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CONRAD LIVROS
DIRETOR EDITORIAL
Rogério de Campos
COORD EN A DO RA EDITORIAL
Priscila Ursula dos Santos
ED ITO R DE TEXTO
Ricardo Liberal
ASSISTENTE EDITORIAL
Arthur Dantas
ED ITO R D E ARTE
Johnny Freak
C / A / O \ S
TERRORISMO POÉTICO E OUTROS CRIMES EXEMPLARES
H A K I M B E Y
V-
CAPA: Johnny Freak
FOTO Dl' CAPA: Daryl Benson (AGB Photo)
1'KADUÇÀO: Patrícia Decia & Renato Resende
PRODUÇÃO GRÁFICA: Ed Wilson
ASSISTENTE DE PRODUÇÃO: Alessandra Vieira
i
1. Anarquismo I. Título.
03-1052 CDD-320.57
índices para caUllogo sistemático:
CONRAD LIVROS
Rua Simão Dias da Fonseca, 93 Aclimação
São Paulo - SP 01539-020
Tel: 11 3346.6088 Fax: 11 3346.6078
e-mail: livros@conradediu >ra.com.br
site: www.conradeditora.com.br,
S U M A R I O
CAOS: OS PANFLETOS DO
ANARQUISMO ONTOLÓGICO.....................9
• caos • 11 • terrorismo poético (tp) • 13 • amor louco (al) • 15 • crianças
selvagens *17 «paganismo • 19 • arte sabotagem (as) *21 • os assassinos
• 23 • pirotecnia • 25 • mitos do caos • 27 • pornografia • 31 • crime • 33
• feitiçaria • 35 • publicidade • 37
COMUNICADOS DA ASSOCIAÇÃO
PARA A ANARQUIA ONTOLÓGICA....... . 39
• com unicado I • 41 • com unicado II • 45 • com unicado III • 47
• com unicado IV • 49 • comunicado V • 51 • comunicado VI *55
• comunicado VII • 59 • comunicado VIII • 63 • comunicado IX • 65
• comunicado X • 69 • comunicado XI • 73 • comunicado especial do dia
das bruxas • 77 • comunicado especial • 81 • anarquia do pós-anarquismo
• 83 • coroa negra & rosa negra • 87* instruções para KaliYuga • 93 • contra
a reprodução da morte • 97 • sonora denúncia do surrealismo • 101
• por um congresso de religiões estranhas • 103 • terra oca • 107 • Nietzche
& os dervixes • 109 • boicote à cultura policial!!! *113
C A O S : OS P A N F L E T O S D O
ANARQUISMO ONTOLÓGICO
V-
(Dedicado a U stad M ahm ud Ali Abd al-Khabir)
C A O S
1 O au to r refere-se aos Hassasin ou Hassisin (“consum idores de haxixe”), m em bros de um a seita islâmica secreta
que d u ran te as Cruzadas em boscavam líderes cristãos. Eles agiam supostam ente sob a influência do haxixe, daí seu
nome. Ver página 23. (N .T.)
CAOS
bardo» ÍV na. 1 m iiIioicn, i tuiorcs & não policiais, coletores paleoliticamente pregui
çosos, (m1 1 n ■. . nino •..!!ip.nc*, i|iic ficam nus para simbolizar algo ou se pintam como
l>.lv„ihi\, i*i|iiílilii.u|iix .sobre a onda da presença explícita, o agora-sempre atemporal.
Ap,rnir.< do caos lançam olhares ardentes a qualquer coisa ou pessoa ca
pa/ «I. suportar ser testem unha de sua condição, sua febre por lux et voluptas.
I siou desperto apenas no que am o & desejo até o lim ite do terror - todo o resto
i! apenas mobília coberta, anestesia diária, m erda para cérebros, tédio sub-réptil
de regimes totalitários, censura banal & dor desnecessária.
Avatares do caos agem com o espiões, sabotadores, crim inosos do am or
louco, nem generosos nem egoístas, acessíveis com o crianças, semelhantes a bár
baros, perseguidos por obsessões, desempregados, sexualm ente perturbados, an
jos terríveis, espelhos para a contem plação, olhos que lem bram flores, piratas de
Iodos os signos & sentidos.
Aqui estamos, engatinhando pelas frestas entre as paredes da Igreja, do
listado, da Escola & da Empresa, todos os m onolitos paranóicos. Arrancados da
tribo pela nostalgia selvagem, escavamos em busca de m undos perdidos, bombas
imaginárias.
A últim a proeza possível ó aquela que define a própria percepção, um
invisível cordAo dc ouro que nos conecta: dança ilegal pelos corredores do trib u
nal. Se eu losse beijar você aqui, cham ariam isso de um ato de terrorism o - então
vamos levai n o s s o s revólveres paia .1 1 .1 1 11. 1 tk acordar .1 cidade à m eia-noite como
b;rndidos bêbados celebrando a mensagem do sabor do caos com um tiroteio.
XII
TERRORISMO POÉTICO (TP)
2 C orrente que pretende utilizar os espaços naturais com o m aterial de criação artística. Para isso, fazem coisas
com o em pilhar pedras, traçar imensas linhas de gesso em desertos, cavar tum bas etc. (N .E.)
CAOS
3T ipo de m aconha feita a partir dos brotos e das flores da cannabis e que apresenta 7,5 % d e T H C , seu com ponente
psicoativo. (N .E.)
4 Lendários am antes do m undo árabe. Ver o livro de Nizam i Laila & M ajnun - A Clássica História de Am or da
Literatura Persa, Jorge Z ahar Editor. (N .E.)
XVI
C R I A N Ç A S SELVAGENS
res incapazes il<' en^lolui (imio cpifanias destruidoras quanto a criação com o farsa
frágil, m as afiada', o bastante para cortar o luar.
No entanto, os habitantes dessas insignificantes províncias inferiores
acreditam que realmente controlam os destinos das Crianças Selvagens —& aqui
embaixo, tais crenças viciadas m oldam , de fato, a m aior parte da substância da
casualidade.
O s únicos que realmente desejam compartilhar o destino travesso dos
fugitivos selvagens ou crianças guerrilheiras (em vez de tentar controlá-lo), os
únicos que podem entender que am ar & libertar são o mesmo ato —são, em sua
maioria, artistas, anarquistas, pervertidos, heréticos, um bando à parte (distantes
um do outro & do m undo), ou capazes de se encontrar apenas com o as crianças
selvagens se encontram , trocando olhares secretos à mesa de jantar enquanto os
adultos tagarelam por detrás de suas máscaras.
Jovens demais para helicópteros de guerra - fracassados na escola, dan
çarinos de break, poetas púberes de vilarejos à beira da estrada - um m ilhão de
centelhas caindo em cascata dos rojões de R im baud & Mogli —frágeis terroristas
cujas b om bas espalhafatosas são am or polim o rfo & preciosos fragm entos
com pactados de cultura popular - franco-atiradores punks sonhando em furar as
orelhas, ciclistas animistas deslizando no crepúsculo cor de estanho pelas ruas
com flores acidentais nos bairros mais miseráveis — mergulhadores ciganos nus
fora de tem porada, ladrões sorridentes, de olhar enviesado, de totens poderosos,
troco pequeno & navalhas de pantera —estão em todos os lugares, nós os vemos —
publicam os esta oferta para trocar a corrupção do nosso próprio lux et gaudium
por sua perfeita & gentil imundície.
Com preenda: nossa realização, nossa libertação depende da deles - não
porque im itam os a Família, estes “avaros do am or” que m antêm reféns para um
futuro banal, ou o Estado, que nos ensina a afundar num horizonte de eventos de
enfadonha “utilidade” - não - mas porque nós & eles, os selvagens, somos o espe
lho um do outro, unidos & lim itados por aquele cordão de prata que define as
fronteiras entre a sensualidade, a transgressão & a revelação.
N ós tem os os mesmos inimigos & nossos meios para o escape triunfal
tam bém são os mesmos: um jogo delirante & obsessivo, energizado pelo brilho
espectral dos lobos &C seus filhotes.
XVIII
P A G A N I S M O
5 N om e que em C uba se dá a Exu, um dos quatro orixás guerreiros da religião iorubá. (N.T.)
6 U m dos deuses mais cultuados do panteão hinduísta, invocado no início de qualquer atividade com o aquele que
retira obstáculos. (N.T.)
7 C onceito sufista, que significa benção, graça, a força vital de toda criação. (N.T.)
8 O u H . Trismegisto, mitológico fundador do hermetismo, doutrina ligada ao gnosticismo, no Egito, no século I. (N.T.)
9 Im pério m uçulm ano na índia (1526-1857), fortem ente influenciado pela estética persa. O mais conhecido im
perador m ongol foi A kbar (1542-1605). (N.T.)
CAOS
10 Festival de inverno celebrado pelos índios da costa noroeste dos EUA, com distribuição e troca de presentes, e
eventuafclissipação dos bens do anfitrião. (N.T.)
11 N o hinduísm o, a form a da M ãe D ivina em seu aspecto dissoluto c destruidor. (N.T.)
12 O mais im portante dos sím bolos de Shiva, que tem a forma de um falo, e representa o aspecto impessoal de
Deus. (N .T.)
13 N om e d a Realidade Suprem a para o shaivismo da Caxemira; ou, no hinduísm o, um dos três deuses principais
(ao lado de V ishnu e Brahm a), representando Deus em sua form a destruidora. (N.T.)
14 D oce turco. (N .E.)
XX
ARTE- SABOTAGEM (AS)
Jogar dinheiro |>aia o alio no meio da bolsa de valores seria um Terrorismo Poéti
co bastante la/o.ivel mas destruir o dinheiro seria um a excelente Arte-Sabota
gem. Intel ierii mmia transmissão de T V & colocar no ar alguns m inutos de arte
iuccndiilria caótica seria um grande feito de T P - mas sim plesm ente explodir a
torre de transmissão seria um ato de Arte-Sabotagem perfeitam ente adequado.
Se certas galerias & museus merecem, de vez em quando, receber um a
tijolada pela janela - não a destruição, mas sim um a sacudida na sua com placên
cia então o que dizer dos BANCOS? Galerias transform am beleza em m ercado
ria, mas bancos transm utam a Imaginação em fezes & dívida. O m undo não
ganharia um pouco mais de beleza com cada banco que tremesse... ou caísse? Mas
como? A A rte-Sabotagem provavelmente deve ficar longe da política (é tão chata!)
- mas não dos bancos.
N ão faça piquetes - vandalize. Não proteste —desfigure. Q uando feiúra,
design pobre & desperdícios estúpidos estiverem sendo impostos a você, transforme-
se num luddita16, jogue o sapato no mecanismo, retalie. Esmaguemos símbolos do
Império, mas não o faça em nom e de nada que não seja a busca do coração pela graça.
16 M em bro dos grupos de trabalhadores ingleses que, no início da revolução industrial, révoltaram-se contra o
desem prego causado pelo novo m aquinário têxtil, procurando destruí-lo. (N.T.)
XXII
ASSA2 2I NOS
uma fonte sol) i risuis geométricos - o escândalo metafísico que são as odaliscas
banhando sc, o s criados negros brincando de esconde-esconde, m olhados, por
entre .1 folhagem "água, verdura, belos rostos”.
Ao cair da noite, Hassan-i Sabbah, com o um lobo civilizado de turban
te, debruça-se 110 parapeito sobre o jardim & contem pla o céu, estudando peque
nos asterismos de heresia no ar fresco & sem rum o do deserto. É verdade que
nesse mito alguns discípulos aspirantes podem receber o com ando de arremessa
rem-se do alto das muralhas para a escuridão - mas tam bém é verdade que alguns
deles vão aprender a voar com o feiticeiros.
O em blem a de Alam ut persiste em nossas mentes, um a mandala ou cír
culo mágico perdido na história, mas entalhado ou impresso na consciência. O
Velho passa rapidam ente, com o um fantasma, por dentro das tendas dos reis &
dos aposentos dos teólogos, atravessa todas as trancas & passa por todas as senti
nelas que usam técnicas ninja/m uçulm anas já esquecidas, deixando pesadelos,
estiletes sobre os travesseiros, subornos poderosos.
O perfum e de sua propaganda embebe-se nos sonhos crim inosos do
anarquism o ontológico, a heráldica de nossas obsessões exibe as lustrosas bandei
ras negras dos Assassinos... todos pretendentes ao trono de um Egito Imaginário,
um contínuo espaço/luz oculto consum ido por liberdades ainda não imaginadas.
XXIV
P I R O T E C N I A
17 N o budism o e no hinduísm o, um raio ou arm a m ítica, geralm ente controlado pelo deus Indra. (N .E.)
18 N a teoria desenvolvida por W illiam Reich, orgônio é a energia vital, a energia que é a.fonte da vida. (N .E.)
19 D esde a A ntigüidade, a salam andra tem sido reconhecida com o a personificação d o fogo, um anim al que
sobreviveria ileso no fogo. (N .E.)
XXVI
MI TOS DO CAOS
Rig Veda
Tiam at, o O ceano de Caos, expele lentam ente de seu ventre Lama &
Saliva, os H orizontes, o C éu & Sabedoria líquida. Esses rebentos crescem baru
lhentos &C pretensiosos —ela pensa em destruí-los.
Mas M arduk, o deus da guerra babilônico, levanta-se em rebelião contra
a Velha Bruxa & seus M onstros do Caos, totens infernais - o Verme, a Ogre
Fêmea, o G rande Leão, o Cachorro Louco, o H om em Escorpião, a Tem pestade
Trovejante - dragões vestindo suas glórias com o deuses - & a própria T iam at é
um a serpente m arinha gigante.
M arduk a acusa de fazer os filhos se rebelarem contra os pais - ela ama
N eblina & N uvens, princípios da desordem. M arduk será o prim eiro a reinar, a
inventar o governo. D urante a batalha, ele trucida Tiam at & com seu corpo enco
m enda o universo material. Inaugura o im pério da Babilônia - & então, com os
m iúdos & as tripas sangrentas do filho incestuoso de Tiam at, ele cria a raça hum a
na para servir aos deuses para sempre - & aos altos sacerdotes & reis sacramentados.
Zeus Pai & os deuses do O lim po travam guerra contra M ãe Gaia & os
Titãs, esses partidários do Caos, das velhas formas de caça & coleta, das longas
andanças sem destino, da androginia & da licenciosidade das bestas.
ffl.
lV /W W W
000
| r ^
XXVIII
H akim Hcy
M as... o Caos tam bém é um enorm e ovo de galinha. D entro dele, P’an-
Ku nasce & cresce por 18 mil anos - finalm ente o ovo se abre, divide-se entre céu
& terra, yin & yang. Então P’an-Ku transforma-se na coluna que sustenta o u ni
verso - ou talvez se torna o universo (respiração » vento, olhos » sol & lua, sangue
& fluídos » rios & mares, cabelo & cílios » estrelas & planetas, esperma » pérolas,
m edula » jade, suas pulgas » seres hum anos etc.).
O u, ainda, transforma-se no hom em /m onstro, Im perador Amarelo. O u
transforma-se em Lao-tsé, profeta do T ao. N a verdade, o pobre velho H u n Tun é
o próprio Tao.
“A música da natureza não existe além das coisas. As várias aberturas,
gaitas, flautas, todos os seres vivos, juntos, form am a natureza. O ‘Eu’ não pode
produzir coisas & as coisas não podem produzir o ‘Eu’, que existe por si mesmo.
As coisas são o que são espontaneam ente, não por causa de alguma outra coisa.
Tudo é natural sem saber por que o é. As 10 mil coisas têm 10 mil estados diferen
tes, todos em m ovim ento com o se existisse um Senhor Verdadeiro para movê-las
- mas, se procuram os por evidências desse Senhor, não conseguimos encontrá-
las.” (Kuo Hsiang).
C ada consciência ilum inada é um “im perador”, cuja única form a de
reinado é não fazer nada para não atrapalhar a espontaneidade da natureza, o Tao.
O “sábio” não é o próprio Caos, mas um dos seus servidores leais - um a das
pulgas de P ’an-K u, um pedaço da carne do filho m onstruoso de Tiam at. “C éu e
Terra”, diz Chuang-tsé, “nasceram no mesmo m om ento em que eu nasci, & eu &
as 10 mil coisas form am os um ser único”.
O A narquism o O ntológico tende a discordar apenas da total quietude
do taoísmo. Em nosso m undo, o Caos tem sido destituído por jovens deuses,
moralistas, falocratas, padres-banqueiros, senhores adequados para escravos. Se a
rebelião provar-se impossível, pelo menos algum tipo de guerra santa clandestina
deve ser iniciada. Q ue ela siga as bandeiras de guerra do dragão negro anarquista,
T iam at, H u n Tun.
O Caos nunca morreu.
XXIX
%
P O R N O G R A F I A
Nossa cultura gera a maior parte de sua pornografia m otivada pelo ódio
ao corpo - mas, com o em certas obras orientais, a arte erótica em si mesma cria
um veículo elevado para o aprim oram ento do ser/consciência/glória. U m a espécie
de pornô tântrico ocidental poderia ajudar a galvanizar os cadáveres, fazê-los bri
lhar com um a pitada de glam our do crime.
O s Estados Unidos oferecem liberdade de expressão porque todas as pala
vras são consideradas igualmente insípidas. Apenas as imagens contam - os censores
am am cenas de m orte & mutilação, mas horrorizam-se diante de um a criança se
m asturbando - para eles, aparentemente, isso é um a invasão de seu fundam ento
existencial, sua identificação com o Império & de seus gestos mais sutis.
Sem dúvida, nem m esmo o pornô mais poético faria o èadáver sem rosto
reviver, dançar & cantar (como o pássaro do Caos chinês) - mas... imagine o
roteiro de um filme de três m inutos am bientado num a ilha m ítica povoada por
crianças fugitivas que m oram nas ruínas de antigos castelos ou em cabanas-totens
&C ninhos construídos com detritos —um a m istura de animação, efeitos especiais,
com putação gráfica & vídeo - editado de form a com pacta, com o um comercial
de fast-food...
... mas insólito & nu, penas & ossos, tendas abotoadas com cristais, ca
chorros negros, sangue de pombos - vislumbres de membros cor de âm bar enrola
dos em lençóis - rostos, cobertos por máscaras cheias de estrelas, beijando dobras
macias de pele - piratas andróginos, faces abandonadas de colombinas dorm indo
em altas flores brancas —piadas sujas de se mijar de tanto rir, lagartos de estimação
lam bendo leite derramado - pessoas nuas dançando break - banheiras vitorianas
com patos de borracha & pintos cor-de-rosa - Alice viajando no pó...
... p u n k reggae atonal para gamelão, sintetizadores, saxofones & baterias
—boogies elétricos cantados por um etéreo coro de crianças —antológicas canções
anarquistas, um m isto de Hafiz20 & Pancho Villa, Li Po21 & Bakunin, K abir22 &
Tzara - chame-o de “C H A O S - T he Rock V ideo”.
N ão... provavelmente é só um sonho. M uito caro para produzir &, além disso,
quem o assistiria? N ão as crianças a quem ele gostaria de seduzir. A T V pirata é
um a fantasia fútil; o rock,-outra mera mercadoria - esqueça o gesamtkunstwerk20
m alandro, então. Inunde um playground com obscenos folhetos inflam atórios -
propaganda pornô, excêntricos manuscritos clandestinos para libertar o Desejo
dos seus grilhões.
20 Até hoje, um dos mais queridos e lidos poetas místicos da Pérsia (1320-1389). (N.T.)
21 O u Li Pai, poeta chinês (701-762 a.C .). (N.T.)
22 Poeta santo cultuado tanto por m uçulm anos quanto por hinduístas, viveu em Benares (1440-1518). (N.T.)
23 Term o alem ão contem porâneo que, grosso m odo, im plica diferentes formas simultâneas de se apreciar algo,
especialm ente um a obra de arte com putacional ou um a instalação. (N.T.)
XXXII
C R I M E
já fosse livre, i .ilculi is probabilidades, pule fora, lembre-se das regras de duelo -
Fume M aconh.i/( !oma G alinha/Tom e Chá. Todo hom em tem sua própria vinha
ôí sua figucirn {(Urde Seven Koran, N oble D rew Ali24) - carregue seu passaporte
m ouro com orgulho, não fique parado no meio do fogo cruzado, proteja-se - mas
arrisque-se, dance antes que fique calcificado.
O modelo social natural para o anarquism o ontológico é um a gangue de
crianças ou um bando de ladrões de banco. O dinheiro é um a m entira - esta
aventura deve ser possível sem ele - o resultado das pilhagens &C saques deve ser
gasto antes que se torne pó novamente. H oje é o D ia da Ressurreição - o dinheiro
gasto com a beleza será alquim icam ente transform ado num elixir. C om o o meu
tio M elvin dizia, melancias roubadas são mais doces.
O m undo já foi recriado segundo o desejo do coração - mas a civilização
é dona de todas as locações & da maioria das armas. Nossos anjos ferozes exigem
que invadamos a propriedade alheia, porque se manifestam apenas em solo proi
bido. O Ladrão de Estrada. A ioga da clandestinidade, o asíalto relâmpago, o
desfrute do tesouro.
24 Líder religioso norte-am ericano, fundador do Templo da C iência Islâmica em 1913, em C hicago. (N .T )
XXXIV
F E I T I Ç A R I A
XXXVI
P U B L I C I D A D E
algulm iV, ilc icpcntc, cncontra-sè na rua, num corpo, envolvido em luz, andan
do, iKordudo, i|Uiise satisfeito.
XXXVIII
COMUNICADOS DA ASSOCIAÇÃO
PARA A ANARQUIA ONTOLÓGICA
C O M U N I C A D O I
( P R I M A V E R A DE 1 9 8 6 )
I. Slogans & Motes para Pichar no Metrô & para Outros Propósitos
C O S M O P O L IT IS M O D E SE N R A IZA D O
T E R R O R IS M O P O É T IC O
(para rabiscar ou carim bar em outdoors publicitários:)
ESTE É O SEU V ER D A D EIR O D ESEJO
M A R X ISM O -ST IR N E R ISM O
E N TR E EM G REV E PELA IN D O L Ê N C IA & BELEZA ESPIRITUAL
C R IA N C IN H A S T Ê M PÉS L IN D O S
AS C O R R E N T E S DA LEI FORAM QUEBRADAS
PO R N O G R A FIA T Â N T R IC A
A R IST O C R A T ISM O RADICAL
G U ER R IL H A URBANA PARA A LIBERTAÇÃO DAS CRIANÇAS
XIITAS FA N Á TIC O S IM A G IN Á R IO S
B 0 L 0 ’B 0 L 0 25
S IO N IS M O GAY
(S O D O M A PARA O S SO D O M ITA S)
U TOPIAS PIRATAS
O CAOS N U N C A M O R R E U
25 Espaço dc convivência libertária descrito na obra de mesmo nom e publicada no Brasil nos anos 1990 pela
Editora C orrecotia. (N .E.)
CAOS
Bl;u k, l*ii Mi in (.ii i .« ii nome ser mencionado, que reine a paz), F. Nietzsche,
I l.ml I «. II |i I*M c\' ii m.io A bujehad al-Salah do Templo Islâmico de Dagon.
1. E ntre na área dos caixas eletrônicos do C itibank ou do C hem bank num a hora
de m uito m ovim ento, cague no chão & vá embora.
2. Chicago, Maio de 1886: organize uma procissão “religiosa” para os “mártires” do
H aym arket26 - grandes faixas com retratos sentimentais coroados com flores & trans
bordando de fitas & lantejoulas, carregadas por penitentes vestidos em trajes com
capuzes negros no estilo KKKatólico - escandalosos & efeminados acólitos de TV
borrifam a multidão com água benta & incenso —anarquistas com rostos emplastra-
dos de cinzas flagelam-se com pequenos relhos & chicotes - um “Papa” de túnica
negra abençoa minúsculos caixões simbólicos carregados reverentemente para o cemi
tério por punks chorosos. Um espetáculo desse tipo deve ofender quase todo mundo.
3. Cole em lugares públicos um cartaz xerocado com a foto de um lindo garoto de
12 anos, nu &c se m asturbando, com o título bem à vista: A FACE D E D EUS.
4. Envie elaboradas & requintadas “bênçãos” mágicas pelo correio, anonim am en
te, para as pessoas ou os grupos que você adm ira, por exemplo, por sua capacidade
política ou espiritual, por sua beleza física ou por seu sucesso no m undo do crime
etc. Siga o mesmo procedim ento descrito no item 5 a seguir, mas utilize uma
estética de bons votos, am or ou felicidade, o que for mais apropriado.
5. Rogue um a praga horrível contra um a instituição maligna, tal com o o New
York Post ou a empresa M U ZA K. Aqui, um a técnica adaptada dos feiticeiros da
Malásia: envie para a empresa um pacote com um a garrafa tam pada &Cselada com
cera rfegra. E dentro dela: insetos mortos, escorpiões, lagartos & coisas do tipo;
um saco com terra de cemitério (“gris-gris” na term inologia vodu), ju n to com
26Praça em Chicago onde ocorreu o grande confronto descrito no livro/! Bomba, de Frank Harris (C onrad Livros,
2003), entre polícia e operários que faziam unia dem onstração pela jornada de trabalho de o ito horas, em maio de
1886. É o evento que deu origem ao 1“ de M aio com o Dia dos Trabalhadores. (N .E.)
XLII
liaklm Iky
outras substâncias nocivas; um ovo perfurado por pregos & alfinetes de ferro; &
um pergam inho onde está desenhado um em blem a (veja página 78).
(Esse iantra ou veve invoca o D jim ' Negro, a som bra escura do Eu.
Detalhes com pletos podem ser obtidos na A A ().) I Jm bilhete explica que a bruxa
ria é contra a instituição & não contra os indivíduos mas, .1 menos que a institui
ção deixe de ser maligna, a praga (como um espelho) começará a infectar as depen
dências com um destino terrível, um miasm a de negatividade. Prepare um
“com unicado” explicando a maldição &C atribuindo a sua autoria Soc iedade Poé
tica Americana. Envie cópias para todos os empregados da instituição & para a
mídia. N a noite anterior à chegada dessas cartas, cole nas paredes da instituição
cópias do em blem a do D jim Negro em locais que sejam visíveis a todos os em pre
gados quando eles chegarem ao trabalho pela manhã.
(Nossos agradecimentos novam ente a Abu Jehad &í a Sri A nam ananda —
o Castelão M ouro do Belvedere W eather Tower —& aos outros camaradas da zona
autônom a do Central Park & do Templo N úm ero 1 do Brooklyn.)
27Ser lendário m uçulm ano que pode tom ar qualquer forma hum ana ou anim al e influir na vida das pessoas. (N.T.)
XLIII
C O M U N I C A D O 2
O MEMORI AL BOLO
K A L L I K A K &c O C A O S
ASHRAM28: UMA PROPOSTA
28 Uma com unidade ou instituição espiritual cm que disciplinas espirituais são praticadas; a residência de um santo
ou mestre espiritual (sânscrito). (N.T.)
29 M ercenários contratados pelo exército inglês durante a guerra de independência am ericana. (N. 1.)
CAOS
pens indo l>< in. o\ /•,/////•<//•! talvez tenham produzido alguns seguidores
do ( .iii'., |*i«•< iii ni. tln m ko radical, profetas do Trabalho-Zero. C om o outras
pais.i|',< ir. iiii im itihi.is (desertos, mares, pântanos), a região de Pine Barrens parece
e.st.ti im bnM i il< um poder erótico - que não é nem viril nem orgiástica, mas que
n.iiiMiútc uma desordem lânguida, quase um desmazelo da Natureza, com o se
aquele solo & aquela água fossem feitos de carne sensual, membranas, tecidos
esponjosos eréteis. Q uerem os acam par neste lugar, talvez num a cabana de pesca
& caça abandonada com um velho fogão a lenha & banheiro externo - ou em
decadentes cabanas de férias em alguma estrada secundária fora de uso - ou sim
plesmente num lugar onde podem os estacionar dois ou três Airstreams escondi
dos por detrás dos pinheiros & perto de um poço grande o suficiente para nadar.
Será que os kallikaks estavam por dentro de algo bom? Vamos descobrir,
em algum lugar, garotos sonham que extraterrestres virão resgatá-los de suas famílias,
talvez desintegrando seus pais com um tipo de raio alienígena. Então, bem... Trama de
Seqüestro do Pirata Espacial é Descoberta - “Alienígena” Desmascarado é Poeta H o
mossexual Xiita Fanático - OVNIs avistados sobre Pine Barrens - “Garotos Perdidos
Deixarão a Terra”, afirma Hakim Bey, o Assim Chamado Profeta do Caos.
garotos fugitivos, bagunça & desordem, êxtase & indolência, nadar nus,
infância como insurreição permanente - coleções de sapos, lesmas, folhas - mijar à luz
da lua - 1 1 ,1 2 ,1 3 - crescidos o suficiente para tomar as rédeas da própria história da
mão dos pais, da escola, da previdência social, da T V - Venham viver conosco no Pine
Barrens - nós cultivaremos 11111 tipo local de beberagem para financiar nossa luxúria &
contemplação da alquimia do verão - & além disso não produziremos nada a não ser
artefatos de Terrorismo-Poético & recordações de nossos prazeres.
dar voltas sem destino na velha picape, pescar & coletar alimentos, dei
tar na som bra lendo quadrinhos & com endo uvas - essa é a nossa Econom ia. A
realidade das coisas quando libertas da Lei, cada molécula um a orquídea, cada
átom o um a pérola para a consciência alerta - esse é nosso culto. O Airstream tem
tapetes persas em todas suas paredes, a grama está cheia de ervas satisfeitas.
a casa na árvore torna-se um a nave espacial na nudez de julho & à meia-
noite, sem i-aberta às estrelas, aquecida por um suor epicuriano, apressada & de
pois tranqüilizada pela respiração dos pinheirais.
(Caro Diário de Bordo Bolo\ Você pediu um a utopia prática & possível
—aqui está ela, não apenas um a fantasia pós-holocausto, nada de castelos na lua
de Júpiter - um esquema que poderíamos adotar am anhã - a não ser pelo fato de
que todos os seus aspectos violam certas leis, revelam alguns dos tabus absolutos
da sociedade norte-am ericana, ameaçam a própria tram a social etc. etc. etc. Azar.
Esse é nosso desejo verdadeiro & para realizá-lo precisamos contem plar não ape
nas um a vida de arte pura, mas tam bém o crime puro, a insurreição pura. Amém.)
XI.VI
C O M U N I C A D O 3
O TEMA HAYMARKET
J0Um dos hom ens acusados de lançar a bom ba que m atou vários policiais duran te a manifestação em H aym arket
Sq., em 1886. Julgado e condenado, suicidou-se na prisão. (N.T.)
CAOS
sentim entos M .i. o lioim m m dinam itou aos 22 anos para enganar a forca... esse
n.u> é cxiii.inu ntc o i am inho que escolhemos. III A IDÉIA de PO LÍCIA é como
.1 lúdi.i <in «111< i le.sccm cem novas cabeças para cada um a que é decepada - &
todas (••.■.,is cabeças s.io policiais vivos. C ortar fora as cabeças não nos ajuda em
ii.ul.i, apenas aum enta o poder da besta até que ela nos engula. III Primeiro assas
sine .i 11)KIA - exploda o m onum ento dentro de nós - & então, talvez... o equilí
brio do poder se inverterá. Q uando o últim o tira em nosso cérebro for assassinado
pelo últim o desejo não satisfeito - talvez até mesmo a paisagem ao nosso redor
comece a m udar... III O Terrorismo Poético propõe tal sabotagem dos arquétipos
com o a única tática prática de insurreição para o presente. Mas, com o extremistas
xiitas ávidos pela derrubada (por qualquer meio) de toda polícia, aiatolás, ban
queiros, carrascos, padres etc., reservamo-nos a opção de venerar até mesmo os
“fracassos” do excesso radical. III Uns poucos dias liberto do Império das M enti
ras pode m uito bem valer um sacrifício considerável; um m om ento de realização
exaltada pode pesar mais do que uma vida inteira de trabalho & tédio microcefálico.
III Mas esse m om ento deve tornar-se nosso - & nossa posse sobre ele é seriamente
com prom etida se precisamos com eter suicídio para preservar sua integridade.
Então, m isturam os ironia à nossa veneração - não é o m artírio que propom os,
mas a coragem do dinam itador, a autoconfiança de um m onstro do Caos, a reali
zação de prazeres crim inosos & ilegais.
XLVIII
C O M U N I C A D O 4
O FI M DO M U N D O
cerebrais pai .iuóh .r. il> i|iialc]iier livro escolar & da TV? A tanatologia dos
sofisticado* n1 ili i1 .1 i im.is brota com o pus da falsa saúde do Paraíso de T raba
lhadores & ( onsum idores.
(Qualquer um que pode ler a história com os dois hemisférios do cérebro
sabe que um m undo term ina a todo instante - as ondas do tem po lavam tudo &
deixam apenas as memórias de um passado fechado & petrificado - m emória
imperfeita, ela mesma m oribunda & outonal. E a todo instante tam bém é gerado
um m undo novo - apesar dos protestos dos filósofos & dos cientistas cujos corpos
se paralisaram - um a atualidade na qual todas as impossibilidades se renovam, em
que arrependim entos & prem onições dissipam-se em nada num único gesto
presencial, psicom ântrico & hologramático.
O passado “norm ativo” ou a futura m orte do universo significam tão
pouco para nós quanto o PIB do ano passado ou a degeneração do Estado. Todos
os passados Ideais, todos os futuros que ainda não passaram, sim plesm ente obs
truem a nossa consciência da vivida presença total.
Certas seitas acreditam que o m undo (ou “um ” m undo) já chegou ao fim .
Para as Testem unhas de Jeová, aconteceu em 1914 (isso mesmo, senhores, estamos
vivendo o Livro das Revelações agora). Para certos ocultistas orientais, aconteceu
durante a grande C onjunção dos Planetas em 1962. Joaquim de Fiore proclam ou
aTçrceira Era, a do Espírito Santo, que substituiu a do Pai & do Filho. Hassan II
de A lam ut proclam ou a G rande Ressurreição, a imanência do eschaton, o paraíso
na Terra. O tem po profano term inou em algum ponto da Idade M édia. Desde
então, vivemos em tempos angelicais - só que a maioria de nós não sabe disso.
O u, partindo de um ponto de vista m onista ainda mais radical: o Tempo
nunca começou. O Caos nunca morreu. O Im pério nunca foi fundado. N ão so
mos & nunca fomos escravos do passado ou reféns do futuro.
Sugerimos que no Fim do M undo seja declarado um fa it acompli\ a data
exata não im porta. O s rantersi2, em 1650, sabiam que o M ilênio se inicia agora
em cada alma que desperta para si mesma, para o seu próprio centro & divindade.
“Regozije-se, com panheiro”, era o cum prim ento que usavam. “Tudo é nosso!”
Eu não quero participar de qualquer outro Fim do M undo. Um garoto
sorri para m im na rua. Um corvo negro pousa num a árvore de magnólias rosadas,
grasnando enquanto o orgônio se acum ula &C é liberado num a fração de segundo
sobre a cidade... o verão começa. Eu posso ser seu am ante... mas cuspo em cima
do seu Milênio.
52 G rupo radical inglcs de proem inência entre os anos 1649-54; influenciados pela ordem herege da Fraternidade
do Espírito Livre (séc. XIV) e pela “Era do Espírito” de Joaquim de Fiore (séc. XII). (N .T.)
L
C O M U N I C A D O 5
CAMARADAS!
Recentem ente um a certa confusão sobre “Caos”, levantada por certos
setores revanchistas, im portunou a AAO, forçando-nos (a nós, que desprezamos
polêmicas) a enfim participar de um a Sessão Plenária devotada para denúncias ex
cathedra, nefastas com o o inferno; nossas faces rubras de retórica, perdigotos voando
de nossos lábios, as veias do pescoço inchadas com o fervor do púlpito. Devemos,
por fim, nos resumir com cartazes com slogans raivosos (em caracteres de 1930)
declarando o que a A narquia O ntológica não é.
Lembrem-se de que só na física clássica o Caos tem qualquer coisa a ver com
entropia, morte térmica &C decadência. Em nossa física (Teoria do Caos), o Caos
identifica-se com o Tao, mais além tanto do yin-como-entropia quanto do yang-como-
energia, sendo mais um princípio de criação contínua do que qualquer nihil, urti vazio
no sentido de potentia, não exaustão. (Caos como “a soma de todas as ordens”.)
Dessa alquim ia, quintessencializamos uma teoria estética. A arte do Caos
pode ser aterrorizante, pode até atuar num grand guignol, mas jamais pode deixar-
se encharcar em negatividade pútrida, tanatologia, schadenfreude (deleite com o
sofrim ento dos outros), sussurrando sobre memorabilia nazista & assassinatos em
série. A A narquia O ntológica não coleciona filmes pedantes & entedia-se profun
dam ente com elites que vom itam filosofia francesa. (“N ão há esperança alguma
& eu já sabia disso antes de você, seu merda. Ha!”)
W ilhelm Reich foi quase levado à loucura total & assassinado por agen
tes da Praga Emocional. Talvez metade de seu trabalho derive da mais absoluta
paranóia (conspirações de O V N Is, hom ofobia, até mesmo sua teoria sobre o or-
gasmo), MAS em um ponto nós concordam os com pletam ente —sexpol: repressão
sexual alim enta a obsessão pela morte, o que origina más políticas. Uma grande
CAOS
parte il.i .uit- tlt v.11ipii.1111.1 c-m.í ..linr.ida com Raios de O rgônio M ortal (RO M ). A
A 11.ir<111 i.t ( >niul('i| it i it in com o objetivo construir detonadores de nuvens estéti-
cas (aiinas H( )) paia dispersar o miasma do sadomasoquismo cerebral que hoje
cm dia «'• lonsidc iado m oderno, brilhante, inteligente, o máximo, o novo. Artistas
"|k-i loi m.iiico.s" autom utiladores são para nós banais & estúpidos - sua arte deixa
iodo m undo mais infeliz. Q ue tipo de bosta barata conivente... que artistas babacas
com cérebro de m inhoca prepararam esse cozido apocalíptico?
É claro que a vanguarda parece “inteligente” - com o M arinetti & os
huturistas, com o Pound & Celine. Em com paração com esse tipo de inteligência,
preferimos a estupidez real, a idiotice insossa & bucólica do New Age —preferimos
ser idiotas a ficar obcecados pela morte. Mas, felizmente, não precisamos esvaziar o
cérebro para alcançar nosso próprio tipo raro de satori33. Todas as faculdades,
todos os nossos sentidos são nossos, nossa propriedade - coração ÔC cabeça, espí
rito & intelecto, alma &: corpo. A nossa não é um a arte de mutilação, mas de
excesso, superabundância, assombro.
O s distribuidores da melancolia sem sentido são os Esquadrões da M or
te da estética contem porânea - & nós somos os “desaparecidos”. Seu salão de
bailes de fantasia com ocultos bricabraques do Terceiro Reich & assassinatos de
crianças atrai os m anipuladores do Espetáculo - a m orte fica m elhor na TV do
que na vida - nós, artistas do Caos, que pregamos um a alegria rebelde, somos
encurralados & m antidos no silêncio.
N ão é preciso dizer que rejeitamos toda a censura da Igreja & do Estado
- mas, “depois da revolução”, de bom grado assumiremos a responsabilidade indi
vidual & pessoal pela queim a de todo o em bolorado lixo artístico dos Esquadrões
da M orte & pela sua expulsão da cidade em caravana. (No contexto anarquista, a
crítica torna-se um a ação direta.) Em meu espaço não cabe nem Jesus & seus
senhores das moscas nem Charles M anson &C seus adm iradores literários. Eu não
quero nenhum a polícia m undana - nem assassinos cósmicos & seus machados;
nenhum massacre com serra elétrica na TV, nenhum sensível rom ance pós-estru-
turalista sobre necrofilia.
N o m om ento, a AAO nutre vaguíssimas esperanças de poder sabotar o
m ecanism o sufocante do Estado & seu circuito fantasmagórico - mas podemos
chegar a ser capazes de fazer algo para dim inuir as manifestações da praga dos
R O M , com o os com edores de cadáveres do Lower East Side & outros lixos artís
ticos. Apoiamos artistas que usam materiais aterradores para alguma “causa nobre”
—que usam material sexual/afetivo de qualquer tipo, não im porta se chocante ou
ilegal - que usam sua raiva & asco & seus desejos verdadeiros de cam inhar em
direção à auto-realização, beleza & aventura. “Niilismo Social”, sim - mas não o
niilismo m orto do autodesprezo gnóstico. Mesmo se for violento & abrasivo,
qualquer um com um vestígio do terceiro olho consegue enxergar as diferenças
entre a arte revolucionária pró-vida & a arte reacionária pró-m orte. O s RO M
33N o zen-budism o, o estado de ilum inação espiritual; o alcance repentino desse estado. (N.T.)
LII
H akim IWy
fedem, & o nariz do artisia «l<»( a o s pode senti-lo - da mesma forma que discerne
o perfum e da alegria (.'spirim.il/M-xuul, mesmo quando soterrado ou mascarado
sob outros odores mais sombrios Mesmo .1 Direita Radical, com todo seu horror
da carne & dos sentidos, 01 .isionalmciiu aparece com 11111 m om ento de percepção
& aprim oram ento da consciência mas os Esquadrões da M orte, com todo seu
cansativo discurso & suas abstrações revolui ion.ii ias modernas, oferecem-nos tanta
energia libertária quanto o FBI, o PDA & os b.itisi.is recalcados.
Vivemos num a sociedade que faz propaganda de suas mercadorias mais
caras com imagens de m orte & mutilação, enviada diretam ente para a parte sub-
reptícia do cérebro das m ultidões através de aparelhos carcinógenos geradores de
ondas alfa que distorcem a realidade - enquanto algumas imagens da vida (como
a nossa favorita, de um a criança se m asturbando) são banidas & punidas com
um a ferocidade incrível. N ão é preciso coragem para ser um Sádico da Arte, pois
a m orte libidinosa está no centro estético do Paradigma do Consenso. “Esquerdis
tas” que gostam de se fantasiar & brincar de polícia & ladrão, pessoas que se
m asturbam olhando para fotos de atrocidades, pessoas que gostam de pensar &
intelectualizar sobre a arte de “qualquer jeito”, a pretensiosa falta total de esperan
ça, m onstruosidade terrível, as desgraças dos outros — tais “artistas” não são nada
além de policiais-sem-poder (um a definição perfeita tam bém para m uitos “revo
lucionários”). N ós temos um a bom ba negra para esses fascistas estéticos - ela
explode em esperma &C estalos, ervas hilariantes & pirataria, estranhas heresias
xiitas & fontes paradisíacas borbulhantes, ritm os complexos, pulsações da vida,
tudo o que for sem forma &C raro.
Acorde! Respire! Sinta o hálito do m undo em sua pele! Aproveite o dia!
Respire! Respire!
(Nossos agradecim entos a J. M ander por seu livro Four Argumentsfor theAbolition
o f Television, a Adam Exit & ao m ouro cosmopolita de W illiamsburg.)
LIII
C O M U N I C A D O 6
soldado, iiado, p im ni .na espada & atacou-o. E spontaneam ente, o mestre de
sarm ado tom ou .t e.pada tio soldado &C devolveu-a em seguida. Várias vezes o
soldado tentou matá-lo, usando todos os golpes mais sutis de seu repertório -
mas a partir dc sua m ente vazia o erem ita inventava, todas as vezes, novas m a
nei i as dc desarmá-lo.
O soldado, é claro, tornou-se seu primeiro discípulo. Mais tarde, eles
aprenderam a esquivar-se de balas.
Podemos contem plar alguma forma de m etadram a criado para capturar
um pouco do sabor dessa atuação, que deu origem a um a arte totalm ente nova,
um m odo totalm ente não violento de luta - guerra sem assassinato, “a espada da
vida”, & não a da morte.
U m a conspiração de artistas, anônim a com o qualquer bom bardeador
maluco, mas voltada para um ato de generosidade gratuita no lugar da violência -
para o m ilênio em vez de para o apocalipse - ou, ainda, dedicado ao momento
presente do choque estético no serviço da realização & da libertação.
A arte conta maravilhosas mentiras que se tornam realidade.
É possível criar um T E A T R O S E C R E T O onde ta n to o artista q u a n
to a audiência desaparecem com pletam ente - apenas para reaparecer em o u
tro plano, onde a vida & a arte se tornam a m esm a coisa, o puro oferecim ento
das dádivas?
(Nota: O “Salão do Apocalipse” foi organizado por Sharon Gannon em julho de 1986.)
MA deptos do ismaelismo, seita m uçulm ana xiita surgida das disputas geradas no ano 765.
d .C e que teve sua m aior influência política no m undo islâmico entre os séculos X e XII. (N .E.)
MSectários da doutrina luterana de Johannes S chnittcr (1492-1566); que afirma ser a fé, e não os atos, a única
condição para a salvação. (N.T.)
34 Venery, cm inglês, tem dois sentidos bem diferentes. O primeiro, que vem do latim venus (amor, desejo sexual), è de
satisfação sexual. O outro, do francês venerie, que por sua vez tem origem no latim vetuiri (caçada), é de caçada como
esporte. (N.E.)
LVII
CAOS
extrem o I )evem o. •.< i . ih n . ,|, todas as salvações que querem salvai-nos de nós
mesmos, d«» ,1 'inn.il que c tam bém nossa anim a, nossa própria força de vida, &
tam bém n o s s o anitnus, nosso auto-apoderam ento vitalizador, que pode até mes
mo s r m anifestar com o raiva & ganância. A BA BILÔ N IA ensinou-«<w que a
nossa carnc é im unda - escravizou-nos com esse argum ento & a promessa de
salvação. Mas, se a carne já estiver “salva”, já for l u z - &C se até mesmo a própria
consciência for um tipo de carne, um éter sim ultaneam ente palpável & vivo - ,
então não precisam os de nenhum poder para interceder a nosso favor. A selva,
com o diz O m ar, é o paraíso agora mesmo.
A verdadeira posse do assassinato pertence ao Império, pois apenas a li
berdade é vida com pleta. A guerra também é babilônica - nenhum a pessoa livre
m orrerá pelo engrandecim ento de um a outra. A fom e passa a existir apenas com a
civilização dos salvadores, os reis-padres - não foi José quem ensinou ao faraó a
especular sobre as colheitas futuras? A ganância - pela terra, pela riqueza sim bóli
ca, pelo poder de deform ar os corpos & as almas dos outros para sua própria
salvação - a ganância tafnpouco surge da “natureza natural”, mas do represamento
& da canalização de todas as energia para a glória do Império.
C ontra tudo isso, o artista tem o baile de máscaras, a radicalização total
da linguagem, a invenção de um “Terrorismo Poético” que vai atacar não seres
hum anos, mas idéias malignas, pesos mortos na tam pa do caixão dos nossos dese
jos. A arquitetura da asfixia & da paralisia será destruída apenas pela nossa cele
bração total de tudo - incluindo a escuridão.
LX
Hakim IWy
LXI
CAOS
ção '‘resolveu'’ i .•,« p.n.uloxo apenas o levante contra a falsa consciência tanto
em nós mesmos quanto nos outros vai varrer a tecnologia da opressão & a pobreza
do I .pet.u 11Io Nessa batalha, uma máscara pintada ou o chocalho de um xamã
pode vn .1 sei vital para a captura de um satélite de com unicações ou de um a rede
sei let.i de com putadores.
Nosso único critério de julgar um a arma ou um a ferram enta é sua bele
za. De certo m odo, os meios já são os fins. A insurreição já é nossa aventura.
Tornar-se É Ser. Passado & futuro existem dentro de nós & para nós, alfa 6c
ômega. N ão existem outros deuses antes ou depois de nós. Estamos livres no
T E M P O —& estaremos livres no ESPAÇO também .
liberto ile toda-. .r. am aiias da escola, das lições de música, dos acam pam entos de
férias, ilas noites familiares ao redor da lV , dos dom ingos no parque com papai -
tem po autêntico, tem po caótico.
Agora a família está deixando o parque, um pequeno batalhão de insatis-
façáo. Mas aquele menino se volta & sorri para m im , em cum plicidade - “M ensa
gem Recebida” - & dança atrás de um vaga-lume, encorajado por meu desejo. O
pai ladra um m antra que dissipa meus poderes.
O m om ento passa. O garoto é engolido pela textura da semana - desa
parece como um pirata sem inu ou um índio que foi levado prisioneiro pelos mis
sionários. O parque sabe quem eu sou, mexe-se sob mim com o um jaguar gigante
pronto para despertar para sua meditação noturna. A tristeza ainda o detém , mas
ele continua indom ado na sua essência mais profunda: um a estranha desordem
no coração da noite da cidade.
LXIV
C O M U N I C A D O 9
DUPLAS D E N Ú N C I A S
I. Kristianismo
pela M.íli.i I , •.(■ nós alguma vez votarmos, jamais gastaremos esse gesto vazio
com algum t.i<> kristão, não im porta sua raça ou cor.
Q u an to aos kristãos reais, esses tediosos fanáticos autolobotom izados,
esses m órm ons assassinos de crianças, esses Guerreiros Estelares da Escravidão
pela Moralidade, televangelistas autoflageladores, esquadrões de zum bis da A ben
çoada Virgem M aria (que paira num a nuvem cor-de-rosa sobre o Bronx, vom i
tando ódio, excomunhões & bile sobre a sexualidade das crianças, das adolescen
tes grávidas &C das bichas)...
Q u a n to aos que cultuam verdadeiram ente a m orte, canibais ritualís-
ticos, freaks do A rm agedom - a D ireita C ristã - só podem os rezar para que o
ÊXTASE A C O N T E Ç A & arranque -os de detrás dos volantes de seus carros,
dos program as de auditório & das camas castas, leve-os todos-para o céu &
deixe-nos viver nossa vida hum ana.
LXVI
Hakim IH-y
LXVII
COMUNI CADO 10
SESSÃO PLENÁRIA LEVANTA
NOVAS DEN ÚNCI AS -
EXPURGOS SÃO ESPERADOS
continua int|«linível para esses medíocres contadores de dinheiro & seus servos
descerei» .idos. IIII ( )s místicos heréticos & antinom ianos do O riente &C do O ci
dente desenvolveram sistemas fundam entados na libertação interior. Alguns des
ses sistemas estão maculados pelo misticismo religioso & até mesmo pela reação
social - outros parecem mais puram ente radicais ou “psicológicos” —& alguns até
mesmo se cristalizaram em movimentos revolucionários (os igualitários milenaristas,
os Assassinos, os taoístas de turbante amarelo etc.). Q uaisquer que sejam suas
falhas, eles têm um a certa arma mágica que o anarquism o dolorosam ente não
possui: (1) Um sentido de meta-racional (“m etanóia”), formas de ir além do pen
sam ento fragm entado, para se chegar a um pensam ento & percepção uniformes
(ou nômades, ou “caóticos”); (2) um a definição verdadeira da consciência auto-
realizada ou liberada, um a descrição positiva de sua estrutura, & as técnicas utili
zadas para se chegar até ela; (3) um a visão arquetípica coerente da epistemologia -
ou seja, um a form a de conhecim ento (sobre história, por exemplo) que usa a
fenomenologia herm enêutica para descobrir padrões de significado (algo com o a
“crítica paranóica” dos surrealistas); (4) um ensinam ento sobre sexualidade (nos
aspectos “tâ n tric o s” de várias do u trin as) que valoriza o prazer em vez da
autonegaçao, não apenas por puro deleite, mas tam bém com o meio para uma
consciência ou “libertação” aprimoradas; (5) um a atitude de celebração, que pode
ser cham ada de “conceito de júbilo”, o cancelam ento de débitos psíquicos por
meio de um a generosidade inerente à própria realidade; (6) um a linguagem (in
cluindo gestos, rituais, intenção) com a qual ativar & com unicar esses cinco as
pectos da cognição; & (7) um silêncio. //// N ão é surpresa alguma descobrir quantos
anarquistas são ex-católicos, padres & freiras à paisana, ex-coroinhas, batistas re
nascidos que escapuliram ou mesmo ex-xiitas fanáticos. O anarquism o oferece
um a missa negra (& vermelha) para des-ritualizar todos os cérebros assombrados
por fantasmas - um exorcismo secular - , mas então trai a si mesmo ao criar com
remendos sua própria Igreja, toda ela coberta pelas teias de aranha do H um anism o
Ético, do Pensamento Livre, do Ateísmo M uscular & da rude Lógica Cartesiana
Fundam entalista. /// / H á duas décadas demos início ao projeto de nos tornar
Cosm opolitas Desenraizados, determ inados a peneirar os detritos de todas as tri
bos, culturas &C civilizações (inclusive a nossa) atrás de fragmentos viáveis — &
sintetizar, dessa bagunça pós-ortodoxias, o nosso próprio sistema de vida - a últi
m a coisa que querem os (como advertiu Blake) é nos tornar escravos de alguém. /
III Se algum feiticeiro javanês ou xamã de um a tribo de índios americanos possuir
algum fragm ento precioso que eu necessite para m inha própria “maleta de m édi
co”, devo eu olhá-lo com desprezo, zom bar dele & citar a frase de Bakunin sobre
enforcar padres com as vísceras dos banqueiros? O u devo lem brar-m e de que a
anarquia não conhece dogma, que o Caos não pode ser m apeado —&C servir-me
de tudo sem me sentir acorrentado? /// / Encontram os as primeiras definições de
anarquia no Chuang Tzu & outros textos taoístas; o “anarquismo, místico” ostenta
um a linhagem bem mais antiga do que o racionalismo grego. Q uando Nietzsche
LXX
Hakim Bcy
LXXI
COMUNI CADO 11
ESPECIAL E BOMBÁSTICA
DECLARAÇÃO DE FÉRIAS
SOBRE ALI MENTOS:
ABAIXO O LIGHT!
40Advogado, economista e gastrônom o francês (1755-1826), conhecido por seu tratado sobre a arte de comer. (N.T.)
41 M estre sufi famoso por seu misticism o expansivo, sua boêm ia e seu senso de h um or (967-1049). (N.T.)
LXXIV
Hakim Ik y
&c caros, quando poderíam os rM.u bebendo o vinho do Paraíso agora mesmo, sob
nossas próprias parreiras & liguei i.r.
A com ida pertence .10 leino da vid.i diária, a arena principal de todo ato
insurrecional de tornar-se poderoso, dc i<»la auto elevação espiritual, de toda re
tom ada do prazer, de toda revolta contia a M á q u i n a Planetária do Trabalho &
seus desejos de imitação. M antenham o-nos longe dc iodo dogmatism o. Q ue o
caçador de um a tribo indígena americana possa alimentai sua alegria com um
esquilo frito; & o anarco-taoísta, com um punhado de damascos secos. Milarepa,
o tibetano, depois de dez anos de sopa de macarrão, comeu um bolo de manteiga
& alcançou a iluminação. Um bronco não percebe eros nenhum num cham panhe
fino; um feiticeiro pode se em briagar com um copo d ’água.
Nossa cultura, asfixiando-se em seus próprios poluentes, grita (como Goethe
gritou por luz ao morrer) “Mais LIG H T!” - como se esses efluentes poliinsaturados
pudessem de algum modo aliviar nosso sofrimento, como se a sua insossa falta de
peso, paladar &C características pudesse nos proteger da escuridão crescente.
Não! Esta últim a ilusão finalm ente nos parece cruel demais. Apesar de
nossas próprias tendências indolentes somos forçados a nos posicionar & protes
tar. Boicote! Boicote! ABAIXO O LIGHT!
Caviar & blinis42; ovos com mais de cem anos; lulas & arroz
cozido na tinta; berinjelas cozidas com casca com alho preto
em conserva; arroz silvestre com nozes negras & cogumelos
negros; trufas na manteiga enegrecida; carne de caça marinada
em vinho do porto, grelhada no carvão, servida com fatias de
pão preto & guarnecida com castanhas assadas. Cuba-libres,
Guiness-&-champanhe; chá preto chinês. Musse de chocola
te amargo, café turco, uvas negras, ameixas, cerejas etc.
42 Panquecas pequenas e finas, geralm ente servidas com caviar e um a espécie de coalhada. (N.T.)
LXXV
COMUNICA n o ESPECIAL DO
DI A DAS B R UXAS
MAGIA NEGRA COMO AÇÃO
REVOLUCIONÁRIA
Sete agulhas devem ser inseridas de cima para baixo no topo da cabeça, nas
axilas esquerda & direita, quadris esquerdo & direito, lábios ou narinas. Embrulhe a
boneca num a mortalha branca &Centerre-a no solo sobre o qual o inimigo com certeza
passará. Enquanto isso, recrute a ajuda dos espíritos da terra do local:
LXXVIII
I lakim Hcy
secos; um a pequena bolsa d< camurça com terra de cemitério, retalhos de ferro
magnetizado, goma fétida ÍV enxofre, fV .unarradacom um laço vermelho. C ostu
re o feitiço num a seda amarela i\' sele o com cera vermelha. Coloque tudo isso
num a garrafa de boca larga, fcche com mlli.i ÍV sele com cera.
A garrafa pode agora ser cuidadosam ente em pacotada ôí enviada pelo
correio para a instituição-alvo - por exemplo, um programa de televisão evangéli
co, o New York Post, a empresa M UZAK, uma escola ou universidade com uma
cópia da seguinte declaração (cópias extras podem ser enviadas para os funcioná
rios, e/ou espalhadas de forma furtiva pelo prédio):
Sugerimos que o “crédito” desta ação seja dado a alguma outra institui
ção culturalm ente ofensiva, com o a Sociedade Poética Americana ou a Cruzada
de Mulheres contra a Pornografia (dê o endereço com pleto).
Para contrabalançar o efeito que a evocação do djim negro pessoal possa
ter sobre você, tam bém sugerimos que envie um a benção mágica para alguém ou
algum grupo que você ame e/ou admire. Faça isso anonim am ente, & envie um
belo presente. N ão é necessário seguir nenhum ritual preciso, mas você deve per
m itir que o im aginário brote da fonte da consciência num estado meditativo in
tuitivo/espontâneo. Use incenso aromático, velas vermelhas &C brancas, balas co
loridas, vinho, flores etc. Se possível, inclua no presente prata, ouro ou jóias.
Este m anual da M aldição do D jim Negro Malaio foi preparado pelo
C om itê de Terrorismo Cultural da Câm ara dos Adeptos iniciados da H M O C A 4-’
LXXIX
CAOS
(“Terceiro Paraíso") de acordo com rituais autênticos & completos. Nós somos
Hsotéi icos N i/.m i.smaelitas; ou seja, xiitas heréticos & fanáticos cuja linhagem
espiritual provém de Hassan-i Sabbah através de Aladdin M oham m ad III, “o Lou
co”, sétimo & últim o Pir de A lam ut (& não através da linhagem de Aga Khans).
Adotam os o m onism o radical & o antinom inalism o puro, & nos opom os a todas
as formas de lei & autoridade, em nom e do Caos.
Atualmente, por razões estratégicas, não recomendamos violência ou feiti
çaria contra indivíduos. Proclamamos ações contra instituições & idéias- arte-sabo-
tagem & propaganda clandestina (incluindo rituais mágicos & “pornografia tântrica”)
- &c especialmente contra a venenosa mídia do Império das Mentiras. A Maldição
do D jim Negro representa apenas o primeiro passo na campanha do Terrorismo
Poético, que - acreditamos - vai gerar outras formas menos sutis de insurreição.
I.XXX
COMUNI CADO ESPECIAL
A AAO ANUNCIA EXPURGOS
NO MOVIMENTO DO CAOS
dualisi.is, gcntc que odeia «> m undo & niilistas atrozes. (2) Todos estes cientistas
que vendem o ( aos tanto como um a força destruidora (por exemplo, armas com
raios dc partículas) quanto como um mecanismo para im por a ordem , com o no
caso do uso da m atem ática do Caos para estatísticas sociológicas & controle das
massas. Faremos um esforço para descobrir nomes & endereços nesta categoria.
(3) Iodos aqueles que se apropriam do Caos em nom e de algum esquema New
Age. Claro, nós não faremos nenhum a objeção se você quiser nos dar todo o seu
dinheiro, mas vamos deixar bem claro: vamos gastá-lo com prando m aconha ou
viajando para o M arrocos. Você não consegue vender água na beira do rio; o Caos
é a matéria sobre a qual os alquimistas falaram, que os tolos consideram mais
valiosa do que o ouro, em bora possa ser encontrada em qualquer pilha de lixo. O
maior inimigo nesta categoria é W erner Erhard, fundador do estAi, que agora está
engarrafando “Caos” & tentando vender franquias para os yuppóides. Segundo,
listaremos alguns dos nossos amigos, para dar um a idéia das tendências díspares
que desfrutamos dentro da Teoria do Caos: Caótica, a zona autônom a imaginária
descoberta por Feral Faun (tam bém conhecido por Feral Ranter); a Academia de
Artes Caóticas de T undra W ind; a revista KAOS, de Joel Birnoco; Chaos Inc., um
boletim inform ativo associado ao trabalho de Ralph Abraham, um proem inente
cientista do Caos; a Igreja de Eris; o Zen da Discórdia; a Igreja O rtodoxa Islâmica;
certas facções da Igreja dos Subgênios; a Sagrada Cruzada de Nossa Senhora do
Caos Perpétuo; os escritores associados com o “anarquism o tipo-3” &C periódicos
com o o Popular Reality etc. O s postos estão tomados. Caos não é entropia, Caos
não é morte, Caos não é um a mercadoria. Caos é criação contínua. O Caos nunca
m orreu.
44 Sigla de Erhard S em inarsT raining Inc., empresa criada pelo guru da adm inistração W erner Erhard, popular nos
anos 1970 e 1980. (N .E.)
I.XXXII
A N A R Q U IA D O P Ó S -
A N A R Q U I S M O
vés tl<> qual os i|iic s.io realmente destituídos poderiam satisfazer (ou pelo menos
dc forma n-alisia lutai para satisfazer) suas necessidades & desejos reais?
Sc- isso for verdade, então este fracasso explicaria não apenas a falta de apelo
que o anarquismo exerce sobre os pobres & marginais, mas também a insatisfação &
deserções dentro de seus próprios quadros. Manifestações, piquetes & reedições dos
clássicos do século XIX não geram uma conspiração ousada & vital para a autolibertação.
Se quisermos que o movimento cresça ao invés de definhar, muito peso morto deve ser
lançado fora & algumas idéias arriscadas precisam ser aceitas.
O potencial existe. A qualquer m om ento, um grande núm ero de am e
ricanos irá notar que está sendo forçado a engolir um a porção de lixo reacioná
rio, entediante, histérico & artificialm ente arom atizado. Um am plo coro de
gem idos, grunhidos & ânsias de vôm ito... m ultidões enfurecidas invadindo os
shopping centers, destruindo & saqueando... etc. etc. A Bandeira N egra pode
ria prover um foco para o ultraje & canalizá-lo para um a insurreição da Im agi
nação. Poderíam os resgatar o esforço que foi abandonado pelo Situacionism o
em 1968 &; pelo A utonom ism o nos anos 1970, & levá-lo ao próxim o estágio.
Poderíam os ter revolta nos nossos tem pos - &, nesse processo, poderíam os com
preender m uitos de nossos verdadeiros desejos, mesmo que se por apenas uma
tem porada, um a breve U topia Pirata, um a pervertida zona-livre den tro do ve
lho contínuo do espaço-tem po.
Se a AAO retém sua afiliação com o “m ovim en to ”, isso ocorre não
por um a rom ântica predileção por causas perdidas - pelo m enos não só por
isso. D entre todos os “sistem as políticos”, o anarquism o (apesar de suas fa
lhas, & precisam ente porque não é nem político nem um sistem a) é o que
mais se aproxim a de nossa com preensão de realidade, ontologia, natureza do
ser. Q u a n to aos desertores... concordam os com suas críticas, mas notam os
que eles parecem não oferecer nenh u m a alternativa poderosa. Por isso, por
en q u a n to , preferim os nos concentrar em transform ar o anarquism o por d en
tro. C am aradas, este é nosso program a:
1. Procure compreender que um racismo psíquico substituiu o preconceito
escancarado como um dos mais repugnantes aspectos da nossa sociedade. Participação
imaginativa em outras culturas, especialmente aquelas com as quais convivemos.
2. Abandone toda pureza ideológica. Abrace o anarquismo “T ipo-3” (para
usar o slogan de Bob Black): nem coletivista nem individualista. Limpe o templo
dos ídolos da vaidade, livre-se do Velho M edonho, das relíquias & dos martirológicos.
3. O m ovim ento antitrabalho ou “Trabalho-Zero” é extrem am ente im
portante, incluindo um ataque radical & talvez violento à Educação & ao servilis
mo cias crianças.
4. Desenvolva um a rede sam izdat45 americana, substitua as táticas ultra
passadas de publicação/propaganda. Pornografia & entretenim ento popular como
veículos de um a reeducação radical.
LXXXIV
Hakim Bcy
LXXXV
COROA NEGRA &
R O S A N E G R A
ANARCO-MONARQUISMO &
ANARCO-MISTIC1SMO
46 M em bro do m ovim ento socialista russo do século XIX, que acreditava no despertar das massas pela propaganda
política. D o russo narodnik, “populista". (N.T.) <
LXXXVIII
Hakim Bcy
toda Lei & regra, reconciliado com o Uno. F. essa doutrina levou-os a se revolta
rem contra o Islã, a sofrerem ......... :. homicídio em nome de um a realização do
ser puram ente esotérica & da total lilx ita*,ao.
O anarquism o clássico tio sei ulo XIX definiu se em meio à batalha con
tra a coroa &C a igreja, &, portanto, num nível const iente, considerava-se igualitá
rio & ateísta. N o entanto, essa retórica obscurece o que de lato ocorre: o “rei”
torna-se o “anarquista”, & o “sacerdote”, um “herege”. Nesse estranho dueto de
m utabilidade, não há lugar para o político, o dem ocrata, o socialista, o ideólogo
racional: eles não podem escutar a música & não têm ritm o nenhum , ü terrorista
& o monarca são arquétipos; os outros são meros funcionários.
Flouve um tem po em que o anarquista & o rei estrangulavam a garganta
um do outro & valsavam um totentanz —um a batalha esplêndida. Agora, no en
tanto, os dois estão relegados à lata de lixo da história - “já-eras”, curiosidades de
um passado ocioso & mais sofisticado. Eles giram tão rápido que parece que se
fundem ... poderiam eles de algum m odo terem se tornado um a coisa só, com o
gêmeos siameses, um a Juno, um a unidade exótica? “O sonho da Razão...” ah! os
monstros mais desejados & desejosos!
O Anarquism o O ntológico declara de forma direta, abrupta & quase
sem pensar: sim, os dois agora se tornaram um. O anarquista/rei renasceu como
uma única entidade; cada um de nós é o m andante de sua própria carne, de suas
próprias criações —& de tudo o mais que puderm os agarrar &C segurar.
Nossas ações são justificadas por decreto & nossos relacionamentos se
moldam por acordos com outros autocratas. Fazemos as leis para os nossos pró
prios dom ínios —& as correntes da lei foram quebradas. N o m om ento presente,
talvez, sobrevivemos com o meros Pretendentes - mas mesmo assim alcançamos
alguns instantes, alguns metros quadrados de realidade sobre o qual impom os
nossa vontade, nossa realeza. L ’etat, cest moi.
Se nos limitarmos por qualquer ética ou moral, é necessário que seja uma
que nós mesmos tenhamos imaginado, fabulosamente mais exaltada & libertária que
o “ácido moral” dos puritanos & humanistas. “Sois como os deuses” - “Sois Isto.”
LXXXIX
CAOS
lismo". A p.il.ivi.i .mglo l.itiiu ego está carregada & saturada com um a carga freudiana
& proicsianu\ I Jma leitura cuidadosa de Stirner sugere que O Único & Sua Proprieda
de talve/ refletisse melhor as suas intenções, uma vez que ele nunca define o ego em
oposição à libido ou ao id, ou em oposição à “alma” ou “espírito”. O Unico (derEinzige)
talvez seja mais bem compreendido simplesmente como o ser individual.
Stirner não se com prom ete com nenhum a metafísica, no entanto, outorga
um certo valor absoluto ao Unico. De que forma então este Einzige difere do Ser do
advaita vedanta? Tat tvam asi: Sois (o ser individual) Isto (o Ser Absoluto).
M uitos acreditam que o misticismo “dissolve o ego”. Besteira. Apenas a
m orte faz isso (ou pelo menos de acordo com nossos pressupostos saduceus). E o
misticismo tam bém não destrói o ser “carnal” ou “anim al” - o que tam bém acar
retaria suicídio. O que o misticismo realmente tenta superar é a falsa consciência,
a ilusão, a realidade consensual ÒC todos os fracassos do ser que acom panham essas
enfermidades. O verdadeiro misticismo cria um “ser em paz”, um ser com poder.
A m eta mais alta da metafísica (alcançada, por exemplo, por Ibn Arabi, Boehme,
Ramana M aharshi) é, de certo modo, a autodestruição, a identificação U NA do
metafísico & do físico, do transcendente & do imanente. Certos monistas radicais
levaram essa doutrina para além do mero panteísm o ou misticismo religioso. A
percepção da im anente unidade do ser inspira certas heresias antinom ianas (os
ranters, os Assassinos) a quem nós consideram os nossos ancestrais.
O próprio Stirner parece surdo às possíveis ressonâncias espirituais do
individualism o - & nisso ele pertence ao século XIX: nascido m uito depois da
decadência do cristianismo, mas m uito antes da descoberta do O riente & da se
creta tradição ilum inista da alquim ia ocidental, da heresia revolucionária & do
ativismo oculto. Stirner corretam ente desprezou o que ele com preendeu por “mis
ticismo”, um a mera sentim entalidade piedosa baseada em auto-abnegação & ódio
do m undo. Nietzsche cerrou as portas para “D eus” alguns anos mais tarde. Desde
então, quem ousaria sugerir que o individualismo & o misticismo poderiam ser
reconciliados & sintetizados?
O elem ento que falta em Stirner (Nietzsche chegou mais perto) é o uso
de um conceito de consciência não ordinária. A compreensão do ser único (ou
ubermensch) deve reverberar & expandir-se com o ondas ou espirais ou música
para abranger a experiência direta ou a percepção intuitiva da singularidade da
própria realidade. Essa compreensão engolfa & dissolve toda dualidade, dicotom ia
& dialética. Ela carrega em si, com o um a corrente elétrica, um senso de valor
intenso & indescritível: ela “diviniza” o ser.
Ser/consciência/êxtase {satchitananda) não pode ser descartado m eram en
te com o mais um a “excentricidade” ou um “castelo nas nuvens” de Stirner. Esse
conceito não invoca nenhum princípio transcendente exclusivo para o qual o
Einzige deve sacrificar a sua individualidade própria. Ele sim plesm ente constata
que um a intensa consciência da própria existência acarreta “êxtase” —ou, num a
linguagem menos carregada, “consciência valorativa”. Afinal de contas, o objetivo
do U nico é possuir tudo\ o m onista radical obtém isso através da identificação
XC
Hakim IU y
entre ser & percepção, com o o pimoi i liinês de bico de pena que “se transforma
no bam bu” para que “ele mesmo se pinte".
Apesar das misiei ios.is alu.i ><•. de Stu nei á “união dos Únicos” & apesar dos
eternos “vivas” & da exaltação da vida leita poi Nietzsche, o individualismo deles
parece estar, de alguma forma, moldado poi uma cena fric.ui r/n rcLição ao outro. Isso
se deu, em parte, porque eles cultivavam uma tonificante & purificadora distância da
estufa de sentimentalidade &C altruísmo do século XIX; em parte, porque eles
simplesmente desprezavam o que alguém (M encken?)cliam oude"l lomo l .stupidus”.
N o entanto, lendo por trás & por baixo da camada de gelo, descobrimos
traços de um a doutrina ardente - que G aston Bachelard poderia ter cham ado de
“um a Poética do O u tro ”. A relação do Einzige com o O utro não pode ser definida
ou lim itada por nenhum a instituição ou idéia. E ntretanto, de forma clara, ainda
que paradoxal, o U nico depende do O utro para ser com pleto, & não pode não
será um ser realizado em isolamento.
O s exemplos dos “m eninos-lobo”, ou enfants sauvages, indicam que um
infante hum ano desprovido da com panhia hum ana por m uito tem po jamais atin
girá um nível de hum anidade consciente - nunca adquirirá um a linguagem. A
Criança Selvagem talvez proporcione um a metáfora poética para o Unico - &
ainda assim, ao mesmo tem po, marca o ponto preciso onde o U nico & o O utro
devem se encontrar, se fundir, se unificar — para não fracassarem em atingir &
possuir tudo aquilo de que são capazes.
O O u tro espelha o Ser - o O u tro é nossa testemunha. O O u tro com
pleta o Ser —o O u tro nos dá a chave da percepção da unidade-do-ser. Q u an d o
falamos de ser & consciência, apontam os para o Ser; quando m encionam os
êxtase, referim o-nos ao O utro.
A aquisição da linguagem coloca-se sob o signo de Eros —toda com uni
cação é essencialmente erótica, todas as relações são eróticas. Avicena &C D ante
declararam que é o am or que move as estrelas & os planetas —tanto o Rig Veda
quanto a Teogonia, de Hesíodo, proclamam o Amor como o prim eiro deus a nas
cer depois do Caos. Afeições, afinidades, percepções estéticas, criações de beleza,
convívio - todas as mais preciosas posses do Unico surgem da conjunção entre o
Ser & o O u tro na constelação do Desejo.
Novamente, o projeto iniciado pelo individualismo pode ser desenvolvido
& revigorado com um enxerto de misticismo - especialmente o tantra. Com o uma
técnica esotérica distanciada do hinduísm o ortodoxo, o tantra provê um contexto
simbólico (“Rede de Jóias”) para a identificação do prazer sexual & consciência não
ordinária. Todas as seitas antinomianas contiveram alguns aspectos “tântricos”, des
de as famílias de Amor & Fraternidade Livres &c adamitas48 da Europa aos sufis
pederastas da Pérsia &C aos taoístas alquimistas da China. Até mesmo o anarquismo
clássico usufruiu seus momentos tântricos: os falanstérios de Fourier; o “Anarquismo
48 M em bro de seita que surgiu no século II e reapareceu no século XV. Seus adeptos apresentavam -se nus para
im itar o estado original de inocência de Adão. (N.T.)
XCI
CAOS
M ístico” ilc* ( . Iv.mov <!V outros simbolistas russos do fim do século; o erotismo
incestuoso dc S/tninc, dc Arzibashaev; a estranha combinação de niilismo & adora-
ção deusa Kali que inspirou o Partido Terrorista de Bengala (ao qual meu guru
tAntrico, Sri Kamanaransan Biswas, teve a honra de pertencer)...
Nós, no entanto, propom os um sincretismo m uito mais profundo entre
anarquia & tantra do que qualquer um desses exemplos. De fato, sim plesm ente
sugerimos que o Anarquism o Individual & o M onism o Radical sejam, daqui por
diante, considerados um único & mesmo movimento.
Este híbrido tem sido cham ado de “materialismo espiritual”, um termo
que queim a toda a metafísica no fogo da unidade entre espírito & matéria. Tam
bém gostamos de “A narquia O ntológica”, porque sugere que o ato de ser perm a
nece num estado de “Caos divino”, de total potencialidade, de criação contínua.
Nesse fluxo, apenas um jiv a m ukti, ou “indivíduo liberado”, atinge a
auto-realização &C é, portanto, senhor & proprietário de suas percepções & rela
ções. Nesse fluxo incessante, apenas o desejo oferece qualquer princípio de or
dem , &, portanto, a única sociedade possível (como bem com preendeu Fourier) é
aquela formada por amantes.
XCII
I N S T R U Ç Õ E S P AR A A
K A L I Y U G A
A KALI YUGA AINDA TEM mais ou menos 200 mil anos para brin
car - uma boa notícia para advogados & avatares do Caos, mas uma má
notícia para brâmanes, jeovistas, deuses da burocracia & seus lacaios.
Eu sabia que Darjeeling guardava alguma coisa para mim assim que ouvi o
seu nome —dorje ling—cidade do trovão. Cheguei um pouco antes das monções, em
1969. Antiga estação montanhosa britânica, sede de verão para o governo de Benga
la —ruas com a forma de escadas de madeira curvas, do mercado avistava-se Sikkim
&C o M onte Katchenhunga - templos &c refugiados tibetanos - belas pessoas de
porcelana amarela chamadas Lepchas (os verdadeiros aborígines) - hindus, m uçul
manos, nepaleses & budistas butaneses, além de ingleses decadentes que perderam
o caminho para casa em 1947, ainda à frente de bancos antiquados & lojas de chá.
C onheci Ganesh Baba, um saddhu gordo & de barbas brancas com um
hiperimpecável sotaque de Oxford - nunca vi ninguém fum ar tanta maconha,
um narguilé cheio após o outro, perambulávamos pelas ruas, onde ele jogava bola
com crianças barulhentas ou arrumava brigas nos bazares, perseguindo funcioná
rios do comércio assustados com seu guarda-chuva, & m orrendo de rir.
Ele me apresentou a Sri Kamanaransan Biswas, um hom em de meia-
idade, pequeno & delicado, m etido num terno surrado. Era funcionário do go
verno de Bengala & se ofereceu para me ensinar tantra. O senhor Biswas vivia
num m inúsculo bangalô empoleirado num m orro íngreme, enevoado &C salpica
do de pinheiros, onde eu o visitava diariam ente com doses de conhaque barato
para puja &C bebericagens —ele me encorajava a fumar enquanto conversávamos,
um a vez que, para Kali, tam bém a m aconha é sagrada.
Em sua selvagem juventude, o senhor Biswas havia sido membro do Parti
do Terrorista de Bengala, que incluía tanto adoradores de Kali & místicos m uçul
CAOS
manos lu -iu u <>•. quanto anarquistas & extremistas de esquerda. Ganesh Baba pare
cia apiovut *-.m passado secreto, como se fosse um sinal da força tântrica oculta do
senhoi Kiswas, escondida por trás de sua aparência externa dócil & acomodada.
Nós discutim os minhas leituras de Sir John W oodruffe (A rthur Avalon)
todas as tardes. Eu caminhava até lá através da neblina fria do verão, de arm adi
lhas de espíritos tibetanas adejando na brisa úm ida que surgia da brum a & dos
cedros. Praticávamos oT ara-m antra &C oT ara-m udra (ou Yoni-mudra), &C estudá
vamos o diagram a Tara-iantra para fins mágicos. Uma vez, visitamos um templo
para o M arte hindu (como o nosso, ao mesmo tem po planeta & deus da guerra),
onde ele com prou um anel de dedo feito de prego de ferradura de cavalo & me
deu. Mais conhaque &í maconha.
Tara: um a das formas de Kali, m uito semelhante em atributos. Meio
anã, nua, com quatro braços armados, dançando sobre um Shiva m orto, colar de
crânios de cabeças cortadas, língua gotejando sangue, pele de um profundo azul-
cinzento (a cor precisa das nuvens das m onções). Io d o dia, mais chuva -
deslizamentos de terra bloqueando as estradas. Meu visto de perm anência em área
fronteiriça expira. O senhor Biswas & eu descemos as deslizantes m ontanhas do
Himalaia de jipe &C de trem rum o à sua cidade natal, Siliguri, localizada nas planí
cies de Bengala, onde o Ganges estende-se num encharcado delta verdejante.
Visitamos sua esposa no hospital. No ano anterior, um a enchente havia
subm ergido Siliguri & m atado dezenas de milhares de pessoas. Houve um a epide
mia de cólera, a cidade inteira parecia um naufrágio, m anchada de algas &C arrui
nada, as paredes do hospital ainda estavam empastadas de lodo, sangue, vômito,
os líquidos da m orte. Ela senta-se silenciosa na sua cama olhando sem piscar para
destinos horrendos. O lado negro da deusa. Ele me dá um a litografia colorida de
Tara que m iraculosam ente flutuou sobre a água & foi salva.
N aquela noite assistimos a um a cerim ônia no tem plo local para Kali,
um pequeno, hum ilde & meio arruinado santuário à beira da estrada - a luz
proveniente de tochas era a única ilum inação - cânticos & tambores com uma
síncope estranha, quase africana, totalm ente anticlássica, prim ordial &C no en tan
to insanam ente complexa. Bebemos, fumamos.
Só no cemitério, próximo a um cadáver meio-queim ado, sou iniciado
no Tara Tantra. N o dia seguinte, febril & distante, dou adeus fk. sigo para Assam,
para o grande tem plo do yoni de Shakti, em G auhati, em tem po para o festival
anual. Assam é território proibido & eu não tenho um visto. À m eia-noite, em
G auhati, caio fora do trem , volto pelos trilhos sob chuva & com lama até os
joelhos em total escuridão, ando às cegas até finalm ente entrar na cidade & en
contro um hotel cheio de insetos. Estou doente com o um cão. N ão durm o.
De m anhã, viagem de ônibus para o templo, que fica num a m ontanha
próxima. Torres enormes, divindades pululantes, pátios, edifícios anexos - cente
nas de milhares de peregrinos —saddhus esquisitos vindos de suas cavernas de gelo
atarracados em peles de tigre & cantando. Ovelhas & pom bos estão sendo abati
dos aos milhares, um a verdadeira hecatom be - (nenhum outro sahib branco em
XCIV
Hakim Ihy
xcv
CONTRA A REPRODUÇÃO
D A M O R T E
m in h a cabeç.i |>ol.1 rcli|;ião, pelo Estado & pelo m eio cu ltural, com o um a ra
zão para não se fazer nada.
C'ompreendo por que a religião & os “poderes” políticos querem manter-me
tremendo de medo. Já que apenas eles oferecem a única chance de se evitar o ragnarok
(através da prece, através da democracia, através do comunismo etc.), devo seguir seus
ditames como uma ovelha & não ousar nada por mim mesmo. No entanto, o caso dos
intelectuais “iluminados” parece ser, à primeira vista, mais complexo. De que poder
eles gozam neste rosário de medo & escuridão, sadismo & ódio?
Essencialmente, eles ganham inteligência. Q ualquer ataque a eles parece
estúpido, já que apenas eles têm os olhos abertos o suficiente para reconhecer a
verdade, apenas eles ousam o suficiente para manifestá-la em desafio aos rudes
censores jecas &C liberais covardes. Se eu os condeno com o parte do mesmo pro
blema que eles clam am estar discutindo objetivam ente, serei considerado um
capiau, um puritano, um Pollyanna. Se adm ito meu ódio pelos artefatos de sua
percepção (livros, obras de arte, performances), serei dispensado com o um mero
ser desagradável (& , é claro, psicologicamente reprimido) ou, na m elhor das hi
póteses, com o alguém sem seriedade.
M uitas pessoas supõem que, por eu algumas vezes me expressar como
um anarquista am ante de rapazes, devo tam bém ter “interesse” por outras idéias
ultrapós-m odernas, com o assassinato de crianças em série, ideologia fascista, ou
as "fotografias de Joel P. W itkin49. Pressupõem apenas dois lados para qualquer
questão — o lado da m oda & o lado que não está na moda. Um marxista que
fizesse objeções a todo este culto da m orte como algo antiprogressista seria consi
derado tão tolo quanto um fundam entalista cristão que o considerasse imoral.
Sustento que (como de costume) m uitos lados existem para essa ques
tão, mais do que apenas dois. Questões bilaterais (criacionismo versus darwinism o,
choice co n trapro-life 50etc.) são todas, sem exceção, ilusões, m entiras espetaculares.
M inha posição é esta: tenho perfeita consciência da “inteligência” que
direciona a ação. Eu mesmo a possuo em abundância. De vez em quando, no
entanto, tenho conseguido me com portar como se fosse estúpido o suficiente
para tentar m udar m inha vida. Algumas vezes usei perigosos entorpecentes, como
a religião, a maconha, o caos, o am or pelos rapazes. Em algumas poucas ocasiões
alcancei algum grau de sucesso — &C digo isso não para me gabar, mas para dar
testem unho. Através da destruição dos ícones interiorizados do Fim do M undo &c
da Futilidade de toda atividade m undana, tenho (raramente) atingido um estado
que (em com paração com tudo que conheço) parece ser um estado de saúde. As
imagens de m orte & mutilação que fascinam nossos artistas intelectuais me
parepem - à luz da lem brança dessas experiências - tragicam ente inapropriadas
para o potencial real da existência & do discurso sobre a existência.
XCVTII
I lukim llry
XCIX
SONORA DENÚNCIA DO
S U R R E A L I S M O
( P ARA HARRY S M I T H )
não mencionai su.i misoginia & homofobia). O lazer m oderno, por sua vez, é
sim plesm ente uma subdivisão do trabalho (daí seu mercantilismo) —então não é
por ai . i m > que, quando o surrealismo fechou sua fábrica, os executivos de publici
dade foram os únicos clientes da liquidação.
A propaganda, usando a colonização do inconsciente feita pelo surrealis
mo para criar desejo, leva à implosão final do surrealismo. Não é simplesmente uma
"vergonha danada & uma desgraça”, não é uma simples apropriação. O surrealismo
foi feito para a propaganda, para o mercantilismo. O surrealismo é, na verdade, uma
traição ao desejo.
E, no entanto, dos abismos do significado, o desejo ainda se levanta, ino
cente como uma fênix recém-nascida. O dadaísmo inicial de Berlim (que rejeitou o
retorno da arte-objeto), apesar de suas falhas, fornece um modelo melhor para se
lidar com a implosão do social do que o surrealismo jamais seria capaz de fornecer -
um modelo anarquista, ou talvez (em jargão antropológico), um modelo não auto
ritário, uma destruição de toda ideologia, de todas as correntes da lei. Assim como a
estrutura do Trabalho/Lazer sucumbe no vazio, como todas as formas de controle
desaparecem na dissolução do sentido, o neolítico também parece estar destinado a
desaparecer, com todos os seus templos & celeiros & polícias, para ser substituído
por algum retorno à caça & coleta em termos psíquicos - uma re-nomadização.
Tudo está im plodindo & desaparecendo - a família edipiana, a educação, até mes
m o o próprio inconsciente (como disse Andre Codrescu52). Não vamos erronea
mente tom ar isso como o Armagedom (vamos resistir à sedução do apocalipse, à
conclusão escatológica) - não é o mundo chegando ao fim - são apenas as palhas
vazias do social pegando fogo & desaparecendo.
O surrealismo deve ser lançado ao lixo junto com todos os outros belos
restos das primárias artim anhas clericais & os enfadonhos sistemas de controle.
N inguém sabe o que está por vir, que miséria, que espírito de selvageria, que
alegria —mas a últim a coisa de que nós precisamos em nossa viagem é outro grupo
de comissários - papas de nossos sonhos —pais. Abaixo o Surrealismo...
CII
POR UM CONGRESSO DE
53 Revolution ofEveryday Life no original, que é o título do livro TraitédeSavoir-vivreà Lusagedes Jeunes Ginírations,
de Raoul Vaneigem, em suas edições norte-am ericana e inglesa. No Brasil, esse livro foi publicado com o nom e de
A Arte de Viver para as Novas Gerações, pela C onrad Livros. (N .E.)
CAOS
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CAOS
CVI
T E R R A O C A
CVIII
#•
NIETZSCHE & OS DERVIXES
necessita de uma <stupidez inerte contra a qual possa m edir o seu próprio movi
m ento ÍV inteligência.
Anarquistas às vezes postulam um a sociedade ideal sem lei. O s poucos
experim entos anarquistas que lograram um breve êxito (os m akhnovistas,
( !atalunha) fracassaram em sobreviver às condições da guerra que originaram sua
existência - dessa forma, não temos meios de saber em piricam ente se tais experi
mentos poderiam ter sobrevivido no início da paz.
Alguns anarquistas, no entanto - com o o nosso falecido amigo, a “M ar
ca” stirneriana italiana e até mesmo alguns que eram com unistas & socialistas,
participaram de toda sorte de levantes & revoluções, porque encontraram , no
m om ento da insurreição em si, o tipo de liberdade que buscavam. E nquanto a
u to p ia tem , até agora, sem pre fracassado, os anarquistas individualistas ou
existencialistas têm logrado êxito visto que têm obtido (embora brevemente) a
realização de sua vontade durante a guerra.
As restrições de Nietzsche aos “anarquistas” são sempre endereçadas ao
tipo de m ártir comunista-igualitário narodnik, cujo idealismo ele via como mais
um sobrevivente do moralismo pós-cristão - embora ele algumas vezes os elogie por
ao menos terem a coragem de se revoltar contra a autoridade majoritária. Ele nunca
menciona Stirner, mas acredito que teria classificado o rebelde individualista como
um dos mais altos tipos de “criminosos”, que representavam para ele (assim como
para Dostoievski) seres humanos m uito superiores à multidão, mesmo se tragica
mente traídos por suas próprias obsessões & possíveis motivos de vingança ocultos.
O super-hom em nietzschiano, se existisse, teria de com partilhar, até cer
to grau, dessa “crim inalidade”, mesmo se superasse todas as suas obsessões &
compulsões, sim plesm ente porque sua lei nunca poderia concordar com a lei das
massas, do Estado & da sociedade. Sua necessidade de “guerra” (seja literal ou
metafórica) poderia até mesmo persuadi-lo a participar da revolta, tenha ela assu
m ido a forma de insurreição ou apenas de um a boêmia orgulhosa.
Para ele, um a “sociedade sem lei” poderia ter valor apenas enquanto pudesse
medir sua própria liberdade contra a sujeição de outros, contra seus ciúmes & ódios.
As breves “utopias piratas” sem lei de Madagascar & do Caribe, a República de Fiume
de D A nnunzio, a Ucrânia ou Barcelona - essas experiências o atrairiam, porque pro
metiam o tum ulto do porvir &C até mesmo a possibilidade do “fracasso” em vez da
bucólica sonolência de uma “perfeita” (& portanto morta) sociedade anarquista.
Na ausência de tais oportunidades, esse espírito livre teria desdenhado
perder tem po com agitações para reformas, com protestos, com sonhos visioná
rios, com todo tipo de “m artírio revolucionário” —em suma, com a m aior parte da
atividade anarquista contem porânea. Para ser rendi, para beber vinho em segredo
& não ser pego, para aceitar as regras a fim de violá-las & assim atingir a elevação
espiritual ou o transe energético do perigo &C da aventura, a epifania privada da
superação de toda polícia interior ao mesmo tem po em que se engana toda auto
ridade externa —tal poderia ser um a m eta válida pata esse espírito &C essa poderia
ser sua definição de crime.
CX
I l a k i m IWy
CXI
BOICOTE À CULTURA
P O L I C I A L ! ! !
54 H . R. Giger, desenhista suíço, criador do design do filme Alien — O Oitavo Passageiro (1940 - ) . (N .E.)
55 Seriado policial norte-am ericano da década de 1960. (N .E.)
CAOS
56 N o taoísmo, a ação que realiza seu propósito fluindo de acordo com a natureza das coisas e eventos. (N.T.)
CXIV
I iakim licy
CXV
CAOS
CXVI
Hakim Ik y
CXVII