ele viu em toda a sua vida.

Minha voz falha quando digo: — Você me disse para ligar para
você quando tivesse clareza. Pensei em bater em vez disso.

Ele olha para o meu dedo anelar nu. — Obrigado porra, — diz
ele fracamente, exalando. — Não consigo respirar sem você,
coelhinha.

Ele me agarra em um abraço de urso e me aperta com tanta


força que eu também não consigo respirar.

Então estamos nos beijando. Beijos quentes e desesperados


enquanto ele me arrasta pela porta e para dentro de seu
apartamento. Ele chuta a porta atrás de nós e me abraça
novamente, pressionando o rosto contra o meu pescoço.

Ele me abraça, seus braços trêmulos, e sou grata por tudo que
me trouxe até este momento, porque eu nunca encontrei nada
melhor do que isso.

Sussurro em seu ouvido: — Obrigada.

— Pelo quê?
— Por me dar o espaço que eu precisava, mesmo que eu não
quisesse. Mas se você tentar me dar mais, vou chutar sua bunda.

Sua risada é baixa e sem fôlego. Ele se afasta e olha para mim
com olhos brilhantes.

— Que tal se eu lhe der outra coisa que você precisa?

Levanto minhas sobrancelhas e digo timidamente: — Depende


do que é.

Seu sorriso se torna lupino, e sua voz se torna sombria. — Ah,


acho que você sabe o que é, coelhinha.

Ele se abaixa, pega-me e joga por cima do ombro, depois me


carrega pelo corredor até seu quarto, rindo enquanto eu
debilmente bato meus punhos em sua bunda musculosa. Ele se
ajoelha no colchão e nos leva para a cama.

Tremo e estremeço. — Ai.

— O que há de errado?

— Tem alguma coisa debaixo das minhas costas.

Aidan se levanta para me permitir rolar para o lado. De


debaixo de mim, ele puxa um livro.

— Desculpe. Eu estava lendo.

Ele joga o livro de lado e me beija de novo, mas estou muito


curiosa para deixar isso passar tão facilmente. — O que você
estava lendo?

— A Divina Comédia.
Ele tenta pegar minha boca, mas não consegue porque ainda
estou falando. — O que é a Divina Comédia? Isso parece
interessante.

Parando para olhar para mim com desaprovação, ele diz


secamente: — Nós estamos tendo uma reunião do clube do livro
agora?

Eu sorrio e brinco com uma mecha de seu cabelo escuro. —


Temos todo o tempo do mundo para fazer as outras coisas, Sr.
Leão. Além disso, estou curiosa sobre o seu gosto pela literatura.

— Aparentemente, meu gosto por literatura é tão estranho


quanto meu gosto por mulheres. Não nos vemos há semanas, você
está na minha cama e está me enrolando para entrar em você. O
que está errado com esta situação?

Dou-lhe um beijo nos lábios, depois estendo a mão e pego o


livro que ele jogou de lado. É uma capa dura preta, sem a
sobrecapa. O título e o nome do autor são gravados em ouro na
lombada.

A Divina Comédia de Dante Alighieri.

Digo: — Isso parece um nome inventado.

Aidan zomba. — Ele é apenas o maior poeta de todos os


tempos.

— Então como é que eu nunca ouvi falar dele?

— Talvez você não seja tão inteligente quanto pensa.

Faço uma cara azeda. Ele sorri.


Quando pergunto: — Então, sobre o que é essa Divina
Comédia? — ele suspira e rola de cima de mim, deitando de costas.

— É um poema épico sobre a jornada de um homem pelo


inferno.

Eu rio. — Parece a leitura leve perfeita para antes de dormir.

Ele olha para mim com olhos sorridentes, embora seu rosto
esteja tentando parecer severo. Ele quer que eu pense que está
desapontado por eu não estar nua ainda, mas sei que ele está feliz
só por me ter aqui.

Que faz de nós dois.

Levanto em um cotovelo e descanso o livro em seu estômago.


— Então me conte a história. Como está indo? Por que é chamado
de comédia se é sobre o inferno? E por que o sobrenome do autor
tem tantos Is nele? É falso, certo?

Tentando abafar uma risada, ele estende a mão e coloca uma


mecha de cabelo atrás da minha orelha. — Eu nunca percebi o
quão estranha você é antes de agora.

Bato levemente no peito dele com os nós dos dedos. — Como


se você fosse tão normal. Diga-me.

Com um suspiro exagerado, ele me puxa, deslizando um braço


sob meu pescoço e me aconchegando ao seu lado. Eu me
aconchego, fecho meus olhos e respiro seu cheiro quente de cedro,
almíscar e fumaça de madeira.

A felicidade brilha dentro de mim, leve e arejada como bolhas


de sabão.
— Dante foi um poeta e estudioso italiano que nasceu no
século XIII.

— Não é à toa que eu nunca ouvi falar dele!

Ignorando isso, Aidan continua. — A história é sobre a jornada


simbólica de sua alma pelos três reinos dos mortos: inferno,
purgatório e céu. Ele é acompanhado por três guias espirituais ao
longo do caminho que o ajudam a entender o que está
acontecendo. No final, ele entra no céu, obtém o conhecimento do
que Deus realmente é e alcança a salvação eterna.

Depois de um momento, digo: — E você está lendo na cama


em uma noite de sábado?

— É considerada uma das maiores obras de literatura do


mundo.

— Por favor, responda a minha pergunta anterior.

Rindo, ele beija minha testa. — Nem todos nós tivemos


educação universitária sofisticada. Fiz um esforço contínuo para
tentar recuperar o tempo perdido.

Abro os olhos e olho para ele. Ele olha para mim com um
sorriso suave. Sei que ele está falando sobre o tempo que passou
na prisão pelo que fez com seu pai, mas ainda não discutimos isso,
então hesito em pedir detalhes. Como, por exemplo, quanto tempo
ele ficou lá.

Acariciando suavemente meu cabelo, ele murmura: — Sete


anos.

Droga. O homem sempre pode ler minha mente.


Sussurro: — Foi horrível?

Ele concorda.

Minha garganta fecha, mas consigo dizer: — Desculpe.

— Está no passado. Isso é o que importa agora.

Ele me dá um aperto e um sorriso tão terno que poderia partir


meu coração em dois. Segurando as lágrimas, fecho meus olhos e
pressiono minha bochecha contra seu peito.

Sentindo que estou prestes a me emocionar demais, ele tem


misericórdia de mim e muda de assunto.

— O que realmente me impressiona sobre Dante – além de seu


trabalho – é que seu nome é um anagrama para o meu.

— Anagrama significa o quê? Como se soasse semelhante?

Depois de uma pausa, ele diz: — Você realmente não foi para
a faculdade, foi?

Bato no peito dele novamente. Ele ri e diz: — Um anagrama é


uma palavra formada usando todas as letras de outra palavra.
Como 'pedra' e 'padre'. Você mistura todas as letras e elas formam
outra coisa.

Penso sobre isso por um momento. — Ok, isso é estranho.

— O que há de estranho nisso?

— Seu nome e os nomes de alguns caras italianos famosos do


século XIII são os mesmos.

— Eles não são nada iguais.


— Sim, eles são, se você misturar todas as letras!

Ele se dissolve em gargalhadas. — Porra, eu senti sua falta.

— Ainda bem que eu te divirto, Clube da Luta.

Ele tira o livro da barriga e o coloca de lado na cama, então


rola em cima de mim, apoiando-se em seus antebraços.
Embalando minha cabeça em suas mãos e olhando nos meus
olhos, ele murmura: — Mas meu desejo e minha vontade já
estavam sendo girados como uma roda, tudo em uma velocidade,
pelo Amor que move o sol e as outras estrelas.

Quando ele não acrescenta mais e apenas fica lá me


encarando com intensidade, eu digo: — Hum... ok?

Ele deixa cair à testa no meu ombro e ri de novo, mais forte


desta vez, seu corpo inteiro tremendo com isso.

Resmungo: — Eu não consigo entender o que é tão hilário


aqui.

— É a última linha do canto final do poema, onde Dante


ascende ao céu e é envolto na luz divina e no amor de Deus. É
provavelmente a linha de poesia mais famosa da história.

— Pfff. Não, o verso mais famoso da história é 'Eu não gosto


de ovos verdes e presunto, não gosto deles, Sam-I-Am9'. Esse é o
Dr. Seuss, caso sua leitura não tenha progredido tão longe.

Ele levanta a cabeça e olha para mim, seus olhos cheios de


adoração e seu sorriso ofuscante.

9
Verso da música Green Eggs & Ham;
Sorrindo de volta para ele, digo: — Então é isso que é o céu,
hein? Rodas e estrelas girando?

— Foi para Dante de qualquer maneira.

— O que você acha que é o céu?

Seu sorriso desaparece. Sua energia muda lentamente de claro


para escuro, assim como seu olhar. Olhando no fundo dos meus
olhos, ele diz baixinho: — Você.

Esse é o momento em que finalmente deixo de lado meu


passado e meus medos e me apaixono – pulo – me afogo – por ele.

Envolvo meus braços ao redor de seu pescoço e coloco tudo


em um beijo.

Porque ele é Aidan, ele me devolve mil vezes.

A partir daquela noite, somos inseparáveis. Passamos todos os


momentos acordados e dormindo juntos. Os próximos meses são
do que são feitos os sonhos, um conto de fadas tornado realidade.

Então chega a véspera de Ano Novo.

E com isso, o fim.


Kayla
Véspera de Ano Novo

À luz das velas, o rosto de Aidan é tão bonito quanto o de um


anjo.

— Como você é tão bonito? — Murmuro, traçando um dedo


pelo ângulo de sua bochecha, em seguida, para baixo em sua
mandíbula. Sua barba escura está macia e elástica sob a ponta do
meu dedo.

Estamos deitados na cama na minha casa, um de frente para


o outro, os comprimentos de nossos corpos nus alinhados do peito
às coxas. Meus pés estão dobrados entre suas panturrilhas. Um
de seus bíceps embala minha cabeça. Ele está usando o outro
braço para me manter amarrada contra ele.

Olhando para mim com olhos suaves, ele diz: — Não sou. Você
está apenas bêbada com o brilho.

Minha risada é baixa e gutural. — Isso é como bêbada demais


para pensar, mas com sexo?

— Exatamente. Seu orgasmo deixou sua visão embaçada. Na


realidade, pareço um javali.
Sorrindo, beijo a ponta de seu nariz. — Você realmente tem
uma semelhança impressionante com um javali. Tenho tentado
poupar seus sentimentos por não trazer isso à tona.

Acariciando meu pescoço, ele sussurra: — Falando em trazer


as coisas à tona...

Ele flexiona seus quadris, pressionando sua ereção contra


minha coxa.

Eu rio de novo, sentindo-me alta e imprudente, como se


estivesse no topo de um penhasco alto, prestes a cair sobre a
borda. — Você nunca ouviu falar do período refratário?

— Eu ouvi, mas meu pau não.

— Claramente.

Ele arqueia uma sobrancelha. — Você está reclamando?

Isso me faz sorrir. — Não, senhor. Eu amo isso.

Ele rola em cima de mim. Abaixando a cabeça, ele me beija


suavemente, murmurando contra meus lábios: — Diga isso de
novo, coelha.

— A parte do senhor ou a parte do amor?

— Ambos. — Seus olhos escurecem e sua voz cai. — Mas deixe


de fora o 'não' e o 'isso'.

Tenho que pensar sobre isso por um momento. Quando


entendo o que ele quer que eu diga, minhas bochechas esquentam.

Mas dou a ele o que ele quer. Sem reservas e sem


arrependimentos, do jeito que ele precisa.
Olhando em seus olhos, meu rosto quente e meu coração
batendo forte, sussurro: — Eu o amo, senhor.

Ele umedece os lábios. Sua respiração fica irregular. Pesado e


quente em cima de mim, ele parece como a âncora que me manterá
firme e o porto que me manterá segura, não importa quão forte
seja a tempestade.

Esfregando o polegar lentamente para frente e para trás sobre


a inclinação da minha bochecha, ele diz com uma voz rouca: — E
eu amo minha doce coelhinha, que me fez grato por todos os dias
que passei pelo inferno, porque aquele caminho escuro acabou
levando a ela.

Respiro um soluço suave, mas ele o silencia enquanto me


beija.

Acho que ele vai empurrar dentro de mim, mas ele rola de
costas em vez disso, me levando junto, então estou deitada em
cima dele. Segurando meu cabelo para trás do meu rosto, ele diz
casualmente: — Deve haver fogos de artifício à meia-noite esta
noite.

— Uau.

— O quê?

— Fale sobre uma sequência decepcionante. Eu pensei que


você estava prestes a fazer amor comigo de novo.

Ele ri. — Eu estava, mas então tive a ideia genial de levar o


barco para que houvesse fogos de artifício explodindo na próxima
vez que eu fizesse você gozar.
— Ah. Sim, essa seria uma maneira memorável de comemorar
o ano novo.

Sorrimos um para o outro. Ele diz: — Comprei chocolate e


champanhe. Apenas no caso de você estar disposta a isso.

— Em que universo eu não aceitaria você me dando


champanhe e chocolate sob um céu cheio de fogos de artifício
depois de me dar um orgasmo alucinante?

— Ah, então estou te alimentando agora também? — Ele revira


os olhos fingindo desânimo. — Tenho que fazer todo o trabalho por
aqui.

Pressiono um beijo em seus lábios e sussurro: — Pobre bebê.

Ele me joga de costas e rosna: — Cuidado. Os javalis comem


coelhos no jantar. — Então ele belisca meu pescoço e me faz
cócegas, fazendo-me gritar.

Rindo, ele se levanta. Assisto, sorrindo, enquanto ele entra no


armário. Ele aparece vestido logo depois.

— Mexa-se com esse doce traseiro, — diz ele, lançando-me um


sorriso malicioso enquanto sai do quarto. — Te encontro lá
embaixo.

Eu saio da cama e me visto o mais rápido que posso, vestindo


jeans e um suéter grosso sobre uma blusa de manga comprida.
Não está chovendo esta noite, mas com a temperatura na casa dos
dez, estará frio na água. Enfio meus pés em um par de botas e
desço as escadas, sorrindo.

É estranho como a alegria leve faz seu corpo se sentir. Se eu


me concentrasse, aposto que poderia flutuar no chão.
Encontro Aidan na cozinha carregando champanhe,
chocolates e um par de taças em uma cesta de piquenique. Eu
provoco: — Olhe para você, tão doméstico.

— Acho que a palavra que você está procurando é romântico.

Vou atrás dele e envolvo meus braços em volta de sua cintura.


Descansando minha bochecha contra suas costas largas,
murmuro: — Na verdade, a palavra que estou procurando é
incrível. Não, maravilhoso. Não, também não é isso. Hum…

— Glorioso, — ele fornece, virando-se para me abraçar. — Vou


aceitar espetacular também.

— Sim, aposto que você aceitaria.

Ele me beija, embalando meu rosto em suas mãos. É um beijo


doce, mas rapidamente se torna aquecido. Saio de seus braços,
rindo.

— Ok, Clube da Luta, vamos colocar esse show na estrada ou


nunca sairemos da cozinha.

— Tão mandona, — diz ele, balançando a cabeça. Ele está


tentando franzir a testa, mas não está conseguindo.

— Vou pegar alguns cobertores. Encontro você na porta dos


fundos.

Deixo-o na cozinha e procuro no armário de roupa de cama do


quarto de hóspedes as mantas guardadas em uma pilha.
Escolhendo duas grossas e macias, enrolo uma em meus ombros
e carrego a outra até onde Aidan está esperando na porta com a
cesta de vime na mão.
Quando coloco o cobertor em seus ombros, ele faz uma careta.
— Você percebe que os javalis não ficam com frio, certo? Somos
muito duros para isso.

Aceno para ele de lado. — Fique quieto, machão. Você vai me


agradecer quando estivermos na água.

Atravessamos o gramado e descemos até a praia rochosa em


direção ao Eurídice amarrado no final do cais. O ar está fresco e
frio. Cheira fortemente a seiva de pinheiro, casca molhada e
musgo. Acima de nós, o céu está uma tigela de safira profunda
salpicada de estrelas. Está quieto e silencioso, exceto pelos grilos
que nos fazem serenata com sua música noturna. Aidan agarra
minha mão e a aperta, olhando para baixo para sorrir para mim.

Se existe um céu, espero que seja exatamente assim.

Aidan me ajuda a subir na popa do barco e me entrega a cesta


de piquenique. Ele salta sobre a borda do casco e desamarra as
cordas das presilhas do lado enquanto subo as escadas estreitas
até a ponte. Acima dos decks principal e inferior, oferece uma visão
plena da água.

O luar brilha nas ondas escuras e ondulantes. O som está


calmo esta noite e os céus estão claros, o que proporcionará uma
vista espetacular dos fogos de artifício.

Ligo o soprador por um minuto para limpar a fumaça do


compartimento do motor, depois ligo as baterias e ligo os motores.
Depois de verificar os medidores para ter certeza de que estamos
prontos, chamo Aidan: — Você está pronto?

Ele não responde.

Caminhando até as escadas, chamo mais alto: — Aidan?


Ainda sem resposta. Ele não deve ser capaz de me ouvir sobre
os motores.

Como as escadas são muito íngremes, descer os degraus é um


pouco mais difícil do que subir. Eu tenho que descer com cuidado,
olhando para dentro e segurando as grades de metal de cada lado.
Quando meus pés finalmente tocam o convés, viro-me, esperando
ver Aidan na área de assentos na popa.

Ele não está lá. A cesta de piquenique está sozinha na mesa.

Franzindo a testa, olho para dentro da cabine principal... e


congelo de horror.

Aidan está rígido em um lado da cabine, olhando para o


homem parado à sua frente, a cerca de um metro e oitenta de
distância.

É Michael.

Usando o mesmo casaco cinza e chapéu que eu o vi em várias


vezes nos últimos meses, quando o vi me seguindo, ele está magro
e desleixado, com bochechas encovadas e sombras escuras sob
seus olhos selvagens.

Seus braços estão pendurados ao seu lado.

Em uma mão trêmula, ele segura uma pistola prateada.

Puxo uma respiração. Meu batimento cardíaco bate em


disparada. Um tremor frio me percorre, gelando-me até os ossos.

Minha voz alta com o estresse, digo: — Michael, o que você


está fazendo?
Com os olhos revirando, ele responde em um sussurro
abafado: — Ele está com o governo, Kayla. Ele está com a CIA. Ele
quer informações minhas. Ele quer minhas equações.

Apavorada, engulo e olho para Aidan. Ele fica perfeitamente


parado, todos os músculos de seu corpo tensos.

Minha mente é um animal raivoso, arranhando garras afiadas


no interior do meu crânio.

Onde ele conseguiu uma arma? Ele sabe atirar? Está mesmo
carregada? Ele parece um sem-teto – onde ele está morando? Oh,
Deus, ele tem dormido no barco?

Embora eu esteja em pânico e desesperada, tento manter


minha voz o mais calma e reconfortante que posso. — Não,
Michael. Ele não está com a CIA.

A saliva voa de seus lábios quando ele grita: — Ele está com a
CIA! Ele está tentando roubar minhas equações!

Ele levanta o braço e aponta a arma para o peito de Aidan.

Estou com tanto medo que acho que vou desmaiar.

Aidan permanece perfeitamente imóvel, seu rosto impassível e


sua respiração superficial. Vejo rodas girando atrás de seus olhos
e fico apavorada com o que pode acontecer a seguir.

Engolindo um soluço, levanto as mãos e começo a implorar. —


Não, por favor, me escute. Ele não está com o governo. Eu prometo
a você, ele não está. Ele está na área de construção, ok? Ele é meu
amigo.
Michael lambe os lábios rachados. Ele muda seu peso
incansavelmente de um pé para outro. Essa mão segurando a
pistola está tremendo agora.

Então ele corta seu olhar selvagem na minha direção.

— Ele é... ele é seu amigo?

Percebo meu erro quando Michael vira a arma para mim.


Recuo um passo, um grito preso na minha garganta.

Aidan diz com firmeza: — Não. Nós não somos amigos.

— Ela acabou de dizer que você era!

— Eu estava mentindo para ela.

Michael olha para trás e para frente entre nós, então empurra
a arma na direção de Aidan.

— Mentindo?

— Para que eu pudesse chegar perto dela. E pudesse pegar


suas equações.

Aidan olha para mim. O que vejo em seus olhos me faz querer
gritar, é tão estúpido. Tão estúpido e imprudente e tão fodido como
ele, o tolo abnegado.

Não, Deus, não, isso não está acontecendo, isso não pode estar
acontecendo.

Ele olha para Michael e diz calmamente: — Deixe-a ir. Você e


eu podemos conversar melhor se ela não estiver aqui.

— Não, Aidan, eu não vou...


— Fique quieta, Kayla.

— Eu não vou sair deste barco!

— Você vai. Agora mesmo. Faça isso.

O olhar selvagem de Michael vai e volta entre nós. Em seus


olhos, não vejo nada do homem com quem fui casada. A psicose o
engoliu inteiro.

Meu pulso é um rugido de trovão em meus ouvidos.

Como posso distraí-lo? Com o que posso bater nele? O extintor!


Está bem ali!

Ao me ver em pânico, Michael de repente grita: — Você


também está com a CIA!

— Ela só está com medo, — diz Aidan. — Você está apontando


uma arma para ela. Qualquer um ficaria com medo.

Ofegante, Michael sussurra: — Você não está com medo.

— Isso é por causa do meu treinamento na CIA. Kayla, saia


desse barco.

Porra, Aidan, não! Não! Pare com isso!

Lágrimas escorrem pelo meu rosto. Minha visão está


embaçada por elas. Minha respiração está difícil. Dou um passo
hesitante para trás, depois outro, a histeria me agarrando com
uma mão fria e esmagadora.

Posso ligar para o 9-1-1. Se eu conseguir chegar a casa e Aidan


conseguir manter Michael falando, posso chamar a polícia e trazê-
los aqui antes que algo terrível aconteça.
Paro quando Michael diz num sussurro: — Não. Ela também
está na CIA. Vejo isso em seu rosto. — Ele olha para mim. Sua voz
se eleva. — Vocês dois têm que morrer!

Quando soluço e coloco as mãos na boca, Aidan diz com voz


de comando: — Ninguém tem que morrer. Apenas abaixe a arma e
podemos conversar sobre isso.

Balançando para frente e para trás de um pé para o outro, sua


mão tremendo e todo o branco de seus olhos aparecendo, Michael
grita: — Um de vocês tem que morrer, você tem que escolher agora
quem morre, quem morre, quem morre, se você não escolher eu terei
que matar vocês dois!

Ele aponta a arma para mim novamente. Ele aponta direto


para o meu rosto. A única razão pela qual eu não caio é porque o
terror transformou meus músculos em pedra.

Aidan diz: — Se escolhermos, você só vai atirar em um de nós?

Meu coração para de bater. Ele para no meu peito, paralisado


pelo horror. — Não, Aidan, pare com isso, não diga mais nada...

— Michael?

— Aidan, não! Pare com isso!

Michael grita: — Sim! — e engatilha a pistola com o polegar.

Aidan olha para mim. Seu coração brilha em seus olhos. Ele
diz baixinho: — Eu te amo, coelhinha. Vou te amar até o fim dos
tempos.
Então ele olha de volta para Michael e diz palavras que eu
nunca serei capaz de deixar de ouvir. Elas vão ecoar na minha
cabeça por toda a eternidade.

— Atire em mim, então.

O tempo muda. Tudo assume a qualidade surreal de um


sonho. Vejo o que acontece a seguir se desenrolar na minha frente
como um filme em câmera lenta com o som distorcido e as cores
borradas, arrastando-se na metade da velocidade.

Michael balança o braço em direção a Aidan.

Aidan se lança.

Uma bola de fogo explode da ponta da arma de Michael.

A cabeça de Aidan estala para trás.

O movimento para frente de seu corpo para abruptamente,


como se ele tivesse sido jogado contra uma parede.

Um pequeno buraco vermelho aparece no centro de sua testa.

Sangue e pedaços de cérebro respingam na janela atrás dele.

Ele cai para trás, seus olhos abertos e sua boca frouxa.

Desmoronando no sofá, ele fica parado e em silêncio, olhando


sem ver para o teto enquanto uma mancha escura rasteja pela
almofada bege sob sua cabeça.

No céu noturno acima de nós, fogos de artifício explodiam em


borrifos de cores com estalidos e estrondos.
Meu grito é uma coisa viva. Uma criatura de horror, descrença
e desgosto, arranhando minha garganta. Eu voo pelo espaço entre
nós com aquele grito me cercando por toda parte, vibrando em
meus ouvidos e em minha cabeça, dentro de todos os lugares
sagrados escondidos em minha alma que só ele já tocou.

Caio em cima do corpo sem vida de Aidan, gritando e gritando


a mesma coisa sem parar, a coisa que cada célula do meu corpo
grita junto comigo.

Não, não, não, não, não.

Ele não olha para mim. Ele não responde a nenhuma das
minhas súplicas desesperadas ou aos beijos que despejo em suas
bochechas e lábios.

Ele não pode.

Ele se foi.

Soluçando histericamente, agarro-me a ele até que algo duro


e pesado me atinge na parte de trás da cabeça.

A dor atravessa meu crânio. Vejo estrelas. Por um momento,


minha visão fica preta.

Quando a luz enche meus olhos novamente, estou de costas e


Michael está me arrastando pelos pulsos pelo deck de madeira em
direção ao degrau na parte de trás do barco.

Minhas palavras saem arrastadas. — Michael. O que você está


fazendo?

Não consigo entender o que ele murmura para si mesmo. É


incoerente, balbuciando palavras sem sentido faladas entre
respirações difíceis enquanto ele me arrasta para longe do corpo
de Aidan. Eu tento puxar meus pulsos de seu aperto, mas não
tenho força.

Líquido quente escorre pelo meu pescoço. Sangue. Ele deve ter
me acertado com algo pesado.

A arma. Ele me golpeou com a arma.

Mais fogos de artifício explodem no céu. Eu os vejo acima de


nós, estrelas coloridas pintando o céu da meia-noite como o teto
abobadado de uma catedral. A fumaça flutua sobre a água. Em
algum lugar distante, um cachorro late.

Michael me arrasta para a borda da popa e me empurra.

A água é um choque negro e frio, cortando meu estupor como


uma lâmina. Eu afundo por um momento antes de começar a
chutar e me debater. Chego a superfície, gaguejando e ofegando,
desorientada e em pânico, o medo tão afiado quanto uma faca
enfiada entre minhas costelas.

Tusso e grito. Os motores do barco roncam e roncam. Michael


paira sobre mim no degrau, rindo como um maníaco agora, seus
lábios arrancados de seus dentes.

Bato no degrau, errando por centímetros. Michael cai de


joelhos e estende a mão. Agarro sua mão, pensando que ele está
oferecendo ajuda, mas rapidamente descubro que não está.

Ele me agarra pela garganta e aperta.

Ele me empurra para baixo e me mantém embaixo.

Mesmo debaixo d'água, posso ouvir sua risada louca.


Algo escorrega do bolso da camisa. Espirra na água e passa
pelo meu rosto, pequeno e redondo, prateado e brilhante.

É a moeda búfalo da sorte de 1937, aquela que ele nunca saiu


de casa sem.

Eu chuto e luto. Meu coração martela contra minha caixa


torácica. A água salgada arde meus olhos e queima meus pulmões.
Fogos de artifício iluminam a superfície da água em um
caleidoscópio de cores cintilantes.

Não consigo tirar seus dedos do meu pescoço. Agarro suas


mãos, debatendo-me e tossindo, sentindo cheiro de diesel e
pólvora, fumaça, mar e sangue.

Aidan.

Aidan.

Aidan, eu te amo. Eu te amo.

Meu corpo está pesado. A água agitada acima de mim para.


Eu flutuo, meu cabelo flutuando ao redor da minha cabeça, meus
olhos voltados para a superfície, minha mão estendida para ajuda
que não vem.

Uma flor brilhante inunda o mar acima de mim em tons de


vermelho, verde e dourado, então os fogos de artifício desaparecem
e tudo fica preto.

Meu coração pulsa uma última vez antes de parar para


sempre.
A morte não está extinguindo a luz; é só apagar a lâmpada
porque a aurora chegou.

~Rabindranath Tagore
Kayla

O que chamamos de memória é a interseção entre imaginação


e fato. As memórias são as histórias que contamos a nós mesmos
sobre os eventos importantes em nossas vidas. Na narração,
alguns detalhes se perdem, outros se embelezam, até que a
verdade se aproxime da ficção.

É como a Fiona disse. Cada um de nós cria suas próprias


verdades, até mesmo fantasmas.

Suponho que deveria ter percebido no dia em que ela entrou


em casa e desarmou o alarme de segurança sem que eu lhe
dissesse o código. Foi no mesmo dia em que ela disse que achava
que algo estava me incomodando e que os fantasmas precisavam
desaparecer. Naquela época, ela estava trabalhando para os
Wainwrights há mais de um mês. Eles a mantiveram quando
compraram a casa, sem saber o quão útil ela se tornaria.

Ela não é tão talentosa quanto sua irmã, Claire, mas o dom é
de família.

Levei meses vasculhando memórias e revivendo meu passado


para entender o que aconteceu. Vivi duas vidas paralelas, uma
passada e outra presente, afastada da realidade, mas acreditando
nela, totalmente cega para a verdade.
Tudo o que aconteceu com Aidan foi real. Assim como tudo o
que aconteceu depois do Ano Novo. Mas ficou tudo misturado e
bagunçado, porque estar morta e não perceber é muito confuso.

Passado. Presente. Fato. Memória. Tudo interligado e parte de


um todo, como páginas individuais em um livro antes de ser
encadernado.

Mas agora passagem foi feita. Minha história está contada. O


livro da minha vida foi escrito em seu capítulo final.

Tudo o que resta é fechar a capa e guardá-lo.

Quando abro os olhos, nada parece o mesmo. As paredes estão


pintadas de uma cor diferente. O tapete foi substituído por
madeira. Os móveis não são familiares, assim como as pessoas nas
fotografias emolduradas nas paredes.

A casa é muito diferente de quando eu morava nela. Diferente,


mas familiar, como o rosto de um amigo que você não vê há muitos
anos. Eu nunca notei as mudanças antes, mas as cortinas foram
afastadas dos meus olhos agora. Minha visão está finalmente
clara.

A tempestade lá fora cessou. Tudo está parado. Além das


janelas da sala, o amanhecer espalha uma luz brilhante sobre o
quintal e as colinas distantes. Ouço os pássaros cantando, sinto o
cheiro da primavera no ar e me maravilho com a beleza de tudo
isso.
A campainha toca.

Vou em direção à porta da frente, compelida por uma força tão


elementar quanto à gravidade, tão imparável quanto o tempo. Giro
a maçaneta, abro a porta e encontro Aidan parado na varanda.

Ele está encharcado de sol dourado, sorrindo para mim como


se eu fosse o primeiro nascer do sol que ele já viu.

— Ei, coelhinha, — ele diz suavemente, seus olhos brilhando


com adoração. — Você está com saudades de mim?

Caio em seus braços. Seu abraço é mais doce que mil beijos,
melhor que um milhão de desejos, mais perfeito do que qualquer
sonho jamais poderia ser.

— Você me encontrou, — sussurro, chorando lágrimas de


alegria.

Ele esfrega sua bochecha contra a minha, respirando-me


enquanto me abraça forte.

— Eu nunca perdi você. Quem você acha que está tocando a


campainha esse tempo todo?

Enterro meu rosto em seu pescoço. — Eu sinto muito. Eu não


sabia. Eu não podia ver. Eu estava tão confusa.

Ele murmura contra meu ouvido, — Está tudo bem. Eu disse


que esperaria para sempre se fosse preciso.

Quando levanto a cabeça e olho para ele com os olhos


lacrimejantes, ele abre um sorriso de tamanha beleza que me tira
o fôlego.
Eu digo: — O colete salva-vidas foi um belo toque.

— Eu pensei que sim.

— Foi você durante a sessão ou eu estava fazendo todas as


batidas e efeitos especiais?

— Era eu. Mas todas as outras coisas que aconteciam na casa


eram você. As luzes piscando, os armários abertos, a TV ligando e
desligando... Lamento dizer, você tornou tudo muito miserável
para os Wainwrights.

— Uau. Estou morta e melodramática. Você pensaria que


chegar à vida após a morte daria a uma pessoa uma certa
perspectiva sobre as coisas.

Ele diz gentilmente: — Você ficou traumatizada. Dê um tempo


a si mesma.

— E meu anel de casamento caindo pelo teto? A moeda que


continuava sendo movida? Suponho que foi você também?

— Nada disso importa agora. O que importa é que estamos


juntos.

— Mas espere, como é que eu não entendi o que estava


acontecendo, mas você entendeu?

Ele sorri. — Talvez eu seja apenas mais inteligente do que você.

— Isso não é nem um pouco engraçado.

Ao nosso redor, a luz dourada fica mais brilhante. Sinto uma


urgência agradável, uma atração ascendente que aumenta a cada
luz. Quero me render à atração, mas tenho algo que preciso
perguntar primeiro.

— Por que você carimbou todas as cartas da prisão? Isso foi


uma pista sobre o seu passado?

Ele sorri. — Mais como uma pista sobre o futuro.

— O que você quer dizer?

— A Penitenciária Estadual de Washington é onde um certo


idiota está sendo detido sob acusação de assassinato. Estive
pensando que deveríamos fazer uma visita a ele.

Lembro-me de como Fiona me disse que os esquizofrênicos


podem ver fantasmas e não posso deixar de rir. — Ah, Aidan, você
é diabólico.

A luz dourada que nos cerca fica mais brilhante. Então ele
pega meu rosto em suas mãos e me beija. Em seus lábios, sento o
gosto do para sempre.

Isso e algo quase tão doce:

Vingança.
Transcrito das notas e gravações da sessão de 16 de março
conduzida pelo Dr. Patrick Templeman, psiquiatra forense, com
Michael Reece, atualmente aguardando julgamento por acusações
de assassinato em primeiro grau.

Dr. Templeman: Obrigado por se juntar a mim hoje, Sr.


Reece.

Michael Reece: É Doutor Reece. E você diz isso como se eu


tivesse uma escolha. Eles me trouxeram aqui algemado. Você
notou as algemas?

Dr. Templeman: Como você está se sentindo hoje?

Michael Reece: Eu me pergunto quantas vezes você vai dizer


a palavra 'hoje' antes de chegar ao ponto?

Dr. Templeman: Como você sabe, Sr. Reece, meu objetivo é


determinar sua capacidade mental atual para ser julgado,
conforme ordenado pelo tribunal.
Michael Reece: O tribunal pode beijar minha bunda, e você
também pode. E é Doutor Reese.

Dr. Templeman: Você entende as acusações feitas contra


você?

Michael Reece: Deixe-me dizer uma coisa. Você não é a única


pessoa nesta sala com um grande diploma. Tenho três deles, está
bem? PhD, Mestrado, etc, todos de escolas da Ivy League. Seu
diploma de médico não me impressiona.

Nota do médico: O paciente está visivelmente agitado. Um


tremor na mão esquerda está evidente, possível efeito colateral de
medicação antipsicótica.

Dr. Templeman: Você recebeu uma dose diária de flufenazina


oral para aliviar seus sintomas desde sua prisão, correto?

Michael Reece: Você é o melhor que eles poderiam trazer?


Você parece tão competente quanto aquele defensor público que
me designaram.
Dr. Templeman: Como é seu relacionamento com o
advogado? Você acha que ele descreveu adequadamente as
acusações feitas contra você?

Michael Reece: Aquele idiota não poderia descrever


adequadamente a cor de um cocô. Eles deixam qualquer um
passar na Ordem hoje em dia, aparentemente.

Dr. Templeman: Você pode me dizer quais são as acusações


contra você, por favor?

Michael Reece: Sério?

Dr. Templeman: Estou tentando avaliar se você entende o que


está acontecendo com você.

Michael Reece: Sim, eu entendo o que está acontecendo


comigo. Estou preso por algo que fiz durante um surto psicótico.

Dr. Templeman: Estamos falando do assassinato de sua ex-


esposa, Kayla, e Aidan Leighrite, correto?
Michael Reece: Jesus Cristo. Isso vai levar uma eternidade.

Dr. Templeman: Você se lembra dos eventos de 31 de


dezembro do ano passado?

Michael Reece: Eu não sou um imbecil.

Dr. Templeman: Vou considerar isso como um sim. Você


poderia, por favor, descrever para mim como você acha que é seu
relacionamento atual com seu advogado?

Michael Reece: Ininteligível.

Dr. Templeman: O que você acha que acontecerá se você for


condenado pelas acusações?

Michael Reece: Não serei condenado. Alguém como eu não


deveria estar na prisão.

Dr. Templeman: Alguém como você?


Michael Reece: Sou um membro altamente respeitado da
comunidade. Meu trabalho é incrivelmente importante. Não sou
um estuprador ou traficante de drogas. Essas pessoas deveriam
estar atrás das grades, não eu.

Dr. Templeman: Você não acredita que um duplo homicídio


seja justa causa para uma sentença de prisão?

Michael Reece: Não posso ser responsabilizado por isso.

Dr. Templeman: Você se arrepende do que aconteceu?

Michael Reece: Lamento que você esteja desperdiçando meu


tempo com essa linha ridícula de questionamento.

Nota do médico: O paciente apresenta traços de transtorno de


personalidade narcisista.

Dr. Templeman: O que você entende sobre as etapas do


processo em um caso de homicídio de primeiro grau? Isso foi
explicado para você adequadamente?
Michael Reece: Entendo que se for determinado que eu era
incapaz, não terei que ser julgado. O que eu não deveria, por causa
de quem eu sou. Gênios não deveriam ser julgados. Ou ficar na
cadeia, por falar nisso. Eu tenho um QI de mais de duzentos
pontos, pelo amor de Deus.

Dr. Templeman: Você também entende que se você for


considerado apto para o julgamento, o fato de você ter cometido
um assassinato durante um episódio psicótico não reduzirá sua
sentença?

Michael Reece: O quê? Não. Isso não é verdade. Eu não estava


em sã consciência. O que você está falando?

Dr. Templeman: A questão é a intenção. Você tem um


histórico documentado de se recusar a tomar medicação
antipsicótica mesmo depois de ser aconselhado de que isso poderia
resultar em explosões de violência. O promotor apresentará provas
de que você estava bem ciente da possibilidade de prejudicar sua
esposa. Ele também apresentará evidências de que você esteve
envolvido em um caso de longo prazo com uma colega de trabalho
na universidade. Sharon, acredito que seja o nome dela? Ou é
Karen? Desculpe, eu não tenho essas anotações na minha frente.
Há também a questão do seguro de vida que você fez para sua
esposa. Ela estava ciente dessa apólice?

Michael Reece: Escute, já cansei disso. Eu quero…


Dr. Templeman: Sim? Prossiga.

Nota do médico: O paciente está se fixando em um ponto na


parede e não responde. Ele parece estar em extrema angústia.

Dr. Templeman: Sr. Reece, você está doente?

Michael Reece: Oh Deus. Oh meu Deus!

Dr. Templeman: Sr. Reece?

Nota do médico: O paciente está gritando. Tenta sair da sala de


entrevista. Bate na porta em pânico visível.

Dr. Templeman: Sr. Reece, o que há de errado? Diga-me o que


está acontecendo.

Michael Reece: É ela! É ela e ele, os dois! Oh Deus! Deixa-me


sair daqui! Deixe-me sair desta porra de quarto!
Nota do médico: O paciente parece estar apresentando
distúrbios visuais relacionados à psicose.

Dr. Templeman: Sr. Reece, estamos sozinhos na sala.

Michael Reece: Ela está bem aí, seu idiota! Olha! Olha!

Dr. Templeman: Você está tendo uma alucinação. Você e eu


somos as únicas pessoas nesta sala.

Nota do médico: O paciente se agachou no canto da sala e voltou


a gritar.

Dr. Templeman: Sr. Reece, pode se acalmar? Vou ter que lhe
dar um tranquilizante se você não conseguir se controlar.

Michael Reece: Pare de dizer isso! Pare de dizer isso! Pare de


dizer essa palavra!
Dr. Templeman: Que palavra você está ouvindo, Michael?
Alguém está falando com você? O que estão dizendo?

Michael Reece: BOO!

Nota do médico: Após ser contido pelos guardas, o paciente


recebeu injeção intramuscular de fenobarbital e foi transferido para
o departamento de psiquiatria para avaliação posterior.

Fim...

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