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A ESCOLA DE FRANKFURT E A

TRAJETÓRIA DA CRÍTICA À
INDÚSTRIA CULTURAL
FRANCISCO RÜDIGER*

Resumidamente a contribuição da Escola recorrendo aos trabalhos de Frednc Jameson


de Frankfurt ao campo dos estudos de e Douglas Kellner.
comunicação situa-se no plano do que se Nas palavras do primeiro:
costuma chamar de crítica à indústria "Considero do maior interesse a análise da Escola
cultural1. Theodor Adorno, seu criador, de Frankfurt sobre a estrutura mercantil da cultura
lançou as bases de um programa de pesquisa de massa; se proponho um modo um pouco diferente
de observar o mesmo fenômeno, não é porque sinta
que pode ser caracterizado, em poucas que sua abordagem tenha sido esgotada. Ao contra-
palavras, como uma ampliação da análise rio, mal começamos a desvendar todas as conse-
marxista do fetichismo da mercadoria a quências de tais descrições, sem mencionar a
elaboração de um inventario exaustivo de modelos
esfera dos fenômenos culturais. A variantes e de outros traços além da reificação mer-
reconstituição de sua trajetória - que se cantil, em termos dos quais esses artefatos poderiam
tentará esboçar nestas páginas - pressupõe o ser analisados.

seu entendimento menos como sistema A crítica da indústria cultural constitui


teórico acabado do que como um programa uma corrente de estudo que pode ser
de pesquisa cujo conteúdo vivo e potencial de analisada em sentido amplo ou restrito,
estímulo ainda não se encontra exaurido. enquanto complexo teórico e pletora de
Ao contrário do suposto comumente, o investigações. No primeiro caso, refere-se ao
enfoque frankfurtiano não se deixou conjunto de trabalhos onde se procura
ultrapassar pelos sucedâneos que, construir uma reflexão conceitual, teórica ou
legitimamente ou não, reivindicam sua prática, sobre o processo de mercantilizaçâo
herança, como os estudos culturais e a da cultura e dos meios de comunicação.
economia política das comunicações. Pertence a essa classe, por exemplo, o ensaio
Apresentando uma trajetória marginal, mas pioneiro de Adorno & Horkheimer3 No
nem por isso irrelevante, esse enfoque segundo, remete à série de estudos em que se
conserva-se ainda hoje como uma referência procura analisar com atitude mais ou menos
possuidora de sua própria identidade e sistemática os efeitos desse processo na
capacidade de renovação, sobretudo nos produção cultural contemporânea. As
Estados Unidos, conforme se pode constatar considerações que seguem propõem-se a

* Professor-adjunto da Pontifícia Universidade Católica c Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Doutor em
Ciências Sociais (USP).

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recuperar e analisar os principais momentos Entretanto incorreríamos em erro também


da trajetória intelectual desse momento. reduzindo o terreno do conceito às empresas
que produzem e difundem os bens culturais
para a sociedade. O fundamental aqui é o
1. FUNDAMENTOS DA CRÍTICA À INDÚSTRIA
processo social que transforma a cultura em
CULTURAL
bem de consumo. O esquema, e não a coisa.
A reconstituição requer um esclarecimento Os empreendimentos culturais e os
prévio dos principais conceitos em que se conglomerados multimídia são um momento
baseia essa disciplina. O primeiro deles é o do processo de acumulação do capital e não a
próprio conceito de indústria cultural. No sua totalidade. O capitalismo não é o
transcurso dos anos o termo adquiriu um conjunto das indústrias que abastecem o
sentido puramente empírico, que não se mercado, trata-se antes de uma relação social,
encontra em suas formulações originais. cujo movimento condiciona toda a sociedade
Passou-se a falar de indústrias culturais, A perspectiva é igualmente válida para a
referindo-se com a expressão ora às empresas indústria cultural. O conceito designa
interessadas na produção e venda de bens basicamente o conjunto das relações sociais
culturais, ora aos diversos meios de que os homens entretém com a cultura no
comunicação. Conceituações desse tipo capitalismo avançado.
podem continuar sendo feitas, conquanto Os pensadores frankfurtianos criaram o
fique claro sua distância em relação ao que a termo para fugir das associações ideológicas
expressão significa na teoria crítica da contidas no termo cultura de massas.
sociedade. Desejavam contestar a ideia de que as
Na indústria cultural, "não se deve tomar revistas e os filmes, por exemplo, são
de maneira literal o termo indústria". O expressão ou surgem de maneira espontânea
fenômeno não se define pela sua base da alma do povo. O propósito declarado
tecnológica. O vocábulo em destaque refere- todavia não explica seu conteúdo concreto e
se sobretudo ao manejo das técnicas de seu sentido gnoseológico. Indústria cultural
distribuição (difusão e venda) e à não é um conceito empírico-descritivo A
padronização da estrutura dos bens categoria tem um sentido dialético e refere-se
simbólicos ("estandardização da própria antes de mais nada ao processo de
coisa") . A cultura não pode ser motivo de transformação da cultura em mercadoria mas,
indústria. As tecnologias de comunicação, o também, de transformação da mercadoria em
cinema, o rádio, o vídeo, os cassetes, os matriz de cultura, que tem lugar na baixa
programas de computador etc, considerados modernidade.
como um "conjunto [formador] de [...] Resumidamente, a categoria da indústria
experiências entre si relacionadas, e no cultural exprime o movimento real do
entanto diferentes por sua técnica e efeitos, capitalismo moderno como um todo sob o
constituem [apenas] o clima da indústria da aspecto dos valores e da subjetividade
cultura"5. encarnados nas pessoas e instituições. A
problemática não remete às técnicas, nem ao
seu impacto nos processos de interação.

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Consequentemente pretender entendê-la, A proposição é o ponto de partida para


como muitos querem, com as categorias da entender por que a crítica à indústria cultural,
teoria da comunicação significa equivocar-se em essência, não se ocupa da ideologia dos
sobre essa última teoria, perder de vista seus meios de comunicação. Costumeiramente
méritos e mal-entender a Escola de Frankfurt. atribui-se aos frankfúrtianos o entendimento
Em Adorno, situar-se no plano da crítica de que a indústria cultural realiza um trabalho
da indústria cultural significa decifrar as de doutrinação ideológica das massas e,
tendências da sociedade capitalista: é estudar assim, as mantém num estado de falsa
a estrutura, sentido e valor das mercadorias consciência. O juízo não condiz com suas
culturais tecnológicas. A conexão entre mídia idéias mais originais. Algumas vezes Adorno
e sociedade, se assim quisermos, não é chegou a dizer que a televisão "contribui para
externa aos fenômenos. As relações sociais divulgar ideologias e dirigir de maneira
em meio as quais aquela opera estão inscritas equivocada a consciência dos espectadores"
a priori, ainda que figuradas, na própria As principais referências à mídia como
mercadoria cultural. O problema dos efeitos ideologia feitas pelo autor todavia não se
ou da influência da mídia na formação dos situam nesse plano. "A concessão de
fatos sociais não pode ser resolvido reconhecer que os filmes difundem ideologias
empiricamente: depende do processo já é ela mesma uma ideologia difundida",
histórico em sua totalidade e, portanto, está escrevia ele em Mínima Moralia (# 130). As
necessariamente sujeito à interpretação. comunicações e a indústria da cultura não
Metodologicamente o ideal seria funcionam com base na transmissão de
confrontar os resultados da análise do ideologia, na medida em que, para ele, só se
produtos com suas formas socialmente pode falar em ideologia quando os homens
determinadas de sua recepção. Os momentos realmente crêem nos produtos espirituais que
deveriam iluminar-se de maneira recíproca. O circulam em sua sociedade.
fundamental porém é a compreensão dos O conceito de ideologia pressupõe a
processos históricos e mecanismos estruturais crença ou engajamento em certas idéias e
que atuam tanto num como no outro, valores. As relações sociais que têm lugar no
procedimento que remete ao conceito de âmbito da indústria da cultura, em tese,
totalidade. carecem dessa legitimidade: não são motivo
"A verdadeira interpretação é o contrário da doação
de crença por parte de seus participantes. O
subjetiva de sentido pelo indivíduo que conhece ou significativo para a crítica não é tanto o
age socialmente. O conceito de uma tal doação de conteúdo ideológico da mídia quanto o fato
sentido induz à falsa conclusão afirmativa de que o
processo social e a ordem social, conforme entendi-
de que haja algo preenchendo o vácuo da
dos pelo sujeito e do modo como a ele pertencem, consciência do homem contemporâneo.
justificam e conciliam-se com o modo em que é su-
jeito. Um conceito dialético de sentido não seria um No entendimento de Adorno,
correlato da compreensão de sentido de que fala "è presumivelmente bem menos importante para o
Weber, mas da essência social que cunha os fenô- contexto social dominante quais as doutrinações
menos, neles se manifesta e neles se esconde."5 ideológicas específicas que um filme sugere a seus
espectadores do que o fato de que estes, ao voltarem
para casa, estão mais interessados nos nomes dos

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atores e nos seus casamentos e casos amorosos do desse ensaio ficaram de fora da versão final
que pretensiosas explicações sobre [sua natureza
ideológica]"8
do texto, redigida na maior parte por Adorno.
Conforme observa Wolf Wiggershaus, as
A peculiaridade dos mecanismos de considerações sobre o significado
integração contemporâneos provém do fato progressista da cultura de massa discutidas
de que eles não funcionam com base na nessas seções foram parcialmente
ideologia. O princípio de integração que se aproveitadas em Composing for the Films.9
impõe na sociedade atual reside na própria
Concluído poucos meses depois do ensaio
forma da mercadoria. Costuma-se pensar que
sobre a indústria cultural, o trabalho pode ser
a mídia tem um caráter ideológico porque
visto hoje como ponto de partida dos estudos
veicula certos conteúdos. No enfoque em
de crítica da indústria cultural. A relevância
juízo não se passa dessa maneira. O problema
do estudo todavia não se prende a apenas este
da ideologia se coloca antes no plano
aspecto, atraindo especial atenção, como dito
significado psicossocial que as própias
acima, pelo fato de explorar as linhas de fuga
mercadorias culturais passaram a ter na vida
e o conteúdo progressivo dos lazeres
das pessoas na sociedade contemporânea.
industriais, sem abrir mão de dar-lhes a
Consequentemente fazer crítica à indústria devida crítica.
cultural consiste menos em sair à procura dos
A passagem seguinte, embora extensa,
supostos efeitos ideológicos das
merece ser citada por inteiro, na medida em
comunicações do que decifrar a maneira
que revela o fato de a crítica à indústria
como os antagonismos sociais e os problemas
cultural possuir um caráter dialético e aberto
humanos se manifestam objetivamente
desde as suas origens, ao contrário do que
através das mercadorias culturais da indústria
pensam seus opositores e até mesmo alguns
e das condutas que elas ensejam socialmente.
de seus herdeiros:
Os fenômenos de indústria cultural
constituem antes de mais nada sintomas de "A análise critica da indústria da cultura não impli-
ca uma celebração romântica do passado. [...] As
determinadas tendências sociais e inclinações possibilidades que os dispositivos técnicos podem
psicológicas dessa era que agora chega ao seu oferecer à arte no futuro são imprevisíveis e até no
fim, de uma sociedade em que tudo se faz filme mais detestável há momentos em que estas pos-
sibilidades irrompem de forma patente. [...] Entre-
mercadoria e assim transita para o universo tanto os progressos técnicos através dos quais a
da administração. indústria da cultura triunfa tampouco podem ser
elogiados de maneira abstrata.[...] O mesmo princi-
pio que deu vida as referidas possibilidades as
mantêm sujeitas ao mundo do big bussiness. [Por
2 - OS PRIMÓRDIOS DA CRÍTICA À INDÚSTRIA
issoj a análise da cultura de massa deve ter como
CULTURAL: A D O R N O objetivo mostrar a conexão existente entre o poten-
cial estético da arte de massas em uma sociedade li-
Os primórdios do exercício da pesquisa vre e seu caráter ideológico na sociedade atual."10
baseada na crítica à indústria cultural
A investigação sobre a linguagem, função
remontam à época do ensaio inaugural sobre
e sentido da música no cinema feito no livro
a matéria, publicado por Horkheimer e
segue de perto esse preceito, conjugando uma
Adorno em Dialética do Iluminismo (1944).
análise do processo histórico e dos
Atualmente sabe-se que extensas seções

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mecanismos estruturais em que se formaram conselho especifico para se adaptar na vida


tanto uma quanto o outro, especialmente seu cotidiana" 12
caráter de mercadoria, com um exame das Para Adorno, as colunas astrológicas
condições e limites de sua transformação, esquematizam determinados estados de
anunciando procedimentos encontráveis em consciência resultantes da situação social
diversos continuadores dessa corrente de vivida pelo homem moderno e segundo os
estudo, particularmente em Douglas Kellner. quais existem certas regras de conduta e.
"Compreendendo as razões da absurda situação sempre que as pessoas agem de acordo com
atual [da música e do cinema], e sem iludir-se de ela, as coisas acabam bem, terminando mal
que o sistema possa modificar-se através de corre-
ções tenazes e pacientes, dever-se-ia tentar colocar
quando não são observadas. A pretendida
todas as engrenagens possíveis que permitam sua legislação que os astros exerceriam sobre os
ulterior correção. Em conjunto isso não conduzira a destinos humanos equivale a transferência
liberação [desses meios] mas a modelos do que estes
poderão ser uma vez liberados.""
dos principios de autoridade social para um
ordenamento anônimo e impessoal,
A segunda estação em que devemos nos responsável pela boa ordem das coisas e que
deter nessa fase pioneira do estudos de critica zela para que tudo saia de maneira positiva,
à indústria cultural, deixando de lado os desde que as pessoas o obedeçam A
ensaios menores, é a pesquisa sobre a a necessidade de adaptação social vivida hoje
estrutura e sentido das colunas de horóscopo é, em suma, explicada metafisicamente.
publicados na grande imprensa que se
Particularmente interessante e a maneira
encontra em The Stars down to Heart (1957).
como o autor trabalha a hipótese do caráter
Neste estudo Adorno procura mostrar que voluntário em que se baseiam os mecanismos
as páginas de horóscopo são resultado da de sujeição vigentes na indústria da cultura,
exploração comercial de determinadas deslocando o foco de análise do fenómeno
situações psicossociais e que elas tanto das crenças para a psicologia das massas A
pressupõem quanto corroboram as tendências astrologia, sustenta, não funciona a base de
históricas em curso no mundo ideologia, mas construindo um equilíbrio
contemporâneo. formal entre as exigências contraditórias que
A abordagem, em diversos aspectos se colocam ao homem moderno e que ela
tediosa e insípida, desenvolve de maneira precisa levar em conta se quiser sujeitar seus
embrionária os diversos instrumentos de leitores .
análise do enfoque frankfurtiano, revelando Os procedimentos através dos quais os
em sentido mais amplo o caráter de ideologia leitores são inscritos na coluna e se
da indústria cultural e, por extensão, o sentido esquematizam suas correspondentes relações
em que a critica desse indústria pode ser humanas sustentam-se em mecanismos
entendida como uma crítica da ideologia textuais (fórmulas difásicas) onde se procura
(Ideologiekritik). equilibrar as exigências conflitantes de
A interpretação é construída visando a liberdade individual e dependência social,
mostrar que "na astrologia existe implícita trabalho e prazer, adaptação e
uma metafísica da adaptação por trás do individualidade.

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Contrariamente à imagem atribuída a essa para baixo, constituindo antes expressões de


linha de análise, a conclusão da mesma movimentos de massa cujo sentido objetivo
salienta que esse equilíbrio realmente não consiste em fazer aceitável à subjetividade a
pode ser alcançado, conforme pretende seu precária situação vivida pela maior parte das
discurso programático. Os horóscopos pessoas no mundo contemporâneo. As
populares são tão incoerentes quanto a mercadorias da indústria são consumidas
sociedade que os produz e consome - mesmo sobretudo porque propendem a fortalecer as
quando são bem acabados formalmente. formações reativas às mutações nos regimes
Significa que eles são ideologia não porque de poder ocorridas em nossa época.
"passem" alguma mensagem para seus Basicamente elas "reforçam o que [as
consumidores mas porque reproduzem pessoas] aprenderam consciente ou
subjetivamente os problemas para os quais inconscientemente", muito antes de se dar sua
afirmam ser a solução. intervenção17
A leitura que chamaríamos hoje de As colunas de horóscopo são um exemplo
desconstrutiva da coluna sugere que os disso: o mistério de seu sucesso se explica
sujeitos da astrologia de fato não acreditam pelo fato de fazerem eco a um estado de
na conformação do individuo às normas ânimo coletivo, responder à angustia
sociais. O caráter anárquico da produção e da flutuante sobre o destino da própria vida em
vida social capitalista estão inscritos no texto condições sociais cada vez mais anónimas e
zodiacal. As configurações a que se refere impessoais, que essas colunas todavia ajudam
esperam que o indivíduo cumpra apenas as a manter objetivamente, apresentando as
exigências sociais inevitáveis, deixando claro ansiedades do homem moderno como algo
que ele poderá "recorrer a uma espécie de que possui algum sentido oculto e tal sentido
impetuosidade anárquica sempre que tenha como algo que não pode nem deve ser
sua imunidade garantida."14 buscado nas condições de vida em sociedade.
A proposição corrobora a hipótese,
levantada noutro texto, segundo a qual a
3 - O ESTÁGIO DA TEORIA ESTÉTICA E
indústria cultural é tão antagónica quanto a APLICAÇÃO DA PSICOLOGIA SOCIAL
sociedade que enseja o seu aparecimento15. ANALÍTICA: PROKOP
As contradições sociais não são resolvidas
ideologicamente pelas mercadorias culturais Em 1954. Adorno cogitou editar uma
da indústria, embora seja esse o princípio de coletânea de estudos sobre a cultura de massa
sua posição na sociedade. Os conflitos que se em que pretendia fornecer uma visão
originam dela são mantidos pelas páginas de sistemática sobre o assunto, a partir de uma
horóscopo, "ratificando de maneira implícita colaboração interdisciplinar. A explanação do
a impossibilidade real da tão exaltada projeto que se encontra em uma carta escrita
integração [do indivíduo à sociedade]"16. a Leo Lowenthal termina com a revelação da
seguinte dificuldade:
O entendimento assim avançado permite a
Adorno sublinhar que os fenómenos de "Naturalmente está faltando algo decisivo, ou seja:
uma análise económica das fundações da cultura de
indústria cultural não são impostos de cima

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massa. Entretanto, quem poderia fazer algo do genero?"18 estruturas formais, nem no seu conteúdo
manifesto, mas na maneira como permitem o
Aparentemente Dieter Prokop foi o envolvimento da experiência sob condições
primeiro a empreender esse tipo de trabalho determinadas. A subjetividade contempo-
em seu Sociologia do Filme (1970). Trata-se rânea é cada vez mais mediada pela produção
de um estudo onde se procura superar (no cultural tecnológica. A tarefa do crítico
sentido hegeliano) a crítica à indústria consiste em analisar as contradições entre os
cultural, retomando com maior esforço de esquemas mercantis e seu eventual conteúdo
pesquisa e profundidade histórica seus emancipatório. O fetichismo da mercadoria
motivos originais, esboçados, segundo nosso cultural constitui a projeção de fantasias que
entender, em Composingfor the Films. movimentam a sujetividade dos
O pesquisador investiga a produção consumidores. Os consumidores predispõem-
cinematográfica norte-americana como se socialmente ao consumo porque são
expressão das mudanças na estrutura de movidos psiquicamente pelas fantasias
produção, difusão, consumo dos bens acionadas através da indústria cultural.
culturais na sociedade capitalista. Noutros Retomando uma velha idéia de Adorno,
termos, "a análise das condições econômicas segundo a qual "os fetiches mercantis não são
e políticas dos mercados de massas é parte meras projeções de relações humanas opacas
intrínseca da análise das modernas sobre o mundo das coisas" mas, também,
instituições de lazer e sem a qual essas quimeras que, "embora originárias do
últimas não podem ser entendidas". primado do processo de troca, todavia
Valendo-se do conceito frankfurtiano de representam algo não absorvido de todo por
ciência social crítica, conforme aprofundado ele" (Cf. "Veblen's attack on culture", em
por Habermas, ele tenta combinar Primas), Prokop procura mostrar que, "na
reconstruções estruturais com procedimentos estética desses produtos industrialmente
hermenêuticos. Resumidamente, à programados segundo critérios de venda, mas
investigação da produção cultural em chave assim mesmo, difundidos em massas, [ ]
de leitura econômico-política orientada desenvolvem-se também modelos de
19
historicamente é conjugada uma leitura comunicação emancipadora."
crítica das diversas formas de expressão da Salientando criticamente que o consumo
indústria cinematográfica. de experiências emancipatórias por si só não
O redirecionamento metodológico que se transforma em espontaneidade produtiva -
esse trabalho implica será discutido mais só a praxis tem esse poder, Prokop todavia
adiante. Interessa-nos por ora salientar a vai além em sua análise, desenvolvendo a
maneira como os trabalhos do autor em foco idéia de que não apenas a obra de arte
aprofundam a crítica à indústria cultural artesanal mas também as mercadorias
adorniana, recorrendo à psicologia social culturais tecnológicas impõem limites à
analítica e à teoria estética. reificação.
Segundo Prokop, o significado dos bens Embora Adorno tenha reconhecido que
culturais não deve ser procurado em suas havia limites à reificação dos seres humanos -

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a indústria cultural constituía, aliás, uma artística strictu sensu, ao menos segundo a
forma de fazê-los sujeitos sob condições de visão de Adorno.
reificação crescente - ele nunca cogitou que
esses limites poderiam ser tematizados pelas
4 - A CRÍTICA À INDÚSTRIA CULTURAL NOS
mercadorias culturais da indústria. ESTADOS UNIDOS
Para Prokop, a experiência inscrita nessas
mercadorias não é necessariamente O aparecimento de uma economia política
padronizada, podendo ser desenvolvida das comunicações que, até certo ponto, julga-
analiticamente através de símbolos e formas se com razão herdeira e sucessora da
progressivas, da criação do que o autor perspectiva crítica originária da Escola de
chamou de bons produtos. Frankfurt21 foi correlato à transferência de
interesse pela crítica à indústria cultural da
"Nem sempre são 'grandes obras de arte' mas apre-
sentam-se como produtos 'autónomos': são, na sua Europa para os Estados Unidos a partir da
elaboração estética, mais consequentes e mais con- segunda metade dos anos 70.
sistentes. Seu conteúdo é frequentemente menos esle-
reotipico ou então os esteretótipos da cultura de Conforme adiantamos na introdução deste
massa lhe são inseridos conscientemente. Nesses trabalho, contam-se entre seus principais
produtos, a fascinação não parte de momentos que
se preocupam com o bem-estar e o equilíbrio psíqui-
praticantes os nomes de Fredric Jameson e
co. A fascinação - frequentemente desagradável e Douglas Kellner.
até ameaçadora - resulta nesses produtos do fato de
A Jameson devemos menos o
que o objeto apresentado e investigado é tratado de
forma adequada a sua realidade ou suas possibili- desenvolvimento da hipótese de que as
dades."20 mercadorias culturais da indústria possuem -
Os exemplos encontram-se sobretudo nos junto com uma função ideológica
fenómenos culturais produzidos fora das (psicossocial, preferiríamos dizer) - um
potencial utópico e transcendente do que uma
grandes empresas e monopólios da cultura,
série de brilhantes análises em que o
nas chamadas produções alternativas, embora
pensador demonstra o conteúdo cognitivo (o
nada impeça que surjam também nos
caráter de mapa cognitivo) que essas
circuitos de massas. Nesses produtos, as
mercadorias podem ter no contexto do pós-
contradições da matéria tratada não são
modernismo.
submetidas a uma padronização, mas
elaboradas esteticamente conforme suas Extraindo todas as consequências da
próprias exigências e densidade, reflexão adorniana, o pensador sugere que,
possibilitando o desenvolvimento de uma chegada a era pós-moderna, a reificação
obra até certo ponto autónoma. O público é chegou ao ponto em que nenhuma obra ou
mantido a certa distância do produto: não se expresão cultural escapa mais à reificação. A
aprova de maneira mecânica seu padrão de produção estética tornou-se parte integral ou
gosto e preferência estética. A tecnologia é uma só coisa com a produção mercantil e por
colocada a serviço de uma reflexão isso as tentativas de entendê-la como mera
espontânea sobre os estímulos dados à ideologia estão fadadas ao fracasso .
experiência, como ocorre com a técnica Baseando-se na hipótese do inconsciente
político, segundo o qual os conflitos de classe

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e os processos através dos quais se forma sua coletivo da subjetividade que permite às
consciência constituem a matéria prima da pessoas se conduzirem ou guiarem em uma
produção cultural e por ela são elaborados realidade massificante, impessoal e reificada.
esteticamente, o pensador conferiu assim, à Noutros termos, articula esteticamente as
crítica da indústria cultural, a condição contradições e paradoxos existentes na
hermenêutica de método de análise - ao sociedade de uma maneira que "o público não
mesmo tempo - das funções ideológicas e dos pode deixar de notar, tenha ou não os
impulsos utópicos presentes nos textos por intrumentos conceituais para compreender o
ela gerados. que tais contradições significam"25.
Conforme ele escreve A proposta fica bastante clara, por
"as obras de cultura de massa não podem ser ideo-
exemplo, em sua análise dos chamados filmes
lógicas sem serem, em certo ponto e ao mesmo tem- de conspiração (Videodrome, Parallax View,
po, implícita ou explicitamente utópicas: não podem All the Presidents Man). Segundo ele mostra,
manipular a menos que ofereçam um grão genuíno
de conteúdo, como paga ao público prestes a ser tão
a conspiração constitui nesses filmes uma
manipulado." 2S espécie de expressão estética que permite -
alegoricamente - representar a totalidade em
Lamentavelmente não podemos discutir
que as pessoas vivem sem saber através dos
aqui os problemas subjacentes à hipótese
meios de sua consciência sensível. Fornece-
pouco dialética de que o caráter ideológico da
lhes uma imagem de como seria o sistema
cultura de massa é ao mesmo tempo
mundial globalizado depois do fim da
necessariamente utópico. Precisaríamos
cosmologia, como diz em A estética
argumentar que a unidade não significa
geopolítica (1992).
necessidade, tanto quanto polemiza com os
meios dos quais o autor se vale para Enquanto não surge uma forma de sujeito
distinguir entre uma e outra categoria. superior, capaz de lidar com esse sistema
como um todo, expressões estéticas como
Conservando apenas os aspectos
essas adquirem - segundo ele - uma
produtivos da matéria, basta-nos notar como,
importância crucial, na medida em que,
mantendo-se fiel às proposições que lhe
embora não nos dêem sentido, fazendo juz ao
originaram, também aqui as mercadorias
espírito objetivo, provêem-nos de um mínimo
culturais da indústria são entendidas como
de orientação, a partir da qual poder-se-ía
"um processo pelo qual impulsos de outra
derivar uma nova prática política.
forma perigosos e prototípicos são
administrados e desativados" na medida em Em virtude disso e por mais paradoxal que
que "esses mesmos impulsos - a matéria os termos possam parecer, repõem-se aqui -
prima sobre a qual age o processo - são portanto - a exigência da crítica à indústria
inicialmente despertados dentro do próprio cultural segundo a qual as mercadorias
texto que busca silenciá-los."24 culturais devem ser lidas "como formas novas
e peculiares de realismo (ou pelo menos de
Entretanto talvez ainda mais importante é
mimesis da realidade), ao mesmo tempo em
sublinhar a maneira como Jameson mostra,
que podem igualmente ser analisados como
através de análises detalhadas, porque a
parte dos diversos esforços para distrair-nos e
produção cultural constitui um agenciamento

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desviar-nos da realidade ou encobrir suas O desenvolvimento de sua estratégia


contradições, resolvendo-as aparentemente metodológica baseia-se na hipótese de que a
através de diferentes mistificações formais "26 crítica cultural não pode ser iluminadora a
Noutros termos, significa que, para essa menos saiba situar o texto sob análise em seu
crítica, a produção cultural nunca tem um contexto histórico.
sentido único, podendo dar lugar a uma "Um texto é formado por suas relações internas e
variedade de leituras. Seu sentido objetivo suas relações com a situação social-histórica e, por
isso, quanto mais relações a leitura critica articula
depende das condições de existência do
melhor será o entendimento que poderemos ter do
público. Na crítica da indústria cultural, texto. "27
portanto, o sentido concreto não está no
O conceito de história todavia não é dado:
conteúdo mas nos fatores de sua apropriação
precisa ser construído. A investigação precisa
sob condições determinadas social e
antecipá-lo hermeneuticamente, para não
historicamente, sejam elas as da crise da
sofrer um déficit interpretativo.
modernidade, como quer Adorno, sejam as
do pós-modernismo, como quer Jameson. Kellner evita fazer essa operação para
fugir da reificação teórica mas, ao fazê-lo,
Parece-nos esta, aliás, a principal falha da
priva-se dos meios para julgar o sentido dos
crítica à indústria cultural que se encontra nos
bens culturais. Temeroso em proceder a um
trabalhos de Douglas Kellner. Retomando o
corte transversal, capaz de apanhar o sentido
legado frankfurtiano no que chama de
da época, conduz sua análise do cinema de
estudos culturais críticos, o autor submete-a a
massas pelo caminho historicista de uma
um leitura em que a inclusão dos conceitos de
narrativa que, se bem esclarecedora e
gênero, raça e sexo se faz às expensas da
fundamentada, carece de conteúdo histórico
teorização sobre a mercantilização da cultura
menos evidente tanto quanto de crítica
contemporânea. A preocupação em visualizar
cultural28.
a cultura da mídia como um terreno onde se
reproduzem os conflitos sociais - antes que Kellner salienta que a leitura do que
um instrumento de dominação - perde de chama de estudos culturais críticos é política.
vista nele o problema da maneira como a A cultura da mídia transcodifica
indústria cultural condiciona esses conflitos esteticamente os processos sociais,
previamente à sua encenação tecnológica. experiências e práticas sociais e, só assim, é
que obtém ressonância na sociedade. A
A Kellner a crítica da indústria cultural se
crítica cultural precisa analisar a mídia em
coloca como uma análise engajada, em que o
relação às forças de dominação e às forças
pano de fundo não pretende ser a chamada
contra-hegemônicas de resistência presentes
ideologia dominante mas os conflitos em na sociedade.
curso na sociedade. A pretensão de usar a
história para ler os textos e os textos para ler No seu dizer, cabe à crítica
a história que se descobre em seus trabalhos "proceder à leitura da mídia no contexto da maneira
como ela se relaciona com as estruturas de domina-
todavia peca pela falta de um conceito de
ção e forças de resistência e de quais posições
história. ideológicas elas avançam dentro do contexto dos
debates e lutas sociais em curso no momento"29.

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ESTUDOS D E S O C I O L O G I A N° 04 FRANCISCO RÚDIGER

Acompanhando Jameson, ele argumenta viviam, para usar a expressão de Weber. A


que a crítica cultural não pode se limitar à proposição inclui as relações que acabam
critica das ideologias dominantes: também travando na esfera da indústria cultural.
deve Embora estejam cada vez mais enredados em
"especificar os momentos utópicos, subversivos, seus mecanismos, os indivíduos, em sua
oposicionistas e emancipatórios existentes dentro maioria, realmente não crêem que ah se
dos construtos ideológicos que, assim, se voltam decida seu destino e, portanto, a verdade é
contra as formas existentes de dominação.'
que, no fundo, "as massas não vêem e
A proposta - embora interessante e, em aceitam de há muito o mundo tal como lhes é
vários aspectos, mais rica - implica preparado pela indústria cultural"
teoricamente em um recuo à posições pré-
adornianas, na medida em que pressupõe, em
5 - CONCLUSÃO
acréscimo, que os textos produzem
identidades, engendram formas de Concluindo essa resenha, julgamos
posicionamento do sujeito, ao contrastarem importante assinalar alguns pontos e
suas diversas alternativas perante o público. perspectivas, ainda que de modo muito breve.
No modo de ver do autor, a crítica à indústria Primeiramente trata-se do entendimento de
cultural é uma que a crítica à indústria cultural, enquanto
"tentativa de discernir como a cultura da mídia mo- sucedâneo da crítica cultural, está
biliza o desejo, o sentimento, o afeto, as crenças e a
conceitualmente acabada. Embora carecendo
visão em vánas posições subjetivas fsubject positi-
onsj e como os meios apoiam uma ou outra posição de maior análise, que não podemos fazer
política. "31 aqui, os comentários externados sobre a
fortuna dessa disciplina entre seus seguidores
Entretanto, procedendo assim e não
hodiernos, sobretudo Kellner, sugerem que,
dispondo de um princípio de conjunto, o
por mais que se acrescentem pontos de vista à
autor passa por alto a ideia levantada pelos
leitura sobre o modo como as contradições da
primeiros críticos da indústria cultural
sociedade se articulam nas mercadorias
segundo a qual, contrariamente ao suposto, a
culturais, chegou-se aos limites dessa
aparelhagem cultural moderna não enseja
abordagem enquanto paradigma.
facilmente a identificação, lidando com uma
"audiência desiludida, alerta e difícil de Significa que a reflexão que embasa essa
convencer"32. crítica terá de procurar novos meios de
Conforme diz Adorno, a civilização análise, se quiser renovar seu potencial
moderna não fez os homens senhores de sua cognitivo. Poder-se-á e, mais, ter-se-ía sem
vida. No entanto, tirou-os da alienação. A dúvida de continuar a fazer crítica cultural da
subjetivização da razão tornou-os mais indústria, à medida em que os antagonismos
conscientes de sua situação, e os avanços nos sociais mudam com seus rostos, à medida em
meios de informação ampliaram seus que mais e mais a reflexão crítica que a
conhecimentos. O esclarecimento embasa descobre respaldo empírico na
desencantou os homens e o mundo, processo de posição dessa indústria na
expulsando-os do "jardim mágico" em que sociedade.

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DEPARTAMENTO DE SOCIOLOGIA 1998 UNESP-FCL

Epistemicamente, o problema que se Entretanto convém deixar claro que a


coloca porém é saber como se poderia crítica à indústria cultural não se exaure no
pesquisar esses rostos de maneira mais ampla terreno da crítica cultural ou emprego da
e rica em significado daqui para a frente. psicologia social analítica. O ponto de vista é
Segundo nosso modo de ver os recursos evidenciado no primeiro manifesto
para tanto ainda podem ser buscados na teoria metodológico sobre a matéria, escrito por Leo
crítica, sem se pretender com isso que ela Lowenthal, com base em notas fornecidas por
tenha exclusividade. O potencial de estímulo Adorno
da crítica à indústria cultural não se encontra A primeira pergunta que lhe concerne, lê-
esgotado teoricamente. se ali, remete à estrutura e função do
Apesar de deixar claro que a análise parte fenómeno no processo global da sociedade e,
do caráter mercantil das formas de arte portanto, ao campo de estudo de uma ciência
industriais, os primeiros estudos sobre a social crítica.
matéria revelam-se portadores de um forte Segundo nosso modo de ver, o primeiro a
acento culturalista. Têm razão - os defensores pôr em prática em esse projeto de estudo,
da economia política - ao afirmar que suas contido em embrião na própria idéia de
reflexões carecem de um exame mais detido crítica à indústria cultural, foi, como dito
das mediações históricas e sociais em que a acima, Prokop.
produção e - acrescentaríamos - a recepção Dieter Prokop de fato desenhou em sua
dos bens simbólicos se encaixam, conferindo pesquisa sobre a formação do cinema de
- os primeiros frankfurtianos - uma primazia massas um modelo de estudo que podemos
demasiado abstraía a seu posicionamento alertar de estudo de indústria cultural: o
subjetivo na sociedade. emprego da expressão pretende chamar
O deciframento dos antagonismos atenção para o fato de que a referida crítica,
contidos nas mercadorias não foi seguido do pelo menos em princípio, é superada por uma
confronto com sua recepção, nem se fez junto abordagem onde o foco da análise não se
com uma análise de sua relação com o acha mais na textura dos bens culturais mas,
contexto histórico. A complexa reflexão antes, na formação histórica e mecanismos
histórica que o criador dessa disciplina estruturais que os conformam e doam-lhe o
dedicou ao problema pouco se fez presente sentido social-histórico.
em suas pesquisas. E a situação não é diversa Passível de ser trabalhado em direções
em seus sucessores mais recentes Tanto em com menos acento histórico35, o principal
Jameson tanto quanto em Kellner, por mérito desse enfoque está, segundo nosso
exemplo, as considerações sobre a sociedade ponto de vista, em permitir a articulação da
pós-moderna e o tecnocapitalismo crítica à indústria cultural com os recentes
comparecem como mero pano de fundo da desdobramentos da teoria social crítica.
análise, lembrando muito, apenas para Exemplificando, podemos nos referir, no
comparar, a análise que Adorno faz de caso, aos primeiros escritos de Stuart Ewen
Strawinsky e Schoenberg em Filosofia da Particularmente ao estudo que dedicou às
Nova Música. origens da cultura de consumo nos Estados

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Unidos (Captains of Consciousness). Trata-se "são um fenómeno histórico e a relação entre esses
estímulos e a resposta [do público] é preformada e
em linhas gerais de uma história social crítica preestruturada pelo destino histórico do estimulo
das estratégias através das quais a tanto quanto do sujeito que lhe responde."39
publicidade ajudou a formar a moderna
cultura industrial naquele país. 1. Deixaremos de lado neste trabalho sua contribuição ao
desenvolvimento da problemática da esfera pública, que lhe
Baseando-se em extensa pesquisa era anterior e só se colocou a partir de sua segunda geração.
Cf. Habermas, J Mudança estrutural da esfera pública [1962]
documental, o autor mostra como o Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1984. Negt, O. & Kluge, A.
surgimento da cultura de consumo foi, em Public Sphere and Experience [1972]. Minneapolis (MN),
University of Minnessota Press, 1993. Calhoum, C (ed.)
parte, produto de uma ação planejada, Habermas and the Public Sphere. Cambridge (MA), MIT
Press, 1992.
resultante da convergência de interesses da
2. Jameson, Fredric. As marcas do visível. Rio de Janeiro,
classe empresarial, profissionais de mídia, Imago, 1995, p. 14. Leituras sistemáticas do programa de
pesquisa em foco se encontram em Heinlein, Bruno.
homens públicos e até mesmo ativistas Massenkultur in der Kritischen Theorie. Erlangen, Palm &
radicais. O consumidor moderno é produto de Enke, 1985. Cook, Deborah. The Culture Industry Revisited.
Lanham (MA), Rowman & LittlefieW, 1996.
uma série de estratégias de subjetivação 3. Horkheimer, M. & Adorno, T. "A Indústria Cultural: O
articuladas através da publicidade. esclarecimento como mistificação das massas". In - Dialétíca
do esclarecimento. Rio de Janeiro, Zahar, 1985. Também
Resumidamente, a referida cultura não surgiu podem ser situadas nesse contexto, por exemplo, as
reflexões sobre a indústria da consciência presentes em
de maneira espontânea, resultando da Public Sphere and Experience (Negt & Kluge).
transformação dos valores mercantis e bens 4. Adorno, T. The Culture Industry. Londres, Routiedge, 1991.
consumo em critério de verdade da própria p. 85/87.
5. Adorno, T Intervenciones. Caracas, Monte Ávila, 1974, p.
vida homem moderno dentro de condições 64.
determinadas. 6. Adorno, T Scritti Sociologici. Milão, Einaudi, 1976, p. 280.
Precisaríamos escrever outro ensaio para 7. Adorno, T Educação e emancipação. São Paulo, Paz e
Terra, 1995, p. 77/80.
demonstrar de que modo a pesquisa do autor 8. Adorno, T. "Crítica cultural e sociedade". In - Sociologia.
conjuga criticismo cultural e ciência social São Paulo, Ática, 1986, p. 87.
crítica para compor um estudo de indústria 9. Wiggershaus, Wolf. The Frankfurt, School Cambridge (MA),
MIT Press, 1994, p. 322.
cultural onde se sugere que essa serve, entre
10. Adorno, T & Eisler, H. El cine y la música. Madri,
outras funções, para inserir a "divisão entre o Fundamentos, 1975. p. 15. Segundo Adorno, pertence a ele a
autoria de 90 % do livro (Cf. "Editorische Nachbemerkung" In
verdadeiro e o falso na maneira como os - Gesammelte Schriften [Vol. 15]: Frankfurt, Suhrkamp, 1976).
homens se dirigem, se governam e conduzem 11. Adorno & Eisler, El cine y la música, p. 167 A sequência
frasal do parágrafo foi modificada.
a si mesmos e aos demais" . Noutros termos,
12. Adorno, T. The Stans down to Earth. Barcelona, Laia,
como se acha prenunciada em seu estudo uma 1986, p. 23.
síntese brilhante e única entre o método 13. Adorno, The Stars down to Earth, p. 51.
genealógico foucauldiano e a teoria crítica da 14. Adorno, The Stars down to Earth, p. 69.
sociedade38. 15. Adorno, The Culture Industry, p. 157.
16. Adorno, The Stars down to Earth, p. 67.
Contentamo-nos em observar aqui que
17. Adorno, The Stars down to Earth, p. 42.
essa, sem dúvida, constitui uma via
18. Lowenthal, L. Criticai Theory and Frankfurt Theorists. New
privilegiada através da qual se pode dar Brunswick (NJ), Transaction Books, 1989, p. 117
prosseguimento - criticamente - ao programa 19. Prokop, D, Sociologia. São Paulo, Ática, 1986, p. 115.
de pesquisa frankfurtiano, segundo o qual os 20. Prokop, Sociologia, p. 154. De Prokop também se pode
ler, fora do alemão, "Problems of prodution and consumption
estímulos provenientes da indústria da cultura in the Mass Media". In - Media, Culture and Society, Vol. 5
(101-116)1983.

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