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FAITHLESS

By MEGAN GREEN

PARCERIA

Disponibilização e TM – WAS

Revisão – WAS

Leitura Final – Bookaholic

Formatação – Bookaholic

Agosto 2021
SINOPSE

Quando a vida te dá limões...

É melhor proteger os olhos, porque vai levar um spray bem na cara.

No dia em que minha esposa se sentou e disse que queria o divórcio, tive
certeza de que as coisas não poderiam piorar. Quarenta e oito horas
depois, eu descobriria o quão errado eu estava.

Agora, em vez de ser um pai divorciado de dois filhos, sou um viúvo,


deixado, tentando juntar os pedaços do caso de minha esposa.

A última pessoa a quem devo recorrer para obter ajuda?

A irmã afastada de minha esposa, Kate.

Kate é tudo que Felicity não era. E não importa o quão errado eu saiba,
não posso evitar a atração que desperta entre nós.

Felicity destruiu minha fé no amor.

Sua irmã será capaz de restaurá-la?


CARTA AO LEITOR

Caro leitor,

Quando ouvi pela primeira vez que Corinne Michaels estava


abrindo sua Sociedade de Salvação para outros autores, não consegui
clicar no link de envio rápido o suficiente. Existem vários desses tipos de
mundos por aí agora, e embora eu sempre tenha amado a ideia deles,
nunca achei que meu estilo realmente se encaixasse no que eles
procuravam.

Até agora.

As histórias de Corinne nunca deixam de percorrer toda a gama de


emoções, algo que procuro em cada um de meus romances. Então, quando
a oportunidade não apenas de escrever em uma das minhas séries
favoritas de todos os tempos, mas também de retornar às minhas raízes
de romance militar apareceu, eu simplesmente não consegui dizer não.

Eu me diverti muito escrevendo Faithless. Embora eu adore cada


um dos livros da série original de Corinne, eu soube imediatamente que
queria revisitar os personagens de The Consolation Duet. Liam e Natalie
sempre tiveram um lugar especial em meu coração, e eu queria continuar
seu legado com a história de seu filho, Shane. Ele está crescido agora, com
sua própria família, mas você ainda verá muitos Liam e Natalie - e até
mesmo algumas aparições de Mark Dixon!
Espero que você goste de ler Faithless tanto quanto eu gostei de
escrevê-lo. E espero que, quando terminar, você se sinta como se tivesse
feito os personagens de Corinne e a justiça mundial.

Boa leitura e obrigado por se arriscar nesta história!

Megan
CAPÍTULO UM

Shane

O relógio de girassol bate na parede da cozinha ao meu lado, meu


coração batendo em sintonia com seu ritmo. O som reverbera no silêncio,
criando um rugido quase ensurdecedor em meus ouvidos. A cada segundo
que passa, mais e mais pressão desce sobre meu peito, e meus dedos
tremem ao rasgar o rótulo da minha garrafa de cerveja.

É irônico - aquela flor brilhante olhando para mim do centro do


relógio. É um símbolo de felicidade. De sol e dias melhores. Felicity
sempre amou girassóis. Ela disse que não havia como ficar carrancuda na
presença de alguém alegre.

Se ela pudesse me ver agora.

— Diga alguma coisa, Aarabelle, — eu finalmente grito, incapaz de


lidar com o silêncio pesado que nos rodeia por outro momento.

Os olhos da minha irmã erguem-se para os meus, sua garganta


balançando enquanto a empatia brilha por trás de suas lágrimas. — Eu...
eu não tinha ideia, Shane. Achei que vocês estivessem felizes.

Largando a garrafa, eu me inclino para a frente e coloco meus


cotovelos na mesa da cozinha, arrastando minhas mãos pelo cabelo. O
tom da voz de Aara é a última coisa que quero, a última coisa que preciso
ouvir depois dos eventos dos últimos dias.

Eu sabia que não deveria ter contado a ela. Eu sabia que isso era
um erro. Eu só... eu precisava que alguém soubesse a verdade. Precisava
de alguém para entender a dor e o conflito que corria em minhas veias a
cada olhar triste, a cada menção ao nome dela.

Soltando um suspiro pesado, deixo meu olhar cair para a mesa,


optando por me concentrar no papel picado da minha cerveja ao invés de
encarar os olhos sombrios de Aara.

— Quer dizer, eu sabia que as coisas haviam mudado entre


nós. Porra, estávamos casados há dez anos. Claro que sim. Mas eu não
tinha percebido que estávamos naquele ponto, sabe? Podíamos não estar
mais loucamente apaixonados, mas estávamos confortáveis.

Assim que as palavras saem da minha boca, percebo o quão


fodidas elas são. Quem acha que é bom descrever seu casamento como
confortável?

O som que Aara faz no fundo da garganta me permite saber que


seus pensamentos refletem os meus. Decidindo engolir e enfrentar a
música, eu respiro profundamente e levanto minha cabeça para encarar
minha irmã.

— Sinto muito, Shane, — ela diz, alcançando o outro lado da mesa


e colocando sua mão sobre a minha, dando um aperto suave. — Não
consigo imaginar como deve ter sido, descobrir que a mulher que você
amou por dez anos se apaixonou por outra pessoa. E aí para que isso
aconteça... — Ela para, sem conseguir nem dar voz ao desastre que se
tornou a minha vida.

Veja, o destino decidiu que não era suficiente minha esposa querer
me deixar. Sentar comigo para pedir o divórcio. Para me dizer que ela
conheceu outra pessoa, alguém que a fez feliz e que a amou de uma
maneira que ela sentiu que eu nunca poderia.

Não, enquanto eu ainda estava me recuperando daquele golpe


devastador, Deus, o universo, o destino - seja lá como você quiser chamá -
lo - decidiu intervir e lançar uma chave totalmente diferente em minha
vida.

Dois dias depois de Felicity me dizer que queria o divórcio, recebi


um telefonema. Um telefonema que eu nunca esperava receber.

— Olá? — Eu respondi hesitantemente, não reconhecendo o


número na minha tela. Jurei por Deus que se este fosse mais um daqueles
malditos golpistas me dizendo que o IRS1 estava a caminho para me
prender, a menos que eu desse acesso imediato à minha conta bancária e
revogasse meus direitos à minha filha primogênita, eu iria perdê-
la. Eu não estava com disposição.

— Sim, posso falar com Shane Dempsey, por favor?

A voz profunda do outro lado da linha era toda profissional, um ar


de profissionalismo através do telefone, e eu soube imediatamente que
estava lidando com um tipo de mal totalmente diferente de um ladrão de
identidade.

Advogado.

1
O Internal Revenue Service (IRS) administra as leis tributárias federais que o Congresso aprova. O IRS
desempenha três funções principais - processamento de declarações de impostos, serviço ao
contribuinte e execução.
Meus dedos aumentaram seu aperto, a borda de metal do meu
telefone cavando na carne da minha palma enquanto a raiva corria por
mim.

Ela não podia nem me dar uma maldita chance de colocar minha
cabeça em torno disso antes de lançar seus cães sobre mim? Eu pensei,
sabendo que o que quer que fosse, tinha a ver com Felicity e as notícias
que ela me deu no início da semana.

Ela passou as últimas duas noites na casa de seus pais, alegando


que estava me dando espaço para pensar sobre nossa conversa. Mas eu
sabiamelhor.

Ela estava com ele.

Eu não queria nada mais do que desligar o telefone, encerrar essa


conversa antes mesmo que ela pudesse começar. Por que ela não poderia
simplesmente me dar algum tempo? Haveria muito tempo para os
advogados mais tarde.

Mas eu sabia que, por mais satisfatório que fosse interromper esse
idiota antes que ele pudesse começar com todas as razões pelas quais
minha vida literalmente explodiu, não daria certo. Ele simplesmente
continuaria ligando até que eu finalmente cedesse e ouvisse.

— É Shane, — eu cortei, esperando que meu tom transmitisse meu


aborrecimento com sua intrusão.

— Sr. Dempsey. Aqui é o Dr. Finley. Sou o chefe da traumatologia


do Virginia General.
Meu corpo inteiro congelou quando suas palavras foram
registradas, meu coração acelerando no meu peito.

Médico.

Trauma.

Virginia General.

— Senhor? — Eu gaguejei, a raiva que eu estava sentindo apenas


alguns momentos atrás instantaneamente substituída por medo. A dor
que senti quando meu telefone cortou minha mão foi embora, substituída
pelo pânico percorrendo meus membros, deixando uma sensação de
formigamento em seu rastro.

Minha mente imediatamente foi para minhas garotas -


Gracie e Ellie - seus rostos sorridentes piscando em meus
pensamentos. Por favor, Deus. Não deixe ser minhas garotas.

— Recebemos uma mulher esta tarde. Sua licença e registro a


identificaram como Felicity Mitchell Dempsey.

Minha ansiedade aumentou um nível. — Sim, essa é minha esposa.

— Bem, sinto muito ter que fazer esta ligação, Sr. Dempsey, mas
temo que sua esposa tenha se envolvido em um acidente de carro no início
da tarde.

Meus joelhos enfraqueceram, minha mão disparou para agarrar a


superfície disponível mais próxima, a fim de me equilibrar. — Ela está... ela
está bem?

A fração de segundo de silêncio foi a única resposta que eu


precisava.
— Sinto muito, Sr. Dempsey, — disse o médico solenemente,
confirmando o que eu já deduzi. — Fizemos tudo o que
podíamos. Masinfelizmente, seus ferimentos foram muito graves.

O ar na sala desapareceu de repente, meus pulmões queimando


enquanto eu tentava desesperadamente respirar.

Isso não poderia estar acontecendo. Isso não poderia estar


acontecendo. Isso. Não poderia. Estar. Acontecendo.

O médico continuou falando, mas não consegui entender nada do


que ele disse, o sangue na minha cabeça correndo muito alto para eu ouvir
qualquer outra coisa.

Felicity se foi.

As palavras soaram tão estranhas em minha mente que não


poderiam ser reais. Não tinha como. Não havia como minha esposa estar
morta.

Ela estava em casa, pegando as meninas para deixá-las na escola a


caminho do trabalho. Apenas algumas horas antes, eu estava na mesma
sala com ela, minha cabeça girando para o lado para evitar olhá-la
diretamente nos olhos. Eu não fui capaz de encará-la. Não tinha sido capaz
de deixá-la ver a dor que ela instigou com algumas palavras dolorosas.

E agora eu nunca faria.

— Minhas meninas, — eu resmunguei, interrompendo o que quer


que o médico estivesse dizendo agora. Fazia horas desde que Felicity as
pegara. Não havia como elas ainda estarem no carro com ela...

— Sinto muito, Sr. Dempsey. O que disse?


Eu tossi, limpando as lágrimas da minha garganta. — Minhas
filhas. Gracie e Ellie. Elas estão bem?

Eu ouvi uma confusão de papéis enquanto o médico revisava suas


anotações. — Sinto muito, senhor, — disse ele, e eu senti minhas pernas
cederem debaixo de mim. Eu caí de joelhos com força quando uma dor
diferente de tudo que eu já senti antes me rasgou.

— Não vejo nenhuma menção de crianças no carro, — ele


continuou, e por um segundo suas palavras não foram registradas.

— O-o quê? — Eu gaguejei, precisando que ele as repetisse, apenas


para ter certeza de que tinha ouvido direito.

Ele fez uma breve pausa, como se examinasse o relatório mais uma
vez. — Não tenho todos os detalhes. Mas nenhuma criança foi trazida com
este acidente. Havia um homem, pelo que eu entendi. Mas ele foitratado
na cena e liberado. Foi o lado do motorista do veículo que foi atingido. Sua
esposa sofreu o impacto.

Uma sensação estranha se apoderou de mim - alívio absoluto por


minhas garotas não estarem nem perto daquele acidente. Que elas não
foram prejudicadas, que não precisavam estar lá para ver sua mãe
sofrendo enquanto ela se agarrava à vida. Tristeza com o fato de que a
mulher que passei a última década da minha vida amando se foi, que eu
nunca veria seu rosto, a ouviria rir ou sentiria seu corpo contra o meu de
novo, enviando uma dor que disparou profundamente em meu coração.

Mas misturado com aquele alívio e desgosto estava algo mais


sombrio. Algo sinistro.
Ela tinha estado com seu amante. Eu sabia que, mesmo sem ter
que ler o relatório, sem ter que ver o nome da pessoa no carro - não que
eu o reconhecesse de qualquer maneira - que o homem no banco do
passageiro de seu carro era o mesmo homem que ela confessou seu amor
apenas algumas noites atrás.

E por mais que eu odiasse, por mais que eu não quisesse nem
colocar em palavras o sentimento que apodrecia dentro de mim, havia
uma pequena parte de mim que parecia quase...

Vingado.

Se ela não estivesse com ele. Se ela tivesse ido trabalhar como
deveria. Se ela não tivesse tido um caso em primeiro lugar...

Talvez ela ainda estivesse aqui.

Os sentimentos daquela noite não foram embora nos três dias


seguintes à morte de Felicity.

Ainda esta manhã, enquanto eu estava puxando um monte de


roupa da secadora e encontrei um par de suas meias felpudas favoritas,
eu fui atingido por uma sensação de dor no coração tão profunda que me
tirou o fôlego. O cesto de roupa suja em meus braços caiu no chão
enquanto eu caí de costas contra a máquina de lavar, segurando as meias
contra o peito enquanto lutava para recuperar o fôlego.

Mas então, apenas algumas horas depois, depois que sua mãe
ligou novamente para falar comigo sobre os preparativos para o funeral,
desta vez com a ideia de fazer as meninas cantarem uma canção sobre
como ela foi uma esposa e mãe amorosa, eu não queria nada mais do que
gritar dotelhado que ela merecia cada pedacinho do que ela recebeu. Que
ela estava prestes a abandonar sua família por outro homem, e que era
apenas justiça cármica que sua felicidade tivesse sido tirada dela com a
mesma rapidez com que tirou a nossa.

Agora, sentado aqui na minha cozinha, cercado por todas as coisas


que Felicity selecionou ao longo dos anos para decorar nossa casa, minha
irmã me encarando em estado de choque ao perceber como minha vida
está completamente fodida, a única coisa que sinto é a culpa.

Felicity não merecia isso. Apesar de como ela me machucou, ela


não merecia morrer. E ela não merece ter sua reputação manchada
quando nem mesmo está aqui para contar sua versão da história.

Mas eu estava fraco. Eu não conseguia suportar a ideia de mais


uma pessoa me dizendo o quão incrível ela era. Eu precisava
de alguém para saber a verdade. Para saber a batalha interna que estou
travando a cada dia.

— Você não pode contar a ninguém sobre isso, Aara, — eu digo a


ela, encarando minha irmã com um olhar intenso que espero que
transmita a gravidade da situação. — Gracie e Ellie não podem saber que
as coisas estavam nada menos do que perfeitas entre Lissy e eu.

Os lábios de Aara franzem enquanto ela me olha. — Você não acha


que seus amigos e familiares merecem saber a verdade?

Balancei minha cabeça. — Não, não acho. Porque não é problema


deles. Eu te disse porque você é minha irmã e minha melhor amiga. E
porque eu estava enlouquecendo carregando o fardo sozinho. Não foi
justo da minha parte colocar isso em você, mas eu não posso exatamente
voltar atrás agora.

Aara desliza sua cadeira pelo linóleo, algo que deixaria Felicity
nervosa e a colocaria no quarto em menos de dois segundos para
reclamar das marcas de arranhões no chão. E, mais uma vez, sou atingido
pela percepção de que ela nunca mais vai voltar. Nunca ouvirei sua voz
quando ela me diz pela enésima vez que realmente precisamos tirar o
velho linóleo barato e colocar ladrilhos ou laminados. Algo para trazer
nossa casa para o século XXI.

Ouço as palavras como se ela estivesse bem aqui na sala comigo, e


assim, as lágrimas começam a se formar novamente. O braço de Aara
circunda meus ombros, puxando meu corpo para o dela, meu rosto
virando em seu ombro e umedecendo sua camisa.

— Foda-se, — eu digo através dos meus gritos. — Como pode doer


tanto quando ainda estou com tanta raiva dela?

A mão de Aara esfrega para cima e para baixo em meu braço, sua
bochecha pressionando o topo da minha cabeça enquanto ela tenta me
acalmar.

— Está tudo bem, Shane. Toda essa situação está tão fodida. Você
tem 31 anos. Você tem duas lindas filhas. Esta deve ser a época mais feliz
da sua vida. Você não deveria se preocupar com coisas como arranjos
funerários e terrenos de enterro. Adicione a isso toda a merda com o
caso... honestamente, estou surpresa que você esteja indo tão bem
quanto está. Eu provavelmente já teria sido internada.
Eu me mexo na cadeira, me endireitando para não ficar mais
encostado nela, e limpo meu rosto. — Acredite em mim. Às vezes parece
que seria mais fácil. Apenas para descansar. Não lidar com toda essa
merda por mesmo que apenas algumas horas. Mas então onde isso
iria parar...

— Gracie e Ellie, — ela termina para mim. — Você não tem que me
dizer, Shane. Eu sei que não há nada mais importante para você agora do
que aquelas duas meninas.

— Elas são tudo que me resta, — eu digo, sabendo que se não


fosse por elas, não haveria nada me amarrando aqui. Nada para me
manter com os pés no chão e focado na próxima etapa.Aara me dá uma
leve beliscada no antebraço.

— Bem, não é tudoo que te resta. Você sabe que estou aqui para o
que você precisar. Mamãe e Athair também.

Eu sorrio com o nome dela para meu pai, o homem que ajudou a
criar Aara depois que seu próprio pai foi supostamente morto no
Afeganistão, apenas para aparecer um ano depois vivo e mais ou
menos bem. Aara pode ser apenas minha meia-irmã de sangue, mas eu
sabia que ela amava meu pai tanto quanto amava o seu próprio. Nunca
nos sentimos menos do que uma família completa.

— Obrigado, mana, — eu digo, estendendo a mão e dando um


soquinho no no queixo dela. Ela pode ser quinze centímetros mais baixa e
cem quilos mais leve do que eu, mas sempre será minha irmã mais
velha. Havia algo sobre sua presença que sempre me confortou.
— Agora, — diz ela, voltando-se para a papelada na nossa
frente. — Vamos resolver essa merda para que sua sogra pare de ligar a
cada cinco segundos.

Eu solto uma risada. — Você está sonhando se pensa que isso vai
impedi-la. Debbie Mitchell acaba de perder a pessoa mais importante de
sua vida. Ela é uma bagunça maior do que eu.

Aara me lança um olhar tenso. — E a outra filha dela? Como ela se


sente sobre sua mãe agindo como se tivesse perdido a única coisa que
importa?

Minha testa franze, meus pensamentos vagando para a irmã


distante de minha esposa pela primeira vez em... bem, anos. — Kate?

Aara acena com a cabeça. — Ela perdeu alguém também, você


sabe. Você pensaria que a mãe dela estaria lá para ela, em vez de
importunar você sobre merdas estúpidas como a porra do versículo da
Bíblia para imprimir no programa.

Eu balancei minha cabeça. — Não, elas não são próximas. Na


verdade, duvido que Kate saiba que Felicity está morta.

— O quê? — Aara grita, o que me faz levantar as mãos em


frustração.

— Jesus, Aara. Você pode manter a voz baixa? Você sabe como foi
difícil fazê-las dormir!

Ela me lança um olhar de desculpas, mas não esconde o


descontentamento em sua voz quando sibila para mim. — Você está
brincando comigo, Shane? A mulher não sabe que sua única irmã se foi?
Eu encolho os ombros. — Você sabe que elas se odiavam. Você
não poderia dizer o nome dela na presença de Felicity sem ela atirar
adagas em você. Kate decolou anos atrás e, pelo que eu sei, nem Felicity
nem seus pais ouviram falar dela desde então. Duvido que ela se importe.
— Aara me lança um olhar de desaprovação, sua cabeça balançando em
seu desapontamento. — Isso é fodido, Shane. Você não pode esconder
algo assim dela. Ela merece saber. Para tomar a decisão, se ela quiser ir ao
funeral.

Agora é a minha vez de ficar com raiva. — Isso não está


acontecendo. Essa mulher não vai aparecer e arruinar a memória final de
todos sobre minha esposa.

— Você nem mesmo...

— Não, Aara, — eu grunho, meu tom absoluto. — Eu não vou me


curvar sobre isso. Felicity cometeu alguns erros, e posso estar furioso pra
caralho com ela. Mas isso não significa que estou disposto a machucá-la
assim. Ela não iria querer Kate lá, então ela não estará lá, — eu digo,
adicionando ênfase em cada uma das últimas três palavras. — Está claro?

Os olhos de Aara se estreitam enquanto ela me encara, e posso


dizer que ela está usando tudo para não empurrar o assunto ainda
mais. Mas esse é um argumento que ela não vai ganhar.

Felicity e sua irmã têm uma longa e terrível história. Anos e anos
de rivalidade e ressentimento, de competição e contenda.

Felicity pode ter sido muitas coisas.

Uma mentirosa.
Uma covarde.

Uma traidora.

Mas ela ainda era minha esposa. Ainda era a mãe das minhas
filhas.

E eu me recuso a deixar uma pessoa que nunca conheci entrar e


roubar o show, tirando o foco de Lissy mesmo na morte.

Não, Kate Mitchell não será permitida em qualquer lugar perto do


funeral da minha esposa.

É o mínimo que posso fazer pela mulher que já foi o amor da


minha vida.
CAPÍTULO DOIS

Kate

Quando eu era criança, aprendi um truque para ajudar a acalmar


meus nervos sempre que me sentia ansiosa. Sempre que eu começava a
me sentir sobrecarregada, começava com o dedinho e o polegar, batendo-
os rapidamente antes de passar para o dedo anelar. Eu percorria todos os
meus dedos, batendo cada um contra o polegar e depois voltava,
acelerando cada vez que começava tudo de novo. Descobri que, se
focalizasse minha mente no movimento dos meus dedos, tentando
garantir que o padrão permanecesse consistente e perfeito, seria mais
fácil esquecer o que quer que fosse que estava me atormentando no
momento.

Sentada aqui no escritório do meu editor, no entanto, me mostrou


a falha em minha lógica. Porque quem diabos pode se concentrar em seus
dedos quando toda a sua carreira está no equilíbrio de cerca de duas mil
palavras?

Abandonando minha velha tática, em vez disso trago meu polegar


aos lábios, meus dentes rasgando minha unha como uma mulher
morrendo de fome. Meu coração martela no meu peito e posso sentir os
filetes de suor que começam a se formar sob a minha camisa.

Excelente. Agora, não só preciso de uma nova manicure, como vou


cheirar a um par de meias de ginástica pelo resto do dia.
Observo os olhos de Isabelle enquanto ela lê meu último artigo,
seu rosto severo não me dando a menor indicação de se ela gosta do que
vê ou pensa que é um lixo completo.

Eu sabia que essa peça seria um risco antes mesmo de começar a


escrevê-la. Como um dos maiores jornais de Chicago, o Windy Weekly -
ou Double Dub, como gostamos de chamá -lo - geralmente se concentra
em artigos puff2 e nos últimos escândalos políticos. Um artigo de duas mil
palavras sobre o aumento do tráfico sexual infantil em nossa cidade não
era algo que Izzy normalmente consideraria publicar. Sua ideologia era
que havia merda ruim o suficiente acontecendo no mundo,
muitos outros jornais para pensar no terrível, e nós do Double Dub
precisávamos ser o ponto brilhante na vida de nossos leitores, de outra
forma sombria.

Mas estou cansada dessa mentalidade. Claro, por anos eu me


contentava em escrever sobre sexo na Prefeitura e com qual supermodelo
o último quarterback3 dos Bears havia sido visto.

Mas estou pronta para seguir em frente com minha


carreira. Quero escrever sobre coisas que realmente me
interessam. Coisas que acho que podem ajudar a fazer a diferença no
mundo.

Começando agora.

Os olhos de Izzy começam a diminuir o ritmo na página, e sei que


ela está finalmente chegando ao fim do meu documento. Meu estômago

2
Notícia ou artigo que elogia algo ou alguém ao extremo.
3
Posição do futebol americano.
se revira e eu respiro fundo enquanto ela se inclina para frente e coloca
minhas páginas em sua mesa.

Depois de tirar os óculos, Izzy leva a mão ao rosto, o polegar e o


indicador beliscando a ponte do nariz enquanto ela fecha os olhos com
força. E é então que sei que cometi um erro colossal.

— Izzy, eu estou...

Ela levanta a mão, cortando minhas palavras antes que eu possa


realmente começar a pedir desculpas. Minha boca se fecha e espero por
um momento enquanto ela se senta em silêncio.

Finalmente, depois do que parece uma eternidade, ela deixa cair


sua mão, levantando seu olhar para encontrar o meu, seus olhos
brilhando com lágrimas.

Todo o ar sai correndo dos meus pulmões. Porque isso só pode


significar uma de duas coisas. Ou foi tão ruim que ela está triste por agora
ter que me despedir. Ou…

— Isso foi lindo, Kate, — diz ela, sua voz falhando na primeira
palavra. — Horrorizante, — acrescenta ela rapidamente, — mas lindo.

Eu solto um suspiro de alívio. Foi difícil condensar tudo o que eu


queria dizer sobre o assunto em um artigo de duas mil palavras. Eu queria
destacar o horror da própria indústria, enquanto ainda tento dar
esperança ao povo de Chicago de que, com a ajuda de todos os homens e
mulheres comuns em nossa grande cidade, poderíamos combater esta
praga que está varrendo nossa nação. Entrevistei várias pessoas com as
organizações locais de conscientização e prevenção e, quando finalmente
dei os últimos retoques finais em meu artigo, fiquei orgulhosa do trabalho
que realizei.

É inteligente. É emocional. Mas o mais importante, traz à luz um


assunto muito importante.

E estou feliz que minha chefe sinta o mesmo. — Obrigada, Iz, — eu


digo, finalmente liberando minha unha do meudentes e colocando minhas
mãos no meu colo.

— Sério, Kate. Este é o melhor trabalho que você fez em... talvez
em todos os tempos. E você sabe como me sinto sobre sua escrita.

Eu tinha acabado de sair da faculdade, ainda não tinha me


formado em jornalismo, quando mandei um artigo para o Double Dub por
capricho. Nunca, em um milhão de anos, esperei que alguém realmente o
lesse. Ou que, uma semana depois, eu estaria sentada no escritório
de Isabelle Walker - a editora- chefe - recebendo a oportunidade de uma
vida.

Eu tinha sido uma regular na folha de pagamento desde então, e é


raro que uma semana se passe sem que uma de minhas histórias seja
publicada. Todos no escritório sabem que sou a menina dos olhos da
chefe e, em vez de se ressentirem disso, parecem me exaltar da mesma
forma.

Com apenas 28 anos, já sou o jornalista mais publicada da história


do Windy Weekly. E eu tenho mais aspirantes a escritores sob minha asa
do que eu poderia começar a contar.
Estou vivendo meu sonho. Tudo o que sempre quis cresceu ou já
aconteceu ou está a caminho de se tornar realidade.

Exceto por um.

A voz de Izzy me tira dos meus pensamentos, me impedindo de


deslizar muito para o meu passado e a falta de uma coisa muito
importante na minha vida. Eu afasto meus sentimentos melancólicos,
mudando minha atenção de volta para ela.

— Nós vamos publicar no domingo. Primeira página. — Meu


queixo cai. —P-página inicial?

Nos cinco anos que trabalho aqui, tive centenas de artigos


publicados. Mas nunca, nunca estive na primeira página de uma edição de
domingo.

Izzy acena com a cabeça. — Sim. Este artigo é incrível, Kate. Precisa
ser lido. Mais pessoas precisam saber o que está acontecendo bem aqui
sob nossos pés.

Estou em êxtase por mim mesma, pelo que isso significa para
minha carreira, mas ainda mais, estou emocionada com a consciência que
isso vai trazer.

Eu preciso ligar para minhas fontes!

Começo a fazer uma lista mental de todas as pessoas que


entrevistei, todas as pessoas que me ajudaram a tornar o artigo o que é e
merecem ser reconhecidas pelo que fazem, muito mais do que eu. Elas
ficarão muito felizes em saber disso. Todo o seu trabalho árduo e
dedicação estão começando a dar frutos.
Izzy termina de enumerar alguns detalhes, alguns pequenos
ajustes que ela gostaria que eu fizesse antes de imprimirmos, mas são
coisas triviais. No momento em que saio de seu escritório, estou
praticamente flutuando no ar.

Aparentemente, as boas notícias já começaram a circular no


escritório enquanto eu estava com Izzy, porque todos os meus colegas de
trabalho me parabenizam quando eu passo, seus sorrisos calorosos e
palavras positivas apenas reforçando a emoção que estou sentindo no
momento.

E assim que chego ao meu escritório, assim que me jogo na cadeira


e pego meu telefone para começar a contar a todos as boas novas, é como
se um alfinete cutucasse minha felicidade, esvaziando-a ainda mais rápido
do que havia se expandido.

Porque as pessoas para as quais gostaria de poder ligar primeiro,


as pessoas que deveriam estar no topo da minha lista sempre que coisas
boas acontecem, são as últimas que querem ouvir de mim.

Percorro meus contatos, passando o mouse sobre a lista de Casa.

Eu realmente preciso mudar isso, eu acho, meu dedo movendo-se


para o botão de edição para que eu possa fazer exatamente isso.

Mas eu não pressiono. Porque não importa quanto tempo se


passe, não importa quantos anos se passem sem uma única palavra de
meus pais, não posso deixar de manter esperança.

A casa deles já foi minha casa. Eu já me senti bem-vinda lá.

E então tudo mudou.


Não falei com meus pais ou minha irmã desde o dia em que fui
para a faculdade. Dez anos se passaram desde que senti o abraço de
minha mãe ou ouvi as palavras de incentivo de meu pai.

Mas, por mais que a ausência doa, é a da minha irmã que mais dói.

Felicity e eu éramos inseparáveis quando crianças. Com apenas


quatorze meses de diferença, nós crescemos mais como gêmeas do que
irmãs. Compartilhamos tudo uma com a outra - um quarto, roupas,
amigos, segredos... ela era a melhor amiga que eu poderia ter pedido e eu
a amava mais do que a própria vida.

Então o colégio aconteceu, e todo o nosso relacionamento pegou


fogo.

Eu engulo a queimadura em meu peito que ocorre sempre que


penso no dia em que Felicity deixou de ser minha confidente mais próxima
para minhamaior perseguidora. Porque foi exatamente assim que
aconteceu. Um dia estávamos passeando pelos corredores de Ocean Lakes
High de braços dados, sorrindo e rindo de nossas piadas internas e
fofocassobre garotos bonitos, e no próximo, ela não queria nada
comigo. Ela passou os próximos dois anos mal tolerando minha
presença,saia correndo da mesa da cozinha assim que terminava de
comer, como se ficar perto de mim por mais um segundo pudesse deixá-la
fisicamente doente. E quanto mais o tempo passava, pior e pior ficava.

No dia em que minha carta de aceitação para Northwestern


finalmente chegou, uma escola para a qual ambos nos inscrevemos, mas
apenas uma de nós tinha entrado, Felicity me olhou nos olhos e disse que
me odiava.
— Nunca mais fale comigo de novo.

Ainda posso sentir a amargura dessas palavras, a maneira como


me atingiram com tanta força como se ela realmente tivesse me dado um
tapa na cara.

A dinâmica já tensa em nossa família havia mudado naquele dia, e


meus pais ficaram do lado de minha irmã. Aos olhos deles, eu não estava
simplesmente tendo sucesso e dando um passo mais perto dos meus
sonhos.

Eu estava tentando ativamente afastá-los de Felicity.

Não importava, que a última coisa que eu quisesse fazer fosse


machucar minha melhor amiga. Inferno, eu teria desistido de tudo se isso
significasse que eu poderia ter minha família de volta. Eu disse isso na
noite antes de ir para a faculdade.

Mas o estrago já estava feito. Nada do que eu dissesse, nada do


que fizesse consertaria a catástrofe que era nosso relacionamento.

Então, em vez disso, saí, com o rabo metafórico entre as pernas, e


tentei começar uma nova vida.

Na maioria dos dias, não sinto falta da minha vida em Virginia


Beach. Quase todos os dias, os dias em que sento e vejo todas as minhas
realizações, os amigos que fiz e as pessoas cujo respeito conquistei, nem
penso na família que deixei para trás.

Mas há dias como hoje. Os dias em que não desejo nada mais do
que ligar para minha irmã, ouvi-la dizer como está orgulhosa de mim,
ouvir meus pais dizerem que me amam.
E se desejos fossem peixes... o meu seria aquele que escapou por
um buraco na rede.

Jogo meu telefone na mesa, decidindo esperar até amanhã para


fazer as ligações para meus contatos. Agora, tudo que eu preciso é dar o
fora deste escritório e fazer algo para tirar minha mente da minha
família. Qualquer coisa que me ajude a chutar esse mau humor que caiu
sobre mim quando eu deveria estar comemorando.

Voltando para o meu computador, eu faço um trabalho rápido de


salvar o triplo do meu progresso na minha próxima peça antes de desligar
para o dia. Faltam algumas horas para meu horário normal acabar, mas
algo me diz que Izzy não se importará que eu saia um pouco mais cedo
hoje.

Estou prestes a pegar minha bolsa da última gaveta da minha mesa


quando o telefone do escritório toca. Dawn, a recepcionista e atrevida
aqui no Double Dub, vem na linha.

— Kate?

Eu afundo na minha cadeira. — Sim? — Eu pergunto timidamente,


sabendo que ela nunca me interrompe durante o horário de trabalho, a
menos que seja algo importante.

— Você recebeu uma ligação de Aarabelle Gilcher na linha dois.

Minha testa franze, e eu vasculho meu cérebro, tentando localizar


o nome. Mas não me vem nada. Certamente eu me lembraria de um nome
incomum como Aarabelle?

— Você pode anotar uma mensagem, D? Eu estava saindo.


— Tentei isso, — diz ela, o que eu praticamente já percebi. Como
eu disse, Dawn é ótima por não deixar ninguém passar, se ela puder
evitar. — Ela insiste em falar com você. Ela diz que é urgente.

Como repórter, conheço quase todas as táticas do livro para passar


por uma recepcionista teimosa. Eu conhecia cada frase e cada
estratagema que me ajudaria a ir na recepção para a pessoa com quem eu
queria falar, mesmo que em noventa e nove por cento do tempo eu
estivesse falando merda.

E não apreciei ninguém tentando puxar a mesma coisa sobre mim


e meus colegas de trabalho. Eu não tenho ideia de quem era essa
Aarabelle Gilcher, mas não há nenhuma maneira no inferno que o que ela
tem a dizer para mim não pode esperar até amanhã.

Ainda assim, não é responsabilidade de Dawn lidar com idiotas. E


Aarabelle é provavelmente apenas mais um jornalista que quer que eu
forneça feedback sobre seu trabalho final. Não deve demorar muito para
se livrar dela.

— Obrigada, D. Você pode colocá-la na linha, — digo, tentando


esconder o aborrecimento do meu tom para que Dawn não pense que é
dirigido a ela.

— Você a tem, — Dawn responde, o telefone apitando mais uma


vez antes da estática abafada encher a sala.

Eu brevemente debato desligar, dizendo a Dawn que a conexão


falhou e que deve ter caído a ligação durante a transferência, e fugir do
escritório antes que a mulher pudesse ligar de volta.
Mas sei que só atrasaria o inevitável. Além disso, Dawn tem coisas
melhores a fazer do que atender ligações dessa garota a tarde toda.

Melhor colocá-la em seu lugar agora, para que ela saiba o quão
inaceitável, isso é antes de tentar com alguém que pode não ser tão
misericordioso. A indústria do jornalismo pode ser vasta, mas as pessoas
falam. E uma marca negra em seu histórico antes mesmo de você
realmente ter a chance de começar pode arruinar uma carreira.

— Kate Mitchell, — grito enquanto pego o telefone do gancho.

— Oh, um - oi, — a mulher do outro lado da linha gagueja. —


Desculpe, eu não esperava que você respondesse tão rapidamente.

— Como posso ajudá-la, Sra. Gilcher? — Eu pergunto, mantendo


meu tom conciso e minhas palavras curtas.

— Bem, eu não tenho certeza de como te dizer isso, mas...

— Sou uma mulher muito ocupada, Sra. Gilcher. Você pode, por
favor, cortar as gentilezas e ir direto ao ponto?

Sei que estou sendo rude, mas quanto mais cedo ela me disser o
que quer de mim, mais cedo poderei rejeitá-la e continuar meu dia.

Eu posso praticamente sentir a mulher enrijecer através do


telefone, sua respiração presa momentaneamente antes de ela limpar a
garganta. Eu posso dizer que ela não está acostumada que falem assim,
mas se essa garotinha vai se dar bem nas ligas grandes, ela tem que ficar
dura bem rápido.

— É sobre sua irmã, — ela diz, toda incerteza agora desaparecendo


de sua voz, substituída por irritação.
As palavras são a última coisa que eu esperava ouvir, e sou
momentaneamente pega desprevenida. — M-minha irmã? O que você
sabe sobre minha irmã?

Que diabo é o jogo dela? É usar informações para conseguir o que


você deseja... e depois cruzar os limites. Algo me diz que essa mulher está
prestes a passar direto por aquela linha.

— Sua irmã é Felicity Dempsey, correto?

Ainda não me acostumei com o nome de casada da minha irmã,


embora já tenham se passado dez anos desde o casamento para o qual
não fui convidada. Provavelmente porque posso contar com uma mão
quantas vezes ouvi falar em voz alta.

— Olha, eu não sei o que você...

— Felicity Dempsey é sua irmã? — ela interrompe.

— Sim, — eu cuspo.

— Eu sou Aarabelle Gilcher. Meu irmão é Shane Dempsey, marido


de Felicity.

Agora estou ainda mais confusa. Por que a cunhada da minha irmã
está ligando?

— Ok, — eu respondo, prolongando a última sílaba da palavra


alguns segundos para que ela saiba que não tenho ideia do que isso
significa para mim.

— Cinco dias atrás sua irmã se envolveu em um acidente de


carro. Lamento dizer que ela não sobreviveu.
Meu aperto no telefone afrouxa, o telefone caindo na mesa
enquanto todo o ar evacua meus pulmões.

Felic - Felicity está morta?

Minha mente começa a girar a um milhão de quilômetros por


hora, tentando dar sentido a essas três pequenas palavras. Mas não
importa como eu as diga, não importa em que ordem eu as coloque, não
importa quantas vezes eu as repita indefinidamente em minha cabeça, eu
simplesmente não consigo entender seu significado.

O som de uma voz metálica corta minha névoa, e eu percebo que


ainda não peguei o telefone de onde ele caiu na minha mesa. Minhas
mãos clamam para alcançá-lo, meus dedos tateando algumas vezes antes
de segurá-lo. Eu pressiono no meu ouvido, esperando como o inferno que
eu tenha entendido mal.

— Sinto muito, acho que devo ter tido uma conexão ruim. Você
pode repetir isso?

Por favor, deixe as próximas palavras saírem de sua boca qualquer


coisa diferente do que eu pensei que fossem.

Aarabelle solta um suspiro simpático. — Olha, eu sei que isso deve


ser um choque para você. Pelo que meu irmão me disse, vocês duas não
eram próximas. Mas eu não achei justo esconder issovocê. Felicity faleceu
há cinco dias e será sepultada neste sábado no cemitério de Rosewood. O
serviço religioso começará às quatro horas, se você quiser participar.
De alguma forma, consigo gaguejar uma resposta, agradecendo à
mulher por sua ligação, toda a minha irritação de apenas alguns
momentos atrás desapareceu em um instante.

Porque se não fosse por ela, eu não saberia.

Se não fosse por essa estranha, eu não teria ideia de que minha
única irmã morreu com cinco. Dias. Atrás.

Como meus pais não me ligaram?

E então a última parte do telefonema passa pela minha


cabeça. Não achei justo esconder isso de você.

Eles não queriam que eu soubesse. Meus pais tomaram a decisão


consciente de não me contar sobre o falecimento de minha irmã.

Eles não me queriam em seu funeral. Eles não queriam que eu


pudesse dizer adeus.

Depois de todos esses anos, e mesmo na morte, eles ainda se


recusaram a ver o meu lado.

Bem, foda-se eles.

Posso não ter conseguido consertar as coisas com Felicity


enquanto ela ainda estava viva. Mas eu seria amaldiçoada se eu deixar
alguém me impedir de dizer adeus à pessoa que eu mais amo no mundo.

Mesmo que ela não tivesse me amado de volta.

Pegando minha bolsa, eu volto para o escritório de Izzy, minha


cabeça em transe enquanto tento processar os últimos dez minutos.

Minha irmã se foi.


Meus pais não me querem no funeral.

Uma mulher que nunca conheci é minha única aliada quando se


trata de minha família.

E, aparentemente, estou voltando para a Virgínia.

Ainda bem que tenho uma porrada de dias de férias acumuladas,


penso enquanto abro a porta de Izzy.
CAPÍTULO TRÊS

Shane

Sempre odiei dizer que ele ou ela está em um lugar melhor.

Tipo, se esse outro lugar que supostamente vamos quando


morremos é tão bom, por que diabos passamos nossas vidas inteiras
lutando para ficar longe dele?

Eu vou te dizer por quê. É porque ninguém realmente sabe o que


diabos acontece depois que morremos, mas fingir que age como se
houvesse um grande reino apenas esperando para nos receber é mais fácil
do que admitir que você está com cagando de medo.

Eu vivi meu quinhão do inferno. Eu vi as entranhas da terra e sei o


que é pensar que você nunca verá o amanhecer de outro dia. Eu sei o que
é sentir seu corpo tão maltratado, tão quebrado, que mesmo afundar no
abismo parece preferível a respirar novamente.

Mas posso te dizer uma coisa. Cada golpe de morte, cada encontro
íntimo que experimentei... nunca houve um coro de anjos esperando para
me varrer em suas asas.

Não havia nada além de escuridão.

Então, quando a centésima pessoa aperta minha mão, diz que


sente muito por minha perda - nem me faça começar com essa frase -
e tenta me assegurar de que minha esposa está agora em um lugar
melhor, eu cerro os dentes, espero que o sorriso falso que coloquei em
meus lábios seja convincente o suficiente para enganá-los e fazê-los
pensar que não quero enfrentá-los.

Seus jargões estão me matando. Quando olho ao redor da sala,


percebo que não conheço nem mesmo um quarto dessas pessoas. A
maioria delas, estou supondo, são amigos e colegas de Felicity do colégio
onde ela ensinou inglês para a décima segunda série. E a julgar pelo
número de jovens ocupando o espaço, vou arriscar e dizer que uma boa
quantidade dos alunos dela também apareceu.

E tudo o que eles querem falar é sobre a pessoa incrível que


Felicity foi. Como se eu não tivesse passado mais de dez anos da minha
vida com ela. Como se eu não a conhecesse melhor do que essas pessoas
jamais poderiam esperar.

Bem, considerando que ela me surpreendeu com a notícia de seu


caso... Acho que não a conhecia tão bem quanto pensava.

Tudo o que posso dizer é agradecer a Deus por Aara. Se não fosse
por ela, não tenho certeza se seria capaz de me controlar. Porque se há
uma coisa que eu ouvi mais do que quão adorável Felicity era e quão
trágico é que nós a perdemos, é que ela me amava e minhas garotas mais
do que qualquer coisa no mundo.

Você e suas filhas foram a luz da vida dela.

Você poderia dizer o quanto ela o amava apenas pela maneira


como ela falava de você.

Nunca vi uma esposa e mãe mais dedicada.


Essa última quase me fez rir, literalmente, alto. Mordi minha língua
com tanta força que ainda podia sentir o gosto amargo dos restos de
sangue na boca, a carne ainda sensível da marca dos meus dentes.

Se ao menos essas pessoas soubessem a verdade. Se eles


soubessem exatamente o que Felicity estava disposta a desistir pelo bem
de seu amor recém-descoberto.

A amargura e o ressentimento que sinto agitam como um furacão


em minhas entranhas, constantemente em guerra com o meu lado que é
verdadeiramente triste por nunca mais ver minha esposa novamente. Eu
odeio que ela me colocou nesta posição. Eu odeio não poder chorar por
ela adequadamente. E, principalmente, odeio que ela tenha me deixado
aqui sozinho para juntar as peças de seu erro.

O agente funerário sobe ao pódio, um breve toque no microfone


chama a atenção de todos e sinaliza que é hora de se sentar. Eu respiro
um suspiro de alívio, grato por finalmente podermos colocar esse show na
estrada e eu poder levar minhas filhas de volta para casa, onde elas
pertencem.

Me desculpando com a pessoa sem nome e sem rosto diante de


mim, atravesso a sala e me sento ao lado de meus pais. Gracie e Ellie
sentam sombriamente no banco ao meu lado, ambas com os olhos baixos,
seus bracinhos ligados enquanto a cabeça de Ellie repousa no ombro de
Gracie.

Ataque isso. Há algo que odeio mais do que ter que lidar com as
consequências do caso de Felicity. Eu viveria a dor de saber de sua
indiscrição mil vezes se isso significasse não ter que ver a dor nos olhos
das minhas meninas sempre que elas se lembrassem de que sua mãe
nunca vai voltar para casa.

Maldição, Felicity, acho que pela milésima vez desde que recebi a
notícia de sua morte. Veja o que você fez.

O diretor faz alguns comentários, agradecendo a todos por terem


vindo homenagear um pilar tão importante de nossa comunidade. Sento-
me em silêncio, envolvendo um braço em volta das minhas duas meninas
e colocando-as ao meu lado enquanto as poucas pessoas que Debbie
pediu para falar pegam o microfone. Um grupo de meninas do coro do
colégio se reúne ao redor do piano para cantar um hino que nunca tinha
ouvido antes. Eu tentei manter o serviço o mais secular possível,
considerando minha própria posição sobre a vida após a morte e Deus,
mas Debbie insistiu que era isso que Felicity teria desejado.

Eu implorei para discordar. Tenho quase certeza de que se Felicity


acreditasse na vida após a morte, ela não teria feito tudo que pudesse
para condenar sua própria alma.

Mas de qualquer forma. Eu poderia sofrer durante alguns minutos


com alguma besteira sobre Jesus se isso significasse tirar minha sogra
de cima de mim. Eu tinha traçado o limite em forçar as meninas a cantar,
no entanto. Elas estavam passando por bastante.

Assim que a música termina, o diretor retoma o microfone,


avisando a todos que o serviço está quase completo. Eu solto uma
respiração instável, sabendo que o momento que estive temendo na
última semana finalmente chegou.
— Agora, para encerrar nossa lembrança da amada Felicity
Mitchell Dempsey, seu marido, Shane, gostaria de fazer alguns
comentários.

Eu me inclino para frente e pressiono um beijo no topo da cabeça


de cada uma das minhas garotas, dando-lhes outro aperto. — Papai já
volta, ok?

Gracie acena com a cabeça contra a minha bochecha, seu aperto


em sua irmã mais nova quando eu me movo para ficar de pé. Os olhos de
Ellie ficam fixos na ponta dos sapatos, suas perninhas longe de serem
longas o suficiente para alcançar o chão no banco da funerária.

A visão delas ali, amontoadas, tão claramente perdidas quanto ao


que fazer a seguir quase me deixa paralisado. Lágrimas brotam dos meus
olhos quando me aproximo do pódio, e quando tomo meu lugar diante do
microfone, há uma picada quente perfurando o atrás da minha garganta.

Com uma limpeza não tão sutil da minha garganta, eu posiciono o


microfone na frente dos meus lábios. Eu vejo várias mulheres na plateia
agarrando seus tórax, claramente confundindo minha emoção de olhar
para minhas filhas como tristeza por perder minha esposa.

Não consigo me importar, no entanto. Se as pessoas querem olhar


para mim e ver um viúvo enlutado, que seja. Além disso, realmente não
importa o que elas pensam agora, de qualquer maneira. Nada corrigirá o
mal que foi feito às minhas meninas.

— O-obrigado por terem vindo, — eu começo, minha voz ainda


cheia de lágrimas não derramadas. — Eu sei que Felicity teria gostado.
Meus olhos mais uma vez examinam a multidão, os nervos
tomando conta quando eu percebo quantas pessoas estão aqui. Quantos
estranhos. Quantas pessoas eu provavelmente deveria ter conhecido, mas
agora nunca conheceria.

Quando Felicity e eu nos distanciamos tanto? Quando ocorreu a


mudança em nosso casamento que nos deixou levando duas vidas
completamente diferentes?

Houve um tempo em que compartilhamos tudo. Onde nenhum de


nós poderia esperar para chegar em casa para compartilhar os detalhes de
nossos dias com o outro. Houve um tempo em que os amigos de Lissy
eram meus amigos e vice-versa. Houve um tempo em que eu poderia
olhar ao redor desta sala e nomear cada pessoa que era importante para
ela.

Mas, para ser honesto comigo mesmo, aquele tempo já havia


desaparecido. Não tinha acontecido apenas por causa do caso. Algo
fundamental em nosso casamento mudou depois daquela última viagem
ao Afeganistão.

Aquela que quase me matou.

Como se fosse uma deixa, o tecido cicatricial ao redor do coto do


meu joelho começa a latejar, a prótese que se tornou quase uma parte
natural do meu corpo de repente parece errada e fria contra a minha
pele. Tenho vontade de tirá-lo, de jogar contra uma parede o pedaço de
metal que representava a parte mais escura da minha vida.
Eu fiz o meu melhor para manter minha vida no exterior separada
da minha vida em casa. Para manter minha vida familiar longe da minha
vida militar.

Mas depois dessa missão...

Porra, posso mesmo culpar Felicity por se apaixonar por


mim? Toda a raiva e ressentimento que estão percorrendo minhas veias
nestes últimos dias parecem desaparecer em um instante. Porque, para
ser honesto comigo mesmo, tudo isso é minha culpa.

Deixei meus olhos voltarem para minhas meninas, para meus pais
e meus sogros, para minha irmã. Eu machuquei tantas pessoas. Muitos
eventos foram acionados por causa de minhas escolhas.

— Felicity sempre gostou de rir, — eu digo, observando


enquanto o rosto da minha sogra se desmancha em lágrimas ao som de
seu nome. O braço do meu sogro a envolve, e ela afunda ao lado dele, sua
mão subindo para abafar o som de seus soluços.

Eu não aguento isso. Eu não aguento assistir essa pobre mulher


quebrar e saber que é tudo minha culpa.

Meus olhos vão para o fundo da sala, escolhendo focar em um


objeto perto da porta em vez de em qualquer pessoa. Eu só preciso
aguentar os próximos minutos, e posso pegar minhas garotas e ir embora.

— Não havia som mais contagiante do que a risada de Lissy, — eu


continuo. — Aqueles de vocês que tiveram sorte de tê-la conhecido
sabem exatamente do que estou falando. Ela tinha esse jeito de iluminar
uma sala, de deixar cada lugar que ela ia um pouco mais feliz.
Um movimento perto da entrada traseira chama minha atenção,
tirando meus olhos da minha marca e fazendo minhas palavras vacilarem
momentaneamente.

Uma mulher está parada atrás, longe da massa de pessoas


reunidas nos bancos. Ela está toda vestida de preto, um grande chapéu
preto inclinado de forma a obscurecer a maior parte de seu rosto. Sua
mão enluvada está levantada para sua boca, seus dedos pressionados em
seus lábios como se ela também estivesse tentando conter o choro.

Como a maioria das pessoas aqui, não tenho ideia de quem ela
é. Nenhuma pista de quem ela era para Felicity ou o que as duas
significavam uma para a outra. Mas, mesmo à distância, não consigo
evitar a sensação de que, de alguma forma, conheço essa pessoa.

Por que ela está parada no fundo? Ela tinha ido ao velório antes
dos serviços funerários?

Não me lembro de ter visto uma mulher como ela passar pela fila,
mas suponho que seja possível que eu apenas a tenha perdido.

Meus olhos permanecem treinados sobre a estranha, minha


mente girando enquanto tento vizualizá-la continuando meu elogio.

— Lissy odiaria o fato de que estamos todos chorando por ela. Ela
acreditava firmemente em viver a vida ao máximo, e posso imaginá-la
vendo todos nós aqui, olhos avermelhados e as bochechas molhadas. Ela
olharia para todos nós e diria “não fique triste. Porque triste não é bom.”

A frase favorita de Felicity para dizer às garotas sempre que elas


estavam se sentindo tristes me rendeu uma risadinha coletiva, e sou grato
pela quebra da tensão. O peso no meu peito diminui um pouco, e sou
capaz de fazer o resto do meu elogio sem problemas.

Depois de fazer minhas observações finais, encontro um enxame


de pessoas quando desço do pódio. Tento aceitar seus votos de boa sorte
e remorso, mas tudo o que realmente quero é chegar às minhas meninas.

Finalmente, depois do que pareceu uma eternidade, encontro meu


caminho de volta para minha família. Ellie joga os braços em volta das
minhas pernas assim que me vê, seus dedinhos agarrando minhas roupas
e tentando subir até meus braços. Eu a levanto e a seguro contra o meu
peito, o peso de seu pequeno corpo mais reconfortante do que qualquer
quantidade de abraços, palavras e apertos de mão de uma sala cheia de
estranhos.

Minha mãe se aproxima de mim então, puxando eu e Ellie contra


ela em um abraço apertado. — Você fez um trabalho tão bom, filho. Foi
uma bela homenagem. — Quando ela se afasta, posso ver que seus olhos
azuis estão contornados de vermelho, as manchas fracas de seu rímel
ainda manchando suas bochechas. Ela ri enquanto dá um tapinha neles. —
Eu deveria saber usar maquiagem à prova d'água para os olhos.

Meus pais ainda não têm ideia da infidelidade de Felicity. E tenho


toda a intenção de manter assim. Eu não preciso manchar suas memórias
dela por causa de uma indiscrição.

Uma garganta limpa atrás de mim, e me viro para descobrir que


meu pai se juntou a nós. Com mais de um metro e oitenta de altura e os
mesmos olhos azuis cristalinos que ele concedeu a mim, Liam Dempsey é
um homem bonito, mesmo com quase sessenta anos de idade. Claro, há
um pouco de cinza misturado em seu cabelo cor de nogueira e a nuca que
ele ostentou durante toda a minha vida agora é uma mistura de sal e
pimenta, mas é fácil ver de onde ele conseguiu seu indicativo naquela
época.

Dreamboat4.

Para minha sorte, sou sua imagem cuspida. Não tive tanta sorte-
os caras da Cole Security, a firma de segurança de nível militar que os
amigos do pai de Jackson e Mark possuem e operam e o único lugar quese
dispôs a me contratar após minha lesão - começou a me chamar de DeeJ.

Dreamboat Jr. DeeJ para breve.

Deixe-me dizer o quanto adoro ser apelidado em homenagem a


uma adolescente de uma seridado dos anos noventa. Uma vez que Mark
Dixon fez a conexão e apontou para o resto dos caras... bem, vamos
apenas dizer que o idiota tinha um monte de merda para falar por alguém
cujo indicativo veio de uma porra de livro de vampiros adolescente.

A mão do meu pai aperta meu ombro, seu polegar e indicador me


dando um aperto firme. — Você fez bem, filho. Lissy teria adorado isso.

O calor pica minha garganta, o som do apelido da minha falecida


esposa nos lábios do meu pai quase me matando. Não faz nenhum
sentido. Já o ouvi chamá-la de Lissy centenas, talvez milhares de vezes ao
longo dos anos. Mas por algum motivo, ouvi-lo agora, depois de tudo o
que aconteceu...

4
Barco dos sonhos
Meu aperto em Ellie aumenta, meu peito doendo quando outro
pedaço do meu coração se quebra.

Eu viro meu rosto para longe da minha família, esperando que a


breve pausa ajude a limpar minha cabeça. Se eu tiver que ficar aqui mais
um segundo, ouvindo sobre como é lindo o culto ou como foi adorável
meu discurso...

Um flash de movimento chamou minha atenção do fundo da


sala. A mulher de antes.

Meus olhos a procuram instantaneamente, todos os pensamentos


de lágrimas iminentes agora esquecidos, minha mente agora focada em
descobrir quem ela é e o que está fazendo aqui.

Ela está de costas para mim agora, seus passos medidos enquanto
ela se dirige para a saída, claramente não querendo chamar atenção para
si mesma. Eu viro meu olhar para baixo para Gracie, encontrando-a colada
ao lado da minha mãe. Minha sogra e meu sogro estão se aproximando e
sei que, se não me mexer agora, vou sentir falta dela.

— Mãe, você pode cuidar da Gracie por um segundo? — Eu chamo


por cima do ombro, sem me preocupar em esperar pela resposta porque
sei que será sim. Eu coloco Ellie no meu quadril, decidindo que ela vai me
acompanhar em minha missão. Primeiro, porque não quero lidar com o
colapso,isso com certeza acontecerá se eu tentar colocá-la no chão. E em
segundo lugar, porque não estou pronto para abrir mão de meu controle
sobre ela também.

Eu mantenho minha cabeça baixa enquanto atravesso a sala,


esperando que meu passo rápido e o fato de que eu tenho minha filha em
meus braços enquanto me dirijo para a saída impeçam qualquer um de
tentar me segurar. Funciona e, antes que eu perceba, estou apenas alguns
metros atrás da mulher.

Há algo estranhamente familiar nela, mesmo por trás. Algo sobre


sua forma, sua estatura. Até o cabelo dela.

— Com licença, — eu chamo quando estou ao alcance da voz.

A cabeça da mulher vira para o lado, dando-me uma dica do perfil


de seu rosto. Óculos escuros protegem seus olhos, mas sua surpresa ao
ouvir falar é clara pelo pequeno O que sua boca faz ao me ver.

Antes que eu possa dizer outra palavra, ela se vira, colidindo com
um homem idoso parado entre ela e a porta. Não consigo entender suas
palavras apressadas enquanto ela tenta se mover ao redor dele sem
derrubá-lo, mas posso ouvir seu tom esgotado.

Esta mulher tem medo de mim?

A confusão me inunda enquanto eu acelero meu ritmo, querendo


agora mais do que nunca descobrir o que exatamente está acontecendo
aqui.

— Com licença, senhora, — eu chamo novamente. — Posso por


favor...

— Quem é essa papai? — A voz de Ellie é mansa quando sua


cabecinha deixa meu ombro, seus olhos agora seguindo a mulher
também.
A mulher para ao som da voz da minha garotinha. Eu vejo como
sua mão sobe para o peito, seus ombros caem para frente como se ouvir
Ellie falar de alguma forma causasse sua dor física.

Não tenho ideia de por que as palavras de Ellie a afetariam assim,


mas tenho certeza de que não vou desperdiçar a oportunidade. Usando
sua perplexidade momentânea em minha vantagem, eu encurto a
distância entre nós. E só para ter certeza de que ela não vai fugir de novo,
coloco minha mão em seu cotovelo.

— Me desculpe, eu não acho que nós nos conhecemos, — eu digo,


tentando soar normal e não como se tivesse perseguido uma mulher
aleatória através de uma sala. — Como você conheceu Felicity?

Sua coluna endurece com o meu contato, seu rosto fica o mais
longe possível de mim. É como se ela estivesse tentando não olhar para
mim.

Eu brevemente me pergunto se ela sabe sobre o caso de


Felicity. Se ela de alguma forma soubesse dos detalhes. Talvez ela fosse a
confidente de Felicity... é por isso que ela não sente que pode me
encarar? Ela a ajudou a encobrir?

Mas antes que meus pensamentos possam ir longe demais nessa


trilha, a mulher finalmente fala. — Eu não. Quer dizer, eu costumava. Mas
eu não faço mais.

Seu tom é triste, e eu sei que se olhasse por trás daquelas grandes
óculos de sol, encontraria seus olhos tão vermelhos quanto os meus na
semana passada.
— Você era uma amiga de infância?

Minhas palavras parecem doer, seu corpo inteiro recuando com a


reação.

— Você poderia dizer isso.

— Bem, obrigada por ter vindo, — eu digo, de repente percebendo


o quão tolo estava agindo. Eu não conheço essa mulher. Talvez eu tenha
visto uma foto dela em um dos anuários de Lissy ou algo assim, e é por
isso que ela parecia familiar. Mas agora estou sendo simplesmente
assustador.

Eu soltei seu cotovelo, dando um passo para trás para sair de seu
espaço. — Por favor, fique à vontade para passar em casa depois, se
quiser. Tenho certeza de que mais velhos amigos de Felicity estarão
lá. Eles provavelmente adorariam ver você.

A mulher dá mais um passo em direção à porta assim que meu


aperto cai, mas minhas palavras a param. Virando o rosto ligeiramente
para o lado, ela parece que vai falar, mas então pensa melhor.

Com uma sugestão de um suspiro, ela se vira, seus saltos estalando


contra o vestíbulo de azulejos enquanto ela se aproxima da porta.

— Ela se parece com a mamãe, — Ellie diz enquanto observa a


mulher se afastar, com a cabeça caindo no meu ombro.

Eu estava prestes a me virar e voltar para o resto da nossa família,


mas o gelo inunda minhas veias quando as palavras de Ellie são
registradas.

Sua forma. Sua estatura. A porra do cabelo dela.


A mulher deve ter ouvido Ellie também, porque quando me viro
para olhar para ela, ela não está mais de costas para mim.

E mesmo com as mãos cobrindo a boca, posso ver.

O nariz de Lissy. O tom aparentemente normal de cabelo castanho


de Lissy que brilha ligeiramente dourado na luz brilhante do teto. E por
trás daqueles óculos...

Ela tem os olhos de Lissy?

Eu me aproximo dela, estendendo a mão e tirando os óculos de


seu rosto antes que ela tenha a chance de me impedir. Ela estremece com
o movimento inesperado, mas não consigo reunir energia para me sentir
mal por isso.

Porque diante de mim, bem aqui no funeral da minha esposa, está


Kate fodida Mitchell.

Meus dentes cerram enquanto uma centena de palavras odiosas


passam pela minha mente. Mas antes que eu possa liberar qualquer uma
delas, eu preciso...

Abaixando-me sobre um joelho, estendo a mão e solto os braços


de Ellie do meu pescoço.

— Ellie, querida, preciso que você vá encontrar Nana e Gracie.

Ela se joga de volta em mim. — Não, papai!

Eu a puxo para longe. — Vamos, Monkey5. Eu preciso que você me


escute agora.

5
Apelido carinhoso para crianças, mas na tradução fica “macaquinho.”
Ela soluça na minha camisa. — Por favor, papai. Por favor, não me
faça ir.

— Está tudo bem, — interrompe a voz de Kate. — Estou saindo.

Lancei um olhar feroz em sua direção, deixando-a saber o que


penso dela saindo antes de eu dizer o que quero dizer.

— Ellie, você precisa...

— O que está acontecendo aqui? — A voz de Aara


interrompe. Meu olhar vai para ela, e eu percebo que a explosão de Ellie
chamou a atenção de todos na vizinhança.

— Aara, — eu imploro. — Você poderia, por favor, levar Ellie de


volta para mamãe e papai? Eu preciso falar com esta... pessoa.

— Nãããão, — Ellie lamenta.

Aara olha de onde estou ajoelhado no chão com minha filha para
Kate. Eu vejo como ela dá-lhe uma avaliação de once-over antes de voltar
para mim.

— Shane, acho melhor você se acalmar.

As palavras de Aara me surpreendem. — O que você quer dizer


com 'acalmar?' Você tem alguma ideia de quem ela é?

Aara lança um olhar de desculpas para Kate, e meu queixo


cai. Sério?

— Eu sei exatamente quem ela é, Shane. Eu a convidei.

— Você fez o quê?


A traição da minha irmã me corta profundamente. Ao longo de
todos os anos. Todas as implantações. O meu casamento. Seus
relacionamentos fracassados... em tudo isso, sempre houve uma
constante.

Aara sempre me protegeu.

E eu sempre protegi ela.

Então, para ela ir contra a minha vontade e fazer isso ? Hoje, entre
todos os dias?

Eu fico de pé, levando Ellie comigo. Eu atiro a Aara um olhar que


diz a ela que isso não acabou antes de me virar para Kate.

— Eu não sei por que você veio aqui, mas você precisa ir
embora. Agora. E fique bem longe da minha família.

O lábio inferior de Kate treme enquanto seus olhos vão de mim


para Ellie algumas vezes antes que ela se vire e empurre seu caminho para
fora da porta.

Eu sinto a presença de Aara ao meu lado enquanto vejo a porta se


fechar. — Você nem mesmo...

Eu me afasto antes que ela possa terminar.


CAPÍTULO QUATRO

Kate

Estúpida.

Estúpida, estúpida, estúpida!

Minha necessaire cai no chão enquanto eu corro pelo quarto do


hotel, tentando reunir meus pertences o mais rápido possível para que eu
possa dar o fora desta cidade e voltar para onde eu pertenço.

Não sei o que estive pensando. Eu sabia que vir aqui era uma má
ideia. Meus pais e Felicity deixaram isso bem claro na década em que
estive fora.

Não sou bem-vinda em Virginia Beach. Eu não era naquela época,


e certamente não sou agora.

Agradeço às minhas estrelas da sorte por ter conseguido dar o fora


de lá antes que meus pais me vissem.

Estúpida!

Essa palavra tem se repetido na minha cabeça desde o momento


em que percebi que Shane Dempsey estava me seguindo para fora da
porta.

Foi uma tolice pensar que eu poderia comparecer ao funeral da


minha irmã sem que ninguém percebesse. Idiota pensar que seria capaz
de me livrar prestando meus respeitos e dizendo adeus sem
que alguém percebesse quem eu era.
Só não esperava que fosse ele.

O olhar de puro ódio no rosto de Shane Dempsey quando ele


percebeu minha identidade me abalou profundamente. Nunca em meus
vinte e oito anos alguém que eu nunca conheci olhou para mim com tanta
animosidade e desdém, como se minha presença o fizesse adoecer.

Claro, Felicity e meus pais me trataram assim por anos antes de eu


partir. Mas nunca alguém que eu não conhecesse.

O que só me fez pensar no que minha irmã havia dito a ele.

Com que mentiras e meias-verdades ela envenenou a mente de


seu marido, com que vitríolo6 e ódio ela o alimentou para fazê-lo me
desprezar tanto à primeira vista.

O tempo todo que Shane esteve no pódio, falando sobre suas


memórias da minha irmã, de seu espírito e humor, parecia que ele estava
falando sobre uma pessoa diferente. A pessoa eu costumava conhecer.

Uma breve esperança passou por mim. Talvez Lissy tivesse


mudado. Talvez antes de falecer, ela não era mais a garota que me
desprezava profundamente, e em vez disso encontrou seu caminho de
volta para a pessoa doce e feliz que eu conheci e amei.

Ela tinha morrido antes de ter a chance de me alcançar? Para


reconciliar os destroços de nosso relacionamento?

Meu coração se partiu com o pensamento de Lissy querer estender


a mão e não saber como. Pensar que as coisas estavam muito quebradas
para consertar.

6
Nome antigo para o Ácido Sulfúrico.
Se ela soubesse o quanto eu queria isso também.

Mas então um olhar para Shane Dempsey quando ele me


descobriu foi tudo que eu precisava para dissipar essa ideia.

Felicity nunca me perdoou. Ela não morreu querendo consertar


nosso relacionamento. Ela morreu me odiando tanto quanto no dia em
que fui embora.

Não tenho certeza do que é pior. Saber que sua irmã detestava sua
existência até o dia em que morreu. Ou tendo aquele breve lampejo de
esperança. Um momento em que você acha que as coisas poderiam não
ter sido tão ruins, que talvez, se você tivesse apenas um pouco mais de
tempo, as coisas poderiam ter melhorado. Apenas para ter essa esperança
espalhada pelos alicerces da verdade.

Pegando um par de sapatos, coloco-os na minha mochila antes de


voltar para pegar a bolsa derramada de produtos de higiene pessoal. Eu
me vejo no espelho de corpo inteiro enquanto o faço, e o que vejo me faz
cair de joelhos.

Minhas bochechas estão vermelhas, meus olhos vermelhos e


inchados. Meu rabo de cavalo antes elegante agora está em desordem
completa, as mechas saindo ao acaso ao redor do meu rosto. Mas não é
minha aparência desgrenhada que me enfraquece.

É o olhar de desgosto total e absoluto que vejo no fundo dos meus


olhos.

Felicity tem filhos.

Não apenas isso. Ela tem duas meninas.


Teve, eu me lembro. Acho que minha mente nunca vai se
acostumar com a ideia de um mundo sem Felicity.

Como Felicity pôde ter filhos e não me contar?

Serei a primeira a admitir que conhecia bem o Facebook


perseguindo minha irmã mais velha. A invenção da mídia social foi uma
grande coisa para pessoas como eu, aquelas desesperadas para
acompanhar o que acontecia na vida de outra pessoa, sem a capacidade
de fazê-lo na vida real. A maioria das famílias o usava como uma
ferramenta para manter contato com seus entes queridos em todo o
país. Isso não era totalmente falso para mim. Eu morava muito longe de
minha irmã. Ela simplesmente nunca tinha percebido minhas visitas ao
seu perfil.

Para minha sorte, uma coisa que nunca mudou em Lissy foi sua
necessidade constante de validação e aprovação. Eu nem mesmo tive que
me esforçar para obter acesso às fotos dela, porque ela tinha todas elas
definidas como públicas. Fotos dela e de seu lindo marido no dia do
casamento. Aniversários. Fotos dela com amigos, colegas de trabalho...
até mesmo alunos. Felicity era religiosa em manter seus amigos do
Facebook e seguidores do Instagram constantemente atualizados sobre
suas atividades diárias.

Mas, evidentemente, havia uma parte de sua vida que ela decidiu
manter privada. Ela simplesmente nunca postou fotos das garotas,
preferindo manter seus rostos longe das redes sociais e longe dos olhos de
predadores em potencial? Ou ela simplesmente as tornara privadas,
guardando seus sorrisos preciosos e lindos olhos para aqueles em quem
ela confiava e amava?

Eu estava preparada para ver o homem com quem minha irmã


havia escolhido para passar a vida. Eu tinha visto suas fotos. Eu aprendi a
conhecer seu rosto, apesar da dor que sentia sempre que me lembrava do
dia em que percebi que ela se casou sem mim ao seu lado. Eu ainda podia
sentir o tapa metafórico no rosto que senti quando puxei o perfil de Lissy
naquele dia, apenas para encontrar a visão dela toda de branco, um
homem lindo com o braço enganchado em sua cintura, sorrindo para ela
como se ela fosse seu mundo inteiro.

Eu estava com ciúmes daquela foto e de todas as que vieram


depois dos dois juntos. Ciumenta do amor que eles obviamente
compartilhavam. Com ciúme da felicidade que minha irmã claramente
sentia sem minha presença. Com ciúme por ter encontrado o conto de
fadas, afinal, ao crescer, tudo que ela queria era ser escritora. Enquanto
isso, eu ansiava pelo tipo de homem que olharia para mim do jeito que
Shane Dempsey olhou para minha irmã.

Ou pelo menos, eu costumava.

Mas, por mais pronta que eu estivesse para vê-lo, nada poderia ter
me preparado para o choque de ver as duas garotinhas - garotas que se
pareciam tanto com Felicity - agarradas a suas pernas, seus olhares
distantes e rostos tristes quebrando em meu coração em dois.

Não havia dúvida de a quem aquelas doces garotas pertenciam,


seus cabelos escuros, rostos arredondados e lábios carnudos, obviamente
Felicity. E…
Eu.

A dor que passou por mim ao ver a mais velha envolver sua irmã
em um abraço quase me fez cair de joelhos. Porque não havia como
negar.

Elas se pareciam exatamente com Felicity e eu naquela idade, até


o rosa em suas bochechas e os babados em seus vestidos.

E nenhuma delas tem ideia de que eu existo.

A pequena nos braços de Shane tinha deixado isso bem claro


quando ela observou que eu parecia sua mãe, sua pequena sobrancelha
franzida enquanto ela tentava decifrar o que isso significava. E como se
isso não fosse um sinal suficiente, Shane Dempsey praticamente
vociferando sua exigência de que eu ficasse longe de sua família selou
minha suposição.

Shane sabia tudo sobre mim. E juntos, ele e Felicity tomaram a


decisão de não contar às meninas sobre sua irmã afastada.

Eu me inclino para frente, pressionando meu rosto contra o tapete


do hotel, incapaz de dar a mínima para quaisquer germes que possam
estar entrando no meu sistema através das minhas lágrimas. Eu soluço
contra o chão, a dor em meu peito é tão grande que parece o trabalho de
milhares de britadeiras minúsculas batendo direto contra meu coração.

Eu quero conhecer essas meninas. Quero segurá-las, abraçá-las,


contar histórias sobre mim e sua mãe. Eu quero assistir enquanto elas
crescem, ser a tia divertida que elas chamam sempre que seus pais as
irritam. Quero que saibam o quanto as amo, mesmo sem nunca as ter
conhecido, mas simplesmente porque existem.

Mas eu nunca vou.

E isso me quebra, porra.

Não tenho ideia de quanto tempo fico aqui sentada soluçando no


carpete sujo, não tenho ideia de quanto tempo as lágrimas e a dor no
coração saem de mim e caem no chão. Não é até que uma batida suave na
porta me puxa da minha tristeza, meus olhos disparando para a janela
para ver que a luz da tarde se transformou em noite.

Incrível, penso enquanto tento enxugar algumas das minhas


lágrimas. Provavelmente é a gerência para me expulsar, porque os outros
convidados no andar estão reclamando sobre a mulher louca soluçando.

Eu me olho rapidamente no espelho, me encolhendo com o que


vejo. Listras escuras marcam minhas bochechas, toda a maquiagem que
uma vez esteve em meus olhos agora espalhada ao redor do meu
rosto. Adicione a isso o estado do meu cabelo desgrenhado, e bem... Eu
ficaria surpresa se quem está na porta não saia gritando pelo corredor ao
me ver pela primeira vez.

Não consigo me importar, no entanto, então, em vez de tentar me


consertar e eliminar quem quer que seja, eu atravesso o quarto e abro a
porta.

Não é como se isso importasse de qualquer maneira. Estou


planejando deixar este hotel estúpido e ir para o aeroporto assim que
puder juntar minhas coisas o suficiente para fazer as malas.
Mas, em vez de um funcionário uniformizado, vejo uma
mulher. Uma mulher que já vi antes.

Aarabelle Gilcher.

Seu olhar vagueia lentamente sobre mim, seus olhos suavizando


quando ela alcança meu rosto. — Oh, querida.

Ela faz um movimento para entrar no meu quarto, seus braços


saindo como se ela fosse me abraçar. Dou um passo para trás, fechando a
porta para que estafique entre nós.

— O que você está fazendo aqui? — Eu pergunto, meu tom


cauteloso, meu corpo não quer aceitar que essa pessoa esteja aqui por
qualquer outra coisa que não seja por motivos maliciosos. — Eu ouvi seu
irmão alto e claro. Eu vou ficar longe.

Aarabelle Gilcher franze os lábios, seu rosto caindo quando ela


percebe que criei uma barreira entre nós. Ela balança a cabeça. — Não dê
ouvidos a Shane. Ele está passando por uma merda que não consigo nem
começar a compreender. Ele não sabe o que está dizendo.

Eu zombo. — Claro, parecia que ele sabia para mim.

Aarabelle se inclina contra o batente da porta do meu quarto,


cruzando os braços sobre o peito enquanto o faz. — Isso é porque você
não conhece Shane. Confie em mim. Ele acha que sabe o que está
fazendo. Ele acha que está fazendo o que é melhor para ele e para as
meninas. Mas ele está errado.
Abro a porta um pouco mais, suas palavras suavizando um pouco
da resolução que eu tinha de tirá-la daqui o mais rápido possível. — E o
que te faz pensar que ele está errado?

Ela encolhe os ombros. — Você não teria largado tudo e chegado


até aqui se fosse tão má quanto Felicity fez parecer de você. — Algo sobre
essas palavras, palavras de uma mulher que eu nem conheço, perfura meu
coração. Ela não me conhece, mas aqui está ela, dando-me o benefício da
dúvida. Algo que minha própria famílianão me deu em anos.

O que quer que eu esteja sentindo deve transparecer no meu


rosto, porque antes que eu percebesse, Aarabelle Gilcher abriu caminho
para o meu quarto e me puxou para seus braços.

É a primeira vez que sou abraçada... Deus, quanto tempo faz?

Tenho amigos em Chicago. Inferno, eu até tive namorados. Mesmo


assim, não consigo me lembrar da última vez que alguém me envolveu em
seus braços e apenas me abraçou.

Eu desmorono em seus braços, minhas lágrimas encharcando o


ombro de sua camisa enquanto ela me dá um tapinha gentil nas costas.

É o gesto mais reconfortante que senti em anos. E vem de uma


pessoa que eu nem conheço.

Eu choro até minhas lágrimas secarem, meu corpo não é mais


fisicamente capaz de produzir mais tristeza. Eu me afasto, enxugando
meus olhos enquanto olho para qualquer lugar na sala, menos para ela.
— Desculpe por isso, — eu digo, o calor subindo para o meu rosto
enquanto o constrangimento toma conta de mim. — Não tenho certeza
do que deu em mim.

Aarabelle dispensa minhas desculpas. — Você teve um dia


difícil. Tenho certeza de que não foi facilitado pelo meu irmão agindo
como um idiota.

Eu dou a ela um sorriso fraco. — Ele estava apenas tentando


proteger sua família.

Agora é a vez dela zombar. — Sim, porque você é tão


ameaçadora.

Eu olho para o meu corpo minúsculo. Com um metro e sessenta e


cinquenta quilos, provavelmente sou a pessoa menos intimidadora do
planeta. O que só fez com que o monstro que Felicity sempre me viu,
muito mais doloroso.

— Ei, você não sabe. Eu poderia ser faixa preta com toda essa
pequenez, — brinco, tentando aliviar o clima.

Aarabelle me dá outro olhar avaliador, batendo um dedo contra


seus lábios. — Você poderia. Mas eu vou arriscar e dizer que essas
pequenas pernas de frango não deram um pontapé em sua vida.

Meus olhos caem para minhas pernas. — Elas não são pernas de
frango! — Eu digo, fingindo estar indignada. Ok, talvez elas sejam. Mas
estar constantemente no trabalho não deixava muito tempo para o dia de
perna.
Aarabelle sorri. — Continue dizendo isso a si mesma, franguinha.
— Nós duas rimos disso, e me ocorre que gosto dessa mulher. Nos poucos
minutos que ela está no meu quarto, ela de alguma forma conseguiu
passar por todas as minhas barricadas e ver dentro da minha alma. De que
outra forma ela saberia que a melhor maneira de tirar minha mente dos
meus problemas é por meio do humor autodepreciativo?

Aarabelle olha ao redor do meu quarto, para a bolsa meio


embalada na minha cama e a necessaire derramada no chão. — Indo para
algum lugar?

Eu concordo. — Voltar para Chicago. Eu preciso voltar ao trabalho.

Sua testa franze. — Você já está indo embora?

Ela realmente esperava que eu ficasse depois do funeral? Quer


dizer, foi ela quem me ligou para me contar sobre o falecimento de
Felicity. Ela claramente conhece minha família e eu tenho... problemas.

— Sim, — eu digo com um encolher de ombros.

— Mas você ainda não conheceu Gracie e Ellie.

Não me preocupo em perguntar de quem ela está falando. Posso


não tê-las conhecido até agora, mas esses nomes são cem por cento
Felicity.

Suas filhas - Gracie e Ellie.

O calor se espalha por mim. Pelo menos vou ser capaz de segurar
isso. Elas podem nunca me conhecer, mas pelo menos eu sei seus
nomes. Talvez, quando elas forem mais velhas, eu possa procurá-las.
— Ele não me quer perto delas, Aarabelle, — eu digo. — Você
estava lá. Você ouviu o que ele disse.

— E você ouviu o que eu acabei de dizer. Shane não está pensando


claramente agora. Apenas me dê algum tempo. Vou fazer com que ele
volte.

— Não sei…

Aarabelle se aproxima de mim então, suas mãos fechando em


volta dos meus braços enquanto ela me vira para encará-la de frente.

— Você quer conhecê-las, Kate?

Eu aceno, porque não posso fazer mais nada. — Mais do que tudo.
— Ela me dá um sorriso satisfeito.

— Bom. Porque elas merecemsaber quem é você. Elas merecem


saber coisas sobre sua mãe que só você pode dizer a elas. Elas merecem
ter cada membro amoroso de sua família ao seu redor durante este
momento difícil. Se você puder ajudar a aliviar até mesmo uma fração da
dor que elas estão sentindo agora... bem, Shane vai ter que superar isso.

Eu rio, limpando meu nariz enquanto mais lágrimas picam os


cantos dos meus olhos. Acho que eles não estavam tão secos quanto eu
pensava.

— Você acha que pode fazer com que ele me dê uma chance?

— Sim, — ela diz absolutamente. — Agora vamos.

Ela agarra meu pulso e começa a me arrastar em direção à porta.

— O quê? Agora?
Ela acena com a cabeça. — Sim, nenhum momento como o
presente. Se você acha que o tempo vai amolecer o coração do meu irmão
idiota, você está errada. Se esperarmos muito, ele só vai se convencer de
que está fazendo a coisa certa. Ele é tão estúpido. Eu o amo, não me
entenda mal. Mas ele pode ser um idiota.

— Mas, — eu começo, olhando para o espelho novamente. — Eu


estou horrível.

Aara me lança um olhar com o canto do olho. — Bom. Talvez isso o


ajude a ver que você está sofrendo tanto quanto ele.

Eu puxo meu braço de seu aperto. — Eu não vou a lugar nenhum


com essa aparência. Mulher sem-teto enlouquecida não é a maneira que
eu quero que o pai de minhas sobrinhas me veja enquanto estou tentando
convencê-lo a me deixar entrar na vida de suas filhas.

Aarabelle solta um suspiro. — Tudo bem, você pode estar


certa. Você tem cinco minutos.

Pego o mais próximo que posso - uma camiseta e um par de jeans -


e corro em direção ao banheiro para me trocar. Não é exatamente o meu
look mais elegante, mas é um milhão de vezes melhor do que o vestido
amarrotado do funeral.

Eu lavo meu rosto, desejando ter tempo para colocar um pouco de


maquiagem. Para tentar me fazer parecer a profissional equilibrada
que geralmente sou. Mas isso terá que servir.

Alisando meu cabelo para trás, eu o amarro em um coque e me


dou uma olhada final.
Não é ótimo, mas é tudo o que tenho para trabalhar.

Abro a porta do banheiro, encontrando Aarabelle cutucando uma


cutícula. — Está pronta? — ela pergunta quando eu apareço.

O medo do que estou prestes a fazer passa por mim. — Nem


mesmo perto.
CAPÍTULO CINCO

Shane

O som dos soluços histéricos de Ellie enche meus ouvidos


enquanto bato na porta do banheiro.

— Gracie Belle Dempsey! Abra esta porta agora mesmo!

Ellie grita mais forte do chão perto dos meus pés, suas costas
contra a porta que sua irmã acabou de se proteger.

Se eu fosse um homem de oração, agora seria a hora de atirar ao


grandalhão, pedindo-lhe que me desse forças. Porque puta merda, como
vou lidar com isso?

Pena que não existe um Deus. E se houver... bem, então ele é a


razão pela qual estou nessa confusão, em primeiro lugar.

Como devo criar duas meninas para serem indivíduos bem


ajustados e ainda de alguma forma sair relativamente são, está além da
minha compreensão. Já era difícil o suficiente quando Felicity estava aqui
para ajudar. Gracie tem seis anos, e dezesseis, com aquela pequena
atitude dela. E minha doce Ellie pode passar da minha princesinha ao
diabo disfarçado de uma criança de três anos na queda de um chapéu.

Caso em questão... já se passaram duas horas desde que a casa


esvaziou após a recepção do funeral. Duas horas desde que estávamos
cercados por amigos, família e quem diabos decidiu que a morte da minha
esposa era uma boa maneira de ganhar uma refeição grátis. E nesse
tempo, Gracie teve dois colapsos, disse que me odeia quatro vezes e
conseguiu fazer sua irmã chorar quando disse que sua mãe nunca voltaria
para casa porque Ellie era um — bebê gigante.

Daí a razão pela qual agora estou tentando arrombar uma porta
em minha própria casa enquanto minha filha mais nova soluça contra
meus pés.

— Gracie Belle! — Eu grito, sabendo que, usando seu primeiro


nome completo, ela vai entender que estou falando sério. Lissy e eu a
chamávamos de Gracie Belle como uma espécie de homenagem à minha
irmã. Aarabelle é uma das mulheres mais fortes que conheço, e eu queria
que minha filha carregasse uma parte dessa força com ela onde quer que
fosse.

Aara ficou emocionada, é claro. Ainda mais quando a pedimos para


ser a madrinha de Gracie. Infelizmente, o nome não pegou. Gracie Belle
acabou sendo muito mais mordaz do queprevíamos, e depois de apenas
algumas semanas, tínhamos decidido apenas chamá-la de Gracie.

— Vá embora! — ela grita do outro lado da porta, sua voz soando


mais como pregos contra um quadro-negro do que minha filha
geralmente gentil.

— Abra esta porta agora ou você está de castigo, — eu


resmungo. Tenho certeza de que ela nunca teve um dia de castigo na vida,
mas há uma primeira vez para tudo.

— Te odeio! — ela grita em resposta.


— É o suficiente! — Eu grito, batendo minha mão com força contra
a porta. — Vou pegar meu martelo e a chave de fenda. Se eu tiver que
tirar essa porta das dobradiças... então Deus me ajude, Gracie Belle.

Ela fica em silêncio do outro lado, e sei que está esperando para
pagar meu blefe. Ela não acha que eu realmente vou fazer isso.

Bem, vou mostrar a ela exatamente o quão sério estou.

Eu corro pelo corredor, certificando-me de que ela pode ouvir


meus passos descendo as escadas e saindo para a garagem. Abro minha
caixa de ferramentas assim que a alcanço, minhas mãos procurando pela
bagunça desordenada para encontrar as que preciso.

Meu martelo está faltando, e eu xingo baixinho quando percebo


que Felicity deve tê-lo usado novamente.

Ela está sempre fazendo isso. Pegar minhas ferramentas e não


colocá-las de volta quando ela terminar.

— Lissy! — Eu grito enquanto volto para dentro de casa. — Lissy,


onde você colocou meu martelo?

Abro a gaveta de lixo da cozinha, vasculhando o conteúdo em


busca da minha ferramenta perdida. — Lissy! — Eu grito de novo.

E é quando eu me lembro. Ela não vai responder.

Ela nunca mais vai responder.

O ar em meus pulmões sai com pressa, minha cabeça girando um


pouco enquanto me viro e inclino minhas costas contra o balcão da
cozinha. Lentamente, eu afundo no chão, minha bunda batendo contra ela
enquanto meus pés escorregam debaixo de mim.
— Que porra estou fazendo? — Eu sussurro para ninguém, minhas
mãos passando pelo meu cabelo enquanto sinto o calor correndo pelo
meu rosto.

Minha vida está caindo aos pedaços.

Sem esposa.

Sem companheira.

Nenhuma fodida pista de como diabos eu deveria fazer isso


sozinho. — Foda-se, Felicity, — murmuro, e o alívio que inunda meu peito
com essas três pequenas palavras é o suficiente para me bater de bunda -
se eu já não estivesse lá, é claro.

É a primeira vez, desde que soube de sua morte, que me permiti


pronunciá-los em voz alta. A primeira vez que dei voz a toda a raiva dentro
de mim, à traição e à dor no coração.

Se ela não estivesse com ele. Se ela não tivesse quebrado seus
votos para mim...

Bem, com certeza não estaríamos nesta situação agora,


certo? Uma risada sombria borbulha de meus lábios quando percebo o
quão louco eusoei.

Apenas algumas horas atrás, eu estava em um pódio, olhando para


a mãe de Felicity e pensando como tudo isso era minha culpa. Como eu
era tão culpado pelo caso de Felicity quanto ela... e agora aqui estou,
amaldiçoando os mortos e rindo disso.

Eu solto uma respiração instável. Jesus, foda-se. Eles vão me


colocar em uma cela acolchoada.
O som do grito agudo de Ellie desce as escadas, me puxando do
meu mini-colapso nervoso. Eu me dou mais um momento para me
recompor antes de me colocar de pé e ir em direção às escadas.

Minha raiva em relação a Gracie suaviza a cada passo que


dou. Não é culpa dela que seu mundo inteiro tenha virado de cabeça para
baixo. Ela está lidando com algo que pessoas com cinco vezes a sua idade
não conseguem nem começar a compreender - meu esquecimento
momentâneo na cozinha é um excelente exemplo. A vida, como ela sabe,
mudou para sempre, então posso realmente culpá-la por não entender?

Não, não vou arrancar a porta das dobradiças. Vou dar a ela um
pouco mais de tempo para se acalmar, colocar Ellie na cama e depois vou
falar com Gracie. Vou fazer com que ela abra a porta por conta própria, se
for a última coisa que eu fizer. Porque eu devo muito a ela. Devo a ela
ouvi-la, deixá-la trabalhar o que a está incomodando e, em seguida, estar
ao seu lado quando ela precisar de mim.

Ellie ainda está soluçando no chão, embora muito mais silenciosa


agora, quando eu a alcanço. Eu a levanto em meus braços, e ela vai de boa
vontade, seu pequeno corpo envolvendo o meu enquanto eu a carrego
para seu quarto.

— Eu preciso que você vá dormir, ok, Monkey? Você pode fazer


isso pelo papai? — Eu pergunto enquanto a deito em sua cama.

Ela acena com a cabeça cansada contra o travesseiro, seus olhos já


começam a fechar, sem dúvida exaustos do dia de choro.

Eu me curvo e beijo sua testa. — Essa é minha garota. Amo você,


Ells.
— Eu também te amo, papai, — ela murmura, sua voz cheia de
sono. Eu saio de seu quarto na ponta dos pés, fechando a porta atrás de
mim com umclique suave. Graças a Deus eu consegui colocá-las em seus
pijamas antes que tudo isso começasse. Seus dentinhos vão ter que
sobreviver uma noite sem escovar porque não há nenhuma maneira no
inferno de eu acordá-la, assim que abrir a porta do banheiro.

Eu pressiono minha testa contra a porta quando a alcanço,


batendo levemente contra a madeira com as costas dos meus dedos. —
Gracie, — eu digo, mantendo meu tom gentil e amoroso. — Gracie, abra a
porta, querida.

Eu a ouço fungar do outro lado e sei que a pior parte de sua birra
já passou. Se eu jogar minhas cartas direito, posso tirá-la de lá e colocá-la
na cama em apenas alguns minutos.

— Vamos, Gracie Lou Who, — eu digo, usando o apelido que


Felicity deu a ela. Como uma nerd da literatura, Lissy sempre foi uma
grande fã do Dr. Seuss.

Eu a ouço farfalhar do outro lado da porta, e minha respiração fica


presa. Eu nem quero respirar errado, sob o risco de explodi-la novamente.

Mas então uma batida na porta abaixo de nós arruína qualquer


progresso que possamos ter feito.

— Vá embora! — Ela grita de novo, e eu bato minha testa contra a


porta.

— Foda-se, — murmuro baixinho antes de me virar e descer as


escadas.
Quem quer que seja, melhor tem uma boa razão para aparecer
aqui na hora de dormir.

Abro a porta, sem me preocupar em olhar quem pode ser pelo


olho mágico.

Deixe algum idiota tentar me roubar agora. Eu o desafio. Mas não


é um ladrão.

Não. É minha irmã mais velha que está passando dos limites.

Eu apoio um braço contra a porta aberta e estreito meus olhos. —


O que você está fazendo aqui?

— É bom ver você também, irmãozinho. Posso entrar?

— Não, — eu digo. — Caso eu não tenha deixado isso claro antes,


estou bravo com você. — Aara revira os olhos e passa por mim.

— Ok. Tenho certeza de que você vai superar isso. Além disso, não
era a Gracie que ouvi gritando com você depois que bati na porta? Você
tem certeza que não quer um poucode ajuda?

Qualquer outro dia e eu a receberia de braços abertos, caindo a


seus pés em gratidão por sua chegada oportuna. Mas depois da merda
que ela puxou hoje...

— Vá embora, Aara.

Ela se vira para me encarar. — Mesmo? Acho que é verdade o que


eles dizem. Tal pai tal Filho.

— Eu não preciso da sua ajuda, — eu insisto, seguindo atrás dela


enquanto ela se vira e sobe as escadas. — Estou cuidando disso.
Ela faz uma pausa no meio do caminho, olhando para mim por
cima do ombro. — É exatamente isso, Shane. Você não tem que ' lidar'
com isso, — ela diz, jogando aspas no ar em torno da minha palavra. —
Você tem pessoas que querem te ajudar. Para estar aqui para você. Você
não tem que fazer isso sozinho.

Eu balancei minha cabeça. — Eu não posso lhe pedir ou...

— Você não precisa! — ela diz, sua exasperação evidente em seu


tom enquanto ela se vira, seus braços voando para os lados. — Você não
tem que pedir a mim, mamãe ou Athair para ajudá-lo. Porque estaremos
aqui, goste você ou não. Jesus, Shane. Você não entende? É isso que a
família faz. O que família é.

A emoção se forma na parte de trás da minha garganta e eu engulo


em seco para mantê-la baixa.

Sentindo o motivo pelo qual não estou respondendo, ela sorri para
mim do degrau acima. Com um movimento de seu pulso, ela afasta meu
cabelo dos meus olhos, um gesto que ela faz para me confortar desde que
éramos crianças.

— Eu? Mamãe e Athair? Nós não vamos deixar você. Você sempre
vai ter a gente com quem contar. Para ajudá-lo com o que você
precisar. Porque te amamos.

Ela me puxa para seus braços então, e eu a deixo. Eu deixei de lado


toda a raiva que senti quando percebi o que ela tinha feito, pelo
desrespeito assumido que pensei que ela tinha mostrado à minha falecida
esposa. Eu deveria ter sabido melhor. Aara nunca faria nada para
machucar intencionalmente alguém que ama. Ela deve ter pensado que
estava fazendo a coisa certa, apesar dos avisos que eu lhe dei do
contrário.

— Também te amo, irmã, — digo enquanto envolvo meus braços


em torno dela. — E eu sinto muito por ficar com tanta raiva.

Ela encolhe os ombros enquanto se afasta. — Estou acostumada


com isso. Você sempre foi mais temperamental do que uma rainha do
baile quando está chateada. Além disso, conheço uma maneira de você
me compensar.

Uma risada estala em meus lábios. — E você sempre teve um jeito


especial com as palavras.

Ela levanta as mãos em um gesto de o que você pode fazer. — É


um presente.

Eu ri. — Se você diz. Agora, o que exatamente você acha que posso
fazer para compensar você?

Um breve flash de incerteza cruza seus olhos, seu lábio inferior


puxando entre os dentes enquanto ela contempla suas próximas
palavras. Esse é todo o sinal de que preciso saber que não vou gostar do
que ela vai dizer a seguir.

Ela deve ler a preocupação em meu rosto, porque ela levanta as


mãos em sinal de rendição. — Agora, me escute antes de dizer não.

— O que é, Aara?

— Kate está lá fora.

Minha testa franze. — Kate? Que Kate?


Mas assim que as palavras saem da minha boca, o nome é
registrado. — Você tem que estar brincando comigo, Aarabelle.

— Shane, por favor. Apenas ouça ela. Você não tem ideia do que
ela está passando.

Eu rio, o som sem nenhum traço de humor. — Eu não tenho ideia


do que ela está passando? Oh, isso é ótimo, considerando que fui eu que
acabei de perder a porra da minha esposa.

— E ela perdeu a irmã! — Aara grita.

— Uma irmã que ela nem gostava! — Eu exalei.

— Você não sabe disso! Você nunca falou com ela.

Eu balanço minha cabeça, me virando e descendo as escadas como


um furacão. Eu chego à porta e a abro, girando de volta e olhando para
Aarabelle.

— Eu acho que é hora de você ir.

— Shane, você não pode simplesmente...

— Vá embora, Aarabelle.

A mandíbula de Aara aperta enquanto ela faz uma careta para


mim, seus olhos fixos nos meus. Eu retribuo, nenhum de nós querendo
abandonar esse olhar fixo em que caímos, nenhum de nós querendo
admitir a derrota.

— Papai? — A voz de Gracie vem do topo da escada e eu pisco.


Mudando meus olhos de minha irmã para minha filha, encontro
sua pequena forma na beira da escada, seus olhos vermelhos e inchados,
seu lábio inferior tremendo enquanto ela luta para conter mais lágrimas.

Sem pensar duas vezes, eu corro escada acima, passando por


Aarabelle e puxando minha filha em meus braços. — Está tudo bem,
Gracie. Você está bem, — eu digo, alisando seu cabelo com uma mão
enquanto pressiono meus lábios em sua têmpora.

— Quem é Kate? — ela pergunta, preocupação e confusão


infiltrando em seu tom. E eu poderia matar minha irmã por dizer esse
nome onde minha filha pudesse ouvi-lo.

— Não é ninguém, querida. Ninguém com quem você precisa se


preocupar.

— Tia Aara disse que ela era irmã da mamãe.

Eu cortei meus olhos para Aarabelle por cima do ombro e, a julgar


pela maneira como ela se esquiva do meu olhar, acho que o velho ditado é
verdade. Se olhar matassem, ela estaria morta.

— Por que não vamos te levar para a cama? — Eu digo, tentando


levantá-la em meus braços. Não sou um homem pequeno - anos de
trabalho militar faz isso com você -, mas minha filha de seis anos é muito
mais forte do que parece. Ela luta contra mim, me afastando antes que eu
possa segurá-la bem, descendo as escadas correndo e envolvendo os
braços em volta das pernas da minha irmã.

— Você conhece a irmã da mamãe, tia Aara?


Os olhos de Aara piscam para mim, como se perguntando o que
ela deve fazer.

Pena que ela não perguntou isso antes de vir aqui e foder meu
mundo ainda mais.

Agora que Gracie sabe sobre a irmã de sua mãe, ela nunca vai
abandonar o assunto. Não até que ela obtenha algumas respostas. Ela
pode ter apenas seis anos, mas é uma coisinha tenaz.

Assim como seu homônimo.

Dou a Aara um breve aceno de cabeça, silenciosamente


permitindo que ela explique a situação para Gracie. Ela se ajoelha na
escada, abaixando-se até a altura de Gracie e segurando as duas mãos.

— Eu conheço. E ela está muito animada em conhecê-la. Mas não


esta noite, ok? Por que você não vai se preparar para dormir, e então eu e
seu pai vamos colocar você na cama? Então, amanhã, vou te contar tudo
sobre sua tia Kate, ok?

Gracie me olha por cima do ombro e, por um momento, acho que


ela vai discutir. Mas ela simplesmente balança a cabeça, dando um beijo
na bochecha de Aara e se virando para subir as escadas correndo. Ela
passa correndo por mim e ouço a torneira do banheiro abrir quando ela
começa a escovar os dentes.

— Sinto muito, Shane. Eu não queria que ela ouvisse isso, — Aara
diz, pelo menos tendo a audácia de parecer apologética. — Eu nunca quis
tirar essa decisão de você.
— Sim, bem, é um pouco tarde para isso, você não acha? — Eu
esbravejo. Ela se encolhe com a dureza do meu tom, e o arrependimento
se precipitaatravés de mim. Eu sei que ela tem boas intenções,
mas... foda-se.

Eu ouço quando Gracie termina no banheiro e seus pezinhos


avançam pelo corredor até o quarto dela. Eu levanto meu queixo em
direção à porta da frente ainda aberta.

— Vá buscá-la. Se ela vai se encontrar com minhas filhas amanhã,


eu preciso ter certeza de que ela não vai dizer nada para machucá-las.

— Obrigada, Shane. Eu sei que você não vai se arrepender disso, —


Aara diz, descendo as escadas.

Eu balancei minha cabeça. — Eu já estou.


CAPÍTULO SEIS

Kate

— Tem certeza que estou bem? — Digo pela décima vez, minhas
mãos alisando o tecido do meu blazer.

Aarabelle me lança um olhar divertido. — Droga, garota. Você


pensaria que está conhecendo a maldita Rainha da Inglaterra em vez de
algumas ciranças. Acredite em mim, Gracie e Ellie não vão se importar
com o que você está vestindo. Elas estão muito animadas em conhecê-la.

Não tão animadas quanto estou para conhecê-las, eu acho, mesmo


com os nervos passando pelo meu estômago. A verdade é que estou em
êxtase por finalmente conhecer minhas sobrinhas. Eu mal dormi uma
piscadela na noite passada com a antecipação desta tarde.

Ver seu pai novamente, no entanto...

Sim, vamos arquivar essa merda que faz o afogamento parecer


divertido.

A noite anterior foi um turbilhão de emoções. Eu tinha passado de


coração partido e planejando fugir da cidade assim que pudesse para ficar
apreensiva e sentada no sofá da minha irmã morta, seu marido enlutado
me lançando punhais do outro lado da sala.

Eu não esperava que pudesse encontrar Gracie e Ellie na noite


passada. Depois que Aara me convenceu a ir com ela e nós descemos para
o carro dela, eu percebi o quão tarde era. Não parecia exatamente uma
ótima primeira impressão - ok, tecnicamente em segundo lugar, mas eu
não contaria os poucos segundos que interagi com Shane Dempsey no
funeral como outra coisa senão um grande mal-entendido - para aparecer
na sua casa no que devia estar perto da hora de dormir.

Mas Aara insistiu que precisávamos fazer isso ontem à noite. Ela
também insistiu que eu a chamasse de Aara em vez de Aarabelle, um fato
que me surpreendeu e encantou. Era bom ter alguém que parecia estar do
meu lado em todo o desastre de Felicity. Deus sabe que faz muito tempo
que ninguém que nos conheceu realmente me escolheu.

Eu tinha traçado o limite em acompanhá-la até a porta, no


entanto. Ela pode ter pensado que poderia falar com Shane Dempsey de
qualquer borda que minha chegada pudesse colocá-lo, mas eu não estava
prestes a desrespeitar alguém que pode não me querer em sua
casa. Então eu convenciela para me deixar ficar no carro enquanto ela
explicava minha presença. E se ela poderia convencê-lo, então eu faria
minha aparição.

Sua conversa inicial com Shane foi surpreendentemente rápida. Eu


esperava estar esperando no carro por pelo menos uma hora, mas nem
mesmo dez minutos depois que ela desapareceu lá dentro, Aara colocou a
cabeça para fora da porta e gesticulou para que eu entrasse.

— Ele quer falar com você, — disse ela quando me aproximei da


porta, meu coração batendo forte no peito. Estendi uma mão instável e a
coloquei no batente da porta, usando-a como alavanca para me inclinar e
olhar ao redor da sala de estar. Agora que eu estava lá, não tinha certeza
se conseguiria seguir em frente.
— Não se preocupe. As meninas estão na cama. Você não as
encontrará esta noite, — ela explicou, obviamente percebendo minha
apreensão. — Shane só quer, humm... conhecer você um pouco primeiro.

Engoli em seco, essas palavras soando ainda mais ameaçadoras do


que a ideia de conhecer as filhas de Felicity.

Com certeza, Shane Dempsey provou ser tão intimidante quanto


eu esperava. Com seus ombros largos, braços musculosos e coxas
enormes, não havia nada pequeno ou leve sobre o homem. Adicione o ar
de autoridade que ele carregava consigo onde quer que fosse, e sim. Você
poderia dizer que ele era um pouco assustador. Lembrei-me brevemente
de ter lido algo no Instagram de Felicity sobre ele estar no exército em
algum momento. Definitivamente explicava sua presença dominante.

Ele desceu as escadas, deu uma olhada em mim no sofá e decidiu


se sentar o mais longe humanamente possível. Ele respondeu com apenas
grunhidos e gemidos por tudo que Aara disse, seu olhar duro me
perfurando enquanto ela explicava como ela me encontrou chorando no
chão de um quarto de hotel.

No final do discurso de Aara, seus olhos se moveram entre nós


dois antes de se fixarem em mim. Com sua mandíbula contraida, ele
finalmente falou.

— Deixe-me esclarecer isso. Eu não gosto de você Eu não confio em


você. Se eu tivesse as coisas do meu jeito, você nunca teria posto os pés
naquela casa funerária e com certeza não estaria sentada aqui na minha
sala de estar. Mas minha irmã tinha outras ideias e, por causa dela, minha
filha agora sabe que você existe. Com tudo o mais que ela está passando...
eu simplesmente não consigoquebre o coração dela e dizer que ela não
poderá te conhecer. Mas você fará isso nos meus termos. Você vai contar a
elas sobre a mãe delas quando ela era menina. Você vai contar a elas
sobre os bons tempos. E sob nenhuma circunstância, você vai pensar
em falar mal de sua mãe. Se uma palavra negativa sobre Felicity passar
pelos seus lábios, eu não tenho nenhum problema em levantar sua bunda
minúscula e jogá-la para fora da minha casa. Entendeu?

Minha boca estava aberta quando ele terminou, sua voz rouca
reverberando pelo meu peito e apodrecendo na boca do meu
estômago. Ele realmente pensava tão pouco de mim? Ele honestamente
acha que eu tentaria usar esta oportunidade para colocar as filhas da
minha falecida irmã contra ela?

Mas, é claro que ele pensou. Porque o único conhecimento que o


homem tinha de mim era formado pelas opiniões e histórias de minha
irmã. Claro que ele pensou que eu era a encarnação do diabo. Felicity
acreditava nisso profundamente.

No final, eu simplesmente acenei com a cabeça, dócil — Sim,


senhor, — deslizando pelos meus lábios antes de Aara me colocar de pé e
dizer a Shane que estaríamos de volta hoje às quatro.

Pizza e jogos de tabuleiro. Era assim que eu iria conhecer


oficialmente minhas sobrinhas. Com uma fatia de calabresa e visita à
Lagoa do Alcaçuz.

E agora, de pé aqui na varanda da frente, minhas mãos úmidas de


suor e meus joelhos bambos enquanto tento me ajustar pela centésima
vez, não posso evitar o medo que sinto.
Não em conhecer os únicos laços que ainda tenho com minha
irmã, mas em como vou convencer meu cunhado de que não sou apenas
uma pessoa melhor do que Felicity me fez parecer, mas que suas garotas
seriam realmente se beneficiar por me terem em suas vidas.

Vamos dar um passo de cada vez, ok Kate? Vamos nos preocupar


em passar por essa reunião inicial sem irritar ninguém antes de
começarmos a fazer planos para o futuro.

Aara coloca a mão gentilmente em meu ombro. — Não se


preocupe com isso, Kate. Você vai ser ótima.

Eu solto uma respiração instável e aceno com a cabeça. —


OK. Estou pronta.

Aara bate na porta e eu ouço um grito e o clamor do que parece


ser uma dúzia de animais selvagens correndo em nossa direção.

A porta se abre e todo o ar em meus pulmões desaparece


enquanto olho para as duas meninas que estão diante de mim.

Fiquei impressionada com a semelhança delas com Felicity de


longe. Mas de perto, a apenas alguns metros de distância...

É tudo que posso fazer para manter meus pés debaixo de mim,
minha cabeça de repente girando e meus pulmões queimando enquanto
eu luto para puxar minha próxima respiração.

Quatro olhinhos me encaram. Quatro olhos que se parecem tanto


com os de Felicity... como os meus. Duas cabeças minúsculas de cabelo
escuro, lisos e suave como a seda, e não ao contrário dos fios atualmente
abrigado em um coque baixo na minha nuca.
As semelhanças são surpreendentes. Mas quando a mais velha,
Gracie, eu acredito, abre a boca e fala, sou transportada de volta vinte
anos.

— Você é minha tia Kate? — sua vozinha soa, o tom, a qualidade -


inferno, até as pausas ofegantes entre as palavras - tudo Felicity.

Eu caio de joelhos, sem dar a mínima para a sujeira que


provavelmente está se acumulando nas minhas calças sociais, e estendo a
mão. Eu me paro antes que possa tocá-la, porém, não querendo
ultrapassar antes mesmo de ter a chance de realmente prosseguir.

Em vez disso, deixo cair meu braço de volta ao meu lado e dou a
ela um sorriso caloroso. — Sim. Eu sou a Kate. E você deve ser Gracie,
certo?

Ela acena com a cabeça duas vezes antes de agarrar a mão de sua
irmã. — Esta é a Ellie. — Eu me viro para encarar a garota mais nova. —
Oi, Ellie. É tão bom conhecê-la. — Ellie se esconde atrás de sua irmã, suas
bochechas ficando vermelhas enquanto elaespia ao seu redor.

— Ela é tímida, — Gracie explica, claramente acostumada a ser a


voz de sua irmãzinha.

Eu sorrio para as duas, mais uma vez maravilhada com o quanto


elas me lembram Felicity e eu. Felicity sempre foi minha protetora
enquanto crescia. Sempre lá para me emprestar sua confiança sempre que
a minha vacilava. Posso ver que o mesmo é verdade para Gracie e Ellie,
seu relacionamento evidente até mesmo nesta breve interação.
Só posso esperar que a proximidade delas tenha um destino melhor
do que o nosso.

A voz de Aara me tira dos meus pensamentos.

— Onde está seu papai, meninas?

Ficando de pé, sigo enquanto Gracie e Ellie dão um passo para trás
e permite que Aara entre. A sala de estar parece exatamente a mesma da
noite anterior, mas de alguma forma, parece ainda mais hostil.

O homem sentado na poltrona no canto, o corpo tenso, como se


estivesse pronto para entrar em ação a qualquer momento,
provavelmente tem algo a ver com isso. Em vez de calça de moletom preta
e camiseta branca lisa que ele estava usando antes, ele está vestido com
jeans escuro e uma Henley preta. Combinado com seu tom escuro e
tamanho maciço, ele definitivamente pinta um quadro de pura
masculinidade e poder. Algo me diz que não é apenas uma imagem. Shane
Dempsey poderia chutar alguns traseiros importantes.

Vamos torcer para que não seja o meu.

Sua garganta balança enquanto ele me avalia, seu rosto nem


mesmo dá uma dica de seus pensamentos. Finalmente, ele fala.

— Você tem uma reunião depois disso ou algo assim?

Eu olho para o meu traje, de repente repensando o look casual de


negócios que selecionei esta manhã. Eu queria parecer profissional, como
alguém em quem ele pudesse confiar.
Não me ocorreu o quão ridícula seria aparecer para jogar
Candyland7 de tailleur8.

Limpando a garganta, desabotoo meu blazer e a deslizo pelos


ombros. — Não, eu só, hum...

— Ela está nervosa, Shane. Dê um tempo a ela. — Aara vem em


meu resgate, lançando um olhar para Shane que tenho certeza que
só ela poderia escapar.

Eu me pergunto se Felicity tenha falado com ele assim. Se eles


tivessem um relacionamento fácil e despreocupado como Shane parece ter
com sua irmã. Ou as coisas estavam tensas? Ele era tão intimidador em
um ambiente íntimo como agora?

Me mata que nunca saberei a resposta para isso. Que eu nunca,


nem nos dez anos de seu casamento, tive a chance de vê-los
interagir. Que nunca consegui ver se minha irmã estava realmente feliz
com a vida que ela construiu.

Shane zomba de Aara, um rolar sutil de seus olhos me dizendo


exatamente o que ele pensa sobre meus nervos.

Mas então Gracie interrompe o silêncio tenso, sua mão fechando


em torno da minha enquanto ela me puxa para o sofá.

— Venha sentar-se, tia Kate. Venha nos contar sobre a mamãe.

Eu a sigo de boa vontade, me acomodando ao lado dela enquanto


sinto os olhos de Shane em mim. Ele está observando cada movimento

7
Brinquedo Educativo.

8
Termo utilizado que compõe um casaco e uma saia ou calça, o tailleur é um traje feminino que serve
como referência para identificar executivas.
meu, e posso praticamente sentir o descontentamento saindo dele em
ondas.

Ellie me surpreende escalando do meu outro lado. Ela não chega


perto de mim como Gracie faz, mas ainda parece um progresso.

— O que você quer saber? — Eu pergunto, não tenho certeza por


onde começar.

— Como é que a mamãe nunca nos disse que tinha uma irmã? —
Graciedeixa escapar.

Eu estremeço, meus olhos indo para Shane em busca de


orientação. Ele apenas me dá uma sacudida sutil de sua cabeça, sua
mandíbula ainda contraída. O aviso é claro.

Nenhuma palavra negativa sobre Felicity.

— Bem, querida, — eu começo, minha mente girando enquanto


tento inventar uma explicação amigável para crianças para o meu
relacionamento com Felicity. — Às vezes as irmãs brigam. E quando isso
acontece, às vezes isso significa que elas não se falam por muito tempo.

— Tipo um mês? — Gracie pergunta, o choque em sua voz


tornando óbvio que esta é a maior quantidade de tempo que ela pode
pensar.

— Sim. Às vezes, até mais de um mês.

Seu rostinho se contrai enquanto ela pondera minhas palavras. —


Mas pelo que você brigou?

Eu franzo meus lábios. — Quer saber, já faz tanto tempo que nem
consigo me lembrar, — digo. E eu percebo que não é totalmente falso. Eu
nunca entendi os detalhes de porque Felicity começou a me odiar. Como
foi tão fácil para ela virar as costas para mim.

Os lábios de Gracie se contraem em uma carranca, seus olhos


tristes quando ela olha para mim. — Mamãe sempre garante que eu e
Ellie façamos as pazes antes de irmos para a cama, sempre que
brigamos. Ela diz que não é bom ir para a cama com raiva.

— Sua mãe estava certa. Isso vai te dar pesadelos.

Ela acena com a cabeça. — Isso é o que ela sempre disse. Você tem
pesadelos porque estava com raiva da mamãe?

Como é que as crianças sempre parecem fazer as perguntas mais


simples e mais difíceis de responder?

Em vez de olhar para Shane e ver seus olhos duros, eu me viro para
Aara. Ela me dá um sorriso encorajador.

— Às vezes, — eu respondo honestamente. — Principalmente, eu


só sentia falta da sua mãe.

Gracie parece satisfeita com a resposta, deixando de lado o


assunto dos pesadelos e simplesmente dizendo: — Eu gostaria que você
pudesse ter se reconciliado antes de ela morrer, — antes de colocar sua
mão na minha.

Eu ignoro a ingestão aguda de ar de Shane com o contato de sua


filha, virando minha mão e ligando meus dedos aos dela.

— Eu também, querida. Eu também.

Passei as próximas duas horas contando a Gracie, Ellie e Aara tudo


sobre Felicity e eu crescendo. Desde as horas que passamos em fortalezas
de travesseiros, até as tardes inteiras que passávamos explorando os
bairros em nossas bicicletas, eu relato todas as memórias felizes que
consigo lembrar, cada uma delas pendurada em cada palavra minha,
perguntando detalhes sobre Felicity que apenas eu posso fornecer.

É bom falar sobre ela assim. Para lembrar como as coisas


costumavam ser, quando os tempos eram melhores. Felicity foi a melhor
amiga que eu já tive - até hoje. Eu nunca fui capaz de encontrar alguém
para substituir a conexão que compartilhamos uma vez.

No momento em que a pizza chega - Aara aparentemente pediu de


um aplicativo em seu telefone durante uma das minhas muitas histórias -
Gracie está aninhada ao meu lado, sua cabeça no meu ombro enquanto
suas pernas caem sobre as minhas. E Ellie está no meu colo, seus braços
em volta do meu pescoço enquanto ela me encara.

Estou com calor e desconfortável e... e completamente


apaixonada.

Meu coração nunca se sentiu tão cheio, meu peito quase


explodindo com a quantidade de amor derramado nele com cada olhar,
cada sorriso, cada palavra dessas meninas.

Aarabelle dá uma gorjeta ao entregador, fechando a porta com o


pé enquanto ela se vira para nos encarar. — Vamos lá meninas. Vamos
arrumar a mesa.

— Pizza! — Gracie grita, jogando-se do sofá e correndo em direção


à cozinha. Ellie segue atrás dela, com os braços no ar enquanto ela
aplaude. Não tenho certeza se ela sabe pelo que elas estão torcendo, sua
pequena mente quer apenas ser como sua irmã.
Só quando elas vãoembora é que percebo que elas me deixaram
sozinha com Shane.

Eu limpo minha garganta, me levantando e nervosamente


mexendo na bainha da minha camisa. — Eu deveria ir ajudá-las.

Meu pé mal saiu do chão quando sua voz me parou no meio do


caminho.

— Você não é nada como eu esperava, Kate Mitchell.

Eu me viro para encará-lo, esperando que, olhando para ele, eu


possa ser capaz de inferir o que diabos isso quer dizer. Mas, assim como
antes, seu rosto é uma máscara de intensidade de aço.

— Isso é bom ou ruim? — Eu pergunto quando percebo que ele


não vai continuar.

Ele encolhe os ombros. — O júri ainda não decidiu isso.

Duas pizzas e um jogo de Candyland depois, anuncio que é hora de


eu ir.

— Nããão! — Ellie grita, envolvendo-se em torno das minhas


pernas e me puxando para baixo com todos os seus quinze quilos.

Eu rio enquanto tropeço, lutando para permanecer de pé. —


Tenho certeza que seu pai quer passar algum tempo com vocês, meninas,
sozinho antes de vocês irem para a cama.

— Ele nos vê todos os dias, — Gracie diz, seu lábio inferior fazendo
beicinho enquanto ela me lança os olhos mais tristes que eu já vi. — Você
tem que ir?
— Kate está certa, garotas, — Shane diz de seu lugar na mesa.

— Está quase na hora de dormir. É hora de as duas tias irem


embora. — Não tenho certeza do porquê, mas ouvi-lo se referir a mim
como a tia das meninase não apenas Kate envia uma onda de calor pelo
meu peito. Desde a declaração que ele fez quando o jantar chegou, as
coisas têm estado um pouco menos... tensas entre nós. Não me entenda
mal. Ainda não acho que Shane Dempsey vai se candidatar para ser
presidente do fã-clube de Kate Mitchell. Mas acho que ele pode me odiar
o mais ínfimo pouco menos do que quando cheguei.

— Você vai voltar? — Os olhos de Gracie piscam para os meus em


pânico, como se agora estivesse ocorrendo a ela que ela nunca poderia
me ver novamente.

— Oh, bem... se seu pai diz...

— Ela pode vir ao meu recital de dança na próxima semana, papai?


— Gracie implora, com as mãos cruzadas na frente dela enquanto ela cai
de joelhos.

Os lábios de Shane se torcem enquanto ele olha para sua filha


dramática - ouso dizer que há uma sugestão de sorriso ali? - antes que seu
olhar se levante para o meu. — Bem, acho que isso depende da sua tia
Kate.

De novo com aquelaenergia.

— Eu deveria estar de volta a Chicago na próxima semana, — eu


digo.
O rosto de Gracie cai, seus braços ficando moles ao lado do corpo
quando minha resposta a atinge. — Você já está indo embora? Para
sempre?

Meu coração dói quando vejo a dor em seus olhos. — Sinto muito,
Gracie, querida. Mas tenho que voltar ao trabalho.

— Mas acabamos de conhecer você! — ela diz, com lágrimas nos


olhos.

— Eu sei. Eu não quero ir, mas...

— Então fique! — ela diz, levantando-se e correndo para mim,


seus braços envolvendo minha cintura.

Com Gracie na minha cintura e Ellie em volta das minhas pernas,


eu faço a única coisa que posso.

— Você sabe, eu tenho algum tempo de folga economizado. Acho


que posso ficar mais um pouco.

— Yay! — as duas garotas gritam, soltando seu abraço em mim e


agarrando-se uma à outra enquanto pulam pela sala de estar.

— Mas, por enquanto, eu realmente preciso ir, — acrescento,


estragando a celebração. — Mas não se preocupe. Eu voltarei.

Dou um abraço de despedida em ambos antes de abraçar


Aarabelle. — Obrigada por fazer isso, — eu sussurro em seu ouvido. — Eu
não estaria aqui se não fosse por você.

Ela aperta meu braço. — E isso teria sido uma fodidapena.

— Papai, tia Aara disse uma palavra feia! — Gracie grita.


Aara me solta, girando e perseguindo Gracie. — Sua tagarela!

Gracie corre para fora da sala, suas risadas ecoando por todo o
corredor, Ellie seguindo de perto em seu rastro.

Me deixando sozinha com Shane. Novamente.

Ele acena em direção à porta. — Deixe-me acompanhá-la.

Eu engulo, mas aceno, de repente nervosa com o que ele vai dizer
quando estivermos fora do alcance da voz de sua família.

Eu estava delirando pensando que as coisas tinham melhorado um


pouco entre nós? Ele ia me dizer para sumir? Me dizer que eu nunca mais
veria as garotas?

Acho que só há uma maneira de descobrir.

Como um prisioneiro destinado à guilhotina, vou atrás de Shane


Dempsey, passando pela porta quando ele a abre para mim.

Ele enfia as mãos nos bolsos da frente da calça jeans enquanto nos
dirigimos para o meu carro alugado. Estou feliz por ter tido a previsão de
encontrar Aarabelle aqui, em vez de tê-la me pegando. Pelo menos ela
não estará presente para ouvir o que está para acontecer.

— Tem certeza de que está bem para ficar na cidade por mais
tempo? — ele pergunta, me chocando completamente. — Não quero que
você tenha problemas com o trabalho por causa das meninas.

De todas as coisas que eu esperava que ele dissesse, a


preocupação com meu trabalho estava no final da lista. Ok, talvez não
o bastante inferior. Declarar seu amor eterno por mim e me levar para o
pôr do sol em um corcel dourado que ocupava essa posição.
Mas ainda assim. Eu definitivamente não esperava por isso.

Eu aceno, minha testa franzida enquanto tento deduzir qual é o


seu ângulo. — Sim. Eu não tiro férias há... bem, nunca. Eu tenho um
monte de dias de férias acumuladas. Além disso, minha chefe me ama e o
hotel tem acesso gratuito à internet sem fio. Posso trabalhar um pouco à
noite para cumprir meus compromissos.

— Eu me sinto estranho perguntando isso, mas o que exatamente


você faz? — Felicity nunca tinha contado a ele?

Jesus. Ela realmente me odiava, não é?

— Sou jornalista. Eu trabalho para um jornal local em Chicago. The


Windy Weekly.

Shane encolhe os ombros. — Não posso dizer que ouvi falar.

Uma pequena risada escapa dos meus lábios. — Não, eu não acho
que um homem da Virgínia saberia sobre o Double Dub. Mas é um grande
negócio em Chi-Town.

— Tenho certeza que sim, — Shane diz, aquela sugestão de um


sorriso puxando seus lábios novamente. — Acho que isso explica muito
sobre você e Felicity também.

— O que você quer dizer? — Eu pergunto, sabendo exatamente o


que ele quer dizer, mas querendo ouvi-lo dizer isso.

— Lissy sempre quis ser jornalista. Antes de termos as meninas, ela


passava horas à noite pesquisando e escrevendo, submetendo-se a
qualquerpublicação que ela pudesse, na esperança de finalmente
conseguir sua grande chance. Enquanto isso, você está lá em Chicago,
vivendo o sonho dela.

Eu estremeço com as palavras. — Eu nunca quis tirar nada de


Felicity.

Shane acena com a cabeça. — Estou começando a entender


isso. Quero dizer, ninguém que a odiava tanto quanto ela afirma que você
poderia falar sobre ela como você fez lá. Parecia que você realmente a
amava.

— Amo, — eu corrijo. — Eu nunca parei de amar minha irmã.

Shane me olha por um momento, e desta vez, acho que vejo um


flash de... algo em seus olhos escuros.

Simpatia? Gentileza? Cordialidade?

Não sei, porque desaparece assim que aparece. Mas o leve sorriso
permanece.

— O veredicto está confirmado, — ele diz, rindo levemente


quando vê a confusão em meu rosto. — Eu disse a você antes que o júri
ainda estava decidindo se você ser diferente do que eu esperava era uma
coisa boa ou ruim.

— Oh, certo. — Eu solto um suspiro. — E? Como eles me


consideraram?

— Culpada, — diz ele, e meu peito esvazia.

Shane ri da minha derrota antes de continuar. — Culpada de ser


uma tia arrasadora.
Minhas palavras ficam presas na minha garganta, minha cabeça
inclinada para o lado enquanto leva um momento para eu registrar suas
palavras. — Eu... o que... você acabou de fazer uma piada?

Ele encolhe os ombros e me dá um sorriso tímido. —


Aparentemente, não é muito boa.

— Não é boa mesmo. Estou desapontada com você, Shane


Dempsey.

— Acho que vou ter que me esforçar mais na próxima vez. Vejo
você em breve, Kate, — diz ele, batendo os nós dos dedos contra o teto do
meu carro alugado evirando-se para voltar para sua casa. O que diabos
tinha acontecido?
CAPÍTULO SETE

Shane

— Gracie Belle, se você não estiver pronta em cinco segundos,


vamos embora sem você! — Eu chamo escada acima, olhando para o
relógio no meu pulso pela centésima vez. Como um ex-SEAL9 da Marinha,
a importância da pontualidade foi incutida em mim desde que me
lembro. Mesmo agora, anos após minha lesão e alta, ainda odeio chegar
atrasado.

Sim, porque eu tenho certeza que o seu entusiasmo para chegar ao


aquário não tem nada a ver com uma certa morena encontrá-lo lá,
e tudo a ver com estar no tempo.

Eu empurro o pensamento para longe, não querendo ir lá


novamente agora. Não quando eu estava a apenas alguns minutos de ter
que encará-la novamente.

Depois que Kate saiu ontem à noite, eu voltei para dentro e ajudei
Aara a levar as meninas para a cama. Uma vez que isso foi feito e Aara
saiu, eu fiz algo que não pensei que estaria pronto para fazer por muito
tempo.

Eu fui para o sótão e puxei a caixa dos velhos álbuns de recortes de


Felicity.

9
O United States Navy's SEAL Teams, possuí sua sigla (Sea, Air, and Land) derivada de sua capacidade em
operar no mar (SEa), no ar (Air) e em terra (Land). Comumente chamados de Navy SEALs, são uma das
principais Forças de Operações Especiais da Marinha dos Estados Unidos e um componente do
Comando Naval de Operações Especiais (NSWC), bem como também um componente marítimo do
Comando de Operações Especiais (USSOC).
Com apenas 21 anos, eu tinha ficado duas semanas sem sair por
BUD/S10 na noite em que a encontrei naquele clube todos aqueles anos
atrás. Mas bastou um olhar para ela e eu sabia que minha vida mudara
para sempre.

Havíamos passado todos os momentos livres dessas duas semanas


juntos. E depois que eu saí, ela me escreveu quase todos os dias durante
meu treinamento de um ano. Eu a conheci por meio dessas cartas. Pude
ver um lado de Lissy que eu sabia que muitos não conseguiam ver.

A verdadeira Felicity Mitchell.

Não a mulher que sempre se importou um pouco demais com o


que as outras pessoas pensavam dela. Não a mulher que estava sempre
tentando medir seus próprios padrões impossíveis. Não a mulher que
nunca se sentiu bem o suficiente, apesar das garantias em contrário
daqueles ao seu redor.

Nessas cartas, Lissy colocou tudo isso lá. Ela me contou sobre sua
infância. Sobre a pressão que seus pais sempre colocaram sobre ela para
ser perfeita. E sobre como sua irmã mais nova sempre feztudo que ela
podia para garantir que Lissy ficasse firmemente em segundo lugar.

Meu coração se partiu por ela enquanto eu lia cada palavra


naquela época. Eu entendi completamente sua necessidade de aceitação,
seu desejo de ser amada e apreciada por quem ela era. Eu disse a ela
várias vezes o quão grato eu estava por ela ter saído da sombra da irmã,
porque ela realmente brilhava quando se permitia.

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Uma Escola “A”onde os SEALs devem frequentar e se formar, conhecida como Basic
UnderwaterDmolition.
Mas depois de conhecer Kate e formar minha própria opinião
sobre ela? Bem, eu simplesmente não conseguia correlacionar a Kate
Mitchell que sentou no meusofá na noite passada e foi tão doce com
minhas meninas com a mesma mulher daquelas cartas.

Felicity se recusou a falar sobre Kate quando eu voltei do BUD/S e


do SQT. Era como se essas cartas tivessem lhe dado uma saída, mas uma
vez que tudo estivesse lá, ela queria fingir que não existia. Eu disse a ela
que entendia. Quer dizer, se Aara tivesse me tratado da maneira que Kate
supostamente tratou Lissy, eu com certeza não gostaria de falar sobre ela
também.

Mas e se ela não quisesse falar sobre isso porque tudo tinha sido
um monte de besteira? Ela simplesmente não queria ser pega em uma
mentira? O pensamento deixou um gosto amargo na minha boca, a
traição à minha falecida esposa queimando como carvão nas minhas
entranhas.

Mesmo assim, passei o resto da noite lendo cada uma dessas


cartas. E assim como antes, a simpatia inundou-me por tudo que Felicity
havia suportado.

Até eu chegar em uma.

Em uma das primeiras cartas que Lissy me escreveu, ela me contou


sobre o dia em que Kate recebeu sua carta de aceitação para
Northwestern. Como isso foi o catalisador para o fim do relacionamento
delas, porque Kate se inscreveu apenas para irritar Felicity.

Ela nem queria ir para Northwestern até que eu disse a ela que
estava me inscrevendo, dizia a carta.
Ela só queria provar para mim que, mais uma vez, dada a escolha
entre eu e ela, eles a escolheriam.

E eles tinham escolhido ela. Kate foi aceita no programa de


jornalismo de primeira linha da Northwestern, enquanto Felicity ficou
para trás na UVA11. Não me entenda mal - ainda era uma ótima
escola. Mas não era o sonho de Felicity.

Mas enquanto eu foleava uma carta perto do final do meu


treinamento e meus olhos percorreram a página, um parágrafo, em
particular, saltou para mim.

Só doeu ela ter ido sem mim, sabe? Esse era o nosso sonho desde
que éramos crianças. Íamos nos formar, ir para a Northwestern juntas, nos
tornarmosas melhores jornalistas investigativas que o mundo já tinha visto
e comprar mansões iguais na mesma rua. Como ela pode simplesmente
me deixar para trás?

Tinha sido o sonho delas ir para a universidade juntas desde que


eram crianças? Mas antes, ela me disse que Kate nunca quis ir para
Northwestern até que Felicity disse que ela estava se inscrevendo.

Era um pequeno detalhe. Mas se ela mentiu sobre isso... quem


sabe o que mais ela inventou para ganhar minha simpatia?

Foi então que decidi que daria a Kate uma chance justa. Ela parecia
realmente querer conhecer Gracie e Ellie. E talvez Felicity não tenha sido
tão inocente em suas consequências como ela fingiu ser. Além disso, já
fazia mais de dez anos. Certamente Kate havia superado qualquer
comportamento infantil.
11
Universidade da Virgínia.
Gracie desce correndo as escadas, tirando-me dos meus
pensamentos quando se lança sobre mim ao chegar ao quarto degrau do
fundo. Eu a pego com um oomph, balançando-a em meus braços e para
cima em meu quadril.

— Você é quase grande demais para isso, Gracie Lou Who, — digo,
dando um beijo em sua bochecha antes de colocá-la no chão. — Logo você
vai bater no bum...bum o seu pobre velho pai.

Ela sorri para mim. — Você quase disse uma palavra feia!

— Não,não, — eu protesto. — Eu ia dizer minha bunda fofa. —


Ambas as meninas se dissolvem em um ataque de riso com a minha
avaliação do meutraseiro. — Papai, — Gracie repreende. — Bundas não
são fofos.

— Me perdoe, — eu digo, balançando minha cabeça. — Preciso


pegar os álbuns de fotos e mostrar como sua bunda era linda quando você
era bebê?

Ela me golpeia. — Não! Nada de fotos de bebês nus!

Eu rio, pegando ambas as mãos nas minhas e indo em direção à


porta. — Ok, tudo bem, — eu digo, colocando um tom de desânimo na
minha voz. — Acho que precisamos ir de qualquer maneira.

Gracie para, me puxando para cima antes que eu possa soltar sua
mão para abrir a porta da frente. Eu me viro e olho para ela.

— Talvez depois de voltarmos, possamos olhar as fotos. Ok, papai?

— Eu quero ver a mamãe, — Ellie fala do meu outro lado.


— Eu também, — Gracie concorda. A emoção brota na minha
garganta e me curvo para beijar as duas na cabeça.

— Eu também, — eu repito. — O que você acha de nos enrolarmos


no sofá com o cobertor favorito da mamãe e olharmos todos os álbuns de
fotos esta noite? Isso parece bem?

Ambas acenam com a cabeça, e retomamos nossa jornada para


fora da porta da frente e para a minha caminhonete. Aperto o cinto de
segurança de Ellie em seu assento do carro e Gracie em sua cadeirinha
antes de correr para o lado do motorista.

— Eu me pergunto se a tia Kate tem alguma foto da mamãe


quando ela era pequena, — Gracie tagarela do banco de trás.

Então me ocorre que eu nunca tinha visto fotos de Felicity quando


ela era menina. Havia algumas fotos da escola que seus pais colocaram
pela casa. Mas nada de fotos espontâneas. Sem festas de aniversário, sem
pijamas.

Porque Kate estaria nelas.

Eu me pergunto se Debbie e Kurt ainda tinham alguma das fotos


antigas das duas juntas guardada em algum lugar. Ou talvez Kate as
tivesse levado com ela quando ela partiu. Inferno, conhecendo Debbie e
Kurt e sua animosidade para com sua filha mais nova, eles provavelmente
fizeram uma fogueira e queimaram todos os vestígios de sua presença de
suas vidas assim que ela se foi.

— Podemos perguntar a ela e ver, ok, garota?


Eu a vejo acenar com a cabeça no espelho retrovisor antes de se
inclinar para olhar para o tablet que Ellie trouxe com ela.

O trajeto até o aquário passa rápido, as meninas brincando


baixinho no banco de trás durante todo o caminho. De vez em quando, eu
olho para trás para ver como elas estão, a felicidade se espalhando por
mim cada vez que encontro suas cabeças inclinadas juntas, suas vozes
abafadas enquanto sussurram entre si.

Elas podem derrubar a casa quando elas têm uma de suas brigas
épicas. Mas há uma coisa da qual estou absolutamente certo.

Minhas garotas são unidas.

Fico orgulhoso de conhecer Lissy e as criei não apenas para serem


boas uma com a outra, mas também para serem amigas.

Felicity e Kate tiveram o mesmo tipo de relacionamento quando


eram pequenas?

Eu sei que Kate era apenas quatorze meses mais nova que Felicity,
e ela me disse que elas praticamente cresceram como gêmeas. Elas
tinham que ter um vínculo especial para que isso fosse verdade, certo? Ou
Felicity inventou tudo isso também?

Talvez elas nunca tenham sido próximas. Talvez tudo que eu


pensava que sabia sobre a infância de minha esposa fosse uma
falácia. Com a partida de Felicity, só havia uma maneira de descobrir.

Você provavelmente deveria guardar essa conversa para algum


lugar um pouco menos público, eu acho. Eu escolhi o aquário por causa de
sua agitação. Achei que era um lugar tão bom quanto qualquer outro para
o primeiro passeio público das meninas com sua tia recém-descoberta e,
apesar de como me senti depois da visita dela, ainda não tinha certeza se
podia confiar em Kate Mitchell. Eu não queria que minhas garotas se
apaixonassem muito por sua tia antes de ter certeza de que ela não iria
quebrar seus corações.

Quando chegamos ao aquário, dou a volta no estacionamento


algumas vezes, tentando encontrar um lugar de onde não seja muito difícil
mais tarde, na hora de sair. Depois de recuar em uma baia perto da saída,
eu saio do banco do motorista e ajudo as garotas a saírem do carro.

Elas se dão os braços, Gracie tentando fazer Ellie sincronizar seus


passos com os dela enquanto caminhamos em direção à porta.

Kate está parada na entrada e sorri calorosamente ao nos ver. Ela


está vestida com jeans e uma camiseta justa hoje, seus longos cachos
castanhos soltos nas costas. Ela dá às meninas um pequeno aceno, e elas
se afastam de mim, passando o foyer e envolvendo-a em um abraço.

A risada deliciada de Kate ressoa quando ela se agacha para pegá-


las em cada braço. Eu deveria estar mais preocupado com o fato de que
minhas filhas simplesmente se jogaram nos braços de uma estranha, mas
a alegria em seus três rostos é contagiante, e simplesmente não consigo
me importar.

Ela é família, digo a mim mesmo, como se essa fosse uma razão
boa o suficiente para permitir isso.

Depois que as meninas a soltaram, Kate se levantou, se


aproximando de mim e sorrindo timidamente. — Como você está hoje,
Shane? — ela pergunta, colocando uma mecha de cabelo atrás da orelha.
Seus olhos ficam focados no chão, como se ela estivesse nervosa e
não soubesse como agir perto de mim. Sua timidez seria fofa como o
inferno, se não fosse pelo pequeno detalhe de ela ser irmã da minha
falecida esposa.

Eu limpo minha garganta, afastando o pensamento antes que eu


possa pensar muito sobre isso. — Eu estou bem. Como você está?

Ela acena com a cabeça. — Bom. Vocês tiveram uma boa manhã?

— Sim! — Gracie grita. — Papai fez panquecas para o café da


manhã e me deixou comer morangos extras e chantilly. Foi tão gostoso.

— Parece delicioso, — diz Kate, baixando os olhos de volta para a


minha filha. — Você comeu morangos com chantilly também, Ellie?

Minha filha mais nova balança a cabeça, sua língua saindo para
lamber os lábios, como se a simples menção de comida a tivesse deixado
com fome. — Eu amo chantilly!

— Eu também. Especialmente em uma xícara de chocolate quente,


— Kate concorda, enviando minhas duas meninas em uma agitação por
causa de sua bebida favorita de inverno.

Eu espero enquanto elas terminam de debater se chocolate


quente é melhor coberto com mini marshmallows ou bengala de doce
esmagada - minhas meninas estão firmemente no campo
de marshmallow - antes de virar e apontar para o balcão de ingressos.

— Devemos?

A fila se move rapidamente e, em pouco tempo, estamos


envolvidos em um mar de cores. Para onde quer que olhemos, há algo
novo para ver, alguma criatura exótica que você nunca encontraria
enquanto vadeava nas profundezas do Atlântico em nossas praias
próximas.

As garotas estão paralisadas, com os olhos arregalados enquanto


observam o tanque do túnel. A água nos rodeia, as paredes e o teto feitos
totalmente de vidro, permitindo uma visão de trezentos e sessenta
graus do que devem ser centenas, talvez milhares, de peixes.

— Papai, olhe! — Ellie grita, estendendo a mão e apontando


enquanto um tubarão do banco de areia passa deslizando. Ela estica o
pescoço para trás para se certificar de que estou olhando, e seu sorrisinho
é tão contagiante que não consigo evitar a risada que explode em meu
peito.

— Eu vejo isso, Monkey. Muito legal, certo? — Eu caio de joelhos


ao lado dela, puxando-a para o meu lado. — Você vê aquele cara ali? Isso
é chamado de peixe-anjo.

Sua boca se abre. — Um anjo, papai? Como a mamãe?

Eu não tinha percebido a conexão que ela poderia fazer quando


apontei o rapazinho gracioso, e levo um segundo para decidir como
responder. Debbie disse às meninas que sua mãe era um anjo depois do
funeral, e eu realmente não sabia como me sentir sobre isso. Como
alguém que não sabe ao certo em que acredita quando se trata de toda
essa coisa de céu e inferno, eu realmente não gostei de
minha sogra assumir a responsabilidade de começar a contar histórias
para minhas filhas.
Finalmente, pressiono um beijo em sua têmpora, decidindo que
tentar explicar o complexo funcionamento da fé e a vida após a morte não
era realmente uma conversa para o aquário - muito menos com
uma criança de três anos. — Sim, querida. Como mamãe.

Ellie volta seu foco para o aquário, seu nariz torcido em


pensamento, seus olhos indo em busca de algo.

— O que você está procurando, Monkey?

— Mamãe. Se há anjos aqui, talvez a mamãe também esteja.

Veja, era por isso que eu preferia manter a cabeça das minhas
garotas firmemente no aqui e agora. Não agarrar em algum faz de
conta de conto de fadas que a maioriaprovavelmente não é nem
remotamente verdadeiro.

— Mamãe não está aqui, Ellie, — eu digo, puxando-a em meus


braços.

— Mas, papai, você disse...

— Eu sei, querida. Mas a mamãe não é um peixe. Ela não está aqui.

Seu lábio inferior treme, seus olhos começam a se encher de


lágrimas quando ela se vira para olhar para mim. — Estou com saudades
da mamãe.

Eu a aperto contra o meu peito, meus braços envolvendo seu


corpo minúsculo como se eles pudessem de alguma forma protegê-la
deste mundo de dor. O cheiro de seu shampoo doce enche meu nariz, o
cheiro familiar me fornecendo algum conforto e força muito
necessários neste momento sombrio.
— Eu sei, Monkey. Eu também sinto falta dela.

Nossa troca de partir o coração é interrompida quando há um leve


toque no meu ombro. Tirando meu rosto do cabelo de Ellie, me viro para
encontrar Gracie e Kate paradas ali, a preocupação estampada em seus
rostos.

Ellie mantém o rosto enterrado no meu peito, seus pequenos


ombros tremendo com seus soluços. Não é até Gracie falar que minha
garotinha finalmente traz seu olhar para o resto do nós.

— Vamos, Ellie, — diz ela, estendendo a mão para a irmã. —


Vamos ver os pinguins.

Ellie me solta, estendendo a mão e se juntando a sua irmã. E assim


que suas mãos se tocam, é como se um interruptor tivesse sido acionado
dentro do meu bebê. Ela funga com força, sua respiração irregular se esvai
enquanto ela endireita os ombros. Quando ela se vira para olhar para
mim, toda a tristeza que havia em seus olhos apenas alguns momentos
atrás agora se foi, substituída por coragem e tenacidade.

Assim como sua irmã.

De repente, estou tão grato por minha filha mais velha que quase
desmaio e choro bem aqui no meio do chão. Na semana passada, ela
provou que, embora possa ter apenas seis anos, ela tem mais bravura e
força de vontade do que a maioria das pessoas cinco vezes sua idade. Ela é
um modelo incrível para sua irmã mais nova, e eu honestamente não sei o
que faria sem ela.
Eu me levanto e Kate vem para ficar ao meu lado enquanto
seguimos atrás de minhas meninas.

— Você está bem? — ela pergunta, e eu respondo apenas com um


aceno de cabeça. — OK.

Ela não empurra mais. Não tenta me fazer explicar do que se


tratava aquela coisa toda. Ela simplesmente caminha ao meu lado em
silêncio, contente com minha resposta vaga.

Felicity nunca teria me deixado escapar sem fornecer


detalhes. Mesmo quando nos conhecemos, ela insistiu em saber cada
pensamento que estava passando pela minha cabeça. Se eu ficasse em
silêncio por um momento, ela me perguntaria no que eu estava
pensando. E se eu tentasse não dizer nada, de alguma forma isso se
transformaria em um problema com nosso relacionamento.

Eu atribuí isso a suas inseguranças que vinham de lidar com sua


vida familiar, mas agora não tenho tanta certeza.

Kate cresceu no mesmo ambiente. E, no entanto, aqui estava ela,


me deixando em paz, sem me empurrar para falar sobre algo que eu
claramente não quero falar.

Eu conhecia essa mulher há 48 horas, e ela de alguma forma


conseguiu pegar tudo que eu pensava que sabia sobre o passado de minha
esposae virar completamente de cabeça para baixo.

— Tia Kate! Venha ver! — Gracie grita, gesticulando


freneticamente para Kate se juntar a ela e Ellie. — Tem peixe chato!
Kate e eu trocamos olhares perplexos antes de irmos até as
garotas. Elas estão paradas na frente de um tanque baixo aberto, e eu
rapidamente vejo do que Gracie estava falando.

— Essas são chamadas de arraias, — digo, mas tenho quase


certeza de que nenhuma delas me ouve. Elas estão muito paralisadas
pelas bolhas flutuantes cinzentas.

Quando uma mulher do outro lado do tanque se inclina para tocar


uma das arraias, Gracie grita, virando-se para mim e dançando de um pé
para o outro.

— Posso tocar em um, papai? Eu posso? Eu posso?

Eu olho ao redor do resto da sala, vendo várias pessoas se


abaixando para sentir os peixes. Existem alguns sinais afixados que
explicam as medidas de segurança do — tanque de toque.

Meus olhos os examinam rapidamente antes de voltar para minha


filha. — Eu suponho que sim. Mas você tem que prometer que vai me
ouvir, ok, Gracie?

Ela acena com a cabeça enfaticamente. — Sim papai.

— Falo sério, Gracie Belle. Você ouve cada palavra que eu digo ou
terei que levá-la para a caminhonte. O mesmo vale para você também,
Ellie.

Gracie cruza um dedo sobre o peito, e sua irmã faz o mesmo. —


Juro.

— Ok, venha aqui então, — eu digo, acenando para Gracie


enquanto me sento na beirada do tanque.
Com meus braços travados firmemente em torno de sua cintura,
abaixo seu braço lentamente, sentindo seu corpo ficar tenso enquanto
seus dedos quebram a superfície da água. Eu sorrio com seu nervosismo,
me perguntando como ela vai reagir quando ela finalmente entrar em
contato com a arraia viscosa.

Eu deveria ter sabido melhor, no entanto. É claro que minha


garotinha durona como pregos não gritaria e saísse correndo ao sentir
algo estranho. Em vez disso, seus olhos se iluminaram, sua risada saindo
de sua boca sem restrição.

— É tão legal!

Ellie aparece ao meu lado. — Eu quero sentir!

— Não, ainda não terminei, — Gracie diz, franzindo as


sobrancelhas de frustração. — Diga a ela para esperar a vez dela!

— Papai! — Ellie grita.

— Pare de ser um bebê!

Ah. Eu sabia que era bom demais para durar. Elas estava se
dando muito bem esta manhã.

Kate entra então, colocando a mão no ombro de Ellie.

— Eu posso segurar, Ellie, — ela oferece, acrescentando


rapidamente, — se estiver tudo bem com o seu pai, é claro.

Eu me surpreendo acenando com a cabeça. Normalmente eu não


confiava em ninguém fora do meu estreito círculo de família e amigos com
a segurança das minhas meninas. Mas eu nem tinha pensado duas vezes
em sua oferta.
Estarei bem aqui, digo a mim mesmo. Não é como se ela fosse ficar
sozinha com Ellie sem supervisão.

Mas mesmo enquanto penso nas palavras, sei que não são
inteiramente verdadeiras. Por algum motivo, sem meu conhecimento,
confio nessa mulher. Eu nãosei por que ou como, mas cada instinto
profundo em meu intestino me diz que ela não quer machucar minha
família. Ela só quer ser uma pequena parte disso.

Vejo Ellie subir no colo de Kate, vejo Kate abaixá-la lentamente da


mesma forma que eu abaixei Gracie. E eu vejo o rosto de Ellie se contorcer
de horror quando ela sente a sensação desconhecida, seu braço recuando
tão rápido que ela quase cai do abraço de Kate. Mas antes que isso
aconteça, Kate a pega, abraçando Ellie contra o peito enquanto sua
cabeça cai para trás sobre os ombros, uma risada estrondosa passando
por seus lábios e enchendo a sala.

Gracie ri em meus braços, e ao som de suas risadas, Ellie esquece


que ela deveria estar com nojo e começa também.

É um momento que sei que vou lembrar por muitos anos. Eu e


minhas filhas, sentadas ao redor do tanque de toque, olhos cheios de
lágrimas de felicidade, barrigas doendo com a força de nossas risadas.

E a bela mulher ao meu lado. Uma mulher que entrou em minha


vida nas mais trágicas circunstâncias.

Mas uma mulher que pode ser exatamente o que minha pequena
família precisa.
CAPÍTULO OITO

Kate

Eu fico olhando para o cursor piscando na minha tela, a página


ainda em branco como estava quando puxei o novo documento há mais
de uma hora.

Pude contar em uma mão o número de vezes que experimentei


um bloqueio de escritor ao longo de minha carreira. Inferno, eu podia
contar com um dedo, e aquele tempo realmente não contava porque eu
estava com febre de quarenta e três graus e mal conseguia formar uma
frase coerente em minha névoa induzida por drogas.

Nunca tive problemas com as palavras. Nunca tive problemas com


histórias que chegavam até mim. Na verdade, eles vieram até mim muito
rápido, meus dedos incapazes de acompanhar todos os pensamentos que
passavam pela minha mente.

Mas não hoje. Hoje, é como se todas as ideias que tive nas últimas
semanas, as semanas que passei aperfeiçoando a peça que entreguei a
Izzy no dia anterior à minha partida para Virginia Beach, tivessem
desaparecido de repente, e estou deixada sentada aqui na frente do meu
laptop como se eu nunca tivesse ouvido falar em palavras.

— Eca! — Eu gemo, empurrando minhas mãos em meu cabelo e


puxando as raízes. Dói, mas pelo menos a dor momentaneamente tira
meus pensamentos da minha frustração.

O que há de errado comigo?


Eu finalmente alcancei o ponto em minha carreira em que
simplesmente não tenho mais nada a dizer?

Ou talvez seja dor. Certamente o choque de perder minha irmã era


um motivo aceitável para perder o foco na minha carreira, certo?

Mas, à medida que cada pensamento passa pela minha cabeça, sei
que não é verdade.

Não tem nada a ver com falta de ideias. Nada a ver com a morte da
minha irmã.

E tudo a ver com a família que ela deixou para trás.

Já se passaram três dias desde a visita ao aquário com Shane e as


meninas, o que significa que já se passaram três dias desde que meu
cérebro pensou em qualquer coisa, exceto naquela tarde.

Eu estava tão nervosa para nossa primeira apresentação em


público, tão insegura se o tipo de acordo que Shane e eu tínhamos
alcançado na noite anteriorcontinuaria durante as horas do dia, depois
que ele tivesse algum tempo para dormir e pensar sobre isso.

Acontece que eu não precisava me preocupar. As garotas


demonstraram a mesma empolgação com a minha presença que no nosso
primeiro encontro, e a maneira fácil com que Shane sorriu para mim fez
com que eu me sentisse em casa.

Pelo menos, até chegarmos ao tanque de toque. Algo mudou


depois que saímos daquelasala. Não com Gracie e Ellie. Elas ainda eram
suas pequenas e exuberantes eus enquanto caminhávamos pelo tanque
de polvos, a exibição de lontras e até mesmo as gaiolas de répteis.
Mas Shane...

Foi como se um interruptor tivesse sido acionado, e o


despreocupado Shane da primeira hora de nossa visita voltou a ser o
Shane do funeral.

Ok, talvez isso fosse um pouco extremo. Ele não tinha sido
totalmente rude comigo como foi em nosso primeiro encontro. Mas em
vez de sorrir e rir como ele tinha feito, recebi apenas respostas grunhidas
e breves flashes de um olhar antes de seus olhos se concentrarem em
algo... algo mais.

Eu não tinha certeza do que havia mudado em apenas alguns


minutos. Mas eu tinha certeza de que não conseguia parar de pensar nisso
nassetenta e duas horas desde então.

Trazendo meus olhos de volta para o meu laptop, eu fico olhando


para a página em branco por mais um segundo antes de fechá-la e pegar
meu telefone. Eu estava esperando uma mensagem de Shane durante a
manhã toda, cancelando o sorvete depois da escola e o encontro no
parque que eu fiz com as meninas antes de deixar o aquário. Algo me
disse que depois da maneira como as coisas terminaram depois daquela
última visita, posso ter visto a última de minhas sobrinhas.

A questão é, o que exatamente eu fiz? Eu disse algo que o


ofendeu? Fiz algo que ultrapassou os limites que Shane havia
estabelecido? A única coisa em que consigo pensar é me oferecer para
segurar Ellie enquanto ela se aproxima para tocar as arraias, mas eu pedi
sua permissão primeiro. Ele parecia bem com isso quando concordou, mas
foi depois disso que ele começou a agir estranhamente.
Ele achou que eu estava tentando entrar no lugar da minha
irmã? Certamente ele não pensaria que eu esperava...

Eu toco no nome de Shane em meus contatos, digitando uma


mensagem de texto rápida.

EU: Ainda estamos combinados para esta tarde?

O relógio na minha tela me diz que é quase uma e meia, e eu sei


que a escola de Gracie termina às duas e quinze. Shane tinha concordado
que uma vez que ele a pegasse, eles passariam na creche de Ellie para
pegá-la e então me encontraria na sorveteria na Main Street. Se o
encontro ainda vai acontecer, preciso começar a me preparar.

Esses três pontos que indicam que o destinatário está digitando


uma mensagem começam a pular e eu fico olhando para a tela enquanto
espero que ela chegue. Sério, quem achou que era uma boa ideia inventar
esses desgraçados é o pior tipo de masoquista. Já é ruim o suficiente ter
que esperar. Mas ter que esperar, sabendoque a pessoa está digitando...
excluindo... digitando de novo... é uma tortura terrível.

Eu coloco meu telefone na mesa, apoiando meu queixo na palma


da minha mão enquanto faço uma carranca para ele.

É difícil responder a uma pergunta simples?

Fechando meus olhos, eu puxo uma respiração profunda e


calmante, tentando acalmar meus nervos. Eu já esperava que ele
cancelasse, então por que estou tão preocupada?
Não é grande coisa, eu me lembro. Você nem sabia que aquelas
duas meninas existiam até alguns dias atrás. Certamente você pode voltar
à vida como de costume se Shane te interromper.

É só isso. Agora que comecei a conhecê-los, agora que sei o quão


maravilhosas Gracie e Ellie são realmente... Não tenho certeza se posso
seguir em frente sem elas.

Meu telefone apita, me puxando dos meus pensamentos enquanto


minhas mãos se atrapalham para agarrá-lo. Antes de digitar minha senha
para desbloqueá-la, digo a mim mesma que vou respeitar sua decisão.

Se Shane quer que eu saia, eu vou embora. Por enquanto, pelo


menos.

Mas, mais cedo ou mais tarde, eu teria outra chance com minhas
sobrinhas. Não vou cair sem lutar.

Já havia perdido a maior parte da minha família. Não estou prestes


a perdê-las também.

Exalando lentamente, eu digito meu código de quatro dígitos e


clico na mensagem não lida.

SHANE: Vejo você às três.

Uma risada aliviada estala pelos meus lábios, e parte do peso que
eu carregava nos últimos três dias foi retirado dos meus ombros.

Shane não está me excluindo.

Eu não estraguei tudo, afinal.


Mas o ar tenso que flutuou entre nós no outro dia ainda me
incomoda.

Se Shane está preocupado que eu de alguma forma estou


tentando me infiltrar em sua família...

Bem, terei apenas que deixá-lo saber que sei exatamente onde
estou.

***

— Eu preciso me desculpar.

Eu congelo no meio da lambida, minha língua ainda colada contra


a casquinha de sorvete de massa de biscoito em minha mão. Meus olhos
vão para onde Shane está sentado ao meu lado em um banco do parque,
uma expressão divertida em seu rosto enquanto ele vê minha aparência
atordoada.

Lentamente puxando minha língua de volta para dentro da minha


boca, eu rolo meus lábios juntos até que eles sejam sugados entre meus
dentes, e uma risada alta explode do peito de Shane.

Minhas sobrancelhas levantam, silenciosamente perguntando a ele


o que exatamente é tão engraçado. — Desculpe, — ele diz uma vez que se
recompôs. — É só que vocêparecia exatamente como Gracie quando eu a
peguei tentando roubar biscoitos antes do jantar.

Eu rio, colocando a mão no meu peito. — Ah, uma garota segundo


o meu próprio coração.
— Sempre me perguntei de onde ela tirou seu dente doce. Felicity
não seria pega nem morta com nada que engordasse em sua boca, e
embora eu goste de uma boa sobremesa de vez em quando, não me serve
exatamente bem no meu ramo de trabalho permitir-me satisfazer. Eu
preciso ficar em forma.

Meus olhos fazem uma avaliação rápida de seu corpo. Se você


procurasse a palavra caber no dicionário, tenho certeza de que
encontraria uma foto de Shane Dempsey ao lado dela.

Oh meu Deus. Ele é o marido da sua irmã morta, pelo amor de


Deus. Pare de olhar para ele como se você fosse um garoto gordo e ele
fosse um pedaço de bolo.

Felizmente, Shane não parece notar meu lapso momentâneo de


julgamento, suas palavras me puxando dos meus pensamentos
inadequados e de volta ao que originalmente me fez parar de desfrutar do
meu sorvete.

— Então, sobre aquele pedido de desculpas...

Certo. Desculpa.

Espere o quê?

— Pelo que você poderia se desculpar? — Eu pergunto.

Ele me dá uma risada forçada. — Você quer dizer, além de ser um


idiota total com você no funeral da sua irmã e depois novamente em casa
mais tarde naquela noite?
Eu aceno para ele. — São águas passadas. Eu entendo
perfeitamente por que você agiu daquela maneira. Não é como se você
realmente tivesse muito do que contar quando se tratava de mim.

Seus lábios formaram uma linha dura. — Ainda. Não foi justo da
minha parte tratá-la do jeito que tratei. Me desculpe.

Eu sorrio. — Bem, então desculpas aceitas, se desnecessárias.

— Na verdade, não era por isso que eu queria me desculpar.

— Oh? Então você não lamenta por ser um idiota total? Suas
palavras, nãominhas, — eu rapidamente acrescento quando seus olhos se
fixam nos meus.

Ele sorri. — Ok, isso não é tudo pelo que eu queria me desculpar
então.

Eu levanto uma sobrancelha para ele, deixando-o saber que estou


esperando que ele continue.

— Eu queria dizer que sinto muito por como agi no aquário outro
dia.

Oh.

— Você estava bem... — eu começo, mas ele levanta a mão para


me interromper.

— Não, eu não estava. E eu sei que você percebeu. É só... ainda é


difícil paramim, sabe? As coisas com Lissy ainda estão tão frescas, e com
tudo o que aconteceu entre vocês duas... Eu só não quero sentir que
estou desrespeitando a memória dela, eu acho.
— Shane, você não tem que me explicar. Eu entendo.

— Você não deveria, no entanto. Você não me deu nenhuma razão


para não acreditar que só pensa nos interesses das minhas garotas. Você
não é nada parecida com como Felicity a descreveu. Você é gentil. Você é
encantadora. Você é boa. Acho que acabei de perceber isso com um
pouco de sinceridade demais no aquário. E isso me assustou.

— Te assustei? — Meu rosto cai com as palavras. Como eu o


assustei?

— Não esperava gostar tanto de você, Kate. Não como... Não


estou tentando me atirar em você nem nada. Não que você não seja
bonita...porra, isso está saindo tudo errado.

Eu alcanço e coloco minha mão sobre a dele. — Está tudo bem,


Shane. Eu também gosto de você. Como um amigo.

O alívio inunda suas feições. — Amigo. Sim, era isso que eu estava
tentando dizer.

— É uma palavra bastante complicada. Não estou surpresa que


alguém como você não tenha conseguido pensar nisso.

Sua boca se abre, um sorriso puxando suas bochechas enquanto


ele tenta fingir choque. — Por que, Sra. Mitchell. Você está dizendo que
eu sou hostil?

— De jeito nenhum. É totalmente normal para um homem usar um


carimbo que diz vá se foder na testa.

Seus dedos se levantam para esfregar a pele bronzeada acima de


sua sobrancelha, e estou mais uma vez impressionada com o quão bonito
Shane Dempsey é. Anos de trabalho árduo ao sol deveriam ter deixado
sua pele grossa e dura. Mas, em vez disso, ele tem linhas e cores definidas
apenas o suficiente para torná-lo ainda mais robusto e atraente.

Amigos, Kate. Ele é seu amigo.

— Então, por quanto tempo você está pensando em ficar por aqui?

Eu franzo meus lábios. — Por quê? Você já está cansado de mim?

Ele balança a cabeça, um flash momentâneo de pânico cruzando


seus olhos. — Não não. Eu só estava pensando. Você sabe, pelo bem das
meninas.

Certo. As meninas. Não porque ele queira passar mais tempo com
você.

Eu encolho os ombros. — Minha chefe me disse para demorar o


tempo que eu precisar. Posso praticamente fazer meu trabalho de
qualquer lugar, então, contanto que eu continue contando as histórias, ela
não está muito preocupada quando eu voltar para o escritório.

— Então, você trabalhou enquanto estava aqui em Virginia Beach?

Lembro-me de minha tentativa fracassada de escrever no início


desta manhã e à tarde. Bem, tentando de qualquer maneira.

Mas ao invés de tentar explicar minhas lutas com o bloqueio de


escritor para Shane, eu simplesmente aceno. — Vantagem de ser a melhor
em seu trabalho, eu acho.

— Eu gostaria de ler um pouco de seu trabalho algum dia. Lissy


nunca me disse que você era repórter.
A tristeza me inunda com isso. Porque eu não tinha certeza se Lissy
sabia e optou por não discutir sobre mim com seu marido, ou se ela
realmente não se importou o suficiente para ficar de olho em mim como
eu fiz com ela.

Ela realmente não queria saber o que eu tinha feito durante todos
aqueles anos que estivemos separados?

Algo me disse que não gostaria de ter uma resposta a essa


pergunta. Shane parece sentir a borda no ar que se desenvolveuentre nós,
porque ele limpa a garganta, parecendo inseguro sobre o que dizer a
seguir.

— Então me fale um pouco mais sobre você, — eu digo,


poupando-o do esforço de tentar escolher um tópico.

— O que você quer saber?

Eu levanto um ombro. — Não sei. Suponho que você foi


militar. Que ramo?

— Eu era um SEAL.

— Hummm, o quê? — Eu pergunto, imaginando-o vestido com


uma roupa marrom emborrachada e latindo por peixes.

— Um SEAL da Marinha. Equipes marítimas, aéreas e terrestres.

— Oh. Então, tipo... você é muito fodão, então?

Ele ri levemente. — Quero dizer, não para fazer minha própria


propaganda, mas... sim. Somos muito durões.

— Você gostou?
— Não. Eu vivi para isso. Ser um SEAL era a única coisa que eu
sempre quis fazer.

— Então, por que você desistiu?

Uma expressão de dor cruza seu rosto. — Realmente não tive


escolha.

Estou prestes a perguntar o que ele quer dizer quando levanta


uma das pernas da calça alguns centímetros, me mostrando o motivo
exato pelo qual a escolha foi tirada dele.

— Oh meu Deus, — eu sussurro, meus olhos disparando da


prótese para seu rosto. — Eu não fazia ideia.

Ele concorda. — IED12 à beira da estrada. Nós tivemos


sorte. Saimos alguns segundos antes que nosso Hummer tivesse passado
direto por cima dele. Muitos de nós ficaram feridos, mas ninguém foi
morto.

— Graças a Deus por isso, — eu digo, estupefata com a provação


que ele suportou.

Shane zomba. — Graças à tecnologia feita pelo homem e aos


recursos de segurança, é mais parecido.

Minha testa franze, as palavras na ponta da minha língua para


perguntar o que ele quis dizer, mas algo em sua expressão dura me diz
para esquecer.

— Então você anda com essa coisa? — Eu pergunto, acenando


para baixo para sua perna mais uma vez.

12
Dispositivo Explosivo Improvisado ou bomba de fabricação caseira
Ele me fixa com um olhar divertido. — Bem, eu não voo
exatamente.

Percebo tarde demais como a pergunta soou estúpida. Claro que


ele anda com ela. Eu só o observei fazer isso no caminho para cá.

— Desculpe, eu só quis dizer... você anda tão normalmente. Eu


nunca teria imaginado que você tinha perdido um membro.

Shane encolhe os ombros. — Já se passaram alguns anos desde a


lesão. Eu tenho muita prática.

— Ainda dói?

Ele concorda. — Todo santo dia. Aprendi a conviver com isso. Na


maioria das vezes eu mal percebo.

Eu dou a ele um olhar impressionado. — Você realmente é um


fodão. — Ele solta outra risada alta e estrondosa.

— Então, o que você faz agora que saiu do serviço militar? — Eu


pergunto, querendo saber mais sobre ele.

— Eu trabalho para a Cole Security. Os amigos do meu pai, Jackson


e Mark, o possuem e operam desde antes de eu nascer.

— E o que exatamente o Cole Security faz? — Algo me disse que


eles não eram policiais de aluguel no shopping.

— Somos uma força de segurança de nível militar. Oferecemos


segurança para clientes de alto nível em todo o mundo.

— Alguém que eu gostaria de saber? — Ele levanta uma


sobrancelha para mim.
— Ah, — eu digo, balançando minha cabeça. — Acho que isso
significa que é confidencial?

— Eu te contaria, mas então teria que te matar, — ele responde


com uma piscadela.

— Muito James Bond você. — Eu lanço para ele um sorriso


extravagante. — Dempsey, minha querida. Shane Dempsey.

Eu rio, enxugando a umidade que se forma no canto dos meus


olhos. Isso é bom. Não consigo me lembrar da última vez que ri assim.

Shane recita mais algumas linhas de filmes famosos de Bond -


embora, agora que penso nisso, não tenho certeza se tudo o que eu
contaria, mas então eu teria que te matar, veio de um filme de Bond -
mas é tão engraçado que não consigo impedi-lo. Depois que ele terminou
e nós dois rimos completamente, nos sentamos contra o banco e
voltamos nosso foco para as meninas.

Elas brincaram no enorme parquinho todo o tempo em que


estivemos conversando e, embora pareça que sua atenção estivesse
apenas em mim, sei que ele manteve um olho nas filhas o tempo todo.

Não tenho certeza se isso é uma coisa de pai, militar ou apenas


uma coisa de Shane Dempsey, mas me impressiona como ele é capaz de
dar atenção a várias coisas tão completamente.

Gracie ri enquanto espera por Ellie no final de um escorregador,


com os braços estendidos como se fosse pegar a irmã. Quando Ellie vem
correndo pelo túnel e se choca com ela, meu coração para brevemente,
esperando pelas lágrimas que certamente estão prestes a começar.
Mas, em vez disso, as duas riem enquanto se levantam, limpando a
serragem de suas roupas e disparando em direção à escada de volta ao
topo.

— Tenho certeza que vou sentir falta delas quando tiver que voltar
ao trabalho, — Shane diz, seu tom misturado com tristeza.

— Quando você volta?

— Semana que vem. Eu sei que vai demorar apenas algumas horas
depois da escola todas as noites, mas odeio a ideia de mandá-las para uma
babá. Especialmente tão cedo...

Ele não termina o pensamento. Mas ele não precisa. Após a morte
de Felicity.

Uma ideia vem à minha mente, e antes que eu possa pensar nisso,
as palavras saem dos meus lábios.

— Eu poderia cuidar das meninas um pouco depois da


escola. Dessa forma, elas poderiam estar em sua própria casa, pelo
menos.

Os olhos de Shane piscam para os meus, e eu brevemente me


pergunto se cometi um erro. Ele se desculpou pela maneira como agiu no
outro dia, mas talvez isso estivesse levando as coisas longe
demais. Deixar-me sozinha, em sua casa, com suas filhas, está muito longe
de se encontrar para tomar um sorvete.Mas apenas um segundo se passa
antes que Shane acene com a cabeça.

— Gostaria disso. Acho que as meninas também.


Eu sorrio enquanto nós dois nos voltamos para ver Gracie sair
disparada do fundo do escorregador.

Este dia acabou um milhão de vezes melhor do que eu jamais


poderia ter imaginado.
CAPÍTULO NOVE

Shane

— Filho da puta, — murmuro baixinho enquanto meu telefone


toca no bolso. Eu largo a colher com a qual estava mexendo meu café na
pia antes de colocar a mão no bolso e silenciar o telefone.

Não me preocupo em olhar para quem é, optando por tomar um


gole do meu café enquanto me recosto no balcão da sala de descanso.

— Droga, DeeJ13. Você é um cara popular hoje. Você tem alguma


coisa acontecendo do lado? — Mark pergunta, balançando as
sobrancelhas para mim.

Eu reviro meus olhos e mostro o dedo para ele. — Confie em mim,


Twilight. Se eu tivesse tempo para qualquer coisa além das minhas garotas
e esta porra de lugar, eu passaria dormindo.

— Ente...diante — diz ele, enfatizando a última sílaba. Isso me


lembra de algo que Gracie faria, e não posso deixar de chamar sua
atenção para isso.

Ele dá de ombros depois que eu digo que ele parece minha filha
de seis anos. — Isso é para ser um insulto? Essa menina é uma
merda. Você gostaria de sertão legal quanto ela.

Ele me tem lá. No que diz respeito às crianças, as minhas são as


melhores.

13
Uma forma de se referir a um amigo.
Abro a boca para replicar, mas antes que a primeira palavra possa
deixar meus lábios, meu telefone toca novamente.

Meus ombros caem, meu queixo caindo para frente contra meu
peito. — Tem certeza que não quer isso? — Mark pergunta, sua
sobrancelha levantadaenquanto ele me olha de cima a baixo.

Com uma exalação alta, eu puxo meu telefone do bolso, o nome


na tela vindo como nenhuma surpresa.

Mark desliza na minha direção, esticando o pescoço para ver quem


está me importunando o dia todo. — Quem é Debbie?

— Sogra, — é a única resposta que dou.

Mark levanta as mãos, recuando lentamente. — Não diga


mais. Vou deixar você com isso, então. — Ele dá dois passos lentos antes
de se virar e sair correndo da sala de descanso da empresa.

O cara nunca conheceu essa mulher, e até ele tem medo dela.

Sabendo que tenho apenas alguns segundos antes que a chamada


chegue ao correio de voz - o que seria a chamada novecentos e dois do
dia - eu deslizo meu polegar pela tela e pressiono-o contra o ouvido.

— Ei, Debbie. Como você está hoje? — Tento parecer alegre, como
se ela me ligando no meio do dia de trabalho não fosse a porra do
incômodo que é.

— Oh, Shane. Eu liguei e liguei para você a tarde toda. — Sério? Eu


não tinha percebido, penso secamente.
Em vez de tentar inventar uma desculpa do motivo de estar
evitando suas ligações, simplesmente pergunto: — O que posso fazer por
você, Debbie?

Minha pergunta parece pegá-la desprevenida, mas ela só vacila


por um segundo antes de ir direto ao ponto.

— Eu estava me perguntando se eu poderia pegar as meninas na


escola esta tarde. Já se passou mais de uma semana desde que as vi e
estou sentindo falta delas.

— Oh, uh... — eu gaguejo, sem saber como responder ao seu


pedido. Kate deveria pegar as meninas esta tarde. É meu terceiro dia de
volta ao trabalho e, até agora, Kate ficando com Gracie e Ellie depois da
escola tem sido um sonho que se tornou realidade. A culpa que pensei
que sentiria por deixá-las sozinhas enquanto concluí meus turnos não está
em lugar nenhum. Quando chego em casa do trabalho todas as noites,
Kate já cuidou de seus lanches depois da escola, brincou com as duas e fez
Gracie começar a fazer o dever de casa. Inferno, ontem à noite ela tinha
ido tão longe quanto começar o jantar para mim. Claro, só estava pré-
aquecendo o forno e jogado uma das muitas caçarolas no meu freezer dos
meus vizinhos bem-intencionados. Mas foi uma boa surpresa voltar para
casa.

Algo me disse que contar tudo isso para minha sogra não iria cair
muito bem. Pelo que eu sei, ela e Kurt nem sabem que Kate está de volta à
cidade.

Faço uma nota mental para perguntar a Kate sobre isso quando a
vir esta noite. Preciso saber exatamente o quanto posso dizer aos pais
dela sobre sua repentina aparição em nossas vidas sem falar algo
inapropriado.

Por enquanto, vou inventar algo. — Eu gostaria que você pudesse,


Debbie, mas eu prometi a Aarabelle que ela poderia levar as meninas
nestetarde. Elas estiveram implorando por um encontro de tia para
brincar a semana toda.

— Oh, — diz ela, e a decepção em seu tom causa uma faísca de


culpa nas minhas entranhas. Odeio mentir para qualquer pessoa, ainda
mais para a avó das minhas filhas.

— Que tal amanhã? Isso funciona para você? Eu sei que as


meninas adorariam ver você também, — eu digo, esperando que isso a
agrade.

— Oh, bem, certo. Suponho que amanhã terá que servir. Ouça,
Shane. Eu queria te perguntar... havia um colar de Lissy. Significava...

Eu coloco meus dedos sobre o microfone do meu telefone,


tomando cuidado extra para garantir que ela possa ouvir o movimento.

— O que é isso? — Eu grito para ninguém. — Sim, já vou. —


Removendo minha mão, volto para a agora silenciosa Debbie.

— Desculpe, Debbie. Eu odeio interromper isso, mas meu chefe


precisa de mim em seu escritório. Ligo para você mais tarde e acerto os
detalhes para as meninas amanhã, ok?

Um suspiro alto ecoa pelo telefone, mas sei que ela não vai
discutir. Afinal, este é o meu sustento. Não posso cuidar muito bem das
netas dela se não tiver um emprego, posso?
— Ok, Shane. Falo com você mais tarde.

Eu desligo antes que ela tenha a chance de dizer outra palavra.

A culpa mais uma vez me corrói por não deixá-la terminar seu
pedido. Mas no curto espaço de tempo desde a morte de Felicity, a
mulher me pediu não menos do que uma dúzia dos pertences mais
amados de Lissy. Eu entendo que ela está chateada. Que ela está de luto
pela perda de sua filha. Mas se eu não começar a traçar a linha em algum
lugar, ela vai acabar com a minha casa inteira.

Mark passa pela porta da sala de descanso então, parando quando


me vê ainda no meu lugar contra o balcão.

— Você desligou o telefone?

Eu levanto minhas mãos vazias, mexendo meus dedos para dar


ênfase. — Bom. Eu preciso de sua ajuda. Venha comigo.

Seis horas e um milhão de tentativas de explicar a tecnologia atual


para Mark mais tarde, eu paro na frente da minha casa, minha cabeça
latejando depois de um dia longo e exasperante.

Mark Dixon pode ser um gênio em vários aspectos, mas


computadores definitivamente não são para ele. Pelo menos, não
mais. Ele teve uma ideia para um novo software de segurança alguns
meses atrás, mas sua bunda de sessenta anos simplesmente não tem a
capacidade cerebral para implementá-lo. Ele culpa os avanços
tecnológicos da última década. Eu culpo a senilidade apenas para irritá-lo.

Eu sento na caminhonete por um momento, absorvendo os


últimos segundos de silêncio que terei até a hora de dormir. Não me
entenda mal, eu amo minhas garotas mais do que a própria vida. Mas em
dias como hoje...

A perda de minha esposa de repente passa por mim, me


oprimindo com sua intensidade. Em dias como hoje, ela me deixava recuar
para a sala por uma ou duas horas enquanto preparava o jantar,
certificando-se de que as meninas ficassem quietas enquanto eu relaxava
com as lutas do meu dia. Quando o jantar estivesse na mesa, eu estaria
me sentindo cem vezes melhor, capaz de passar o resto da noite com as
garotas enquanto Felicity aproveitava o tempo muito necessáerio para
mim.

Eu não tinha gostado daquelas noites tanto quanto deveria. Eu


tinha tomado a presença de Felicity como certa, a ideia de ela algum dia
não estar por perto nunca passou pela minha cabeça.

As coisas entre nós dois podem não ter sido as melhores


romanticamente. Mas você não pode negar que formamos uma equipe
incrível.

Saindo da caminhonete, começo a examinar a lista de


possibilidades para o jantar enquanto me aproximo da porta da
frente. Espero brevemente que talvez Kate tenha jogado outra caçarola
para mim, mas sei que não é justo de minha parte esperar isso todas as
noites. Além disso, as meninas devem estar cansadas de comer versões
ligeiramente diferentes dos mesmos três pratos repetidamente. Eu sei
que estou certo.

Empurrando a porta da frente, abro minha boca para chamar


minhas filhas quando sou atingido no rosto pelo cheiro mais delicioso que
já experimentei. Esquecendo tudo sobre a minha saudação para Gracie e
Ellie, eu giro e vou direto para a cozinha.

Sou recebido pela visão de duas meninas e uma mulher adulta,


com farinha cobrindo cada uma delas quase da cabeça aos pés, cada
centímetro quadrado da minhapequena cozinha um desastre de
proporções épicas, e sorrisos enormes estampados em cada um de seus
rostos.

Ao som da minha entrada, Gracie se vira para me


cumprimentar. — Oi Papai! Estamos fazendo o jantar!

Eu rio da grande amostra de farinha no centro de sua testa, um


pedaço de molho vermelho espalhado em uma bochecha. — Eu posso ver
isso. E o que exatamente estamos fazendo?

— Sketti14 e almôndegas! — Ellie grita, segurando uma almôndega


pela metade em sua mãozinha.

Kate sorri para mim de sua posição em frente às meninas da


ilha. — Desculpe a confusão. Começamos a enrolar as almôndegas na
farinha para deixá-las prontas para dourar e, bem... uma espécie de
guerra de comida começou.

As meninas se viram e sorriem para mim. — Foi muito divertido,


papai. Eu acidentalmente derrubei uma xícara de farinha e ela fumegou,
— diz ela, jogando as mãos para cima em demonstração, — por toda a
cozinha. E em vez de ficar com raiva de mim por fazer uma bagunça, tia
Kate enfiou os dedos no pó e borrou na minha testa.

14
Espaguete misturado com manteiga e ketchup
— Então, é claro, eu merecia o troco, — Kate diz com um encolher
de ombros. — A próxima coisa que eu soube é que estávamos todas
cobertas de farinha e as almôndegas não estavam nem perto de serem
cozidas.

Ela anda ao redor da ilha, se aproximando para poder falar sem


que as meninas ouçam. — Não fique bravo com elas. Foi tudo minha
culpa. Vou ficar e limpar tudo.

Eu dou a ela um olhar de soslaio, percebendo que ela interpretou


mal minha surpresa silenciosa como algo completamente diferente. Eu
faço um barulho baixo na minha garganta antes de pisar em torno dela e
me esgueirar ao lado das minhas filhas. Estendo a mão e mergulhando a
ponta do dedo no molho fervendo no fogão da ilha, eu limpo no
comprimento do meu nariz.

— Eu acho que é apropriado que eu use o traje apropriado para


este jantar. Agora todos combinamos.

Gracie e Ellie gritam de alegria, ambas largando o que estavam


fazendo para começar a pintar meu rosto com farinha e molho. Quando
terminam, tenho certeza de que pareço uma espécie de palhaço estranho
que come comida italiana demais, mas a expressão no rosto das minhas
garotas me diz que vale a pena.

Virando-me para Kate, coloco as costas da minha mão sob meu


queixo, virando meu rosto para o lado e fazendo minha melhor impressão
de Zoolander15. — Como estou?

15
Filme de comédia e ação, onde um modelo narcisista se torna fantoche de executivos de moda
corruptos.
Uma risada alta enche a sala enquanto ela percebe minha
aparência. — Oh, você é lindo. Channing Tatum16, partindo corações.

Eu puxo alguns rostos diferentes, posando de várias maneiras que


enviam as garotas em um frenesi de risadas. Quando termino, Kate está
de volta à panela no fogão, seus lábios se fechando em torno da ponta de
uma colher de pau enquanto ela prova sua criação. Ela sorri levemente
com o gosto.

— Está pronto.

Eu preparo um prato para cada uma das meninas, colocando-as na


mesa da sala de jantar antes de voltar para o meu. Quando cheguei lá,
Kate começou a recolher os pratos.

— Você não tem que fazer isso. Venha comer.

Ela se vira para olhar para mim, sua boca aberta com as minhas
palavras. — Oh. Eu não ia ficar. Você vai desfrutar de um jantar com suas
garotas. Eu vouapenas pegar algo no meu caminho de volta para o hotel
depois que eu terminar aqui.

Minha testa franze. — Absurdo. Você fez um lindo jantar. Você vai
comer conosco.

— Sério, Shane. Eu não quero me intrometer...

— Não é uma intrusão quando você é convidada, — eu digo,


caminhando até ela e pegando a braçada de pratos dela e colocando-os na
pia. — Isso pode esperar até mais tarde.

16
Ator, dançarino, produtor e modelo norte-americano
Seu rosto enrubesce um pouco quando ela solta um suspiro
derrotado. — Você não vai aceitar um não como resposta, não é?

— Não, — eu respondo, entregando-lhe um prato e acenando com


a cabeça em direção à peneira de macarrão. — Prepare-se.

Ela pega uma porção minúscula e eu a olho, sabendo que até


minha filha de três anos come mais do que isso. Ela joga a cabeça para
trás na gargalhada enquanto joga a colher de servir de volta no espaguete.

Depois que ambos temos macarrão suficiente e muitas


almôndegas, vamos para a sala de jantar e nos juntamos às meninas. Se
eu pensei que elas eram uma bagunça antes, não é nada comparado à
catástrofe que encontro na minha mesa.

Molho vermelho está espalhado na metade inferior de ambos os


rostos, seus dedos e mãos cobertos enquanto eles enchem a boca com
comida. Olhando para a maneira como elas estão atacando o jantar, você
pensaria que já se passaram semanas desde a última refeição, e não
apenas algumas horas.

— Caramba, calma, meninas, — eu digo, olhando para elas em


estado de choque. Gracie normalmente é a comedora mais exigente do
mundo, e Ellie geralmente decide que não gosta de tudo o que sua irmã
não gosta. Acho que nunca as vi comer assim.

— Papai, é tão bom! — Gracie resmunga com a boca cheia de


almôndega. — São os melhores sketti e almôndegas que já comi!

Ellie acena enfaticamente enquanto mastiga. — Delicioso!


Eu lanço um olhar para Kate. — Esse é um negócio muito
grande. Essas meninas não distribuem elogios facilmente.

— É muito melhor do que o sketti da mamãe, — afirma Gracie,


dando outra mordida na boca.

Kate engole em seco, seu sorriso apertando com o comentário de


Gracie. Eu posso dizer que a deixou desconfortável, a comparação, mais
uma vez, com sua irmã. Ela limpa a garganta suavemente, seus olhos
caindo para o colo enquanto ela gira o garfo distraidamente no macarrão.

Gracie e Ellie não parecem notar a mudança em seu


comportamento, então tento difundir a situação o mais rápido
possível. Cavando meu garfo no meu jantar, levo uma mordida gigante aos
meus lábios, enfiando a coisa toda na minha boca.

A surpresa me percorre assim que o sabor atinge minha


língua. Ele é realmente bom.

Eu mastigo rapidamente e engulo, dando um estalo satisfeito com


meus lábios quando minha boca não está mais cheia. — Você está certa,
Gracie Lou Who. O melhor sketti que já tive. Ainda melhor do que a da
vovó Dempsey - acrescento, dando uma piscadela na direção de
Kate. Esperançosamente, a comparação com outra pessoa que não sua
irmã a ajudará a ficar à vontade.

Kate sorri agradecida quando Gracie se dissolve em um ataque de


risos. — Ohhh, estou dizendo a Nana que você disse isso! Você não
deveria dizercoisas ruins sobre sua culinária!
Eu levanto minhas mãos. — Ei! Nunca disse nada maldoso sobre a
comida de Nana. Eu acabei de dizer que o da tia Kate é melhor.

— Eu ainda estou dizendo, — ela diz, colocando as mãos


bagunçadas nos quadris e inclinando a cabeça de um lado para o outro
enquanto fala.

— Você sabe o que dizem sobre informantes, certo?

Os olhos de Kate se fixam nos meus, suas sobrancelhas levantadas


em choque por estar ameaçando dar pontos a minha filha.

Gracie pula de sua cadeira, suas risadas ecoando no ar enquanto


ela sai correndo.

— Papai, não!

— Isso mesmo, — digo, afastando-me da mesa e perseguindo-a. —


Os informantes levam um pontapé no bumbum.

Eu a pego rapidamente, batendo meu pé de brincadeira contra ela


antes de balançá-la em meus braços. Ela sorri antes de se inclinar para
frente, espalhando seu rosto sujo na minha bochecha enquanto me dá um
beijo gigante.

— Amo você, papai, — ela diz, colocando a cabeça no meu ombro


enquanto voltamos para a mesa.

Eu a aperto com força. — Também te amo, Gracie Lou Who.

Terminamos nossa refeição em relativa paz e sossego depois


disso. Eu termino minha ajuda rapidamente antes de voltar por alguns
segundos. Kate parece satisfeita por estarmos todos gostando da comida,
um pequeno sorriso em seu rosto enquanto comemos.
Assim que terminamos, Kate pede licença para começar a
trabalhar na cozinha enquanto levo as meninas para cima para limpá-las
um pouco. Depois que seus rostos estão limpos e as duas estão com
roupas limpas, elas perguntam se podem brincar do lado de fora até a
hora do banho. Eu aceno, sorrindo para mim mesmo enquanto elas
descem correndo as escadas e saem pela porta dos fundos.

Caminhando para a cozinha, vejo que nos dez minutos que levei
para lidar com as meninas, Kate conseguiu fazer uma grande coisa no
desastre que era minha cozinha. Eu teria pensado que levaria horas para
tornar o espaço ainda semi-habitável novamente.

Talvez ela seja uma bruxa, penso comigo mesmo. Um aceno de sua
varinha mágica e os pratos apenas dançaram no ar em seu caminho para
a máquina de lavar louça.

O quê? Eu gostava de Harry Potter quando criança. Processe-me.

Caminhando até a geladeira, eu a abro antes de puxar duas


garrafas de cerveja. Eu faço meu caminho até onde Kate está na pia,
colocando uma delas ao lado dela.

— Você já fez o suficiente. Venha tomar uma cerveja comigo lá


fora.

Ela olha ao redor da cozinha, para as pequenas tarefas que ainda


precisam ser concluídas. Eu aceno para elas.

— Isso pode esperar até amanhã. Eu sei que sou um cara, mas eu
sei como lidar com uma esponja e um pouco de detergente. Eu dou conta
disso.
Parece que ela quer discutir por um momento, mas parece pensar
melhor. Pegando a cerveja da bancada, ela me segue até o pátio dos
fundos, sentando-se na cadeira ao meu lado. Nós dois tiramos o topo de
nossas cervejas, cada um tomando um longo gole antes de se acomodar
em seus assentos.

Nós não falamos. Não há necessidade.

Nós apenas sentamos e observamos enquanto as meninas riem e


brincam, com sorrisos em cada um de nossos rostos enquanto Gracie
tenta ensinar a Ellie alguns dos movimentos de dança de seu recital que
está por vir.

E enquanto me sento e aproveito a noite, fico impressionado com


quanto tempo faz desde que tivemos uma noite como esta. As meninas
estão cheias de alegria enquanto brincam juntas, Felicity e eu assistindo
pacificamente do pátio.

Costumava ser uma ocorrência regular. Houve um tempo em que


queríamos passar todas as horas do dia juntos como uma família. Mas nos
últimos anos, algo mudou.

Lissy e eu paramos de passar nossas noites juntos.

Ela estaria ocupada com as meninas. Eu estaria ocupado com o


trabalho. E então eu chegaria em casa e, eventualmente,
assumiria. Muitas vezes, depois que o jantar terminava, eu não voltava a
ver minha esposa até que ela fosse para a cama, geralmente horas depois
de dormir. Eu rolaria quando sentisse o peso de seu corpo deitado ao meu
lado, pressionaria um beijo em sua têmpora e resmungaria uma boa noite
antes de voltar a dormir.
Eu não conseguia me lembrar da última vez que estivemos
íntimos. Não apenas sexualmente, mas apenas um com o outro. Paramos
de desfrutar um do outro. Paramos de colocar um ao outro antes de
nossas próprias necessidades.

E agora aqui estava eu, a apenas alguns centímetros de sua irmã,


pensando o quanto esta noite parece com os velhos tempos.

Apenas Felicity não está aqui.

A mulher sentada ao meu lado é a única pessoa que eu sei


que Felicity não gostaria a menos de cem metros de suas filhas.

Mas não posso deixar de pensar que isso parece... certo.

O que me faz sentir milhares de tipos diferentes de erros.

É muito cedo para ter esses pensamentos, digo a mim


mesmo. Muito cedo para pensar em outra mulher.

Mas é isso? Até eu tenho que admitir, fazia pelo menos um ano -
mais como dois - desde que eu sentia qualquer coisa além de um
sentimento cordial em relação a minha esposa.

Eu ainda a amava quando ela me disse que queria o divórcio? Eu


tinha me machucado porque ela quebrou meu coração?

Ou tinha sido simplesmente medo de perder o que sempre soube?

Trago minha cerveja de volta aos lábios, bebendo o restante em


apenas alguns goles.

Não tenho certeza de qual é a resposta a qualquer uma dessas


perguntas. Mas eu sei que agora não é hora de pensar sobre elas.
E definitivamente não quando se trata da irmã de minha esposa.
CAPÍTULO DEZ

Kate

— Veja! — Ellie grita enquanto tento prendê-la no assento do


carro, seus braços enfiando algo no meu rosto. Eu me afasto, cuspindo
enquanto tento limpar o que quer que seja da nova camada de Chapstick17
que eu usei antes de pegá-la.

Eu olho para o... objeto em suas mãos. Seu rostinho está tão feliz,
tão orgulhoso do que está segurando que não consigo me obrigar a dizer a
ela que não tenho ideia do que diabos é.

— Isso é lindo, Ells. Você fez isso?

Ela acena com a cabeça, olhando para o papel cheio de bolas de


algodão e manchas pretas. — Fantasma!

Meus olhos voltam para o projeto em suas mãos. Agora que ela
mencionou... talvez se eu apertar os olhos...

Oh, quem estou enganando? Eu não poderia ver um fantasma


nisso se alguém me pagasse para fazer isso.

— Esse é um bom fantasma, Ellie. Muito assustador! — Eu digo


enquanto termino de colocá-la no cinto.

Ela balança a cabeça. — Não assustador. Ele é amigável. Fantasma


amigável!

17
Protetor labial
— Ah, — eu digo, acenando com conhecimento de causa. — Ele é
como Casper. Casper era umfantasma amigável.

Ela estreita os olhos, olhando para mim com o canto do olho, e não
posso deixar de rir. O jogo de olho lateral é forte com ela.

É primeiro de outubro e estou oficialmente de volta a Virginia


Beach há três semanas. Passei quase todas as tardes das últimas duas
semanas com Gracie e Ellie, perdendo apenas algumas aqui e ali quando
outros membros da família queriam buscá-las.

Eu nem me preocupei em perguntar quem eram aqueles


outros membros da família. Quando Aara queria as meninas, Shane me
dizia que Aara iria buscá-las. O mesmo aconteceu com seus pais. Então,
quando ele disse membros da família, eu sabia exatamente a quem ele se
referia.

Os outros avós de Gracie e Ellie. Minha mãe e meu pai.

Shane perguntou se eles sabiam que eu estava de volta à cidade


logo depois que comecei a pegar as meninas na escola. Eu ri na cara
dele,pensando que ele estava brincando. Quando percebi rapidamente
que era uma questão séria, disse-lhe que não. E se ele queria que eu
continuasse a ajudá-lo, era melhor que continuasse assim.

Debbie e Kurt Mitchell não ficariam satisfeitos em saber que sua


filha mais nova estava de volta à cidade. E eu não tinha certeza se era
corajosa o suficiente para enfrentá-los.

Felizmente, ele tinha entendido. E tinha até conseguido impedir


que nossos caminhos se cruzassem.
Veja o recital de dança de Gracie na semana passada. Eu disse a ela
em nosso primeiro encontro que estaria lá, mas conforme o dia se
aproximava, eu sabia que não haveria como
comparecer. Certamente eles estariam lá.

Então Shane providenciou para que eu assistisse dos bastidores. Eu


fui capaz de esperar com Gracie enquanto ela se arrumava, de estar ao
seu lado quando ela ficasse nervosa logo antes de subir no palco. Ela me
abraçou com tanta força antes de seguir suas amigas que eu ainda podia
sentir o peso de seus braços em volta do meu pescoço. Foi o momento
mais gratificante da minha vida.

Shane tinha conseguido de alguma forma enganar as garotas para


manter minha presença em segredo de — vovô e vovô Mitchell. — Ele
disse a elas que era uma grande surpresa, e elas não queriam estragar a
surpresa agora, queriam? Gracie parecia até mesmo transformar isso em
algum tipo de jogo, e cada vez que ela voltava de ver meus pais, ela
contava a Shane e a mim sobre quantas vezes ela poderia ter me
mencionado, mas não o fez. Shane sempre a recompensava com um
biscoito extra após o jantar.

Isso é outra coisa. Desde a noite do espaguete, janto com os


Dempsey quase todas as noites. Caímos em uma rotina confortável. Pego
as meninas, levo-as para casa e concluo as atividades da tarde e o dever
de casa de Gracie, depois começamos o jantar. Depois que Shane chega
em casa, comemos, limpamos e passamos o resto da noite no quintal.
Passei a aproveitar meu tempo em sua casa. Na semana passada, a
estranheza de estar na casa da minha falecida irmã desapareceu,
substituída por uma tranquilidade acolhedora.

Só quando estou sozinha no meu quarto de hotel é que a culpa


começa a se instalar.

O que eu estou fazendo?

Como posso estar aqui, com a família dela, sabendo que é a última
coisa que ela gostaria?

Sou uma pessoa horrível por entrar na vida dela como fiz?

Eu queria conhecer minhas sobrinhas, mas até eu tenho que


admitir que foi muito mais longe do que isso. Eu não amo apenas Gracie e
Ellie como sobrinhas. Eu os amo como se fossem minhas.

Como eu caí nessa confusão em tão pouco tempo?

Eu verifico novamente a cadeirinha de Gracie antes de fechar a


porta traseira do meu carro alugado e caminhar para o lado do
motorista. Eu deslizo atrás do volante, e antes mesmo que eu possa ligar o
carro, Ellie grita.

— Vá ver o papai!

Eu me viro e a encaro da minha cadeira. — O que é isso, querida?

— Papai! — ela grita novamente.

— Sim, veremos seu pai em algumas horas.


— Ela quer ver o papai agora, — Gracie explica, os olhos fixos no
tablet em suas mãos. — Ela provavelmente quer dar aquele fantasma a
ele.

Eu olho para a mancha branca agora descansando no colo de


Ellie. — Tenho certeza de que seu pai está muito ocupado, não podemos
interrompê-lo no trabalho.

Os olhos de Ellie começam a lacrimejar quando ela percebe que


estou dizendo não a ela. Gracie parece sentir o colapso iminente, porque
ela pousa o tablet e olha para mim.

— Mamãe costumava nos levar para visitar o papai no trabalho o


tempo todo. Ele não se importa. Ele gosta de ver os projetos de arte de
Ellie, — ela explica antes de voltar ao seu jogo.

Eu torço meu nariz, tentando decidir o que fazer. Mas mais uma
olhada nos olhos tristes de Ellie e eu já sei.

Acho que vamos para Cole Security.

Vinte minutos depois, eu sigo enquanto Gracie leva Ellie e eu


através do grande edifício, direto para o escritório de seu pai. Não tenho
certeza de como uma criança de seis anos pode encontrar seu caminho
neste lugar sem se perder, mas pelo menos sei que ela não mentiu para
mim. Ela claramente tem estado muito aqui.

— Papai! — Ellie grita quando vê Shane sentado atrás de sua mesa.

A linha que havia entre seus olhos enquanto ele estudava o


documento que estava lendo desaparece instantaneamente, um sorriso
largo se espalhando por seu rosto enquanto ele levantava a cabeça para
nos cumprimentar.

— Bem, esta é uma boa surpresa, — diz ele, abrindo os braços


enquanto as duas filhas sobem em seu colo.

Eu me inclino contra o batente da porta de seu escritório, sorrindo


enquanto Gracie e Ellie enchem suas bochechas com beijos. Ele retribui o
favor, e as duas garotas riem enquanto ele dá um beijo no rosto de cada
uma.

Depois de cumprimentar minuciosamente cada uma de suas filhas,


ele se vira para mim. — O que traz vocês aqui?

Eu aceno em direção a Ellie. — Ela fez algo para você na creche


hoje e queria trazer.

Com a menção de seu fantasma, Ellie começa a olhar ao redor,


como se ela agora tivesse se lembrado do motivo pelo qual estamos
aqui. Para sorte dela, lembrei-me de pegá-lo no banco de trás quando ela
saiu correndo sem ele.

Eu o puxo de trás das minhas costas e atravesso até a mesa de


Shane. Abro a boca para dizer a ele que é um fantasma, mas antes que eu
possa dizer uma palavra, ele engasga, dando um aperto forte em Ellie.

— Que grande fantasma, Monkey. Você fez isso só para mim? —


Ela acena com orgulho.

Huh. Acho que quando você é pai, você meio que aprende a
identificar a... criatividade de seus filhos.
Shane faz um grande show pendurando-o na parede ao lado de
sua mesa, para o deleite de sua filha mais nova. Ela bate palmas quando
ele termina, o sorriso largo em seu rosto não vacila nem por um segundo.

Ele passa os próximos minutos perguntando às meninas sobre seus


dias, e no meio de Gracie contando a ele sobre a história que sua
professora havia lido para a classe hoje, uma mulher se aproxima atrás de
mim.

— Shane, querido, estou prestes a...

Ela para quando me vê parada na porta. — Oh, olá.

Suas palavras me pegam desprevenida. Ela acabou de chamá-lo de


querido? Ela parece ser um pouco mais velha do que Shane - seu cabelo
loiro tem mechas grisalhas, e há algumas linhas ao redor dos cantos de
seus olhos e lábios - mas se alguma coisa, isso só aumenta sua beleza
estonteante.

Uma sensação desconhecida arde em meu estômago, e tento


reprimi-la antes de ser forçada a dar um nome a ela.

Eu estou... com ciúmes?

Felizmente, antes que eu pudesse pensar muito, Gracie e Ellie


pularam do colo de Shane e correram passando por mim em direção à
mulher.

— Nana! — as duas gritam, batendo em suas pernas com tanta


força que temo que vão derrubá-la no chão. Ela se prepara bem a tempo,
porém, rindo quando elas a alcançam.
— Oi, meninas, — diz ela enquanto se move para se ajoelhar ao
seu nível. Nana.

Agora que elas disseram isso, percebo que já vi essa mulher


antes. No funeral. Foi apenas por um momento, e apenas de longe, mas
ela tem uma aparência muito distinta. Uma beleza clássica difícil de
esquecer.

— Ei, mãe, — Shane a cumprimenta, se levantando e contornando


sua mesa para onde todos nós estamos. Se eu ainda tivesse alguma
dúvida, suas palavras apenas os deixaram à vontade.

A mãe dele. Eu realmente tinha quase torcido minha calcinha por


sua mãe chamá-lo de querido?

— Oi docinho. Eu estava prestes a sair correndo e pegar um lanche


para seu pai e para mim. Eu queria ver se você queria que eu pegasse algo
para você também. Mas acho que você já tem planos, — diz ela, sorrindo
para as meninas antes de voltar sua atenção para mim. Sua expressão é
interrogativa enquanto ela me lança um olhar avaliador, mas não hostil.

— Mãe, esta é Kate. Kate, mãe, — Shane diz, apontando entre nós
duas.

— Oh, você é Kate! Já ouvi muito sobre você, — diz ela, deixando
de segurar as garotas e se levantando. Ela estende a mão para eu pegar.

Eu dou uma tentativa de sacudir. — É um prazer conhecê-la, Sra.


Dempsey. — Natalie, por favor. A Sra. Dempsey é minha sogra, —
diz elacom umapiscadela.
— Natalie, — eu corrijo, dando a ela um sorriso caloroso. Ela é
incrivelmente fácil de gostar. Estou começando a pensar que deve ser uma
característica da família Dempsey.

— Você tem que vir conhecer meu marido, — diz ela, pegando-me
pelo braço e levando-me para fora do escritório. Eu peço ajuda a Shane,
mas ele apenas dá de ombros, como se dissesse que é mais fácil
simplesmente seguir em frente.

Natalie me guia duas portas pelo corredor onde está sentado um


homem que se parece exatamente com Shane, com cabelos grisalhos e
pés de galinha. Não há absolutamente nenhuma dúvida de quem é.

— Querido, eu quero que você conheça Kate. Ela é quem está


cuidando das garotas de Shane desde que ele voltou ao trabalho.

O homem me cumprimenta com um sorriso gentil, levantando-se e


estendendo a mão para mim. — É um prazer em conhecê-la, Kate. Gracie
e Ellie estão completamente apaixonadas por você.

Eu ri. — Acredite em mim, o sentimento é mútuo.

— Você é irmã da Felicity, pelo que eu entendi? — Ele pergunta, e


eu engulo uma respiração nervosa.

— Sim, senhor, — eu respondo com cautela. Não tenho certeza do


que Felicity disse a eles sobre mim, e eu estaria mentindo se dissesse que
não queria que eles gostassem de mim.

Mas ele simplesmente acena com a cabeça, as linhas ao redor de


seus olhos se aprofundando com seu sorriso. — Eu posso ver isso. Você se
parece muito.
Uma respiração aliviada escapa dos meus lábios. — Sim senhor. E
devo acrescentar, você e Shane... a semelhança é fantástica.

Ele solta uma risada alta. — Ouvi isso uma ou duas vezes. Ele
sempre foi meu pequeno mini-eu. Embora eu ache que ele não é mais tão
pequeno.

Não. Ele definitivamente não é mini, eu acho, minha mente indo


para os ombros largos e braços musculosos de Shane. Ele podia levantar
as duas garotas, uma em cada braço, sem nem suar. Eu não podia arrastar
minha mala para cima do colchão do hotel sem quase ter um ataque
cardíaco.

— Então, o que você acha de estar de volta aqui em Virginia


Beach? — Ele pergunta, gesticulando em direção a uma cadeira para eu
sentar.

Eu olho para trás por cima do ombro, sem saber por quanto tempo
devo deixar as meninas lá com Shane. Certamente ele tem trabalho a
fazer.

Mas quando suas risadas vêm flutuando pelo corredor, eu acho


que eles estão bem na minha ausência. E eu realmente não quero arriscar
ofender este homem recusando seu convite. Então eu sento, minha bunda
empoleirada na ponta da cadeira para que eu possa ficar de pé ao
primeiro som de Shane procurando por mim.

Passei os próximos minutos respondendo às perguntas dos pais de


Shane. Seu pai - Liam, como ele insiste que eu o chame - me pergunta um
pouco sobre minha vida em Chicago, e sua mãe parece fascinada
porminha carreira. Não estou nem ciente de quanto tempo se passou
antes de Shane aparecer na porta, com suas garotas a reboque.

— Oh, vamos lá, vocês. Kate não veio aqui para obter o terceiro
grau, — diz ele com um gemido quando me encontra com seus pais. Ellie
corre e sobe no colo de seu avô, e Gracie se acomoda entre mim e sua
avó, um cotovelo em cada um de nossos ombros.

— Estamos apenas começando a conhecê-la um pouco, filho, —


diz Natalie, estendendo a mão e me dando um tapinha no braço. — Ela é
maravilhosa.

Meu coração pula uma batida com sua avaliação de mim, e eu


sorrio de volta para ela. — Foi ótimo conversar com vocês dois. Eu
provavelmente deveria levar as meninas para casa, no entanto.

Eu me levanto da cadeira e Natalie me surpreende ficando ao meu


lado. Ela me puxa para um abraço.

— Apareça mais. Estou aqui quase todas as tardes para almoçar


com Liam. Adoraríamos ver você e as meninas por aí com mais frequência.

Eu sorrio. — Veremos o que podemos fazer. — Não quero dizer a


ela que ainda não tenho certeza de quanto tempo vou ficar aqui. Izzy me
disse para levar o tempo que eu precisar, mas sei que isso não significa
que posso levar uma eternidade. Mais cedo ou mais tarde, terei que voltar
para Chicago.

O pensamento faz com que uma onda de tristeza flua através de


mim.
Como vou voltar a uma vida sem Gracie e Ellie? Sem seus sorrisos e
risadas. Sem a exuberância alegre com que se enfrentam todos os dias?

Sem Shane?

A culpa se instala na minhabarriga. Por mais que eu tente


negar. Por mais que eu quisesse que não acontecesse... Eu tenho
sentimentos por Shane Dempsey.

Marido da minha irmã.

Você é o pior tipo de pessoa, Kate Mitchell. Felicity estava certa em


tirar você da vida dela.

O som da voz de Natalie me tira dos meus pensamentos antes que


eles possam ir muito mais longe no escuro caminho em que estavam.

— O que você vai fazer esta noite, Kate?

Eu pisco, tentando limpar minha cabeça e dar sentido às suas


palavras. — Huh?

Calma, Kate. Muitacalma.

— É sexta à noite. Certamente alguém tão jovem e bonita quanto


você tem planos? — ela pergunta, me dando um olhar incomum.

Eu balancei minha cabeça. — Na verdade. Eu vi alguns pôsteres


pela cidade que Riverfest é neste fim de semana. Já se passaram anos
desde que estive em casa para isso. Eu posso ir e verificar isso. Ou posso
apenas ficar em casa e pedir serviço de quarto, — acrescento com um
encolher de ombros.
— Shane adora Riverfest! — ela exclama, seus olhos se voltando
para o filho. — Não é verdade, querido?

Antes mesmo que ele tenha a chance de responder, ela bate


palmas.

— Meninas, o que vocês acham de uma festa do pijama na casa da


vovó e vovô esta noite?

Ellie e Gracie gritam de entusiasmo, Ellie pulando do colo de Liam


para pular para cima e para baixo com sua irmã.

— Mãe, eu não acho...

Shane começa, mas ela levanta a mão para interrompê-lo.

— Você fica quieto. Deixe seus queridos pais ficarem com as netas
por uma noite. Você vai levar aquela garota para o Riverfest.

— Sra. Dempsey, — eu digo, fazendo com que ela me lance um


olhar de soslaio. — Desculpe... Natalie. Tenho certeza que Shane tinha
outros planos...

Ela me dispensa. — Os planos de Shane sempre envolvem apenas


as garotas. Agora que estamos tirando-os de suas mãos, ele não tem mais
nada para fazer esta noite. — Ela volta sua atenção para Shane, seu
queixo erguido em desafio, seus ombros retos, como se o desafiando a
discordar dela.

Ele solta um suspiro quando percebe que a guerra está perdida. —


Não, sem planos para esta noite. Adoraria acompanhá-la ao Riverfest,
Kate. Se estiver tudo bem para você, é claro.
Eu olho entre Shane e sua mãe algumas vezes antes de meu olhar
ir para Liam. Ele tem assistido a toda essa interação com um sorriso
divertido. A julgar pela expressão em seu rosto, esta não é a primeira vez
que Natalie consegue convencer um de seus filhos a fazer algo que eles
não sabiam que queriam fazer.

Quando meus olhos voltam para Natalie, ela me dá um olhar de


expectativa, como se ela pudesse ler meus pensamentos anteriores sobre
Shane. Ela parece estar dizendo — Vamos. Eu não poderia ter configurado
isso melhor para você. Não estrague isso!

Exalando lentamente, me viro para encarar Shane. — Gostaria


disso.

Ele sorri para mim. — Você estará em casa quando eu chegar? —


ele pergunta como se eu não tivesse estado lá todos os dias na semana
passada.

— Você sabe que eu vou. — Eu dou a ele um sorriso irônico.

— Bom. Podemos acertar os detalhes então.

— Vou fazer melhor para você, — diz Natalie, estendendo as mãos


para cada uma das garotas.

— Gracie, Ellie, venham com a Nana. Vamos passar pela sua casa e
pegar suas malas para passar a noite e então teremos um dia das
meninas!

Gracie e Ellie correm para o lado dela, envolvendo seus dedinhos


nos de sua Nana. Natalie se vira para mim, me dando uma piscadela. —
Você vai se trocar e descansar antes do festival.
Ela sai então, jogando um — Tchau, amo vocês dois—por cima do
ombro para o marido e filho enquanto caminha pelo corredor até a porta
da frente.

Eu olho para Shane. Sua cabeça balança enquanto ele ouve sua
mãe e filhas deixarem o local, mas quando ele finalmente levanta seu
olhar para mim, ele não parece desapontado. Em vez disso, ele sorri para
mim e diz: — Te encontro na frente do Tony às sete?

Eu concordo. — Vejo você então.


CAPÍTULO ONZE

Shane

Eu olho para o meu relógio pela décima vez em poucos segundos,


mais uma vez sem realmente ver a hora. Meus dedos se contraem e meus
dedos do pé enrolam dentro dos meus sapatos, meus nervos deixando
meu corpo todo tenso.

Por que diabos eu concordei com isso?

Depois do trabalho, cheguei a uma casa silenciosa pela primeira


vez desde que Gracie nasceu. Era estranho entrar e não ouvir o som de
vozinhas. Eu não sabia bem o que fazer comigo mesmo, então fui direto
para o banheiro. Tomei banho, fiz a barba, gastei uma quantidade absurda
de tempo arrumando meu cabelo e troquei de roupa quatro vezes antes
de finalmente decidir o que estou vestindo no momento. Disse a mim
mesmo que estava fazendo isso para passar o tempo, porque o que mais
eu deveria fazer até a hora de ir embora?

Mas agora, enquanto estou aqui e espero Kate chegar, tudo isso
parece... como um encontro.

O que é ridículo. Kate não está interessada em mim de outra forma


senão como o pai de suas sobrinhas. Como o marido de sua falecida irmã.

Então, por que passei quase duas horas me preparando como


uma garota de dezesseis anos?

Isso é estúpido, digo a mim mesmo enquanto olho para o relógio


novamente. Você está agindo como um idiota. Não há nada de errado em
passar algumas horas com outro adulto em um festival. Não há nada de
errado em ter uma amiga.

Mas se eu fosse honesto comigo mesmo... eu realmente só me vi


sendo amigo de Kate Mitchell?

Ela tinha sido um salva-vidas nas últimas semanas, intervindo para


me ajudar de maneiras que eu nem tinha percebido que precisava de
ajuda. As horas que passamos juntos com Gracie e Ellie rapidamente se
tornaram o ponto alto dos meus dias, e me peguei contando os minutos
até vê-la novamente.

Nas poucas semanas que ela passou na minha vida, ela de alguma
forma conseguiu despertar uma parte de mim que permaneceu
adormecida por anos. Uma parte de mim que eu não tinha percebido
estava faltando.

Já disse a mim mesmo mil vezes que é muito cedo. Minha esposa
se foi há menos de um mês, e aqui estou eu já pensandooutra mulher.

É muito cedo.

É muito cedo.

Isto. É. Muito. Cedo.

Mas não importa quantas vezes e de quantas maneiras eu repita as


palavras na minha cabeça, não consigo fazer com que elas colem. Porque
assim que vejo o sorriso de Kate, seu lindo rosto enquanto ela ri com
minhas meninas, tudo que posso pensar é o quanto eu não quero que ela
vá embora. O quanto eu gostaria que ela pudesse ficar aqui, conosco.

Para sempre.
Então, quando deito minha cabeça no travesseiro à noite, o leve
cheiro do perfume de Felicity subindo dos lençóis, sou lembrado
novamente de como meus sentimentos estão errados.

Já é ruim eu já estar começando a me apaixonar por outra mulher.

Mas para aquela outra mulher ser irmã da minha falecida


esposa... O que diabos há de errado comigo?

Talvez ela não apareça, digo a mim mesmo. Kate é uma mulher
inteligente. Certamente ela sabe como isso pareceria para um
estranho. Ela provavelmente só concordou com isso para tirar minha mãe
de cima dela, e aqui estou eu, o idiota que pensou que este poderia ser um
encontro de verdade.

Uau, aí. Quem diabos disse alguma coisa sobre isso ser um
encontro? Você acabou de fazer, idiota. Você está tão fodido.

Ahhhh eu oficialmente enlouqueci.

Eu olho para o meu relógio, desta vez prestando atenção ao que


aparece.

7:05.

Veja, ela não está vindo.

Eu mordo minha decepção, dizendo a mim mesmo que é o


melhor. Não temos planos para ela ver as meninas neste fim de semana,
então de alguma forma, entre agora e segunda-feira, eu preciso descobrir
como diabos manter meus sentimentos sob controle, porque não há
nenhuma maneira no inferno que eu possa enfrentá-la agora que Eu
admiti para mim mesmo o que está em meu coração.
Acabei de começar minha caminhada de volta para a minha
caminhonete quando uma mão se fecha em volta do meu braço.

— Desculpe pelo atraso, — uma voz muito familiar vem atrás de


mim. Eu engulo em seco antes de respirar fundo.

Você pode fazer isso, Shane. É como qualquer outro dia. Você está
apenas confuso. Você perdeu sua esposa e está uma bagunça. Claro que
suas emoções estão todas fodidas. Você realmente não tem sentimentos
por sua cunhada. Este é apenas um grande mal-entendido.

Eu me viro, resolvido a tirar os últimos dez minutos da minha


mente.

Mas quando meus olhos caem sobre os dela, eu sei que tudo o que
acabei de dizer a mim mesmo era uma grande mentira.

A respiração foge dos meus pulmões quando eu observo seus


olhos cor de carvão, as piscinas escuras brilhando ao sol poente. Seu
cabelo normalmente liso está enrolado em ondas soltas que parecem tão
macias que preciso de tudo para não estender a mão e tocá-los. Seus
lábios carnudos estão pintados em um tom suave de rosa, tornando-os
ainda mais deliciosos do que o normal.

Ela está linda como o inferno. E eu estou fodido pra caralho.

— Oi, — eu grito, minha voz instável enquanto tento ganhar o


controle de meus pensamentos.

— Oi, — ela diz timidamente, seus olhos caindo para seus pés. —
Eu pareço ridícula, não pareço? — Suas bochechas ficam vermelhas em
um tom profundo de vermelho enquanto ela fala.
Eu solto uma risada. Porque se ela soubesse o que eu estava
pensando...— Não, — eu respondo. — Você está linda, Kate.

Ela sorri docemente, mas ainda não encontra meu olhar. — Faz
tanto tempo que não me arrumo, sabe? Eu estava começando a me sentir
desalinhada. E eu me lembro de como todo mundo costumava ir com tudo
para essa coisa. Então eu percebi que esta noite seria tão boa quanto
qualquer outra para tirar o pó das minhas antigas habilidades de
maquiagem.

Ela não tinha feito isso por mim. Ela não se embonecou para
parecer especial para mim em nosso encontro. Ela simplesmente teve
vontade de se vestir. Para ela mesma.

Controle-se, Dempsey. São apenas dois amigos para uma noite de


diversão.

Eu sorrio, dizendo a ela mais uma vez que ela está ótima, antes de
fazer um gesto para ela liderar o caminho para o festival.

Uma vez que estamos no meio das coisas, é fácil sair da minha
cabeça e aproveitar a noite. Entre comida, música, carros clássicos eas
milhares de pessoas, não há tempo para pensar em nada além de dar o
meu próximo passo.

Nossa primeira parada é um food truck, onde Kate pede um bolo e


eu descubro a invenção mais brilhante já criada: frango e waffles no
palito. Riverfest é a única época do ano em que me permito saborear
todas as delícias gordurosas e fritas que posso comer e, a julgar pelo início
da noite, o tema deste ano é crescer ou ir para casa.
Nós fazemos o nosso caminho para o jardim da cerveja, onde cada
um de nós pega um copo alto de uma de nossas cervejarias locais antes de
ir para onde dezenas de mesas de piquenique esperam. Eu fico atrás de
Kate enquanto ela se acomoda antes de se mover para se sentar em
frente a ela.

Comemos com gosto, e seus olhos brilham enquanto ela mastiga a


massa frita. — Oh meu Deus, — ela geme uma vez que engole. — Eu
esqueci o quão bomestes são.

Eu rio enquanto ela arranca outra mordida.

— Nada melhor do que comida de festival, com certeza. Ainda


bem que só acontece uma vez por ano, caso contrário, provavelmente
pesaria oitocentos quilos.

Ela me lança um olhar perplexo, os cantos de seus lábios se


erguem em diversão. — Certo. Porque tenho certeza de que um cara em
forma como você deixaria isso acontecer.

Minhas sobrancelhas levantam. Isso significa que ela me


examinou?

Se fosse outra pessoa, em qualquer outra circunstância... eu


perguntaria. Eu daria a mínima para ela, usando o velho charme arrogante
que usei para atrair muitas garotas para a minha cama antes de conhecer
Felicity.

Mas não é mais ninguém. É a única mulher que nunca poderei ter.

Encho minha boca cheia de waffle antes de poder dizer algo de


que me arrependerei mais tarde.
Terminamos nossa comida em silêncio, os olhos de Kate dançando
de alegria enquanto as pessoas assistem. Depois que terminamos, eu
reúno nosso lixo e jogo em uma lixeira a alguns metros de distância.

Duas garotas pré-adolescentes passam, de braços dados enquanto


riem, uma delas incomodando a outra por causa de um garoto de quem
ela gosta. Suas risadas estrondosas seguem atrás dele muito depois de
terem perdido a vista, e quando me viro para Kate para comentar sobre
seu entusiasmo, ela tem um olhar distante.

Eu examino seu rosto, tentando ler o que ela poderia estar


pensando. Mas seus olhos estão vagos, sua mente tão claramente perdida
em pensamentos que não tenho certeza se ela se lembra de onde está.

Eu deixo passar mais alguns segundos, mas quando ela ainda não
reage, eu aceno minha mão na frente de seu rosto.

— Terra para Kate, — eu brinco, deixando escapar um suspiro de


alívio quando ela pisca de volta ao presente.

Suas pálpebras tremem algumas vezes, como se ela estivesse


tentando se orientar. Quando ela se lembra de onde estamos, ela fica
vermelha.

— Me desculpe por isso. Elas apenas me lembravam de Lissy e eu


quando tínhamos essa idade.

Eu alcanço o outro lado da mesa e coloco minha mão sobre a dela,


ignorando a chama que floresce em meu peito com o contato. Ela não
precisa disso agora. Ela precisa de alguém em quem se apoiar.

Ela precisa de um amigo.


— Vocês foram muito próximas uma vez, não foram?

Ela acena com a cabeça, seus olhos mais uma vez vidrados
enquanto ela se lembra de seu passado.

— Não havia nada que não fizéssemos juntas, — diz ela com um
sorriso triste. — Ela era minha melhor amiga. E eu a idolatrava. Ela não
podia fazer nada de errado aos meus olhos. Da mesma forma que Ellie
olha para Gracie. Eu vejo muito de mim e de Lissy em suas garotas.

Eu concordo. — Eu amo que elas sejam tão próximas. Elas me


deixam maluco às vezes com suas brigas, mas eu sei que, no fundo, elas se
adoram. — Kate puxa o lábio inferior entre os dentes, os olhos fixos em
algum ponto acima do meu ombro.

— Espero que continue assim para elas. Acho que ter um pai como
você, que ama as duas tão completamente,ajude-as a manter essa
amizade para o resto da vida.

Eu aperto a mão dela. — Você quer falar sobre isso?

Eu não tenho que explicar minha pergunta. Ela sabe exatamente


do que estou falando, sem que eu tenha que dizer.

O fim de seu relacionamento com Felicity.

Ela suspira. — Na verdade, não. Mas provavelmente deveria. Um


terapeuta provavelmente diria que seria bom para mim.

Eu fico em silêncio, deixando-a saber que ela está livre para


continuar se ela quiser.

— Você tem que entender, meus pais não eram como você. Não
posso falar de como Felicity era como mãe, mas pelo que vi em suas
interações com Gracie e Ellie, você fez tudo ao seu alcance para que essas
meninas soubessem que as duas são meninas de seus olhos. Nunca tive a
sensação de que você não as amava igualmente. Você nunca tem
favoritas. Nunca as fez competir por sua atenção.

Lágrimas brilham nos cantos de seus olhos, e eu não quero nada


mais do que ir para o lado dela, colocar meu braço em volta dela, segurá-
la... qualquer coisa para aliviar um pouco sua dor.

— Meus pais planejavam ter apenas um filho. Depois que Felicity


nasceu, eles sentiram que sua família estava completa e não tinham
intenção de dar a ela um irmão. Meu pai até estava agendado para fazer
uma vasectomia logo após minha mãe ter descoberto que estava grávida
de mim. Infelizmente para eles, foi algumas semanas tarde demais.

Jesus, eu amaldiçoo mentalmente. Como deve ter se sentido,


sabendo que seus pais não tinham esperado e orado por sua
existência? Não apenas isso, mas parecia que eles haviam saído de seu
caminho para deixar claro que ela não era desejada.

— Felizmente, Lissy e eu tínhamos um relacionamento fácil e,


embora estivesse claro que meus pais nunca se sentiam da mesma
maneira que minha irmã, eles acabaram se preocupando comigo à sua
maneira. Acho que isso se deveu principalmente ao fato de que Lissy me
amava completamente.

— Isso é horrível, Kate. Não consigo nem imaginar como deve ter
sido para você.

Ela encolhe os ombros. — É o que é. E era tudo que eu sabia,


então, na época, eu realmente não pensei nada sobre isso. Achei que
todos os pais tinham seus filhos favoritos. Mas eu ainda estava sendo
cuidada. Ainda tinha muito o que comer, recebi muitos presentes no
Natal. Eu não quero que você pense que eles abusaram de mim ou algo
assim. Eles eram apenas... diferentes comigo.

Nunca me importei muito com meus sogros. Mesmo quando as


coisas estavam ótimas entre mim e Lissy, sempre me incomodou que
parecessem mimá-la tanto. Eles cederam a todos os seus caprichos e
estavam muito envolvidos na vida de sua filha adulta do que qualquer pai
normal deveria estar.

Mas agora, ouvindo como eles trataram sua filha mais nova...

Imagino minha doce Ellie, vejo seu rosto lindo e sorridente e tento
imaginar minha vida sem ela. O mero pensamento faz com que tanta dor
rasgue meu peito, eu tenho que pressionar fisicamente minha mão contra
meu esterno para ter certeza de que meu coração ainda está batendo.

— Depois que as coisas começaram a ficar ruins entre Felicity e eu,


foi como se os primeiros quatorze anos da minha vida nem tivessem
acontecido. Foram -se os pais semi-apoiadores que eu conhecia e
amava. Depois que Felicity disse que não queria mais nada comigo, eles
seguiram o exemplo. Eles forneciam comida e abrigo, mas era como se eu
fosse uma hóspede indesejada. Eles toleraram minha presença, mas
dificilmente.

— Ainda não entendo o que aconteceu. Como vocês duas


passaram de melhores amigas a piores inimigas?

— Começou devagar, para ser honesta. Sempre que os boletins


vinham para casa e minhas notas eram um pouco mais altas do que as de
Felicity, ela ficava com raiva de mim. Então, quando ela tinha quinze anos
- prestes a começar o ensino médio, um ponto crucial na vida de qualquer
adolescente - minha orientadora chamou meus pais em seu escritório e
sugeriu que eu pulasse uma série. Eu era muito avançada para
permanecer no ensino médio. Então, no início de seu primeiro ano,
Felicity teve que lidar com sua irmã mais nova acompanhando seus
amigos.

Eu não sabia disso, mas de repente faz muito sentido. Felicity


sempre se preocupou muito em manter as aparências. Ela queria que
todos os nossos amigos pensassem que ela era a melhor e a mais
inteligente. Eu só podia imaginar que ela deveria ter sido da mesma forma
no colégio - provavelmente pior. Ela não gostaria de ser ofuscada por sua
irmã mais nova.

— Depois disso, ela começou a me excluir das coisas. Ela não


queria que eu passasse tempo com ela e seus amigos. Ela parou de me
convidar para fazer coisas como ir ao cinema ou fazer compras no
shopping. Ela não dizia mais do que duas palavras para mim no jantar
todas as noites. Durante meses, tentei fazer com que ela falasse
comigo. Tentei reacender a amizade que uma vez compartilhamos. Mas
quando a ouvi contando às amigas o quanto sua irmãzinha a incomodava
por ficar sempre por perto, finalmente desisti. Ela falou de mim como se
eu fosse uma criança, não alguém apenas quatorze meses mais
jovem.Aprendi a me entreter e a me divertir. Comecei a passar todo o
meu tempo livre lendo e escrevendo. Eu me lancei ainda mais nos
estudos, não tendo nada melhor para fazer à noite do que passar horas
escrevendo meu próximo trabalho. Por ter pulado uma série e estar em
uma escola completamente nova, eu não conhecia ninguém. E quando sua
irmã popular diz a todos para ficarem longe de você... bem, fazer amigos
não foi fácil.

Meu estômago embrulha só de pensar em Felicity envenenando


todo o corpo estudantil contra sua irmã. E eu percebo então que, apesar
de tudo que Lissy me disse ao longo dos anos ao contrário, eu acredito em
cada palavra que sai da boca de Kate.

Anos de casamento com Felicity revelaram muitas características


de sua personalidade que eu não amo exatamente, sua vingança no topo
da lista. Disse a mim mesmo que, depois de tanto tempo juntos, havia
qualidades que encontramos um no outro e pelas quais não nos
importávamos. Tenho certeza que ela não amava minha esmagadora
dedicação ao meu trabalho – naquela época eu ainda era um SEAL e, além
de minha família, nada era mais importante para mim. Eu sabia que a
incomodava que eu tivesse que sair por meses a fio, mas era apenas uma
dessas coisas. Coisas que trabalhamos porque era isso que o casamento
significava.

Mas, olhando para trás... a lista de coisas que eu não gostava em


minha esposa havia muito ultrapassado a lista de coisas pelas quais eu me
apaixonei. E vendo a expressão nos olhos de Kate quando ela se lembra da
briga com sua irmã, ouvindo a dor e o desânimo em sua voz enquanto ela
me conta sobre aqueles dias terríveis...

Não tenho dúvidas de que ela está dizendo a verdade.

— Aprendi a conviver com sua animosidade pelos próximos


anos. Eu sentia falta dela loucamente, mas achei que era algo que
acabaria por passar. Hormônios adolescentes e tudo mais, sabe? Mas
quando minha carta de aceitação para a Northwestern chegou, foi o
último prego no caixão do nosso relacionamento. Felicity havia recebido
uma rejeição no dia anterior, e o ódio com que ela olhou para mim
quando meu grosso envelope chegou é algo que me persegue até
hoje. Nunca mais nos falamos depois disso. A última coisa que lembro dela
me dizendo é o quanto ela me odiava.Eu fui para a faculdade alguns
meses depois, arrumando minhas malas e arrastando-as para o táxi para
me levar ao aeroporto sozinha. Eu ganhei alguns concursos de redação ao
longo dos anos, e eu tinha guardado meus ganhos, já que não tinha
qualquer vida social. Foi assim que paguei minha passagem para
Illinois. Saí sem nem mesmo me despedir dos meus pais ou da minha irmã.

Ela estende a mão livre para enxugar uma lágrima perdida que rola
por sua bochecha.

— Sinto muito, — diz ela com uma pequena risada. — Eu não


queria estragar a nossa noite.

Eu balancei minha cabeça ferozmente. — Você não fez. Obrigado


por me contar tudo isso.

— Eu não quero que nada do que eu disse pertube sua memória


de Felicity. Apesar de tudo, eu a amava. No fundo, sei que ela era uma boa
pessoa. Ela estava apenas confusa e chateada. Mesmo depois de todos
esses anos separadas, eu ainda tinha esperança de que algum dia,
poderíamos nos reconectar.

Eu engulo em seco. Agora elas nunca teriam essa chance.


— Você é uma mulher incrível, Kate Mitchell, — digo a ela,
apertando sua mão mais uma vez. Ela vira a palma da mão sobre a mesa,
entrelaçando seus dedos com os meus por um momento e apertando de
volta.

— Obrigada, Shane. É bom ouvir você dizer isso.

Caminhamos pela feira um pouco depois, nossos passos e a


multidão ao nosso redor nos aproximando antes de nos separar. Várias
vezes, seu ombro roça meu braço, e cada vez que ela se afasta de mim
novamente, eu quero puxá-la de volta para o meu lado, para manter seu
corpo quente pressionado firmemente contra o meu.

Eu estava andando em uma linha perigosa antes de Kate explicar


sua história com Felicity. Mas agora eu estava na ponta dos pés à beira do
desastre. E era uma saliência da qual eu não tinha vontade de me afastar.

— Uma pena que os fogos de artifício só sejam amanhã, — ela diz,


acenando com a cabeça para o panfleto preso a uma árvore anunciando o
show amanhã à noite. — Poderíamos usar um pouco dessa magia para
ajudar a salvar esta noite.

Seu tom é leve e brincalhão, mas algo me diz que ela está
preocupada em me assustar com tudo o que ela compartilhou comigo
esta noite.

Eu agarro seu pulso, puxando-a enquanto ela tenta continuar sua


caminhada pela rua. Ela se vira para me encarar.

— Vou levar as meninas para ver os fogos de artifício amanhã à


noite. Venha conosco.
Ela acena com a cabeça, mais uma vez puxando o lábio entre os
dentes.

Leva tudo de mim para não inclinar-se, para não pressionar meus
lábios onde as linhas de seus dentes ainda estragam aquela carne
perfeita. Mas eu sei que não é o momento certo. Ela está muito
vulnerável. Muito emocional depois de contar os detalhes de seu passado.

Mas eu sei de uma coisa.

Algum dia, talvez em uma semana, talvez um mês, ou talvez até


mesmo alguns anos a partir de agora...

Vou saber exatamente como é o gosto de Kate Mitchell.


CAPÍTULO DOZE

Kate

Passo outra camada de brilho labial puro sobre os lábios, soltando


um suspiro enquanto olho para meu reflexo no espelho do hotel. Vinte e
quatro horas atrás, eu estava no mesmo lugar, fazendo a mesma coisa,
tentando decidir como eu queria que a noite fosse.

Agora, o nervosismo que senti ontem à noite parece brincadeira


de criança em comparação com a ansiedade que agita dentro do meu
estômago enquanto me preparo para encontrar Shane e as meninas para
os fogos de artifício.

Parece tão inocente. Uma tia encontrando suas sobrinhas e seu pai
para uma noite de diversão e entretenimento.

Mas a sensação em meu peito me diz que é tudo menos isso.

Algo mudou entre mim e Shane na noite passada. Seguindo minha


explicação dos acontecimentos entre Felicity e eu todos aqueles anos
atrás, eu senti uma mudança no comportamento de Shane em relação a
mim. Mas não era ele se afastando, algo a que me acostumei com o passar
dos anos. Não, ele parecia se aproximar. Ele me observou de uma maneira
que eu nunca tinha visto antes, e em um ponto, no final da noite, pensei
que ele realmente poderia me beijar.

A pior parte de tudo isso?

Fiquei desapontada quando ele não o fez.


Eu me revirei a noite toda, uma vez que voltei para o meu quarto
de hotel. Não tenho certeza do que fazer com o que aconteceu ao longo
da noite. Não tenho certeza de como me sentir sobre a forma como Shane
respondeu à minha história.

Por um lado, sei que é errado começar qualquer coisa com ele. Ele
está fora dos limites em todos os sentidos da palavra e me permitir sentir
qualquer coisa por ele só vai me garantir uma passagem só de ida para o
inferno.

Por outro lado…

Nunca conheci ninguém como Shane Dempsey. Ele é bom. Ele é


puro. Ele é honesto. E acima de tudo, ele me faz sentir
que sou importante. Como se eu fosse mais do que apenas o incômodo
que meus pais me fizeram parecer. E como se eu fosse mais do que
apenas a escritora talentosa que meus colegas e conhecidos em Chicago
me veem.

Quando Shane olhou para mim ontem à noite, me senti como


uma mulher. Uma mulher que finalmente foi vista exatamente como ela é
pela primeira vez em sua vida.

O que só me faz sentir ainda mais culpada.

Não estou mais perto de entender meus sentimentos por Shane


Dempsey agora do que quando fui para a cama ontem à noite. Só que
agora, não tenho o conforto da distância para tentar descobrir.
Ou eu me levanto, ou eu me ponho lá fora e o encaro, ou corro o
risco de decepcionar Ellie e Gracie. E não há nenhuma maneira no inferno
que eu vou fazer isso.

Com uma respiração pesada, coloco o tubo de brilho labial de volta


na penteadeira e giro. Pego minha pequena bolsa transversal, faço uma
inspeção final do quarto para ter certeza de que não estou esquecendo de
nada e vou até a porta.

Há um leve frio no ar quando eu saio, um sinal de que os dias


quentes de verão logo estarão chegando ao fim. Normalmente, a
essa altura, já tirei minhas camisas de mangas compridas e calças térmicas
para as noites frias de Chicago. O tempo temperado dos últimos dias
foram uma mudança bem-vinda.

Eu desisti do meu carro alugado, decidindo ao invés disso


aproveitar a emoção das pessoas ao meu redor enquanto faço minha
caminhada para a loja de conveniência onde eu concordei em encontrar
Shane e as garotas. Ao invés de assistir do parque e ter que lidar com as
arquibancadas superlotadas, Shane me disse que eles tinham
um lugar especial –um lugar que eles encontraram anos atrás onde
poderiam desfrutar do show e evitar a multidão de pessoas.

A caminhonete de Shane espera no estacionamento quando eu


cheguei ao local combinado, Gracie e Ellie brincando na caçamba
aberta. Shane observa o movimento delas de seu lugar contra a porta
traseira, seu olho cuidadoso nunca vacilando.

Isto é, até que Gracie perceba minha chegada e


seu grito agudo rasga o ar ao nosso redor.
— Tia Kate!

Eu rio baixinho. Deixe que essa garotinha me cumprimente como


se ela não me visse há semanas, não apenas vinte e quatro horas.

Os olhos de Shane se movem da caçamba da caminhonete para me


observar, um largo sorriso se espalhando em seu rosto quando ele me vê.

Eu levanto minha mão e dou a ele um pequeno aceno, meu


coração pulando uma batida ao ver seu rosto bonito.

Aproveitando a distração de Shane, Gracie voou passando por ele,


pulando da traseira da caminhonete e escorregando de joelhos. Meu
estômago embrulha, e espero que a dor a atinja, para que as lágrimas
comecem. Quando estou prestes a correr para ajudá-la a se levantar, ela
se levanta, limpando os joelhos antes de voltar a correr em minha direção.

— Oi, tia Kate! Você está animada para os fogos de artifício? — Ela
pergunta, pegando minha mão com as dela, seus pequenos pés frenéticos
movendo-se a um milhão de quilôemtros por hora abaixo dela.

— Eu estou! — Eu digo a ela, sua empolgação é tão contagiante


que não posso evitar, mas quase grito as palavras.

— Vamos lá, — diz ela, puxando meu braço em direção


àocaminhonete. — Você pode sentar no meio.

Ela sorri para mim ao dizer isso, e não tenho coragem de dizer a
ela que acho que não caberia no banco de trás.

— Oi, — Shane diz quando chegamos a ele e Ellie. Ele está com a
filha mais nova nos braços, e ela chuta loucamente para descer. Ele a
coloca de pé e eu me agacho para pegá-la.
— Oi, — eu digo para Shane enquanto me levanto com Ellie no
meu quadril. Agradeço a distração, porque olhar para ele sem uma
barreira entre nós pode ser perigoso.

— Que bom que você conseguiu. Elas deram um show para isso, —
diz ele, abrindo a porta traseira do passageiro.

Eu avanço, entregando Ellie para seu pai para que ele possa
colocá-la no assento do carro. — Eu lembro. Costumávamos ir todos os
anos quando eu era criança.

Ele concorda. — Isso mesmo, lembro-me de Felicity mencionando


que seus pais eram importantes no Riverfest. Acho que nunca percebi...—
Ele para.

Nunca percebi que você esteve lá também, termino


silenciosamente por ele.

Não me surpreende que Shane não tenha percebido que eu estava


com minha família todas aquelas horas que passamos no Riverfest. Tenho
certeza de que Felicity nunca me mencionou.

Será que algum dia vai parar de doer - ouvir o quanto ela me
desprezou, mesmo depois de todos esses anos? Você pensaria que agora
eu já estaria acostumada. Construídoum calo quando se tratava da
hostilidade de minha irmã. Mas acho que algumas coisas nunca mudam.

Felicity nunca parou de me odiar.

E nunca parei de querer que ela se importasse.


Shane termina de prender o assento de Ellie antes de pegar a mão
de Gracie e levá-la para o outro lado. Antes que ele possa levantá-la, ela
se vira, olhando para mim com expectativa.

— Entre, tia Kate. Ellie e eu decidimos que você poderia sentar-se


entre nós. Dessa forma, cada uma de nós terá a oportunidade de sentar
ao seu lado.

Eu sorrio para ela. Ouvir sua explicação quase me dá vontade de


tentar me espremer no pequeno banco de trás, apenas para fazê-la
feliz. Felizmente, Shane interrompe antes de eu realmente fazer isso.

— Tia Kate é muito alta para o banco de trás, Gracie Lou


Who. Seus joelhos ficarão acima das orelhas. — Ele encolhe os ombros
com força contra as orelhas, como se estivesse tentando demonstrar
como vou ficar.

Gracie ri. — Mas não é uma viagem muito longa, — ela insiste.

— Eu poderia tentar… — eu começo, mas um olhar afiado de


Shane me corta.

— Não, Gracie. Tia Kate vai se sentar na frente ao meu


lado. Imaginecomo o papai se sentiria se tivéssemos um acidente e Kate
se machucasse porque ela não estava no lugar certo.

Os olhos de Gracie piscam para mim, a preocupação estampada


em seu rosto. Eu dou a ela um sorriso caloroso.

— Vou te dizer uma coisa, — eu digo, agachando-me ao lado


dela. — Que tal este ser o seu lugar durante os fogos de artifício? — Eu
dou um tapinha em uma das minhas coxas. — E este pode ser da Ellie? —
Eu acrescento, dando tapinhas no outro.

Gracie parece contemplar isso por um momento antes de


concordar. — Ok, tia Kate. Você pode sentar na frente.

Eu sorrio, meus olhos se movendo para Shane em diversão em


conseguir sua “permissão”. Shane apenas balança a cabeça, um sorriso de
lado em seu rosto enquanto ajuda Gracie a entrar na caminhonete.

Eu uso o tempo que ele está ocupado para fazer meu próprio
caminho até o banco do passageiro e entrar. A última coisa que quero é
que ele pense que precisa abrir a porta da caminhonete para mim. Isso
tornaria isso ainda mais estranho do que já é.

Mas assim que penso nas palavras, percebo que não são
verdadeiras. Eu estava com tanto medo de ver Shane novamente depois
da noite passada. Meus nervos me mantiveram acordada a noite toda, e
eu mastiguei minhas duas unhas atéa carne durante as horas que
antecederam este pequeno encontro. Mas nem dez segundos depois de
chegar, eu já comecei a me acalmar. Estar com Shane e as garotas é tão
natural quanto respirar.

É quando nós dois estamos sozinhos que tenho que me preocupar.

Shane sobe no banco do motorista, me dando um sorriso de boca


fechada enquanto liga a ignição. Conhecendo-o, incomoda-o que entrei na
caminhonete. Não porque ele não me quer aqui, mas porque, sendo o
cavalheiro que é, provavelmente o rasga por dentro permitir que uma
mulher abra sua própria porta.
Felizmente, o momento passa rápido, e logo estamos todos
cantando junto com a trilha sonora Tangled a plenos pulmões, incluindo
Shane. Fiquei momentaneamente chocada quando a primeira música do
álbum começou. Eu cresci assistindo esse filme e cantando essas
músicas. Eu amo que ele resistiu ao teste do tempo e ainda é um sucesso
entre as crianças de hoje.

Em pouco tempo, Shane diminui a velocidade para uma parada na


beira da estrada. Eu olho ao redor e vejo uma colina a cerca de cem
metros de distância.

Eu empurro meu queixo em direção a ele. — É para lá que estamos


indo?

Shane acena com a cabeça. — Você não encontrará um assento


melhor em toda Virginia Beach. É ótimo ver os fogos de artifício contra um
pano de fundo de estrelas, em vez de todas as luzes da cidade.

Não estávamos muito longe do Oceanfront, mas o suficiente para


que eu soubesse que a poluição luminosa seria muito menos visível do
que no estádio. Os fogos de artifício podem não estar bem sobre nossas
cabeças como estariam se estivéssemos lá, mas algo me diz que eu
gostaria muito mais dessa vista.

Shane e eu descemos da caminhonete, cada um de nós ajudando


uma de suas filhas fora de seus lugares. Gracie e Ellie disparam em direção
ao morro, claramente já sabendo para onde estamos indo.

Shane levanta um pé em um de seus pneus traseiros, içando-se


para cima e para dentro da caminhonete. Depois de soltar uma corda
elástica, ele puxa um cooler e passa para mim.
Eu pego, observando com perplexidade enquanto ele agarra uma
braçada de travesseiros e cobertores antes de pular da caçamba da
caminhonete. Quando ele vê minhas sobrancelhas levantadas e a forma
como meus lábios estão puxados para baixo em uma carranca, ele para.

— O quê? — Ele pergunta, seus olhos arregalados e sua expressão


em branco.

— O que você está fazendo?

Ele olha para os objetos em seus braços. — Bem, não podemos


ficar sentados na terra agora, podemos?

Ele me pegou lá. Eu não tinha pensado longe o suficiente para


considerar como exatamente estaríamos assistindo aos fogos de artifício.

— E os travesseiros? — Eu pergunto.

Ele bufa. — Confie em mim. As meninas vão desmaiar cerca de


uma hora antes dos fogos de artifício realmente começarem. Elas correm
e brincam sem parar enquanto esperamos, depois caem um pouco antes
de o show começar.

— Você quer dizer que elas vão perder isso?

Ele balança a cabeça. — Nah. Gracie ouvirá o primeiro estrondo e


acordará Ellie. Ellie não ficará satisfeita com a interrupção, mas ela supera
isso rapidamente.

— Parece que você sabe exatamente o que está fazendo, —


observo, mudando o cooler da minha mão esquerda para a direita
enquanto começo a segui-lo.
Shane acena com a cabeça enquanto caminha. — Pode haver um
monte de merda neste mundo que eu não conheço ou entendo. Mas
aquelas duas ali, — ele diz com um movimento de seu queixo em direção
a suas filhas. — Essas duas eu conheço melhor do que eu mesmo. Pelo
menos por agora.

Eu sorrio ao imaginar as garotas à medida que envelhecem. Em


breve, elas não vão querer que seu pai esteja tão envolvido em suas
vidas. Como um dia, ele não será capaz de olhar para elas e conhecer cada
pensamento que passa por suas cabeças.

Ou talvez ele vá. Espero pelo bem dele que os três fiquem
unidos. Inferno, para Gracie e Ellie também. Ter um pai como Shane
Dempsey é uma bênção que muitas crianças não recebem. Espero que
elas entendam isso, mesmo quando crescerem e se tornarem
adolescentes.

— Você é um bom pai, Shane, — eu digo sem realmente


querer. Ele para, virando-se para me encarar.

— Obrigado, Kate. Eu sei que parece estranho, mas isso é


realmente a única coisa que eu quero neste mundo. Quero ter certeza de
que estou agindo bem com minhas garotas.

Eu balancei minha cabeça. — Isso não parece nada


estranho. Parece algo que todo pai deveria desejar.

Infelizmente para mim, nem todos os pais sentem o mesmo.

Como se sentisse a direção que meus pensamentos acabaram de


tomar, Shane se inclina e me cutuca com o cotovelo. — Vamos. Assim que
chegarmos lá, vou mostrar a surpresa que coloquei naquele cooler, só
para você e para mim. — Ele pisca para mim enquanto se dirige para a
colina.

Ando com cuidado pela grama seca, grata por ter tido a precaução
de usar sapatos confortáveis e não algo estúpido como salto. Consigo
chegar à base do morro sem torcer o tornozelo, mas, assim que chego lá,
percebo como a subida é íngreme.

— Você não me disse que haveria exercícios envolvidos nesta


atividade! — Eu grito com Shane, pois ele já está na metade do caminho.

Ele se vira, uma gargalhada descendo para me encontrar. — Oh,


vamos, Mitchell. Minha filha de três anos escalou esta colina sem suar a
camisa.

— Sua filha de três anos não tem cinco quilos a mais em torno do
abdômen por causa de seu hábito de sorvete noturno, — retruco.

Largando o travesseiro e os cobertores, ele começa a descer a


colina em minha direção, seus passos longos e decididos. Eu olho em
volta, incerta de como devo reagir ao seu andar pesado e o que devo fazer
quando ele chegar aqui.

Mas antes que eu possa tomar uma decisão, ele está lá, seu rosto a
apenas alguns centímetros do meu. Seus dedos roçam os meus enquanto
ele pega o cooler da minha mão, a outra mão levantando e traçando uma
linha suave contra a curva da minha cintura.

— Confie em mim, Kate. Não há uma única coisa errada com a


sua barriga,— ele murmura, as pontas dos dedos pressionando mais
profundamente em minha carne. — Não há nada de errado com você,
ponto final.

Eu engulo em seco enquanto olho em seus olhos escuros, seu


olhar inebriante com sua ferocidade. Por um momento, esqueço onde
estamos, que suas filhas estão a apenas alguns metros de distância e que
eu não devo querê-lo.

Eu lambo meus lábios enquanto meu olhar desce para sua boca,
seus lábios se separando quando ele percebe o que estou fazendo. Sua
respiração passa pelo meu rosto, um toque de hortelã e algo doce
invadindo meus sentidos.

Tão perto. Seus lábios estão tão próximos. Eu poderia apenas...

— Papai! — Gracie grita, me forçando a sair


da névoa alimentada pela luxúria em que eu caí. Eu salto para longe de
Shane ao mesmo tempo que seu corpo salta para longe do meu. Estou
com muito medo de olhar para ele. Com muito medo do que eupode ver
em seus olhos. Mas sua respiração ofegante me diz que ele esteve tão
envolvido nisso quanto eu.

— O que foi, Gracie? — ele grita, e meus olhos procuram as


meninas. Felizmente, a cabeça de Gracie aparece no topo da colina
naquele momento, e eu solto um suspiro de alívio. Elas não nos viram.

— Você trouxe biscoitos de queijo? Eu estou com fome.

Shane exala lentamente e eu finalmente me permito olhar para


ele. Ele me dá um sorriso tímido antes de segurar o refrigerador.

— Claro, Gracie Lou Who. Tenho eles bem aqui. Já estou indo.
Três horas depois, as garotas estão dormindo profundamente no
banco de trás da caminhonete de Shane, e meus olhos estão fechando
com a sensação do ar frio da noite batendo em meu rosto pela janela
aberta.

Esta noite foi incrível. Uma vez que eu finalmente consegui fazer
meu caminho para o topo da colina, Shane arrumou os cobertores e
espalhou a comida que ele colocou dentro do refrigerador. Fizemos um
pequeno piquenique, as garotas tagarelando alegremente enquanto
comiam queijo, biscoitos e frutas fatiadas.

A surpresa que Shane mencionou acabou sendo uma garrafa de


vinho e duas taças de champanhe de plástico. Eu estava hesitante em
aceitar o álcool, considerando o que quase aconteceu entre nós na base
da colina. Manter a mente limpa parecia a coisa mais importante depois
disso. Mas uma vez que Shane abriu a rolha e o aroma doce atingiu meu
nariz, eu não pude dizer não.

Passamos as próximas horas rindo e brincando com as


meninas. Gracie nos desafiou a todos para um jogo de pega-pega -
um jogo que ela surpreendentemente deixou sua irmã mais nova ganhar -
e eu não conseguia me lembrar de uma vez em que ria
tanto. Definitivamente, fazia muito tempo.

Como Shane havia previsto, as garotas desmaiaram por volta das


sete e meia, deixando nós dois sentados e saboreando o resto do nosso
vinho enquanto esperávamos os fogos de artifício começarem. Não
tínhamos conversado muito, nenhum de nós queria acordar as meninas,
mas também porque não precisávamos. Foi bom apenas sentar e
desfrutar do ar fresco de outubro um com o outro.

Fiquei grata por ele não ter tentado falar sobre o que quase
aconteceu na base da colina. Eu não queria ouvi-lo me dizer que foi um
erro. Que ele não deveria ter se permitido chegar tão perto de mim. Que
ele não deveria ter me tocado. Não acho que teria aceitado se ele me
dissesse que se arrependeu.

Mas também não sabia como reagiria se ele me dissesse que


queria mais. Houve algumas vezes ao longo da noite em que meus olhos
encontraram os dele e, por um breve momento, pensei ter visto... alguma
coisa.

Desejo?

Vontade?

Prazer?

Eu sabia que estar com Shane seria errado. Mas havia uma parte
de mim que não sabia se eu era forte o suficiente para dizer não. Se Shane
me dissesse que me queria...

Eu seria capaz de resistir à tentação?

Estou tão perdida em meus pensamentos, no álcool zumbindo em


minhas veias, que não percebo que paramos até que Shane pigarreia. Eu
aperto meus olhos com força, desejando como o inferno não ter que abri-
los, não ter que deixar este momento perfeito, fantástico, onde as coisas
não tinham que fazer sentido.
Mas, como todas as coisas boas, isso também deve ter um fim. Eu
pisco meus olhos abertos lentamente, limpando a névoa até que o mundo
volta ao foco.

Minha testa franze quando vejo onde estamos. — Por que


voltamos para a sua casa? — Eu esperava que Shane me deixasse no
hotel.

Shane levanta um ombro em um encolher de ombros. — Achei que


você gostaria de me ajudar a levar as meninas para a cama. Então talvez
pudéssemos... conversar.

Meu estômago afunda. Foi o momento que eu temi a noite


toda. Afinal, eu não tinha escapado. Tinha sido simplesmente adiada.

Shane deve ver a hesitação em meu rosto, porque ele levanta a


mão de volta para a marcha. — Se você preferir que eu te leve de volta
para o hotel, eu posso. Não temos que fazer isso esta noite. — Ele dá ré na
caminhonete.

Estendo o braço e coloco minha mão em seu braço, balançando a


cabeça. Isso teria que acontecer mais cedo ou mais tarde. É melhor
arrancar o Band-Aid agora.

— Não, está bem. Você está certo, precisamos conversar.

Ele coloca a caminhonete de volta no estacionamento antes de


desligar a ignição.

Os próximos dez minutos passam rapidamente, Ellie e Gracie


tropeçando como zumbis meio mortos enquanto tentamos ter seus
dentes escovados e seus pijamas. Eu pego Ellie, já que Gracie é um pouco
pesada demais para eu carregá-la, e ela me beija suavemente na bochecha
enquanto eu a coloco na cama.

— Boa noite, tia Kate, — ela murmura enquanto ela rola e se enfia
mais fundo em suas cobertas. — Eu amo você.

Meu coração para ao som dessas três palavras. Não tenho certeza
se ela quis dizer isso. Elas podem apenas ter escapado em sua névoa cheia
de sono. Mas é a primeira vez que as ouço faladas em voz alta, dirigidas a
mim, em mais de dez anos.

Lágrimas quentes ardem na parte de trás da minha garganta


enquanto eu olho para esta preciosa garotinha. Sua respiração já se
estabilizou, seu corpinho já caiu em um sono profundo. Eu me abaixo e
aliso seu cabelo antes de me inclinar e dar um beijo em sua testa.

— Eu também te amo, Ellie. Muito, muito mesmo.

Um pequeno sorriso puxa o canto de seus lábios quando eu me


afasto, e digo a mim mesma que é porque ela me ouviu. Não sei se é
verdade, mas conheço aquele sorriso e aquele pensamento que me
ajudará a superar até os dias mais sombrios que estão por vir.

Eu saio de seu quarto lentamente, acendendo uma luz noturna na


cômoda antes de fechar a porta suavemente atrás de mim. Ela fecha com
um clique e eu me viro, pressionando minhas costas contra a madeira e
respirando profundamente, oprimida pelo amor.

Até que o som da voz de Shane vindo do corredor me atinge, e o


pavor imediatamente enche meu estômago enquanto me lembro da
conversa que vamos ter.
Desço as escadas enquanto espero ele terminar com Gracie, me
acomodando no sofá. Desejo brevemente outra taça daquele vinho que
tomamos antes. Qualquer coisa para ajudar a tornar a picada do que está
para acontecer um pouco menos dolorosa.

Muito em breve, eu ouço os passos de Shane enquanto ele desce a


escada, e eu treino meus olhos no tapete no centro da sala. Ouço
enquanto ele caminha atrás de mim, sinto sua presença quando ele vem
para parara metros de distância. Ele fica em silêncio por um momento, e
eu respiro fundo, prendendo-o até meus pulmões queimarem, apenas
esperando o pior.

Ele vai me dizer para ir embora. Ele vai me dizer que não podemos
fazer isso. Ele tem razão. Claro, ele está certo. Mas isso não significa que
não dói como o inferno.

— Levante-se, — ele finalmente fala atrás de mim, e eu recuo com


a aspereza de sua voz. Quando eu não me movo para ficar de pé, ele dá a
volta no sofá, parando bem na minha frente.

— Kate, por favor, levante-se, — diz ele, desta vez com a voz um
pouco mais suave, um pouco menos brusca.

Com as mãos trêmulas, me levanto do sofá, mantendo os olhos


firmemente no tapete. Não consigo olhar para ele. Não consigo ver o olhar
em seus olhos quando ele me diz que tenho que ir.

Lágrimas brotam dos meus olhos enquanto espero, meus lábios se


curvando enquanto tento abafar meus gritos. Eu aperto minhas pálpebras,
esperando que ele não seja capaz de ver minha tristeza.
O toque suave de seus dedos enquanto afasta o cabelo do meu
rosto me surpreende. Tanto que meus olhos se abrem, meu rosto
levantando para o seu questionando. Mas antes que eu possa abrir minha
boca para perguntar o que ele está fazendo, seus lábios caem com força
contra os meus.

Seu beijo é exigente, sua língua passando pelos meus lábios e


invadindo minha boca enquanto tento recuperar o fôlego. Mas a sensação
dele contra mim... sua língua na minha, seu corpo duro enquanto ele me
pressiona contra seu peito...

Eu me jogo no beijo, minhas mãos frenéticas enquanto o agarram,


meu corpo precisando estar mais perto... mais perto... mais perto
ainda. Não existe uma lasca de espaço entre nós, e ainda não parece o
suficiente.

Shane cai de volta no sofá, me puxando para seu colo. Suas mãos
empurram meu cabelo, virando meu rosto para que ele possa empurrar
mais fundo em minha boca.

Eu gemo quando minha boceta balança contra seu comprimento


duro, choramingo com a fricção deliciosa que acende uma chama no
fundo da minha barriga. Eu me esfrego com força, sentindo o gemido que
reverbera de seu peito e entra em minha boca.

Nosso beijo dura segundos... minutos... horas... eu não tenho ideia


de quanto tempo passou antes de Shane finalmente rasgar sua bocada
minha. Tudo que sei é que é muito cedo.

Sua respiração está frenética enquanto ele enterra o rosto na


curva do meu pescoço.
— Você não tem ideia do quanto eu queria fazer isso a noite toda,
— ele ronrona, sua voz um veludo rico para meus ouvidos.

Colocando um dedo sob seu queixo, eu levanto seu rosto de volta


para o meu. — Acredite em mim, eu quero.

— Você me deixa louco, Kate, — ele diz, seus olhos fixos nos
meus. — Não sei o que é, mas não consigo parar de pensar em você.

— O sentimento é mútuo, — murmuro, a respiração finalmente


alcançando meus pulmões.

Ele examina meu rosto, seus olhos procurando por uma pergunta
não dita. Finalmente, ele diz: — As pessoas não vão gostar disso. Estarmos
juntos.

Eu balancei minha cabeça. — Não, elas não vão.

— Ninguém vai entender.

— Você está certo, elas não vão, — eu digo enquanto me movo


para escorregar de seu colo. Seus braços circundam minha cintura, me
segurando no lugar.

— Mas sempre achei que as melhores coisas da vida são aquelas


pelas quais vale a pena lutar. E você, Kate Mitchell, vale a pena ir à guerra
por você.

Sua mão serpenteia até meu pescoço e ele esmaga meus lábios
contra os dele. Eu o beijo com uma necessidade urgente que nunca senti
antes. Eu preciso tocá-lo. Para senti-lo. Para tê-lo.
Não sei o que o amanhã trará. Não sei se à luz do dia, veremos
como estamos sendo egoístas e irresponsáveis. No momento, há apenas
uma coisa da qual tenho certeza.

Estou apaixonada por Shane Dempsey.

E se isso é tudo que podemos ser, vou aproveitar ao máximo. Eu


me afasto, tirando minha blusa pela cabeça e jogando-a no chão atrás de
mim. Pegando suas mãos, coloco-as em meus seios ao mesmo tempo, me
esfrego com força contra seu pau.

— Faça amor comigo, Shane, — eu imploro, massageando seus


dedos em minha carne macia.

Ele xinga, me pegando pela cintura e nos girando para que eu fique
embaixo dele no sofá. Ele faz um trabalho rápido em nossos jeans e, antes
que eu perceba, ele está mergulhado profundamente no meu calor
úmido.

A sensação de sua circunferência envia um choque pulsando pelo


meu corpo, e eu levanto meus quadris para tentar tomar mais de seu
comprimento. Ele desliza para dentro de mim, entãofacilmente, é fácil
esquecer quanto tempo faz desde que um homem esteve dentro de mim.

Ele me fode lentamente no início, deixando-me ajustar e esticar


em torno dele antes de ganhar velocidade. Com cada impulso de seus
quadris, cada empurrão e deslizamento de seu corpo, ele atinge um ponto
tão profundo que vejo estrelas do outro lado das minhas pálpebras
fechadas.
Meus dedos agarram suas costas, empurrando o tecido de sua
camisa para cima e sobre sua cabeça para que eu possa sentir mais dele,
sentir cada centímetro de seu corpo contra o meu.

Meu orgasmo se constrói rapidamente, o calor se acumulando na


minha barriga enquanto minhas paredes começam a pulsar em torno
dele. Minha cabeça cai para trás quando o êxtase começa a correr por
mim, mas a mão de Shane sobe e se enrosca no meu cabelo.

— Abra os olhos, Kate. Olhe para mim quando gozar, — ele


geme. Meus olhos se abrem e encontro a visão mais deslumbrante que eu
já vi.

Shane Dempsey, músculos grossos e tensos enquanto ele trabalha


seu corpo fantástico sobre o meu, seu pescoço esticado enquanto ele olha
para mim, seus olhos tão cheios de uma emoção que eu não consigo
nomear.

A visão dele é tudo o que preciso para me enviar direto ao


limite. — É isso aí, baby. Goze para mim, goze em todo o meu pau, — diz
ele comoseus olhos se fecham com força, seu corpo sacudindo
descontroladamente enquanto ele empurra em mim, encontrando sua
própria liberação.

Ele desaba em cima de mim enquanto ambos descemos de nossas


alturas, e eu saboreio a sensação de seu peso no segundo que ele me dá
até que ele se apoie em um cotovelo para que ele não me esmague.

— Você é incrível, Kate Mitchell, — ele sussurra enquanto


pressiona um beijo na ponta do meu nariz.
E por mais incrível que isso fosse. Por mais gloriosa que tenha sido
esta noite inteira, não posso evitar o lampejo de culpa que passa por mim
quando olho em seus olhos.

O que eu fiz?
CAPÍTULO TREZE

Shane

— Como foi o Riverfest?

A voz da minha mãe me tira dos meus pensamentos e levanto os


olhos bem a tempo de vê-la entrando direto no meu escritório antes de se
sentar.

— Oi mãe. Prazer em te ver também. Estou ótimo. Obrigado por


perguntar, — eu respondo secamente, baixando meus olhos de volta para
que eles possam continuar sua leitura do meu mais novo contrato.

Não que eu tivesse sido capaz de fazer cara ou coroa com


isso. Estou tentando ler essa porcaria há quase uma hora e, até agora, não
consegui passar da primeira frase.

Ela se estica e arranca a folha de papel da minha mão. — Não me


venha com essa. Diga-me como foi seu fim de semana com Kate.

Eu levanto uma sobrancelha para ela em resposta, surpresa


rolando por mim em como ela aparentemente leu minha mente. Kate
estava dominando meus pensamentos desde que acordei esta manhã. —
Como você sabe que passei o fim de semana com Kate?

Ela encolhe os ombros. — Eu sabia que você iria vê-la na sexta à


noite. Parecia apropriado que você a convidasse para os fogos de artifício
com você e as meninas no sábado. O que, claro, leva ao domingo...

Eu a imobilizo com um olhar e ela ri. — Oh, certo. Liguei ontem e


Gracie atendeu. Ela disse que você estava lá fora com Kate, preparando a
grelha para os hambúrgueres. Ela tinha muito a dizer sobre todo o tempo
que vocês três passaram com sua nova tia favorita. É melhor você tomar
cuidado, por falar nisso. Sua irmã vai começar a se sentir negligenciada, —
acrescenta ela com uma piscadela.

Eu penso nas horas que passei com Kate neste fim de


semana. Tanto com as meninas e...

Sim, algo me disse que minha irmã ficaria bem em não receber a
mesma atenção que Kate está recebendo.

Minha mãe estala a língua, mais uma vez me arrancando dos meus
pensamentos sobre Kate e de volta ao meu escritório. Ela me dá um
sorriso atrevido.

— O quê? — Eu pergunto, tentando me fazer de bobo.

— Não faça o quê, senhor. Eu conheço esse olhar.

Minhas sobrancelhas se erguem. Minha mãe


certamente não conhece minha aparência de estou pensando em sexo.

— Você gosta dela, — diz ela, apontando um dedo para mim e


girando-o em um círculo.

Eu ri. A julgar pelas horas que passei entre suas coxas na noite
de sábado, e novamente na manhã de domingo...

— Sim, mãe. Eu gosto dela.

Se possível, minha mãe parece ainda mais encantada do que


quando entrou aqui. E considerando que ela tinha acabado de almoçar
com meu pai no restaurante favorito deles, isso estava dizendo algo.
— Oh, Shane. Eu estou tão feliz por você.

Eu me inclino para frente e apoio meus cotovelos na minha mesa,


passando a mão pelo meu cabelo.

— Eu não sei o que fazer, mãe.

— O que você quer dizer? — Ela pergunta, sua voz caindo uma
oitava em preocupação.

— Quero dizer, isso não está acontecendo muito rápido? Eu não


deveria ainda estar de luto ou algo assim? Não é muito cedo para mesmo
estar entretendo a ideia de outra mulher?

O nariz de minha mãe torce enquanto ela considera minhas


palavras, seus lábios se torcendo em uma linha pensativa. Sento-me em
silêncio enquanto espero que ela diga algo - para transmitir algum tipo de
sabedoria maternal para mim que resolverá todos os meus
problemas. Funcionou o tempo todo quando eu era criança. O que eu não
daria para que a vida fosse tão simples de novo.

Quando um minuto inteiro passa e ela ainda não falou, coloco


minhas mãos na minha mesa.

— Diga alguma coisa, mãe. Você está me matando aqui.

Um leve sorriso aparece naquela expressão pensativa e eu


gemo. Isso provoca uma risada total em seus lábios, e eu fico olhando
para ela incrédula.

— Fico feliz em ver que minha crise está divertindo você. Por favor,
continue rindo às minhas custas.
Meu comentário espertinho corta sua risada, desta vez seus olhos
fixos em mim com aquele olhar duro de mãe que eu não recebia há anos.

De alguma forma, é tão intimidante hoje quanto era quando eu


tinha seis anos. — Observe seu tom, Shane Dempsey. Você pode ser quase
trinta centímetrosmais alto do que eu, mas ainda sou sua mãe.

— Desculpe, mãe, — eu digo timidamente, arrependimento


correndo por mim por tê-la chateado. — Estou tão confuso. Isso está me
deixando louco e eu descontei em você. Me perdoe?

Ela dispensa minhas desculpas. — Bem, claro. Como acabei de


dizer. Você pode ser trinta centímetros mais alto do que eu... mas ainda é
meu filho. Nunca fui capaz de ficar com raiva de você por muito tempo.

Eu dou a ela um sorriso de lado. — Você é a melhor. Agora, quer


me dizer por que você estava rindo de mim? — Eu pergunto, certificando-
me de manter qualquer traço de irritação fora do meu tom.

— Eu não estava rindo de você, Shane. Mas apenas o fato de que


você, de alguma forma, se encontrou na mesma situação que eu quando
eu tinha mais ou menos sua idade.

Não me ocorreu que minha mãe uma vez se descobriu jovem e


viúva. Principalmente porque o meu “tio” Aaron, pai de Aarabelle e
primeiro marido da minha mãe, não havia realmente sidomorto. Ele foi
levado cativo durante uma missão no Afeganistão, mas todos pensaram
que ele tinha morrido após uma explosão. Um dos dedos de Aaron foi
encontrado entre os escombros e todos presumiram o pior.
Acontece que ele estava muito vivo, mas não exatamente bem. Ele
passou muitos meses preso por terroristas até que um agente da CIA -
a esposa de Mark, na verdade - o encontrou enquanto ele tentava se
infiltrar na organização. Meu pai, Jackson e Mark foram resgatá-lo, mas
infelizmente, seu retorno ao lar não foi tão acolhedor quanto ele
esperava.

Durante sua ausência, minha mãe descobriu sobre um caso que ele
estava tendo com uma mulher chamada Brittany. Mas mesmo antes disso,
ela se apaixonou por outra pessoa.

Meu pai.

Eu tinha ouvido a história pelo menos uma dúzia de vezes ao longo


dos anos. Meu pai era o melhor amigo de Aaron antes de seu
desaparecimento. E minha mãe foi uma esposa amorosa e devotada. Eles
tentaram negar. Tentaram lutar contra isso. Mas no final…

O amor verdadeiro venceu.

É impossível para mim imaginar um mundo em que meus pais não


estivessem juntos - e não apenas porque eu não existiria se elesnão
estivesse. Eles eram perfeitos um para o outro em todos os sentidos. Eu
nunca tinha visto duas pessoas mais apaixonadas do que Natalie e Liam
Dempsey.

Mas como minha mãe fez isso? Como ela chorou por um homem,
enquanto se apaixonava por outro? Isso come-a por dentro como faz
comigo? Ela tinha ficado acordada à noite, sentindo como se estivesse
traindo Aaron enquanto meu pai dormia pacificamente ao lado dela?
Eu expresso a pergunta, precisando saber como ela passou por
isso, desesperado por algo em que me agarrar, algum tipo de luz no final
deste túnel longo e solitário.

Ela me dá um sorriso triste. — Oh querido. Você não tem ideia de


quantas horas passei, de quantas noites sem dormir vivi, tudo em nome
da culpa. Mesmo depois de descobrir sobre seu caso, havia uma parte de
mim que ainda parecia que estava traindo Aaron. Certamente era muito
cedo, eu disse a mim mesma sem parar. Soa familiar? — ela pergunta,
seus olhos cheios de tristeza e amor.

Eu aceno, minha garganta balançando enquanto tento engolir


minhas emoções. Se ela soubesse os detalhes do meu relacionamento
com Felicity. Era uma loucura como nossas histórias eram realmente
semelhantes.

Infidelidade.

Perda.

Ser deixado para criar minhas filhas por conta própria.

Minha mãe e eu tínhamos muito mais em comum do que nosso


DNA. Ela sabia exatamente o que eu estava passando agora, porque ela
viveu isso.

Estou tão perdido em minha própria cabeça que nem percebo que
ela se moveu até que uma mão pousou sobre a minha. Eu olho para cima,
meus olhos deixando a marca na minha mesa que eu estive encarando no
passado, Deus sabe quanto tempo enquanto eu traçava um paralelo entre
a vida da minha mãe e a minha. Quando meu olhar finalmente encontra o
dela, ela aperta minha mão com força, e eu posso praticamente sentir a
força saindo de seus dedos para dentro de mim.

— Você é um bom homem, Shane Dempsey. O melhor que já


conheci, exceto talvez por seu pai. Eu sei que você nunca faria nada para
machucar alguém que ama. Mas isso não significa que você terá que viver
o resto de sua vida sozinho.

— Eu apenas sinto que o momento está errado. Você se apaixonou


por papai, mas foi seis meses depois que Aaron supostamente
morreu. Felicity se foimenos de quatro semanas e...

Ela me cala. — Você não tem razão para se sentir culpado. Você
não pode colocar uma linha do tempo em algo como o amor. Ninguém
acorda um dia, esperando encontrar a pessoa com quem vai passar o
resto da vida. Mas às vezes acontece. E às vezes acontece quando é a
última coisa que você pensa que deseja. Mas eu posso te dizer uma
coisa...— Ela para, e eu dou a ela um olhar de expectativa. — Seu coração
não dá a mínima para o que você quer. Ele só se preocupa com o que
você precisa.

Eu me inclino para trás na minha cadeira, suas palavras fluindo


através de mim como um bálsamo muito necessário. Um sorriso satisfeito
enfeita seus lábios enquanto ela levanta uma sobrancelha para mim.

— Droga, mãe, — eu digo, soltando uma respiração lenta. —


Quando você ficou tão inteligente?

— Quase na mesma época que seu pai entrou na minha vida e me


fez abrir os olhos.
Eu me levanto, contornando a mesa e puxando-a em meus braços.

— Obrigado, — eu digo enquanto a aperto com força. — Obrigado


por sempre saber a coisa certa a dizer.

— Eu estou sempre aqui para você, Shane. Nunca se esqueça


disso. — Ela se afasta, levantando a mão para tirar uma mecha de cabelo
da minha testa. — Eu te amo tanto, baby. Você e sua irmã são as melhores
coisas que já fiz nesta vida.

Eu me inclino e a beijo na bochecha. — Também te amo,


mãe. Agora, se me dá licença...

Ela ri enquanto sai do meu abraço. — Vá para casa e dê um abraço


nas suas meninas. Todas as três, — ela acrescenta com uma piscadela.

E quarenta minutos depois, quando atravesso a porta da frente,


encontrando Gracie e Ellie sentadas no chão, Kate esticada ao lado delas
de bruços, os joelhos dobrados e os tornozelos cruzados atrás dela, o jogo
de tabuleiro Candyland esparramado diante delas, eu faça exatamente
isso.

Sento-me ao lado delas, puxo minhas filhas para o meu colo e Kate
para o meu lado, e abraço todas as três.

Porque minha mãe estava certa.

Kate pode não ter sido o que minha cabeça pensava que eu
queria. Mas meu coração sabe que ela é exatamente o que preciso.
CAPÍTULO QUATORZE

Kate

Eu desligo o secador de cabelo, passando meus dedos pelo meu


cabelo levemente úmido. Meu rosto está vermelho por causa do calor, e
coloco uma mão firme contra a penteadeira enquanto uma onda de
tontura passa por mim.

Cabelo comprido estúpido.

Eu adoro meus cabelos longos e nunca sonharia em cortá-los, mas


até eu tenho que admitir que secá- los com secador é uma
merda. Normalmente, eu apenas escovava depois do banho e deixava
secar ao ar, mas Shane e as garotas estão vindo me buscar. Eu realmente
não sinto vontade de vagar por um canteiro de abóboras com a cabeça
molhada.

Um pequeno enxame de borboletas voa pela minha barriga com o


pensamento das três pessoas que estou prestes a ver. Já se passaram uma
semana desde a noite que passamos na colina - a noite que Shane e eu
fizemos amor pela primeira vez - e não consigo me lembrar de uma época
da minha vida em que tenha sido mais feliz.

Eu acordo todas as manhãs com um sorriso no rosto, meus sonhos


foram preenchidos com visões de Shane, com memórias de momentos
passados com as meninas. Eu sento na cama por um tempo, esperando o
telefonema que sei que está chegando. Shane liga todos os dias enquanto
prepara as meninas para a escola e a creche. Ele diz que gosta de começar
o dia ouvindo minha voz, mas sei que também aprecia a maneira como as
meninas entram em ação quando me ouvem. Shane pode implorar e
implorar até que ele esteja com o rosto azul, e elas continuarão a arrastar
os pés e procrastinar em se vestir. Mas assim que eu digo a elas que
quanto mais rápido elas chegarem à escola, mais rápido o dia terminará e
eu posso pegá-las, é como se uma fogueira fosse acesa sob suas nádegas e
tornasse a vida de Shane um milhão de vezes mais fácil.

Eu passo o resto da minha manhã tentando trabalhar, mas a maior


parte do tempo é gasto olhando para o relógio, contando as horas e
minutos até a hora de ir buscar as meninas. Depois disso, passamos as
tardes na casa de Shane, brincando e preparando o jantar.

E depois que ele voltar para casa... bem, esse é o meu momento
favorito de todos. Ele sempre cumprimenta as meninas primeiro, como
qualquer pai deveria fazer. Ele pergunta a elas sobre seu dia, ajoelhar-se
ao lado delas e faz elas falarem sobre o que quer que estejam brincando,
colorindo ou assistindo... e entãouma vez que ele tem certeza de que elas
estão completamente absortos em suas atividades, ele me leva para a
cozinha.

Passamos os próximos cinco minutos nos beijando como


adolescentes, tentando manter nossas risadas e sussurros baixos para que
as meninas não nos ouçam. Ambos concordamos que era uma boa ideia
manter nosso novo... relacionamento... longe delas por um tempo. A
última coisa que qualquer um de nós queria era incomodá-las ou
confundi-las, e com a morte de sua mãe ainda tão recente...
Outra onda de culpa passa por mim enquanto o rosto de Felicity
passa pela minha mente. Ainda não entendo como isso aconteceu. Como
eu permiti que isso acontecesse.

Um dia depois que Shane e eu dormimos juntos, eu disse a ele que


isso não poderia acontecer novamente. Suas sobrancelhas estavam tensas
e seus ombros caídos, mas ele concordou que provavelmente era o
melhor. Nós concordamos que voltaríamos a ser como as coisas eram,
comigo estando por perto para as meninas pelo resto do meu tempo na
cidade.

Fiquei aliviada por ele não ter tentado lutar contra mim. Que ele
parecia tão ciente de como toda essa situação é impossível quanto
eu. Mas, no fundo, havia uma parte de mim que estava um pouco...
decepcionada. Eu sabia que não poderíamos ficar juntos, mas isso não
significava que ainda não doesse ele ter sido capaz de desistir tão
facilmente.

Mas a tarde de segunda-feira mudou tudo. Eu não tinha ideia do


que tinha acontecido para mudar sua mente, mas enquanto ele me seguia
até a cozinha para ajudar a colocar o jantar na mesa, ele me prendeu no
balcão da cozinha. Quando tentei afastá-lo, dizer que não poderíamos
fazer isso, ele me calou com um beijo forte.

Eu estava um pouco atordoada quando ele finalmente se afastou,


meus lábios inchados e machucados, meu coração disparado no meu
peito. Quando finalmente consegui me recompor e perguntei do que se
tratava, ele disse: — Estou farto de lutar contra o que sinto por você. Você
é o que meu coração precisa, e quem sou eu para negar meu coração?
Desde aquela noite, roubávamos beijos e toques sempre que
podíamos. Eu não tinha ficado tão tonta com um cara desde... bem,
sempre. Eu nunca namorei muito no colégio, quando cada novo
relacionamento fazia você se sentir como se fosse o fim de tudo, toda a
sua existência. E a faculdade... bem, eu estive focada demais em meu
diploma para me preocupar com meninos. Eu tive alguns relacionamentos
desde minha mudança para Chicago. Mas eles foram... nada
impressionantes, para dizer o mínimo.

Não tenho certeza do que há sobre Shane que o torna tão


diferente. Mas sei que estou me divertindo muito tentando descobrir.

Assim que minha cabeça parece que esfriou o suficiente para a


segunda rodada do processo de secagem, pego o secador de cabelo e me
curvo na cintura, virando a cabeça de cabeça para baixo. Quando estou
prestes a ligá-lo novamente, meu telefone toca em seu lugar na cama do
hotel.

Meu coração palpita, sabendo que deve ser Shane. Gracie


provavelmente está vagando, incapaz de decidir que suéter quer usar
hoje. Eu juro que aquela garotinha poderia dar até a fashionista mais bem
vestida uma corrida para seu dinheiro no departamento de guarda-roupa.

Eu corro pelo quarto e mergulho na cama, pegando meu telefone


no processo. Rolando de costas, seguro o telefone, meu rosto caindo
quando vejo que não é Shane ligando. É minha chefe, Izzy.

Eu rapidamente sacudo minha decepção, atendendo o telefone


com um alegre — Olá. — Já se passou muito tempo desde que falei com
Izzy. Eu sei que ela deve estar preocupada com a minha falta de
comunicação.

— Kate? Isso é você? — Sua voz vem do outro lado da linha, sua
incerteza clara em seu tom.

Eu rio levemente. — Sou eu, Iz. Por quê? Você estava esperando
outra pessoa?

Ela resmunga. — Não. Só acho que nunca ouvi você soar tão...
animada antes.

Outra risada rola por mim. — E eu acho que ninguém jamais usou
essa palavra para me descrever em minha vida. Fora daquelas duas
semanas na escola primária, quando tentei entrar para a All-
Star Cheerleading.

— Você era uma líder de torcida? — ela debocha.

— Muito, muito brevemente. Você acreditaria que eles me


disseram que eu não tinha espírito suficiente? — Eu pergunto, fingindo
estar chocada.

— Você? Nunca.

Nós compartilhamos uma risada, e eu ouço a mudança dela antes


que ela respire fundo. Eu começo a pedir desculpas antes mesmo que ela
possa falar.

— Olha, Izzy, sinto muito pela minha produtividade


ultimamente. Sei que estou atrasada e sei que tenho sido péssima em
fornecer atualizações. A última coisa que quero é colocar meu trabalho
em risco...
Ela zomba. — Kate, por favor. Seu trabalho está perfeitamente
bem. Temos muitas histórias do seu backlog18, então nem tivemos que
recorrer a deixar um dos escritores juniores tentar preencher o seu lugar.

— Então do que se trata?

Ela faz uma pausa por um momento, como se agora que ela me
tinha na linha, ela não tivesse certeza de como proceder. Finalmente, ela
suspira. — Há quanto tempo nos conhecemos, Kate?

Eu não hesito. — Faz seis anos.

— E nesse tempo, eu nunca vi você ficar muda assim. Eu estava


preocupada com você. Preocupada em saber como você lidou com a
morte de sua irmã. Mas então eu ligo e...

E ela me ouve soando como se eu não tivesse nenhuma


preocupação no mundo. — Eu aprecio sua preocupação, Iz, — eu começo,
fazendo uma pausa enquanto tento decidirquanto devo dizer a ela. Mas
então, Izzy é a coisa mais próxima que eu tenho de uma melhor amiga
em Chicago - nem vamos começar a analisar o quão patético isso é. Se há
alguém que não me julgaria por minha situação atual, é ela.

— Eu agradeço, — eu repito. — Mas não há nada com que se


preocupar. Perder Felicity foi difícil, mas não é por isso que fiquei para trás
por tanto tempo.

— Seus pais? — ela pergunta. — Imagino que não seja fácil para
eles perder uma filha.

18
Serve como indicador que mede o acúmulo de atividades pendentes de finalização.
Posso considerar Izzy uma amiga, mas ainda não estou pronta para
seguir esse caminho com ela. Ela não sabe nada sobre meu
relacionamento tenso com meus pais, e prefiro mantê-la assim.

— Não, meus pais estão bem. — Pelo que eu sei, prossigo em


silêncio. — Eu, hum... eu conheci alguém.

Eu ouço o telefone dela caindo no chão. Depois de alguns


segundos desajeitados, sua voz perturbada volta na linha. — Eu sinto
muito. Pensei ter ouvido você dizer que conheceu alguém.

Eu rio. — Eu fiz.

— Pu.ta. Merda, — ela diz, enunciando cada sílaba. — Nunca


pensei que viveria para ouvir essas palavras.

— Izzy! — Eu grito ao telefone. — Vamos. Eu não


sou tãoindesejável, sou?

Ela solta uma risada. — Dificilmente. Você é linda, Kate. E todo


cara que já trabalhou aqui sabe disso. Eu só nunca vi você dara ninguém
importância.

Eu criei uma regra difícil e rápida para manter minha vida pessoal
separada da profissional, então nunca mencionei os poucos homens que
namorei com minha chefe. Não que houvesse algo realmente digno de
menção...

— Bem, esse cara é diferente, — digo, recostando-me no


travesseiro. — Ele é diferente de qualquer pessoa que eu já conheci.
— Onde você o conheceu? — ela pergunta, sua voz alta e leve,
fazendo-a soar mais como uma adolescente animada do que uma
profissional de quarenta anos.

— Oh, um... no funeral da minha irmã, — eu digo timidamente.

Ela faz uma pausa por um momento antes de rir um pouco. — Ah,
então ele era amigo dela?

Eu limpo minha garganta. — Hum, você poderia dizer isso.

Posso praticamente ouvir as engrenagens girando em sua mente


enquanto ela tenta decifrar o que quero dizer.

— Por favor, me diga que você não se apaixonou por um de seus


primos ou algo assim... — ela finalmente diz, sua voz cautelosa e suspeita.

Uma risada borbulha do meu peito. — Oh Deus não. Posso ser


muitas coisas, Iz. Mas eu não gosto de incesto.

— Então, quem é esse cara misterioso?

É isso, digo a mim mesma. É agora ou nunca. Mais cedo ou mais


tarde, você terá que contar a alguém sobre seu relacionamento com
Shane. Você não pode manter isso em segredo para sempre.

— O nome dele é Shane. Shane Dempsey.

— Ok... — ela diz, prolongando a palavra. — Isso significa algo para


mim?

— O nome da minha irmã era Felicity Dempsey, — eu explico,


esperando as peças se encaixarem no lugar.
— Então você é o quê? Está namorando o cunhado da sua irmã? —
Deus, isso é ainda mais difícil do que eu esperava.

— Não. Felicity não tinha um cunhado.

— Não entendo então, Kate. É um membro da família de seu


marido... oh, — ela diz, soltando um grande suspiro quando os pedaços
finalmente caem.

Ela fica em silêncio por um momento e espero que ela fale. Para
dizer algo - qualquer coisa - para me deixar saber que ela não acha que eu
sou umpessoa terrível pelo que estou fazendo.

Finalmente, torna-se muito difícil de suportar. — Diga alguma


coisa, Izzy.

— Só para deixar isso perfeitamente claro, — diz ela, seu tom não
revelando uma grama do que poderia estar passando por sua cabeça. —
Só para ter certeza de que entendi você corretamente. Você está saindo
com o marido da sua irmã morta.

Ouvi-la dizer isso em voz alta me faz sentir a mais baixa dos
baixos. Como pude fazer isso? Eu deveria ter me virado e ido para casa no
segundo em que percebi que estava atraída por ele.

Mas então você não teria Gracie e Ellie. Você não teria conhecido
as garotinhas incríveis que são.

Quando eu não nego sua declaração, ela suspira novamente.

— Você acha que eu sou uma pessoa horrível? — Eu pergunto,


meu tom suplicante, desesperado.
— Não, Kate. Claro que não. Só espero que você saiba o que está
fazendo.

— O-o que você quer dizer? — Eu pergunto, confuso com sua


declaração.

— Quer dizer, o homem acabou de perder a esposa. Ele está de


luto. Perdido, tenho certeza. Eu só não quero ver você se machucar.

— Você acha que ele vai me machucar? — Lágrimas começam a


brotar em meus olhos.

— Eu não sei, Kate. Mas é possível. Você é a irmã de sua esposa


morta. Só espero que ele não esteja se agarrando a você porque você o
lembra dela. Isso não é justo com você, e você é quem vai se machucar a
longo prazo.

O som de mensagem soa em meu ouvido, sinalizando o


recebimento de uma nova mensagem. Afasto o telefone da minha cabeça
e vejo que é Shane.

SHANE: Estamos aqui embaixo. As meninas estão cheias de


açúcar, então achei que devíamos poupar você da destruição delas vindo
para o seu quarto. Mal posso esperar para ver você.

Eu sorrio com a mensagem, mas então as palavras de Izzy ressoam


em meus ouvidos.

Ele está apenas me segurando porque eu o lembro do que ele


perdeu? Sou apenas uma substituta para ele enquanto ele sofre a perda de
sua esposa?

— Olha, Kate, eu não quero fazer você duvidar...


Eu a cortei. — Obrigada, Izzy. Você me deu muito em que
pensar. Eu tenho que ir agora.

— Kate, por favor, não fique chateada...

— Eu não estou. Eu agradeço por você pensar em mim. Eu sei que


você só quer o que é melhor para mim.

— Eu realmente, verdadeiramente.

— Entrarei em contato, Iz. Em breve, eu prometo.

— OK. E, Kate, — ela diz, sua voz hesitante e incerta.

— Sim?

— Estou aqui para ajudá-la a qualquer hora que precisar


conversar. Eu espero que você saiba disso.

— Obrigada, Iz, — eu digo. — Falo com você em breve.

Eu desligo o telefone e abro a mensagem de Shane.

EU: Já desço.

Eu corro para a penteadeira, puxando meu cabelo para trás em um


rabo de cavalo alto, esperando que isso mantenha o frio de outono do
meu cabelo ainda úmido. Depois de pegar minha bolsa, vou até o
elevador, dizendo a mim mesma como estou animada por passar o dia
com minhas três pessoas favoritas.

Mas durante toda a descida, não posso deixar de ouvir as palavras


de Izzy.

Só espero que ele não esteja se agarrando a você porque você o


lembra dela.
CAPÍTULO QUINZE

Shane

— Eu tenho uma surpresa para você, — eu digo, inclinando-me e


sussurrando no ouvido de Kate, meus olhos passando rapidamente para
as meninas para ter certeza de que estão ocupadas com outra
coisa. Gracie segura Ellie pelas mãos, tentando ensiná-la um jogo de
palmas que aprendera na escola. Os reflexos de criança de Ellie
claramente não estão à altura dos de sua irmã mais velha, e as duas se
atrapalham na maioria das vezes. Mas Gracie não parece se importar, seus
movimentos diminuindo para que ela possa demonstrar melhor em vez de
ficar frustrada com a irmã.

— O que é? — Kate diz distraidamente, sem tirar o olhar da panela


que está enxaguando na pia.

— Minha mãe vem ficar um tempo com as meninas. Teremos a


noite toda para nós.

Tentar iniciar um novo relacionamento enquanto está constante


na presença de crianças de seis e três anos não é o que alguém
descreveria como fácil. Especialmente quando você está tentando manter
esse relacionamento dessas dita crianças de seis e três anos. Quando
terminamos todas as nossas atividades noturnas e levamos as meninas
para a cama, geralmente é hora de Kate ir embora para que ela possa
trabalhar um pouco antes de dormir.
Não que eu estivesse reclamando. Qualquer tempo que passo com
ela é fantástico. E todos aqueles beijos e olhares roubados sempre que as
garotas não estão olhando são emocionantes como o inferno. Mas eu
estaria mentindo se dissesse que não estou com vontade de tocá-la
novamente. Tocá-la de verdade.

Sei que também não foi fácil para Kate. Nas últimas noites, parecia
que ela estava se afastando de mim. Em vez de demorar alguns minutos
depois que as meninas dormiam, ela saiu imediatamente. E cada vez que
eu tentei tocá-la recentemente, ela ficou tensa, seu corpo normalmente
macio não se derretia no meu, mas congelava ao menor contato.

Eu sei que isso é difícil para ela. Eu sei que ela tem suas dúvidas
sobre se o que estamos fazendo está bem ou não. E eu estar
constantemente preocupado com as meninas não ajuda em nada.

Esta noite... esta noite vou mostrar a Kate exatamente o quanto


ela significa para mim.

— Oh, — ela diz, sua voz tensa enquanto ela esfrega um ponto de
óleo. — Bem, isso é legal da parte dela.

Eu passo meu nariz ao longo de sua nuca. — Você está bem?

Ela fecha a água, girando com a panela molhada e me forçando a


dar um passo para trás. Ela pega uma toalha e começa a secar.

— Bem. Só um pouco cansada. Na verdade, se estiver tudo bem


para você, acho que posso voltar um pouco mais cedo esta noite. Tenho
muito trabalho a fazer neste artigo e poderia usar o tempo extra para me
atualizar. Talvez até vá para a cama em uma hora decente, — diz ela,
dando-me um meio sorriso.

Minha boca se abre. Acabei de dizer a ela que finalmente tínhamos


algumas horas para nós, e ela quer voltar para o hotel e trabalhar?

— Tem certeza de que está bem? Você sabe que pode falar
comigo, certo? — Ela me dá um tapinha de brincadeira com a toalha, mas
o sorriso delanão alcança seus olhos. — Eu disse que estou bem. Agora, vá
brincar com as meninas enquanto eu termino de limpar isso.

Uma batida soa na porta então, e eu sei que é minha mãe. — Nós
não terminamos com esta conversa, — eu a informo antesindo para deixar
minha mãe entrar.

Demora cinco minutos para fazer as meninas saírem pela


porta. Depois que ela disse as palavras sorvete, Ellie e Gracie correram
para o armário do corredor para pegar suas jaquetas e fugiram pela porta
da frente. Quando volto para a cozinha, fico surpreso ao ver Kate com a
bolsa pendurada no ombro e as chaves do carro alugado na mão.

— Você está indo?

Seus olhos caem para o chão entre nós, seus lábios se definindo
em uma linha de culpa.

Ela estava tentando sair enquanto minha mãe estava aqui, porque
ela sabia que eu não faria uma cena na frente dela e das meninas.

— O que está acontecendo aqui, Kate? Fiz algo errado? —


Lágrimas caem em seus olhos, as luzes da cozinha brilhando nelas. Mas
aindaela não olha para mim.
— Não, claro que não. Você não tem sido nada além de gentil
comigo.

Eu cruzo a sala em duas longas passadas, pegando seu rosto em


minhas mãos e inclinando-o para trás até que ela seja forçada a me olhar
nos olhos.

— Então por que você não olha para mim? Por que você se afasta
toda vez que tento tocar em você?

Ela balança a cabeça. — Não seja bobo, eu não estive...

Eu puxo seu corpo contra o meu, sentindo-a enrijecer em meus


braços, em vez de afundar em mim como ela havia feito apenas alguns
dias antes.

— Como você chama isso então? Parece que você prefere estar em
qualquer outro lugar do mundo agora do que aqui comigo, — eu digo,
deixando-a ir e dando um passo para trás. Pode me matar fazer isso, mas
não vou forçá-la a um contato que ela não queira.

— Diga-me o que eu fiz de errado para que eu possa consertar


isso, — eu imploro.

— Você não...

— Isso é besteira! — Eu grito, minha mão se esticando e batendo


em uma pilha de correspondência, espalhando-a no chão.

Ela estremece com a minha explosão, e eu me arrependo


imediatamente. Dou um passo em sua direção, querendo confortá-la, mas
paro antes que eu possa tocá-la, lembrando o que desencadeou tudo isso
em primeiro lugar.
— Por favor, fale comigo, Kate, — eu sussurro, odiando o quão
desesperado eu pareço, até mesmo para meus próprios ouvidos. Mas não
consigo parar, não consigo parar de implorar para que ela fale comigo
porque não posso perdê-la. Meu coração não sobreviveria.

— Como... — ela começa, sua voz frágil e quebrada. Só então eu


percebo que as lágrimas que estavam nadando em seus olhos
transbordaram, deixando rastros de umidade em seu rastro.

— Como o quê, baby? Por favor, diga.

— Como posso saber se você olha para mim e não a vê? — ela
finalmente diz, dissolvendo-se em soluços assim que a última palavra sai
de seus lábios.

Desta vez, não me importo em dar espaço a ela. Corro para ela
enquanto ela se dobra sobre si mesma, puxando-a em meus braços e
querendo protegê-la de sua dor. Eu a levo até uma cadeira, colocando
mais de seu peso em mim do que em seus próprios pés. Assim que a
sento, ajoelho-me na frente dela, mais uma vez tomando seu rosto em
minhas mãos.

— Como você pode pensar isso?

Ela funga. — Bem, você foi casado com ela por dez anos, para
começar. Não faz sentido você seguir em frente tão rapidamente. A
menos que... eu te lembre ela.

Eu balancei minha cabeça. — Você não é nada como Felicity. Claro,


você pode se parecer um pouco com ela. Mas é aí que as semelhanças
terminam.
Ela me dá uma risada sem humor. — Como você pode dizer
isso? Você não me conhece bem o suficiente para saber como eu
realmente sou.

Eu aperto meu rosto em seu rosto, virando-a para me encarar mais


uma vez. — Isso é uma mentira maldita, e você sabe disso. Posso não te
conhecer tanto quanto conhecia Felicity. Mas eu conheço você, Kate
Mitchell. Eu te conheço desde aquela primeira noite que você passou aqui
no sofá da minha sala, minhas garotas no seu colo, um sorriso no rosto
enquanto você as regalava com contos de sua mãe. Contos de uma
mulher que nunca te tratou com justiça.

Ela tenta me afastar. — Não, você não deveria dizer isso. Eu vim
aqui e envenenei sua mente contra uma mulher que você amava. Você
nunca teria pensado essas coisas sobre ela se não fosse por mim. — Eu
largo seu rosto e movo para seus braços. — Existemcoisas sobre Felicity e
eu que você não sabe.

Outra risada sardônica. — Sim, eu diria que há algumas delas. Mas


se você não se importar, prefiro não ouvir os detalhes. — Ela levanta os
braços e me solta, empurrando a cadeira para trás enquanto tenta se
levantar.

— Ela me traiu! — Eu grito, empurrando-a de volta para seu


assento. Toda a luta em seu corpo evapora com minhas palavras, e ela
afunda de boa vontade.

— O-o quê?

Eu concordo. — Eu não queria te dizer. Não contei a ninguém além


de Aara. Mas nosso relacionamento acabou, mesmo antes de sua morte.
— E- eu não entendo, — ela gagueja, seus olhos procurando
freneticamente os meus por algum tipo de explicação.

Eu me levanto e estendo minha mão. — Vamos para a sala de


estar. Esta é uma longa conversa e meu joelho está me matando.

Seus olhos se arregalam quando ela percebe que estou ajoelhado


na minha prótese. Pulando de pé, ela me puxa com as duas mãos antes de
me ajudar a ir para o sofá. É adorável, considerando que eu peso mais do
que ela em cem quilos.

Eu a deixo pensar que está me ajudando, porém, mais do que feliz


em saborear o contato que não sinto há dias.

Depois que ela me colocou sentado e minha perna apoiada na


mesa diante de mim - desnecessário, mas apreciado da mesma forma -
ela se sentaao meu lado, seu corpo se virou em direção ao meu, seu braço
apoiado no encosto do sofá enquanto sua perna direita se enrosca
embaixo dela.

Eu expiro lentamente, odiando ter que dizer isso a ela, mas


sabendo que é a única maneira que ela vai entender.

— Alguns dias antes da morte de Felicity, ela me fez sentar ali


mesmo naquela cozinha. Ela me disse que se apaixonou por outra pessoa
e que queria o divórcio.

Kate respira fundo. — Você tem alguma ideia?

Eu balancei minha cabeça. — Honestamente? Não. E olhando para


trás, não posso acreditar que fui tão cego. As coisas não iam bem entre
nós dois há muito tempo. Nunca conversamos. Nunca passamos um
tempo juntos que não envolvesse fazer algo com as meninas. Estávamos
apenas seguindo os procedimentos. Mas mesmo com tudo isso, nunca me
ocorreu ser infiel. Felicity aparentemente não tinha os mesmos
escrúpulos.

— Você sabe quem era? O outro homem, quero dizer?

Eu balancei minha cabeça. — Não, e eu não quero saber. No


começo, pensei que sim. E quando soube que havia um homem no carro
com ela quando ela morreu...

— Havia? — ela engasga.

Eu dou a ela um aceno solene. — Sim. Ele saiu com ferimentos


leves que foram tratados no local. Só posso presumir que deve ter sido o
homem com quem ela estava dormindo. Caso contrário, por que ele iria
embora, sabe?

Ela se estica e aperta minha mão. — Eu sinto muito, Shane. Deve


ter sido muito difícil para você.

— É exatamente isso, no entanto. Eu estava com raiva,


sim. Furioso, até. Mas então eu te conheci, e tudo meio que... fez sentido.

Ela faz uma careta. — Você me conheceu e trair fazia sentido?

— Não, — eu digo rapidamente. — Isso não foi o que eu quis


dizer. É só... como posso invejar Felicity por encontrar alguém que a fez
sentir o mesmo que eu sinto por você? Porra, eu não poderia nem dizer a
última vez que qualquer um de nós proferiu as palavras 'eu te amo' um
para o outro. Ela merecia mais do que isso. Eu também.
Sua testa franze ainda mais. — Então você não está bravo com ela
por traí-lo?

Eu encolho os ombros. — Quero dizer, sim. Eu gostaria que ela


tivesse terminado comigo antes de encontrar outra pessoa. Mas nós dois
éramos infelizes. Não posso culpá-la por querer encontrar um pouco de
alegria.

— Você é uma pessoa melhor do que eu, Shane Dempsey, — ela


diz, soltando um suspiro enquanto me encara com admiração.

— Nah, — eu digo. — É por sua causa que sou capaz de ver as


coisas da maneira que vejo. Sem você, provavelmente ainda estaria
morando em minha raiva, fervendo em meu ressentimento. Achei que
tinha perdido minha fé no amor no dia em que Felicity me sentou e disse
que estava indo embora. Mas então você entrou na minha vida e tudo
mudou.

Ela sorri suavemente para mim, e eu alcanço e acaricio o polegar


em sua bochecha.

— Sem fé para com os fiéis, tudo por sua causa, — eu digo,


inclinando-me e pressionando um beijo em seus lábios.

Seus lábios são suaves e flexíveis sob os meus, e eu sei que com
aquele beijo simples eu tenho minha Kate de volta. Quaisquer
preocupações e dúvidas que ela experimentou nos últimos dias parecem
ter sido aliviadas agora que ela sabe a verdade sobre meu relacionamento
com Felicity.
Ela me puxa com ela enquanto se inclina para trás no sofá, seus
lábios nunca deixando os meus. E enquanto ela lentamente levanta minha
camisa sobre a minha cabeça, eu mando um agradecimento silencioso
para o grande homem lá em cima, um homem que eu não tinha certeza se
existia até recentemente.

Eu não tinha fé no amor e nem em Deus antes de Kate aparecer


em minha vida. Mas não havia nenhuma dúvida em minha mente agora.

Tinha que haver um poder superior em ação para trazer alguém


tão perfeito quanto ela para minha vida.

Estou muito feliz que ele me escolheu para ela.

Eu me afasto por um momento, olhando para a bela mulher abaixo


de mim, suas bochechas coradas, seus lábios inchados do meu beijo.

— Eu te amo, — eu digo antes de mergulhar minha cabeça e


reivindicar sua boca com a minha.

Ela não diz isso de volta, mas ela não precisa. Porque enquanto ela
faz amor comigo naquele sofá, seu corpo diz tudo que suas palavras não
conseguem.

Kate Mitchell me ama tanto quanto eu a amo. E eu serei


amaldiçoado se eu deixar algo entrar em nosso caminho.
CAPÍTULO DEZESSEIS

Kate

Eu bato na porta da frente, estendendo a mão e testando a


maçaneta quando nenhuma resposta vem. Encontrando-a destrancada,
eu a empurro e dou um passo hesitante para dentro, com cuidado para
não deixar cair nosso jantar no processo.

— Olá? — Eu digo, surpresa ao ouvir o quão silencioso está dentro


da casa dos Dempsey. Os sons usuais da televisão, iPads e duas garotinhas
indisciplinadas cujo entusiasmo pela vida pode ser totalmente
ensurdecedor às vezes, não estão em lugar nenhum.

Seria uma ocorrência estranha mesmo em um dia normal. Mas


hoje é o Halloween. Eu esperava ter que ajudar Shane a arrancar Gracie e
Ellie das paredes antes de levá-las para pegar doces ou travessuras.

— Tem alguém em casa? — Grito de novo, me perguntando se


talvez não os tenha visto. Shane tirou a tarde de folga do trabalho para
poder ir à festa de Halloween da classe da Gracie, então foi ele quem
trouxe ela e Ellie para casa hoje. Achei que o plano era me encontrar
às quatro e meia para um jantar rápido de pizza e breadsticks antes de sair
para uma noite de coleta de doces, mas talvez eu tenha me enganado.

Mas então o som da voz baixa de Shane ressoa no andar de cima,


me alertando sobre o paradeiro deles. Eu faço um desvio rápido para a
cozinha para deixar a comida antes de rastejar em direção às escadas.
Hesito brevemente, sem saber como proceder. Dois dias atrás,
Shane tinha me dito que me amava, e apesar do quão desesperada eu
estava para dizer isso de volta, para dizer a ele o quanto ele passou a
significar para mim em tão pouco tempo, eu não tinha conseguido. As
palavras estavam bem na ponta da minha língua, mas algo as segurou.

Ouvir sobre o estado do casamento dele e de Felicity deveria ter


me deixado à vontade. Saber que ele não estava ansiando por ela, não
estava tentando entorpecer a dor de sua morte por estar comigo, deveria
ter me feito sentir um milhão de vezes melhor.

Mas as coisas raramente saem como deveriam.

Saber que Felicity e Shane não eram felizes só aumentou meus


medos. Porque mesmo nas poucas semanas que o conheço, aprendi algo
sobre Shane.

Ele está comprometido.

Comprometido com suas garotas. Comprometido com seu


trabalho. Inferno, não tenho dúvidas de que, se a Marinha o chamasse
agora e o chamasse de volta ao trabalho, ele nem hesitaria. Ele é o tipo de
cara que vê as coisas mais à frente.

Sempre.

Então, como esse tipo de homem poderia ficar bem com a


dissolução de seu casamento?

Sou apenas uma forma de ele tentar corrigir uma falha? Não há
como ele se reconciliar com Felicity. Ele me vê como uma forma de
consertar seus erros?
Eu sei que ele nunca me machucou intencionalmente. E eu sei que
ele acredita que realmente me ama. Mas subconscientemente?

Será que ele vai acordar um dia, talvez daqui a um mês... um ano...
talvez até uma década... e perceber que tudo isso foi um erro? Ele vai
perceber de repente que nunca me amou - apenas a ideia do que eu
represento?

Eu sei que estou sendo ridícula. Que se eu o amasse, confiaria que


ele não me machucaria.

Mas saber algo e realmente agir de acordo são duas coisas


totalmente diferentes.

Por enquanto, decidi dar um passo de cada vez. Não vou terminar
as coisas porque, apesar de minhas dúvidas, eu realmente o amo. E Gracie
e Ellie... Não consigo imaginar voltar a uma vida sem as duas nela.

Mas não vou arriscar tudo. Eu preciso proteger meu coração, para
que se finalmente chegar o dia em que Shane perceba que tudo isso é
apenas uma farsa, eu possa ser capaz de ir embora com um pequeno
fragmento dele ainda intacto.

Mas quando ouço a voz profunda de Shane murmurar algo para


sua filha, ouço seu tom gentil enquanto ela murmura sua resposta, eu sei
que é uma causa perdida. As chances de eu escapar disso com até mesmo
uma lasca do meu coração são inexistentes. Porque as três pessoas que
vivem dentro dessas paredes já possuem cada centímetro quadrado dela.
Eu paro no limiar do quarto de Gracie, percebendo que os sons
que estou ouvindo são seus gritos suaves. Eu espio dentro, não querendo
me inserir em uma situação onde não sou desejada.

Gracie se senta no meio de sua cama, sua cabeça aninhada nos


braços de Shane enquanto ela soluça, Ellie a abraçando pela cintura. Meu
coração quebra um pouco com a visão, com o amor e a ternura fluindo de
Shane e Ellie para a pequena Gracie.

— Está tudo bem, Gracie Belle. Está tudo bem, — Shane acalma,
inclinando-se para dar um beijo em sua testa. Sua grande mão se levanta
para enxugar suas lágrimas. — Mamãe está sempre cuidando de você.

— Ela deveria ser a fada madrinha! — Gracie chora. — Eu deveria


ser Cinderela e mamãe era minha fada madrinha! Ela deveria me
transformar em uma princesa!

Shane afasta o cabelo do rosto dela. — Eu sei, querida. Eu sei. Mas


talvez quando Kate chegar aqui...

— Não! — ela grita, afastando-se dele e jogando o rosto no


travesseiro. Ela continua falando, mas não consigo distinguir suas palavras
abafadas de onde estou.

Shane deve, entretanto, porque seus ombros caem.

— Não, você está certa. Isso era para você e para a mamãe. Sinto
muito, Gracie.

Ao som de suas palavras, de repente me sinto uma intrusa. Eu não


deveria estar aqui.
Não aqui, neste momento, testemunhando este momento de
partir o coração entre um pai e suas filhas.

E não aqui, nesta casa, com as pessoas que minha irmã tanto
amava.

E quem obviamente a ama e sente falta dela.

Eu me viro, tentando fugir lentamente antes que eles sequer


saibam que estou aqui.

Vou mandar uma mensagem para Shane e dizer a ele que algo
surgiu. Dizer a ele para levar as meninas para docura ou travessuras sem
mim, eu acho. E então, tentarei descobrir o que diabos vou fazer.

Mas quando meu pé desce naquele primeiro degrau, o chão range


e eu sei que fui pega.

— Tia Kate! — Ellie grita, liberando seu aperto em sua irmã e


pulando da cama, suas asas de borboleta chicoteando atrás dela enquanto
ela corre.

Ela quase me desequilibra quando bate em minhas pernas, meus


pensamentos distraídos demoram um pouco para acompanhar o que está
acontecendo. Eu estendo o braço para me firmar antes de abrir um
sorriso.

— Oi, meninas! — Eu digo, minhas palavras soando um milhão de


vezes mais alegres do que eu me sinto. — Eu trouxe pizza!

Gracie se senta e enxuga o rosto, me olhando com cautela. Eu


posso dizer que ela está tentando avaliar o quanto da conversa deles eu
ouvi, então de alguma forma consigo alargar meu sorriso ainda mais,
sentindo os músculos de minhas bochechas protestarem com o
estiramento.

— Eu peguei a sua favorita, Gracie. Pepperoni e azeitonas pretas,


com queijo extra.

Isso parece animá-la um pouco, seus olhos brilhando quando


encontram os meus.

— Você comprou baguetes de queijo também?

Eu levo minha mão ao peito. — Ora, Gracie Lou. Você está


sugerindo que eu esqueceria a melhor parte da noite da pizza?

Ela ri enquanto se levanta da cama. Depois de dar a Shane um


último olhar e um sutil aceno de cabeça, ela cruzou a sala e me abraçou
pela cintura.

— Estou feliz que você esteja aqui, tia Kate. Eu gosto da sua
fantasia de bruxa.

Eu olho para o meu vestido preto, meia-calça listrada verde e preta


e botas de cano alto. Se não fosse pelo chapéu pontudo na minha cabeça,
provavelmente eu pareceria uma pessoa normal que por acaso tem um
gosto por roupas de perna estampadas. Não é bem uma fantasia, mas a
expressão no rosto de Gracie enquanto ela me encara me faz sentir como
um milhão de dólares.

— Obrigada, Gracie. Eu gosto da sua fantasia também.

Seu vestido azul está amarrotado e desequilibrado, mas ela ainda é


a Cinderela mais bonita que já vi.
Ela sai da sala então, pegando Ellie pela mão e descendo as
escadas. Eu dou a Shane um olhar de desculpas. Eu sei que ele sabe que
ouvi pelo menos parte disso, e não quero que ele pense que eu estava
bisbilhotando.

— Eu sinto muito, Shane, — eu começo, meus olhos caindo para o


chão entrenós.

Ele se levantou da cama e me puxou para seus braços em um


instante. — Não há nada para se desculpar.

— Eu não deveria ter interrompido...

Ele balança a cabeça. — Você não fez nada errado. Gracie estava
apenas chateada, só isso. Ela sente falta de Felicity, especialmente em dias
como hoje. Halloween sempre foi o tipo de coisa delas.

— Ouvi. Cinderela e sua fada madrinha.

— Sim. Elas sempre se vestiam com fantasias temáticas, desde que


Gracie tinha idade suficiente para se lembrar. Eu nem pensei em
perguntar de antemão se você gostaria de intervir...

Eu levanto a mão. — Não, Shane. Não quero jamais tentar


substituir as memórias que elas têm por sua mãe. Foi errado até mesmo
sugerir isso para Gracie.

Ele acena com a cabeça, deixando escapar um suspiro confuso. —


Eu sei. Eu simplesmente não sei o que fazer. Eu odeio ver ela sofrendo. Eu
faria qualquer coisa para fazer isso desaparecer.

Qualquer coisa. Como começar um relacionamento com a única


mulher que pode ser mais parecida com Felicity?
Gracie grita lá embaixo, me salvando de ter que responder à sua
declaração.

— Estou morrendo de fome! — ela grita, sua angústia de apenas


alguns momentos atrás claramente já esquecida.

Shane me dá um sorriso de lado. — Você está pronta para ir para


travessuras ou gostosura?

Eu pressiono minha testa contra seu peito, inalando o cheiro de


sua colônia. Não tenho certeza do porquê, mas algo me diz para saborear
este momento. Para imprimir o cheiro dele, a sensação de seu corpo
contra o meu, em minha memória.

— Papai! — Gracie grita novamente. Eu forço um sorriso no meu


rosto.

— Pronta como sempre estarei. Vamos, é melhor descermos antes


que ela comece a roer a caixa.

Shane pega minha mão e me leva para baixo.

Só mais tarde eu percebi que era a última vez que eu estaria


naquela casa novamente.
CAPÍTULO DEZESSETE

Shane

Empurrando a porta da sala de descanso, eu caminho para dentro,


indo direto para a cafeteira e minha terceira xícara de café. Toda
aquela travessura ou gostosurra numa noite de trabalho é para os
pássaros. No momento em tirei as garotas de suas fantasias, banhadas e
prontas para dormirem, eram quase onze da noite.

Não que isso importasse muito. Eu passei o resto da noite agitado


e me virando de qualquer maneira, preocupado com Kate.

Eu não queria que ela soubesse como Gracie ficou chateada por
Felicity não estar lá no Halloween. Não invejei minha filha por sua
tristeza. Ela tinha o direito de sofrer. Ela tinha o direito de sentir falta de
sua mãe. Mas ainda. Eu esperava ter amenizado quando Kate chegasse.

Não tive essa sorte.

Depois de ouvir a conversa com minha filha, Kate agiu... desligada


pelo resto da noite. Sempre que as meninas se divertiam e faziam algo
engraçado no caminho de uma casa para a outra, as risadas de Kate
sempre chegavam um segundo tarde demais, como se seus pensamentos
estivessem em qualquer lugar, menos ali conosco naquela rua. Eu
esperava poder falar com ela sobre isso quando voltássemos para a minha
casa, para ajudá-la a superar o que quer que a estivesse incomodando de
forma tão óbvia. Mas ela implorou assim que colocamos os pés no
gramado da frente. Algo sobre um artigo que ela teve que escrever para o
trabalho. Eu realmente não sei, porque ela saiu antes que eu pudesse
fazer qualquer pergunta.

Sei que não deve ter sido fácil para Kate ouvir minha filha chorar
pela mulher que um dia foi tão cruel com ela. Mas Kate nunca pareceu se
importar em falar sobre Felicity antes. Houve até ocasiões nas últimas
semanas em que ela começou, contando-nos tudo sobre alguma memória
de Felicity que ela acabara de lembrar.

Então, o que mudou? Teria sido o óbvio desagrado de Gracie


quando eu insinuei que Kate estava pegando a fantasia de Lissy?

Olhando para trás, posso ver como essa sugestão pode ter sido
tola. Não me ocorreu que Gracie ou Kate pudessem perceber que eu
estava sugerindo que Kate pudesse tomar o lugar de Felicity. Eu sei que
não é isso que Kate quer. Inferno, não é o que eu quero.

Quero que minhas filhas se lembrem e amem sua mãe pela mulher
maravilhosa que ela foi. É por isso que sou tão obstinado por ninguém
descobrir sobre o caso dela. Nunca quero que minhas filhas pensem em
sua mãe como algo menos do que perfeita. Elas merecem ter as memórias
dela imaculadas.

Minha conversa com Kate da outra noite se repete na minha


cabeça.

— Como posso saber se você olha para mim e não a vê?

Kate tinha pensado que eu só queria estar com ela porque ela se
parecia com minha esposa. Que de uma forma estranha e distorcida, eu
estava tentando substituir o que havia perdido com ela.
Ela achava que eu estava tentando fazer a mesma coisa com ela e
minhas garotas?

Pensei em deixar tudo de lado depois de contar a ela a verdade


sobre Felicity e eu. Achei que ela entendeu que eu não me importava com
sua aparência. Quem era sua família. Tudo o que importava era ela.

Mas talvez eu não tenha sido suficientemente claro.

Levo a xícara de café aos lábios enquanto pondero como vou


chegar até ela. Para convencê-la de que ela é o que eu quero. Não o que
ela pode representar.

A porta se abre novamente e Cody Brown entra. Ele se assusta


quando me vê, e se eu não soubesse melhor, diria que a ideia de dar meia-
volta e sair andando passa por sua cabeça. Eu levanto minha xícara para
ele em saudação, colocando um sorriso amigável.

— Ei, Cody. Como tá indo?

Ele hesita por mais um segundo antes de grunhir uma resposta,


cruzando a sala e abrindo o armário à minha esquerda. Depois de pegar
uma caneca e se servir de uma xícara de café, ele se vira e se inclina
contra o balcão, seus olhos olhando para todos os lugares, exceto para
mim.

Cody está na Cole Security há pouco mais de um ano. Nesse


tempo, eu falei talvez uma dúzia de palavras para o cara. Ele é alguns anos
mais novo do que eu e, ao contrário da maioria dos caras que trabalham
aqui, ele não é ex-militar. Na verdade, não tenho certeza de qual é sua
formação. Mas eu sei que ele é um olho morto com uma arma e pode
jogar no ringue como o maldito Muhammed Ali. Todas essas outras coisas
nunca me pareceram muito importantes, eu acho.

Mas agora, vendo o quão desconfortável ele está por estar aqui
sozinho comigo, lamento não ter tido tempo para conhecê-lo. Os caras
aqui na Cole Security são minha casa longe de casa, as pessoas a quem
posso recorrer quando precisar de um descanso da realidade de criar duas
garotinhas mal-humoradas. Isso deve incluir todos aqui.

Virando-me para encará-lo, inclino o quadril contra o balcão e


tomo um gole do meu café. — Então, Cody. Acabei de perceber que
trabalhamos juntos há um ano e realmente não sei nada sobre você. O
que você acha de pegarmos uma cerveja algum dia?

Seus olhos se estreitam enquanto ele levanta seu olhar para o


meu, a desconfiança clara em cada centímetro de seu rosto.

Eu levanto minha mão vazia em inocência. — Não se


preocupe. Não sou um serial killer enrustido nem nada. E eu prometo não
te enrolar e amarrá-lo a um poste no porão... a menos que você goste
desse tipo de coisa...— brinco, sorrindo para ele e balançando as
sobrancelhas.

Cody não parece nem um pouco divertido com minha tentativa de


humor, seus olhos me fixando com um olhar duro. Eu tusso levemente,
limpando minha garganta e desviando meus olhos dos dele.

O cara precisa seriamente se iluminar.

— Estou ocupado, — diz ele, afastando-se do balcão e indo em


direção à porta.
— Oh, bem... eu não disse exatamente em que dia...

Ele se vira e me dá uma olhada de avaliação. — Como eu


disse. Ocupado.

Com isso, ele abre a porta e volta para seu escritório.

Oh, certo. Lá se foi essa ideia.

Não tenho tempo para pensar em sua reação ao meu convite por
muito tempo, porém, meu telefone tocando no meu bolso me puxando
dos meus pensamentos.

O nome de Debbie pisca na tela quando eu o agarro, e eu


brevemente debato enviá-la para o correio de voz. Mas, já se passaram
quase três dias inteiros desde seu último telefonema - ela pensou
aleatoriamente em alguma outra bugiganga de Felicity que ela tinha que
ter quase uma da manhã no fim de semana passado - então eu decido dar
uma folga a ela.

Além disso, se eu não atender, ela vai ligar de volta de qualquer


maneira.

Passando o polegar pela tela, pressiono o telefone no ouvido.

— Ei, Debbie. Como você está...

— É verdade? — Sua voz sai em uma respiração áspera, ácido


derramando de seu tom.

Minha testa franze.

O que diabos ela está falando agora?


— Desculpe, Debbie, mas você vai ter que me dar um pouco mais
para continuar do que isso. O que é verdade?

Ela solta uma risada. — Oh, por favor. Não se faça de bobo comigo,
Shane Dempsey. Você sabe exatamente do que estou falando.

Lembro-me da última vez que ouvi tanta raiva na voz da minha


sogra: o dia em que liguei para contar a ela sobre o acidente de
Felicity. Ela negou tanto ao ouvir sobre a morte de sua filha, que insistiu
que eu estava mentindo sobre isso. Que tudo era uma brincadeira cruel
que eu planejei para ver o quanto eu poderia perturbá-la.

Ouvindo agora...

— Debbie, sinto muito. Mas eu realmente não tenho ideia do


que você...

— Kate! — ela grita ao telefone. — É verdade que você está saindo


com aquela garota?

Aquela garota.

O ódio com que ela cospe aquelas duas palavras, palavras em


referência à sua própria filha, me confunde completamente.

Como essa mulher pôde amar uma de suas filhas com tanta força,
odiando a outra com igual intensidade o tempo todo?

Gracie e Ellie vêm à tona em minha mente. Amo coisas diferentes


sobre cada uma delas, amo cada uma à sua maneira, por todas as suas
características diferentes. Mas há uma coisa da qual tenho certeza.

Amo cada uma das minhas filhas de todo o coração. No dia em que
cada uma dessas meninas nasceu, um pedaço da minha alma foi amarrado
a elas. Não consigo me imaginar amando qualquer uma delas com nada
menos do que todo o meu ser. E o fato de que essa mulher...

— Olha, Debbie. Eu não sei o que você ouviu...

— Ouvi dizer que ela saiu com as garotas para doces ou


travessuras ontem à noite.

Minha boca se abre. — Como você poderia saber disso?

Ela zomba. — Você realmente não achou que ninguém se


lembraria dela antes de ela ir embora, não é? Um de nossos vizinhos tem
um filho quemora na sua vizinhança. Ao contrário de você, eles
convidaram os avós ontem à noite. Eles viram você - e as meninas -
com ela.

Eu solto um suspiro exasperado, colocando minha caneca no


balcão e esfregando a mão na minha testa. Kate não quer que seus pais
saibam que ela está aqui. E ela certamente não quer que eles saibam
sobre nós.

Uma dessas duas coisas que não consigo mais controlar. Mas
talvez…

— Não é o que você pensa, — eu começo, mas o grunhido baixo


que ela faz assim que as palavras deixam meus lábios me diz que ela não
acredita em mim.

— Eles viram você de mãos dadas, Shane! Como você pôde fazer
isso com ela? Como você pôde fazer isso com a minha Lissy? Nem mesmo
dois meses, Shane! Ela nem se foi há dois meses! Você não pode...
— Debbie! — Eu grito ao telefone, interrompendo seu discurso. Ela
para, um suspiro chocado escapando de seus lábios. Provavelmente
porque esta é a primeira vez em mais de uma década que a conheço que
levantei minha voz para ela.

— Debbie, — eu repito, baixando meu tom desta vez, mas ainda


mantendo minha voz firme. Não quero aborrecê-la ainda mais, mas
também preciso que ela saiba que não vou apenas ficar aqui parado e
deixá-la gritar comigo sem dizer o que quero dizer. — Sim, é verdade. Kate
está aqui na cidade desde o dia do funeral de Felicity.

— O quê? — ela grita. — Você a convidou para o memorial da


minha menina?

— Não, — eu afirmo, retomando o controle da conversa. — Eu


honrei seus desejos e nem mesmo informei Kate sobre o falecimento de
Felicity. Minha irmã...

— Aquela sua irmã sempre foi um problema, — ela greceja, e


posso praticamente ver o olhar crítico em seu rosto. Debbie nunca foi a
maior fã de Aarabelle - provavelmente porque nas poucas vezes que elas
tiveram que estar na presença uma da outra, Aara nunca recuou e deixou
Debbie pisar nela. Debbie tem um jeito de fazer com que todos na sala se
sintam sem importância, especialmente em comparação com sua filha. E
Aara nunca aceitou isso. Sua tenacidade e teimosia é uma das coisas que
mais amo em minha irmã. Ela é como nossa mãe.

— Cuidado, Debbie, — advirto. — Você não quer ir lá comigo.

Ela faz um pequeno som de hmph em sua garganta, mas eu sei que
ela não vai dizer mais nada sobre Aarabelle. Kate, por outro lado...
— Aara convidou Kate para o memorial sem meu
conhecimento. Mas devo dizer que estou feliz por ela ter feito isso. Ela
merecia dizer adeus à irmã.

— Se ela se importasse um grama com sua irmã, ela não a teria


tratado tão mal quanto ela fez! — Ela grita, seu temperamento mais uma
vez queimando.

— Se você se importasse um grama com sua filha mais nova,


saberia que ela não é nem de perto o monstro que você a faz parecer.

— Você não a conhece, Shane. Isso é o que ela faz. Ela engana
todo mundo...

— Não, Debbie. Eu não vou apenas sentar e deixar você falar mal
dela. Porque eu a conheço. Eu sei o quão incrível ela é. E como é amorosa
e atenciosa. Como ela é devotada àqueles ao seu redor. E eu sei com
certeza o quanto ela amava Felicity.

Ela ri loucamente ao telefone. — Você acha que a conhece,


Shane. Mas você não conhece. Na verdade. Você não tem ideia de como
ela é manipuladora e vil. Você caiu na armadilha dela.

— É o bastante. Essa conversa acabou. Você não tem ideia do que


está falando. E até que você possa crescer e começar a agir como uma
adulta madura sobre isso, então você não tem nada a ver com as minhas
filhas. Eu não quero que elas cresçam com tanto ódio em seus corações.

— Você não pode manter minhas netas longe de mim! — Ela


engasga, pânico avançando em seu tom pela primeira vez desde que
peguei o telefone. Ela aparentemente não pensou nessa conversa até o
fim. Não pensei em como eu poderia reagir.

Eu suspiro, beliscando a ponta do meu nariz. — Não quero te


afastar delas, Debbie. Você é a avó delas e elas te amam. Mas eu não vou
permitir que você vomite tanto ódio sobre a tia delas para elas. Então, se
isso for necessário...— Eu paro, deixando-a preencher o espaço em
branco.

— A tia delas, — ela zomba. — Você não quer que eu diga às


garotas coisas ruins - também conhecidas como a verdade -
sobre a tia delas. Mas você está bem em permitir que ela encha a cabeça
delas com mentiras sobre sua própria mãe.

Eu cerro meus dentes. — Kate não disse nada negativo sobre


Felicity em todo o tempo que ela esteve aqui. Não para mim, e
certamente não para minhas garotas. Na verdade, ela não fez nada além
de nos contar sobre os bons momentos que compartilharam, antes de
tudo dar errado.

Debbie fica em silêncio por um momento, e começo a me


perguntar se talvez tenha desligdao. Afasto o telefone do ouvido para
verificar a conexão. Ainda lá…

— Ela te contou sobre isso? — Debbie finalmente pergunta, sua


voz soando distante e fora de forma.

— Sim, — eu resmungo, satisfeito que algo que eu disse sobre Kate


finalmente parece estar chegando até ela.
— Eu quase me esqueci daqueles tempos. Eles parecem ter sido há
muito tempo, — ela diz distraidamente, claramente mais para si mesma
do que para mim.

— Kate não é uma pessoa ruim, — eu incito. — Eu acho que ela é


apenas mal compreendida.

É um monte de besteira e eu sei disso. Não há nada mal-entendido


sobre Kate Mitchell. Mas tentar fazer com que Debbie veja que ela é
simplesmente louca e tratava sua filha mais nova injustamente não vai dar
certo.

Debbie parece refletir sobre minhas palavras por um momento, e


um breve segundo de esperança passa pelo meu peito. Infelizmente, o
suspiro que ela solta o tira com a mesma rapidez.

— Você está errado, Shane. Ela pode ter enganado você, mas eu
conheço a verdadeira Kate. E se você quer o melhor para suas filhas, você
vai deixar essa garota o mais longe possível delas. Agora, antes que seja
tarde demais. — E com isso, ela desliga, deixando apenas o ar morto para
eudiscutir.

Eu quero ligar de volta. Para dizer a ela até que eu esteja com o
rosto azulado que mulher incrível - não uma garota, como ela sempre se
referia a ela - Kate é. Mas isso terá que esperar.

Os pais de Kate agora sabem que ela está de volta à cidade. E Kate
não tem ideia.

Eu preciso avisá-la.
CAPÍTULO DEZOITO

Kate

Minhas costas doem, meus ombros estão doloridos e meus dedos


parecem que acabaram de passar as últimas doze horas dominando as
obras de Beethoven, em vez de curvado sobre o teclado. Mas finalmente
está feito.

Não, não o artigo que atrasou quase um mês para Izzy. Ainda
tenho exatamente meia palavra digitada naquele documento. Eu voltei
para o meu quarto ontem à noite, depois de passar a noite com Shane e as
meninas, e tentei trabalhar. Eu sentei e olhei para aquela tela em branco,
digitando a primeira palavra e apagando-a repetidamente até quase
enlouquecer.

Mas bem no meio daquele último trabalho de retrocesso, eu tive


uma ideia. Uma ideia que tomou conta de meus pensamentos tão
completamente, eu imediatamente puxei um novo documento e comecei.

E agora, doze horas e uma noite sem dormir depois, as palavras


finais acabando de sair dos meus dedos, eu me inclino para trás na minha
cadeira e sorrio.

É uma história sem sentido. Uma que ninguém além de mim jamais
vai ler. Não vai ganhar nenhum prêmio ou promover minha carreira de
forma alguma. Mas é uma história da qual me orgulho mais do que
qualquer coisa que já fiz antes.

Porque é minha história.


Vinte mil palavras detalhando como me senti quando minha irmã e
meus pais me excluíram de suas vidas. Os anos que passei tentando me
comparar, tentando ser algo de que eles pudessem finalmente se
orgulhar. Eu estava tão desesperada para reconquistar o afeto deles que
não tinha sido capaz de ver o quão verdadeiramente infeliz eu estava.

Até conhecer Shane.

Shane tinha acordado uma parte de mim que eu não tinha


percebido que estava adormecida. A parte de mim que me viu como eu
realmente era, e não apenas o que eu queria ser. Por causa dele, eu senti
que talvez estivesse finalmente pronta para deixar o passado para trás e
seguir em frente.

E para fazer isso, eu precisava enfrentar tudo o que estava me


segurando.

Parte de mim deseja excluir este documento agora que ele foi
concluído. Outra parte deseja imprimir todas as páginas e depois jogá-las
no fogo. E ainda outra parte quer que eu o guarde. Para ser capaz de abri-
lo algum dia no futuro e lembrar exatamente como me sinto neste
momento.

Porque, pela primeira vez em mais de uma década, finalmente me


sinto livre. Afastando-me da mesa do hotel, me levanto, esticando os
braços sobre a cabeça e arqueando as costas. Meus olhos não deixam de
segurara tela, e eu torço meu nariz enquanto debato minhas opções.

Uma batida na porta me salva de ter que tomar uma decisão, pelo
menos temporariamente.
Eu tive a precaução de colocar a placa de não perturbe na porta
antes de chegar ao trabalho na noite passada, então eu sei que quem quer
que seja não pode ser o dono do hotel. Uma rápida olhada no relógio me
diz que não há como ser Shane e as meninas, porque às onze da manhã,
Shane ainda está no trabalho e ainda faltam algumas horas para eu pegar
Gracie e Ellie na escola.

Então, quem mais poderia estar batendo na minha porta no meio


do dia?

O rosto de Aarabelle surge em minha mente e um sorriso se forma


em meus lábios. Ela é a única pessoa que sabe que estou aqui e, embora
eu não tenha ideia do que a traria aqui esta manhã, deve ser quem é.

Eu rapidamente arrasto meus dedos pelo meu cabelo e olho para


minha camiseta desalinhada e calça de moletom. Definitivamente não vou
ganhar nenhum concurso de beleza, mas tenho certeza de que Aara não
vai se importar com minha aparência desgrenhada.

Pego uma bala de hortelã na cômoda do hotel e coloco na boca a


caminho da porta. Eu estava tão consumida em escrever minha história
que nem parei para escovar os dentes. Eu não precisava assustar minha
única amiga na cidade com meu bafo de dragão.

Eu sorrio enquanto abro a porta. — Ei, o que o traz... aqui...

Minhas palavras vacilam, a respiração escapando dos meus


pulmões enquanto eu observo a pessoa na minha porta.

Não Aarabelle.

Não Shane.
Nem mesmo uma governanta rebelde que decidiu que meus
lençóis eram mais importantes do que meu desejo de ser deixada sozinha.

Não, a pessoa parada na minha porta é a última pessoa que eu


esperava ver aqui.

Meu pai.

Seus olhos me examinam lentamente, seu rosto não cedendo nem


mesmo a uma pitada de emoção ao ver sua filha mais nova em mais de
dez anos. Meu estômago afunda e minha boca fica seca quando ele
finalmente encontra meu olhar, e meu coração acelera dentro do meu
peito.

— Kate, — ele finalmente diz, e é como um soco no estômago.

Há dez anos espero ouvir sua voz novamente. Há dez anos estou
morrendo de vontade de que ele me reconheça. E agora que ele está
aqui... é como se ele quisesse estar em qualquer outro lugar.

— O que você está fazendo aqui, pai? — Eu pergunto, orgulhosa


de como eu mantenho minha voz sem tremer, embora eu me sinta à beira
de quebrar. — A mamãe também está aqui? — Eu deixo escapar, um
medo frio correndo em minhas veias.

Porque por mais difícil que seja ver meu pai, ter que lidar com
minha mãe também...

— Não, — ele diz com um leve aceno de cabeça, e eu respiro um


pouco mais fácil. Meu relacionamento com meu pai nunca foi ótimo. Mas
foi muito acima do que eu tive com minha mãe. Mesmo quando as coisas
estavam “boas”, mesmo quando Felicity e eu ainda éramos próximas, o
relacionamento meu com minha mãe sempre foi tenso. Quando as coisas
começaram a mudar entre mim e minha irmã, foi como se isso finalmente
tivesse dado a minha mãe a desculpa de que ela precisava para finalmente
mostrar seus verdadeiros sentimentos. Que ela nunca me quis. Que eu
não era nada além de um incômodo em sua vida perfeita.

— O que você está fazendo aqui? — Repito, deslocando um pouco


do meu peso contra a porta porque de repente não confio nas minhas
pernas para me segurar.

Isso tudo é demais. Ele nem deveria saber que estou aqui.

— Eu poderia te fazer a mesma pergunta, — ele rosna. — O que


você estava pensando, Kate, aparecendo aqui depois de todos esses anos?

Minha boca se abre enquanto sua pergunta passa por mim. —Eu...
você... Felicity morreu, pai. Você realmente achou que eu não gostaria de
dizer adeus?

Ele encolhe os ombros. — Você não se incomodou em dizer isso


antes de sair. Por que isso mudaria agora?

A fúria corre em minhas veias. — Com licença? Vocês nem me


deram a chance de dizer adeus. Não se atreva a vir aqui e agir como se
tudo isso fosse culpa minha.

Raiva pisca nos olhos do meu pai, mas em vez de desencadear, ele
solta um suspiro de frustração.

— Olha, Kate. Não vim aqui para discutir com você.

— Então por que você veio aqui?

— Para dizer que você precisa ir embora.


Uma risada foge de meus lábios. —Certo. Porque vou ouvir
você. Novidade, Pai. Eu não sou mais uma garotinha. Posso tomar minhas
próprias decisões.

— Você não pertence aqui, Kate. Você sabe disso tão bem quanto
eu. Você fez uma boa vida em Chicago. Volte e deixe a família da sua irmã
em paz.

A surpresa floresce dentro de mim quando ele menciona minha


vida em Chicago. Ele estava me vigiando? Mas antes que eu possa abrir
minha boca para perguntar, o resto de sua declaração é registrado.

Deixe a família da sua irmã em paz.

Ele sabe.

Ele sabe que tenho saído com Shane. Que estou passando um
tempo com Gracie e Ellie.

Claro que ele sabe.

Por que mais ele estaria aqui?

Mesmo na morte, ele e minha mãe sempre a escolherão.

— Eu não sei o que você quer dizer, — eu digo com os dentes


cerrados. Minha mente parece presa entre essa estranha sensação de
tristeza e raiva, e não tenho certeza se estou a dois segundos de gritar na
cara dele ou desmoronar completamente. Prefiro não descobrir.

Meu pai me lança um olhar cáustico. —Abandone o ato inocente,


Kate. Nós sabemos o que você tem feito. Sua mãe estava fora de si
quando os Stinsons ligaram para dizer que viram você com Shane e as
meninas na noite passada. Levei tudo que eu tinha para convencê-la a não
dirigir direto para a casa dele e confrontar vocês dois sobre isso.

Os Stinsons. Lembro-me vagamente do casal que morava na


mesma rua da nossa quando eu era criança. Eles tiveram um filho há
alguns anosmais jovem do que eu, mas nunca fomos mais do que
conhecidos casuais. Ele, como todo mundo naquela época, tinha se
apaixonado por minha irmã.

Como eles me viram? Eu não tinha estado perto da casa dos meus
pais. Eu não coloquei os pés em um raio de oito quilômetros de sua casa
desde que voltei.

É uma pergunta sem sentido, é claro. O como disso não


importa. Tudo o que importa é que meus pais agora sabem que estou
aqui. Não há mais como se esconder deles.

— Não era minha intenção que isso acontecesse, — digo,


esperando que, se eu puder apenas explicar, dizer ele que nunca foi minha
intenção voltar aqui e me apaixonar pelo marido de Felicity, para que ele
pudesse me perdoar. Se eu conseguir convencê-lo de que minhas
intenções são boas, talvez ele possa ajudar a persuadir minha mãe a me
dar outra chance.

Eu deveria ter sabido melhor, no entanto. A maneira como os


olhos do meu pai se estreitam assim que as palavras saem dos meus lábios
me diz tudo que preciso saber.

Não importa o que eu diga. Não importa o quão puro meu coração
estava quando cheguei em Virginia Beach. Tudo o que importava era que
eu mais uma vez peguei algo que pertencera à minha irmã. É a maneira
como eles sempre veriam. A maneira como eles sempre me veriam.

— Você sempre teve ciúme de sua irmã, Kate. Vejo agora que isso
não mudou, mesmo depois de sua morte. Não é justo da sua parte vir aqui
agora e tentar levar a única coisa que ela deixou. Shane e aquelas garotas
a amavam com cada pedacinho de seus corações, e agora você está
tentando destruir isso.

— Eu não estou! — As palavras saem de meus lábios, meu corpo


não está mais no controle de minhas emoções. Eu sinto a ardência das
lágrimas enquanto elas picam os cantos dos meus olhos, sinto a dor na
minha garganta enquanto eu luto para mordê-las. — Eu não quero tirar a
memória deles de Felicity. Eu só quero fazer parte do futuro deles.

— Você está se ouvindo agora? Você admite que quer tomar o


lugar dela!

— Não! Você está entendendo mal…

— Eu entendo muito bem. Você nunca ficará contente até que


tome tudo que ela já teve, — ele ferve, seus olhos caindo para o chão
enquantocomo se ele não aguenta mais olhar para mim. Ele balança a
cabeça enquanto fala novamente. — Sua mãe estava certa.

Minha testa franze, meus olhos se esforçando para ver seu rosto
através do borrão de lágrimas não derramadas. — Certa sobre o quê?

Ele levanta seu olhar para o meu mais uma vez, e eu estremeço
com o ódio que vejo. Ódio dirigido a mim.
— Deveria ter sido você. Se Deus tivesse que levar uma de nossas
filhas... deveria ter sido você.

Eu tropeço para trás como se ele tivesse me esbofeteado


fisicamente, meus pés mal conseguindo me manter em pé. E, na verdade,
um ataque físico provavelmente teria machucado menos do que ouvir
essas palavras.

Meus pais não apenas me odiavam. Eles me desejavam morta.

Eu afundo no chão, minha respiração ficando rápida e superficial, e


eu sei que estou à beira de um ataque de pânico. Eu puxo meus joelhos
até meu peito e enterro meu rosto entre eles, inspirando profundamente
pelo nariz e expirando lentamente pela boca.

Não tenho ideia de quanto tempo fico sentada aqui, tentando


firmar minha respiração e evitar o ataque, mas quando eu levanto minha
cabeça, meu pai se foi, a porta do meu hotel foi deixada aberta em sua
ausência. Ele nem mesmo teve a decência de fechar a porta enquanto eu
estava em um estado tão vulnerável.

Você está realmente surpresa? O homem acabou de dizer que


gostaria que você estivesse morta. Claro que ele não se preocuparia com
quem poderia entrar valsando em seu quarto de hotel.

Suas palavras voltam para mim. Deixe a família da sua irmã em


paz. Você quer tomar o lugar dela.

Deveria ter sido você.


Agora que ele e minha mãe sabem que estou aqui, eles não vão
parar até que eu vá embora. Eu nunca vou me livrar da ira deles até que
eu saia de Virginia Beach e volte para Chicago.

Longe do lugar de descanso final de sua preciosa filha. Longe de


Gracie e Ellie.

Longe de Shane.

Digo a mim mesma que é o melhor. As coisas com Shane não iriam
dar certo de qualquer maneira. Eu sou apenas uma substituta temporária
enquanto ele coloca sua vida de volta nos trilhos. Além disso, não é como
se eu pensasse que poderíamos manter nossorelacionamento em segredo
para sempre. Sempre soube que, mais cedo ou mais tarde, meus pais
teriam que descobrir se ficássemos juntos. Eles são os avós de Gracie e
Ellie, pelo amor de Deus.

Não, enquanto eu estiver com Shane, eu nunca estarei fora do


escrutínio de Debbie e Kurt Mitchell. Nunca poderei viver minha vida sem
o menosprezo e o ódio constantes deles.

É melhor para todos se eu seguir o conselho de meu pai e ir


embora. Eu me levanto, correndo para o armário e agarro minhamala.

E assim como naquela noite em que Aara apareceu e me


convenceu a ficar, eu arrumo minhas coisas.

Só que desta vez, não vou parar até estar de volta onde pertenço.
CAPÍTULO DEZENOVE

Shane

Eu estaciono minha caminhonete e salto do banco da frente bem a


tempo de ver Kate passar pela porta da frente do hotel, com a mala na
mão.

— Kate! — Eu chamo, acenando para ela do outro lado do


estacionamento.

Onde diabos ela está indo? De jeito nenhum Debbie já a pegou. Ela
me ligou de seu telefone fixo e sua casa fica pelo menos mais dez minutos
mais longe do hotel do que Cole Security.

Seus olhos erguem-se para os meus, e vejo um flash de surpresa


em suas feições por um momento antes de suas sobrancelhas franzirem e
a determinação aparecerem. Ela corre até um táxi que está esperando,
escancarando a porta traseira do passageiro e jogando sua bolsa no
assento.

— Kate, espere! — Eu grito, dando uma corrida rápida. O


motorista do táxi se vira e diz algo, fazendo-a parar por um momento
antes de subir no banco de trás. Mas é todo o tempo de que preciso.

Minha mão se fecha em torno de seu braço antes que ela deslize
para dentro. — Onde você está indo? — Eu bufo, me curvando e
colocando minhasmãos nos joelhos para recuperar o fôlego. Eu tenho
realmente diminuído o tempo na academia nos últimos meses. Uma
corrida de trinta segundos pelo estacionamento me fez respirar como
um fumante inveterado de noventa anos.

— Me solta, Shane, — ela diz, tentando se soltar. Meu aperto fica


mais forte e estou grato por pelo menos uma coisa sobre mim não ter
amolecido.

— Não. Não até que você me diga o que está acontecendo.

Seus olhos rolam e ela olha de volta para o táxi esperando. —


Estou saindo, obviamente.

A maneira petulante com que ela diz as palavras, como se ela se


afastar de mim fosse a coisa mais fácil do mundo, me corta
profundamente.

— Onde você está indo? — As palavras soam idiotas, até mesmo


para meus próprios ouvidos.

— Casa.

Se eu pensei que suas últimas palavras foram dolorosas, não é


nada comparado à dor que perfura meu coração quando ela pronuncia
aquela sílaba simples.

Eu estupidamente pensei que ela pensaria nisso como sua


casa. Não o hotel. Nem mesmo Virginia Beach, por si só. Mas nós.

Eu.

Gracie.

Ellie.
— Você vai voltar para Chicago? — Eu pergunto, já sabendo que é
exatamente o que ela quer dizer, mas precisando ouvi-la dizer as palavras.

Ela acena com a cabeça. — É hora de eu voltar para onde


pertenço.

— Por quê? Este é o lugar onde você pertence, Kate. Aqui, comigo
e minhas meninas. Nós te amamos.

Ela recua com as palavras, como se o som delas saindo dos meus
lábios queimasse profundamente em sua alma. — Não diga isso para mim.

— Por que não? É a verdade. Eu falei sério quando disse isso a


você na outra noite, e estou falando ainda mais sério agora. E daqui a dez
anos, vou te amar mais ainda. Meu amor por você só cresce a cada dia
que passa, Kate. Você não consegue ver isso?

Ela balança a cabeça. — Não. Você não sabe o que está


dizendo. Eu sei que você acha que me ama, Shane. Mas não ama.

Eu jogo minhas mãos em frustração. — Achei que já tivéssemos


superado isso! Não espero que você seja Felicity, Kate. Inferno, essa é a
última coisa que eu quero.

— Você está confuso. Você acabou de perder sua esposa...

— Foda-se isso. Você não pode me dizer como me sinto. Sei, sem
sombra de dúvida, que o que sinto por você é dez vezes o que já senti por
sua irmã. Cem vezes. Mil. Nem se compara.

— Shane, você não...

— Ela pegou você, não foi? — Eu mordo.


Kate não se incomoda em perguntar de quem estou falando, o que
é resposta suficiente. — Kate, não dê ouvidos a ela!

Ela balança a cabeça. — Não foi ela. Foi meu pai. — Minha testa
franze. Kurt estava aqui para vê-la?

Meu sogro era um homem de poucas palavras. Surpreendeu-me


que tivesse sido ele quem a confrontou. Eu sempre presumi que ele
concordou com a decisão de Debbie de escolher Felicity.

Acho que estava errado.

— O que quer que ele tenha dito a você, ele está


errado. Nós podemos...

— É só isso. Ele não estava. Posso não ter vindo aqui querendo
tirar qualquer coisa da minha irmã, mas foi exatamente o que fiz.

— Não, você não fez. Eu não era da sua irmã. Não mais.

Ela balança a cabeça. — Isso não importa. Você era o marido


dela. Mesmo que você estivesse divorciado no momento da morte dela,
ainda não estaria tudo bem. E Gracie e Ellie... elas nem mesmo tiveram a
chance de lamentar adequadamente a morte de sua mãe e eu já me
apressei e tentei fazer com que elas me amassem.

— Elas te amam como tia. Elas ainda podem amar a mãe e amar
você também.

A boca de Kate se franze em uma linha tensa, e um olhar distante


se instala em seus olhos. É como se ela estivesse perdida em uma
memória. Finalmente, a névoa parece se dissipar e ela se vira para me
encarar.
— Depois que voltei para o meu quarto ontem à noite, sentei e
escrevi pela primeira vez desde que cheguei aqui.

A mudança de assunto é chocante, e meu cérebro leva um


momento para entender o que ela disse.

— Oh, hum. Isso é ótimo. Eu sei que você está frustrada por não
poder escrever. — Ela desabafou para mim algumas vezes como esse
ataque de bloqueio de escritor tinha sido agravante para ela.

— Eu não escrevi a história que deveria estar escrevendo, — ela


fala sem rodeios.

Eu fico em silêncio, esperando que ela continue.

— Em vez disso, passei a noite inteira contando a morte de Felicity


e o meu relacionamento. Lembrei-me de cada evento que levou à nossa
desavença. E você sabe o que eu descobri?

Eu balancei minha cabeça.

— Não sou tão inocente quanto pensava.

Minhas sobrancelhas levantam em surpresa. — O que você quer


dizer? Seus pais e Felicity basicamente forçaram você a sair da família
deles.

Ela balança a cabeça. — Minha mãe dificultou minha vida. E meu


pai não era muito melhor. Eles amavam minha irmã completamente, tudo
o que ela fazia os deixava orgulhosos. E eu queria um pouco disso para
mim.
— Qualquer criança faria. Se alguém é o culpado aqui, são seus
pais. Eles nunca deveriam ter feito você sentir que não era boa o
suficiente.

— Não, eles não deveriam ter. Mas não foi culpa de Felicity que
eles fizeram. Eu amava minha irmã mais do que tudo no mundo. Mas, no
fundo... eu me ressentia dela. Fiquei ressentida com a maneira como ela
não podia fazer nada de errado aos olhos dos meus pais. Ressenti-me com
o relacionamento fácil que ela tinha com eles. Eu pensei que se eu
pudesse apenas ser mais parecida com ela, talvez eles me amassem
também.

— Então você se juntou aos mesmos clubes e fez as mesmas


atividades que Felicity fazia. Isso não faz de você uma pessoa má, Kate, —
eu explico.

— Não, mas eu não estava contente em ser tão boa quanto


Felicity. Eu precisava melhorar. Eu precisava provar a todos que eu era tão
digna de amor quanto ela. E, ao fazer isso, aproveitei as oportunidades
dela. Quando ela disse que estava indo para a equipe de debate,
certifiquei-me de conseguir o cargo de capitã. Quando ela disse que queria
escrever para o jornal da escola, certifiquei-me de ser nomeada editora-
chefe. E quando ela me disse que queria ser jornalista, fiz questão de me
formar entre as primeiros da classe para poder entrar em uma das
melhores escolas de jornalismo que existe.

Eu fico olhando para ela, pasmo. Não em sua admissão. Mas com a
segurança em sua voz. Ela está convencida de que, por ser boa nessas
coisas, ela de alguma forma as afastou de sua irmã.
— Mas você também queria ser jornalista, Kate. Você mesma me
disse. Quando vocês eram pequenas, falavam sobre todas as histórias que
descobriam juntas.

Ela encolhe os ombros. — Mas será que sim? Ou eu só queria tudo


o que minha irmã queria? Eu disse a mim mesma que é o que eu queria há
tanto tempo que nem sei a verdade. Eu gosto do meu trabalho. Eu sou
boa nisso. Mas se Felicity não tivesse me dito que queria ser jornalista... se
tivesse decidido que queria ser bailarina, ou professora, ou inferno, até
mesmo uma maldita dançarina... eu estaria fazendo o que estou fazendo
atualmente? Ou eu ainda estaria seguindo seus passos?

Não tenho ideia de como responder a isso, mas algo me diz que ela
não está esperando uma resposta. Depois de um momento, ela continua.

— Eu percebi na minha escrita ontem à noite que nunca fiz nada


inteiramente para mim. Durante toda a minha vida, tentei
desesperadamente conquistar o afeto dos meus pais. E eu mereço mais do
que isso. Eu mereço viver. Para mim.

Eu pego suas duas mãos e as seguro entre nós. — E você pode


fazer isso. Nunca vou tentar ficar no seu caminho. Se você decidir que
quer voltar para a escola e estudar para uma nova carreira, vou apoiá-la
cem por cento. Se você decidir que quer vestir um fio-dental e sacudir sua
bunda em um poste... ok, bem, posso não ser capaz de concordar
totalmente com essa ideia. Mas se é o que você realmente deseja, eu
encontraria uma maneira de viver com isso.

Ela aperta minha mão. — É só isso, Shane. Enquanto eu ficar com


você, lembrarei para sempre de minha irmã. Porque não importa o que
aconteça no futuro, seu passado sempre estará com ela. Meus pais
sempre farão parte da sua vida por causa de Gracie e Ellie. E eu não quero
que isso mude. Suas meninas merecem conhecer e amar seus avós. Mas
nunca poderei seguir em frente totalmente se for constantemente
lembrada do que estou tentando esquecer.

— Então é isso? — Eu pergunto. — Você simplesmente vai


embora. Depois de tudo, todo o tempo que passamos juntos. Depois que
minhas garotas se apaixonaram por você em todos os sentidos. Depois
que eu disse o que sinto por você. Você simplesmente vai embora sem
olhar para trás?

Lágrimas brilham em seus olhos, mas ela concorda.

— Um dia, você vai olhar para trás e entender. Você verá que isso
foi o melhor. Para todos nós.

— Besteira, — eu cuspo, me afastando dela. — Você correr de


volta para Chicago não é o melhor para ninguém além de você. Porra, nem
é o melhor para você. É apenas o que é mais fácil.

Ela puxa os lábios entre os dentes, e uma única lágrima escorre


pela borda de um olho.

— Se você acha que minha partida é fácil, Shane, então você


realmente não me conhece.

Com isso, ela se inclina para dentro da porta aberta e


entra. Percebo que o motorista acabou de receber muito mais
informações do que gostaria sobre o estado do meu relacionamento, mas
não consigo me importar.
Porque enquanto aquele carro amarelo desaparece na rua, leva
meu coração com ele.
CAPÍTULO VINTE

Kate

— Kate, posso te ver no meu escritório?

A voz de Izzy me assusta do torpor em que caí, meus olhos fixos


em uma placa do lado de fora da janela do meu escritório, olhando para
ela, mas sem realmente ver.

Hoje marca uma semana desde meu retorno a Chicago e meu


terceiro dia de volta ao escritório. Eu levei alguns dias após minha chegada
para me permitir chafurdar. Para sentar no meu apartamento e chorar
sobre o que eu perdi.

Porque apesar do que Shane pensou, me afastar dele naquele dia


no estacionamento do hotel foi a coisa mais difícil que eu já fiz. Perdê-lo e
às meninas... é algo que acho que nunca vou me recuperar totalmente.

Mas precisava ser feito. Não apenas para mim, mas para eles.

Eu não sou boa para eles. Falar com meu pai só me ajudou a
perceber isso. Eu não quero que eles esqueçam Felicity. Não quero sentir
que estou tentando tomar o lugar dela. E não importa quantas vezes
digamos que não vai acontecer, o fato é que sou irmã dela.

É impossível não comparar nós duas. Estamos amarradas, mesmo


na morte. Shane nunca será capaz de olhar para mim e não ver uma
pequena parte da mulher que ele amou. E as memórias de Gracie e Ellie
de sua mãe logo serão ofuscadas pela minha presença. Elas vão esquecer
a mulher que as carregou. A mulher que as amou e as criou durante os
primeiros anos de suas vidas. E isso não pode acontecer.

Não é que eu deseje que Shane fique sozinho pelo resto de sua
vida. Espero que ele se apaixone novamente. Espero que ele dê a essas
meninas uma madrasta que as adore e as adore como se fossem suas
próprias filhas. Só espero que seja depois de todos terem tido tempo para
sofrer e se curar.

Quando chegar o momento certo, Shane Dempsey vai deixar uma


mulher de sorte muito feliz.

Essa mulher simplesmente não serei eu.

Eu olho para o minha chefe, forçando um meio sorriso falso em


meus lábios. — Claro, Izzy.

Eu me afasto da minha mesa e sigo atrás dela, um pouco


envergonhada que minha chefe tenha me pego olhando pela janela em
vez de trabalhar.

Sempre tive orgulho da minha ética de trabalho, nunca fui do tipo


que relaxa ou faz mau uso do tempo da empresa.

Mesmo assim, nos três dias em que voltei ao trabalho, só consegui


concluir um artigo. E até eu tenho que admitir que não foi muito bom.

Eu sigo Izzy em seu escritório e me sento em frente a ela. Vejo meu


último artigo voltado para cima em sua mesa, caneta vermelha marcando
toda a frente da primeira página.
Eu imediatamente começo a pedir desculpas. — Eu sinto muito,
Izzy. Eu sei que esse artigo precisa ser trabalhado. Eu nunca deveria ter
entregado a você nessa condição.

Seus olhos vão para o meu artigo por um momento antes de voltar
para o meu.

— O artigo é bom, Kate. Não é sobre isso que eu queria falar com
você.

Minha testa franze. — O que há com todo o vermelho, então?

Ela se recostou na cadeira. — Eu disse que o artigo está bom. Tudo


bem, Kate. Você não está bem.

Meus lábios se contraem em uma carranca. — Não entendo. Se


você quiser que eu refaça isso...

Ela balança a cabeça. — Não estou preocupada com o


artigo. Como eu disse, tudo bem. Nós vamos publicar, as pessoas vão ler,
vão gostar e então continuarão com o seu dia. Mas essa não é a reação
que um artigo de Kate Mitchell costuma provocar.

Eu fico em silêncio, esperando que ela continue. Ela obviamente


tem um ponto que quer deixar claro que não estou captando.

— Essas marcas? Elas não são correções. Elas são


preocupações. Onde está a paixão do seu trabalho usual nisso? Onde está
o fogo? Tudo o que a torna uma escritora tão atraente parece estar
faltando neste artigo.

Lágrimas brotam dos meus olhos, porque sei que ela está certa. Eu
estava tão determinada a voltar para o ritmo das coisas assim que voltasse
para casa, que me esforcei para ler aquele artigo, usando o soco
emocional que sempre tentei incluir em minhas histórias.

Aparentemente, não sou tão boa escritora quanto


pensava. Porque minha chefe percebeu imediatamente.

— Eu sinto muito, Izzy. Ainda estou tentando voltar ao ritmo das


coisas. Todo aquele tempo livre realmente mexeu com a minha cabeça.

O olhar que ela me dá diz que ela vê através de mim.

— Eu não sou idiota, Kate. A última vez que falei com você, você
me disse que conheceu alguém. Então você aparece aqui, sozinha,
distraída e obviamente chateada. Eu só quero que você saiba que estou
aqui para ajudá-la. Se precisar falar sobre isso, pode falar comigo. Eu farei
o que você precisar enquanto você tenta recuperar sua faísca.

Ela me dá o que acho que deveria ser um sorriso encorajador, mas


tem o efeito oposto em mim. Porque, como eu disse antes, Izzy é a coisa
mais próxima que tenho de uma melhor amiga aqui em Chicago. E até
mesmo a preocupação dela vem de querer que meu trabalho volte ao
normal.

— Obrigada, Iz, — eu digo enquanto fico de pé. —


Obrigada. Avisarei você se precisar conversar.

— Minha porta está sempre aberta. Use-a. — Outro sorriso


enquanto faço meu caminho para fora de seu escritório.

Mas assim que as palavras saem de sua boca, eu sei que nunca
vou. Eu me meti nessa confusão e vou sair dela da mesma maneira. Só
preciso de um pouco mais de tempo...
Eu volto para meu escritório e fecho meu computador. Pegando
minha bolsa, paro na recepção para avisar Dawn que estarei fora o resto
da tarde.

Depois de passar pela loja de bebidas e pegar a maior garrafa de


vinho que posso encontrar, volto para o meu apartamento.

Três copos depois, já estou começando a me sentir melhor. Acho


que é verdade o que eles dizem.

O álcool pode não ser a resposta, mas com certeza ajuda a


esquecer o problema.
CAPÍTULO VINTE E UM

Shane

— Toc Toc.

A voz do meu pai vem da entrada do meu escritório, os nós dos


dedos batendo levemente no batente da porta. Retiro o contrato que
estava tentando ler na minha mesa, grato pela interrupção.

Verdade seja dita, eu não tinha sido capaz de me concentrar em


nada desde que Kate foi embora. Duas semanas de trabalho
pela metade e distração... Eu não ficaria surpreso se papai estivesse aqui
para me despedir. Eu com certeza merecia isso.

Ele entra no meu escritório, contornando as cadeiras e, em vez


disso, contorna a lateral da minha mesa. Ele se empoleira no canto,
cruzando os braços sobre o peito enquanto olha para mim.

— O que foi, pai?

Quando comecei na Cole Security, experimentei toda a coisa de


indicativo de chamada com ele. Me chame de louco, mas havia algo sobre
chamar seu próprio pai de Dreamboat que apenas irritou um cara da
meneira errada. Então, enquanto todos os outros no escritório seguiram
seus indicativos de chamada, Liam Dempsey sempre seria meu pai, no que
me diz respeito.

— Só queria dar uma olhada. Ver como você estava, — diz ele,
dando-me um sorriso caloroso.
Eu me inclino para trás na minha cadeira, apoiando meus
cotovelos no apoio de braço e trazendo meus dedos juntos na frente do
meu peito. — Estive melhor, — eu admito.

— Ainda não ouviu falar dela?

Eu balancei minha cabeça. — Não. Eu tentei ligar, enviar


mensagens de texto... porra, eu até encontrei o endereço de e-mail dela
no site do jornal e implorei a ela por meio disso também. Ela não vai falar
comigo.

Eu soube assim que disse a minha mãe que tinha sentimentos por
Kate, ela contaria a meu pai. Não há segredos entre Natalie e Liam
Dempsey. Portanto, não me surpreendeu que ele tivesse aparecido no dia
seguinte à partida de Kate, perguntando se eu queria falar sobre
isso. Fiquei surpreso por ele ter continuado a me verificar todos os dias
desde então.

— Posso te fazer uma pergunta, pai? — Ele acena em resposta.

— Naqueles primeiros dias após a morte de Felicity, você estava lá


para mim. Você e mamãe garantiram que as meninas e eu fôssemos bem
cuidados, que todas as nossas necessidades estivessem sendo
atendidas. Mas embora eu tivesse acabado de perder minha esposa...
você não parecia andar na ponta dos pés perto de mim como todo
mundo. Você não parou e perguntou como eu estava me sentindo a cada
dez minutos, como mamãe e Aara. Você não perguntou se eu precisava
conversar. O que, não me entenda mal, não estou com raiva. Eu só
percebi que você estava me dando meu espaço. Eu sabia que você estaria
lá se eu precisasse de você.
Ele se mexe na minha mesa, virando-se para ficar de frente para
mim. — Você parecia que já estava cansado de tudo na época.

— Eu estava. Tentar orientar Gracie e Ellie durante a primeira


semana foi difícil como o inferno. Apreciei que pelo menos você ainda me
tratou como normal.

— Você disse que tinha uma pergunta... — ele sondou.

Eu solto um suspiro. — Acho que estou apenas curioso para saber


o que mudou. Já se passaram duas semanas desde que Kate foi embora, e
não passou um único dia sem que você aparecesse no meu escritório ou
parasse em casa para ver como estou. Mamãe e Aara fizeram perguntas
logo depois que ela saiu, mas desde então recuaram. Mas você não. Aqui
está você de novo, me verificando.

— Você quer que eu vá embora? — ele pergunta, movendo-se


para se levantar.

— Não, não, — digo, estendendo a mão para detê-lo. — Não é isso


que estou dizendo. Estou apenas curioso, só isso.

Meu pai dá de ombros. — Não sei, filho. Eu acho que você parece
mais... perdido, desta vez. Eu só quero ter certeza de que você encontrará
o caminho de volta.

Minha testa franze. — O que você quer dizer?

Seus lábios franzem enquanto ele considera suas próximas


palavras. Depois de uma longa pausa, ele finalmente fala.

— Quando Felicity morreu, eu sabia que as coisas seriam


difíceis. Para você. Para as meninas. Para todos nós. Mas você se
apresentou como um campeão. Você coloca as necessidades de suas filhas
acima de qualquer tristeza que possa estar sentindo. Fiquei maravilhado
com a sua força. Deus sabe que se sua mãe morresse, eu seria um caso
perdido.

Eu rio um pouco, tentando imaginar meu pai tentando sobreviver


sem minha mãe. Eles estão juntos há tanto tempo que não tenho certeza
se um sabe como funcionar sem o outro.

— Desde que Kate foi embora, — ele continua. — Bem, não é que
você ainda não tenha sido o mesmo pai incrível. Mas você parece ter
perdido um pouco do seu espírito. Parece que você está apenas seguindo
os procedimentos, tentando se certificar de que todo mundo está sendo
cuidado, sem parar para cuidar de si mesmo. Para mim, parece que a saída
de Kate atingiu você com mais força do que a morte de Felicity. Conheço
um homem perdido quando vejo um. Eu mesmo estive lá. Então eu acho
que é por isso que tenho andado por aí um pouco mais do que o normal.

Eu largo minhas mãos nos braços da minha cadeira, cavando meus


dedos no couro duro. Achei que estava fazendo um trabalho tão bom,
voltando à vida como de costume.

Deixar que meu pai visse através de mim.

Olhando para o homem que me criou, solto um suspiro


áspero. Porque ele está certo. Perder Kate foi um milhão de vezes mais
difícil do que perder Felicity. Quando Felicity morreu, fiquei
chateado. Mas foi mais como perder um amigo próximo, alguém com
quem você passou a contar e confiar, um ombro no qual se apoiar
enquanto tentava navegar nas águas rochosas da vida.
Mas no dia em que Kate foi embora...

Eu não estava exagerando quando disse que o táxi levou meu


coração com ele. Desde que ela se foi, senti um buraco dolorido no meu
peito e nada do que eu faço parece preenchê-lo. Passar um tempo com
minhas garotas pode me distrair por algumas horas, e o trabalho
proporciona uma pausa em meus pensamentos - bem, parte do tempo,
de qualquer maneira - mas assim que tudo acaba, assim que eu fico
sozinho por um segundo, o desespero volta, fazendo-me sentir como uma
casca vazia do homem que fui.

Tomando uma decisão repentina, sento-me para frente na minha


cadeira, apoiando os cotovelos nos joelhos e pressionando os dedos nas
têmporas.

— Eu nunca disse isso a você e à mamãe, mas quando Lissy


morreu... ela estava tendo um caso.

A respiração chocada que meu pai suga me diz que ele não tinha
ideia, e faço uma nota mental para agradecer a Aarabelle por guardar meu
segredo. Eu estava meio que esperando que ele me dissesse que já
sabia. Minha irmã nunca foi ótima em esconder coisas dos meus pais.

— Foi apenas alguns dias antes de ela morrer que eu descobri. Ela
me disse que estava apaixonada por outra pessoa e que queria o divórcio.

Meu pai estende a mão e coloca a mão em meu ombro. — Eu sinto


muito, Shane. Eu não fazia ideia.
Eu balancei minha cabeça. — Ninguém fazia. Disse a mim mesmo
que não contaria a ninguém. Ninguém precisava ter sua memória
manchada por causa daquele único erro.

— Não, — ele concorda. — Isso foi bom da sua parte. A maioria


dos homens não seria capaz de conter algo assim. Seu caráter fala por
você, que foi capaz de manter algo assim engarrafado por tanto
tempo. Você foi um bom marido.

Uma risada sem humor escapa dos meus lábios. — Se eu fosse um


bom marido, ela não teria me traído.

— Isso é sobre Felicity, não você... — ele começa.

— Não, pai, — eu discordo. — Se as coisas estivessem bem entre


nós, ela não precisaria encontrar consolo nos braços de outro homem. Eu
sou tão culpado por seu caso quanto ela.

Eu levanto minha cabeça e olho acabado nos olhos do meu pai. —


Eu disse a mim mesmo que o motivo pelo qual não estava tão chateado
quanto deveria com a morte de Lissy era porque estava com raiva
dela. Raiva por ela ter arruinado o que tínhamos, arriscado nossa família e
agido de forma tão egoísta. Mas a verdade é... — Eu paro, prendendo uma
respiração lenta. — Eu não estava mais apaixonado por ela. Há muito
tempo de que não.

— Seu filho da puta!

O rugido alto vem do corredor em frente ao meu escritório, e eu


olho para cima a tempo de ver Cody invadir a porta e se lançar sobre mim.
Eu empurro minha cadeira para trás e fico de pé, mas seus
movimentos são muito rápidos e ele consegue me pegar fora de
equilíbrio. Eu colido com a parede atrás da minha mesa enquanto seus
braços envolvem minha cintura, seu peso pesado me arrastando para o
chão.

Ele agarra a gola da minha camisa com as duas mãos, seu rosto
caindo a centímetros do meu. Posso ver a fúria e a mágoa em seus olhos,
a dor estampada em cada centímetro de seu rosto.

— Você nunca a mereceu! — Ele grita, o calor de sua respiração


lavando meu rosto. — Se não fosse por você, ela ainda estaria viva. Se não
fosse por você, nunca estaríamos naquele carro naquele dia. Ela queria
esperar até que você estivesse no trabalho. Até você e as meninas
estarem fora de casa para entrar e empacotar suas coisas. Ela me disse
que não era justo com vocês três ter que vê-la indo embora.

A confusão que eu estava sentindo desde que Cody entrou em


meu escritório começa a se dissipar, algumas das peças começam a se
encaixar.

Felicity sempre inventando desculpas para trazer as garotas até a


Cole Security nos meses que antecederam sua morte.

O jeito como ela sempre parecia um pouco mais maquiada do que


o normal quando passava por aqui.

O sorriso malicioso que sempre enfeitou seus lábios quando ela


finalmente descia para o meu escritório.
Cody era o homem com quem ela estava saindo. O homem por
quem ela estava prestes a me deixar.

Eu o empurro de cima de mim, a raiva correndo em minhas veias,


multiplicando minha força e aproveitando a fraqueza momentânea que
suas palavras infligiram a ele.

Ele cai para trás e nós dois nos levantamos.

— Seu idiota, — eu fervo. — Como você pode fazer isto


comigo? Você sabia que ela era minha esposa.

Ele zomba. — Uma esposa que você nunca apreciou. Você mesmo
disse. Se as necessidades dela estivessem sendo atendidas, se você fosse
metade do homem que todos parecem pensar que você é, ela não teria
que me procurar.

— Seu idiota de merda! — Eu grito enquanto vou em direção a ele,


meu braço inclinado para trás e pronto para atacar.

Antes que eu possa atingir meu alvo, no entanto, meu pai


intervém, sua grande estrutura se colocando entre mim e meu alvo
pretendido. Seus grandes braços envolvem meu peito, e mesmo com
quase sessenta anos de idade, sua força é suficiente para me segurar.

— Calma, Shane. Eu sei que você está chateado. Mas você precisa
se acalmar. Esta não é a hora nem o lugar para fazer isso.

Eu caio contra ele, toda a fúria que eu estava sentindo saindo de


mim em um instante. Meu pai me leva de volta para minha cadeira,
colocando-me nela antes de se virar para Cody.

— Tire sua bunda daqui. Agora mesmo, porra.


Seu tom não deixa espaço para discussão e, embora o filho da puta
possa não me respeitar, não há como negar uma ordem quando Liam
Dempsey a dá.

Cody me lança um último olhar duro antes de me virar e sair do


meu escritório. Papai pega o telefone da minha mesa e digita alguns
números.

— Twilight, — ele diz quando Mark responde. — Leve sua bunda


para o quintal e pegue Brown. Certifique-se de que ele não faça nada de
que possa se arrepender. Não, não tenho tempo para explicar. Basta
movê-lo.

Ele desliga o telefone antes de se virar para mim. Ele estende a


mão, mas parece pensar melhor antes de me tocar. Ele se mexe
desconfortavelmente diante de mim, como se não tivesse certeza do que
fazer aqui, antes de finalmente se agachar e me olhar nos olhos.

— Você está bem?

Eu zombo. — Que porra você acha?

Eu imediatamente me arrependo das palavras. Não é culpa dele


Brown ser a porra de viado. — Desculpe, — eu murmuro.

— Está bem. Você tem todo o direito de estar com raiva. Nenhum
homem deve tocar na esposa de outro homem. Brown sabia exatamente
quem ela era e o que estava fazendo. Se estivéssemos em qualquer lugar
que não fosse o escritório, eu teria entrado e ajudado você a esmurrar a
bunda dele.
Eu rio, relaxando ainda mais. — Eu me perguntei quem seria, pelo
menos uma centena de vezes desde que Felicity me disse que conheceu
outra pessoa. Imaginei quase todos os cenários diferentes que
existem. Colega de trabalho... cara aleatório no Tinder... inferno, houve
até um minuto em que me perguntei se era um de seus alunos. Mas
nunca, nem em um milhão de anos, alguém da Cole Security passou pela
minha cabeça.

— Isso é porque ninguém aqui jamais iria querer machucar você


assim. Ninguém exceto Brown, isto é...

Soltei um suspiro pesado. — Sempre me perguntei por que ele


parecia não gostar tanto de mim. Agora acho que sei.

— Eu vou falar com Jackson e Mark. Não tem como aquele babaca
continuar trabalhando aqui depois disso.

Eu balancei minha cabeça. — Não, não faça isso. Ele é um idiota


de grau A, mas é um dos melhores caras que temos. Não vou deixar minha
própria merda pessoal atrapalhar o bom desempenho de um trabalho.

— Mas, Shane...

Eu levanto a mão. — Não, está bem. Honestamente... e eu não


posso acreditar que estou dizendo isso... Eu não estou nem tão bravo.

Meu pai levanta uma sobrancelha para mim, olhando de volta para
o local no chão onde Cody e eu tínhamos lutado apenas um minuto antes.

— Ok, — eu corrijo. — Eu estou bravo. Eu não esperava descobrir


que um dos caras em que eu deveria confiar era o que me apunhalou
pelas costas. Mas tudo o que eu disse antes de ele interromper ainda é
verdade. Eu não estava mais apaixonado por Felicity. Então, posso
realmente ficar com raiva de outra pessoa por se apaixonar por ela? Ela
pode ter sido minha esposa no papel. Mas já fazia anos que o que
tínhamos foi realmente um casamento.

Meu pai me olha com uma expressão que não consigo nomear.

Admiração?

Respeito?

Perplexidade total?

Finalmente, ele balança a cabeça e solta uma risada baixa. —


Bem. Você é um homem melhor do que eu, Shane. Não vou fazer Jackson
e Mark despedirem o bastardo. Mas você não pode me convencer a não
transferi-lo. Não tenho como olhar para aquele idiota todos os dias e não
acabar matando-o pelo que ele fez. Você pode concordar com isso, mas
ainda é meu filho. Ninguém faz mal a nenhum dos meus filhos assim.

Eu ri. — Bem. Admito que as coisas ficarão menos... tensas por


aqui sem ter que lidar com aquele idiota.

— Considere isso feito. Agora, o que vamos fazer com você?

— Quanto a mim? — Eu pergunto, meus lábios puxando em uma


carranca.

— Bem, não podemos deixar você ficar deprimido pelo resto da


eternidade. Precisamos descobrir como você vai consertar as coisas com
Kate.
Eu suspiro, inclinando-me para frente e enterrando meu rosto em
minhas mãos. — Eu disse a você, pai. Ela não vai falar comigo. Eu não
posso exatamente consertar as coisas se ela não me ouvir.

— Sabe, depois que Aaron voltou dos mortos, fiquei preocupado


que sua mãe sempre me veria como o segundo melhor.

Eu levanto meu olhar para ele. — Você fez?

Ele concorda. — Cheguei até a sair. Eu disse a ela que ela precisava
descobrir como as coisas estavam com ele, porque eu não poderia ser o
motivo para separar uma família. Se houvesse ao menos uma chance de
que eles pudessem consertar as coisas, eu disse a sua mãe que
desapareceria graciosamente no fundo e os deixaria em paz.

— Você teria feito isso? — Eu pergunto incrédula.

— Porra, não, — ele respira. — Eu amava demais sua mãe para


viver sem ela. Mas disse a mim mesmo que precisava tentar. Felizmente,
ela tinha muito mais bom senso do que eu naquela época, e eu fui capaz
de tirar minha cabeça da minha própria bunda.

Eu rio, porque embora eu nunca diria isso com tantas palavras


para ela, é exatamente o que preciso que Kate faça.

Ela está tão convencida de que sempre vou compará-la com a


irmã, que estarei constantemente tentando fazer com que ela preencha
um vazio que Felicity deixou, que ela não consegue ver meus sentimentos
por ela pelo que são.

Amor cem por cento verdadeiro.


— O que você sugere que eu faça? — Eu pergunto. — Como a
mamãe finalmente conseguiu falar com você?

— Ela simplesmente nunca desistia. Você precisa provar a ela que


ela nunca será a 'segunda melhor' para Felicity. Você precisa mostrar a ela
que, apesar do que ela pensa, você está nisso para sempre. Para a
vida. Porque você a ama.

— E como faço isso se ela nem mesmo atende minhas ligações? Ela
nem abre minhas mensagens.

Ele encolhe os ombros. — Então, estenda a mão para ela de uma


forma que você saiba que ela não será capaz de ignorar. Ela é jornalista,
certo?

Eu concordo.

— Então, que melhor maneira de dizer a ela como você se sente


do que aí em preto e branco?

Um sorriso lento se espalha pelo meu rosto, uma ideia se


formando instantaneamente em minha mente.

— Você é um gênio, pai.

Ele me dá um sorriso astuto. — Apenas me diga o que você precisa


que eu faça.

Pego um pedaço de papel e uma caneta, minha mão disparando


em fúria através da página.

Vinte minutos depois, meu pai tem uma lista de coisas que vou
precisar dele e de minha mãe para que isso funcione.
E tenho um plano infalível para reconquistar a mulher dos meus
sonhos. Pelo menos eu espero.
CAPÍTULO VINTE E DOIS

Kate

Pela primeira vez em duas semanas, um sorriso genuíno se espalha


pelos meus lábios, uma risada borbulhando do meu peito e saindo pelos
meus lábios.

É bom rir. Para sentir algo que não seja desgosto e dor. Eu sei que
é apenas temporário, mas é um alívio bem-vindo do mesmo jeito.

Dawn está sentada à minha frente na minha mesa, nós duas


mergulhadas em nossas respectivas caixas de comida chinesa, Dawn
contando um encontro às cegas que sua irmã marcou para ela no fim de
semana passado.

— Sério, Kate, eu não sei o que ela estava pensando. Tenho vinte e
quatro anos. O que ela pensava que eu teria em comum com um pai de
três filhos, calvo e de quarenta anos, cuja ideia de diversão era discutir a
importância dos Roth IRAs19, está além da minha compreensão. Nunca
ouvi alguém falar com tanta paixão sobre economia de impostos.

— Bem, você fez aquele semestre de finanças pessoais na


faculdade. É fácil ver onde ela ficou confusa, — eu digo com uma
piscadela.

— Ugh, — ela geme. — Não me lembre. Os três meses mais longos


da minha vida. Quem diria que falar sobre gastar dinheiro pode ser tão
chato?

19
Um Roth IRA é uma conta de aposentadoria individual sob a lei dos Estados Unidos que geralmente
não é tributada na distribuição, desde que determinadas condições sejam atendidas.
Nós duas ainda estamos rindo de seu encontro às cegas malfeito
quando Izzy enfia a cabeça no meu escritório.

Eu rapidamente coloquei minha caixa de comida para baixo,


sentando-me ereta na minha cadeira. Desde que Izzy me viu sonhando
acordada em meu escritório, tento me comportar da melhor
maneira. Sentar e atirar na merda com nossa recepcionista não significa
exatamente profissionalismo, mesmo que seja nossa hora de almoço.

Felizmente, Izzy parece estar mais satisfeita do que chateada ao


ver Dawn e eu. Ela sorri para mim calorosamente. — Ei, Kate. Só queria
entrar e ver como você está hoje. Você já teve a chance de dar uma
olhada na edição desta manhã?

Olho em volta da minha mesa em busca do exemplar do The


Windy Weekly que foi deixado aqui algumas horas antes.

— Oh, hum... não, ainda não. Eu tenho isso aqui em algum


lugar...— Eu paro, movendo a bagunça de papéis em volta da minha
mesa. — Eu ia dar uma olhada depois do trabalho.

Izzy entra no meu escritório, segurando uma nova cópia. — Tive a


sensação de que você ainda não tinha visto. Aqui, pegue este. Sinta-se à
vontade para estender seu almoço para que você possa lê-lo.

Minha sobrancelha arqueia quando eu alcanço para pegá-lo da


mão dela. — Ok, sim. Certo.

Izzy se vira e começa a sair do meu escritório, mas faz uma pausa
antes de chegar ao limiar. Olhando por cima do ombro, ela se dirige a
Dawn.
— Por que você não vem comigo, Dawn? Podemos discutir os
artigos que você enviou na semana passada.

Meus olhos se arregalam e disparam para Dawn, minha boca


aberta em estado de choque. Dawn me disse que estava pensando em
mostrar a Izzy um pouco de seu trabalho, mas ela estava com muito medo
do que ela poderia dizer. Estou feliz em saber que ela finalmente deu o
próximo passo.

Eu jogo para ela um polegar disfarçado enquanto ela se levanta e


segue Izzy para fora do meu escritório. Ela sorri nervosamente em
resposta, mas eu sei que ela não tem nada com que se preocupar. Eu
tinha dado uma olhada em alguns de seus trabalhos como um favor, e não
estava exagerando quando disse a ela que era um dos melhores
jornalismo investigativo que eu li em anos.

Uma vez sozinha em meu escritório, pego meu recipiente de


macarrão, cutucando meus pauzinhos por um momento antes de decidir
que estou cheia. Eu os coloquei de volta na minha mesa, meus olhos
caindo para a cópia do papel que Izzy tinha me dado.

Foi estranho o jeito que ela me deu. Não era incomum para Iz
pedir nossa opinião sobre as questões mais recentes. Mas foi a primeira
vez que ela insistiu que eu largasse tudo que estava fazendo e lesse.

Desdobro o papel, meus olhos examinando a primeira


página. Minha mente se lembra do artigo que eu entreguei antes de
minha partida para Virginia Beach, e uma breve pontada de
arrependimento atinge meu estômago quando percebo que senti falta de
vê-lo impresso. Tinha realmente estado na primeira página como Izzy
havia prometido?

Pego uma caneta e escrevo um bilhete para me lembrar de


procurar na próxima vez que estiver em seu escritório. Ela mantém todas
as edições que imprimimos nos últimos cinco anos arquivadas
ordenadamente em um armário.

Passo os próximos dez minutos folheando as páginas preenchidas


por meus colegas. Há uma história sobre um time de futebol feminino de
uma escola secundária local. Eles ajudaram a levantar mais de cinquenta
mil dólares para a pesquisa de câncer de mamadepois que sua treinadora
foi diagnosticada. E quando seu cabelo começou a cair com o tratamento,
cada uma daquelas garotas raspou a cabeça em solidariedade. A foto
deles todos juntos, técnica e equipe, cabeças raspadas, mas com um
sorriso mais brilhante que o sol, é impressionante de se ver. É
um lembrete muito necessário de que não importa o quão horríveis as
coisas em minha vida possam parecer, ainda há muito amor e beleza neste
mundo.

As próximas páginas trazem uma notícia sobre as últimas


negociações entre os Bears e os Packers, e um artigo semi-
escandaloso sobre o chefe de gabinete do prefeito sendo pego com a mão
literalmente dentro das calças em um clube de strip local. Não foi tão
cintilante quanto pegar o próprio prefeito com as calças nos tornozelos,
mas considerando que o homem se orgulhava de sua imagem de família
saudável, ter qualquer coisa espalhafatosa ligada ao seu nome certamente
o deixaria com azia.
Meu últimoenvio para Izzy não estava em lugar nenhum, mas eu
não esperava que estivesse aqui. O que só me faz pensar ainda mais por
que Iz insistiu tanto que eu lesse a edição.

Fecho o papel e jogo na minha mesa. Deslizando meu teclado


dobrável debaixo da minha mesa, eu ligo meu computador e clico no meu
ícone de e-mail, pronta para dar a Izzy uma atualização sobre meus
pensamentos.

Meus olhos passam rapidamente para o papel enquanto espero a


tela carregar, e as palavras no centro da página chamam minha
atenção. Minha testa franze quando eu o alcanço, confusão me inundando
quando vejo um artigo impresso na última página - um espaço que
geralmente é reservado para propagandas e anúncios de cidades.

Mas não é apenas o fato de que há um artigo onde normalmente


há apenas fotos e folhetos impressos. Não, é o título que me deixa sem
fôlego.

NUNCA A SEGUNDA MELHOR

Por Shane Dempsey

Lágrimas brotam dos meus olhos. Se havia alguma dúvida em


minha mente sobre o que era, ela desapareceu no segundo em que vejo
seu nome. Piscando para conter as lágrimas, passo para o corpo do artigo.
Era uma vez um menino. Um menino que pensava que tinha tudo
planejado. Ele tinha uma carreira que amava, pais e uma irmã que
eleadorava, e os melhores amigos que alguém poderia pedir. Havia apenas
uma coisa em que ele conseguia pensar que o tornaria o homem mais feliz
do mundo.

Uma esposa. E um dia... uma família própria.

Então um dia ele a conheceu. A mulher que ele pensou que nunca
seria capaz de viver sem. Ela era perfeita para ele em todos os sentidos, e
seu relacionamento tinha sido um turbilhão, pulando todos aqueles
marcos importantes que um casal deveria passar antes de finalmente
tomar a decisão de passar o resto de suas vidas juntos. Eles se casaram em
um ano, e o menino pensou que nunca seria mais feliz.

Então sua primeira filha nasceu e ele percebeu o quão errado


estava. Certamente agora, esta era a época mais feliz de sua vida. Quero
dizer, o que mais ele poderia pedir. Ele tinha tudo o que sempre quis.

Então a filha número dois apareceu, e ele sabia, ele sabia sem
sombra de dúvida, que não havia como seu coração aguentar mais. Estava
cheio a ponto de estourar. Essas três mulheres perfeitas entraram em sua
vida e a completaram. Ele não poderia estar mais feliz.

Mas então algo mudou. A mulher com quem ele jurou passar a
vida começou a se parecer cada vez mais com uma estranha. Eles pararam
de se comunicar. Eles pararam de passar tempo juntos, pararam de se
colocar em primeiro plano. Não aconteceu de uma vez, mas em algum
lugar ao longo do caminho, o amor morreu.
Não foi culpa de ninguém. Foi apenas uma daquelas coisas -
a coisa que acontece bem na sua cara, mas você está tão perdido em viver
sua própria vida que perde isso. Eu não tinha percebido que o amor por
minha esposa estava morrendo até que era tarde demais. E a essa altura,
o dano já havia sido feito.

Isso mesmo, meninos e meninas. Este não é


um conto de fadas inventado. Isto é minha vida.

Ela me pediu o divórcio, disse que havia encontrado outra


pessoa. Mas antes mesmo que pudéssemos iniciar o processo, ela
morreu. Um estranho acidente de carro tirou minha esposa de mim
quando eu estava prestes a perdê-la de qualquer maneira. Eu não sabia
como reagir. Não sabia se era algum tipo de punição. Passei por acessos
de raiva e depois caí em umpoço de desespero, a culpa me inundando
cada vez que pensava em minha falecida esposa.

Mas então ela apareceu. E, aparentemente, em pouco tempo, ela


revelou sentimentos no fundo do meu coração que eu não sabia que
existiam. Pela primeira vez, eu soube o que significava amar
verdadeiramente outra pessoa.

Apenas houve uma grande complicação.

Ela era irmã da minha esposa.

Eu disse a mim mesmo que ela estava fora dos limites. Tentei negar
meus sentimentos por ela, porque eu sabia que aos olhos do público,
nunca faríamos sentido. Eu sabia que para a família dela, o fato de
estarmos juntos não seria certo.
Mas não importava quantas vezes eu tentasse me convencer do
contrário, não pude evitar a forma como meu coração batia forte sempre
que ela estava por perto. Não conseguia controlar a maneira como meus
dedos doíam para tocá-la, para puxá-la para mim e enterrar meu rosto no
doce perfume de seu cabelo.

Então, o tempo todo eu disse a mim mesmo para ficar longe dela,
meu coração estava se apaixonando cada vez mais por ela. E como antes,
quando percebi, já era tarde demais. O estrago estava feito.

Eu não tinha percebido que durante todo o tempo que estive


preocupado com a reação da família dela, deveria ter me preocupado com
ela. Porque, embora eu saiba que ela também me ama, ela se convenceu
de que não poderíamos ficar juntos. Que eu só a amava porque ela me
lembrava o que perdi. Que eu queria que ela desempenhasse o papel
deixado para trás por minha esposa.

Mas ela não poderia estar mais errada.

Kate...

Nunca amei ninguém como amo você. Eu não olho para você e vejo
Felicity. Eu olho para você e vejo a peça que falta em meu coração. Eu
pensei que depois que minhas filhas nasceram, eu não poderia estar mais
feliz. Mas então você entrou na minha vida e percebi que, por mais cheio
que meu coração já estivesse, ainda havia um espaço vazio. Um espaço
que não poderia ser preenchido pelo amor de um filho, de um pai ou de
um irmão. Era o espaço em meu coração que estava reservado apenas
para a mulher que amo - minha alma gêmea. Um espaço que nunca foi
preenchido. Até eu conhecer você.
Não sei de quantas outras maneiras posso dizer isso. Mas vou
continuar encontrando-as. Vou te dizer uma dúzia de vezes... mil... um
milhão. Nunca vou parar, não até que você perceba exatamente
o que significa para mim.

Então decidi começar aqui. Na frente de toda Chicago e do jornal


que sei que você adora. Amo você, Kate Mitchell. E eu não me importo
com o que o mundo pensa. Não me importo se seus pais me tirarem de
suas vidas e nunca mais verem suas netas. Porque nós teremos
você. E você é tudo de que precisaremos.

Eu coloquei o papel na minha mesa, levando as costas da minha


mão ao nariz para enxugar as lágrimas que se acumulavam na ponta.

Essa foi a coisa mais linda que eu já li. E era tudo para mim.

— É tudo verdade, você sabe, — uma voz diz da porta do meu


escritório, e meus olhos disparam para encontrar Shane. Ele está vestido
com jeans e uma camiseta de mangas compridas, mas mesmo com este
traje simples, ele parece enviado do céu.

Eu pulo da minha cadeira e corro para ele, quase o derrubando no


chão com a força do meu abraço. Ele ri enquanto me pega, seus braços
circulando minha cintura e me puxando com força contra ele.

Eu respiro ele, o cheiro de sua colônia, shampoo e almíscar natural


inundando meu nariz e me enchendo com uma sensação de paz que eu
não sentia desde que coloquei os pés dentro daquele táxi.
Finalmente, depois do que parece uma eternidade e apenas alguns
segundos ao mesmo tempo, eu me afasto, meus olhos examinando seu
rosto.

— Como... por que... como...

Ele ri baixinho. — Recebi o e-mail da Izzy em seu site. Depois de


um apelo desesperado e muito suborno, ela me ouviu.

Então é por isso que Izzy foi tão inflexível sobre eu ler o jornal. Ela
sabia exatamente o que eu encontraria porque ela ajudou a configurá-lo.

— Eu sinto muito, Shane. Eu sinto muito por ter te machucado. Eu


nunca deveria ter saído do jeito que saí.

Ele levanta as mãos para enxugar as lágrimas do meu rosto. —


Tudo bem. Eu entendo porque você fez. Apenas me prometa que nunca
mais fará isso.

Eu rio enquanto pressiono meu rosto de volta em seu pescoço. —


Não posso prometer que minhas inseguranças não aparecerão de vez em
quando. Mas eu prometo que vou ficar e falar com você sobre isso, em
vez de fugir.

Ele pressiona um beijo na minha têmpora. — Isso é tudo que eu


peço. E sempre que essas vadias nojentas aparecerem, é só me dizer. Vou
garantir que elas voltem para onde pertencem.

Eu levanto meu rosto e olho para ele. — Eu te amo, Shane


Dempsey. Agora e sempre.
Seus lábios encontram os meus em um beijo suave. — Eu também
te amo, Kate. Agora, vamos buscar Gracie e Ellie. Elas provavelmente
estão aterrorizando a pobre Izzy.

— Elas estão aqui? — Eu grito. Se há uma coisa que pode me tirar


dos braços desse homem agora, é a ideia de ver minhas duas garotas
favoritas. Eu não tinha percebido até este momento o quanto eu sentia
falta delas.

Ele acena com a cabeça em direção à porta. — Elas estão no


escritório de Izzy. Tentei fazer com que ficassem com meus pais, mas
assim que Gracie soube para onde eu estava indo, ela não parou até que
eu cedesse. Ela deve conseguir isso de sua tia repórter. Ela com certeza
sabe como persuadir alguém a lhe dar exatamente o que ela quer, — diz
ele com uma piscadela.

Eu rio e começo a caminhada até o escritório de Izzy. — Deus


ajude o menino por quem ela se apaixonar.

Shane grunhe sua desaprovação enquanto segue. — Não no meu


turno. Essa garota não tem permissão para namorar antes dos cinquenta.

Abro a porta do escritório de Izzy e meu coração dispara tanto que


parece que meus pés vão deixar o chão.

— Tia Kate! — Gracie grita, ficando de pé e correndo em minha


direção. Os pequenos pés de Ellie batem bem atrás dela, e logo sou
envolvida pelos abraços mais doces que o mundo já conheceu.

Depois de acenar minha gratidão a Izzy, eu pego as duas garotas


pela mão e me viro para encarar Shane.
Com um sorriso gigante no rosto, digo as palavras que estou
morrendo de vontade de dizer desde que o vi pela primeira vez na porta
do meu escritório.

— Vamos para casa.


EPÍLOGO

Shane

Um ano depois

— Eu não posso acreditar que meu pequeno DJj está crescido, —


Mark diz, fungando de volta uma lágrima falsa.

Eu reviro meus olhos e me viro para encará-lo. — Lembre-me


novamente por que concordei com isso.

— Porque eu sou o único ministro ordenado que você


conhece. Além disso, sua noiva me ama. Ela nunca me privaria do
privilégio de ser o único a selar você no sagrado matrimônio.

Eu reviro meus olhos para ele, desta vez exagerando o movimento


para que não só ele possa ver, mas toda a sala.

A igrejinha está lotada, todos os nossos amigos e familiares estão


aqui para testemunhar o momento em que juramos nosso amor sem fim -
com duas notáveis exceções.

Kurt e Debbie não conseguiram superar suas noções equivocadas


sobre a filha. Eles não quiseram nos aceitar juntos e, como tal, não fazem
parte de nossas vidas. Isso inclui minhas meninas. Parte meu coração ter
que mantê-las longe de seus avós, mas eu sei que é o melhor. Qualquer
pessoa que poderia odiar alguém tão completamente, sem motivo algum,
não é alguém que eu quero perto de minhas filhas.

Eu gostaria de poder dizer que senti falta deles, mas seria uma
mentira. Meus sogros não eram nada além de uma dor para mim desde o
dia em que nos conhecemos. E a compensação - passar o resto da minha
vida com Kate - vale o sacrifício.

Aara põe a cabeça para fora de trás da porta fechada do outro lado
do corredor e sinaliza que estamos prontos para começar. Eu endireito
meus ombros, minha respiração engatando um pouco por ficar aqui
sozinho.

Bem... além do idiota que permitimos que nos casasse. Quem


permitiu que Mark fosse ordenado precisava ter sua cabeça
examinada. Porém, eu suponho que seja apropriado que ele seja o único a
fazer isso.

Certa vez, ele esteve diante de meus pais, vestido com o mesmo
manto, e os declarou marido e mulher. E mais de trinta anos depois, eles
ainda estavam loucamente apaixonados.

Que melhor maneira de começar o resto da minha vida do que


com esse tipo de bom presságio?

A música começa e as portas se abrem. Um sorriso surge


instantaneamente no meu rosto quando sou saudado pela visão de
minhas filhas.

Gracie e Ellie estão vestidas de branco, coroas de flores vermelhas


e brancas tecidas ao redor de suas cabeças. Alguém conta até três e as
duas saem pelo corredor de braços dados, uma única cesta de pétalas de
flores presa entre elas. Elas usam suas mãos livres para espalhá-las
enquanto se movem em minha direção.
Não posso deixar de sorrir com o quanto elas cresceram no ano
passado. Não apenas fisicamente, mas também emocionalmente. Perder
Felicity foi difícil para as duas, mas com a ajuda de Kate e eu, elas estão
prosperando. Gracie está com sete anos agora e não teve um de seus
colapsos em quase seis meses. E minha doce Ellie parou de chorar quase
com a mesma frequência de antes. Em suma, ambas são garotinhas lindas
e felizes.

Se me permite dizer.

Aara desce o corredor em seguida, um sorriso de lado no rosto


enquanto olha para mim. Quando Kate e eu estávamos planejando nosso
casamento, decidimos não fazer essa coisa toda de festa nupcial. Afinal,
ela não tinha nenhum amigo próximo ou família para pedir para ficar ao
lado dela. E eu não queria fazer ela se sentir desconfortável.

Aara olhou para mim quando eu disse a ela e disse que estava tudo
bem. Mas de jeito nenhum ela não faria parte do nosso casamento. Em
primeiro lugar, ela se deu o crédito por nós até nos encontrarmos - e acho
que ela não está errada - e se recusou a aceitar um não como resposta.

Portanto, embora seja um pouco heterodoxo... minha irmã de 34


anos é nossa portadora do anel.

Ela aperta meu braço suavemente quando me alcança, sentando-


se ao lado das meninas até a hora de apresentar os anéis. Eu tentei
convencê-la a carregar o travesseiro tradicional, principalmente porque
pensei que seria hilário ver minha irmã adulta valsando pelo corredor com
um pequeno travesseiro de cetim nas mãos, mas Kate rejeitou a ideia. Em
vez disso, os anéis estavam em uma caixa de madeira entalhada à mão,
presa com segurança ao peito de Aara.

A música muda, e minha respiração engata, meus olhos se


movendo da minha irmã e filhas de volta para o final do corredor. Onde a
mulher que em breve será minha esposa está de pé, meu pai ao seu
lado. Kate insistiu que ela estava bem andando pelo corredor sozinha. Ela
não precisava de ninguém lá para entregá-la.

Mas meu pai interrompeu no segundo que a ouviu falar. — Você


não terá que fazer essa jornada sozinha. Eu vou te levar pelo corredor, —
ele anunciou.

Sua sobrancelha estava franzida. — Agradeço o gesto, Liam, mas


você não pode exatamente me entregar para sua própria família.

Meu pai deu de ombros. — Então eu não vou te entregar. Em vez


de um pai dar sua filha, que tal celebrarmos um sogro guiando sua nova
filha em sua nova vida?

Kate começou a chorar com isso, e eu não vou mentir, isso trouxe
uma ou duas lágrimas aos meus próprios olhos. Não sei o que fiz em uma
vida passada para merecer pais tão maravilhosos, mas agradeço às minhas
estrelas da sorte todos os dias por serem meus.

Observo Kate e meu pai caminharem em minha direção, e preciso


de tudo para não ir até eles. Para tomar Kate em meus braços e carregá-la
eu mesmo para o altar, incapaz de suportar não ser dela por mais um
momento. Agora que estamos aqui, na frente de Deus e de todos os
nossos amigos e familiares... bem, estou pronto para colocar esse show na
estrada. Pronto para fazer de Kate minha esposa.
De alguma forma, consigo me conter e, quando eles finalmente me
alcançam, aceno para meu pai antes de pegar a mão de Kate na minha. Eu
me inclino para frente e pressiono um beijo em sua bochecha.

— Você é linda.

Ela sorri para mim quando eu me afasto, seus olhos brilhando na


luz do teto. Não quero nada mais do que puxá-la para mim, devorar
aqueles lábios perfeitos, saborear sua doce língua, mas sei que se tentar,
Mark nunca me deixará ouvir o fim disso.

Então eu me comportei. Eu fico aqui e escuto como Mark está com


seu jeito idiota de sempre - sério, você pensaria que com mais de sessenta
anos de idade, o cara já teria crescido pelo menos um pouco agora. Ele
recita um poema cafona que encontrou online sobre o amor ser como o
ar. Como você não consegue ver, mas está sempre lá. Kate e eu tínhamos
decidido apenas fazer os votos tradicionais em vez de escrever os nossos
próprios e, depois de dizermos sim, depois de deslizarmos os anéis nos
dedos um do outro, Mark bate palmas.

— Pelo poder investido em mim, — ele diz, levantando as mãos


como se estivesse abrindo o Mar Vermelho ou algo assim.

Eu levanto um dedo para cortá-lo. — Espera aí, Twilight. Eu tenho


uma coisa que gostaria de dizer antes de fazer sua grande declaração.

O rosto de Mark cai. — Oh, vamos lá, cara. Você está totalmente
prejudicando minha suavidade aqui.
Eu levanto uma sobrancelha para ele, mas evito perguntar o que
diabos isso quer dizer. Não tenho tempo nem paciência para lidar com
uma das anedotas de Mark.

Voltando-me para Kate, pego suas mãos.

— Kate, uma vez eu disse que era incrédulo antes de conhecê-


la. Na vida, no amor, em Deus. Mas depois que você entrou na minha vida,
isso mudou. Sem fé para com os fiéis, creio que foi essa a frase que usei.

Ela acena com a cabeça. — Eu lembro.

— Bem, eu estava errado. Não foi minha fé que encontrei. — Suas


sobrancelhas se juntam.

— Não entendo.

— Foi você. Você me dá fé. Fé de que posso fazer qualquer


coisa. Juntos, podemos alcançar qualquer coisa. Enquanto eu tiver você ao
meu lado, sinto que posso conquistar o mundo.

Ela sorri enquanto se inclina para mim. — Eu não sei sobre o


mundo. Vamos começar conquistando a matemática básica comum, — ela
diz enquanto pressiona um beijo em meus lábios.

— Ei! — Mark late. — Você não deveria fazer isso ainda. — Ela se
afasta enquanto nós dois rimos.

— Desculpe, Reverendo Twilight, — eu digo, fazendo o que eu


acho que é o sinal da cruz. — Por favor, prossiga.

— Pelo poder investido em mim pelo grande estado de - oh, foda-


se, — ele berra, deixando cair as mãos e enviando uma onda de risos por
toda a sala. — Vocês já estragaram tudo. Vocêssão marido e
mulher. Beije-a ou o que seja.

Eu rio com a atitude mal-humorada de Mark, mas não me importo


com isso.

Em vez disso, puxo Kate para mim, meu braço serpenteando


firmemente em torno de sua cintura.

E eu beijo minha esposa completamente.

FIM

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