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Público • Sábado, 13 de Maio de 2023 • 13

A cobertura do “caso Boaventura” (parte II)


subsequentes saíram vários artigos a “Não gostamos de fontes anónimas, mas, a diÆculdade em conseguir que as fontes
Coluna enquadrar o fenómeno, ouvindo como sabemos, podemos usá-las se nos dêem a cara em situações do tipo das que
do Provedor psicólogos, juristas e outros especialistas. merecem credibilidade, se as suas são relatadas. Aliás, umas das peças dizia
Mas é a manchete do dia 13/4 que marca informações são cruzadas com outras, se justamente que não era por acaso que as
o tom da primeira fase da cobertura. Ao há interesse público no que dizem”, denunciantes eram todas alunas externas,
dar metade da capa, em letras garrafais a explica, e dá o exemplo de um caso em ou seja, pessoas que já não estavam na
vermelho sobre fundo negro ao assunto que uma das entrevistadas dependência do acusado. Mas os
(ver foto), o jornal destoa do seu registo anonimamente num dia (13/4) decidiu jornalistas devem ter sempre em mente
habitual e aproxima-se de um certo revelar a identidade no dia seguinte que essa é a excepção, e devem fazer um
José Alberto Lemos
sensacionalismo justiceiro. (14/4). É um bom exemplo, sem dúvida, esforço para que as fontes dêem a cara,
Andreia Sanches defende a opção: que merece destaque. Mas aqui o jornal porque a coragem de uns incentiva a
Os jornalistas devem ver no “Escolhemos a frase de uma das cometeu um erro, porque não tirou coragem dos outros, como temos visto
anonimato a excepção e fazer investigadoras que disseram ter sido alvo partido da situação. nos últimos anos pelo mundo fora.
de assédio sexual por parte de B.S.S. que A 15 de Abril, o destaque do dia foi o O artigo em que o anonimato é menos
um esforço para que as fontes nos parece resumir bem a ideia assédio sexual, com o título principal na compreensível saiu no destaque do dia
dêem a cara. A coragem de importantíssima da diÆculdade que existe primeira página a informar que só 13% 15/4 em que se faz um “retrato” do CES
em denunciar situações de assédio. (…) dos inquéritos dão origem a acusação, e através do depoimento de “três
uns incentiva outros Seguem-se (…) vários títulos que dão cinco peças no interior. Noticiava-se a investigadores da velha guarda” do
conta de diferentes reacções ao assunto questão dos inquéritos sem centro. Ora, tratando-se de “velha
a coluna da semana passada, (desde a reacção de Boaventura, que consequências, o auto-afastamento/ guarda”, deduz-se que serão pessoas não

N abordei a cobertura que o


PÚBLICO fez do chamado
“caso Boaventura” tendo
como pretexto um email
proveniente do Brasil que
acusava o jornal de ter montado uma
campanha contra o sociólogo suspeito de
assédio sexual a várias investigadoras que
passaram pelo Centro de Estudos Sociais
desmente e dá conta de que vai recorrer à
justiça, ao enquadramento mais
‘sociológico’ do que é assédio). Não acho
que haja aqui, nem do ponto de vista
gráÆco nem no texto, um registo
tablóide.” E a directora adjunta conclui:
“Concordámos que seria uma óptima
capa para o dia seguinte, reÇectindo a
importância que damos ao tema”. Daí, “a
suspensão de Boaventura do CES, um
manifesto de 250 académicos e agentes
culturais de solidariedade com as autoras
das acusações a B.S.S., havia um “retrato”
do CES e uma entrevista à coordenadora
do primeiro inquérito nacional sobre o
assédio. Mas na véspera, às 19h41, tinha
saído na edição digital a peça com a
queixosa a revelar a sua identidade,
dependentes do “messias” do CES nem
do seu “culto” (termos usados no artigo),
o que torna ainda menos aceitável o
anonimato em que se refugiam. E, das
duas, uma: ou partilham do péssimo
hábito português do “atira a pedra e
esconde a mão”, ou a sua reverência pelo
“messias” mantém-se intacta hoje tanto
quanto nos tempos de juventude.
(CES) de Coimbra, dirigido durante muitos minha convicção de que Æzemos uma dando rosto e coragem a um processo que Nenhuma das hipóteses é lisonjeira para
anos pelo próprio Boaventura Sousa capa importante, num momento até aí tinha tido o anonimato como regra. investigadores em Ciências Sociais.
Santos. excepcional. A excepcionalidade da capa É incompreensível que esta peça não Após a troca de emails entre o provedor
Embora refutando a ideia de campanha justiÆca-se.” tenha integrado o destaque do jornal e a Direcção Editorial, que ocorreu entre
montada para “linchar” o visado, os O provedor concorda que a capa foi impresso do dia seguinte, nem dos que os dias 18/4 e 20/4, a cobertura do “caso”
primeiros artigos sobre o “caso” deixaram importante, sem dúvida, mas mais pela lhe sucederam. prosseguiu nas páginas do jornal e, em
em alguns leitores a sensação de excesso negativa, porque a sua exuberância O provedor compreende perfeitamente certo sentido, tornou-se mais equilibrada.
no tom e profusão noticiosa, que o gráÆca confundiu o jornal com as práticas Sobretudo porque Boaventura enviou
comunicaram verbalmente ao provedor e dos tablóides e colocou a investigação ao uma declaração escrita ao PÚBLICO em
que motivaram uma atenção redobrada à “caso” num patamar em que jornalismo e sua defesa (21/4), que teve chamada na
questão. Na sequência da qual decidi activismo mal se distinguem. Já aqui primeira página, e uns dias depois (27/4)
interpelar a Direcção Editorial nos chamei a atenção, mais do que uma vez, “refutou” acusações de uma activista
seguintes termos: se entende que a para que a forma também tem conteúdo. argentina, através de um documento
cobertura tem sido distanciada, não no Neste caso, sendo a escolha da frase para enviado ao jornal transcrevendo emails
sentido de neutralidade, mas no de manchete feliz, a forma gráÆca que lhe foi alegadamente trocados entre si e a
procurar opiniões divergentes da dada condicionou uma leitura crítica e acusadora, também com chamada na
condenação popular e generalizada que distanciada. primeira página.
tem sido feita; se entende que a manchete Por outro lado, a “excepcionalidade” “A nossa cobertura não está, como é
do dia 13 corresponde ao estilo do do “caso” talvez não seja tão excepcional óbvio, isenta de críticas, para mais num
PÚBLICO ou se aproxima mais de um assim. Só entre 11 e 28 de Abril, em que o tema tão complexo”, admite Andreia
tablóide; se entende que alguns dos textos “caso” foi noticiado, o próprio PÚBLICO Sanches. E prossegue: “Entendo, nalguns
publicados — que só citam fontes deu notícia de que a Universidade do momentos, a sensação de excesso de
anónimas e não identiÆcam um único Porto validou cinco queixas de assédio artigos sobre o mesmo assunto (…). Até
nome — obedecem aquilo que o Código moral e sexual (19/4), de que o Instituto porque, a certa altura, aos nossos
Deontológico e o Livro de Estilo do jornal Politécnico do Porto suspendeu três trabalhos juntam-se os artigos de opinião
recomendam; se entende que a profusão professores suspeitos de assediarem dos colunistas, que são, claro,
de notícias, de textos de opinião e de alunas (21/4), de que duas dessas alunas inteiramente livres de escolher os temas
editoriais, não aproxima esta cobertura relataram ao jornal o assédio de que que entendem, mas que convergiram,
mais de um activismo político do que de foram vítimas (22/4), de que uma muitas vezes, neste tema. Contudo, estou
uma abordagem jornalística. procuradora de Beja acusou um colega de convicta que Æzemos bom jornalismo,
A resposta veio da directora adjunta a assediar (22/4), e de que a ministra do rigoroso e com ângulos muito diversos, e
Andreia Sanches, que fez uma cronologia Ensino Superior revelou que nos últimos não, de todo, ‘activismo político’, como o
do noticiário para justiÆcar a “variedade cinco anos foram registadas 38 queixas de provedor sugere.”
de ângulos e de abordagens”. A primeira assédio sexual (28/4). Ou seja, o assédio Genericamente, o provedor concorda
notícia saiu no dia 11/4 ainda sem referir o sexual é um Çagelo que não se reduz ao O provedor concorda com a conclusão da directora adjunta.
nome do sociólogo, mas no dia seguinte “caso Boaventura” e mesmo tendo em Com a ressalva da manchete do dia 13/4 e
informa-se que ele havia assumido ser o conta a notoriedade pública do
que a capa foi de um ou outro erro pontual, como, por
visado pelas acusações. O jornal tentou personagem e o seu impacto mediático importante, mas mais exemplo, a ausência total de depoimentos
falar com ele, mas em vão. Citou, contudo, isso não deve levar o PÚBLICO a resvalar que contrariassem a “condenação” do
as suas declarações ao Diário de Notícias, para registos sensacionalistas.
pela negativa. A sua visado — como fez alguma concorrência
acautelando assim o contraditório. Nesse Quanto à proliferação de fontes exuberância gráÄca —, a cobertura de um “caso” delicado e
mesmo dia, 12/4, sai um texto apenas na anónimas nas notícias, Andreia Sanches difícil acabou por ser a adequada.
edição digital a relembrar outros casos de chama a atenção para as situações de
confundiu o jornal com
assédio nas universidades e nos dias “especial vulnerabilidade” das vítimas. as práticas dos tablóides provedor@publico.pt

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