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Transcorreu-se a semana como todas as outras. No fim de semana, meu tio de Porto Alegre
veio me visitar. Era irmão do meu pai. Chegou de manhã, quando eu ainda dormia. Acordei com o
barulho dele conversando com a minha mãe na sala. Fui até lá, cumprimentei-o, e não prestei muita
atenção. Comi e voltei ao meu quarto, com meus brinquedos.
Logo mais, a mãe foi me avisar que iriam visitar meu pai no Apanhador.
Não conheci meu pai direito. Tiraram ele de perto de mim quando ainda era muito novo.
Levaram para a cadeia, e lá ele vivia, diziam que pagando por erros que cometera. Meu tio e minha
mãe iam até lá nos domingos, levar algumas coisas e visitá-lo, mas eu nunca podia entrar lá. Diziam
que não era lugar para criança.
Isto gerou em mim um fascínio inexplicável. Quando passava pela estrada, de onde era
possível ver o presídio de longe, ficava fascinado, observando aquela construção cinzenta, cercada
de muros, torres, arames, guardas armados. Sempre quisera saber o que tinha lá dentro, que tipos de
pessoas, o que teriam feito.
Por outro lado, não me despertava muita preocupação a situação do meu pai. Não me
lembrava da sua voz, de sua personalidade. Minha mãe raramente falava dele. Apenas por umas
fotos guardadas no armário sabia como era seu rosto. Não tinha muita curiosidade em conhecê-lo.
Já a casa dele era um local que eu queria conhecer. Ouvia falar que lá aconteciam todas as
piores coisas, que todos os maus, ladrões, assassinos, pessoas que cometem erros, iam para lá pagar
seus pecados.
Uma professora uma vez me disse que eu tinha de tomar o exemplo do meu pai para a vida.
Que não fizesse coisa errada, não cometesse crimes, não fizesse mau aos outros e rezasse sempre,
que não iria para lá. Lugar de gente sem Deus. Casa do Diabo.
Estranho que para alguém com tanto medo da escola, a cadeia não parecia assustadora, mas
interessante, diferente. Falavam que ninguém queria ir para lá, que era o pior lugar, e precisamente
por isso, tinha vontade de entrar lá, de ver com meus próprios olhos.
Pedia com frequência à minha mãe para me levar lá. Dizia que sofria demais com a falta do
meu pai, que queria vê-lo ao menos uma vez, dar um abraço nele. Mentira. Queria matar a
curiosidade sobre o local misterioso e danado que todos temiam.
Uns minutos depois ela apareceu de novo no quarto, me avisando que tinha deixado comida
pronta na geladeira, e estava indo com meu tio ao Apanhador. Nem levantei a cabeça de volta para
ela, me senti frustrado, era mais um Domingo sozinho, e sem desvendar o mistério da cadeia.