Você está na página 1de 6

Segui Mike até o refeitório. Ele me levou até a mesa onde sentavam seus amigos.

Jessica, a garota que teve Inglês


comigo, acenou e sorriu. Os outros se apresentaram. Ângela, Ben, Lauren, Tyler e mais uns três que não memorizei
os nomes.

Sentei e dei uma mordida no meu sanduiche. Jessica me fez um monte de perguntas, de um jeito bem intrometida.
Ela era bonita, certo. Baixinha, com um cabelo cacheado escuro e volumoso. Mas vi certa falsidade em seu olhar.
Me limitei a dar respostas curtas e ficar na minha.

Olhei ao redor do refeitório. Na fila da comida algo chamou minha atenção. Um cabelo se destacava dos demais.
Laranja avermelhado, cheio e longo. Brilhava no mar de cabelos loiros, castanhos e pretos. Era de uma garota
usando botas, jeans e camiseta no estilo gótico. Parecia deslocada ali. Ainda estava admirando a cor dos cabelos
quando ela cravou os olhos nos meus. Senti meu rosto esquentar e desviei o olhar, embaraçado.

- Quem é ela? – Murmurei para Mike.

- Ela quem?

- A garota ruiva.

Ele olhou ao redor e deu uma risadinha ridícula.

- Está falando da Edyth?

- Não sei, esse é nome dela? A garota na fila.

- Sim, é a Edyth.

Lauren ouviu.

- Falando da Edyth? – Ela disse o nome com desprezo.

- O que há para falar daquela metida? – Jessica completou com nojo.

- Metida, mas linda. – Tyler murmurou.

- Linda, é? Vá lá então, ser humilhado. – Lauren disse para ele.

- Ela é tão ruim assim? – Indaguei olhando de um para outro, surpreso.

- Ruim? Aquela fresca se acha. Não fala com ninguém, a não ser com os ricos.

- Ela não é rica?

- Ah, ela é. Mas, sabe, ela é adotada! – Jessica falou. – Não é realmente de família rica. Talvez tenha nascido no lixo
ou coisa assim.

Achei o comentário de Jessica maldoso, mas não falei nada. Tornei a olhar em volta e a localizei sentada em uma
mesa no fundo. Haviam apenas quatro pessoas sentadas ali, incluindo ela. Uma garota loira falava e gesticulava
animadamente, mas Edyth não parecia muito interessada na conversa. Estava bebendo algo de uma garrafinha, sua
sobrancelha visivelmente arqueada, mesmo de longe.

- Enfim, melhor para você não se meter com ela. – Lauren me disse. – Ela é insuportável e esnobe. Vai te humilhar,
acredite.

Felizmente o assunto se encerrou ali. Não falei mais e quando o sinal tocou olhei no meu papel. Espanhol. Segui o
meu caminho sozinho, já que nenhum dos outros tinha essa aula comigo.

Entrei na sala e dei o papel para a professora assinar.

- Aqui, Sr. Granger. Sente-se com a Srta. Stilbart.


- Quem?

A professora apontou e segui seu olhar. Reconheci na hora os cabelos ruivos de Edyth. O lugar ao lado dela era o
único vazio. Ela estava escrevendo algo no caderno. Fui até e sentei o mais silenciosamente que pude. Edyth
percebeu e olhou para mim. Depois do que ouvi dos outros no intervalo, eu meio que esperava que ela tivesse
cifres e um rabo pontudo. Mas Tyler tinha razão; ela era mesmo linda. Os cabelos cor de bronze caiam ao redor do
rosto pálido em ondas, e seus olhos eram de uma cor cinza tão forte que pareciam quase prateados. Ela tinha um
nariz delicado, lábios cheios e rosto em formato de coração. Não havia uma única sarda ou mancha em sua pele.

Ela corou e desviou os olhos. Isso não condizia com uma garota esnobe. E tendo conhecido muitas garotas esnobes
nas escolas em que estudei, eu tinha experiência; garotas esnobes me olhavam como se eu fosse um verme sempre
que me aproximava demais. Mas Edyth parecia só uma garota tímida.

A professora chamou a atenção da classe e passou o dever do dia. Um teste. Foi fácil. Terminei rápido e fiquei sem
ter o que fazer. Só Edyth terminou tão rápido quanto eu. Ela voltou mexer no caderno e vi que era um desenho. Um
desenho muito bem feito de prédio.

Ela olhou para mim e suas bochechas ficaram vermelhas de novo quando viu que eu estava olhando seu desenho.
Eu fiquei envergonhado também e olhei para o outro lado.

- Oi. – Ela disse baixinho.

A encarei, surpreso.

- Oi. – Falei.

- Você é Anthony, não é?

- Sou?

- Você não tem certeza?

- Quer dizer, sou. Edyth, certo?

- Sim.

O que Lauren tinha dito? Que ela só falava com os ricos? Ela achava que eu era rico? Ou talvez apenas fosse a
inveja dela e de Jessica?

- Gostando da escola? – Ela perguntou de um jeito educado.

- Acho que sim. – Avaliei-a, tentando achar a garota metida que tinham me falado.

Ela estreitou os olhos.

- Porque está me encarando tanto?

- Nada. – Falei rapidamente.

Sua sobrancelha se arqueou, desconfiada. Ela encerrou a conversa olhando para o outro lado, mas não abriu mais
seu caderno. Encolhi os ombros e fui adiantando o dever de trigonometria. Edyth só olhou para mim de novo
quando o sinal tocou. Seus olhos cinzentos se fixaram no que eu tinha acabado de escrever. Ela olhou por uns
segundos antes de jogar a mochila pelo ombro. Então, sem nem se dar ao trabalho de virar, ela disse;

- Está errado.

E saiu da sala com o queixo empinado. Enfim, a esnobe.

Fiz uma careta, mas me recusei a refazer tudo. No fundo, eu desconfiava mesmo que estava errado, só não ia dar
esse gostinho a ela. Juntei tudo e gemi ao ver minha próxima aula. Educação Física.
Me arrastei para o ginásio e quase choraminguei ao vestir as roupas. Agora, eu adorava essa aula quando era
pequeno. Era minha aula preferida. E então eu cai no chão. Bati o nariz. Não sangrou, mas eu vi estrelas. Acabei
chorando um pouco. Um garoto começou a zombar de mim, e logo todos os outros da turma entraram no coro. Foi
humilhante. Talvez, se estivéssemos com nosso professor regular naquele dia nada disso teria acontecido. Mas era
um substituto, e professores substitutos nunca sabem em quem dar à bronca, por isso nunca brigam com ninguém.
E eu passei a odiar Educação Física. Não só por aquele dia, mas por causa de toda aquela turma. Eles zombavam e
faziam piadas todo dia, e piorava quando eu me machucava ou pagava algum mico. Não contei pro meu pai, pois
não queria que ele fosse reclamar na escola. E a nossa professora regular também não ajudou muito. Ela deu
broncas, claro, mas não adiantou; eles me perturbavam com caretas ou gestos quando ela não estava olhando.

Por isso não suporto mais essa aula. Eu perdi a pratica de qualquer tipo de esporte, o que me faz ser ruim em tudo.
E agora sou medroso demais para tentar algo. Sei lá, meu corpo desacostumou a se movimentar.

Nem preciso dizer que foi a pior aula do dia. Corri para o vestiário e dei o fora dali o mais rápido possível. Quando o
sinal tocou eu já estava do lado de fora. Entrei no carro do meu pai e me recostei no banco.

- Dia ruim? – Perguntou preocupado.

- Maios ou menos. Vamos embora.

Ele não falou mais nada e dirigiu para casa. Ylla e Francy já estavam em casa. Phoebe preparava alguns sanduiches.

- Oi, Tom! – Ela disse feliz e veio me abraçar. – Teve um bom dia na escola nova?

Olhei profundamente nos olhos dela. Talvez, se eu não soubesse que ela estava se sentindo mal por ser a causa de
todas as nossas mudanças, ou se eu não me importasse com os sentimentos dela, teria lhe dado uma resposta
grosseira. Mas eu amava Phoebe demais para isso.

- Eu sobrevivi. – Falei e encolhi os ombros. – Posso pegar um?

- Ah, claro que pode! – Ela me deu o sanduiche.

Peito de peru e maionese. O meu preferido, para variar. O jantar foi um pouco tenso naquela noite. Tanto meu pai
quanto Phoebe queriam saber sobre as escolas, os professores, se já tínhamos algum amigo novo. Minhas irmãs
falaram, parecendo muito aborrecidas, e sempre que elas se calavam eu garantia em ter comida na boca para não
poder responder nenhuma pergunta. A mensagem era clara; estamos de saco cheio disso.

Mais tarde, quando eu estava jogado na minha cama olhando para o teto, meu pai veio falar comigo.

- Quer conversar sobre a escola, Tom?

- Não.

- Alguém zombou de você?

- Não.

- Fez algum amigo?

- Sim.

- Ele é legal?

- Sim.

Meu pai suspirou. Ele coçou o pescoço, um hábito que tinha sempre que ficava desconfortável.

- Desculpe, Tom. Sei que é uma porcaria viver mudando de escola, mas Phoebe está confiante. Ela tem quase
certeza de que vai fazer boas vendas aqui, e vamos nos estabelecer de verdade.
Eu poderia ter acreditado nele. Se ele não tivesse me dito isso três mudanças atrás.

- Tá.

- Está bem, então?

- Sim.

Ele não pareceu acreditar.

- Ok, boa noite, Tom.

- Noite. – Resmunguei e puxei o cobertor até o queixo.

O vento foi forte, e dormi mal. Estava de mau-humor na manhã seguinte e não disse uma palavra sequer, nem
durante o café e nem durante o trajeto da escola. Meu pai percebeu que eu estava ruim e não tentou puxar
conversa.

Na aula de trigonometria confirmei que Edyth estava certa; minha lição estava errada. Todos os malditos exercícios
estavam errados. Isso não ajudou em nada no meu humor.

Mike também percebeu que eu estava aborrecido, mas ao contrario do me pai ele tentou conversar. O que só me
irritou mais. Estava pensando seriamente em assassina-lo com meu refrigerante, na hora do almoço, quando Edyth
chegou com a garota loira que falava com ela no dia anterior. Ela me lançou um olhar avaliativo por um segundo e
desviou os olhos. Bufei. Aparentemente a garota arrogante de que ouvi falar estava dando o ar de sua graça.

Felizmente não tinha espanhol hoje. Ao invés disso segui para a aula de história. Peguei uma eletiva de ciências
avançada e segui para lá no oitavo tempo, no quinto andar. Juro, quase matei a aquela primeira aula da matéria
nova ao ver Edyth na sala. Havia onze alunos – doze agora – e a professora, uma senhora de uns cinquenta e poucos
anos com o cabelo cacheado já totalmente branco até o meio das costas.

Ainda bem que minha dupla não foi Edyth. Fiquei com uma garota asiática como parceira. Acho que ela era aluna
de intercambio, pois seu inglês era carregado e hesitante. Mas conseguimos fazer o dever muito bem. Para meu
completo aborrecimento Edyth foi a primeira a acabar – ela acabou, já que parecia ter ignorado completamente seu
parceiro, um garoto loiro e magrelo, e feito tudo sozinha – e a professora elogiou ela na frente de todos. Não fui o
único a atirar nela um olhar azedo.

O sinal tocou e fui para o carro do meu pai rapidamente. Não falei nada, outra vez, e Phoebe estava com uma nova
bandeja de lanches quando chegamos. Muffins de banana e amora. Novamente meus preferidos. Agradeci e comi
alguns antes de me enterrar no meu quarto. Fiz os deveres do dia, conseguindo terminar antes do jantar. Enquanto
comíamos encontrei os olhos verde água de Ylla e vi o mesmo sentimento refletido ali. Aborrecimento.

Estava me preparando para dormir quando ela entrou no meu quarto, mais tarde naquele dia.

- E ai? – Indagou atirando-se na minha cama.

- Oi.

- Sua escola é tão ruim quanto a minha?

- Não tenho como comparar.

- Vai ter. Imagine ter um bando de meninas mimadas, burras e magrelas te enchendo o saco.

- Oi, querida? Passei por um grupinho desses em todas as escolas até agora.

- Certo. Mas lá não é um grupinho, é a maldita escola inteira.

- E Francy?
- Ela é mais paciente do que eu, você sabe.

- Já mandou alguém para o inferno?

- Dez, até agora. E a sua escola? Alguma piranha burra?

Fui incapaz de não pensar em Edyth. Ela não era legal comigo, certo. Mas de acordo com Jessica e Lauren, ela não
era legal com ninguém, e nada do que vi até agora me deu motivos para duvidar disso. Por outro lado, Edyth não
era nada burra.

- Há uma garota, sim. – Respondi finalmente.

- De qual tipo? Daquelas cujo cérebro desceu para os peitos ou do tipo mimadinha?

- Do tipo arrogante.

- Ela é bonita?

- Sim.

- É burra?

- Pior que não. É a primeira do ano. – As palavras saíram com um gosto amargo.

- Você vai conseguir bater as notas dela, sério. Espere até chegar às primeiras provas.

- Talvez.

- Enfim, me livrei dos tarados, mas acabei ganhando um exercito de peitos falsos e cérebros inexistentes. Já se
acostumou com a sua megera?

Dei um sorrisinho.

- Ainda não.

- Uma ultima coisa; ela tem peitos ou bunda grande?

Franzi o cenho para minha irmã.

- Não reparei, pra falar a verdade. Mas acho que não. Por quê?

- Minha teoria. Ou você tem cérebro, ou tem peito e bunda. Não tem um pacote que inclua os dois. Para encher um,
tem que esvaziar o outro.

Eu ri pela primeira vez em dias. Foi bom.

- Não existe meio termo nessa sua teoria? – Brinquei.

- Existe. São as famosas garotas encalhadas.

A lembrança dessas palavras ainda me davam acessos de riso pela manhã. A semana passou lentamente, mas vi a
rotina se formar. Aulas. No refeitório ficava com Mike, Jessica, Lauren e os outros. Edyth não falou mais comigo,
embora ainda me lançasse olhares arrogantes às vezes. Por mim, tudo bem. Depois pegava o carro para ir para casa
com meu pai. Jantava. Dormia. E tudo de novo.

Quando o mês chegou ao fim tive provas na escola. Apesar das palavras de Ylla, não consegui bater as notas de
Edyth. Ela era a primeira no quadro de honra, em todas as matérias. Fiquei em terceiro lugar, o que me chateou um
pouco. Sempre fui o primeiro aluno nas outras escolas.
Phoebe ainda estava um pouco tensa ao nosso redor, tentando nos agradar de qualquer forma que achasse. Eu
estava aborrecido com a situação, mas não com ela, bem, não totalmente. Minhas irmãs eram mais explosivas do
que eu, e ouvi algumas acusações sendo lançadas algumas vezes. Não fiz igual, mesmo sentindo o mesmo.

******

Você também pode gostar