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COLÉGIO “O BOSQUE”

“CIÊNCIA FORENSE NA LITERATURA NORTE-AMERICANA”

ISABELA RIBEIRO SILVA1

LEONARDO SOUZA LIMA2

ORIENTADORAS: Profª. Drª Ana Lucia Branco3

Profª. Agnes Pedrosa Bucci4

RESUMO: A partir do conceito aristotélico de verossimilhança, será analisada a


existência de um elemento bastante presente da literatura norte-americana, a
ciência forense. Esse tópico é muito trabalhado nos Estados Unidos, por conta
dos fatores socioculturais e econômicos, visto que os textos literários são
escritos de forma a refletir a sociedade. Dessa forma, a fim de esboçar tal ideia
com mais concretude, serão utilizados dois artigos: o primeiro de Vitor Yohan,
Reflexões sobre a química forense no Brasil e nos EUA; o segundo, Literatura e
Sociedade: da teoria do reflexo à construção discursiva de identidades sociais,
de Luciana Marinho Fernandes da Silva. Por fim, com o intuito para abordar esse
tema, foi escolhido a obra ficcional de Charlie Donlea Não confie em ninguém
(2018).

PALAVRAS-CHAVE: Literatura; ciência forense; verossimilhança; sociedade.

ABSTRACT: From the Aristotelian concept of verisie, the existence of a very


present element of American literature, forensic science, will be analyzed. This
topic is much worked in the United States, because of sociocultural and economic
factors, since literary texts are written in a way that reflects society. Thus, in order
to outline this idea with more concreteity, two articles will be used: the first by
Vitor Yohan: Reflections on forensic chemistry in Brazil and the USA; the second,
Literature and Society: from reflex theory to the discursive construction of social
identities, by Luciana Marinho Fernandes da Silva. Finally, the intention to
address this theme was chosen the fictional work of Charlie Donlea Don’t believe
it (2018).

KEYWORDS: Literature; forensic science; likelihood; society.

1
Isabela Ribeiro Silva, aluna do 3º EM do Colégio “O Bosque”, Santo André/SP.
2
Leonardo Souza Lima, aluno do 3º EM do Colégio “O Bosque”, Santo André/SP.
3
Profª. Drª. Ana Lúcia Branco, Redação e Gramática.
4
Profª. Agnes Pedrosa Bucci, Literatura e Inglês.
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INTRODUÇÃO

A sociedade e a literatura dialogam entre si, de modo que é comum, em


textos literários, a presença de temas cotidianos, como, por exemplo, na Belle
Époque, em que o Futurismo era muito marcante, nos livros, por glorificar as
evoluções tecnológicas condizentes com a época. Esse fenômeno é explicado
pela Teoria do Reflexo, na Literatura, que traz o conceito de que a obra de arte
espelha a ideologia vigente, na sociedade, e lhe atribui, à arte, um caráter
subversivo (Silva, 2005, p. 2).

Na literatura norte-americana, é usual ver o tema recorrente da Ciência


Forense em livros de suspense ou de terror, diferentemente da Literatura
Brasileira, na qual é muito rara a presença de investigações mais complexas nos
enredos. Essa discrepância pode ser justificada pelo fato de que não é verossímil
a presença deste elemento, na literatura, uma vez que, na realidade cotidiana, a
ele não é comum, tão pouco explorado nas investigações ou investido recurso
na área.

Torna-se um problema, à medida que muitas investigações, na vida dos


cidadãos, não são concluídas pela falta de uso deste artifício; apenas em casos
nos quais a vítima possui status social ou econômico é resolvido. Então, a
literatura poderia atingir essa problemática? Será que ela impacta, de forma
notável, a sociedade? Esse trabalho tentará, então, responder a esses
questionamentos de forma clara e coesa.

Dessa forma, iniciaremos o artigo, explicando o conceito da Ciência


Forense, de maneira que seja possível o entendimento dessa área e da sua
importância e, logo em seguida, será demonstrado como aparece na literatura
em parâmetro com a vida real por meio do artigo de Vitor Yohan. Posteriormente,
o artigo segue com explicações importantes a respeito da literatura para
compreender como um texto é formado, por intermédio do livro Poética de
Aristóteles. Para finalizar, apresentaremos a Teoria do Reflexo, que é
fundamental para estabelecer a relação entre a literatura e a sociedade.

CONCEITUAÇÃO

Ciência Forense, também conhecida pelo nome popular Criminalística,


é a junção de várias áreas, a fim de descobrir, através de investigações, os
motivos, as circunstâncias e o autor de determinado crime. Tem cunho judicial e
pode ser definida como um conjunto de conhecimentos, de métodos e de
técnicas científicas, principalmente, na área da genética.

Passou a ser desenvolvida a partir do século XVI, mas, apenas no século


XVIII, revelou indícios da primeira evidência da patologia moderna. O nome
Ciência Forense deriva do latim forensis (SARAIVA, 2000) e, em princípio,
significava discussão ou exame realizado em público. Por ter caráter popular,
havia, por consequência, muita pressão em cima da feitura e dos laudos, por
conseguinte, além da importância para determinar o culpado, passou a ser
relevante nos tribunais, o que fez a Ciência Forense ter caráter jurídico.
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Atualmente, ainda é uma área interdisciplinar que envolve várias ciências;


o objetivo continua similar ao do passado de forma que visa confirmar ou
descartar o envolvimento do(s) suspeito(s), porém as técnicas são muito mais
precisas e contam com análise de DNA, uma invenção que revolucionou o modo
de investigação (Sebastiany, Pizzato, Del Pino, Salgado, 2013, p. 272). Uma das
principais evoluções foi a criação do F.B.I (Federal Bureau of Investigation), um
dos primeiros órgãos federais a aderir ao uso desses métodos nas investigações.

Um exemplo claro do papel dessa evolução tecnológica se deu no caso


de Jessica Lyn Keen, conforme noticiado pelo The Criminal Journal, adolescente
de quinze anos que desapareceu (1991), após ser vista em uma parada de
ônibus na cidade de Columbus, capital de Ohio. Apesar de o corpo ter sido
achado em um cemitério, dois dias depois, o caso teve que ser arquivado por
falta de testemunhas e, apenas em 2008, com a realização de um exame de
DNA, o culpado, Marvin Lee Smith, foi preso.

Assim como este caso, há muitos similares que, apenas anos depois,
foram resolvidos com o uso da criminalística. No Brasil, por exemplo, a taxa de
crimes resolvidos é inferior a 50% (Política Nacional de Segurança Pública, 2010,
p. 7). Seria de interesse público que houvesse o reconhecimento da relevância
e de todos os países por essa área tão importante para a resolução de crimes,
infelizmente, ainda não é uma realidade e tão pouco está perto de ser.

O uso da criminalística não se resume apenas à realidade, mas também


pode ser observada, principalmente, em livros de mistério, sobretudo
estadunidenses, como é o caso dos livros do renomado autor Charlie Donlea,
em especial Não confie em ninguém, em que trechos retratando essa temática
são comuns, como: "Uma pegada foi encontrada perto do penhasco de onde
Julian caiu para a morte. A perícia forense revelou que a pegada correspondia à
sola de um tênis encontrado no quarto de Grace Sebold. A análise do solo mostra
que o tênis continha a terra desse local. Em sua opinião, quão exata é a perícia
forense?" (DONLEA, 2018, p. 160).

INTERSECÇÕES

A literatura é tudo aquilo que tem toque poético, ficcional ou dramático


nos mais distintos níveis de uma sociedade, em todas as culturas, desde o
folclore, a lenda, as anedotas e até as formas complexas de produção escritas
das grandes civilizações (CANDIDO, 1989, p. 112). Ela, então, tem a capacidade
de dialogar com o meio – sociedade – em que está inserida. Com o intuito de
demonstrar essa peculiaridade, serão focados dois livros: Não confie em
ninguém, de Charlie Donlea (2018), e Crônica de uma morte anunciada, de
Gabriel García Márquez (1981).

Na obra de Donlea (2018), é retratado o destino de Grace Sebold, que,


durante uma viagem tranquila com o namorado e amigos, o rapaz é assassinado,
e ela é apontada como a principal suspeita, o que a leva a ser julgada culpada
pelos tribunais, apesar de insistir veemente que não teve participação na morte
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do garoto. Apenas 10 anos depois, surge a chance de a garota provar sua


inocência com um documentário feito pela cineasta Sidney.

Durante as gravações, é demonstrado, várias vezes, como as provas


forenses foram essenciais para a resolução do caso, pois, desde o homicídio até
o final, tudo que é encontrado de prova passa pelos olhos da incrível, por ser,
extremamente, minuciosa e dedicada, doutora Cutty. Ela demonstra como
vestígios são importantes para que um crime seja resolvido:

O toque físico deixaria pistas, fibras e provas periciais. Minha


arma permitia manter uma distância segura. (...) O contato foi
vigoroso. Um ataque direto que ele não previu e provavelmente
não sentiu. Além da sinapse ligeira que irradiou através dos
neurônios. (DONLEA, 2018, p. 14).

Esse trecho demonstra como, logo no início, o escritor empenhou-se em


inserir elementos forenses para maior compreensão das facetas do crime da
história que criou.

Essa obra literária estabelece um certo diálogo com a realidade norte-


americana, na medida em que essa civilização é muito avançada em aspectos
científicos e, todos os anos, realizam grandes investimentos na área. Apesar de
o livro ser razoavelmente recente, cerca de quatro anos atrás, não é comum esse
tipo de escrita em países latino-americanos, de acordo com os últimos livros
condecorados pelo Prêmio Jabuti (2018 - 2021).

Já na obra de Márquez, também há um crime principal, a morte a


facadas de Santiago Nasar, a resolução deste assassinato toma toda a narrativa
até os tribunais, onde o culpado é preso. No entanto, apesar de ser bem mais
antigo do que o de Donlea, publicado originalmente em 1981, ainda tem aspectos
que fica possível observar o retrocesso da sociedade sul-americana, já que o
livro não demonstra indícios de investigações mais apuradas, como uso da
Criminalística, mesmo que, fora da literatura, os Estados Unidos já tivesse
iniciado o uso dessa artimanha há, pelo menos, setenta e três anos – data da
fundação do FBI.

Outro fato interessante da obra mencionada, é a alegação da “Legítima


defesa da honra”, que, embora, hoje (2022) nosso ordenamento jurídico não
permita, é muito presente na sociedade, contando com certo apoio moral aos
que matam com tal alegação, tanto em defesa própria, como a de terceiros. Um
exemplo claro é o caso em que um jovem foi morto, por traficantes, que
acreditaram em um suposto estupro denunciado pela ex-namorada, após
investigações foi descoberto sua inocência (RECORD TV, 2020). É evidente que
a notícia se diferencia dos eventos narrados no livro, mas se assemelham no
sentido de que ambas as alegações eram falsas e infundadas, além do uso da
justiça com as próprias mãos, quando, na verdade, a decisão deveria ser tomada
pelo Estado.

ESPECIFICIDADE BRASILEIRA
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Vitor Yohan, estudante da Universidade Federal do Rio Grande, em seu


trabalho Reflexões sobre a química forense no Brasil e nos EUA (2016), ressalta
a importância da Química Forense, área de pesquisa dentro da Ciência Forense,
e das principais discrepâncias entre o papel da Química Forense na sociedade
brasileira e na sociedade norte-americana. Com a presença de argumentos e
citações de peritos, na área da ciência, ajuda a compreensão de leigos sobre
este tópico tão relevante.

Outro aspecto que leva as pessoas a se interessarem por este assunto


tão pouco falado é a riqueza de informações científicas, por meio da arte e da
literatura. Como se pode perceber no seguinte trecho:

(...) o perito aspergiu o luminol de um borrifador de plástico,


cobrindo a pia, a bancada, o espelho, a parede, o armário e,
finalmente, o piso diante da pia. Quando terminou, recuou. O
inspetor Pierre acendeu a luz negra portátil. O espelho e a
parede ficaram brancos, mas a pia e o piso irradiaram um azul
fluorescente, brilhante e assustador no banheiro
escuro.” (Donlea, 2018, p. 56).

Logo no início do trabalho, é citado uma frase de Richard Saferstein,


renomado autor de diversos livros a respeito da Ciência Forense, que diz em
entrevista:

Ciência forense é a aplicação das leis criminais e civis que são


reforçadas pelas agências de polícia de um sistema criminal de
justiça. (...) um termo genérico que engloba uma infinidade de
profissões que usam habilidades para ajudar oficiais na
aplicação da lei e na conduta de investigações. (SAFERSTEIN,
2011).

Essa passagem mostra a aplicação norte-americana para este recurso,


e Yohan prossegue a explicação com a demonstração da grade curricular do
curso de Química, com ênfase na Criminalística, estadunidense em comparação
ao brasileiro. De forma que mostra a discrepância entre a extensa lista de aulas
do primeiro, enquanto demonstra a superficialidade do segundo.

O artigo é superficial para a ampla área que pretendia abordar, devido ao


fato dele apresentar, consecutivamente, tabelas e gráficos sem realmente
explica-los e, apesar do corpo do trabalho conter informações de faculdades e
de campos de emprego, não trazem informações realmente relevantes, por
exemplo, de como entrar nessas faculdades. Ainda é leviano ao trazer
esclarecimentos sobre a Ciência Forense em si, para pessoas leigas, torna-se
confuso e pouco interessante, por não explicar nenhuma das pesquisas
apresentadas, tratando do assunto como se todos os possíveis leitores fossem
especialistas ou já soubesse dos dados apresentados.

Apesar disso, é importante, de certa forma, porque estabelece uma


relação entre o nível de evolução das respectivas sociedades e o de
desenvolvimento da Criminalística, ligação essa que pode ser explicada pelo
princípio da verossimilhança.
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VEROSSIMILHANÇA

Aristóteles foi um importante filósofo grego, durante o período clássico –


entre os séculos V a.C. e IV a.C.-, o principal representante da terceira fase da
história da filosofia grega (também chamada de helenismo, é período de
domínio da cultura grega no mundo antigo que se seguiu após a morte do
imperador Alexandre, o Grande.), além de ter sido aluno de Platão e professor
de Alexandre, o Grande. No decorrer de sua carreira, escreveu diversos livros,
dentre os quais, Poética, que, em grande parte, aborda como se deve escrever
um texto para que haja compreensão em diversas classes.

O livro interpela diferentes tipos de poesia, a estrutura, a divisão de um


poema e trata um conceito muito importante para este trabalho, o da
verossimilhança; para entendê-lo do ponto de vista aristotélico, deve-se,
primeiro, entender o conceito geral. No dicionário Michaelis (2016), é definida
como “propriedade do que é verossímil ou coerência entre os elementos
imaginários e os fatos de uma obra literária” (p. 855). Já na Poética, é exposta
como um limite conveniente, uma sequência de acontecimentos, mudando de
infelicidade para felicidade em um único texto de forma compreensível
(ARISTÓTELES, 1968, p. 51). Ou seja, um texto deve ser trabalhado de forma
que o autor consiga criar uma conexão entre temas diversos de forma clara e
coesa.

No entanto, não significa que, em um texto, não possa ser trabalhado


temas ficcionais desde que esteja relacionado com a temática abordada; o
verdadeiro problema é que nós, como seres humanos, não somos capazes de
acreditar que acontecimentos ainda não existentes podem vir a existir; já o
contrário é muito mais fácil de vir a acreditar, por já ter conhecido é evidente a
possibilidade de ser real, mesmo que o fato não aconteça novamente
(ARISTÓTELES, 1968, p. 53). Em outras palavras, é mais simples crer em fatos
provados do que em possibilidades não comprovadas, ainda que tenham
embasamento para tornarem-se reais.

Outro aspecto é o fato de a mente humana conceber mais facilmente


assuntos do próprio cotidiano ou que são retratados na nossa sociedade. Por
isso, é mais verossímil ter a Ciência Forense em livros estadunidenses, pois a
criminalística para a investigação é habitual, diferente do Brasil que é raríssimo
encontrar ficção com essa temática. Por isso é verossímil o seguinte trecho do
livro de Charlie Donlea:

- Vou golpear o crânio com o lado plano da pá do remo - a doutor


Cutty prosseguiu. - Então, farei o mesmo com Martha, mas
usarei o lado fino. Agora, claro, neste experimento estamos
criando fraturas pós-morte, o que varia muito de fraturas antes
da morte. No entanto, nosso foco não é o padrão de manchas
de sangue, as lacerações de pele ou os ângulos das fraturas.
Nossa análise é o padrão das fraturas. Aquelas que produzimos
em Damian servirão como comparação excelente para as
fraturas encontradas em Julian Crist. (DONLEA, 2018, p. 170).

Aristóteles defende o pensamento que se deve preferir o impossível


desde que seja verossímil, como a existência da magia em um livro que contém
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bruxos, do que o possível inverossímil. Ainda coloca em evidência que não se


deve compor enredos com partes irracionais (ARISTÓTELES, 1968, p. 95). Isto
significa que é preferível usar ideias fora da realidade convencional que trazem
sentidos para o texto, do que ideias que condizem com a realidade, mas, no
texto, não faria sentido.

Dessa forma, o conceito aristotélico de verossímil é diverso e abrangente


por, em um mesmo escrito, apresentar diversas ideias em torno do mesmo
tópico, além de variar de acordo com a intenção da obra. Explicando em outras
palavras: se a intenção da arte é espelhar a realidade, é errado escrever ou
retratar acontecimentos impossíveis, mas, se o objetivo da arte é exaltar uma
parte para que torne o texto impressionante em contrapartida à realidade, não é
apenas cabível, como também necessário à inclusão de elementos irreais
(ARISTÓTELES, 1968, p. 97). Dessa forma, ao falar de verossimilhança, torna-
se impossível não relacionar com o conceito de mimese, visto que, o princípio
da mesma é o de que a arte, deve ser uma imitação da vida real, ou seja: deveria
ser o reflexo da realidade.

A MIMESE

O conceito e o objetivo da mimese foram abordados e definidos pela


primeira vez por Platão que, no geral, classifica todas as expressões artísticas
como uma imitação de eventos e fatos captados através dos sentidos. Tendo em
vista os pensamentos platônicos, tudo que pertencem ao mundo material, ou
seja, o sensível, são imagens, um reflexo dos pensamentos, que pertencem ao
âmbito do inteligível. Logo, tudo que os sentidos captam não são as essências
das coisas, o ser “autêntico”, mas apenas “imitação” deste ser verdadeiro, o
sensível é uma “sombra” do inteligível, pois tudo que existe na natureza só está
ali por causa das concepções que temos desses elementos. Por isso, conclui-se
que a arte acaba sendo uma mimesis “dos componentes” captadas pelos
sentidos que são também uma mimesis das ideias. Portanto dentro do
pensamento platônico, como uma imitação de uma imitação, dito de outro modo,
uma cópia que acaba reproduzindo outra cópia, encontrando-se mais distante
do verdadeiro do que os objetos em si.

O conceito só “mudou” o sentido, quando Aristóteles o colocou de modo


positivo percebendo que o “objeto da mimese” não é pura e simples imitação, o
mesmo, define como um "meio de imitação" que procura representar ou duplicar
a vida por meio de caráter, emoção ou ação. Isto é, não é necessário contar
exatamente o que aconteceu se o intuito do texto é transmitir o sentimento de
uma época, um exemplo claro é a relação do Expressionismo, movimento
artístico do início do século XX, e do contexto histórico, na medida que o mundo
estava em meio a uma guerra mundial e a arte retratava o pânico e o medo
sentido pela população. “A função do poeta não é contar o que aconteceu, mas
aquilo que poderia acontecer, o que é possível, de acordo com o princípio da
verossimilhança e da necessidade.” (ARISTÓTELES, 1968, p. 54).

Como anteriormente dito, o conceito de verossimilhança está na ideia do


possível e do necessário. Sem esses elementos, a mimese, pela ideia de
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Aristóteles, ainda seria dependente do modelo platônico com a nova definição,


e também a mais aceita atualmente, estabelece uma relação entre
verossimilhança, possibilidade e necessidade. Ou seja, não será ofício do poeta
narrar o que aconteceu, e sim representar o que poderia acontecer, aquilo que
é possível, verossímil e necessário à organização de uma determinada obra, o
que, em certa medida, relaciona-se com a Teoria do Reflexo criada, apenas anos
depois, em 1930.

A TEORIA DO REFLEXO

A Teoria do reflexo parte de estudos da Sociologia e, segundo essa


teoria, a literatura atua como um espelho que “imita” as virtudes, as deficiências
e os vícios de sociedades humanas. Assim assume caráter especular, reflexivo.
Ela armazenaria informações sobre o comportamento dos seres humanos,
normalmente, apresentando função corretiva, ilustrando comportamentos que
devem ser mudados ou modelados, além de condutas que devem ser seguidas.

Frequentemente, suas representações refletem o que as pessoas


pensam, dizem e fazem na sociedade. Nos livros, as histórias são projetadas
para retratar a vida humana. Este retrato é feito através das palavras, da ação e
da reação dos diferentes personagens. Muitos autores exploraram a questão da
relação entre literatura e sociedade a partir das próprias reflexões, como é o caso
da autora brasileira Carolina Maria de Jesus no livro “Quarto de despejo - diário
de uma favelada” (1960) que é famoso por contar sobre a vida dela na favela do
Canindé - cidade de São Paulo - na década de 1950, por retratar a rotina como
uma mulher negra e as dificuldades vividas por ela que precisou criar seus filhos
sozinha frente a pobreza e a fome que são rotineiras nos subúrbios.
Dessa forma, a autora faz uso de uma linguagem que foge da norma culta,
com diversos erros gramaticais e gírias típicas, não apenas pelo livro retratar
uma vida simplória, mas também pelo fato de Carolina ter feito apenas até o
segundoano do Fundamental e não ter pleno conhecimento da escrita padrão.
No entanto, ao serpublicado pela editora Francisco Alves, o jornalista Audálio
Dantas ficou mais de 2 anos corrigindo todas as marcas de oralidade e de
semianalfabetíssimo, que eram marcantes para mostrar a verossimilhança entre
literatura e sociedade, ou seja, no ponto de como a educação é precária nas
favelas e tornar ainda mais real o relato.

[...] Os pretos acreditavam em feitiços. Uns desconfiando dos


outros e... O Binidito é feiticeiro. Eu recordo o fim desta
crediçe. Quando eu morava em Sacramento era feiticeira
porque eu lia um Dicionario prosódico de João de Deus e os
incultos dizia que era livro de São Cipriano. Fui presa e
apanhei. A minha mãe foi defender-me um soldado deu-lhe
uma caçêtada e quebrou-lhe o braço. E eu jurei não mais
voltar na minha terra. Eu estava com dessesete anos. Faz
trinta anos que deixei Sacramento. (JESUS, 2021, v. 2, p.
131).
Pode-se observar que houve uma diferença na parte da fotografia nas
publicações de jornais entre duas escritoras do panorama cultural literário
brasileiro, enquanto Clarice Lispector era retratada de forma muito mais elegante
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pendendo para um “endeusamento”, por ser branca e da classe média; Carolina


Maria de Jesus tinha um tom de animalização, representada como louca e
“favelada”. Além disso, a escritora era, constantemente, subestimada quanto ao
próprio potencial, recebendo mínimas linhas das críticas lançadas no jornal da
época a respeito do seu trabalho, enquanto Lispector, que viveu no mesmo
período e criticou o mesmo oficio, ganhava matérias elogiosas e com epígrafes
mais enaltecedoras.

Retomando para a teoria do reflexo foi, após alguns anos, desacreditada


por um grupo de sociólogos que passaram a crer que os textos literários
espelham apenas em partes o nosso universo, além de o ampliarem. Um dos
maiores defensores dessa teoria é o filósofo húngaro Georg Lukács, que realizou
importantes mudanças na concepção que, até então, havia da literatura, e o
francês Lucien Goldmann que propôs, pela primeira vez, uma relação homóloga
entre as estruturas literárias e as estruturas do contexto social do autor.

Posteriormente, foram criadas outras versões dessa tese que a


complementariam, de forma que passasse a ser condizente com o pensamento
atual; A primeira, e mais aceita, chama-se Teoria da Reflexão Estrutural a qual
afirma que o reflexo não é para o que está escrito, e sim sobre, ou seja, a
literatura adere às morais, mas cria as situações. A segunda, é denominada de
Teoria implícita da reflexão, os defensores dessa vertente dizem que a
sociedade e a literatura estão se moldando de acordo com a passagem do
tempo, portanto, consideram-na um exemplo que é replicado no cotidiano.

Em Literatura e Sociedade: da teoria do reflexo à construção discursiva


de identidades sociais (Silva, 2005, p.6) conclui que a literatura é usada para
difundir aspectos socioculturais, mas também preconceitos existentes nas
épocas retratadas. Ela afirma que estes textos são necessários para nos
situarmos em algum parâmetro em relação ao passado, podendo medir a
evolução que a sociedade sofreu no decorrer dos anos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Todos os tópicos do trabalho relacionam-se moldando a tese, na medida


em que a Ciência Forense só aparece na literatura quando é mais presente na
própria sociedade do autor, assim abrangendo a Teoria do Reflexo e da
Mimesis já que aproximam a vida e a arte, no entanto essa correlação só é
possível devido aosprincípios da verossimilhança, uma vez que não faria sentido
o texto retratar algo que não é habitual ou sequer mencionado em algumas
realidades. Nesse sentido, cabe, para entender a ideia central do trabalho, um
breve vislumbre das duas sociedades (brasileira e estadunidense) em questão.

O primeiro aspecto a analisar é o investimento em ciência e em


tecnologia, pois só com ambos trabalhando em conjunto é possível desenvolver
a criminalística. Enquanto, na América do norte, o investimento é cerca de 2,8%
do PIB – por volta de U$586.320.000 do total - (Negri, 2013, p.3), no Brasil, é
muito mais baixo, de acordo com sites, como o CDMF (Centro de
Desenvolvimento de Materiais Funcionais).
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(...) essa porcentagem (de investimento em ciência) é de


1,26%, contra 1,79% da média mundial. De acordo com o
levantamento do Ipea, o Governo Federal investiu no ano
de 2020, em Ciência e Tecnologia, menos recursos do que
o montante aplicado em 2009 — R$17,2 bilhões contra R
$19 bilhões. Em 2022 já tivemos uma notícia mais
animadora. (CDMF, 2022)

Ademais, esse investimento seria necessário para os dois países, visto


que não só nos Estados Unidos, mas no Brasil, o índice de violência aumentou
exponencialmente, cerca de 9% (CNN, 2021) em comparação aos outros anos,
com crimes a mão armada principalmente. A fundamental diferença é que,
enquanto os casos na América anglo-saxônica são resolvidos de forma rápida,
no Brasil, por outro lado, arrastam-se por anos e, muitas vezes, acabam por
seremarquivados.

Em 2007, foram registrados quarenta e sete mil setecentos e dezessete


casos de homicídio, no Rio de Janeiro, e, apenas, 4% desses foram resolvidos,
até 2016, e levados para julgamento (Globonews, 2016). É um número
descomunal, considerando que estava sendo analisado apenas uma região do
Brasil e é preocupante não estar sendo feito nenhuma mudança para que esses
números diminuam.

Outro aspecto que deve ser averiguado é a consciência de classe e


étnica, tanto na questão artística, como a citada comparação midiática entre
Clarice Lispector e Carolina Maria de Jesus, em que a primeira, por ser branca
e de classe média alta, tem grande relevância social, enquanto a segunda, que
cresceu na favela e é negra, foi pouco conhecida ainda que ambas fizeram
literaturas importantes e marcaram nossa cultura, quanto na questão forense,
uma vez que muitos casos são solucionados apenasporque os envolvidos são
ricos, são herdeiros ou têm grande relevância socialmente. Para ilustrar essa
afirmação, foram separados dois casos: o primeiro do ex-executivo da Yoki
Alimentos, Marcos Kitano Matsunaga, que foi assassinado brutalmente pela
esposa Elize em 19 de maio de 2012, e o segundode Dilson Bicalho, também
assassinado pela cônjuge em 10 de agosto de 2021.

Os dois crimes têm, basicamente, o mesmo caráter, um homicídio


agressivo em que a mulher matou o marido e depois o esquartejou. O mais
chocante é que o caso menos conhecido foi mais brutal, dado que ela concretou
a vítima na parede, no entanto, por Matsunaga ter um nome de importância, teve
muito mais repercussão e matérias a respeito. Os únicos dados que temos a
respeito do assassinato de Bicalho foram as condições para o crime e a idade
dos dois envolvidos; o resto ficou em sigilo total, não sendo revelado, nem ao
menos,a pena que a criminosa recebeu, apesar de ela já ter sido acusada anos
antes, em 2012, de tentativa de homicídio por envenenamento com soda
cáustica.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
11

A INFLUÊNCIA DO CONTEXTO SOCIAL NA OBRA LITERÁRIA. Click Rec.


2010. Disponível em: https://clickrec.com.br/2010/08/a-influencia-do-contexto-
social-na-obra-literaria/
ALMEIDA, Vitor. Reflexões sobre a química forense no Brasil e nos EUA. 2016.
44f. Bacharelado em Química - Universidade Federal do Rio Grande (FURG,
RS).
AMARO, Rolf. Literatura e Sociedade - A Literatura e a Vida Social. Resumo da
Obra. 2015. Disponível em: https://resumodaobra.com/antonio-candido-
literatura-e-sociedade-primeira-parte-a-literatura-e-a-vida-social/
ARISTÓTELES. Poética. Tradução: Eudoro de Souza. São Paulo: Edipro, 2011.
DONLEA, Charlie. Não confie em ninguém. Tradução: Carlos Szlak. São Paulo:
Faro Editorial, 2018.
FERNANDES, Daniela. 4 dados que mostram por que o Brasil é um dos países
mais desiguais do mundo, segundo relatório. BBC News Brasil. 2022. Disponível
em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-59557761
FREITAS, Raquel. Idosa suspeita de esquartejar e concretar marido já tinha sido
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