Você está na página 1de 11

ALGUNS EXEMPLOS DE CRIME CONTRA A LIBERDADE PESSOAL E A LIBERDADE SEXUAL

ROGÉRIO TADEU ROMANO

Procurador Regional da Republica

I – A PERSEGUIÇÃO OBSESSIVA E A INTIMAÇÃO VEXATÓRIA E CRIMES CONTRA MENORES E


ADOLESCENTES

A liberdade pessoal, dentro da metodologia estabelecida no Código Penal se


constitui subtítulo, dos chamados crimes contra a liberdade individual(crimes contra a
liberdade pessoal, contra a inviolabilidade do domicílio, contra a inviolabilidade da
correspondência e a inviolabilidade dos segredos), referindo-se aos crimes que ofendem a
liberdade física, a liberdade de movimentos, de locomoção, de escolha de local de
permanência.

Dentre os chamados crimes contra a liberdade pessoal, o Anteprojeto do


Código Penal, de forma elogiável, inclui dois tipos penais que incriminam condutas conhecidas
no mundo de hoje: a perseguição obsessiva ou insidiosa e a intimidação vexatória. Não se fala
aqui, no que o Código Penal de 1969 tipificava como crime de ajuste sobre pessoa
humana(artigo 156), fato punível autônomo. Como ensinou Heleno Cláudio Fragoso(Lições de
direito penal, parte especial – artigos 121 a 212, 7ª edição, pág. 223) é mero ato preparatório
do crime de redução á condição análoga à de escravo.

São infrações que dizem respeito à liberdade física, com a livre determinação e
formação de vontade, com a liberdade de ir e vir e com a manifestação do status libertatis.

Juntam-se esses delitos aos já conhecidos ilícitos contra a liberdade


pessoal, como de constrangimento ilegal, a ameaça(onde não importa que o agente tenha ou
não a possibilidade de executar a ameaça, de praticar o mal enunciado, ou tenha condições de
o fazer), o sequestro e o cárcere privado, a redução à condição análoga à de escravo.

No constrangimento ilegal, a conduta tem em seu núcleo constranger que, no


caso, significa coagir, forçar, obrigar. Essa coação pode constituir-se em violência, com a
prática de lesões ou ato que atinja fisicamente a vitima(amarrar o ofendido, por exemplo) que
pode ser imediata ao ocorrer contra terceira pessoa ou mesmo outra coisa ou mediata. Pode
ocorrer o constrangimento por meio de grave ameaça ou outro meio, abrangendo esse o
emprego de narcóticos, drogas, inebriantes, etc. Enfim, tutela-se, no crime, a liberdade física
ou psíquica da vítima. Qualifica-se o crime, quando para a sua prática, se reúnam mais de três
pessoas ou ainda com emprego de arma. É ainda tipo subsidiário, pois a sanção nele prevista é
meio repressivo suplementar, predisposto para o caso em que determinado fato,
compreendido no conceito de constrangimento ilegal, não seja especialmente previsto como
elemento integrante de outro crime, como é o caso do estupro, por exemplo.

O crime de ameaça pode ser praticado por meio de palavra, escrito, desenho
ou gesto. Esse mal pronunciado há de ser grave, sério, capaz de intimidar. Essa ameaça deve
ser de mal iminente e não de pronunciado para futuro remoto, com a intenção de
intimidar(dolo específico), não a caracterizando as ameaças vagas, feitas sob o império da
cólera passageira, sendo crime formal que se consuma no momento em que a vítima toma
conhecimento da ameaça. Trata-se de crime cuja ação penal é pública condicionada à
representação.

O sequestro ou cárcere privado é crime permanente. Mas há distinção entre


sequestro e cárcere privado. No cárcere privado, ao contrário do sequestro, há clausura,
encerramento em recinto fechado; no sequestro, a detenção ou retenção, que impossibilita a
vítima de se afastar do local em que o agente a colocou, se realiza em aberto ou com
enclausuramento. Nesse caso há enclausuramento e no outro confinamento. Nesse tipo penal,
priva-se alguém da liberdade, podendo a violência ser física ou moral ou ainda por fraude.
Aqui se tem um crime permanente, que se consuma quando alguém fica privado da liberdade
de locomoção, de mover-se no espaço, ainda que por curto lapso de tempo. Haverá incidência
de qualificadora: se a vítima é ascendente, descendente, cônjuge ou companheiro do agente,
criança, adolescente ou idoso; se o crime é praticado mediante internação da vítima em casa
de saúde ou hospital(artigo 149, II, do Anteprojeto do Código Penal); se a privação da
liberdade dura mais de quinze dias ou se o crime é praticado com fins libidinosos(inciso IV). Se
resulta à vitima, em razão de maus-tratos ou de natureza da prisão, grave sofrimento físico ou
moral ou se a privação da liberdade durar mais de seis meses.

Por sua vez, o delito de redução a condição análoga à de escravo, definido no


artigo 149 do Código Penal, com a redação dada pela Lei 10.803, de 11 de dezembro de 2003 e
repetida pelo artigo 150 do Anteprojeto, é assim expresso: ¨Reduzir alguém à condição
análoga à de escravo(a vítima é privada de sua liberdade de escolha e a execução do trabalho
decorre de um regime de sujeição), quer submetendo-o a trabalhos forçados, ou a jornada
exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho(há abuso na sua exigência
pelo agente, quer quanto a sua quantidade, quer quanto as condições propiciadas quanto à
sua execução), quer restringindo , por qualquer meio, sua locomoção em razão de divida
contraída com o empregador ou preposto. Trata-se de crime permanente, sendo necessário
uma certa duração do estado de submissão.

Da mesma forma, entende-se que têm a natureza de permanente os crimes de


perseguição obsessiva ou insidiosa e o de intimidação vexatória.

No artigo 148 do Anteprojeto o núcleo verbal é intimidar, constranger,


ameaçar, assediar sexualmente, ofender, castigar, agredir, segregar a criança ou adolescente,
de forma intencional e reiterada, direta ou indiretamente por qualquer meio, valendo-se da
pretensa situação de superioridade e causando sofrimento físico, psicológico ou dano
patrimonial. É a chamada intimidação vexatória.

O chamado ¨bullying¨, assunto que tem chamado a atenção de pais e


educadores, nos dias atuais, que, inclusive, em alguns casos tem levado jovens ao suicídio ou a
sérios distúrbios emocionais, terá pena de prisão de 1 a 4 anos.
O sujeito passivo do crime é a criança ou o adolescente, obedecendo-se ao
critério já determinado para tanto, pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.

Por sua vez, o artigo 147 do Anteprojeto prevê o chamado ¨stalking, com pena
de prisão de 2 a 6 anos, com a seguinte conduta delituosa: perseguir alguém, de forma
reiterada ou continuada, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica,restringindo-lhe a
capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de
liberdade ou de privacidade.

A internet e as redes sociais são, dentre outros, o campo próprio para tal
situação perniciosa, onde alguém observa, vigia e segue uma outra pessoa. ¨Stalking¨ é a
vigilância exacerbada que uma pessoa dispensa a outra, sem que haja, muitas vezes, motivo
claro. Formas indesejáveis como amedrontar a vítima, criar nela o medo, são extremamente
condenáveis.

Estamos diante de crimes formais, onde o tipo penal menciona a conduta e o


resultado, mas não exige a produção deste último para a sua consumação.

Data vênia, não procedem as críticas daqueles que entendem que ambas as
condutas devem ser objeto de discussão e solução apenas no âmbito pedagógico. Muito mais
do que isso, além do principio da intervenção mínima, é necessário dar uma resposta social,
inserindo essas ações ilícitas como crime, tipificando-as em lei.

Ambos os crimes citados somente serão objeto de ação penal pública


condicionada, que exige a representação da vítima, em prazo decadencial, como condição de
procedibilidade para a ação penal a ser promovida pelo Ministério Público.

Essas condutas se distanciam do crime de assédio sexual, hoje previsto no


artigo 216 – A do Código Penal, ¨constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou
favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente de sua condição de superior hierárquico ou
ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função¨, com pena de 1 a 2 anos,
diante do texto da Lei 10.224, de 15 de maio de 2001. Tem-se um crime contra os costumes,
especialmente capitulado como crime contra a liberdade sexual.

Ainda essas condutas são diversas do crime de assédio de criança para fim
libidinoso, previsto no artigo 498 do Anteprojeto do Código Penal, através do qual o agente
alicia, assedia, instiga ou constrange, por qualquer meio de comunicação, criança, com o fim
de com ela praticar ato libidinoso. O crime tem pena prevista de prisão de um a três anos. Nas
mesmas penas irá incorrer: quem facilita ou induz o acesso à criança de material contendo
cena de sexo explicito ou pornográfica com o fim de com ela praticar ato libidinoso; praticar as
condutas descritas no caput desse artigo com o fim de induzir criança a se exibir de forma
pornográfica ou sexualmente explicita.

Esse crime, previsto no artigo 498 do Anteprojeto, se soma a outros onde há


ofensa à dignidade sexual de vulnerável: fotografia e filmagem de cenas de sexo(artigo 493);
venda de fotografia ou vide com cena de sexo(artigo 495), aquisição ou posse de arquivo com
cena de sexo(artigo 496), simulação de cena de sexo(artigo 497). Todos os delitos cometidos
contra crianças e adolescentes. A esses crimes deveria ser somado o de satisfação de lascívia
mediante presença de criança ou adolescente, previsto no artigo 218 – A, com a redação da Lei
12.015/2009, com pena de 2 anos a 4 anos, permitindo, inclusive, a não decretação de prisão
preventiva, em circunstâncias nocivas a garantia da ordem pública(artigo 312 do CPP).
Melhor seria enquadrar outros delitos que estão espalhados como crimes
sexuais contra vulnerável, na categoria de crimes cometidos contra criança e adolescente,
como se tem dos seguintes exemplos: estupro de vulnerável(artigo 186), com aumento de
pena de um sexto até a metade se resultar gravidez ou doença sexualmente transmissível;
manipulação ou introdução de objetos em vulnerável(que deve ser enquadrado como
estupro); molestamento sexual de vulnerável e ainda o favorecimento da prostituição ou da
exploração sexual de vulnerável(artigo 189 do CP), sendo que nelas submete às mesmas penas
quem praticar ato sexual com pessoa menor de dezoito anos e maior de doze anos,
submetido, induzido, atraído ou exercente de prostituição, o proprietário, o gerente ou o
responsável pelo local em que ocorram as condutas referidas no caput do artigo ou inciso I
daquele artigo.

De toda sorte, havendo delito contra vulnerável, a competência para instruir e


julgar a ação penal é da Vara da Infância e Juventude, como se vê do comando da Lei
12.913/2008.

II – O ESTUPRO, O MOLESTAMENTO SEXUAL, A POSSE SEXUAL MEDIANTE FRAUDE E A


CORRUPÇÃO DE MENORES

O Anteprojeto do Código Penal, no artigo 182, por sua vez, fala em crime de
molestamento sexual, que é ¨Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou se
aproveitando de situação que dificulte a defesa da vítima, à prática de ato libidinoso diverso
do estupro vaginal, anal e oral¨, com prisão de dois a seis anos. Se molestamento se fizer sem
violência ou grave ameaça, a pena será de um a dois anos.

Condutas que hoje, com o Código Penal de 1940, Parte Especial, são
consideradas como ato obsceno, artigo 233 do Código Penal, como a bolinação em público(RT
420/248), apalpar as nádegas((RT 537/332) ou ainda os seios de alguém, sempre que se estiver
em situação que dificulte a defesa da vítima ou ainda mediante violência ou grave ameaça.
Mas lembre-se de que para o crime de ato obsceno, basta a prática da obscenidade em local
público, aberto ou exposto ao público, independente de ter sido visto por alguém, bastando
ser potencialmente escandaloso.

De outro lado, há o molestador sexual de crianças, que não seriam pedófilos.

O molestador de crianças seria aquele que teria qualquer comportamento ou


atividade sexual abusiva ou não-consensual para com uma criança, especificamente proibido
em lei. O molestador de crianças seria uma pessoa mais velha que se envolve em atividades
sexuais ilegais com sujeitos legalmente definidos como sendo crianças. Como observa Débora
Vanessa Xavier Monteiro (Crimes sexuais contra crianças: pedófilo vs. molestador sexual )
diferentemente do pedófilo, o molestador sexual de crianças nem sempre apresenta motivos
de origem/desejo sexual, não apresenta preferência sexual por crianças, em geral foi vitima de
abusos em sua história de vida, apresentado baixos padrões morais e baixa autoestima.
Enquanto que o pedófilo, a imaginação e as fantasias sexuais estão concentradas em crianças,
o molestador sexual de menores é situacional e aproveita uma oportunidade que se apresenta
para atuar.

O molestamento sexual de vulnerável está previsto no artigo 188 do


Anteprojeto do Código Penal, onde se prevê o constrangimento de alguém que tenha até doze
anos à prática de ato libidinoso diverso do estupro vaginal, anal ou oral, incidindo na mesma
conduta alguém que abusa de pessoa portadora de enfermidade ou deficiência mental, ou de
quem, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência ou não possui o necessário
discernimento.

Necessário discorrer que a figura do estupro, do que se tem do artigo 180 do


Anteprojeto, leva em conta o que disciplina o artigo 213 do Código Penal, na redação dada
pela Lei 12.015/09, onde se protege a liberdade sexual da pessoa que sofre o
constrangimento, a faculdade de se comportar no campo sexual segundo os seus próprios
desejos, podendo se sustentar a viabilidade de haver estupro cometido por agente homem
contra vítima mulher, por agente homem contra vítima homem, por agente mulher contra
vítima mulher, unificando-se o antigo crime de estupro e o antigo crime de atentado violento
ao pudor. Por sua vez, na linha do Estatuto da Criança e do Adolescente, o Anteprojeto baixa
de 14 anos para 12 anos, a idade para o caso de estupro de vulnerável.

Do antigo atentado violento ao pudor tem-se que consiste na prática de um


ato contrário aos bons costumes, contra pessoa de qualquer sexo, mediante violência ou grave
ameaça. Mesmo, no casamento, identifica-se tal crime, pois havia o entendimento de que nele
poderiam ocorrer práticas que não entravam na finalidade do matrimônio e que, se era certo
podiam integrar a vida sexual dos casados, quando eles a isso anuírem, seriam ofensa quando
forem estranhas ao hábito sexual e o marido usasse de violência para vencer a resistência da
mulher, com dizia Magalhães Noronha(Direito Penal).

Como bem explica Celso Delmanto(Exercício e abuso de direito no crime de


estupro, RT 536/258), em entendimento anterior à Lei 12.015, pode ocorrer o estupro
praticado pelo marido pela mulher, sempre que houver constrangimento do marido para a
realização da conjunção carnal por constituir o fato abuso de direito. Data vênia, entende-se
superada a ideia trazida por Nelson Hungria de que, havendo casamento, havia a cópula lícita,
diante do dever recíproco de ambos os cônjuges, a não ser nos casos de recusa da mulher, por
estar o marido com doença venérea( Comentários ao Código Penal, volume VIII, ed. 1981, pág.
114 e 115).

O estupro, hoje, com a Lei 12.015/2009, passa a ser considerado um crime


comum, e não mais ¨bi-próprio¨, podendo ser praticado por homem ou mulher, podendo ser
sujeito passivo, homem ou mulher.

A ação típica do estupro é constranger(forçar, compelir) alguém,mediante


violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou praticar ou permitir que com ele outro se
pratique outro ato libidinoso. Unificam-se as condutas antes descritas nos artigos 213 e 214 do
Código Penal, ou seja, o bem jurídico tutelado, repito, passou a ser a liberdade sexual do
homem e da mulher. Se para a consumação do estupro, pela conjunção carnal, não se exige a
completa introdução do pênis na vagina, nem é necessário a ejaculação, no que toca ao ato
libidinoso, a forma de consumação é mais ampla, bastando o toque físico eficiente para gerar a
lascívia ou o constrangimento efetivo da vítima a se expor sexualmente ao agente para ser
atingida a consumação. É, pois, crime material, comissivo, de dano(a consumação demanda
lesão ao bem tutelado), unissubjetivo(pode ser cometido por uma só pessoa),
plurissubsistente, pois é praticado em vários atos, admitindo tentativa.

A oposição da vítima deve ser sincera e positiva, manifestando-se por


inequívoca resistência, não bastando a oposição meramente simbólica, por simples gritos ou
ainda passiva e inerte(RT 429/376).

Ato libidinoso é qualquer ato que satisfaça a libido alheia, mediante violência
ou grave ameaça, não se incluindo, aqui, fotos, escritos ou imagens. O beijo lascivo pode ser
considerado no tipo hoje existente.

Além disso, o estupro se qualifica caso haja lesão corporal de natureza grave
ou ainda resultasse morte.

Da maneira como está hoje a redação do artigo 213 do Código Penal,o tipo
previsto no artigo 181 do Anteprojeto(Manipulação e introdução sexual de objetos) pode ser
absorvido pelo estupro.

Discute-se se a ação penal nos casos de estupro, exceto no caso de vulnerável


e de pessoa vítima até 18 anos, deve ser feita mediante representação. Por sinal, a
Procuradoria-Geral da Republica ajuizou ação direta de inconstitucionalidade(ADI 4.301) no
Supremo Tribunal Federal contra a redação que foi dada ao artigo 225 do Código Penal, que
prevê que, nos crimes de estupro que resultem lesão corporal grave ou morte, O Ministério
Público deve proceder mediante ação penal pública condicionada.

Ora, nos demais crimes definidos na legislação penal que acarretem lesão
grave ou morte, a ação penal é sempre pública incondicionada. Permissão com relação a ação
penal pública condicionada nesses casos fere o principio da razoabilidade. Ademais, fere o
princípio da dignidade da pessoa humana(artigo 1º, III, CF), ao princípio da proibição da
proteção deficiente, importante ofensa ao principio da proporcionalidade, deixando sem
proteção bens jurídicos normalmente tratados como de elevada importância.

Por força do artigo 56, V, o Anteprojeto coloca o estupro e o estupro de


vulnerável como crimes hediondos, seja na forma consumada ou tentada. Segue-se o histórico
traçado na Lei 8.072/90. Realmente, como revelou Hélio Gomes(Medicina Legal, Biblioteca
Universitária Freitas Bastos, pág. 480), o estupro é o que revela maior temibilidade do
delinquente, revelando o primitivismo e selvageria dos estupradores.

O estupro com violência presumida, já com a Lei 12.015, já havia deixado de


existir. Passou a ser estupro de vulnerável, hipótese de prática de conjunção carnal ou ato
libidinoso contra menores de 14 anos.

Quanto a posse sexual mediante fraude, a antiga redação que foi dada ao
artigo 215 do Código Penal foi extinta. Com a mudança, o crime deixa de ocorrer apenas
contras as mulheres. Além da fraude, passa a cometer o crime aquele que utilize meio que
¨impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima.¨ Retirou-se do tipo penal a
expressão ¨mulher honesta¨, ficando o tipo assim redigido: ¨Ter conjunção carnal ou praticar
outro ato libidinoso com alguém, mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a
livre manifestação de vontade da vítima¨. A pena é de dois a seis anos, podendo se aplicar a
multa, se o fim é cometido com o fim de vantagem econômica. No entanto, o Projeto do
Código Penal se propõe a abolição do tipo posse sexual mediante fraude.
Por sua vez, o artigo 218 do Código Penal, na redação que lhe era dada pela
Parte Especial, falava em ¨Corromper ou facilitar a corrupção de pessoa maior de 14(quatorze)
anos e menor de 18(dezoito) anos, com ela praticando ato de libertinagem, ou induzindo-a a
praticá-lo ou presenciá-lo.¨

Com a Lei 12.015/2009,passou a ter: ¨Induzir alguém menor de 14(quatorze)


anos à lascívia de outrem. A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça aprovou a Súmula
500, que trata de crime de corrupção de menores. Com a decisão, consolidou-se
entendimento de que se trata de crime formal, sendo suficiente a comprovação da
participação de inimputável em prática criminosa, na companhia de maior de 18 anos. Tudo
isso independe do fato do menor ser primário ou já ter cumprido medida socioeducativa,
sendo irrelevante seu grau prévio de corrupção. O STF já entendeu que basta a prática de atos
aptos a corromper a ofendida, sendo dispensável que esta fique realmente corrompida(RT
610/462, 634/393). O crime consuma-se com a efetiva prática do ato libidinoso(RT 541/363).

IV – O ASSÉDIO SEXUAL

A Lei 10.224 não previu o chamado assédio ambiental, que consta do Código
Penal Espanhol(artigo 173), e que se caracteriza por ¨um comportamento de natureza sexual
de qualquer tipo que tem como consequência produzir um contexto laboral negativo –
intimidatório, hostil, ofensivo ou humilhante, para o trabalhador, impedindo-o de desenvolver
seu trabalho em um ambiente minimamente adequado¨. Na Administração Pública, pode-se
enquadrar tal conduta como improbidade, sujeitando-a a punições funcionais, por desvio de
conduta.

Qualquer pessoa, homem ou mulher pode ser sujeito ativo do crime.

Quanto a diarista, há duas posições: a) não há delito, tendo em vista a


ausência de relação de emprego; b) existe crime, pois a diarista encontra-se em posição de
inferioridade na relação de trabalho. Ora, a diarista não realiza atividade que possa ser
enquadrada como empregatícia.

A doméstica poderá ser sujeito passivo do crime e o empregador o sujeito


ativo, pois encontra-se presente uma relação laboral.

Não seria sujeito passivo desse crime: pessoa sujeita à hierarquia religiosa,
hóspede; empregado de hotel se assediado por hóspede ou ainda empregada doméstica que
seja assediada por vizinho.

O crime de assédio sexual é formal, pois consuma-se com a conduta de


constranger, independente de se obter ou não os favores sexuais pretendidos, sendo
admissível a tentativa.

Constranger é forçar, compelir, compelir, obrigar.


Já se entendeu que não se configura o crime se o intuito do agente é o de fazer
galanteio, ¨paquerar¨, ¨flertar¨, ou de obter simples beijo ou abraço. Por essa razão, já se fez
desclassificação, entendendo que se estava diante de atos inoportunos que apenas molestam
o ofendido, e que podem se caracterizar como contravenção(RT 447/357-8).

Pode haver a figura da coautoria ou ainda da participação desde que o coautor


ou partícipe saiba da superioridade hierárquica ou ascendência do agente sobre a vítima.

Por sua vez, não haverá tentativa, por se entender ser o crime unissubsistente.

Em face da pena, o crime de assédio sexual comporta o benefício da transação


penal, a ser proposta nos Juizados Especiais Criminais.

O Anteprojeto, no artigo 184, prevê que é crime constranger alguém com o fim
de obter prestação de natureza sexual, prevalecendo-se o agente da condição de superior
hierárquico, ascendência, confiança ou autoridade sobre a vítima. Por outro lado, se a vítima
for criança ou adolescente, a pena é aumentada de um terço até a metade.

V – EXPLORAÇÃO SEXUAL E ESTERILIZAÇÃO FORÇADA

O Anteprojeto do Código Penal, lança os crimes de exploração sexual(artigo


183) e esterilização forçada(artigo 185) ainda como crimes contra a liberdade sexual.

O crime de exploração sexual, melhor fosse colocado como do lenocídio e do


tráfico de pessoa para fim de prostituição ou outra forma de exploração sexual, do que se vê
da Lei 12.015/2009, artigo 228.

Tem-se no crime de exploração sexual, ¨obrigar alguém a exercer a


prostituição ou impedir ou dificultar que a abandone.¨

O tipo previsto no artigo 228, na redação dada à Parte Especial, previa ¨induzir
ou atrair alguém à prostituição , facilitá-la ou impedir que alguém a abandone.¨

O projeto propõe a abolir esse tipo penal de favorecimento à prostituição,


assim como outros crimes: mediação para servir à lascívia de outrem(artigo 227), casa de
prostituição(artigo 229), rufianismo(artigo 230), ato obsceno(artigo 223), escrito ou objeto
obsceno(artigo 234). Lembre-se, nesse passo, que a casa de prostituição é crime habitual, cuja
prisão em flagrante, muitos na doutrina, não a reconhecem, sendo ainda discutível, pelos
estudiosos, a criminalização da prática da mediação para alguém servir à lascívia de outrem, se
a pessoa que se prostitui assim age costumeiramente.

Anoto que o tráfico de pessoas(artigo 469 do Anteprojeto) passou a constituir


crime contra os direitos humanos, configurando-se se houver emprego de ameaça, violência,
coação, fraude ou abuso. Será atípica a simples intermediação da prostituição(lenocínio), isto
é, sempre que a suposta vítima, voluntariamente, e sem constrangimento ilegal algum, entrar
ou sair do país para exercer a prostituição ou similar.
Mas, será crime a conduta de obrigar alguém a exercer a prostituição ou
impedir ou dificultar que a abandone. Salutar, pois, a introdução da conduta como tipo penal.
Obrigar é impor, forçar, coagir, compelir. Por sua vez, a prostituição, que não é crime, ¨estar à
espera de quem venha¨, representa a atitude, seja da mulher, ou ainda do homem,
oferecendo-se publicamente à concupiscência. Por prostituição se entende a prática sexual
constante, promíscua e remunerada. Assim tem-se: o comércio sexual constante, a
multiplicidade de parceiros sexuais, o fim de lucro.

Prevê o Anteprojeto ainda um tipo penal relacionado com a prostituição: a


transgenerização forçada(artigo 464), que tem a seguinte redação: ¨Realizar em alguém,
contra a sua vontade, qualquer ato tendente a alterar a percepção social de seu gênero
designado pelo nascimento, com o fim de submetê-lo, induzi-lo à prostituição ou qualquer
forma de exploração sexual. Ora, melhor seria que se constituísse não um novo tipo penal,
mas uma forma equiparada ao tipo de exploração sexual(artigo 183), em parágrafo específico.

A esterilização forçada ou irregular é tratada, de forma errônea, data vênia,


como crime contra a liberdade sexual. É crime contra a pessoa ou contra a integridade física.

Na matéria, há a Lei 9.263, de 12 de janeiro de 1996.

O artigo 183 do Anteprojeto cria um tipo penal; ¨Esterilizar alguém sem o seu
consentimento genuíno.¨. O crime tem pena de prisão de dois a oito anos.

Há uma qualificadora prevista, no parágrafo único, do artigo 184, se o crime é


cometido com o fim de modificar ou comprometer a unidade étnica de um grupo, com pena
de prisão de seis a doze anos.

Vem a ideia de eugenia.

A eugenia é um termo cunhado em 1883 por Francis Galton que vem do grego
eu, significando bom e genics, origem, ou seja, boa origem.

Vale lembrar que, em 14 de julho de 1933, os nazistas aprovaram uma lei para
a esterilização forçada de pessoas com doenças consideradas hereditárias, para que não
passassem aos filhos. Ali, no artigo 10, é prevista a chamada esterilização voluntária,
expressando a lei, de forma correta, que, na vigência da sociedade conjugal, a esterilização
depende do consentimento expresso de ambos os cônjuges(parágrafo quinto) e que a
esterilização cirúrgica em pessoas incapazes somente poderá ocorrer mediante autorização
judicial, regulamentada na forma da Lei(parágrafo sexto).

A esterilização cirúrgica, como método contraceptivo somente será executada


através da laqueadura tubária, vasectomia ou de outro método cientificamente aceito, sendo
vedada através da histerectomia e ooforectomia.

Por ser assim a norma estabelece, no artigo 10, que a esterilização voluntária
somente será permitida:

I - em homens e mulheres com capacidade civil plena e maiores de vinte e cinco anos de idade
ou, pelo menos, com dois filhos vivos, desde que observado o prazo mínimo de sessenta dias
entre a manifestação da vontade e o ato cirúrgico, período no qual será propiciado à pessoa
interessada acesso a serviço de regulação da fecundidade, incluindo aconselhamento por
equipe multidisciplinar, visando desencorajar a esterilização precoce;

II - risco à vida ou à saúde da mulher ou do futuro concepto, testemunhado em relatório


escrito e assinado por dois médicos.

§ 1º É condição para que se realize a esterilização o registro de expressa manifestação da


vontade em documento escrito e firmado, após a informação a respeito dos riscos da cirurgia,
possíveis efeitos colaterais, dificuldades de sua reversão e opções de contracepção reversíveis
existentes.

§ 2º É vedada a esterilização cirúrgica em mulher durante os períodos de parto ou aborto,


exceto nos casos de comprovada necessidade, por cesarianas sucessivas anteriores.

§ 3º Não será considerada a manifestação de vontade, na forma do § 1º, expressa durante


ocorrência de alterações na capacidade de discernimento por influência de álcool, drogas,
estados emocionais alterados ou incapacidade mental temporária ou permanente.

§ 4º A esterilização cirúrgica como método contraceptivo somente será executada através


da laqueadura tubária, vasectomia ou de outro método cientificamente aceito, sendo vedada
através da histerectomia e ooforectomia.

§ 5º Na vigência de sociedade conjugal, a esterilização depende do consentimento


expresso de ambos os cônjuges.

§ 6º A esterilização cirúrgica em pessoas absolutamente incapazes somente poderá


ocorrer mediante autorização judicial, regulamentada na forma da Lei.

Melhor será manter a redação dos crimes já existentes no Brasil com relação a
esterilização:

Art. 15. Realizar esterilização cirúrgica em desacordo com o estabelecido no art. 10 desta Lei.
(Artigo vetado e mantido pelo Congresso Nacional) Mensagem nº 928, de 19.8.1997

Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa, se a prática não constitui crime mais grave.

Parágrafo único - A pena é aumentada de um terço se a esterilização for praticada:

I - durante os períodos de parto ou aborto, salvo o disposto no inciso II do art. 10 desta


Lei.

II - com manifestação da vontade do esterilizado expressa durante a ocorrência de


alterações na capacidade de discernimento por influência de álcool, drogas, estados
emocionais alterados ou incapacidade mental temporária ou permanente;

III - através de histerectomia e ooforectomia;

IV - em pessoa absolutamente incapaz, sem autorização judicial;


V - através de cesária indicada para fim exclusivo de esterilização.

Art. 16. Deixar o médico de notificar à autoridade sanitária as esterilizações cirúrgicas que
realizar.

Pena - detenção, de seis meses a dois anos, e multa.

Art. 17. Induzir ou instigar dolosamente a prática de esterilização cirúrgica.

Pena - reclusão, de um a dois anos.

Parágrafo único - Se o crime for cometido contra a coletividade, caracteriza-se como


genocídio, aplicando-se o disposto na Lei nº 2.889, de 1º de outubro de 1956.

Art. 18. Exigir atestado de esterilização para qualquer fim.

Pena - reclusão, de um a dois anos, e multa.

Art. 19. Aplica-se aos gestores e responsáveis por instituições que permitam a prática de
qualquer dos atos ilícitos previstos nesta Lei o disposto no caput e nos §§ 1º e 2º do art. 29 do
Decreto-lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal.

De outra sorte, a Lei fala em ¨consentimento genuíno, expressão que a


doutrina não refere e, parece-me a lei extravagante citada, por outro lado, não define, com a
precisão necessária, para o tipo penal o que se pretende de fato proibir: laqueadura realizada
em pessoa que não consente ou que consente de forma inválida, por ser incapaz de consentir
validamente, ou por se tratar de consentimento obtido mediante fraude, coação, etc.

Você também pode gostar