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SOCIEDADE GOIANA DE PSICODRAMA

CLÁUDIA DE PAULA JULIANO SOUZA

O EPISÓDIO DEPRESSIVO E O COMPORTAMENTO


SUICIDA NA CLÍNICA PSICODRAMÁTICA

GOIÂNIA
2012
CLÁUDIA DE PAULA JULIANO SOUZA

O EPISÓDIO DEPRESSIVO E O COMPORTAMENTO


SUICIDA NA CLÍNICA PSICODRAMÁTICA

Monografia para obtenção do título de


Psicodramatista Didata Supervisora
apresentada à Sociedade Goiana de
Psicodrama.

Orientadora: (Profª. Drª. Célia Maria F. da Silva


Teixeira)

GOIÂNIA
2012
CLÁUDIA DE PAULA JULIANO SOUZA

O EPISÓDIO DEPRESSIVO E O COMPORTAMENTO SUICIDA NA


CLÍNICA PSICODRAMÁTICA

Monografia para obtenção do título de


Psicodramatista Didata Supervisora
apresentada à Sociedade Goiana de
Psicodrama.

Aprovada em:

BANCA EXAMINADORA

__________________________________________/__/_____
Profª. Drª. Célia Maria F. da Silva Teixeira – Presidente da Banca
Sociedade Goiana de Psicodrama – SOGEP

___________________________________________/__/_____
Profª. Ms. Elivar Martins Lopes
Sociedade Goiana de Psicodrama – SOGEP

___________________________________________/__/_____
Prof. Esp. Manoel Dias Reis
Sociedade Goiana de Psicodrama – SOGEP
DEDICATÓRIA
A DEUS, o autor da vida.
AGRADECIMENTOS

A Deus toda honra, toda glória e todo louvor.


Ao Jomar, meu querido esposo, e aos nossos amados filhos, Pedro Henrique
e Thiago Augusto, pelo sagrado convívio de uma família bendita e pelo apoio nessa
necessidade de conhecer mais sobre saúde mental.
Ao meu pai, in memorian, pela vida, pelo carinho e pelas palavras de um PAI.
À minha mãe que me ensinou sobre os mistérios da vida e, principalmente, os
mistérios da maternidade, sempre me dizendo: “Vai, minha filha!”.
Aos meus irmãos pela prazerosa convivência, em especial ao Ten. Carlos
Juliano Filho, um irmão companheiro, sempre me dizendo: “Ganhe a sua guerra!”.
Aos meus familiares pela rede de proteção que, com carinho, aceitam o meu
jeito de ser.
À Profª. Drª. Célia Maria F. da Silva Teixeira pelas orientações e pela
coordenação do Programa de Estudos e Prevenção ao Suicídio e Atendimento a
Pacientes com Tentativa de Suicídio (PATS), cujas dúvidas e perguntas me ajudaram
a mergulhar nas mentes das pessoas com comportamento suicida.
À Profª. Ms. Elivar M. Lopes que me ensinou na prática o valor supremo da
sabedoria, sacerdócio e mistérios da clínica psicodramática.
Ao Prof. Esp. Manoel Dias Reis, o mestre extraordinário em socionomia e
sintonia com fundamentos do psicodrama.
Ao Prof. Dr. Geraldo Francisco do Amaral, coordenador do Centro de
Referência em Transtornos do Humor (CENTROHUMOR), precioso mestre do
psicodrama que reforçou em mim os grandes anseios em meio às adversidades e
vitórias nessa jornada da clínica psicodramática.
À Profª. Esp. Célia Regina Gondim, minha querida vizinha de consultório, que
me ensinou tudo o que sei sobre jogos dramáticos na clínica psicodramática.
À Profª Ms. Maria Amélia, psiquiatra do PATS, pelas contribuições nas
discussões de incontáveis casos clínicos.
Aos membros do Departamento de Saúde Mental e Medicina Legal da
Faculdade de Medicina da Universidade Federal Goiás (UFG-HC) pela confiança e
credibilidade em mim depositas.
Meus agradecimentos à equipe de psicólogos da Seção de Psicologia do
Hospital das Clíncas (HC-UFG), residentes de psicologia e estagiários, bem como à
gerente da seção Maria Sônia de A. Chaves que me acolheu com muito carinho na
elaboração da perda e luto do meu pai.
Sou muito grata aos residentes de medicina em psiquiatria pela oportunidade
da discussão dos pensamentos morenianos nas aulas de psicoterapia
psicodramática e nas supervisões de psicoterapia de grupo.
A todas as voluntárias que passaram pelo PATS pelo trabalho, dedicação e
cooperação.
Aos pacientes do ambulatório de psiquiatria, do PATS e do CENTROHUMOR,
particularmente à Marta, pelo mais belo e extrordinário encontro clínico.
À equipe do Departamento de Aconselhamento Especial (DAE) pela fé
compartilhada há mais de vinte anos, em especial as amadas Maria Inez e Soraia,
pela amizade construída em tempos de paz, mas que se firmaram em tempos de
angústia.
Aos amados do Corpo de Psicólogos e Psiquiatras Cristãos (CPPC) pelos
encontros que me auxiliam a visualizar uma ponte entre a fé e ciência.
À Cláudia Barrozo, uma amiga, uma vereda, uma história, uma vida no
exercício recíproco de amor e perdão.
Às amigas do grupo de psicoterapia psicodramática: Edilamar, Gisele e
Edvane, pelas feridas tratadas e pela vivência do mistério na interação terapêutica.
À amiga Liliane Orsoni, presidente da Sociedade Goiana de Psicodrama
(SOGEP), pela confiança no convite para compor essa diretoria.
Ao amigo Nilton Paz, coordenador do Núcleo de Estudos e Pesquisa Aplicada
em Psicodrama (NEPAP), que com carinho me fez o convite para participar desse
grupo tão precioso.
Aos queridos psicodramatistas do Grupo de Estudos e Pesquisa (GEP),
pessoas especiais que tenho o prazer em compartilhar a minha prática profissional
em saúde mental.
Aos amados do Grupo Familiar da Catedral da Família pelas inumeráveis
reuniões em minha casa.
À diretoria, professores, profissionais, colegas e alunos da SOGEP.
À Suzana Badan pelo carinho e atenção na revisão deste trabalho.
A todos que possuem o fôlego da vida, a minha gratidão.

RESUMO

Embasado nos pressupostos da teoria psicodramática, este trabalho busca a


compreensão do episódio depressivo e o comportamento suicida na clínica
psicodramática. Esta, aqui apresentada, fundamenta-se nos quatro universais: o
tempo, o espaço, a realidade e o cosmos. O estudo do tema e a prática clínica
revelam a necessidade de um manejo específico para lidar com o paciente com o
humor alterado e o comportamento suicida assentado em um conhecimento
multifacetado, buscando o que diferentes autores dizem sobre o assunto, bem como
os diversos tipos de diagnóstico. O trabalho apresenta o relato de um caso clínico
com um quadro de episódio depressivo com tentativa de suicídio. O estudo desse
caso possibilita reconhecer uma íntima relação entre os sintomas depressivos e o
comportamento suicida. Além de eleger a eficácia da psicoterapia psicodramática no
tratamento de pacientes depressivos com comportamento suicida, é possível
reconhecer essa abordagem em uma dimensão extraordinária por intermédio do
encontro clínico onde a psicoterapeuta desempenha seu papel.

Palavras-chave: clínica psicodramática; episódio depressivo; comportamento


suicida; diagnóstico.
ABSTRACT

Based on the assumptions of psychodrama theory, this work aims to understand the
depressive episode and suicidal behavior in clinical psychodramatic. This one
presented here, grounds in four universals: the time, the space, the reality and the
cosmos. The study of the theme and of the clinical practice demonstrates the
necessity of a specific management for dealing with an altered mood patient and
suicidal behavior structured in a multi-faceted knowledge, seeking what different
authors say about the matter as well as several types of diagnosis. This work
presents the report of a clinical case with a depressive episode framework by means
of a suicide attempt. The study of this case allows recognizing an infimum
relationship between depressive symptoms and suicidal behavior. Besides electing
the efficacy of psychodramatic psychotherapy in the treatment of depressed patients
with suicidal behavior, it is possible to recognize this approach within an
extraordinary dimension through the clinical appointment where the psychotherapist
carries out her function.

Keywords: clinical psychodramatic; depressive episode; suicidal behavior;


diagnosis.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES

20
27
33
36
40
43
60

87

88
97

119

Figura 1: O tempo na psicoterapia.........................................................................


Figura 2: Totalidade psíquica do EU......................................................................
Figura 3: A fita de Möbius.......................................................................................
Figura 4: A realidade na clínica psicodramática.....................................................
Figura 5: Encontro: o espaço do mistério...............................................................
Figura 6: O corpo na clínica psicodramática..........................................................
Figura 7: Comportamento suicida..........................................................................
Figura 8: Suicídio e transtornos mentais: distribuição dos diagnósticos em estudo de
pacientes com internação psiquiátrica...................................................
Figura 9: Suicídio e transtornos mentais: distribuição dos diagnósticos em estudo de
populações gerais..................................................................................
Figura 10: Técnica da terapia interpessoal............................................................
Figura 11: Processo de evolução para novas estratégias psicoterápicas – encontro
clínico – reanimação psíquica viabilizada pelo amor terapêutico..........
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...........................................................................................................12

CAPÍTULO I – A CLÍNICA PSICODRAMÁTICA .......................................................17


1.1 Quatro universais da clínica psicodramática........................................................17
1.1.1 O tempo ............................................................................................................17
1.1.1.1 Chronos e Kairós ...........................................................................................18
1.1.2 O espaço ...........................................................................................................21
1.1.3 A realidade .......................................................................................................24
1.1.3.1 A brecha entre a fantasia e a experiência da realidade .................................24
1.1.3.2 Realidade social .............................................................................................30
1.1.3.3 Infra-realidade ................................................................................................34
1.1.3.4 Vida ou realidade presente ............................................................................34
1.1.3.5 Realidade suplementar ..................................................................................35
1.1.4 O cosmos .........................................................................................................38
1.1.4.1 O lugar do mistério na psicoterapia ...............................................................39
1.2 O processo saúde-doença ...................................................................................41
1.2.1 A questão do diagnóstico ..................................................................................44
1.2.1.1 Diagnóstico clínico .........................................................................................44
1.2.1.2 Diagnóstico estrutural ....................................................................................48
1.2.1.3 Diagnóstico dinâmico .....................................................................................49
1.2.1.4 Diagnóstico relacional ....................................................................................56
1.2.1.5 Diagnóstico do modo de ser ..........................................................................58

CAPÍTULO II – O COMPORTAMENTO SUICIDA ....................................................60


2.1 Definição ..............................................................................................................60
2.2 O risco de suicídio................................................................................................61
2.3 Aspectos sociológicos do comportamento suicida ...............................................67

CAPÍTULO III – O EPISÓDIO DEPRESSIVO E O COMPORTAMENTO SUICIDA .70


3.1 Afetividade e suas alterações ..............................................................................71
3.2 Diagnóstico clínico ...............................................................................................73
3.3 Comportamento suicida e doenças mentais ........................................................86
3.4 Depressão maior e o comportamento suicida......................................................88
3.5 Transtornos do humor do tipo bipolar e o comportamento suicida ......................89

3.6 Aspectos psicológicos dos pacientes com comportamento suicida e alterações


do humor. ...................................................................................................................91
3.7 O manejo do paciente com humor alterado e com risco de suicídio ...................94

CAPÍTULO IV – CASO CLÍNICO ............................................................................100


4.1 Método ..............................................................................................................100
4.1.1 Sujeito participante .........................................................................................100
4.2 Materiais e instrumentos ...................................................................................100
4.3 Procedimentos ..................................................................................................100
4.4 Encontro clínico................................................................................................. 102

CAPÍTULO V – DISCUSSÃO E RESULTADOS......................................................113

CONSIDERAÇÕES FINAIS.....................................................................................128

REFERÊNCIAS .......................................................................................................132
ANEXO................................................................................................................... 138
!12

INTRODUÇÃO

O universo da psicoterapia desafia o clínico continuamente a uma


compreensão cada vez mais ampla e multifacetada. Pode-se dizer que o
psicoterapeuta da área clínica está sob várias influências em diferentes abordagens.
Há aquelas que agradam, mas que depois são esquecidas; há outras, no entanto,
que são influências profundas e que vêm para ficar, marcando todo um percurso
profissional em sua atuação clínica.
Considera-se que a maior influência de um psicoterapeuta é a sua própria
personalidade, além de ser, é claro, seu instrumento de trabalho. Moreno (1983, p.
54) afirma que “[...] a personalidade do terapeuta é a sua habilidade”. Seguindo esta
linha de raciocínio, a maior influência da autora deste trabalho foi a do psicodrama.
Toda a construção da identidade profissional (e pessoal) da autora desta
pesquisa foi alicerçada na visão de homem de acordo com J. L. Moreno
(1889-1974). Desde que começou a atuar como psicoterapeuta no Departamento de
Saúde Mental e Medicina Legal da Faculdade de Medicina (UFG), este vinculado ao
Hospital das Clínicas (HC), sua busca pelo conhecimento de psicopatologia
aumentou. A princípio a atuação foi firmada em solo conhecido e reconhecido, isto é,
o próprio psicodrama, entrando, posteriormente, no universo organicista da
psiquiatria clássica. No atual momento, a autora do presente trabalho compreende a
necessidade de ampliar seus conhecimentos em saúde mental em suas diversas
dimensões clínicas, especialmente por fazer parte de dois programas – ligados ao
departamento acima citado – que a motivaram a escrever sobre o tema. Atuando no
Programa de Estudos e Prevenção ao Suicídio e Atendimento a Pacientes com
Tentativas de Suicídio (PATS), além de o Centro de Referência em Transtornos do
Humor (CENTROHUMOR), suas buscas não estão calcadas em uma crise de
identidade, mas, sim, no reconhecimento de uma capacidade para percorrer novos
caminhos trilhados por novos raciocínios.
Uma vez que se pesquisa a saúde mental e suas amplitudes clínicas, quando
se busca tratar da questão da afetividade de uma pessoa, é importante dizer que
essa afetividade está intimamente interligada com as demais funções psíquicas, pois
integra todo seu universo psíquico. Isso não implica que haja sempre uma harmonia
!13

entre a instância afetiva e essas funções. Mas se ocorre uma desarmonia entre elas,
há um adoecimento de uma forma prolongada, generalizada e comprometedora das
diversas esferas da pessoa, tais como o humor, a psicomotricidade, as funções
cognitivas e as funções vegetativas (DALGALARRONDO, 2008). Essas alterações
geram um sofrimento psíquico que mobilizam vários sentimentos os quais ameaçam
a sua integridade, uma vez que pode interromper o curso de uma relativa vida
saudável.
A terminologia depressão, de acordo com Moreno e Moreno (2000 apud
SENE-COSTA, 2006), pode ser usada como um estado afetivo normal, um sintoma,
uma síndrome ou como uma doença.

Como doença, a depressão é uma doença sistêmica que afeta o organismo


como um todo, manifestando-se através de sintomas físicos e psíquicos.
Mais ainda, afeta as relações do indivíduo com o ambiente em que se
insere, afetando sua inserção social, suas relações pessoais e sua
capacidade de trabalho (DEL PORTO, 2009, p. 3).

Teng, Nakata, Rocca e Yano (2009) elegem algumas consequências da


depressão, dentre elas, aquela funcional que atinge a qualidade de vida, podendo
ser considerada como pior evolução de doenças clínicas e mortalidade por suicídio.
Neste sentido, a pior consequência dos sintomas depressivos é o suicídio. A
terminologia do comportamento suicida, apoiada pela Organização Mundial de
Saúde (2000), refere-se a todo ato pelo qual um indivíduo causa lesão a si mesmo.
Define um espectro que insere qualquer grau de intenção letal (ideação suicida,
ameaças de suicídio, tentativas de suicídio e o suicídio), bem como as motivações
desse ato (conscientes e/ou inconscientes). Importante destacar que, na dimensão
do problema, as pesquisas no campo da suicidologia indicam que o comportamento
suicida é um fenômeno complexo e, como tal, constituído pela interação de diversos
fatores: etiológicos, biológicos, psicológicos, sociais, culturais e ambientais.
Para enfrentar esse problema de saúde pública, a Organização Mundial de
Saúde (OMS) lançou, em 1999, o SUPRE (Suicide Prevention Program)1, um
programa mundial para a prevenção do suicídio, tendo como objetivo reduzir as
taxas de mortalidade do suicídio, acabar com o preconceito em relação ao tema e
prestar assistência técnica aos países para a formulação de políticas públicas e

1 Programa de Prevenção do Suicídio.


!14

programas de prevenção. Na mesma época, criou o SUPRE-MISS (Multi-Site


Intervention Study on Suicidal Behaviours)2, um projeto desenvolvido em oito países
a fim de identificar fatores de risco para o suicídio e métodos eficazes para diminuir
as tentativas de tirar a própria vida. É válido lembrar que a representante brasileira
nesse estudo é a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Como resultado foi elaborado um manual. A prevenção do suicídio: um
manual para profissionais da saúde primária apresenta a dimensão do problema de
saúde pública, pontuando fatores relevantes, tais como a estimativa de que um
milhão de pessoas que cometeram no mundo, no ano de 2000, o suicídio. A cada 40
segundos uma pessoa comete, no mundo, o suicídio. A cada 3 segundos uma
pessoa atenta contra a própria vida. O suicídio está entre as três maiores causas de
morte entre pessoas com idade entre 15 e 35 anos. Cada suicídio tem um sério
impacto em, pelo menos, outras seis pessoas. O impacto psicológico e social, além
de o financeiro, do suicídio na família, e na rede social, é imensurável.
O outro fator que merece atenção e crítica refere-se à prevenção do suicídio.
No capítulo intitulado “O suicídio e sua prevenção”, Meleiro, Teng e Wang (2004)
apresentam a estimativa da Organização Mundial da Saúde (OMS) no ano de 2001.
Segundo os autores, houve, no mundo todo, cerca de 849 mil suicídios,
representando, assim, cerca de 1,4% do global das doenças. A estimativa é que, no
ano de 2020, haverá 1,5 milhão de óbitos derivados de suicídio, sendo que entre 15
e 30 milhões de pessoas tentarão o suicídio, considerando uma morte a cada 20
segundos e uma tentativa a cada um ou dois segundos.
Ao se refletir sobre essa realidade, notou-se o quanto poderia ser benéfico o
desenvolvimento de um estudo acerca da psicoterapia psicodramática na interface
do paciente depressivo com comportamento suicida. Embora a depressão, do ponto
de vista biológico, seja conhecida universalmente, ela é vivenciada singularmente
pela pessoa adoecida e seu sistema social (família, sociedade e cultura), revelando,
assim, suas dimensões biológicas, psicológicas e sociais. Devido a essa
complexidade, a combinação do tratamento psicofarmacológico com a psicoterapia
tem sido considerada, atualmente, o método mais adequado (MORENO e
MORENO, 2005).

2 Multi-Site de Estudo de Intervenção em Comportamento Suicidas.


!15

Este trabalho aborda a clínica psicodramática como proposta inserida em um


processo de evolução para novas estratégias psicoterápicas, elegendo o encontro
clínico como fonte de reanimação psíquica do paciente deprimido com
comportamento suicida.

O objetivo do psicodrama foi, desde o começo, construir um conjunto


terapêutico que usasse a vida como modelo a fim de integrar nele todas as
modalidades de viver, começando com os universais: tempo, espaço,
realidade e cosmos, a serem aplicados a todos os detalhes e nuanças da
vida e da realidade prática (MORENO, 2006, p.18).

Falar de aspectos psicopatológicos em Moreno é debater aspectos essenciais


de universalidade das relações humanas no encontro clínico. Em termos de clínica,
Moreno (1993) desmistifica o papel do psicoterapeuta, pois a relação do
psicoterapeuta para com o paciente é que serve de ação psicoterápica, bem como
de instrumento diagnóstico.
Tentar dominar o conhecimento no campo da psicopatologia é uma tarefa
árdua. É ainda mais difícil diagnosticar e formular um plano de tratamento. Na
tentativa de atingir esse objetivo, buscou-se, para a realização deste presente
trabalho, um caso clínico que apresentasse sintomas depressivos e comportamento
suicida. Nenhuma palavra, nenhuma expressão, nenhuma ação conseguiram
traduzir a difícil tarefa de escrever sobre alguém com sintomas depressivos que não
só desejou a morte, mas que partiu ao seu encontro, ainda que tenha ficado apenas
na tentativa. Assim sendo, o desafio da pesquisa foi aceito.
Assim sendo, como procedimentos para este trabalho, buscou-se responder
às seguintes questões clínicas:
1. Por que as pessoas se matam? Toda pessoa que tenta o suicídio está
doente?
2. Que importa a morte de mais uma pessoa em uma sociedade em que
morrer violentamente é uma rotina diária? Deixar uma pessoa morrer
por suicídio não seria ato social de matá-la?
3. Na era das buscas de um equilíbrio ecológico, o autoextermínio não
seria o maior de todos os desastres ecológicos?
4. Quanto vale a vida de uma pessoa para um mundo cujos valores estão
distorcidos e cujo sistema torna o homem cada vez mais só, mais
doente?
!16

5. É possível identificar uma pessoa com sintomas depressivos que tem


pensado em se matar?
6. O suicídio é um tipo de morte que pode ser evitado?
7. A psicoterapia psicodramática é eficaz para ajudar uma pessoa que está
com sintomas depressivos e fala em suicídio?
8. E... quem sobreviverá?
Esta monografia está dividida em seis partes, quais são: na primeira parte, a
Introdução, onde se encontram as justificativas deste trabalho e os objetivos para a
sua realização. Na segunda parte, Capítulo I, abordou-se a clínica psicodramática
como método fundamentado em quatro universais: o tempo, o espaço, a realidade e
o cosmos. Na terceira parte, Capítulo II, dedicou-se à revisão da literatura sobre o
comportamento suicida. Na quarta parte, Capítulo III, trabalhou-se o episódio
depressivo e o comportamento suicida, bem como o manejo do paciente nesse
quadro psicopatológico. Na quinta parte, Capítulo IV, realizou-se um estudo de caso
clínico de uma paciente. Na sexta parte, Capítulo V, fez-se uma discussão do caso
clínico com a fundamentação teórica, mostrando os resultados psicoterápicos. E, por
último, encontram-se apresentadas as Considerações Finais do trabalho realizado.
!17

CAPÍTULO I – A CLÍNICA PSICODRAMÁTICA

1.1 Quatro universais da clínica psicodramática

Moreno (2006) considera quatro universais da clínica psicodramática: o


conceito de tempo, o conceito de espaço, o conceito de realidade e o conceito de
cosmos. Esses universais compõem um arsenal terapêutico baseado na própria
vida, tornando, assim, uma abordagem psicoterápica funcional já que alcançam uma
intimidade com os detalhes e nuanças da vida, além de ser uma realidade prática no
processo psicoterápico.
Outro aspecto fundamental diz respeito ao fato de a avaliação dos universais
viabilizar o diagnóstico psicopatológico na clínica psicodramática. Moreno (1993)
não enfatiza o “patológico”, uma vez que considera que a patologia só existe do
ponto de vista da ciência e não do ponto de vista do universo, mas, ao conceituar os
universais, Moreno(2006) oferece uma contribuição fundamental para pesquisa da
psicopatologia psicodramática. Essa pesquisa pode ser realizada no quadro de
laboratórios psicodramáticos em que as quatro dimensões universais podem ser
experimentadas, expressas, praticadas e reintegradas na estrutura da psicoterapia
moldada de acordo com a própria vida.
A proposta moreniana terá maiores chances de cumprir seu papel se o
psicoterapeuta não perder de vista seu objetivo principal, isto é, a investigação
clínica, sem esgotá-la em sua inteireza e complexidade, considerando a saúde
mental. Falar de aspectos psicopatológicos na teoria psicodramática é debater
aspectos essenciais da universalidade das relações humanas viabilizado pelo
encontro clínico.

1.1.1 O tempo

O tempo cronológico desempenha um papel fundamental na existência


humana. Antigamente o homem media o tempo em termos do movimento diário do
sol e o aparecimento e desaparecimento da lua no mês. Devido a sua necessidade
de controlar o tempo, ele inventou o relógio. Por sua vez, os animais possuem uma
!18

experiência temporal diferente do homem já que nada sabem sobre o tempo. Seu
ritmo da vida está ligado ao ritmo solar e de acordo com a mudança deste ao longo
das estações (MORENO, BLOMTVIST e RÜTZEL, 2001).
Moreno (2006) considera o tempo um dos grandes universais, elegendo-o não
como conceito filosófico, místico ou fenomenológico, mas como conceito terapêutico.
Quando se considera que o homem vive no tempo passado, presente e futuro, o ser
humano pode revelar seu sofrimento psicopatológico relativo a cada um desses
tempos. Assim sendo, a psicoterapia necessita integrar as três dimensões no
tratamento. Nesse caso, a clínica psicodramática consegue superar qualquer outra
abordagem psicoterápica, uma vez que “as três dimensões do tempo – passado,
presente e futuro – são trazidas juntas para o psicodrama, tal como na vida, através
do enfoque de uma terapia funcional” (MORENO, 2006, p. 21).
Para Dalgalarrondo (2008), as vivências do tempo são fundamentais nas
experiências humanas. A vida psíquica, além de ocorrer e configurar-se no tempo,
possui uma legítima distinção temporal: o tempo subjetivo (interior, pessoal) e o
tempo objetivo (exterior, cronológico, mensurável), podendo, assim, ocorrer um
descompasso entre o tempo subjetivo e objetivo. Tal discrepância traça o quadro
psicopatológico na vida psíquica, sendo tanto um fenômeno primário – uma legítima
alteração da consciência do tempo – como um fenômeno secundário decorrente de
alterações da consciência, da memória, do pensamento, etc. De acordo com as
anormalidades da vivência do tempo, de modo geral, nas síndromes depressivas a
passagem do tempo é percebida como lenta e vagarosa; já nas síndromes maníacas
ela é percebida como rápida e acelerada. O ritmo psíquico também é oposto: na
maníaca, há aceleração de todas as funções psíquicas; na depressão, ocorre a
lentificação de todas as atividades psíquicas.

1.1.1.1 Chronos e Kairós

Embora Moreno tenha desconsiderado, segundo ele próprio (2006), o


conceito filosófico, místico ou fenomenológico, a temporalização na psicoterapia
pode ser repensada, quando refletida não só sob o ponto de vista cronológico, mas
também sob uma dimensão qualitativa. A princípio, nesta tarefa, recorre-se a duas
!19

imagens da mitologia grega, Chronos e Kairós, cada qual representativa de uma


dimensão de temporalidade.
Os gregos antigos tinham duas palavras para o tempo: Chronos e Kairós.
Enquanto o Chronos (Χρόνος) refere-se ao tempo cronológico (CURY, 2008), o
Kairós (Καιροσ) significa um “tempo” oportuno ou apropriado (VINE,UNGER e
WAITE, 2009).
O mito do Chronos oferece elementos simbólicos para pensar a
temporalidade na psicoterapia em sua dimensão cronológica. De acordo com Cury
(2008), Chronos é o deus do tempo medido, do relógio, do cronômetro, do
calendário, das ações repetitivas. Segundo a mitologia grega, Chronos é filho de
Urano e Gaia. Urano ocultava sistematicamente seus filhos, ao nascerem, no corpo
de Gaia. Revoltada, ela convence Chronos a enfrentar Urano. Ao lutarem, Urano
acaba sendo castrado por Chronos, que assume o poder. Ele se casa com Réia e
têm vários filhos. Ao tornar-se poderoso, Chronos aprisiona seus irmãos e passa a
devorar sistematicamente seus próprios filhos logo após terem nascido por receio de
uma profecia lançada por Urano, segundo a qual Chronos também seria destronado
por um filho. Contudo, o sexto filho de Chronos, Zeus, nasce e Réia providencia para
que ele seja transferido secretamente para ilha de Creta, enviando ao marido,
embrulhada em um cobertor, uma pedra do tamanho de um bebê. Chronos, ao que
tudo indica, não entendia muito de recém-nascidos, pois engoliu o embrulho e não
pensou mais sobre o assunto. Zeus cresce em segurança. Sendo assim, mais tarde,
Zeus enfrenta seu pai Chronos e ainda o faz libertar os outros filhos que havia
engolido.
Na mitologia grega, Kairós é um atleta de características obscuras que não se
expressa por uma imagem uniforme, estática, mas por uma ideia de movimento
(CURY, 2008).Considerando tais aspectos, pode-se ter a seguinte representação
dos dois tempos na psicoterapia:
!20

(atemporal)
VIDA Chronos (tempo cronológico) MORTE

Kairós

Figura 1: O tempo na psicoterapia.


Fonte: J. S. Fonseca Filho3.

A noção dos dois tempos – Chronos e Kairós como representantes da


temporalidade – revela dois pensamentos complementares na clínica psicoterápica.
Por um lado, o tempo medido, o cronológico, as ações repetidas, da conserva
cultural, dos limites do planejamento clínico socialmente estabelecido. Por outro
lado, o tempo vivido, o oportuno, na ocasião certa aproveitada sem planejamento
clínico, enfim, espontâneo-criativo. A dimensão do tempo Chronos esgota e limita as
possibilidades da psicoterapia; já no panorama do tempo Kairós, abre-se o infinito
das possibilidades subjetivas da relação clínica.
No ponto em que cruzam a linha do chronos com a linha do kairós, encontra-
se o AQUI-AGORA. “O aqui-agora da existência é um conceito dialético. A única
forma em que existem passados e futuros percebidos é no aqui (este lugar) e no
agora (este momento)” (MORENO, 1983, p. 240).”Tudo na vida é existencial no ‘aqui
e agora’ hic et nunc” (MORENO, 1975, p. 74).

3 4ª Jornada Goiana de Psicodrama: “O Ser em Relação”.


!21

Um dos conceitos mais importantes da clínica psicodramática é o da


categoria do momento. Na categoria do momento, enfatizam-se três fatores: o
lócus, o status nascendi e a matriz. São três ângulos de um mesmo processo
(MORENO, 1975).
O tempo pode ser considerado um universal fundamental na vida humana. O
momento é a unidade indivisível do tempo. “A categoria de momento só tem
significado num universo aberto, isto é, num universo em que têm lugar a mudança e
a novidade. Num universo fechado, pelo contrário, não existe momento e, com sua
ausência, não há crescimento, espontanidade ou criatividade” (MORENO, 1975, p.
155).

1.1.2 O espaço

Segundo Moreno (2006), o conceito de espaço como parte do processo


terapêutico, e não do ponto de vista semântico e psicológico, ganha um cenário
multidimensional na clínica psicodramática, permitindo ao paciente mais liberdade
de movimento e de ação. “O psicodrama foi pioneiro na ideia de uma psicoterapia do
espaço, centrando-se na dramatização e, compreensivelmente, tentando integrar
todas as dimensões da vida nele próprio” (MORENO, 2006, p. 22).
O formato terapêutico consiste em duas partes: o veículo e as instruções
(MORENO,1983). Neste caso, o veículo da clínica psicodramática é o palco do
teatro terapêutico e as instruções relativas ao modo de se comportar quanto ao
veículo. De um modo geral, existem duas maneiras de se trabalhar no formato
terapêutico: “trabalhar dentro de um formato específico ou sem ele, sendo
indiferente ao mesmo ou até mesmo negando-o” (MORENO, 1983, p. 107).
Na busca de delimitar o significado do formato terapêutico e o lugar do acting
out4 na psicoterapia psicodramática, (MORENO, 1983) elege onze hipóteses
importantes, tendo como ponto de referência comparativa o formato da situação
psicanalítica:
• Hipótese I: O formato em si da situação psicanalítica induz ao
desenvolvimento da transferência e da neurose de resistência.

4 “Passagem ao ato” (MORENO, 1975, p. 34).


!22

• Hipótese II: O motivo para a troca da técnica hipnótica pela técnica da


associação livre foi sua inferioridade enquanto método de pesquisa e também
o pavor de Freud pelo acting out.
• Hipótese III: Há grupos de terapeutas que estão mais enquadrados no tipo
analítico de comportamento; há outros terapeutas que são mais adequados
para o tipo histriônico de comportamento; uma terceira categoria de
terapeutas coloca-se melhor com um tipo de comportamento inteiramente
informal e inestruturado; finalmente, há o quarto tipo, flexível, capaz de
combinar todas as habilidades. Pode ser que também os pacientes caiam em
grupos similares, mais propensos a uma técnica do que à outra.
• Hipótese IV: A dinâmica da situação presente induz terapeuta e paciente a
perceberem-se com mais realidade. O acting out torna-se cada vez mais o
método lógico de comunicação. A tele tende a aumentar ao passo que a
transferência tende a se declinar ou a se tornar neurótica.
• Hipótese V: A interpolação de terapeutas auxiliares tende a diminuir a tensão
transferencial entre o terapeuta principal e o paciente, e a intensificar as
comunicações tele entre eles.
• Hipótese VI: A “fome de ato” de uma pessoa está continuamente procurando
oportunidades situacionais de expressão.
• Hipótese VII: As forças de resistência do paciente contra a cura são
enfraquecidas ou pacificadas, tornando-se as técnicas de acting out oficiais e
legítimas como parte do procedimento terapêutico.
• Hipótese VIII: O acting out de uma situação dentro de um ambiente controlado
pode ser uma medida preventiva contra o acting out irracional na vida
propriamente dita.
• Hipótese IX: Uma psicoterapia multi-dimensional exige veículos multi-
dimensionais.
• Hipótese X: Veículos espaciais multi-dimensionais tais como uma área ao ar
livre, um palco, etc. permite ao paciente mais liberdade de movimento e de
ação do que o divã. O divã e a cadeira continuam sendo elementos auxiliares
no palco toda vez que são indicados. O paciente também deveria receber
permissão e instruções para criar, com os préstimos de egos auxiliares, as
!23

situações sentidas como significativas e que ele perceba e sinta com


intensidade.
• Hipótese XI: O comportamento simbólico pode ser estudado mais
eficientemente através de métodos ativos e operacionais do que através de
métodos verbais.
De acordo com essas hipóteses, Moreno (1983, p. 118) conclui:
Os formatos de psicoterapia e as técnicas usadas em seu domínio estão
intimamente relacionadas; o divã está ligado à associação livre e à técnica
transferencial, veículos espaciais multi-dimensionais, tais como o palco para
o movimento, o contato físico, técnicas de acting out e role playing.

Sendo assim, o formato da clínica psicodramática é multi-dimencional,


viabilizando então a liberdade para variar de acordo com cada caso clínico.

O psicodramatista in situ, por exemplo, deixa propositalmente em aberto a


forma que assumirá a situação terapêutica para que ela se evidencie por si,
espontaneamente. Mas a maior mobilidade e flexibilidade das terapias
isentas-de-formato contam com algumas vantagens. Considerando-se a
dificuldade em se aplicar métodos experimentais rigorosos à psicoterapia
clínica, um formato padronizado de tratamento está o mais perto possível de
uma situação experimental, conferindo a todos os que trabalham
clinicamente um padrão idêntico de procedimentos na qualidade de
referencial. Trabalhar sem um formato, ou deixá-lo inestruturado, exige mais
da arte do terapeuta do que de sua ciência (MORENO, 1983, p. 119).

Pode-se considerar Moreno (1984) como pioneiro na ideia de uma


psicoterapia do espaço aberto. Uma de suas preocupações principais era a
construção de um espaço que satisfizesse a nova “arte do momento”. Uma primeira
regra postulada pelo autor foi a construção de um palco circular claramente visível
de todas as partes do público, aberto de todos os lados, sem frente ou verso.
A circularidade do palco assemelha-se ao planeta que é circular, onde o
protagonista pode aprender a controlar o próprio mundo interno pela ação
espontânea. “O estímulo não foi o palco de Shakespeare, nem o dos gregos; o
modelo, tomei-o de empréstimo à própria natureza. É completo em si mesmo, não
há começo e nem fim” (MORENO, 1984, p. 16). ”O espaço do palco é extensão da
vida, além da realidade do próprio teste da vida” (MORENO, 1992, p. 183).
O palco aberto é a representação da integralidade psíquica sem separação
entre a realidade e fantasia. “(...) Realidade e fantasia não estão em conflito, porém,
ambas são funções dentro de esfera mais ampla – o mundo psicodramático dos
!24

objetos pessoas e acontecimentos” (MORENO, 1992, p. 183). Em sua lógica, ilusões


e alucinações ganham corpo e igualdade de status. Nesse sentido, na clínica
psicodramática, privilegia-se o espaço vivido aqui e agora.

1.1.3 A realidade

Moreno (2006) afirma que à medida em que a psiquiatria ganha mais espaço
na comunidade do que nos hospitais, a realidade tende a atingir novos significados.
Antes de abordar a realidade na saúde mental, faz-se necessário uma breve
elucidação do universo infantil para uma melhor compreensão do universal realidade
(MORENO, 1975). De uma maneira geral, o autor divide o desenvolvimento humano
em dois universos: primeiro universo e segundo universo.

1.1.3.1 A brecha entre a fantasia e a experiência da realidade

No primeiro universo, o bebê na situação do nascimento, considerado como


sendo a primeira fase no processo de preparação para os estados de
espontaneidade, defronta-se com uma situação nova mais do que qualquer outra
época de sua vida subsequente. Como esse ingresso no mundo se dá antes de seu
organismo estar preparado para satisfazer suas necessidades prementes, ele
necessita de ajuda, e esse auxílio é dado pelos egos auxiliares (mãe ou pessoa
substituta). Convidado a atuar nesse novo ambiente, ele se aquece fisicamente
(arranques físicos) para a ação. Esse processo de aquecimento preparatório
acontece dentro de um foco (tende a estar localizado em uma zona) que se traduz
em uma unicidade do ato. Devido ao seu universo psíquico ser aberto, sem limites
psíquicos, suas experiências revelam-se em forma de “síndrome da fome de
atos” (MORENO, 1975, p. 116). Toda vivência infantil, nessa fase, acontece no
tempo presente (imediato), pois ainda não se estruturaram nem o passado e nem o
futuro. Assim sendo, o autor considera que há uma amnésia infantil, e, como
consequência, não há sonhos e, muito menos, inconsciente.
!25

A criança cresce inserida em um conjunto totalmente estranho, de relações


interpessoais. A princípio ela não distingue entre próximo e distante, mas, à medida
em que vai crescendo, gradualmente o sentido de proximidade e distância vai se
desenvolvendo. A criança começa a ser atraída para determinadas pessoas e
objetos ou a serem repelidas. Tem-se, então, o primeiro reflexo social, indicando o
desenvolvimento do fator tele.

A base da classificação sociométrica não é uma psique que está vinculada a


um organismo individual, mas um organismo individual deslocando-se no
espaço em relação a coisas ou outros sujeitos também se deslocando em
torno dele no espaço (MORENO, 1975, p. 132).

Em síntese, há, de acordo com Moreno (1975), os seguintes aspectos


psíquicos na criança no primeiro universo.
1 – fator e;
2 – dependência do ego auxiliar;
3 – aquecimentos preparatórios centralizados e uniformes;
4 – zonas corporais e foco;
5 – tempo infantil (vivência no tempo presente – imediato) e espaço infantil;
6 – unicidade do ato (coação, coexperiência e coexistência);
7 – universo psíquico aberto;
8 – fome de atos;
9 – amnésia infantil, sem sonhos ou formação do inconsciente;
10 – fator tele em desenvolvimento;
11 – todos os componentes reais e fantásticos fundidos em um só conjunto de
papéis: papéis psicossomáticos (comedor, eliminador, etc);
12 – a criança vive unida em um só mundo, isto é, fantasia e realidade
indiferenciadas.
Moreno (1975) considera que o término do primeiro universo se dá quando a
experiência da criança de um mundo em que tudo é vivido como real começa a
separar os elementos componentes da fantasia e da realidade.

Uma vez estabelecida a matriz de identidade e completamente formado o


complexo de imagens intimamente associadas à sua intensa participação
na unicidade do ato, estão criadas as bases para ‘futuros’ atos
combinatórios (MORENO, 1975, p. 112).
!26

A criança, a medida em que o tempo passa, abandona parte dela mesma para
concentrar-se na parte materna (ego auxiliar). Viabilizado por essa transação,
fundamenta-se não só todo o aprendizado emocional como, também, representa a
base psíquica para todos os processos de desempenho de papéis e para fenômenos
tais como a imitação, a identificação, a projeção e a transferência. Com a dissolução
da matriz de identidade, desenvolve-se no mundo infantil a diferenciação entre
coisas reais e coisas imaginadas. Com o início do segundo universo, a
personalidade divide-se e, como consequência, formam-se dois conjuntos de
processo de aquecimento: um de atos de realidade e outro de atos de fantasia. São
dois caminhos que exigem que a criança estabeleça meios que lhe permitam acesso
a um ou a outro segundo o estímulo do momento.
Moreno (1975) afirma que é impossível a pessoa abandonar um mundo da
fantasia em favor do mundo da realidade ou vice-versa. Ocorre a necessidade de
estabelecer meios que permitam ganhar o completo domínio da situação, isto é,
viver em ambos os caminhos, sendo capaz de transferir-se de um para o outro de
acordo com as exigências do momento. O que pode garantir esse domínio de
situação, para uma rápida transferência, é o fator e. Espontaneidade no sentido de
um princípio consciente e construtivo da identidade que facilite a mudança dos
processos de aquecimento preparatório: em relação aos atos reais e em relação aos
atos de fantasia. Sem a função da espontaneidade, a relação do indivíduo com
situações e objetos (reais ou imaginados) pode ficar prejudicada, uma vez que o
processo de aquecimento preparatório pode produzir uma disposição mental em um
caminho com detrimento do outro. A questão é que ninguém pode viver sempre em
um mundo inteiramente real ou em um mundo totalmente imaginário. Sendo assim,
o que pode ocorrer são bloqueios nas vias que permitem o livre trânsito (um
intercâmbio saudável) entre os dois mundos.
Com esse contexto como referência, a função da realidade atua mediante
interpolações de resistências que são impostas à criança por outras pessoas em
suas relações. Com o surgimento do fator tele, a criança começa a ser atraída para
pessoas e objetos ou a afastar-se deles, coisas e distâncias no espaço (não
distinguia o próximo e o distante de si mesma); atos e distâncias no tempo (antes
vivia em função de um tempo imediato).
!27

No primeiro universo, a criança encontra-se misturada com o “mundo”.


Alguém se encarrega de cuidar dela e de atender todas as suas necessidades, pois
tudo é vivido no mesmo grau de realidade na matriz de identidade. Agora, a criança
apercebe-se de que o “mundo” lhe resiste e impõe situações reais nas quais ela
precisará responder espontaneamente. A ausência dessa resistência pode provocar
um prejuízo na função da realidade que se traduz na dificuldade em transpor a
matriz de identidade total diferenciada.
A passagem do primeiro universo para o segundo ocasiona uma
transformação total na sociodinâmica do universo infantil. A brecha entre a fantasia e
a realidade traz consigo dois novos conjuntos de papéis: sociais e psicodramáticos.
Até então misturados, começam diferenciando-se e surge, gradualmente, um mundo
social e um mundo de fantasia separado do mundo, psicossomáticos na matriz de
identidade. De acordo com os papéis sociais, surgem formas de representação de
papéis que correlacionam a criança com pessoas, coisas e metas no ambiente real,
exterior a ela. Segundo os papéis psicodramáticos, surgem formas de representação
de papéis que correlacionam a criança com pessoas, objetos e metas que ela
imaginava estarem fora de si mesma.
Esses três tipos de papéis (psicossomáticos, sociais e psicodramáticos) são
os precursores do Eu. Os papéis psicossomáticos, em termos evolutivos, surgem
primeiro, pois, enquanto a brecha entre a fantasia e a realidade não existia, todos os
componentes reais e fantásticos estavam fundidos em um só conjunto de papéis. Os
papéis psicossomáticos representam uma linha de base do psiquismo total. Essa
linha do psiquismo apresenta uma reatividade corporal a princípio, indiferenciada
aos estímulos externos e internos. Com a entrada do segundo universo, os papéis
psicodramáticos e sociais desenvolvem-se.
Aproveitando o raciocínio da figura 1 (p. 20), vê-se a figura 2:
!28

Papel Psicossomático (EU Corpo)

(Eu Psicológico)
VIDA Papel Social (EU Sociedade) MORTE

Papel Psicodramático
Figura 2: Totalidade psíquica do EU
Fonte: Autora deste trabalho

Moreno (1975) define que o papel de comedor, eliminador, dormente, etc. são
exemplos de papéis psicossomáticos. Os papéis de mãe, filho, filha, aluno, etc. são
denominados papéis sociais. Os papéis psicodramáticos são separados das
personificações de coisas imaginadas, tanto reais como irreais. Nestes, a pessoa
tem a liberdade de criar em cima do papel, ou seja, utilizar, em sua plenitude, o fator
e.
Os papéis são manifestações perceptíveis de um EU intuído, mas não
verificável por si. Em sua origem, o EU é o TU (papel complementar primário). A
formação da totalidade psíquica do EU ocorre por meio do desenvolvimento dos
papéis. Um fato essencial a ser mencionado nesse processo de desenvolvimento
dos papéis é a dissolução da matriz da identidade. O montante de assistência que o
ego auxiliar tem de prestar à criança torna-se cada vez menor, e a soma de
atividade em que ela participa é cada vez maior. A criança ganha autonomia,
consequentemente, começa a declinar a sua dependência dos egos auxiliares,
dando forma, assim, à diferenciação entre as coisas reais e coisas imaginadas.
Para essa diferenciação de papéis, torna-se necessária uma condição de segurança
na relação da criança com o ego-auxiliar.
A brecha entre a fantasia e a realidade também possibilita à criança a
descoberta da diferença entre instrumentos a ela ligados e instrumentos dela
separados. A medida em que ela se desenvolve, o nível de realidade experienciada
vai tornando-se mais complexo; gradualmente, vai experimentando a separação das
coisas fora dela. Separa-se uma parte de seu eu da outra, e aprende assim as
diferenças reais e as fantasias no mundo relacional.
!29

Outro fato interessante diz respeito aos sonhos infantis. A criança não sonha
durante o primeiro período (no primeiro universo) de identidade total onde as coisas,
pessoas e objetos, incluindo ela própria, não são diferenciados como tais, mas
experimentados como uma multiplicidade indivisível (MORENO, 1975). O fenômeno
onírico deve ter seu surgimento muito depois do período de realidade total começar
se decompondo, além de ser relacionado com a decrescente intensidade da fome de
atos da criança. Ainda, segundo o autor, a fome onírica será grandemente
estimulada quando se operar – na criança – a brecha entre a fantasia e a realidade,
retomando à realidade de que o desenvolvimento infantil percorre dois caminhos
emocionais em seu universo. Como eles ocorrerem independentemente, a criança
viverá em duas dimensões ao mesmo tempo, uma real e outra irreal, sem ser
perturbada pela divisão. A questão, à personalidade humana, é o infinito esforço de
reunir os dois caminhos na tentativa de eliminar a becha original, restabelecendo o
seu status original onde todos os processos de aquecimento preparatório da adoção
de papéis estavam centralizados e eram uniformes.
A questão é que esforços, como os acima citados, produzem consequências,
podendo provocar colisões entre os dois caminhos, produzir bloqueios e levar o fluxo
de espontaneidade à inércia.

Enquanto vive, o homem tenta eliminar a brecha original e porque, em


princípio, não tem êxito, a personalidade humana, mesmo em seus
exemplares mais integrados, possui um toque trágico de relativa
imperfeição. Existe essa contínua luta no íntimo do indivíduo ao tentar
manter um equilíbrio entre esses dois diferentes caminhos, nos quais a sua
espontaneidade tenta fluir (MORENO, 1975, p. 124).

Ainda nesse contexto, o significado dessa luta contínua deriva da


incapacidade da criança em continuar a uniformidade do seu primeiro universo. A
criança teve que separar uma parte do seu eu da outra por mais que suas
ansiedades e inseguranças fossem intensas. A oportunidade de se confrontar com
tal realidade se torna gratificante a medida em que o ser humano consegue se
apossar da espontaneidade-criatividade inerente a si mesmo, respondendo às
situações, reais e imaginadas, segundo o estímulo do momento.
Para Moreno (1975), os papéis tendem a reunir-se em conglomerados. Essa
influência domina-se de efeito cacho, ou cacho de papéis. Bustos (1992)
!30

compreende o cacho de papéis como clusters, ou seja, um grupamento dinâmico


dividido em três categorias essenciais:
• Primeiro grupamento (clusters 1): papéis predominantemente passivos ou
incorporativos; faz referência ao estado dependente.
• Segundo grupamento (clusters 2): papéis predominantemente ativos por
referência à obtenção de autonomia.
• Terceiro grupamento (clusters 3): papéis que são vivenciados de forma
simétrica. Gerador de experiências de intercâmbio ao mesmo nível, faz
referência ao compartilhar, jogar, competir e rivalizar.
De modo geral, Bustos (1992), considera que o processo de maturação de
papéis engendra necessariamente da harmonia desejável entre vulnerabilidade-
força, passividade-atividade, dependência e autonomia.
Essa rápida visão panorâmica sobre a importância da matriz de identidade de
acordo com as fases graduais – o lócus de onde surgem o EU e suas ramificações,
os papéis – permite, segundo Moreno (1975), a compreensão básica da dimensão à
realidade. De acordo com o que foi exposto, Moreno (1992) pensa a realidade
vinculada ao social, de modo que o sistema social é tridimensional: a sociedade
externa, a matriz sociométrica e a realidade social.

1.1.3.2 Realidade social

Moreno (1992) inovou a compreensão da realidade social com o conceito de


tricotomia social, imprimindo nova orientação à clínica psicodramática. Ele delimita
o universo social em três dimensões: a sociedade externa, a matriz sociométrica e a
realidade social. Assim, definem-se:
Sociedade externa:
• Todos os agrupamentos palpáveis e visíveis, grandes ou pequenos, formais
ou informais que compõem a sociedade humana;
• Externa;
• Macroscópia;
• Mais fácil de descrever;
!31

• Formada por todos os grupos reconhecidos pela lei como legítimos (família,
escola, etc.), ilegítimos (encontro casual, multidão, etc.) e os neutros (mesmo
que não tenham sido classificados e organizados).
Matriz sociométrica:
• Estruturas sociométricas invisíveis ao olho macroscópico, mas que tornam
visíveis mediante o processo sociométrico de análise;
• Interna;
• Microscópia;
• Mais difícil de ser identificada;
• Consiste em várias constelações (tele, átomo social, etc.).
Realidade social:
• Síntese dinâmica e a interpenetração das duas tendências;
• Entrelaçamento e a interação da sociedade externa e a matriz sociométrica;
• Coexistência, isto é, não existe por si própria;
• Necessário conhecer a estrutura da sociedade oficial.
Na verdade, toda essa articulação de Moreno (1992) acerca do universo
social remete-se a um dos mais importantes conceitos da clínica psicodramática.
Sua importância não deve ser subestimada já que a realidade social determina a
configuração social das relações interpessoais. O universo social possui uma
estrutura externa e outra interna, entretanto, não se sabe ao certo se essa superfície
externa é reveladora e fiel à interna.
Para produzir condições pelas quais a estrutura interna possa tornar-se
visível, operacionalmente o indivíduo necessita torna-se “o ator in situ” (MORENO,
1992, p. 165), ator esse como representante de um critério em interação com o seu
ambiente. Desde o nascimento, desenvolve-se uma configuração social.
Inicialmente, na díade mãe e criança; progressivamente, estende-se às pessoas que
entram no círculo de familiares da criança que lhe são aceitáveis ou rejeitáveis.
A criança, durante seu processo de desenvolvimento, necessita de outras
pessoas para alcançar seu objetivo, e essas pessoas, por sua vez, precisam dela
para auxiliá-las na realização de seus objetivos. Sendo assim, o volume de pessoas
envolvidas com essa criança compõe seu átomo social. O átomo social é “a menor
unidade da matriz sociométrica” (MORENO, 1994, p. 215).
!32

Nossos átomos sociais e as mudanças nele registradas são, continuamente,


interiorizadas e exteriorizadas. No decorrer da interiorização sociométrica, o
indivíduo interioriza todas as pessoas no seu átomo social e as relações
entre elas. Ele pode enviar mensagens (escolhas ou rejeições) aos outros e
recebê-las sem que ocorra nenhuma troca externa (MORENO, 1994, p.
205-206).

Para Moreno (1992), um átomo social é composto de várias estruturas tele, e


vários átomos sociais desenham uma rede sociométrica que unem ou separam os
grupos sociais, configurando, assim, uma infinidade de ligações interpessoais. No
que diz respeito a essa constatação social, o autor concebe o indivíduo como parte
constitutiva em desenvolvimento desde o instante do nascimento. Progressivamente,
o indivíduo escolhe ou rejeita a quem lhe é agradável ou desagradável. De acordo
com o grau crescente da configuração social das relações interpessoais, o indivíduo
desenvolve-se em uma configuração:
• Isolado: pessoa que não escolhe e nem é escolhida em qualquer critério. Ela
não envia nem recebe escolhas. São pessoas que não escolhem e dizem,
através de seus modos ou mesmo abertamente, “não me escolham, prefiro
ficar só”;
• Par: dois indivíduos formam atração mútua ou rejeição mútua. Os pares e seu
entrosamento no grupo são fatores decisivos para a estabilidade e coesão do
grupo;
• Triangulação: trata-se de uma configuração sequente à dupla. Significa a
entrada de um terceiro pelos membros do par, além de representar a
realidade de que o indivíduo terá duas alternativas de escolhas. Os três
indivíduos formam um triângulo interpessoal de atração mútua ou rejeição
mútua;
• Cadeia: tem-se essa estrutura quando duas pessoas são mutuamente
atraídas, sendo que uma delas forma atração mútua com uma terceira. Esta
por sua vez, forma atração mútua com uma quarta, esta com uma quinta, e
assim sucessivamente;
• Círculo: trata-se de uma configuração semelhante da cadeia só que é uma
estrutura fechada.
A primeira dimensão a ser avaliada sociometricamente são os padrões de
atração – repulsa – indiferença (MORENO, 1994); já a segunda dimensão avalia os
contatos sociais e a expansividade emocional. A expansividade emocional revela a
!33

energia emocional de determinado indivíduo, tornando-o capaz de “segurar” a


afeição de outros indivíduos por dado período de tempo. Difere da expansividade
social que é meramente o número de indivíduos com que o sujeito estabelece
contato social, não importando se é capaz de mantê-los ou não.
Essa última observação moreniana lança luz sobre um conceito matemático
de August Ferdinand Möbius (1790-1868). Conhecido pelo seu trabalho em
topologia, especialmente pela sua concepção da fita de Möbius, trata-se de uma
superfície de duas dimensões com um lado só. De forma extraordinária, é um
espaço topológico obtido pela colagem das duas extremidades de uma fita após
efetuar meia volta em uma delas. Dessa forma, deixa de ser orientável,
transformando o finito no infinito.

! !

Figura 3: A fita de Möbius


Fonte: http://wikipedia.org/wiki/Fita_de_M%C3%B6bius

A importância de considerar esse estudo de Möbius na clínica psicodramática


deve-se à confirmação sobre o quê Moreno (1992) afirma sobre a realidade social,
isto é, não há separação entre o privado e o coletivo. Na verdade, confirma que
“todo papel é fusão de elementos particulares e coletivos; é composto de duas
partes – seus denominadores coletivos e seus diferenciais individuais” (MORENO,
1992, p. 178). Dessa maneira, espera-se que o clínico possa acolher o sofrimento do
paciente em suas dimensões privada e coletiva. Para o conhecimento de toda a
realidade da sociedade oficial, é fato que existe uma interação da sociedade externa
e sua matriz sociométrica.
!34

Moreno (1994) também trouxe importantes contribuições para a resolução dos


inúmeros conflitos da humanidade. Dentre uma série de propostas de construção e
reconstrução de uma comunidade, bem como vários conceitos sociométricos,
destaca-se, para o momento desta pesquisa, o mito da destinação. O mito
caracteriza-se como o fato que “os pais são dados e não escolhidos” (MORENO,
1994, p. 15). Com base nisso, o nascimento é um dos momentos mais fatídicos para
uma pessoa, tratando-se de um mandamento do domínio social em que o nascido é
olhado como um objeto de posse, ou, quem sabe, uma recompensa pelo sofrimento.
A questão é que os pais sofrem de uma ilusão ou síndrome parental, sendo que, no
primeiro caso, trata-se de ilusão emocional; no segundo, de ilusão,
predominantemente intelectual. O autor equipara os pais ao criador que também
mantém esse sentimento de posse com seu trabalho. Quando um trabalho emana
do criador, este não mais lhe pertence, exceto do ponto de vista psicológico,
passando a pertencer à universalidade. Assim como o criador de obras não tem
direitos tão logo se completa, também os pais não têm o direito sobre seus filhos,
exceto do ponto de vista psicológico.
A proposta de Moreno (1994) ao abordar esse tema não se trata de uma
utopia platônica ou comunista, ou mesmo uma abdicação individual do pai ou da
mãe, mas uma noção clara de paternidade e maternidade. Sabe-se que há “pais que
são descuidados ou mesmo cruéis com seus filhos” (MORENO, 1994, p. 16). Sabe-
se, também, que há casos de adoção em que os pais são excelentes para os filhos.

O instinto de reprodução e o instinto de paternidade não são idênticos.


Propomos, portanto, delimitar a noção de paternidade em duas funções
distintas – a função de pai biológico e a de pai social. Estas podem ou não
fundir-se em um único indivíduo (MORENO, 1994, p. 17).

À luz do mito da destinação, o clínico concebe a percepção do que o


ambiente familiar do paciente pode ser de proteção ou de riscos. Os pais podem
fornecer um ambiente adequado ou inadequado. A matriz sociométrica é reveladora
da família oficial. Conforme afirma Moreno (2006), existem três dimensões da
realidade: a infra-realidade, a realidade da vida ou realidade presente e a realidade
suplementar.

1.1.3.3 Infra-realidade
!35

A infra-realidade, do ponto de vista psicoterápico, ocorre quando não se


consegue um diálogo genuíno entre o terapeuta e o paciente, ou seja, estabelece-se
uma entrevista, uma pesquisa ou uma testagem psicológica (MORENO, 2006).
Sendo assim, não se constitui uma presentificação e confrontação direta na
realidade interna do paciente. De acordo com essa descrição, não há dúvidas de
que o psicodrama é uma abordagem psicoterápica que vai além da infra-estrutura.

1.1.3.4 Vida ou realidade presente

[Na psicoterapia] busca-se levar em conta a realidade da vida propriamente


dita, das vidas diárias, sua e minha, das pessoas comuns no que concerne
à vida que levamos em casa, em nossos negócios, em nossas relações
mútuas, e a todas as pessoas que nos afetam – nossos maridos, esposas,
crianças, patrões, professores, funcionários – e ao mundo como um todo
(MORENO, 2006, p. 24-25).

É dentro dessa realidade da vida que o psicoterapeuta será conduzido em


suas veredas clínicas. De acordo com Moreno (1984), quando as pessoas
esbarram-se diariamente, dá-se o início à verdadeira situação dramática, instalando-
se o conflito.

É uma situação de duas almas a quem ninguém pode ajudar, nem qualquer
transformação do intelecto, da mente, do corpo, exceto o amor. Tudo o que
acontece, e que é tentado, é em vão. Vivem numa recorrência eterna e num
aprofundamento dos mesmos problemas. E até mesmo a auto-destruição
iria aqui provocar a negação e a eliminação da consciência, não do conflito.
O conflito é eterno. O nó é cortado ao invés de desmanchado. A casa em
que vivem é uma proteção contra a bisbilhotice; o corpo que os circunda,
uma barreira contra uma comunicação e um encontro indesejados. O
conflito é um pretexto interno para esconderem-se mais profundamente
(MORENO, 1984, p. 106).

Decorre disso uma vontade imensa de mudança e de atingir novas


estratégias de viver.

A maneira pela qual vivemos na realidade, em nossas relações com


pessoas significativas de nossas vidas, pode ser todavia defeituosa ou
inadequada e é desejável que queiramos mudar para atingir novas formas
de viver. Mas mudanças podem ser ameaçadoras e extremamente difíceis,
de tal modo que podemos preferir permanecer ligados às nossas raízes
familiares para não corrermos o risco de uma calamidade que não
possamos manejar. Por essa razão, necessitamos de uma situação
terapêutica em que a realidade possa ser simulada a tal ponto que as
pessoas tenham a possibilidade de aprender a elaborar novas técnicas de
!36

viver sem correrem o risco de ter sérias consequências ou desastres, como


pode acontecer na vida real (MORENO, 2006, p. 25).

Posto isso, é importante afirmar que Moreno (1993) criou uma psicoterapia
derivada da vida cotidiana. O tratamento possui estratégias pautadas na própria
vida. “Isto é o que o psicodrama e os métodos com ele apresentados oferecem ao
paciente: dotá-lo de conhecimentos e habilidades necessárias para uma vida
adequada e produtiva” (MORENO, 1993, p. 106).

1.1.3.5 Realidade suplementar

Moreno (2006) afirma que cunhou esse termo influenciado pelo termo “mais
valia” de Marx, indicando aquilo que os capitalistas absorvem dos ganhos
excedentes dos trabalhadores.
Moreno achava que a realidade suplementar está “aí fora” em algum lugar,
deve ser concretizada e especificada, e devolvida ao centro do protagonista,
onde tem significado e propósito. Ele sabia que não poderia chegar
verdadeiramente ao psiquismo do protagonista a menos que ele habitasse,
junto com o protagonista, a realidade suplementar. E ele fez com que nós,
os membros do grupo e egos-auxiliares, igualmente a habitássemos, e nos
ajudou a viver confortavelmente em nossa própria realidade suplementar.
Uma vez que você penetra no psiquismo de uma pessoa, atinge uma
dimensão que vai mais além da realidade subjetiva e objetiva (MORENO,
BLOMBKIST e RÜTZEL, 2001, p. 45-46).

Moreno (2006) diz que o termo realidade suplementar (excedente) é apenas


análogo. No caso da realidade suplementar, na psicoterapia significa que há certas
dimensões invisíveis na realidade da vida que não são inteiramente experimentadas
ou expressas. Para sua operacionalização, são necessárias técnicas suplementares
a fim de trazê-las para a psicoterapia.
!37

VIDA Infra-realidade
Realidade Infra-realidade
Presente MORTE

Realidade
Suplementar
Figura 4: A realidade na clínica psicodramática.
Fonte: Autora deste trabalho.

Pode-se bem dizer que o psicodrama enriquece o paciente com uma


experiência nova e alargada da realidade, uma ‘realidade suplementar’
pluridimensional, um ganho que ressarce, pelo menos em parte, o sacrifício
que ele teve que fazer durante o trabalho de produção psicodramática
(MORENO, 1993, p. 109).

De acordo com Esper (1998), considerando a citação anterior, a realidade


suplementar é, antes de tudo, uma experiência que se fundamenta, basicamente, no
real. Sendo que a noção do real é peculiar, pois rompe com o real concreto e visível
da experiência imediata, bem como com a realidade social, deixando de privilegiar o
real cultural e universal para alcançar um real suplementar.

Os psicodramatistas muitas vezes trabalham com a realidade suplementar


sem levar em consideração a sua perspectiva filosófica. O psicodrama
geralmente se inicia com o problema do protagonista, e durante a sessão o
drama retorna a experiências do início da infância para curar velhas feridas.
Nesse caso, a realidade suplementar é usada como uma técnica para
completar e curar, para ter um efeito integrador sobre o ego, de forma que o
protagonista se sinta melhor e consiga tocar para a frente a sua vida. Levar
ao palco um diálogo entre o protagonista e alguém que já morreu, ou atribuir
a ele(a) um “novo” pai ou mãe, são apenas dois exemplos dessa forma de
usar a realidade suplementar. No entanto, achamos que esse conceito e
aplicação ortodoxos da realidade suplementar como técnica para atuar as
fantasias e os desejos e, portanto, as necessidades do ego são um tanto
quanto restritos e guardam pouca relação com o pleno potencial da
realidade suplementar. A realidade suplementar constitui mais um
instrumento de desintegração e deveria ser considerada um instrumento
teatral para que o diretor crie desconforto, mal-estar e tensões no palco
(BLOMKVIST e RÜTZEL, 1944, p. 45).

Compreende-se que é exigido do clínico, na atualidade, esse entendimento


mais amplo da psicoterapia. A postura básica nessa relação deve ser de aceitação
de que estão envolvidos em mistérios universais. É fato que existe um lugar para o
mistério na psicoterapia. Desse modo, a realidade suplementar de fato tem recebido
uma aceitação precária pelos psicodramatistas. O que emerge através da
compreensão da realidade suplementar, conforme Moreno (2006), não é um palco
!38

para o ajustamento do indivíduo à sociedade, e, sim, um palco que favorece a


espontaneidade-criativa expressa em uma dimensão que supera a infra-realidade e
toda a realidade presente. Tal compreensão só é possível quando o psicodramatista
viabiliza o universo da realidade ao oferecer um palco para o treinamento da
espontaneidade-criativa, viabilizando, assim, que toda a verdade transcenda e seja
vista dentro de um real suplementar. À luz da realidade suplementar é importante
considerar o quarto universal: o cosmos.

1.1.4 O cosmos

Moreno (2006, p. 11) afirma que “o homem é um ‘homem cósmico’, não


apenas um homem social ou um homem individual”. Nessa perspectiva, pode-se
estabelecer um ser-no-mundo mais amplo além da psicodinâmica e da
sociodinâmica da sociedade humana: a cosmodinâmica. Por isso, é necessário
entender que os fenômenos cósmicos podem ser integrados dentro da clínica
psicoterápica, “um método terapêutico que deixe de lado essas enormes implicações
cósmicas, e o real destino do homem é incompleto e inadequado” (MORENO, 2006,
p. 32).
No palco psicodramático, a diferenciação entre os sexos, faixa etária, fatores
sociodemográficos, etc. não são consideradas tão relevantes. Na jornada
psicodramática, as realidades do nascimento e morte possuem um valor existencial
e de experiência. “Não há morte no psicodrama. O não-nascido e o morto são
trazidos à vida ou revivem no palco do psicodrama. É uma forma de arte
suplementar aplicada à cosmodinâmica” (MORENO, 2006, p. 32).
Moreno (2006) é enfático ao afirmar o que conta é a expansão homem em
relação às necessidades e às fantasias que ele tem com respeito a si próprio. Toda
sua exteriorização, no palco psicodramático, está intimamente relacionada com a
subjetividade e com as imaginações do protagonista. Ele se torna senhor das
anatomias, fisiologias, biologias, enfim, de todo conhecimento posto como verdade
científica. Ele se torna senhor ai invés de ser seu servo. É importante não esquecer
!39

que o protagonista pode também incorporar animais e qualquer forma de seres reais
ou imaginários sem a pretensão de uma regressão (como outras abordagens
trabalham), mas como um envolvimento eminentemente criativo.

O homem é um ser cósmico; é mais do que um ser psicológico, biológico e


natural. Pela limitação da responsabilidade do homem aos domínios
psicológicos, sociais ou biológicos da vida, faz-se dele um bandido. Ou ele é
também responsável por todo o universo, por todas as formas do ser e por
todos os valores, ou sua responsabilidade não significa absolutamente
nada. A existência do universo é importante, é realmente a única existência
significativa; é mais importante que a vida e a morte do homem como
indivíduo, como tipo de civilização, como espécie.
Depois da “vontade de viver” de Schopenhauer, a “vontade de poder” de
Nietzsche e “vontade de valer” de Weininger, eu partilho a “vontade do valor
supremo” que todos os seres pressentem e que os une a todos. Daí
coloquei a hipótese de que o Cosmo em devir é a primeira e última
existência e o valor supremo. Apenas ele pode atribuir sentido à vida de
qualquer partícula do universo, seja o homem ou um protozoário. A ciência e
os métodos experimentais, se têm pretensão de serem verdadeiros,
precisam ser aplicáveis à teoria do cosmo (MORENO, 1993, p. 15).

1.1.4.1 O lugar do mistério na psicoterapia

Hernandez (2008) propõe uma interpretação do “pensamento para a


psiquiatria” do professor Doutor Juan Ramón Sepich-Lange (1905-1978). Trata-se de
um conjunto de ideias para a psiquiatria, destacando a afirmação de que a
psicopatologia é uma investigação clínica que necessita “abrir” espaço para o
mistério. Para fornecer o espaço do mistério é fundamental um conhecimento que
permita a experiência do sagrado (a palavra revelada). Para dar consistência a essa
experiência, o autor enfatiza a importância da teologia aliada à antropologia médica
para uma investigação psicopatológica.
O presente trabalho não objetiva explorar os pensamentos de Lange para a
psiquiatria, mas eleger e confirmar a importância do lugar para o mistério na
psicoterapia. Considerando essa linha de raciocínio, é evidente que o encontro
clínico psicodramático é o próprio mistério. O reconhecimento do legado moreniano
em seu livro As palavras do pai (MORENO,1992) significa uma verdadeira
ampliação do horizonte psicoterápico ao evidenciar os mistérios da relação
psicoterápica.
A visão cósmica permite ao psicoterapeuta uma dimensão fundamental do
paciente em sua enfermidade psíquica. Um espaço para os mistérios que envolvem
a “luta cósmica” da dualidade vida-morte pode ser considerado literalmente uma
psicoterapia.
!40

O palco psicodramático viabiliza quatro universais da psicoterapia (MORENO,


2006), ampliando os horizontes para a miríade clínica. Trata-se de um lócus que
permite “abrir” o universo para o mistério, incluindo vivências onde se mostra
insuficiente a linguagem verbal. Para Zerka Moreno (2001, p. 33), atingimos a
dimensão da eternidade pois “a eternidade está relacionada ao cosmos, de onde
viemos e para onde retornaremos, e isso é um mistério”.
Moreno (1975) afirma que o palco psicodramático permite a quebra da brecha
entre a realidade e a fantasia. Com esse retorno à unidade, a psique em ação
explora a “verdade” em uma dimensão de mistério.

EU NÓS TU

Psicoterapeuta Encontro Paciente

Espaço do mistério
O lócus sagrado
Figura 5: Encontro: o espaço do mistério.
Fonte: Autora deste trabalho

O espaço do mistério é um processo de evolução para novas estratégias


terapêuticas. Via encontro, o psicoterapeuta e o paciente desenvolvem a capacidade
de neutralizar o mal estar de que o paciente padece, neutralizando o sofrimento
psíquico no intuito de transformar a vida. Desenvolve, assim, a capacidade de
reciclar todo o lixo psíquico produzido pelos conflitos inter e intrapsíquicos em algo
criativo.
Moreno (2001) conceituou o psicodrama como um método que pode quebrar
da brecha entre a realidade e a fantasia sob condições controladas.

Não estou muito preocupado com a loucura, mas com o controle. Se o


paciente fizesse lá fora, no mundo, o que faz no teatro, poderia ser perigoso
!41

tanto para ele próprio quanto para os demais. No psicodrama, o paciente


pode fazer ambos: realizar o ato assim como, por meio dele, aprender a se
controlar (MORENO, BLOMKVIST, RÜTZEL, 2001, p. 63).

Nesse sentido, no espaço para o mistério, há o possível resgate da saúde


mental através de o drama da loucura. Na ação uniforme da realidade e da fantasia,
alcança-se o encontro. No mistério da relação EU – TU, o EU – TERAPEUTA
empresta a sua SAÚDE, a sua VIDA ao TU que padece no “vale da sombra da
morte”. É evidente, no entanto, que é preciso coragem para tal proposta insana. É
necessário ousadia para o improviso. Exige abrir a relação para o impensado.

É uma ilusão, encenada pelas pessoas que a viveram na realidade; é a


libertação da vida. (...) mas esta paixão, este desdobramento da vida no
domínio da ilusão não funciona como uma renovação do sofrimento, ao
contrário, confirma a regra: cada segunda verdadeira vez é uma libertação
da primeira (MORENO, 1984, p. 107-8).
Moreno (1984) reforça a ideia de que o psicodrama é uma ação cósmica.
Aliás, como se espera deixar claro no decorrer desta exposição, o encontro é o lugar
do mistério que concretiza a ação cósmica. É na unidade psicoterápica que se
evidencia a libertação da vida. Como bom clínico, Moreno (2006) propõe a
restauração da confiança básica na vida através de a unidade dos quatro universais:
o tempo, o espaço, a realidade e o cosmos.
A vida torna-se sagrada pelo mistério do ENCONTRO CLÍNICO. As pessoas
fazem parte de um universo vivo e dinâmico, e, no centro do encontro clínico, há
algo divino para ser compartilhada pela menor unidade grupal: a dupla. Compartilha-
se a transformação do humano em divino na AÇÃO DRAMÁTICA. O tele unifica a
mente enquanto que a transferência divide a mente. O tele é o caminho para o
centro do universo do criador; a transferência distancia o criador.

1.2 O processo saúde-doença

De acordo com a Organização Mundial da Saúde, “ a saúde é um estado de


completo bem estar físico, mental e social, e não somente a ausência da doença ou
enfermidade”. Atualmente, a psicologia da saúde, de acordo com Angerami (2002),
amplia os horizontes do processo saúde-doença ao considerar as cinco dimensões
da saúde da pessoa: biopsicossocioespiritual-ecológico.
Na clínica, defende Fonseca (2000), não se cuida só de doença ou de saúde,
mas trabalha-se com o processo saúde-doença que é regido por uma estrutura
!42

intrínseca do binômio relação-separação. O estado de doença sensibiliza a


consciência da vida-morte e, portanto, da relação-separação.
Martins (2003) cita uma clássica definição da saúde “como o silêncio dos
órgãos”. Nesse caso, a doença seria o ruído dos órgãos, mas sabe-se que existem
sintomas que não são ligados aos órgãos enquanto organização anatômica e, sim,
por exemplo, à perda de uma função. O corpo silencia, no entanto, há algo
apreendido como faltante ou como impossibilidade de realização de uma
potencialidade.

Assim, uma inibição, uma modificação funcional, mesmo se apresentando


como sendo silêncio dos órgãos, é apreendida como sofrimento ainda que o
mesmo seja silencioso. Ou melhor, só faz sofrer quando algo é pensado a
respeito [...] a menos que pensemos a falta que a modificação seja um grito,
um modo da natureza ‘falar’ (MARTINS, 2003, p. 229).

Por conseguinte, o clínico não deveria focar o seu interesse somente pelos
indicativos da doença e, sim, precisa focar a saúde, isto é, o bem estar. Na verdade,
adotar uma concepção de natureza tão ampliada levaria a um estado de
indiferenciação total com o universo do processo saúde-doença. Neste momento,
tendo como base essa linha processual da saúde-doença, focaliza-se em duas
vertentes: uma norteada pela resposta do ser humano no ciclo de uma crise e outra
no ínterim do corpo físico, o corpo psicológico e o corpo energético diante do
adoecimento.
De acordo com o ciclo de uma crise, Caplan (1964 apud ANGERAMI, 2000)
define o processo de uma crise:

(...) um estado provocado quando a pessoa enfrenta um obstáculo a


importantes alvos vitais que, durante certo tempo, é insuperável através da
utilização dos meios costumeiros de solução de problema. Segue-se um
período de desorganização, um período de perturbação durante o qual são
feitas muitas tentativas malogradas diferentes para solução. Eventualmente,
é conseguido algum tipo de adaptação que pode ser ou não no melhor
interesse da pessoa e dos seus (CAPLAN, 1964 apud ANGERAMI, 2000, p.
14).

O processo de crise pode ser dividido, de acordo com Angerami (2000, p.


127) em quatro fases:
1. Diante de o impacto do estímulo caracterizado como problema, a pessoa
apresentaria uma elevação da tensão psíquica que acionaria suas respostas
habituais para solucionar esse problema.
!43

2. Diante de a ineficácia de suas reações e da permanência dos estímulos


invasivos, a pessoa passaria a sentir-se impotente e ineficaz para o processo
de resolução.
3. Diante de nova elevação da tensão pela continuidade do estímulo aversivo, a
pessoa buscaria novas soluções (através de ensaio e erro) para resolver a
crise instalada baseada nas experiências anteriores conhecidas.
4. Instalar-se-ia a ruptura (crise) pela continuidade do estímulo e ausência de
soluções viáveis.
Fonseca (2000) faz uma distinção fundamental para uma compreensão do
processo saúde-doença entre o corpo físico, o corpo psicológico e o corpo
energético. Quando se diz acerca de um adoecimento, está sendo pressuposto que
a pessoa é e tem um corpo físico. Só que o adoecer nesse corpo, que é físico,
remete a uma experiência sentida, vivida, anunciando que algo não está bem no seu
corpo físico. A manifestação desse mal-estar pode ser feita por um mundo afetivo
(psicológico) que ganha uma representação no simbolismo da experiência vivida
dada pela pessoa que adoece. Assim, qualquer intervenção no corpo físico ocorre
concomitantemente com uma intervenção no corpo psicológico ou simbólico. Sobre
o corpo energético, ele é o resultado da interação do corpo físico com o corpo
psicológico (simbólico). A harmonia do corpo energético dependerá da fluência
espontânea entre o corpo físico e o simbólico. Uma fluência espontânea obstruída
geraria um corpo energético carregado caso fosse possível medir seu potencial
energético. Indo além, pode-se dizer que caso fosse possível medir o corpo
energético, poder-se-ia intervir preventivamente antes mesmo que a doença se
manifestasse oficialmente.
O estado de saúde ideal significa um corpo energético “silencioso”, isto é,
fluente em espontaneidade do canal de comunicação dos corpos físico e psicológico
(FONSECA, 2000). Nesse sentido, pode-se dizer que em um corpo físico sem
doença (sadio), mas com o corpo energético com “ruídos” e inquieto, há um conflito
entre o corpo físico e o psicológico. Ou então, um corpo físico com uma doença
instalada (doente), mas com uma boa fluência espontânea em relação ao corpo
psicológico, significa um corpo energético relativamente em equilíbrio apesar de a
doença no corpo físico. Aiinda, a mesma doença no corpo físico pode alterar o
resultado do corpo energético em diferentes momentos. Essa compreensão é
fundamental para um diagnóstico clínico, pois uma mesma doença no corpo físico
pode gerar diferentes interpretações psicológicas, bem como diferentes resultados
no corpo energético.
!44

Co
C

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Corpo psicológico

o
en
o

er

tic
o
VIDA Corpo físico MORTE

o
tic

Co

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Figura 6: O corpo na clínica psicodramática.


Fonte: Autora deste trabalho.
Falar de corpo a partir de uma concepção psicodramática é falar de um corpo
articulado na relação com o outro, constituído a partir de outro que primordialmente
está investindo como um ego auxiliar.
Para Moreno (1992, p. 149), “o processo de adoecimento pode ser atribuido
ao desenvolvimento insuficiente da espontaneidade”. Assim, o processo saúde-
doença, na clínica psicodramática, está intimamente ligado ao princípio da
espontaneidade-criadora pois se trata do catalizador de todo processo da vida. Não
deve ser conservada, mas sim potencializada no momento da ação criadora. O seu
bloqueio revela uma ameaça à sobrevivência do indivíduo.

1.2.1 A questão do diagnóstico

Almeida (2006, p. 123) salienta a questão do diagnóstico afirmando que


“existe uma lenda de que o método fenomenológico-existencial, na psiquiatria e nas
psicoterapias, prescindiria do diagnóstico médico”. Com maestria, o autor considera
um equívoco tal afirmação, e, para tanto, tenta desfazê-lo com um pouco da história
da antipsiquiatria, movimento esse que parece ser um dos principais responsáveis
pela difusão dessa ideia. Na busca de dar consistência à importância do diagnóstico,
!45

o autor apresenta, em ordem de observação, cinco possibilidades diagnósticas: a


clínica, a estrutural, a dinâmica, a relacional e a existencial (o modo de ser).

1.2.1.1 Diagnóstico clínico

Segundo Almeida (2006), ao profissional da área “psi” não é dado renegar a


classificação dos transtornos mentais e do comportamento exposta na CID-10 por
tratar-se de dados vetoriais de expressão internacional. Não se propõe como
produto definitivo já que é passível de mudanças no decorrer do tempo. A
classificação auxilia no estabelecimento de três momentos no diagnóstico: o
provisório, o confiável e o flexível. O diagnóstico clínico é feito em duas etapas:
durante as entrevistas preliminares e no decorrer do processo. Na prática do
psicoterapeuta, é basicamente usado para nortear as estratégias de intervenção.
De acordo com Sims (2001), há uma distinção clara entre sinais e sintomas
na medicina clínica, mas essa distinção não pode não ser específica quanto aos
fenômenos do estado mental. O sintoma, o sinal e a síndrome são distintos entre os
componentes universais da semiologia médica (SIMS, 2001; MARTINS, 2003;
DALGALARRONDO, 2008).
• Sintoma: faz parte do campo fenomenal. É a realidade aparente de uma
determinada enfermidade. São as vivências relatadas pelos pacientes, suas
queixas e narrativas da forma pela qual se apresenta a doença. Nesse
sentido, é sempre uma irrupção da vida de alguém, sendo um acontecimento
doloroso e/ou perturbador. Martins (2003) faz uma interessante distinção
entre o sintoma tipo ter e o sintoma tipo ser. Pressupondo que o paciente é
e tem um corpo, o corpo tem o sintoma ou o sintoma pode ser a expressão do
corpo perturbado por algo a ser parado, modificado ou removido. O sintoma
tipo ter refere-se a uma experiência colocada em termos de uma sentença ou
declaração que tenta aproximar esse algo que está em ação no paciente. O
diagnóstico clínico tem como objetivo traduzir o sofrimento humano tornando
parte dos signos clínicos. Quanto melhor essa tradução, melhor se faz a sua
semiologia.
• Sinal: O signo é um tipo de sinal. Define-se sinal como qualquer estímulo
emitido pelos objetos do mundo. A semiologia médica e psicopatológica trata
!46

particularmente dos signos que indicam a existência de sofrimento mental,


transtornos e patologias. Os signos de maior interesse para a psicopatologia
são os sinais comportamentais objetivos, verificáveis pela observação direta
do paciente. São definidos como dados elementares das doenças que são
evocados pelo examinador, adquirindo, assim, um caráter maior de
objetivação, uma vez que apresenta características estáveis de um signo
indicial.
• Síndrome: São conjuntos de sinais e sintomas que se agrupam de forma
recorrente e são observadas na prática clínica. Trata-se do primeiro passo no
sentido de ordenar a observação psicopatológica dos sinais e dos sintomas
dos pacientes.
Profissionais da área “psi”, em geral, e de saúde mental, em particular,
evidenciam uma discussão sobre a valorização do diagnóstico psicopatológico.
Segundo Holanda (2001), o campo da psicopatologia é difícil de delimitar. Seja em
uma concepção de polaridade normal-anormal, seja como campo específico de ação
clínica, seu terreno é cercado de imprecisões e de opiniões divergentes.
Psicopatologia e psiquiatria, segundo ele, confundem-se comumente. Isso
invariavelmente leva a uma compreensão limitada do próprio fenômeno
psicopatológico. As diferenças na determinação do diagnóstico psiquiátrico devem-
se principalmente a diferenças de formação dos clínicos de acordo com as diversas
escolas psiquiátricas e ao uso de definições mais ou menos abrangentes de um
determinado sintoma psiquiátrico (BUSNELLO,1999).
Os sistemas classificatórios dos transtornos mentais não levaram a um
grande avanço quanto à validade das categorias nosológicas, porém trouxeram
algumas vantagens no que se refere à fidedignidade do diagnóstico e ao
desenvolvimento de uma linguagem comum (CHENIAUX, 2005). O autor ressalta
que, ao se tratar das alterações psicopatológicas, a utilização de uma linguagem
comum constitui uma pré-condição para que se alcance um nível satisfatório de
fidedignidade do diagnóstico psiquiátrico.
Cheniaux (2005) defende a ideia de que faltam universalidade e uniformidade
a alguns dos mais importantes conceitos e termos da psicopatologia descritiva.
Quando importantes textos são comparados, pode-se observar que um mesmo
termo é utilizado por diferentes autores, mas ignorados por outros, enquanto que um
!47

mesmo conceito é designado por termos diferentes. Essa falta de consenso, que
afeta alguns dos principais tópicos em psicopatologia, reflete-se inevitavelmente em
qualquer discussão de um caso clínico, prejudicando qualquer argumentação pela
ausência de uma linguagem comum.
Dalgalarrondo (2008) identifica duas posições extremas: uma que afirma que
o diagnóstico em psiquiatria não tem valor; outra em defesa do diagnóstico
psiquiátrico.

(...) é absolutamente imprescindível considerar os aspectos pessoais,


singulares de cada indivíduo, sem um diagnóstico psicopatológico
aprofundado. Não se pode nem compreender adequadamente o paciente e
seu sofrimento nem escolher o tipo de estratégia terapêutica mais
apropriado (DALGALARRONDO, 2008, p. 39).

Na verdade, há, no processo diagnóstico, uma dialética entre o individual e o


universal. O autor distingue três grupos de fenômenos em relação à possibilidade de
classificação: aspectos e fenômenos encontrados em todos os seres humanos;
aspectos e fenômenos encontrados em algumas pessoas, mas não em todas;
aspectos e fenômenos encontrados em apenas um ser humano em particular.
Outrossim, mesmo considerando de fundamental importância o diagnóstico
psiquiátrico, é salutar um palco para discussão interdisciplinar sobre o valor, os
limites e as críticas em relação às classificações psiquiátricas. Para tanto, elege-se,
neste momento, algumas vantagens e desvantagens dos sistemas classificatórios ao
reunirem alguns autores (BUSNELLO, 1999; PACHECO FILHO, COELHO JÚNIOR
& ROSA, 2000; HOLANDA, 2001; CHENIAUX, 2005).
Vantagens:
• Abrir o caminho para os avanços científicos;
• Permitir uma linguagem comum;
• Alcançar uma adequação quando introduz a noção de
“transtornos” (desordem);
• Servir de instrumento para os profissionais iniciantes;
• Possibilitar os avanços nas pesquisas;
• Permitir um trabalho multidisciplinar;
• Adquirir uma nova nosologia psiquiátrica;
• Tornar possível uma descrição dos critérios diagnósticos e de cada desordem;
• Admitir revisões empíricas;
!48

• Envolver a criação e definição dos conceitos;


• Definir a nomenclatura;
• Descrever os padrões comuns da apresentação dos sintomas;
• Servir de base para os prognósticos;
• Servir de base para o desenvolvimento de teorias;
• Permitir certo grau de concordância entre os avaliadores;
• Servir de modelo para as avaliações sociais e políticas.
Desvantagens:
• Esconder um objetivo de “esvaziamento da clínica”;
• Possibilitar o perigo de um reducionismo da singularidade;
• Ocultar um interesse da administração governamental em detrimento dos
interesses clínicos;
• Trazer conflitos éticos significativos;
• Perder a visão ontológica;
• Dificultar o consenso comum dos avaliadores;
• Perder a visão antropológica;
• Perder a visão psicológica;
• Abandonar o fenômeno daquele que padece;
• Fazer um recorte do real;
• Não servir de base para o alcance do subjetivo;
• Negar o pragmatismo no campo da psicopatologia;
• Disfarçar os desafios da clínica;
• Ocultar o pathos;
• Não incluir a experiência de quem padece.
Vale lembrar que esse raciocínio apenas reflexivo do dúbio campo das
classificações não se esgota, ao contrário, situa-se para as novas exigências
colocadas nesse imenso debate. Ademais, sob o foco da clínica tem-se um olhar,
porém outros olhares revelam diferentes visões para a mesma discussão. O
importante, desde o início, é considerar o longo alcance das implicações sociais
referentes às questões das quais estão sendo tratadas. Elas afetam profundamente
a interlocução entre os profissionais da área “psi”. O certo é que, diante dessa
realidade, ninguém se sente seguro, pois pelas forças que se tem sobre cada
!49

pessoa, cada uma é nivelada como igual a partir de sua vulnerabilidade no campo
da saúde mental.

1.2.1.2 Diagnóstico estrutural

A noção de diagnóstico estrutural está presente na obra freudiana. Refere-se


à estrutura mental que se instala no sujeito de acordo com a psicodinâmica
processada no complexo de Édipo em que há três pontos essenciais: o desejo, a
castração e o inconsciente. Lacan, ao propor o retorno a Freud, contribuiu para a
clínica do diagnóstico ao apresentar três estruturas fundantes que servem de base
para todas as outras manifestações clínicas: a neurose, a psicose e a perversão
(ALMEIDA, 2006). Bergeret (2006) esboça uma noção de estrutura.

Não se pode definir razoavelmente um quadro clínico particular sem se


referir a uma concepção clara e precisa de organização econômica
profunda do paciente, no plano psíquico, e sem se referir também a pontos
de referências estruturais conhecidos por sua estabilidade (BERGERET,
2006, p. 132).

1.2.1.3 Diagnóstico dinâmico

Refere-se basicamente ao desejo. Didaticamente há três tipos de desejos: o


desejo consciente, o desejo inconsciente e o desejo analítico que produzem
comportamentos que só serão passíveis de mudança se a pessoa estiver mobilizada
ao desejo de transformação. A necessidade e a demanda fazem limite com o desejo.
Fome, sede, sono, pulsões da autoconservação tratam-se de necessidade. As
necessidades psicológicas referem-se à demanda (ALMEIDA, 2006).

As psicoterapias dialogadas, interpretadas ou dramatizadas são uma forma


de pedagogia, só que por um viés inverso. Enquanto que nos ensinamentos
pedagógicos o aluno é nutrido de informações, nas psicoterapias o paciente
é esvaziado, socraticamente, desvelando suas necessidades, demandas e
desejos, possibilidades e responsabilidades (ALMEIDA, 2006, p. 134).

Dando continuidade à compreensão do desejo, Almeida (2006) adentra sobre


a noção de “conflito psicológico”. Para o autor, desse conflito fazem parte

Todos os acontecimentos, internos ou externos, que caracterizariam um


momento crítico para o ego, de ameaças, oposições afetivas,
incompatibilidade com os valores culturais, dúvidas nas atribuições dos
!50

papéis psicológicos e sociais do indivíduo, divergências de ordem moral e


ética (ALMEIDA, 2006, p. 134).

Na verdade, todo conflito exige da pessoa uma tomada de posição que


resulta em uma escolha. Na busca de ajustamento, ela utiliza os mecanismos de
defesa ou, quando fracassada, desenvolvem-se as doenças. Na psicoterapia, o
diagnóstico dinâmico exige conhecimento sobre os mecanismos de defesa do ego.
Almeida (1996) traz uma excelente contribuição com seu livro Defesas do Ego:
leitura didática de seus mecanismos. Embora seja um conteúdo eminentemente
psicanalítico, a clínica psicodramática beneficia-se em seu trabalho com “papéis”. De
acordo com o autor, as defesas não devem ser vistas como sinônimos de patologia,
mas como recursos integralizadores. Faz parte da estruturação da personalidade,
sendo então expressão de forma nítida em seu operativo-cultural que é o “papel”.
Assim, a adequação ou inadequação do desempenho dos papéis que define a
polarização no processo saúde-doença.
Faz-se necessária uma breve compreensão sobre a estruturação psíquica de
acordo com a psicanálise para uma melhor exploração do diagnóstico psicodinâmico
na interface entre o comportamento suicida e os transtornos do humor. Embora
Freud (1910, 1969) tenha escrito o artigo “Contribuições para uma discussão acerca
do suicídio”, na verdade não há uma contribuição específica sobre a temática do
suicídio. A partir de 1915, com os artigos metapsicológicos – em especial sobre o
“Narcisismo: uma introdução” e “Luto e melancolia” – que o tema do suicídio
começou a ser melhor explorado. Em 1920, com a introdução do conceito de pulsão
de morte, pôde-se explicar, com mais propriedade, a destruição do próprio EU, como
é o caso do suicídio (CORRÊA e BARRERO, 2006).
Segundo Brenner (1975), a psique (ou vida mental) possui uma dimensão
corporal (o cérebro ou sistema nervoso) e uma dimensão nos atos de consciência. A
primeira típica, do aparelho psíquico, é a hipótese topográfica de funcionamento
psíquico revelado em três instâncias:
I. O consciente é a parte relativamente pequena e inconstante da vida mental
de uma pessoa;
II. O pré-consciente trata-se de um reservatório de tudo o que possa ser
lembrado em um instante seguinte ao ato consciente. O consciente/pré-
consciente tem como características o fácil acesso aos conteúdos que são
!51

eminentemente linguísticos e o funcionamento de acordo com o chamado


processo secundário (é regido pelo princípio da realidade);
III. O inconsciente revela-se como uma área da vida psíquica onde se encontram
os impulsos primitivos que influenciam o comportamento e dos quais não se
tem consciência. É um grupo de ideias carregadas emocionalmente que uma
vez foram conscientes, mas, em vista de seus aspectos intoleráveis, foram
expulsas da instância consciente para um plano mais profundo de onde não
podem vir à tona voluntariamente. Essas representações foram rechaçadas
pela repressão e, portanto, não possuem acesso à consciência, exceto na
forma de sintomas, lapsos ou sonhos. Funcionam de acordo com o processo
primário (sendo regido pelo princípio do prazer).
A segunda típica da organização do psiquismo é composta por três partes: o
ego, o id e o superego.
• O id é a instância pulsional do psiquismo. É a parte original e, posteriormente,
desenvolvem-se as outras duas (ego e superego). É uma porção herdada e
que está ligada à constituição. Trata-se de uma totalidade do aparelho
psíquico do indivíduo ao nascer voltado para a satisfação das necessidades
básicas da criança. Consiste de impulsos que obedecem ao princípio do
prazer em sua busca constante. Evita a dor e não tolera frustração.
• O ego constitui-se de características mais facilmente apreensíveis do
indivíduo. Possui uma função adaptativa em constante ligação com a
realidade externa. É o responsável pela defesa da integridade psíquica,
pondo em marcha os diversos mecanismos de defesa quando percebe um
afeto desagradável. Sendo corporal, mantém as funções psíquicas da
memória, da atenção, do juízo, do planejamento, etc. Com função de
autopreservação, posiciona-se de maneira intermediária entre o id e o
superego. Com referência aos acontecimentos internos, em relação ao id,
desempenha essa missão, obtendo controle sobre as exigências dos instintos
e decidindo se elas devem ou não ser satisfeitas. Assim, adia essa satisfação
para ocasiões e circunstâncias favoráveis ao mundo externo ou suprimindo
inteiramente as suas excitações. O ego esforça-se pelo prazer e busca evitar
o desprazer.
!52

• O superego é a última instância temporalmente a se definir na estrutura do


psiquismo. É a expressão da interiorização das intermediações e exigências
da cultura, representada, a princípio, pelos pais. Sua função pode ser
entendida como a de um censor que avalia as produções do ego.
Anna Freud (2006) considera que, em função do conflito id – ego – superego,
são desenvolvidos os mecanismos de defesa destinados a proteger o sujeito contra
impulsos ou afetos que possam ocasionar aqueles conflitos os quais são fontes de
angústia. Embora tenha funções protetoras na busca de auxiliar na integração
egóica, a angústia pode ser formada de maneira inadequada ou mesmo destrutiva,
desenvolvendo-se, assim, os distúrbios psíquicos. Diante da angústia, o ego utilizar-
se-á dos mecanismos de defesa, ou, no seu fracasso, dos sintomas.
De acordo com a teoria psicanalítica, Brenner (1975) diz que o
desenvolvimento psíquico do ser humano é dividido em fases. O desenvolvimento
psíquico e o da personalidade dão-se ao mesmo tempo e estão intimamente ligados
ao desenvolvimento da sexualidade. Em termos cronológicos, as fases do
desenvolvimento da libido são: oral, anal, fálica e genital. O crescimento gradativo é
característico das funções do ego em geral, e os fatores responsáveis por seu
desenvolvimento progressivo podem ser divididos em dois grupos: o crescimento
físico e os fatores experienciais (a maturação). Ambos exercem um efeito
significativo sobre a velocidade e a sequência do desenvolvimento das funções
egóicas. Com relação aos fatores experienciais, há um conceito fundamental na
teoria psicanalítica, o complexo de Édipo. Refere-se ao conjunto de desejos
amorosos e hostis que toda criança experimenta com os pais.
De acordo com Werlang e Botega (2004), a vivência do complexo de Édipo e
o surgimento do superego são fundamentais no processo de estruturação do
psiquismo. Young (2005) elucida sobre a famosa tragédia grega Édipo-Rei em que o
filho mata o pai e se casa com a mãe, compondo, assim, a trama do complexo de
Édipo. Édipo quebra o tabu do incesto e desencadeia uma tragédia. O complexo de
Édipo é vivido pelas crianças, na sua intensidade, aproximadamente entre três e
cinco anos. Elas conservam sentimentos amorosos por um dos genitores e
procuram possuí-lo com exclusividade, nutrindo, ao mesmo tempo, fortes
sentimentos negativos pelo outro genitor. No nível inconsciente, essa trama de
sentimentos sexuais pelo genitor desejado e sentimentos de morte pelo genitor do
mesmo sexo busca uma resolutividade, e as crianças aprendem a conter esses
sentimentos de posse e hostilidade.
!53

Na adolescência, Bloss (1985) considera que os intensos sentimentos


edipianos reaparecem. A passagem por essa fase não se fez em um ritmo constante
e muito menos linear. Na verdade, ocorre uma sequência de transformações físicas,
emocionais e sociais que refletem a modificação das pulsões. As tentativas de
colocá-los em harmonia com o ego estão intimamente ligadas à infância. “A fase da
adolescência propriamente dita tem, assim, dois temas dominantes: o renascimento
do complexo de Édipo e o desligamento dos objetos de amor iniciais” (BLOSS, 1985,
p. 104). O autor descreve essa fase concretizada em dois estados afetivos: “luto” e
“estar apaixonado”. Tais dinâmicas afetivas revelam-se na sequência de abandono-
do-objeto e procura-do-objeto gerados no sofrimento pela perda real com a renúncia
dos pais edípicos. A passagem pelo luto é uma tarefa árdua na adolescência.
Outro aspecto também importante, de acordo com o autor acima citado, é que
os conflitos interiores na adolescência podem chegar “a um ponto de confusão
insuperável, mas o resultado dessa agitação não é previsível” (BLOSS, 1985, p. 91).
Neste sentido, instala-se uma franca batalha interna conflitiva. À medida em que o
ego se esforça pela obtenção do prazer e busca a evitação da dor, o mundo interno
experimenta um cenário de muitos conflitos, sendo que o ego mais que depressa
recorre às soluções defensivas: repressão, formação reativa, deslocamento, etc.
Naturalmente, todas essas defesas nem sempre são proporcionais à investida das
exigências instintuais, podendo surgir medos, fobias, bem como sintomas.
Durante o processo de desenvolvimento psíquico, as restrições dos
interesses e atividades do ego podem ser de pequena consequência na vida de um
indivíduo, mas, por outro lado, podem ser extremamente prejudiciais. Nesta segunda
vertente, tem-se um palco para as perturbações mentais. Um “mau” funcionamento
do aparelho psíquico interfere em grande escala na obtenção do prazer, colocando-o
em sério conflito com seu ambiente. A distinção, puramente pragmática, entre o que
é normal e o que é patológico pode ser avaliada de acordo com a maior ou menor
restrição da capacidade de prazer do indivíduo e, com a maior ou menor proporção
em que está prejudicada sua habilidade para se adaptar ao ambiente. Quando o
funcionamento do aparelho psíquico pode ser considerado suficientemente
desvantajoso para o indivíduo, denomina-se patológico, lembrando que se trata de
forças psicodinâmicas. Assim, a diferença entre o normal e o patológico é de grau, e
não de qualidade.
Parece conveniente, para o tema do comportamento suicida, considerar uma
das funções morais do superego, ou seja, a exigência de reparação ou
arrependimento por ter agido mal. A desaprovação do ego pelo superego determina
!54

sentimentos de culpa e inferioridade, consequentemente, o superego possui uma


necessidade inconsciente de expiação e autopunição (BRENNER, 1975). Para Bloss
(1985), à medida em que o adolescente começa a distinção entre as fantasias de
suas ações, tornando-se mais claras e compreensivas, as buscas de cenas de
reparação começam a entrar em ação. Quando há falhas na discriminação entre o
desejo e a ação, o superego ameaça castigar severamente o ego adolescente. A
desaprovação do superego é facilmente compreendida pela representação da
introjeção dos pais.
Do ponto de vista psicanalítico, os conceitos metapsicológicos, principalmente
a pulsão em especial, a pulsão de morte, o narcisismo e a melancolia são
fundamentais para um estudo do suicídio (CORRÊA e BARRERO, 2006). Quanto ao
narcisismo, Freud (1915-1969, p. 282) aponta que “a tendência a adoecer de
melancolia (ou parte dessa tendência) reside na predominância do tipo narcisista de
escolhas objetais”. O autor aborda no capítulo sobre o narcisismo uma introdução e
dois tipos de escolha de objeto, embora não necessariamente se excluam: o tipo
narcisista e o tipo anaclítico.

Uma pessoa pode amar: (1) Em conformidade com o tipo narcisista: (a) o
que ela própria é (isto é, ela mesma); (b) o que ela própria foi; (c) o que ela
própria gostaria de ser; (d) alguém que foi uma vez parte dela mesma. (2)
Em conformidade com o tipo anaclítico (de ligação): (a) a mulher que a
alimenta; (b) o homem que a protege, e a sucessão de substitutos que
tomam o seu lugar (FREUD, 1915-1969, p. 107).

É interessante que Freud atribui aos homens o tipo anaclítico e, às mulheres,


o tipo narcisista. Freud (1915-1969) defende a ideia de que, no narcisismo primário,
o investimento libidinal do eu é para si mesmo; por sua vez, no narcisismo
secundário, o investimento passa a se dirigir para objetos.

A diferenciação da libido em uma espécie que é adequada ao ego e em


uma outra que está ligada a objetos é o corolário inevitável de uma hipótese
original que estabelecia distinção entre os instintos sexuais e os instintos do
ego (FREUD, 1915-1969, p. 94).

Essa distinção é necessária para a compreensão da psicodinâmica suicida


nesse jogo dúplice de forças psíquicas. Nesse ponto, é necessário reportar ao texto
“Luto e melancolia” para uma melhor elucidação de interface entre o comportamento
suicida e os transtornos do humor. Freud (1915-1969) postula a forma patológica do
!55

luto na melancolia. Para tal, considera que, enquanto no luto a pessoa chora à perda
do objeto amado, na melancolia faz o luto de seu próprio eu.

O luto, de modo geral, é a reação à perda de um ente querido, à perda de


alguma abstração que ocupou o lugar de um ente querido, como o país, a
liberdade ou o ideal de alguém, e assim por diante. Em algumas pessoas,
as mesmas influências produzem melancolia em vez de luto; por
conseguinte, suspeitamos que essas pessoas possuem uma disposição
patológica. Também vale a pena notar que, embora o luto envolva graves
afastamentos daquilo que constitui a atitude normal para com a vida, jamais
nos ocorre considerá-lo como sendo uma condição patológica e submetê-lo
a tratamento médico. Confiamos que seja superado após certo lapso de
tempo, e julgamos inútil ou mesmo prejudicial qualquer interferência em
relação a ele (FREUD, 1915-1969, p.283)

Freud (1915-1969) especifica os sintomas da melancolia, quais são:


desânimo profundamente penoso; cessação de interesse pelo mundo externo; perda
da capacidade de amar; inibição de toda e qualquer atividade; diminuição dos
sentimentos de auto-estima a ponto de encontrar expressão auto-envelhecimento,
culminando em uma expectativa delirante de punição. Embora os mesmos traços
mentais estejam presentes no luto, existe uma exceção, isto é, a perturbação da
auto-estima.
O autor considera três pré-condições da melancolia: perda do objeto,
ambivalência e regressão da libido ao ego. De acordo com a perda do objeto, no
trabalho do luto o teste da realidade revela que o objeto não mais existe, sendo
então necessária sua retirada de toda libido investida naquele objeto. Claro que
ocorre de maneira lenta, nesse penoso desprazer, exigindo grande dispêndio de
energia e as buscas da aceitação para que a pessoa possa ficar livre e desinibida.
Embora na melancolia também ocorra a perda de um objeto amado, não
necessariamente o objeto tem que ter morrido, mas tem de ter sido perdido
enquanto objeto de amor. Uma perda objetal retirada da consciência, revelando-se
interna e enigmática. Retomando ao narcisismo, na melancolia ocorre um processo
regressivo. O melancólico possui traços do luto como uma reação à perda real de
um objeto amado, mas transformado em um luto patológico. “A perda de um objeto
amoroso constitui excelente oportunidade para que a ambivalência nas relações
amorosa se faça efetiva e manifesta” (FREUD, 1915/1969, p. 283).
Dentro das pré-condições da melancolia, tem-se aqui a ambivalência. O eu
narcísico do melancólico reage com ódio diante da perda.
!56

Se o amor pelo objeto – um amor que não pode ser renunciado, embora o
próprio objeto o seja – se refugiar na identificação narcisista, então o ódio
entra em ação nesse objeto substitutivo, dele abusando, degradando-o,
fazendo-o sofrer e tirando satisfação sádica de seu sofrimento (FREUD,
1915/1969, p. 284).

Na verdade, o que se deseja agredir é o objeto, mas esse sadismo se volta


contra si. Por identificação com o objeto morto, destruído e odiado, o alvo do ódio cai
sobre o ego.

A catexia erótica do melancólico no tocante a seu objeto sofreu assim uma


dupla vicissitude: parte dela retrocedeu à identificação, mas a outra parte,
sob a influência do conflito devido à ‘ambivalência’, foi levada de volta à
etapa de sadismo que se acha mais próxima do conflito (FREUD,
1915/1969, p. 284).

O par do oposto sadismo-masoquismo é tratado por Freud (1915/1969) no


texto “As pulsões e suas vicissitudes”. Esse processo pode ser representado da
seguinte maneira:
• O sadismo consiste no exercício de violência ou poder sobre a outra pessoa
como objeto.
• Esse objeto é abandonado e substituído pelo eu do indivíduo. Com o retorno
em direção ao eu, efetua-se também a mudança de uma finalidade instintual
ativa para uma passiva.
• Uma pessoa estranha é mais uma vez procurada como objeto; essa pessoa,
em consequência da alteração que ocorreu na finalidade instintual, tem de
assumir o papel do sujeito.
Essas afirmações envolvem a dinâmica do suicida nessa complexa questão
da relação objetal, pois esse sadismo volta-se contra o próprio eu (self). Já o desejo
de torturar se transforma em autotorturação, autopunição, autodestruição. Na
escolha narcisista de objeto, o eu é dominado por esse objeto, sendo assim, revela-
se mais poderoso.
Retomando a melancolia, Freud (1915/1969) faz referência ao suicídio,
dizendo que o sadismo expresso pelo melancólico seria a solução para o enigma da
tendência ao suicídio. Enigma já que nessa época ele ainda não tinha postulado
sobre a pulsão de morte. Torna-se necessário, neste momento, abordar sobre a
pulsão, em especial, a pulsão de morte. Pelo conceito de pulsão de morte torna-se
possível determinar o papel da agressão na vida psíquica. A agressividade e a
!57

destrutividade são a expressão externalizada da pulsão de morte, mas a sua


restrição pode tornar-se autodestruição. Quando mais repressão dessa
agressividade para o mundo externo, mais essa agressividade pode voltar-se contra
si mesmo.

1.2.1.4 Diagnóstico relacional

O diagnóstico relacional na clínica psicodramática tem seu método vinculado


à própria vida, levando em conta quatro universais em sua avaliação: o tempo, o
espaço, a realidade e o cosmos. Mas indo além, neste momento, é importante
complementar com outros aspectos.
Para Almeida (2006), o diagnóstico relacional é o mais psicodramático dos
diagnósticos. Por sua vez, Moreno (1993) propõe o entendimento da estrutura
relacional dos grupos. Através de o método psicodramático, observam-se as
escolhas da mutualidade feitas entre os membros do grupo: positivas, negativas e
indiferentes. Também ditas de atração, rejeição e de indiferença, surgindo, assim, as
correntes afetivas e as relações estruturais do grupo estudado.
Preparação diagnóstica é boa; o terapeuta psicodramático deve saber, tanto
quanto possível, sobre o caso. Mas, muito frequentemente, tratamento e
diagnóstico devem transcorrer concomitantemente. O ponto de referência
do diagnóstico é descoberto num momento e utilizado imediatamente com
finalidade terapêutica (MORENO, 1993, p. 266).

O autor valoriza, na clínica psicodramática, o diagnóstico segundo a sua


aplicabilidade dentro de um processo terapêutico simultâneo ao momento. Sendo
assim, o diagnóstico na clínica psicodramática está inserido no processo, decidindo
as cenas dramatizadas e as interações do psicoterapeuta-paciente, enfim, o
relacional.
Zerka I. Moreno (2001, p. 200), em diálogo com Blomkvist, diz que “Moreno
tinha como referência um modelo de saúde, e não de patologia. Ele não acreditava
em rótulos”. Embora Moreno não focalizasse o uso da categorização diagnóstica
psiquiátrica, Zerka (sua esposa) afirma que “Moreno teria perdido o direito de clinicar
num hospital para doentes mentais caso não tivesse se conformado com isso. Ele
era um excelente diagnosticador“ (ZERKA I. MORENO, 2001, p. 100). Percebe-se
que mesmo não enfatizando os critérios diagnósticos na clínica, Moreno
!58

necessariamente utilizou tais critérios como resposta adequada à sociedade médica


psiquiátrica.
Moreno (1993) distingue três formas de avaliação na clínica psicodramática: a
estética, a existencial e a científica.
1. Avaliação estética: “O psicodrama destacou-se do teatro e do drama
literário, acentuou e desenvolveu, entretanto, a influência de princípios
estéticos sobre a terapia” (MORENO, 1993, p. 141). Trata-se de uma
avaliação viabilizada pela representação cênica. A ação dramática permite a
percepção concreta da situação conflituosa do paciente. Em cena, o
psicoterapeuta posiciona-se ao lado do paciente para avaliar a estética do
drama em cena.
2. Avaliação existencial: Moreno (1993) afirma que o psicodrama nunca
abandonou suas raízes existenciais na vida apesar de seu desenvolvimento
como método científico. Considera-se ainda que a valorização existencial e a
científica não se excluem, mas estão unidas na pesquisa sociométrica e
psicodramática. Um primeiro aspecto existencialista na clínica psicodramática
é a criação no encontro do “aqui e agora” e na interação espontânea. De
acordo com Moreno (1983), há dois princípios contraditórios na investigação
científica: por um lado, compreendem-se as situações absolutamente
subjetivas existenciais do sujeito; por outro, compreendem-se os requisitos
objetivos do método científico. A proposta moreniana é de reconciliação das
duas posições extremas, ou seja, a sociometria e o psicodrama. “A ‘validação
existencial’ presta uma homenagem ao fato de qualquer experiência pode ser
reciprocamente satisfatória no momento de sua consumação aqui e
agora” (MORENO, 1983, p. 231).
3. Avaliação científica: “Numa cultura dominada pela ciência, nenhuma forma
de psicoterapia pode florescer se não procurar se ajustar às exigências de um
método científico. O valor experimental dos métodos grupais psicodramáticos
foi exaustivamente estudado e se mostrou verificável” (MORENO, 1993, p.
141).
Moreno (1983) enfatiza que as experiências terapêuticas devem ser validadas
pelos próprios participantes no momento em que estiverem acontecendo. O ser
humano, em sua plena subjetividade, faz parte do fenômeno a ser investigado (papel
!59

de investigador e papel de investigado). “Na realidade, a validação científica não


teria sentido para seus participantes, pois o valor de suas experiências não se
excluem uma à outra, podendo ser construídas num continuum” (MORENO, 1983, p.
231).
De acordo com essa proposta, entre três categorias de validação-científica,
estética e existencial, não há dúvidas sobre a riqueza metodológica da investigação
diagnóstica na clínica psicodramática (MORENO, 1983). No panorama atual, essa
visão tridimensional do conhecimento humano instrumentaliza o clínico sempre que
tiver de tomar decisões importantes e enfrentar circunstâncias ou questões difíceis
na relação terapêutica. A avaliação puramente científica separa-nos do sujeito. A
avaliação estética aproxima só que é aparente do sujeito. A avaliação existencial
amplia o fenômeno do encontro com o sujeito. À luz da avaliação tridimensional-
estética, existencial e científica, a clínica psicodramática viabiliza um caminho por
excelência do processo psicoterapêutico.

1.2.1.5 Diagnóstico do modo de ser

Trata-se do autêntico diagnóstico fenomenológico-existencial. “O modo de ser


é a forma característica, própria e singular com que cada ser humano se manifesta
em sua expressão mais autêntica e espontânea (ALMEIDA, 2006, p. 138)”. De
acordo com o autor, o modo de ser de cada um apresenta:
• Valores pessoais;
• Valores familiares;
• Valores socioculturais;
• Valores axiológicos;
• Valores éticos;
• Valores morais;
• Valores político-ideológicos;
• Resquícios de doenças físicas e mentais.

A doença propõe-nos ter um quadro patológico; o modo de ser propõe-nos


ser o que a natureza não elegeu. No caso específico da esquizofrenia, por
exemplo, ninguém tem esquizofrenia, a pessoa é esquizofrênica (ALMEIDA,
2006, p. 139).

Holanda (2001) propõe entender a “psicopatologia” enquanto um fenômeno,


uma manifestação humana, representativa dos “modos de ser” desse indivíduo.
!60

Segundo o autor, a psicopatologia transcende as relações conceituais, tornando-se


um modo de apreensão do humano.
Na expectativa dessa consideração, Holanda (2001) procura encontrar
similaridades entre tal fenômeno e as diversas possibilidades de manifestação do
humano representadas pela “diversidade”, pela multiplicidade dos “modos de ser”
dos humanos para que, a partir de uma visão antropológica, esboçe-se em outra
forma de refletir sobre a noção do patológico.
A identificação do “traço patológico” é algo inerente à realidade humana
(HOLANDA, 2001). É o modo de adaptação que reside entre o “normal” e o
“patológico”. Por “traço patológico”, pretende-se designar aquilo que há de similar na
natureza humana que se aproxima do fenômeno considerado “patológico”, similitude
e diferença, proximidade e diversidade. Essa diversidade do ser humano e as
particularidades de sua forma de ver e interpretar o mundo, as diferenças culturais e
manifestações do traço patológico muitas vezes dificultam essa tentativa de
encontrar um conceito, uma linguagem comum que possa atender às necessidades
de todos os profissionais da área da psicopatologia, porém vários esforços têm sido
feitos para que se encontre essa linguagem comum.
!61

CAPÍTULO II – O COMPORTAMENTO SUICIDA

2.1 Definição

Werlang e Botega (2004, p. 17) denominam o comportamento suicida “como


todo ato pelo qual um indivíduo causa lesão a si mesmo, qualquer que seja o grau
de intenção letal e de conhecimento do verdadeiro motivo desse ato”. Os autores
citam que essa definição foi apoiada pela OMS (Organização Mundial da Saúde).
Desse modo, tal definição é também adotada neste trabalho.

IDEAÇÃO SUICIDA

TENTATIVAS
DE SUICÍDIO

AMEAÇAS DE
SUICÍDIO

SUICÍDIO

Figura 7: Comportamento suicida


Fonte: Werlang e Botega (2004, p. 17)

Nota-se o comportamento suicida ao longo de um continuum:


• Pensamentos de autodestruição;
• Ameaças de suicídio;
• Gestos suicidas;
• Tentativas de suicídio;
• Suicídio.
!62

A terminologia comportamento suicida trata de um espectro que permite uma


melhor avaliação dos vários fatores que influem desde os pensamentos suicidas até
a consumidação do ato. Assim sendo, a tentativa de compreensão do fenômeno do
suicídio deve reconhecer o valor das diversas áreas de conhecimento: biomédicas,
intrapessoais, sociais ou ambientais (WERLANG e BOTEGA, 2004). Dessa maneira,
tem-se o ponto de partida para uma vereda clínica.

2.2 O risco de suicídio

A avaliação do risco de suicídio é de especial relevância na clínica do


comportamento suicida. Os conhecimentos básicos sobre os fatores considerados
de risco de suicídio por meio da identificação de algumas características
sociodemográficas, determinados traços de personalidades, algumas síndromes
clínicas e momentos situacionais na vida do paciente auxiliam o clínico a delinear
estratégias preventivas e clínicas, uma vez que possibilitam a identificação precoce
do risco, bem como um projeto de intervenção.
Botega (2002) chama a atenção para os seguintes fatores de risco para o
suicídio:
a. Sociodemográficos
Sexo masculino;
Acima dos 45 anos;
Separados/divorciados, solteiros, viúvos, casados;
Estratos econômicos mais ricos e mais pobres;
Áreas urbanas;
Desempregados, aposentados;
Ateus, protestantes, católicos, judeus;
Isolamento social.
b. Psicológicos
Perda recente;
Perda dos pais na infância;
Instabilidade familiar;
Datas importantes (reações de aniversário);
Traços de personalidade;impulsividade, agressividade, labilidade de humor;
!63

História familiar de doença afetiva/alcoolismo/suicídio.


c. Psiquiátricos
Depressão, alcoolismo, drogação, esquizofrenia, síndromes organicocerebrais;
Transtornos de personalidade;
Tentativa de suicídio pregressa;
Doenças físicas incapacitantes, dolorosas, terminais.
Meleiro, Teng e Wang (2004) elegem os seguintes fatores de risco de suicídio:
I. Fatores demográficos
Idade: idosos e adolescentes;
Gênero: masculino;
Raça: branca;
Fatores: sociais;
Estado civil: viúvo, divorciado, separado;
Orientação sexual: homossexuais, bissexuais;
Desemprego e problemas financeiros;
Solidão e isolamento social;
Profissões específicas: dentistas, médicos, policiais;
Perda de parente/amigo próximo;
Problemas legais;
Porte de arma de fogo.
II. Fatores psiquiátricos
Transtornos do humor;
Dependência e abuso de álcool e drogas;
Transtornos psicóticos;
Transtornos de personalidade;
Transtornos ansiosos;
Transtornos alimentares.
III. Fatores médicos
Complexo HIV-Aids;
Câncer;
Epilepsia;
Esclerose múltipla;
Coréia de Huntington;
!64

Transtornos mentais orgânicos;


Lesões medulares;
Doença cardiopulmonar;
Úlcera péptica;
Doença renal crônica.
IV. Fatores familiares
História familiar de suicídio;
História familiar de doença psiquiátrica;
Abuso físico e abuso sexual na infância;
Distúrbios e violência no ambiente familiar.
V. Fatores relacionados ao comportamento suicida
Tentativas de suicídios prévios;
Desesperança;
Impulsividade e agressividade.
VI. Internação hospitalar e contatos com tratamentos médicos
Beck e Col. (1974 apud BOTEGA, 2002) desenvolveram escalas
psicométricas que estimam o risco de suicídio, sendo que, dentre as mais utilizadas,
têm-se a escala de intenção suicida, a de ideação suicida e a de desesperança. De
acordo com a escala das circunstâncias que sugere alta intencionalidade suicida,
encontram-se:
• Comunicação prévia de que vai se matar;
• Mensagem ou carta de despedida;
• Providências finais (p. ex., conta bancária) antes do ato;
• Planejamento detalhado;
• Precauções para que o ato não seja descoberto;
• Ausência de pessoas por perto que possam socorrer;
• A não procura de ajuda logo após a tentativa de suicídio;
• Método violento ou uso de drogas mais perigosas;
• Crença de que o ato é irreversível e letal;
• Afirmação clara de que quer morrer;
• Arrependimento por sobreviver.
Buglass e Horton (1974 apud BOTEGA, 2002) citam uma escala composta
por seis itens de fatores preditivos de repetição de tentativa de suicídio:
!65

• História prévia de hospitalização por autoagressões;


• Tratamento psiquiátrico anterior;
• Internação psiquiátrica anterior;
• Transtorno de personalidade antissocial;
• Alcoolismo/drogação;
• Não estar vivendo com a família.
Botega (2002) chama a atenção para as questões que devem ser feitas ao
avaliar paciente que tentou o suicídio ou que se encontra sob o risco de fazê-lo:
• Quais as motivações e as intenções do paciente com o suicídio?
• Quais as circunstâncias em que a tentativa de suicídio ocorreu?
• Houve fatores estressantes que desencadearam a tentativa de suicídio?
• Quais os recursos do paciente para enfrentar seus problemas?
• O paciente pode contar com apoio social vindo de parentes e amigos?
• Qual o risco de o paciente tentar o suicídio?
• Há um transtorno psiquiátrico que mereça tratamento específico?
• Quais as medidas a serem tomadas de imediato?
• Há alguém próximo ao paciente com quem entrar em contato?
• Qual o melhor tratamento para esse paciente?

Os conhecimentos na área da suicidologia derivam, em sua maioria, de


estudos realizados com pessoas que tentaram suicídio ou com pessoas que
estavam em tratamento psiquiátrico e que se mataram. Contudo, esses dois
grupos não são representativos da totalidade dos casos de suicídio
(WERLANG e BOTEGA, 2004, p. 131).

Clark e Fawceti (1992 apud WERLANG e BOTEGA, 2004) têm um estudo


aprofundado que elege resumidamente cinco achados importantes:
1. Aproximadamente 60% das pessoas mortas por suicídio nunca o haviam
tentado antes;
2. Dos que morrem por suicídios, 50% a 60% nunca se consultaram com um
profissional de saúde mental;
3. Dois terços dos que cometem suicídio comunicaram claramente essa
intenção, na semana anterior, a parentes próximos ou amigos. Colegas de
trabalho e profissionais de saúde menos frequentemente ouvem essas
comunicações;
!66

4. Metade dos que morrem por suicídio foram a uma consulta médica em algum
momento do período de seis meses que antecederam a morte, e 80% foram a
um médico no mês anterior ao suicídio. No entanto, ainda permanece correto
que 50% dos que se suicidam nunca foram a um profissional de saúde
mental. Assim, é interessante pensar sobre a importância dos profissionais da
saúde em geral estarem conscientes dos diferentes perfis clínicos e aptos a
questionarem ativamente sobre sintomas mentais associados ao elevado
risco de suicídio.
5. Com base nas evidências proporcionadas por entrevistas com familiares e
amigos, bem como por documentos médicos e pessoais, um diagnóstico do
eixo I do DSM lll-R pode ser feito em 93-95% dos casos de suicídio,
notadamente transtornos do humor (40-50% dos casos de suicídio tinham
depressão grave); dependência de álcool (em torno de 20% dos casos) e
esquizofrenia (10% dos casos).
Outro aspecto importante levantado por Werlang e Botega (2004) são os
familiares de uma vítima de suicídio, pois se trata de um grupo de maior risco de
suicídio. Uma vez que soma os mecanismos psicológicos de identificação com uma
predisposição genética para determinadas doenças mentais, como é o caso dos
transtornos de humor, torna-se um grupo de risco.
Meleiro, Teng e Wang (2004) discutem os fatores familiares de uma maneira
bem mais abrangente.

Quatro tipos de estudos podem ser realizados para verificar a hipótese de


transmissão familiar de uma tendência suicida: estudos de casos familiares;
estudos comparando gêmeos mono e dizigóticos; estudos avaliando filhos
adotivos de pais suicidas; estudos de genética molecular (MELEIRO, TENG
e WANG, 2004, p. 123).

A discussão sobre abuso emocional, físico ou sexual na infância e os


distúrbios e violência no ambiente familiar permite uma análise ainda mais ampla
sobre o aumento do risco de comportamento suicida. Por sua vez, Corrêa e Barrero
(2006) discutem os fatores de risco geracionais, isto é, aqueles associados ao ciclo
da vida humana.
Considerando a faixa etária do caso clínico do presente trabalho, limita-se,
nesse item, ao que for importante nessa fase do ciclo de vida. Corrêa e Barrero
(2006) declaram que a mortalidade por suicídio entre os adolescentes e jovens tem
!67

aumentado significativamente nas últimas décadas. A promoção da saúde, nessa


faixa etária, passa pelo diagnóstico precoce, tratamento oportuno e adequado das
patologias psiquiátricas, bem como uma ação específica nos grupos mais
vulneráveis.

A promoção de saúde para prevenir o comportamento suicida nos


adolescentes deve incluir não apenas os profissionais de saúde mental,
mas também outras pessoas que se relacionam a maior parte do tempo
com eles, como os familiares, os professores e os próprios adolescentes
(CORRÊA e BARRERO, 2006, p. 106).

De uma maneira geral, os autores acima citados dividem o comportamento


suicida na adolescência em três momentos:
I. Fatores predisponentes: infância problemática caracterizada por um elevado
número de eventos vitais negativos, como abandono paterno, lar roto, morte
de entes queridos por condutas suicidas, alcoolismo paterno, depressão
materna, dificuldades socioeconômicas, abuso sexual, mau-trato físico ou
psicológico, etc.;
II. Fatores reforçadores: recrudescimento dos problemas prévios com a
incorporação dos próprios da idade, como as preocupações sexuais, as
mudanças físicas, a independência e as novas relações sociais;
III. Fatores precipitantes: etapa prévia ao ato suicida caracterizada pela ruptura
de uma relação valiosa ou uma mudança inesperada de sua rotina que torna
para ele impossível de se adaptar de uma forma criativa, aparecendo, então,
os mecanismos autodestrutivos.
Corrêa e Barrero (2006) sugerem a avaliação do risco suicida no adolescente
explorando os seguintes aspectos:
a. Comportamento suicida: investigar até a exaustão a presença de desejos
de morte, ideais suicidas, os gestos, as ameaças e os planos suicidas, o
método que vai empregar e sua disponibilidade, assim como a experiência
familiar, etc.;
b. Âmbito familiar: investigar as relações com os pais, o lar roto, a violência
familiar, os pais com quadros psiquiátricos e familiares com comportamento
suicida. É importante explorar as expressões familiares que lidam com a
autodestruição, como uma possibilidade de por fim à vida, assim como a
presença de amigos com esse tipo de comportamento;
!68

c. Quadro clínico: detectar e diagnosticar os sinais de doenças psiquiátricas,


particularmente depressão, esquizofrenia, drogação e comportamento suicida
prévio do adolescente;
d. Motivos: investigar as razões existentes, como perda de uma relação valiosa,
conflitos escolares, humilhações, problemas familiares, etc.
Teixeira (2003) aponta a família como sendo um contexto paradoxal de risco e
de proteção ao suicídio na adolescência. Por um lado, a família que cumpriria seu
papel de proteção para o desenvolvimento dos filhos sofre os impactos das
transformações sociais que impingem novas formas de se relacionar, podendo
tornar-se lócus de intensos conflitos interpessoais, ou seja, imprimindo fortes
experiências que culminam na prática de violência, negligência, agressão física e
moral. A autora resignifica o gesto suicida do adolescente enquanto uma demanda
relacional. Defende que, na verdade, através dessa aproximação ou mesmo busca
de morte o adolescente está expressando um apelo à vida.

2.3 Aspectos sociológicos do comportamento suicida

O dimensionamento sociológico do tema é de fundamental importância. Em


1897, Émile Durkheim, o brilhante sociólogo francês, produziu o primeiro estudo
sociológico sobre o suicídio. Embora tenha perdido a relevância metodológica e
epistemológica, ainda continua como fonte de consulta. Suas fontes estatísticas
serviram de instrumento para o reconhecimento dos fatores extraindividuais nas
taxas de suicídio ao focalizar os efeitos prejudiciais que a sociedade exerce sobre as
pessoas. O sociólogo define o suicídio como sendo um fenômeno social e, como tal,
destaca suas causas sociais, descartando vários outros fatores. Segundo Durkheim
(1987), não são as pessoas que se suicidam, mas a sociedade através deles. A
incidência de suicídios de uma determinada sociedade depende do nível de
integração social e das regulações existentes nessa sociedade.
Teixeira (2003) cita o trabalho de Villardón (1993), considerando que trata de
um trabalho na perspectiva sociológica tão conhecida quanto o de Durkheim.

Baseia-se em uma teoria sócioindividual, entendendo que a ideação suicida


não é algo isolado, mas que surge no desenvolvimento da pessoa devido a
suas relações sociais e a uma situação social, tanto como em decorrência
de contexto micro (ambientes mais próximos do sujeito) quanto do macro
social (sociedade) (TEIXEIRA, 2003, p. 44).
!69

Corrêa e Barrero (2006) citam outras teorias sociológicas, dentre elas, é


importante destacar Andrew Henry e James Short (1954).

Esses autores têm como originalidade o fato de introduzirem em suas


análises sociológicas conceitos de psicologia, particularmente de base
psicanalítica, e economia. Eles preconizam que as mudanças nas taxas de
suicídio como de homicídio em relação aos ciclos econômicos podem ser
explicadas como reações agressivas a frustrações geradas pelos fluxos
econômicos (CORRÊA e BARRERO, 2006, p. 40).

É válido também destacar, dentro dessa perspectiva social, os mitos sobre o


suicídio. “Crenças e mitos sobre o suicídio e a tentativa de suicídio sustentam
concepções errôneas, impedindo que se aborde com adequação o problema e,
consequentemente, inviabilizando qualquer ação preventiva” (TEIXEIRA, 2003).
“Mitos comuns sobre o suicídio que servem para apoiar e manter o estigma social do
suicídio” (KUTCHER e CHEHIL, 2007, p. 3).
!70

Mito Realidade
Se alguém fala sobre Muitas pessoas que morreram por suicídio expressaram seus
suicídio é improvável que sentimentos e planos antes da morte.
faça realmente algo para
lesionar-se.

O suicídio é sempre um Muitas pessoas que cometem suicídio apresentaram


ato impulsivo. pensamentos suicídios e reavaliaram as próprias vidas antes
do ato.

O suicídio é vivenciado O suicídio é uma consequência anormal do estresse. Todos


c o m o u m a r e s p o s t a são submetidos ao estresse, mas nem todos tentam o suicídio.
natural ao estresse.

O suicídio é causado pelo As tentativas de suicídio ou os atos autolesivos podem


estresse. algumas vezes ocorrer após a exposição a um estresse agudo
(como o rompimento de um relacionamento ou após uma
discussão intensa), porém o evento atua como um gatilho
comportamental e não a causa do suicídio.

Pessoas realmente sob A intensidade da tendência suicida aumenta e diminui e muitas


risco de suicídio não são pessoas que cometem suicídio lutam contra sua convicção de
a m b i v a l e n t e s s o b r e morrer.
completar o ato.

Pessoas que cometem Muitas pessoas que cometem suicídio sofrem de doenças
suicídio são fracas e mentais que podem ou não ter sido diagnosticadas.
egoístas.

Alguém esperto e bem Seja cuidadoso e lembre que a tendência suicida é


s u c e d i d o n u n c a i r i a frequentemente mantida em segredo. O suicídio não respeita
cometer suicídio. fronteiras culturais, étnicas, raciais ou sócioeconômicas.

Falar com uma pessoa Muitas pessoas deprimidas que têm planos ou pensamentos
deprimida sobre suicídio suicidas ficam aliviadas quando alguém toma conhecimento de
irá provavelmente fazê-la tais planos e é capaz de ajudá-las quanto a isso. Discutir a
cometer suicídio. tendência suicida com uma pessoa deprimida não irá levá-la a
cometer suicídio.

Não há nada que possa Muitos indivíduos que tentam o suicídio podem estar sofrendo
ser feito por uma pessoa de uma doença mental que irá responder a um tratamento
suicida. apropriado e efetivo. O tratamento apropriado de um transtorno
mental reduz significativamente o risco de suicídio. Por
exemplo, a tendência suicida associada à depressão
usualmente se resolve com o tratamento efetivo da doença
depressiva.

As pessoas que tentam o Para algumas pessoas a tentativa de suicídio é um evento que
suicídio estão apenas as leva a um primeiro contato com um profissional que possa
buscando atenção. ajudá-la. Um grito desesperado por socorro não é equivalente
a desejar atenção.
!71

CAPÍTULO III – O EPISÓDIO DEPRESSIVO E O COMPORTAMENTO SUICIDA

A palavra depressão, em psiquiatria, corresponde ao termo genérico


originado do antigo conceito de melancolia que designa vários tipos de transtornos
do humor com polarização para a tristeza (TENG, NAKATA, ROCCA e YANO, 2009).

A depressão é uma doença sistêmica que afeta o organismo como um todo,


manifestando-se através de sintomas físicos e psíquicos. Mais ainda, afeta
as relações do indivíduo com o ambiente em que se insere, afetando sua
inserção social, suas relações pessoais e sua capacidade de trabalho (DEL
PORTO, 2009, p. 3).

Para Moreno e Moreno (2000 apud SENE-COSTA, 2006), o termo depressão


pode ser utilizado:
• Como um estado afetivo normal;
• Como um sintoma (nos quadros clínicos ou em resposta a situações
estressoras ou condições socioeconômicas desfavoráveis);
• Como uma síndrome (na qual se incluem perturbações do humor, alterações
cognitivas, alterações psicomotoras e alterações vegetativas);
• Como doença.
A depressão ocorre em todas as culturas e níveis socioeconômicos, surgindo
em qualquer período da vida. Del Porto (2009) cita vários estudos epidemiológicos
que concluem que a depressão é uma doença muito frequente. Em geral, esses
estudos apontam:
• A prevalência da depressão para o tempo de vida foi de 17,1% para a
população geral. Situa-se entre 12% para os homens e 21% para as
mulheres;
• É mais comum em mulheres do que em homens, na razão de 2 a 3 para 1;
• Em pacientes que buscam unidades de cuidados primários, encontram a
prevalência média de 10%;
• Em pacientes internados por qualquer doença clínica, a prevalência varia
entre 22% a 33%;
!72

• Em pacientes que recebem tratamento para um episódio depressivo que vão


apresentar outros episódios ao longo da vida, a prevalência varia de 50% a
80% (em média, quatro episódios);
• Cerca de 12% dos pacientes apresentam curso crônico sem remissão
consistente dos sintomas;
• As projeções para 2020 colocam a depressão como a segunda causa da
incapacitação.

3.1. Afetividade e suas alterações

Segundo Dalgalarrondo (2008), a vida afetiva, de modo geral, é a dimensão


que dá colorido, brilho e calor às vivências humanas. Logo, com a afetividade
prejudicada, a vida mental de uma pessoa torna-se vazia, sem cor e sem sabor.
“Afetividade é um termo genérico que compreende várias modalidades de vivências
afetivas, como o humor, as emoções e os sentimentos” (DALGALARRONDO, 2008,
p. 155).
De acordo com Miray Lópes (1974 apud DALGALARRONDO, 2008, p.155), “a
fronteira entre a percepção e a afeição, entre a sensação e o sentimento, entre o
saber e o sentir é a mesma fronteira entre o EU e o não-EU”. Quanto menor a
distância entre quem percebe e o que é percebido, mais o objeto da percepção
pode-se confundir com quem o percebe. O autor ainda distingue cinco tipos básicos
de vivências afetivas: humor ou estado de ânimo; emoções; sentimentos; afetos;
paixões.
1. Humor ou estado de ânimo: pode ser definido como o tônus afetivo do
indivíduo, o estado emocional basal e difuso em que se encontra a pessoa
em determinado momento. É um dos transfundos essenciais de toda vida
psíquica, pois penetra, filtra e colore toda experiência psíquica.
2. Emoção: é um estado afetivo intenso, de cura duração, originado geralmente
como a reação do indivíduo a certas excitações internas ou externas,
conscientes ou inconscientes. São frequentemente acompanhadas de
reações somáticas, mais ou menos específicas.
3. Sentimentos: são estados e configurações afetivas estáveis. Comumente
estão associadas a conteúdos intelectuais, representações e, em geral, não
!73

implicam concomitantes somáticos. A cultura e a linguagem podem codificar


os sentimentos de maneira diferente. Segundo a polarização agradável-
desagradável com que os afetos e os sentimentos são vivenciados, vários
sentimentos podem ser expostos de acordo com sua tonalidade afetiva:
sentimentos da esfera da tristeza (melancolia, saudade, tristeza, nostalgia,
vergonha, impotência, aflição, culpa, remorso, autodepreciação, autopiedade,
sentimento de inferioridade, desesperança, etc); sentimentos de esfera da
alegria (euforia, júbilo, contentamento, satisfação, confiança, esperança, etc);
sentimentos da esfera de agressividade (raiva, revolta, rancor, ciúme, ódio,
ira, inveja, desprezo, etc); sentimentos relacionados à atração pelo outro
(amor, atração, estima, apego, admiração, amizade, consideração, respeito,
etc); sentimentos associados ao perigo (temor, receio, desamparo,
abandono, rejeição, etc); sentimentos do tipo narcísico (vaidade, orgulho,
arrogância, onipotência, superioridade, empáfia, prepotência, etc).
4. Afetos: podem ser definidos como a qualidade e o tônus emocional que
acompanha uma ideia ou representação mental. Trata-se do componente
emocional de uma ideia. Designa, de forma mais ampla, e de modo
inespecífico, qualquer estado de humor, sentimento ou emoção.
5. Paixões: um estado afetivo extremamente intenso que domina a atividade
psíquica como um todo, captando e dirigindo a atenção e o interesse da
pessoa em uma só direção, inibindo os demais interesses.
No que diz respeito ao humor, determinadas crianças apresentam uma
predisposição endógena do psiquismo ao experimentar estados de instabilidade de
humor. Essa patologização do humor pode ser analisada de duas formas: sua
impossibilidade dentro da estrutura e seu impacto na totalidade psíquica. Embora,
de acordo com a estrutura psíquica, não haja constituição patológica em primeira
instância, sabe-se que há constituições que facilitam o aparecimento de certas
patologias. A constituição endógena, embora não tangível à consciência, posiciona-
se na interface entre o corpo e o psíquico. O endógeno é uma instância espontânea
que se manifesta através dos fenômenos psíquicos. Logo, esses fenômenos
psíquicos são manifestações tangíveis da própria estrutura intuída. De acordo com o
psiquismo estruturado (onde as partes têm papel determinante no todo do
psiquismo), haverá um reflexo em que outras camadas reagirão em uníssono com a
!74

fratura primária do humor. Dentro desse panorama, observa-se que a afetividade-


contato e a temporalidade serão abaladas, além disso, acomodar-se-ão de acordo
com a instabilidade estimulada pela alteração endógena (MESSAS, 2008).
À luz dessas observações, é importante não desmerecer que a composição
estrutural da criança é diferente da do adulto, portanto, tal diferença proporciona
qualidades específicas na vivência dessa instabilidade do humor. Uma vez que o
humor funciona como um filtro, em que as experiências passarão antes de alcançar
o psiquismo, isto é, antes que a consciência reconheça a vivência, o humor dará sua
valoração. E, quanto mais esse humor sofrer alterações, maior então será a
necessidade de se criar outras zonas que funcionem como ancoradouros para
estabilizar a totalidade psíquica.

A expectativa de encontrar outras zonas de estabilidade poderia minimizar a


excessiva turbulência experimentada na consciência e pode ser uma das
explicações para a hipertrofia da afetividade e a excessiva adesão ao
mundo externo (MESSAS, 2008, p. 30).

É evidente, no entanto, que o processo de estabilidade através da conexão


com o mundo externo requer tempo para ser desenvolvido. Porém a criança, de
acordo com sua maturação psíquica, ainda não dispõe do tempo necessário de
vivências para pressupor sua estabilidade psíquica devido à sua fragilidade, da
afetividade-contato e da sua percepção temporal (MESSAS, 2008).
Essas considerações possuem propriedades fundamentais na clínica. Além
de a percepção das diferenças psíquicas próprias da infância, trata-se de um
conhecimento importante não só para investigação clínica do adulto em seu
diagnóstico longitudinal, mas revela, também, a importância do papel do clínico na
relação com o paciente com humor alterado. Seja criança, adolescente ou mesmo
adulto, o fato é que o clínico (como representante do outro na relação) pode
promover um contato afetivo que viabilize as buscas da estabilidade psíquica.

3.2 Diagnóstico Clínico

Os principais sistemas classificatórios – DSM da Associação Psiquiátrica


Americana e CID-10 da Organização Mundial da Saúde – são avanços científicos no
campo do diagnóstico clínico. Constituem um marco na história da psiquiatria
!75

enquanto ciência descritiva, classificatória e explicativa das doenças mentais. Esses


sistemas classificatórios do diagnóstico clínico definem dois tipos de conceito
descritivos: os episódios (conjuntos de sintomas que ocorrem em determinado
período de tempo) e os transtornos (conjunto de episódios que caracterizam um
padrão específico). Além de o episódio depressivo e o transtorno depressivo
recorrente, tem-se a distimia que se trata do rebaixamento crônico do humor,
persistindo ao menos por vários anos (TENG, NAKATA, ROCCA, YANO, 2009).
Os episódios e transtornos afetivos, de acordo com a definição do Código
Internacional de Doenças 10ª Versão (CID – 10 – OMS, 2003), estão relacionados
da seguinte forma:
1 – Episódios afetivos:
F32. Episódio depressivo;
F30.0. Episódio hipomaníaco;
F30.1 – F30.2. Episódio maníaco;
F31.6. Episódio de estado misto.
2 – Transtornos afetivos:
F33. Transtorno Depressivo Recorrente;
F31. Transtorno Afetivo Bipolar;
F34.0. Ciclotimia;
F34.1. Distimia.
Os critérios diagnósticos do episódio depressivo descrito no CID – 10 são:
Sintomas típicos:
• Humor depressivo;
• Anedonia;
• Fatigabilidade.
Sintomas comuns:
• Concentração e atenção reduzidas;
• Autoestima e autoconfiança reduzida;
• Ideias de culpa e inutilidade;
• Visões descoladas e pessimistas do futuro;
• Ideias ou atos autolesivos ou suicídio;
• Sono perturbado;
• Apetite diminuído.
!76

A classificação do Código Internacional de Doenças 10ª Versão (CID – 10 –


OMS, 2003) classifica categorias de episódio leve, moderado e grave para o
episódio depressivo único (primeiro) e transtornos depressivos recorrentes para
episódios posteriores. Segundo o manual, esse grau de gravidade depende da
variedade dos estados clínicos. Os episódios depressivos de acordo com a
intensidade e o subtipo classificam-se:
• Episódio depressivo leve: pelo menos, quatro sintomas; dentre eles, dois
típicos, pelo menos. Não há incapacitação total.
• Episódio depressivo moderado: pelo menos, dois sintomas típicos. Há
dificuldade considerável em manter atividades sociais, laborativas e
domésticas.
• Episódio depressivo grave: pelo menos, sete sintomas, dos quais, pelo
menos, três são típicos. Há incapacitação grave ou risco de suicídio.
Segundo Teng, Nakata, Rocca e Yano (2009), para definir um episódio
depressivo são necessários, pelo menos, quatro sintomas depressivos. Os autores
alertam para o tempo que não pode ser inferior a duas semanas. Lembram que são
obrigatórios, pelo menos, três sintomas típicos: humor depressivo, anedonia e
fatigabilidade.
• Humor depressivo: refere-se à tristeza frequente durante a maior parte do
tempo.
• Anedonia: perda da capacidade de sentir prazer. Pode referir-se não só ao
prazer sexual como, também, ao prazer das atividades cotidianas.
• Fatigabilidade: cansaço excessivo a esforços leves; deve ser avaliada em
relação à capacidade anterior ao quadro depressivo.
O manual Diagnóstico e Estatístico das Doenças Mentais 4ª Versão da
Associação Psiquiátrica Americana (APA, 1995) oferece critérios de diagnóstico para
a melhora na confiabilidade dos julgamentos diagnósticos. O propósito de tal manual
é permitir que clínicos e pesquisadores diagnostiquem, comuniquem, estudem e
tratem pessoas com transtornos mentais. Os especificadores indicam a gravidade e
curso listado após o diagnóstico: leve, moderado, severo, em remissão parcial, em
remissão completa e história prévia. O clínico deve levar em consideração a
apresentação atual do paciente e, tipicamente, não é usado para denotar
diagnósticos anteriores dos quais a pessoa se recuperou. Tendo em vista a
!77

diversidade de apresentações clínicas, cada classe diagnóstica tem, pelo menos,


uma categoria sem outra especificação (SOE).
Na classificação multiaxial do DSM-IV-TR (APA, 1995) existem cinco eixos:
• Eixo I – transtornos clínicos e outras condições que podem ser foco de
atenção clínica;
• Eixo II – transtorno de personalidade, retardo mental;
• Eixo III – condições médicas gerais;
• Eixo IV – problemas psicossociais e ambientais;
• Eixo V – avaliação global do funcionamento.
O uso do sistema multiaxial auxilia o clínico no planejamento do tratamento e
a predizer o resultado; facilita a avaliação abrangente e sistemática; oferece um
formato conveniente para organizar e comunicar informações clínicas, abrangendo
melhor a complexidade dessas situações; promove a aplicação do modelo
biopsicossocial em diferentes contextos, sejam clínicos, educacionais e os de
pesquisa. Pode-se observar a atenção à personalidade do paciente. Ele codifica a
personalidade em um eixo específico (Eixo II). Há um reconhecimento de que a
pessoa pode apresentar patologias da personalidade em mais de uma área,
separadamente ou mesmo além dos transtornos clínicos do Eixo I.
Os principais sintomas que definem a depressão maior, de acordo com o
DSM – IV – TR (APA, 1995), são:
1. Humor depressivo;
2. Anedonia;
3. Concentração e atenção reduzidas;
4. Insônia ou hipersonia;
5. Apetite alterado;
6. Psicomotricidade alterada (agitação ou lentificação);
7. Fatiga ou cansaço;
8. Pensamentos de culpa, baixa autoestima, pessimismo;
9. Pensamentos de morte e suicídio.
Del Pino (2003 apud DALGALARRONDO, 2008) refere que, do ponto de vista
psicopatológico, os quadros depressivos têm como elemento central o humor triste
e o desânimo. Por sua vez, o quadro clínico da depressão é composto por uma
multiplicidade de alterações que afetam o humor, as funções cognitivas, as funções
!78

vegetativas e a psicomotricidade. Dalgalarrondo (2008) apresenta essas alterações


em agrupamentos de sinais e sintomas segundo a área psicopatológica:
a. Sintomas Afetivos
• Tristeza, sentimento de melancolia;
• Choro fácil e/ou frequente;
• Apatia (indiferença afetiva);
• Sentimento de falta de sentimento;
• Sentimento de tédio, de aborrecimento crônico;
• Irritabilidade aumentada (a ruídos, pessoas, vozes, etc.);
• Angústia ou ansiedade;
• Desespero;
• Desesperança.
b. Alterações da esfera instintiva e neurovegetativa
• Anedonia (incapacidade de sentir prazer em várias esferas da vida);
• Fadiga, cansaço fácil e constante (sente o corpo pesado);
• Desânimo, diminuição da vontade (hipobulia: “Não tenho pique para mais
nada”);
• Insônia ou hipersonia;
• Perda ou aumento do apetite
• Constipação, palidez, pele fria com diminuição do turgor;
• Diminuição da libido (do desejo sexual);
• Diminuição da resposta sexual (disfunção erétil, orgasmo retardado ou
anorgasmia).
c. Alterações ideativas
• Ideação negativa, pessimismo em relação a tudo;
• Ideias de arrependimento e de culpa;
• Ruminações com mágoas antigas;
• Visão de mundo marcada pelo tédio (“A vida é vazia, sem sentido; nada vale a
pena”);
• Ideias de morte, o desejo de desaparecer, dormir para sempre;
• Ideação, planos ou atos suicidas.
d. Alterações cognitivas
• Déficit de atenção e concentração;
!79

• Déficit secundário de memória;


• Dificuldade de tomar decisões;
• Pseudodemência depressiva.
e. Alterações da autovaloração
• Sentimento de autoestima diminuída;
• Sentimento de insuficiência e de incapacidade;
• Sentimento de vergonha e autodepreciação.
Segundo Dalgalarrondo (2008), podem estar também presentes, em formas
graves de depressão, sintomas psicóticos (delírios e/ou alucinações). Os principais
sintomas psicóticos são:
I. Ideias delirantes de conteúdo negativo
• Delírio de ruína ou miséria;
• Delírio de culpa;
• Delírio hipocondríaco e/ou de negação dos órgãos;
• Delírio de inexistência (de si e/ou do mundo).
II. Alucinações, geralmente auditivas, com conteúdos depressivos
III. Ilusões auditivas ou visuais
IV. Ideação paranóide e outros sintomas psicóticos humor – incongruentes
Uma anamnese cuidadosa e um raciocínio clínico são fundamentais para se
fazer um diagnóstico adequado. Para Del Porto (2009), existem perguntas que
auxiliam, durante a anamnese, o diagnóstico da depressão:
1. Durante o último mês, você se sentiu incomodado por estar “para baixo”,
deprimido (ou desanimado) e sem esperança?
2. Durante o último mês, você se sentiu incomodado por ter pouco interesse ou
sentir pouco prazer em fazer as coisas?
De modo complementar, sugerem-se as perguntas:
1. Você vem se sentindo com pouca energia?
2. Você vem notando perda de interesse pelas atividades?
3. Você vem sentindo menos confiança em você mesmo?
4. Você tem se sentindo sem esperança, ou descrente, quanto ao futuro?
5. Você tem dificuldade para se concentrar?
6. Você tem pouco apetite ou vem perdendo peso?
7. Você tem acordado mais cedo que o usual?
!80

8. Você vem se sentindo mais lento?


9. Você se sente pior pela manhã?
Para melhor planejamento terapêutico, é importante verificar a duração, a
intensidade ao longo do tempo, a recorrência e a qualidade dos sintomas que
viabilizam a caracterização dos subtipos clínicos. Sene-Costa (2006) considera que
podem ser encontrados os seguintes subtipos de depressão:
• Depressão melancólica (antiga depressão endógena ou vital): é um subtipo
depressivo grave. Quadros melancólicos apresentam: anedonia ou humor não
reativo a atividades anteriormente prazerosas; piora dos sintomas no início do
dia; insônia terminal; agitação ou retardo psicomotor acentuados; anorexia;
ideação de culpa excessiva.
• Depressão atípica: nos quadros atípicos, encontram-se: reatividade do
humor; sonolência excessiva; aumento exagerado do apetite; sintomas
ansiosos proeminentes. Apresenta também uma extrema sensibilidade à
rejeição, autopiedade e piora do estado depressivo durante o dia.
• Depressão sazonal: pacientes com padrão sazonal experimentam episódios
depressivos diretamente relacionados com os padrões das estações do ano,
habitualmente no inverno. Esse tipo de depressão é mais comum no
hemisfério norte, cujas características climáticas são bem definidas.
• Depressão psicótica: é considerada grave, com sintomas caracterizados por
delírios e alucinações ou estupor. A probabilidade do paciente ser bipolar é
grande. É mais comum em mulheres. A ideação suicida é frequente e o risco
de suicídio é bem maior.
• Depressão pós-parto: as mulheres com sintomas de depressão pós-parto
apresentam: ansiedade acentuada; ataques de pânico; desinteresse pelo
bebê; medo de ficar a sós com ele ou, ainda, sentimento de posse.
• Distimia: uma outra forma de transtorno depressivo é caracterizada pela
presença de humor depressivo por, pelo menos, dois anos. De um modo
geral, seu início pode ser precoce (antes dos 21 anos) ou tardio (após essa
idade). Apresenta seu curso indicioso e crônico, o que faz com que a pessoa
se adapte aos sintomas e os reconheça como característicos de sua
personalidade (seu jeito de ser) (SENE-COSTA, 2006).
• Luto: o luto representa um sentimento normal e compreensível da vida
psíquica. Em alguns casos, a reação de luto pode persistir por alguns meses
depois da perda, resolvendo-se sem complicações; já em outros, podem
!81

evoluir para depressão. Moreno e Soares (2003) elegem algumas


características clínicas que podem auxiliar na diferenciação entre luto e
depressão, os mesmos que auxiliam na distinção entre uma depressão
reativa e a doença depressiva.

Diferenças clínicas entre luto e depressão


Características Luto Depressão
A pessoa e os familiares O indivíduo e os familiares
Percepção dos sintomas reconhecem que é uma percebem que a reação é
reação normal desproporcional e as
consequências são
generalizadas
O indivíduo reage Normalmente reage pouco
Reação aos estímulos do positivamente aos ou nada aos estímulos, a
ambiente estímulos agradáveis não ser em casos de
depressão atípica
Retardo psicomotor Ausente Em geral, presente

Sentimento de culpa Em geral, ausente Caracteristicamente


presente
Sentimento de inutilidade Em geral, ausente Em geral, presente
Sintomas psicóticos Ausentes Podem estar presentes
Ideação suicida Rara Frequente

(MORENO e SOARES, 2009, p. 19)

Bromberg (2000) afirma que a avaliação de duração e a sequência das fases


do luto é vista como consistente por alguns autores (BOWLBY, 1981; GORER, 1965;
PARKES, 1986). Seguem-se as fases do luto sem complicações ou luto normal.
1. Entorpecimento: choque, entorpecimento, descrença por poucas horas ou
muitos dias, podendo haver crises de raiva ou de desespero. O enlutado pode
sentir-se atordoado, paralisado, desamparado. Podem surgir sintomas físicos,
como suspiros, rigidez no pescoço e fundo no estômago. A negação inicial é
uma defesa contra a aceitação e uma tentativa de manter a vida como era
antes da perda.
2. Anseio e protesto: essa etapa é de emoções intensas, de grande sofrimento
psicológico e agitação física. A consciência da perda desperta o anseio de
!82

encontrar novamente o morto. Há crises de dor e de choro. A pessoa torna-se


introvertida, dando importância apenas ao que diz respeito ao morto. É um
momento paradoxal: por um lado, a certeza da perda inquestionável; por
outro, a vontade enorme de recuperar a pessoa perdida. Pode eclodir muita
raiva contra os que estão disponíveis e contra si mesmo, e culpa por
pequenas omissões em relação ao morto. A raiva também pode-se voltar
contra o falecido devido à sensação de abandono que ele provocou. O
enlutado move-se continuamente como à procura do morto, voltando-se para
lembranças e objetos dele. Surgem, lado a lado, sentimentos antagônicos:
esperança e desapontamento.
3. Desespero: após o primeiro ano, o enlutado reconhece que a perda é
definitiva, deixando de buscar o morto. Essa fase é mais difícil do que as
demais, pois a pessoa não acredita que possa manter algo que valha a pena,
tornando-se apática e deprimida. Há desinteresse por todo tipo de atividades,
com tendência a afastar-se das pessoas e não se concentrar nos serviços
rotineiros. O enlutado perde o sentido da vida. A recuperação é demorada e
dolorosa. Continuam os sintomas somáticos, como falta de sono, redução do
apetite e do peso, distúrbios gastrintestinais.
4. Recuperação e restituição: a depressão e a desesperança passam a
alternar-se, cada vez mais, com sentimentos mais positivos. O enlutado
começa a aceitar e a lidar melhor com as modificações, em si mesmo e na
situação. Reordena-se a identidade, o que leva a pessoa a desistir de ter o
morto de volta; ela se torna mais independente. O enlutado reata antigas
amizades e faz novos relacionamentos, superando o resto de instabilidade
em relação à vida social. Mesmo estando em um estágio bem melhor, o
enlutado pode ter momentos de recaída nas datas de aniversário de
nascimento, morte e casamento: são as “reações de aniversário”.
Parkes (1965 apud BROMBERG, 2006) reviu os conceitos de luto patológico
da época, definido-os como:
1. Luto crônico: quando o luto se prolonga indefinidamente, com tendência à
ansiedade, tensão, inquietude e insônia. Pode também haver sintomas de
identificação com o morto.
!83

2. Luto adiado: a necessidade de resolver situações paralelamente ao luto


impede sua elaboração. A pessoa pode apresentar, nesse período,
comportamento normal ou sintomas de luto distorcido, como superatividade,
sintomas da doença do morto, isolamento.
3. Luto inibido: ausência dos sintomas do luto normal. Parkes (1965) diz que
não vê diferença entre luto inibido e luto adiado, havendo apenas graus
diferentes de sucesso na defesa psíquica.
• Depressão bipolar: mais do que um subtipo depressivo, a depressão bipolar
é um diagnóstico importante. A subdivisão dos transtornos de humor em tipo
unipolar e bipolar é um dos conceitos mais utilizados no mundo todo. A
distinção unipolar e bipolar foi originalmente proposta por Leonhard (1979
apud MORENO e MORENO, 2005). O diagnóstico de um transtorno
depressivo requer a exclusão dos transtornos bipolares do humor. Trata-se de
uma doença crônica caracterizada por apresentar, além de a ocorrência de
episódios depressivos, também episódios hipomaníacos e/ou maníacos.
Episódios hipomaníacos e maníacos caracterizam-se pela exaltação do
humor, podendo ser eufórico ou irritável, sendo que a hipomania é
considerada um quadro mais leve de mania (SENE-COSTA, 2006).
De acordo com Moreno e Soares (2003), a falha na identificação de sintomas
do espectro maníaco no curso do episódio depressivo e da depressão recorrente é
um erro diagnóstico comum. Segundo os autores, além de retardar a instituição do
tratamento adequado, também agrava o quadro clínico e a evolução. Outro aspecto
relevante é que a maioria dos pacientes bipolares inicia a doença com um episódio
depressivo. Quanto mais precoce o início, maior a chance de que o paciente seja
bipolar. Depressão em criança e adolescentes pode dificultar o diagnóstico. O início
dos sintomas antes da puberdade predispõe a um maior risco de evolução bipolar.
É válido destacar a visão dimensional dos transtornos do humor denominada
como espectro bipolar. De acordo com Katzow (2003 apud SENE-COSTA, 2006), o
espectro bipolar é caracterizado por traços bipolares não clássicos. Há uma
distribuição variável do humor. Depressão e transtorno bipolar do humor são
doenças classificadas separadamente, porém, na última década, as pesquisas têm
revelado como partes de um espectro de vários transtornos que se sobrepõem
(MORENO e MORENO, 2005).
!84

A etiologia de uma síndrome depressiva pode ser primária (depressão


primária) ou secundária (outras condições clínicas). Uma depressão secundária é
causada ou fortemente associada a uma doença ou a um quadro clínico somático,
seja ele primariamente cerebral ou sistêmico (DALGALARRONDO, 2008). De
acordo com Del Porto (2009), a lista de doenças que podem levar a sintomas
depressivos é extensa. Dentre as principais, são citadas:
• Doenças endócrinas: diabetes mellitus, acromegalia, hipo/hipertireoidismo,
hipo/hiperpituitarismo, doença de Cushing, doença de Addison, etc.;
• Doenças neurológicas: esclerose múltipla, doença de Wilson, doença de
Parkinson, acidente vascular cerebral, doença de Alzheimer, demência
vascular, epilepsia, doença de Huntington, neurosífilis, etc.;
• Doenças infecciosas: encefalites, hepatites, tuberculose, sífilis,
mononucleose, AIDS;
• Outras doenças: lúpus eritematoso, poliartrite nodosa, insuficiência cardíacas,
câncer em geral (lembrar o câncer de pâncreas, por ser oligossintomático no
início), síndrome carcinoide, porfiria, deficiência vitamínicas, anemias
insuficiência renal, apnéia do sono, etc.;
• Medicamentos e drogas: reserpina, L-dopa, corticóides, anticoncepcionais
orais, progestágenos, cinarizina, anti-hipertensivos diversos (alfametildopa,
beta-bloqueadores, etc.), digitálicos, anticolinérgicos, neurolépticos
convencionais, benzodiazepinas, etanol, barbitúricos, interferon, etc.
A depressão pode também ser observada em diversos membros de uma
mesma família, apontando para uma predisposição herdada. De acordo com Teng,
Nakata, Rocca e Yano (2009), vêm crescendo os conhecimentos advindos de
estudos nas áreas de genética, neuroimagem e biologia celular. Uma visão mais
ampla tem estabelecido relações entre os sistemas neurológico, endócrino,
psicológico e imunológico. Essa complexa interação pode ser explicada pelo
conceito de endofenótipo.

Os endofenótipos caracterizam traços que compõem um fenótipo clínico e


que são determinados por um conjunto conhecido ou hipotético de genes
que se expressa em vários membros da família dos portadores, e pode ser
desencadeado por meio da ação de eventos estrossores (TENG, NAKATA,
ROCCA e YANO, 2009, p. 25-26).
!85

Teng, Nakata, Rocca e Yano (2009) elegem algumas consequências da


depressão:
1. Funcional
a. Pacientes deprimidos ficam incapacitados em média 35 dias/ano;
b. Os custos por perda de produtividade correspondem a 62% dos custos totais
da depressão para a sociedade;
c. 81% das perdas de produtividade não estão relacionados ao obsenteismo, ou
seja, são de difícil mensuração objetiva.
2. Qualidade de vida: em 2020, será a segunda doença de maior impacto
global na qualidade de vida (abaixo apenas das doenças cardíacas).
3. Pior evolução de doenças clínicas
a. A depressão está associada à maior mortalidade em idosos com doenças
clínicas crônicas;
b. Pacientes com depressão e doenças clínicas associadas tendem a não aderir
aos tratamentos de forma adequada.
4. Mortalidade por suicídio
a. A depressão aumenta de 12 a 20 vezes o risco de morte por suicídio em
relação à população normal;
b. A depressão corresponde a 20,8% - 35,8% dos suicídios fatais.
Na verdade, a pior consequência da depressão é o suicídio, de modo que
deve ser investigado, pelo profissional que assiste a pessoa com depressão, sobre a
ideação suicida, levantando, assim, os fatores de risco do suicídio. As tentativas de
suicídio jamais devem ser consideradas como artifício para chamar atenção, pois
trata de um comportamento que exige uma conduta específica para uma morte
evitável. O comportamento suicida associada à depressão usualmente se resolve
com o tratamento efetivo da doença depressiva.
Felizmente, a depressão é uma condição médica tratável e conhecer bem
essa síndrome e seu tratamento ajuda significativamente a pessoa com doença
afetiva. Os tratamentos para a depressão incluem medicamentos, psicoterapia ou
uma combinação de ambos (DEL PORTO, 2009). Certamente, a psiquiatria das
síndromes depressivas tem desenvolvido com sucesso os tratamentos e muitos
pacientes “deprimidos” veem seu sofrimento diminuir graças aos medicamentos.
Embora as doenças depressivas, do ponto de vista biológico, sejam conhecidas
!86

universalmente, elas são vivenciadas singularmente pelo indivíduo e seu sistema


social (família, sociedade e cultura), revelando, assim, sua multiplicidade etiológica.
Devido a essa complexidade, atualmente a combinação de tratamento farmacológico
com o psicoterápico tem sido considerada o método mais adequado.
De acordo com Kupfer (1991 apud DEL PORTO, 2009), o tratamento
farmacológico da depressão é dividido em três fases:
1. Fase aguda: remissão dos sintomas. Dura, em média, de seis a oito semanas;
2. Fase de continuação: prevenção de recaídas e recuperação do
funcionamento psicossocial. Duração de quatro a nove meses;
3. Fase de manutenção: prevenção de recorrências e duração indefinida.
Convém salientar e, destacar, que o psicoterapeuta não trata
farmacologicamente, mas ele não pode esquivar-se desse conhecimento. O motivo
é óbvio já que as fases do tratamento farmacológico interferem diretamente em sua
conduta clínica. Não pode compartimentar as duas realidades de tratamento e, sim,
somar forças para que o paciente melhore do quadro depressivo, principalmente
diminuir os riscos de recaídas. O acompanhamento psicoterápico pode auxiliar
substancialmente na prevenção de recorrência e recaídas.
No tratamento, a informação é fundamental no que diz respeito à orientação
sobre a natureza da doença, as possibilidades de tratamento, os riscos envolvidos
na falta de tratamento, etc. A psicoeducação melhora a aderência e dá suporte até
que o paciente supere essa fase aguda (MORENO e MORENO, 2005), de forma
que o sucesso do tratamento depende do diagnóstico adequado, do uso regular das
medicações e da psicoterapia. Para um diagnóstico adequado, é importante
identificar se há comorbidade.
A frequência de comorbidade na depressão é alta e tem importantes
implicações terapêuticas. A comorbidade da depressão e os transtornos ansiosos
(transtorno de pânico e agorafobia, transtorno de ansiedade social, transtorno de
ansiedade generalizada, transtorno obsessivo-compulsivo e transtorno misto de
ansiedade e depressão) são os transtornos psiquiátricos mais comuns na população
geral. Segundo Moreno e Soares (2003), a natureza dessa associação pode ser
explicada em termos:
!87

• Biológicos: disfunções nos sistemas gabaérgicos, mediadores da ansiedade,


que podem levar às alterações nos sistemas monoaminérgicos relacionados à
depressão;
• Etiológicos: separação materna levando a reações de protesto (ansiedade) e
desamparo (depressão);
• Cognitivos: o desamparo pode levar ao desespero.
A comorbidade da depressão com transtornos ansiosos, de acordo com
Moreno e Soares (2003), tem como consequências clinicamente relevantes:
• maior gravidade dos sintomas;
• maior cronicidade;
• maior comprometimento funcional;
• maior absenteísmo no trabalho;
• pior resposta ao tratamento;
• maior risco de suicídio.
Com relação ao suicídio, a pior consequência da depressão é o suicídio. A
comorbidade da depressão com alcoolismo, uso de drogas e personalidade
impulsiva são fatores de risco para o suicídio (MORENO e SOARES, 2003).
De acordo com a prevenção do suicídio – manual dirigido aos profissionais
das equipes de saúde mental (OMS, 2000) –, há etapas do tratamento da
depressão:
• Aproximadamente 2/3 das pessoas com episódio depressivo melhoram com o
primeiro antidepressivo;
• Em geral, há demora de cerca de duas semanas para início de ação dos
antidepressivos;
• São necessárias, aproximadamente, oito semanas para retorno ao humor de
antes da depressão;
• É fundamental, após a remissão dos sintomas, a continuidade do tratamento
na fase de manutenção;
• O tratamento completo tem duração mínima de seis meses a partir da
remissão completa dos sintomas;
• Quando há recorrência da depressão, a intensidade é grave ou, em caso de
idade avançada, o tratamento mínimo vai de dois anos até o resto da vida, em
alguns casos.
!88

3.3 Comportamento suicida e doenças mentais

Embora o comportamento suicida não possa ser atribuído somente à


presença ou à ausência de um transtorno mental, dentre os fatores de risco de
suicídio o principal é a presença de um transtorno mental. Corrêa e Barrero (2006)
dedicam parte do livro Suicídio: uma morte evitável aos fatores de risco para o
suicídio segundo cada patologia psiquiátrica: depressão, transtorno bipolar,
esquizofrenia, etilismo e transtorno de ansiedade.

Como sabemos, 90% dos suicidas e das tentativas graves de suicídio


ocorrem no contexto de uma doença psiquiátrica, e os fatores de risco
suicida podem ser diferentes em cada patologia (CORRÊA e BARRERO,
2006, p. 103).

Vários autores (BOTEGA, 2002; MELEIRO, TENG e WANG, 2004;


WERLANG, 2004; CORRÊA e BARRERO, 2006) são unânimes ao relacionar o
suicídio e suas manifestações com os transtornos mentais, e ainda elegem o
transtorno de humor como o maior responsável pelo comportamento suicida.
Teixeira (2003) cita autores (BARRACLOUGH, L. HUGES, 1987; MURPHY &
WETZEL, 1990) que chegam a afirmar que o suicídio é sinônimo de depressão. De
fato, a relação entre suicídio e depressão encontra-se estreita na literatura
psiquiátrica. As pesquisas epidemiológicas têm apontado grande prevalência da
depressão na população geral. Nesse sentido, existe uma íntima relação entre o
comportamento suicida e os transtornos do humor, portanto, o estudo sobre essa
associação é um importante elemento para a prevenção do suicídio.
Werlang e Botega (2004) fizeram uma revisão sistemática da literatura sobre
suicídio e diagnóstico psiquiátrico, obtendo os seguintes resultados:
!89

Figura 8: Suicídio e transtornos mentais: distribuição dos diagnósticos em estudo de pacientes com
internação psiquiátrica.
Fonte: Werlang e Botega, 2004, p. 41.

Figura 9: Suicídio e transtornos mentais: distribuição dos diagnósticos em estudo de populações


gerais.
Fonte: Werlang e Botega, 2004, p. 42.

3.4. Depressão maior e o comportamento suicida

De acordo com Corrêa e Barrero (2006), a prevalência coloca a depressão


entre os distúrbios psiquiátricos mais comuns, sendo que aproximadamente 20%
das mulheres e 10% dos homens vão desenvolver pelo menos um episódio
depressivo maior ao longo da vida. O primeiro episódio pode surgir ainda na infância
ou apenas em uma idade avançada, variando a idade de seu início. Não obstante,
cerca de 50% dos deprimidos vão apresentar o seu primeiro episódio entre 20 e 55
anos de idade, ou seja, nos períodos de maior produtividade da vida, ocasionando
um imenso impacto individual, familiar e social.
!90

Corrêa e Barrero (2006) apresentam o perfil dos pacientes deprimidos que se


suicidam:
1. A mortalidade por suicídio é cerca de duas vezes maior nos homens do que
nas mulheres deprimidas. Esse dado torna-se ainda mais importante ao
lembrarmos que a prevalência da depressão maior é aproximadamente duas
vezes maior nas mulheres do que nos homens;
2. Fatores de risco observados em outras patologias, como história de tentativa
de suicídio prévia ou história familiar de depressão, são igualmente
importantes nos pacientes com depressão maior;
3. Uma história de internação psiquiátrica é também um importante preditor de
risco suicida. Como discutido anteriormente, os pacientes com história de
internação têm um risco duas vezes maior de se suicidar do que os que
nunca foram internados, de forma que essa decisão clínica de hospitalizar ou
não um paciente pode ser considerada como um bom preditor de risco
suicida;
4. O risco suicida é maior logo após uma internação e nos períodos iniciais da
depressão maior, em geral poucos meses após ser diagnosticada.

3.5 Transtornos do humor do tipo bipolar e o comportamento suicida

Segundo a revisão de 30 estudos feita por Goodwin e Jamison (1990 apud


CORRÊA e BARRERO, 2006), a taxa de mortalidade por suicídio nos pacientes
bipolares pode atingir 19%, representando um risco 30 vezes maior do que aquele
encontrado na população geral. “O suicídio é a terceira principal causa de morte
nesse grupo de pacientes, atrás apenas das doenças cardiovasculares e
respiratórias” (GOODWIN e JAMISON, 1990 apud CORRÊA e BARRERO, 2006, p.
121). Uma vez que o curso do transtorno é episódico e altamente variável, pode-se
concordar com a afirmação de que “o diagnóstico de transtorno bipolar por si só
constitui um importante fator de risco, pois 48% destes indivíduos têm pelo menos
uma tentativa ao longo da vida” (CORRÊA e BARRERO, 2006, p. 126).
Balssarini e Cols (1999 apud CORRÊA e BARRERO, 2006) sugerem um
roteiro para a primeira entrevista com esses pacientes:
1. Histórico de tentativas de suicídio, incluindo número e forma;
!91

2. Nível de gravidade do comportamento suicida;


3. Diagnóstico de comorbidades psiquiátricas e clínicas;
4. Idade de início da patologia, assim como indício do primeiro comportamento
suicida;
5. História familiar de transtornos do humor, sintomas psicóticos, uso de drogas
e atos suicidas;
6. Histórias de abuso de drogas, incluindo medicamentos;
7. Tipo, dose e duração de tratamentos médicos e psiquiátricos feitos;
8. Aderência aos tratamentos propostos.
De acordo com os dados epidemiológicos obtidos em vários estudos, Corrêa
e Barrero (2006) traçam um perfil do paciente com maior risco de suicídio:
1. Episódio atual (depressivo ou misto);
2. Presença de atividade delirante-alucinatória. Os autores constataram que a
presença de delírios em pacientes deprimidos foi cinco vezes mais frequente
naqueles pacientes que cometeram suicídio;
3. Abuso de álcool ou outras drogas. O reconhecimento e o tratamento da
dependência de álcool ou de outras drogas devem ser prioritários devido às
elevadas taxas de suicídio nesse grupo;
4. Comorbidade com transtorno de personalidade e transtorno de pânico;
5. Sexo masculino;
6. História prévia de tentativa de autoextermínio (mais importante preditor de
suicídio);
7. História familiar de suicídio. Deve-se pesquisar detalhadamente história de
suicídio e tentativa de suicídio entre os parentes de primeiro grau, assim
como a história medicamentosa, resposta ao tratamento com estabilizadores
de humor, tricíclicos, etc.;
8. Idade (adolescentes e idosos);
9. Estado civil (indivíduos solteiros e sem filhos);
10. Época (primeiro ano após início da doença);
11. Facilidade de acesso a armas de fogo e substâncias letais;
12. Falta de apoio familiar e social;
13. Não aderência ao tratamento;
14. Desejo manifesto de se suicidar.
!92

Corrêa e Barrero (2006) chegam às seguintes conclusões acerca do suicídio


no transtorno bipolar:
1. O transtorno bipolar está associado a altas taxas de comportamento suicida e
sua prevalência supera os outros transtornos psiquiátricos;
2. O suicídio é a maior causa de morte prematura em pacientes bipolares.
Doenças cardiovasculares e pulmonares costumam acometer esses
indivíduos de forma mais grave que no restante da população;
3. Nas fases depressivas, nos períodos de recuperação (depressão pós-
maníaca e melhora parcial do episódio depressivo) e, sobretudo, durante os
episódios mistos, há mais propensão para ocorrência do suicídio, portanto, o
cuidado deve ser mais intensivo em tais períodos;
4. As características mais importantes dos pacientes bipolares com
comportamentos suicidas são: episódio depressivo ou misto; presença de
atividade delirante-alucinatória; abuso de álcool e outras drogas; comorbidade
com transtorno de personalidade e transtorno de pânico; sexo masculino;
história prévia de tentativa de autoextermínio; história familiar de suicídio;
adolescentes; idosos; indivíduos solteiros e sem filhos; primeiro ano após
início da doença; facilidade de acesso a armas de fogo e substâncias letais;
falta de apoio familiar e social; não aderência ao tratamento; paciente que
manifesta desejo de suicidar; etc.;
5. O litio deve ser a medicação de escolha nos pacientes com maior propensão
ao suicídio;
6. O correto diagnóstico do risco de suicídio e o tratamento adequado da doença
psiquiátrica de base e comorbidades são fundamentais para uma estratégia
de tratamento ótima;
7. São necessárias novas pesquisas para esclarecer os determinantes genéticos
e epidemiológicos para síntese de novos medicamentos, reduzindo, assim, as
taxas de suicídio.

3.6 Aspectos psicológicos dos pacientes com comportamento suicida e


alterações do humor.
!93

Segundo a OMS (2000), há três características que são próprias da


psicodinâmica das mentes suicidas: a ambivalência, a impulsividade e a rigidez.
Primeiro, a ambivalência está entre o desejo de viver e o desejo de morrer, travando
assim uma batalha intensa nos sujeitos suicidas. Os sentimentos tornam-se
confusos e, mediante essa confusão, há uma emergência em sair da dor de viver,
mas não que queiram realmente morrer. Quando ofertado o apoio emocional, o
desejo de viver aumenta e o risco de suicídio diminui. Segundo, a impulsividade que
é revelada nas ações sem pensar, levando a pessoa a situações perigosas.
Caracteriza-se por dar respostas precipitadas e desapropriadas. Terceiro, a rigidez
nos pensamentos, sentimentos e ações. O pensar, sentir e agir, quando as pessoas
são suicidas, são constritos, perdendo assim a capacidade de perceber outras
maneiras de sair do problema. Chachamovich, Stefanello, Botega e Tureck (2009)
afirmam que diversas linhas de pesquisa têm abordado a relação entre
agressividade/impulsividade e suicídio por meio de diferentes estratégias
metodológicas.
De acordo com essas características psicológicas do paciente com
comportamento suicida, a abordagem psicoterápica que se propõe a tratar tais
pacientes necessita: desenvolver estratégias eficazes focalizadas, principalmente,
nas inquietações psíquicas que aumentam a ambivalência; desenvolver estratégias
de disponibilidade de contato entre o psicoterapeuta e o paciente de forma que
aconteça de acordo com o momento do impulso; desenvolver estratégias que
possam atuar significativamente nos aspectos cognitivos.
Menninger (1970 apud WERLANG e BETEGA, 2004) refere que há pelo
menos três desejos que contribuem para o ato suicida: o desejo de morrer, o desejo
de matar e o desejo de ser morto. Primeiramente, para tentar compreender o desejo
de morrer é necessário pensar que existe uma distinção entre os aspectos
conscientes e inconscientes do desejo de morrer (ou não morrer). A pulsão de morte
(energia autodestrutiva) divide-se em três partes: uma parte é transformada em
agressão externamente dirigida para autopreservação; outra parte fica a serviço da
formação consciente; uma terceira parte indiferenciada fica em estado latente, ou
seja, temporariamente aprisionada pelas atividades das pulsões de vida no ato
suicida. A parte não-diferenciada de energia autodestrutiva rompe com esse
aprisionamento, adquirindo poder devido a alguma fraqueza relativa da pulsão de
!94

vida, dando fim à vida da pessoa. Sendo assim, o desejo de morrer via suicídio está
relacionada a alguma deficiência na capacidade de desenvolver o amor (instinto
erótico). Parece que o desejo de morrer transforma a energia autodestrutiva em ato
(acting-out), servindo ao sujeito como um alívio de tensão. No início, parece algo
alheio ao próprio sujeito, mas aos poucos adquire uma autonomia dentro do ego.
Com relação ao segundo componente – o desejo de matar –, o referido autor
parte do princípio de que todo suicídio é um homicídio de si próprio. O desejo de
matar seria resultante de uma destrutividade primária

(...) os impulsos destrutivos, investidos em um ou mais objetos,


desprendem-se dos mesmos, permitindo que o impulso homicida, libertado,
se aplique sobre a pessoa de sua origem, como objeto substituto,
realizando, assim, um homicídio deslocado (MENNINGER, 1970 apud
WERLANG e BETEGA, 2004, p. 82).

No terceiro componente, o desejo de ser morto encontra expressão nas


dificuldades do ego em se ajustar às exigências do superego, necessitando, assim,
de uma punição pelo seu próprio desejo de morrer. Na verdade, o desejo de morrer
está encobrindo o desejo de matar outra pessoa, só que o suicida mata a si próprio.
De modo geral, Menninger (1970 apud WERLANG e BETEGA, 2004)
ressalta que o desejo de matar pode estar dirigido não só para um objeto interno,
mas como vingança de destruir a vida dos sobreviventes.
O psicodramatista Dias (1996) busca sistematizar a dinâmica do suicídio,
elegendo quatro tipos de temáticas de suicídio:
1. Como forma de abreviar a morte sofrida;
2. Como forma de chamar atenção sobre si mesmo;
3. Como forma decorrente do rompimento dos vínculos simbióticos;
4. Como forma decorrente de uma dinâmica conflituosa de mundo interno.
Dentre essas temáticas, Dias (1996) explora com mais detalhes a divisão de
mundo interno do paciente com comportamento suicida. “O suicídio é um
assassinato em que uma parte do indivíduo mata a outra parte dele” (DIAS, 1996, p.
76). Partindo desse princípio, o suicida não deseja sua morte por inteiro, mas, sim, a
morte de uma parte sua estabelecida por uma dinâmica divisão interna do tipo
acusador/acusação. A morte como um todo seria apenas uma consequência dessa
agressão dirigida contra uma parte de si mesmo.
!95

A pessoa quer destruir uma parte de sua psique, podendo estar vinculada à
soma ou parte do corpo. Há suicidas que querem matar sua cabeça
(pensamentos), coração (emoções), estômago (necessidade de receber
algo), pulmão (necessidade de expansão) ou então atitudes como dormir,
voar, mergulhar, queimar, etc. (DIAS, 1996, p. 79).

A dinâmica psíquica que está presente é uma divisão interna em que uma
parte atenta contra a outra. Embora todas as pessoas, de uma maneira geral,
passem por situações em que se acusem de algo e se defendam de sua própria
acusação, o suicida entra nessa dinâmica de uma maneira muito intensa. Enquanto
existe um diálogo entre essas partes, o risco de suicídio é menor, porém, quando o
acusado da dinâmica acusador/acusado está em comum acordo com o acusador,
transforma-se em uma dinâmica assassino/vítima, aumentando assim o risco. O
grau de intensidade dos afetos mobilizados, a situação real do conflito, o grau de
autocontinência e de continência externa desse sujeito necessitam de uma
intervenção imediata.
Dias (1996) sugere que, uma vez detectado o risco, cabe ao terapeuta tomar
duas atitudes:
• Restabelecer, de maneira artificial, a continência externa até que possa
desmontar, com o trabalho psicoterápico, a dinâmica suicida. A continência
externa envolve: hospitalização, atuação frente aos familiares e dentro da
estrutura social (amigos, vizinhos, etc);
• Identificar e trabalhar, psicoterapicamente, a dinâmica assassino/vítima.

3.7 O manejo do paciente com humor alterado e com risco de suicídio

A elaboração de estratégias terapêuticas e profiláticas continua sendo um


desafio a ser alcançado. De acordo com Kutcher e Chehil (2007), há diversos fatores
que podem impedir a detecção e a prevenção do suicídio, destacando-se: estigma e
sigilo; dificuldade em buscar ajuda; falta de conhecimento e atenção sobre o suicídio
por parte dos profissionais de saúde; suicídio como um evento não frequente. Pode-
se acrescentar ainda que nem sempre é possível prever quem vai cometer ou não o
suicídio, mas se considera que é possível avaliar o risco de suicídio baseado nos
fatores de risco e fatores de proteção identificados. É possível identificar sobre o
baixo, o moderado ou o alto risco de suicídio e, partir dessa avaliação, prosseguir
com a formulação de uma decisão clínica.
!96

Quatro passos são sugeridos na avaliação do risco de suicídio: avaliação da


tendência suicida; avaliação dos fatores de risco de suicídio; identificar o que está
ocorrendo; identificar alvos de intervenção.
A OMS (2000) sugere, como prevenção ao suicídio, um manual para
profissionais de saúde em atenção primária: uma abordagem calma, aberta, com
aceitação e não-julgamento. Acrescenta:
• Como se comunicar
1. Ouvir atentamente, ficar calmo;
2. Entender os sentimentos da pessoa (empatia);
3. Dar mensagens não-verbais de aceitação e respeito;
4. Expressar respeito pelas opiniões e valores da pessoa;
5. Conversar honestamente e com autenticidade;
6. Mostrar sua preocupação, cuidado e afeição;
7. Focalizar nos sentimentos da pessoa.
• Como não se comunicar
1. Interromper muito frequentemente;
2. Ficar chocado ou muito emocionado;
3. Dizer que você está ocupado;
4. Tratar o paciente de maneira que o coloca em uma posição de inferioridade;
5. Fazer comentários invasivos e pouco claros;
6. Fazer perguntas indiscretas.
Werlang e Botega (2004) consideram que a orientação do raciocínio clínico é
a combinação de fatores, e não a presença de uma condição isolada. No manejo do
paciente com risco de suicídio, Bastos (1983 apud WERLANG e BOTEGA, 2004, p.
136) considera que existe uma linha tênue entre “preservar a intimidade de seu
paciente, quando a ameaça não for séria, e sua responsabilidade em salvar-lhe a
vida, quando da iminência do ato suicida”. Há casos em que se recomenda a
internação psiquiátrica, sendo que, mesmo internado, o paciente com ideação
suicida exige cuidados especiais no ambiente hospitalar.
Werlang e Botega (2004) trazem alguns fatores que favorecem o tratamento
ambulatorial:
• Intencionalidade suicida relativamente baixa;
• Capacidade de estabelecer boa aliança terapêutica;
!97

• Paciente compromete-se com uma proposta de tratamento;


• Paciente é capaz de garantir que não se agredirá;
• Não há registro de comportamento impulsivo;
• Não há abuso de álcool ou de drogas;
• Ausência de tentativa de suicídio no passado;
• Não há fatores estressantes graves em casa;
• Não há complicações por problemas físicos;
• Paciente prefere tratar-se em casa a internar-se;
• Paciente tem recursos de moradia e finanças adequados;
• Não há isolamento, rede de apoio social disponível.
Botega (2002) alerta que alguns pacientes escondem deliberadamente a
intenção suicida. Alerta para que o profissional que assiste o paciente desconfie de
falsas “melhoras”, principalmente quando as situações de crise ainda permanecem
sem solução ou quando o paciente foi internado no hospital pelo risco do suicídio e
aparentemente aparenta um apaziguamento do risco.
Kutcher e Chehil (2007) alertam que todo paciente com alteração de humor
necessita de uma atenção monitorada constante do risco de suicídio, mesmo
quando há uma “melhora”, principalmente no início do tratamento. A melhora inicial
na energia ou os efeitos adversos comportamentais de algumas medicações podem
aumentar os riscos de pensamentos suicidas, de comportamentos suicidas ou de
comportamentos autolesivos. “Altos níveis de desesperança por si, com ou sem
diagnóstico de depressão, têm sido associados com uma maior probabilidade de
comportamentos suicidas” (KUTCHER e CHEHIL, 2007, p. 18).

Não há uma modalidade terapêutica única que possa adequadamente dar


conta das necessidades de um indivíduo suicida. A tentativa de suicídio,
bem como a ideação suicida, são sinais de alarme. Revelam a interação de
fenômenos psicossociais complexos, afetando pessoas que vivem sob
tensão e que expressam de modo agudo o seu padecimento (MELEIRO,
TENG e WANG, 2004, p. 176).

Os autores abordam um conjunto de medidas, tais como: psicoterapia


individual, contato com familiares ou amigos, combinados com psicofármacos e, em
casos mais graves, hospitalização e eletroconvulsoterapia.
O atendimento psicológico aos familiares dos pacientes com o humor
alterado e comportamento suicida busca desenvolver ações de atenção primária à
!98

saúde mental. As alterações do humor com comportamento suicida causam


sofrimento tanto para o indivíduo afetado quanto para todos os membros de sua
família, assim como aos entes queridos, aos amigos, enfim, a toda sua rede social. A
presença ou iminência de uma desorganização mental gera ansiedades, angústias,
raivas, culpas, medos, etc., desencadeando crises nas famílias e configurando
mudanças que impõem aos profissionais, vinculados aos cuidados com a saúde
mental, práticas que possam auxiliar o grupo familiar nesse processo de
atendimento.
De acordo com o diagnóstico relacional, Moreno (1983) amplia a noção de
inconsciente ao propor o conceito de coinconsciente. Na sua concepção, a hipótese
do inconsciente de Freud é significativa apenas em termos da dimensão de uma
psique singular, mas torna-se insatisfatória para explicar os movimentos psíquicos
quando estão presentes nos tratamentos psicoterápicos de mais de um paciente,
isto é, quando se necessita fazer a transposição do tratamento individual para o de
conjuntos interpessoais.
Para Moreno (1983), aos estados conscientes comuns, denomina-se co-
consciente; aos estados inconscientes comuns, denomina-se co-inconsciente. Ele
definiu os estados co-conscientes e os co-inconscientes relativos às relações
interpessoais vinculadas por elos de tradição ou emocionais de longa duração
(cônjuges, membros de uma família, amantes, amigos íntimos, sócios comerciais,
etc.).

Quando surgem conflitos entre os membros de conjuntos desta natureza,


são necessárias certas formas de tratamento que tenham a capacidade de
atingir as síndromes interpessoais tão ou mais profundamente do que
atingirá a pessoa individual (MORENO, 1983, p. 60).

A B

IA IB

T
!99

Figura 10: Técnica da terapia interpessoal.


Fonte: Moreno, 1983, p. 62.
Legenda: A e B – Pacientes
I A – Inconscientes de A
I B – Inconscientes de B
T – Terapeuta de uma sessão terapêutica conjunta observando participante, catalisador
ou elemento que faz interpretações para os dois lados, mas que está reagindo com seu
inconsciente a A e B.

Decorre dessa concepção a premissa de que clínica psicodramática supera


outras abordagens psicoterápicas no que se refere ao tema proposto neste trabalho.
É comum nos casos de pacientes com comportamentos suicidas e alterações do
humor apresentar conflitos de ordem interpessoal, necessitando, assim, de
atendimentos conjuntos, configurando uma tríade terapêutica (como exemplo,
terapeuta-paciente-mãe; terapeuta-paciente-vizinho (a), terapeuta-paciente-
namorado (a), etc.).
Moreno (1983) traz uma proposta psicoterápica avançada para o tratamento
das relações interpessoais em que há dois pacientes em cena e um terceiro, o
psicoterapeuta, além de que todas as técnicas psicodramáticas interativas (duplo,
espelho, inversão de papéis, etc.) podem ser utilizadas nesse contexto. Trata-se de
uma ação não só de acolhimento às famílias, mas também de uma proposta
centrada na compreensão e na leitura sociométrica da organização do grupo familiar
que pode revelar à estruturação dos vínculos e às posições ocupadas por cada um
de seus integrantes para fins terapêuticos, viabilizados através de intervenção da
sociatria, isto é, uma ciência do tratamento dos sistemas sociais (MORENO, 1993).
De acordo com Roudnesco (2003), observa-se atualmente o nascimento de
uma nova família. Trata-se de uma nova ordem familiar, surgindo uma nova relação
entre os membros de uma mesma família. A família tem um papel fundamental na
transmissão dos valores como hierarquia, pertencimento, individualidade e
compromisso. Transgeracionalmente, ela contribui para o desenvolvimento
saudável. Há forte evidência de que uma rede social estável, sensível, ativa e
confiável, protege a pessoa do adoecimento, sendo, assim, geradora de saúde. Há
também evidência de que a presença de adoecimento em uma pessoa está
!100

intimamente ligada à sua rede social. A rede social afeta a saúde do indivíduo e a
saúde do indivíduo afeta a rede social em espiral recíproca (SLUZKI, 1997).
Outro aspecto que também envolve o paciente e seus familiares diz respeito à
falta de informações adequadas, de uma maneira geral, sobre saúde mental, e, de
uma maneira específica, sobre os transtornos do humor e comportamento suicida.
Torna-se necessária uma proposta terapêutica que inclua a psicoeducação.
A psicoeducação é uma ferramenta importante, uma vez que é capaz de
otimizar o tratamento, reduzindo a sintomatologia, prevenindo recorrências e
melhorando a qualidade de vida do paciente. Ela pode basear-se em alguns itens
fundamentais (MORENO e MORENO, 2005), tais como:
• Informar sobre o adoecimento e a doença;
• Informar sobre os fatores de riscos da doença e saber como identificá-los;
• Informar sobre a importância de adesão no tratamento medicamentoso;
• Orientar sobre a manutenção de uma rotina (sono, alimentação, etc.);
• Treinar o manejo de sintomas;
• Informar e orientar sobre os riscos de suicídio;
• Treinar o manejo de situações de estresse;
• Treinar os padrões de comunicação;
• Estabelecer planos para lidarem com crise, doença, recaídas e cronicidade.
Nos tempos atuais, no meio de tantas informações, algumas corretas e outras
sem o menor fundamento, o psicoterapeuta precisa tomar também o papel de
professor, ensinando de forma simples, clara e confiante o que se passa com essa
pessoa e sua rede social.
!101
!102

CAPÍTULO IV – CASO CLÍNICO

4.1. Método
4.1.1 Sujeito participante

Participou deste estudo uma adolescente do sexo feminino, 16 anos e 11


meses, solteira, cursando o segundo ano do ensino médio em uma escola pública
de Jussara (GO) e pertencente à classe média baixa. Para o desenvolvimento deste
estudo, foi realizado atendimento psicológico de abordagem psicodramática no
Ambulatório de Psiquiatria do Hospital das Clínicas (HC) da Universidade Federal de
Goiás (UFG).
Neste trabalho, a paciente está identificada com o nome fictício de Marta com
o intuito de preservar sua identidade, tendo-se como uma preocupação primordial o
consentimento da paciente e a integridade garantida com a assinatura do Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) (ANEXO 1).

4.2. Materiais e instrumentos

As intervenções psicoterápicas foram realizadas em consultório ambulatorial


do Hospital das Clínicas para atendimento bipessoal, composto de mesa, cadeiras,
ar condicionado, canetas e folhas para anotações, folhas de registros de casos e
roteiro de entrevista semi-estruturada do PATS, folhas de evolução em prontuários e
o prontuário da paciente.

4.3. Procedimentos

A paciente foi encaminhada pelo médico do Cais da cidade de Jussara (GO)


ao Hospital das Clínicas da UFG. Sua história clínica apresentava episódio de
depressão com tentativa de suicídio. A paciente, acompanhada por sua mãe, passou
primeiro por uma consulta psiquiátrica e foi encaminhada para acompanhamento
psicológico no Programa de Estudos e Prevenção ao Suicídio e Atendimento aos
Pacientes com Tentativas de Suicídio (PATS). A paciente recebeu atendimento
!103

psicológico no mesmo dia de sua consulta psiquiátrica por tratar-se de um caso de


urgência. Ela veio encaminhada pelo psiquiatra com a hipótese diagnóstica como
episódio depressivo.

Em novembro de 2007, iniciou-se seu acompanhamento psicológico. Cada


sessão terapêutica teve duração de 40 a 50 minutos com ocorrências de sessão de
mais de uma vez por semana – nas três primeiras semanas de tratamento – para
melhor resposta clínica. Depois passou para uma vez por semana. Após sete
meses, as sessões tinham intervalos cada vez maiores: quinzenalmente,
mensalmente e, depois, trimestralmente, contabilizando sessenta sessões.
Nos dois primeiros contatos com a paciente com comportamento suicida e
com sintomas depressivos, deu-se prioridade em acolher a queixa apresentada.
Tratou-se de um acolhimento psicológico em que a tarefa principal da
psicoterapeuta foi a de estar atenta e de ser sensível ao modo de responder à
paciente, incluindo as respostas não verbais. A curto prazo, o objetivo principal foi o
estabelecimento e a manutenção de um bom vínculo no qual a paciente dava o seu
consentimento, ainda que de forma implícita (matriz sociométrica), para desenvolver
uma aliança de trabalho.
A médio e a longo prazo estabeleceu-se um plano terapêutico que buscou
um resgate do desejo e de razões para viver, bem como a restauração do
funcionamento social, cognitivo e ocupacional da paciente. Para atingir essa meta,
foi dada uma ênfase aos fatores de proteção ao suicídio. No plano terapêutico,
elegeu-se juntamente com a paciente os temas mais emergentes a serem
abordados na psicoterapia. Tratou-se de uma psicoterapia psicodramática focada no
tema.
Foram realizadas orientações psicoeducativas que objetivaram atenuar o
desenvolvimento ou o agravamento do adoecimento, bem como reforçar a aderência
ao tratamento. No decorrer do acompanhamento psicoterápico e evolução do
tratamento, o caso era apresentado e discutido com a equipe do PATS.
Após um ano de tratamento, a paciente estava mais tranquila, buscando
novas formas de enfrentamento, sem ideação suicida e com humor mais estável,
sem recorrências de episódios depressivos.
A paciente recebeu alta do tratamento psicoterápico.
!104

4.4 Encontro clínico

Do adoecimento atual – um mês antes do início desta intervenção clínica –,


a Irmã Clemente, da igreja em que Marta frequentava, levou-a a uma consulta com
um clínico geral pois se apresentava triste, desanimada, faltando às aulas e com
emagrecimento. O médico prescreveu uma medicação antidepressiva, mas sem
melhora. Ela começou a apresentar episódios de auto-mutilação, com pequenos
cortes de tesoura nos braços. Na semana anterior a esse episódio, a Irmã Clemente
percebeu que Marta estava piorando e levou-a para consultar com um psiquiatra em
Jussara (GO). Foi prescrito outro antidepressivo do qual ela nem tomou, e, um dia
antes dessa entrevista, Marta cortou os pulsos, indo para o Cais. Em seguida, foi
encaminhada para o Hospital das Clínicas de Goiânia.
Destacou-se, na história pregressa, o fato de seus pais sempre brigarem
muito. A lembrança mais antiga de briga de seus pais ocorreu quando ela tinha 3
anos de idade. Sua reação foi de muito choro, e era sempre o pai quem a consolava
e a acalmava, pois a mãe era sempre muito nervosa. Nasceu de parto normal e sua
mãe teve depressão pós-parto, sendo que sua avó materna quem lhe prestou os
primeiros cuidados. Foi amamentada no seio materno até os dois meses e, então,
passou a ser amamentada na mamadeira. Sempre que chorava muito e não
conseguia dormir, seu pai quem conseguia acalmá-la até que dormisse. Com
desenvolvimento psicomotor adequado, era uma criança sociável que aprendia com
muita facilidade, mas seu temperamento era destemperado, isto é, ora muito alegre,
ora muito chorona. Ao mesmo tempo em que era amável, era muito agressiva. Com
boa saúde física e apresentando apenas doenças comuns na infância, negou
convulsões ou TCE.
Com relação aos hábitos alimentares e ao sono, Marta sempre teve
dificuldades. Segundo ela, “minha avó inventava pratos diferentes e coloridos, mas,
mesmo assim, eu não aceitava, comia só o que queria. Minha avó fala que como
muito besteira”. Era comum passar por fases de comer exageradamente e
compulsivamente, e outras em que havia total perda do apetite. O sono era também
desregulado já que costumava ficar acordada até de madrugada, assistindo TV.
!105

Houve relatos de não dormir nem um pouco á noite e, no outro dia, sentir-se elétrica
e inquieta.
Com relação ao desenvolvimento sexual, a menarca ocorreu aos quatorze
anos e, desde então, com ciclos irregulares: ora tinha ausência de menstruação e
ora com hemorragias. Embora tenha recebido orientações sexuais na escola, Marta
apresentava dúvidas e pouco interesse no assunto. Ficava muito nervosa quando
seus familiares ou os líderes da Igreja demonstravam medo de que ela
engravidasse, mas afirmou que, até então, não havia tido experiência sexual.
Com relação à sua vida escolar, sempre foi uma boa aluna, com boas notas.
Apesar de ser inquieta e irritada, e brigar com facilidade, conseguia manter suas
notas estáveis mesmo em períodos em que estava impaciente. Relacionava-se bem
com os colegas e comentou que, em Jussara, todas as pessoas a conheciam pois
sempre foi muito comunicativa. Sua mãe comentou que era difícil sair com ela pelas
ruas da cidade já que ela sempre parava para conversar com as pessoas. Em tom
de ironia, sua mãe disse que ela podia até se candidatar.
Marta definiu seu jeito de ser como sendo uma pessoa instável, ora estava
muito alegre e ora estava muito triste. Havia momentos em que adorava estar no
meio de muitas pessoas; em contrapartida, havia aqueles em que não queria fazer
nada e detestava estar no meio de pessoas. Existiam períodos em que fazia muitos
planejamentos, as ideias fluiam com muita facilidade e tinha muita energia para fazer
as coisas, mas havia períodos em que, em razão de desânimo e falta de energia, só
queria ficar no quarto. Dizia que gostava muito de crianças e trabalhava na creche
da igreja que frequentava. Na igreja, era muito atuante e já havia feito vários cursos,
no entanto, quando se sentia triste e desanimada, era capaz de abandonar tudo.
Considerou que, naquela instância, estava passando por aquele momento. Não
estava trabalhando e faltava muito às aulas.
Dos antecedentes familiares, a mãe da paciente, S., que, no momento desta
pesquisa, contava 34 anos, estudou até a quarta série. Costureira, S. possui
estatura baixa e magra. Sempre teve problemas de saúde associada a quadros
depressivos. Sobre sua filha, segundo ela, “é muito nervosa e impaciente,
principalmente comigo”. Seu pai, B., também com 34 anos quando na realização
dessa investigação científica, estudou até a 8ª série (através do programa Acelera
Brasil). Naquele período da pesquisa, trabalhava na fazenda. Fisicamente falando,
!106

possui estatura baixa. Foi definido pela filha como “muito calmo, dócil e tranquilo.
Quando eu era bebê, ele me conta que só ele conseguia me fazer parar de chorar e
me fazer dormir”.
A mãe de Marta ficou grávida dela aos dezesseis anos e, quando Marta
nasceu, sua mãe já tinha completado dezessete anos. Eles se casaram poucos dias
antes de seu nascimento. Ela é filha única e seus pais separaram-se quando tinha
três anos de idade. Sua mãe voltou para casa de seus, em Jussara, e seu pai
mudou-se para Natal (RN). Após alguns meses, seu pai retornou para Jussara, mas
sua mãe já estava namorando outra pessoa. Com o retorno de seu pai, sua mãe
resolveu mudar-se para Pimenta Bueno junto ao seu novo companheiro e à sua
filha. Nesse período, sua mãe mudou-se várias vezes. Retornou para Jussara, após
um ano e meio, e foi morar com as tias de Marta e seus primos. Nesse tempo, o pai
de Marta retornou para Natal, permanecendo lá por uns quatro anos. Aos nove anos,
Marta foi morar com a madrinha, em uma casa próxima de sua avó materna, mas
acabou ficando cada dia em uma casa, ora na madrinha, ora na avó materna. Em
função dessa instabilidade de moradia, os avós paternos exigiram judicialmente a
sua guarda, alegando que ela não estava sendo bem cuidada. Ela morou com os
avós paternos por seis meses, onde ficou muito nervosa e agressiva, chorando
sempre muito. Devido a esse comportamento, ela passou a morar definitivamente
com os avós maternos. Seu avô materno, 65 anos, aposentado, foi definido por
Marta como “calmo, tranquilo, mas é muito chorão. Minha relação com ele é muito
boa, pois com jeitinho especial ele me acalma. Já minha avó é baixinha, gordinha,
muito estressada e nervosa, mas sorridente. Com ela eu brigo muito, principalmente
quando é ora de comer”.
Com relação aos antecedentes patológicos familiares, Marta teve uma tia
que tinha depressão e cometeu suicídio, enforcando-se. Ela não tinha contato com
esta tia, mas se lembra dela em um velório do tio, cuja morte foi em razão de cirrose.
Logo após esse velório, em um intervalo aproximado de 24 horas, sua tia suicidou-
se. Mesmo essa tia morando em Jussara, Marta não tinha contato com ela,
recordando apenas de ir ao velório dessa tia. Sua mãe, também depressiva, já falou
várias vezes em se matar, mas nunca houve tentativas.
!107

Logo a seguir, estão transcritas as duas primeiras sessões clínicas com a


paciente e o tratamento e evolução que serviram para as reflexões, os
comentários, as indicações, os alcances e os limites da clínica psicodramática.

1ª Sessão
T: Qual o motivo de você estar aqui?
P: Tentei suicídio (mostrando seus dois braços com marcas de cortes nos
pulsos, além de várias marcas em ambos os antebraços).
T: Você está acompanhada?
P: Sim, minha mãe está lá fora, mas eu não quero que ela entre
(demonstrando irritabilidade e hostilidade).
T: Tudo bem! Neste momento, não vou chamá-la. Gostaria de tentar ajudá-la.
P: Minha vida não tem mais graça. Acho que seria melhor se eu tivesse
morta, pois assim traria alívio para os meus pais. Desde o meu nascimento sou um
peso pra eles. Mas eu nem moro com eles.
T: Com quem você mora?
P: Com meus avós em Jussara. São pais da minha mãe. Meu pai mora em
Jussara, mas trabalha em uma fazenda. Minha mãe mora aqui em Goiânia. Mesmo
separados eles brigam muito. Sempre acho que sou a razão das brigas deles.
T: E sempre que eles brigam sua vida perde o sentido?
P: Sim, perde a graça viver. Cheguei a falar pra uma amiga que não chegaria
aos 17 anos. Antes do meu aniversário estaria morta.

Durante alguns instantes, a paciente e a psicoterapeuta permaneceram se


olhando até, subitamente, a paciente começar a chorar. Espontaneamente, Marta
continuou seu relato sobre sua história pregressa. Com tais declarações para essa
amiga, Marta revela o alto risco de suicídio. Na medida em que Marta relatava sua
história, o campo tenso entre a paciente e a psicoterapeuta foi diminuindo, e
aumentando o firmamento de um vínculo de confiança, ao ponto de lhe ser fornecido
o número de celular da psicoterapeuta, assegurando-lhe de que ela poderia ligar
quando precisasse. No momento adequado, foi firmado o contrato de prevenção do
suicídio. Trata-se de um contrato de “não lesão”. Foi firmado com a paciente (por
parte da psicoterapeuta) um compromisso de que ela não iria tentar suicídio, sendo-
!108

lhe ainda solicitado que não retornasse para sua cidade até que (a psicoterapeuta)
percebesse a sua melhora. Ela aceitou, mas disse que não queria ir para casa de
sua mãe, o que lhe foi questionado se havia algum parente com quem ela gostaria
de permanecer. Informou que seu pai estava vindo de Jussara e que gostaria que
ficassem juntos na casa de uma tia.
No final da sessão, quando aparentava estar bem mais calma, foi-lhe pedido
a permissão para falar com sua mãe. Esta entrou no consultório muito nervosa,
demonstrando um certo desespero por não saber como lidar com a filha naquela
situação. Foram realizadas orientações em relação aos cuidados necessários para
evitar uma nova tentativa de suicídio, além de um contrato com a mãe de Marta. Ela
se comprometeu com cuidados fundamentais como não deixar a paciente sozinha,
retirar objetos de risco de casa, administrar as medicações, jamais deixando os
medicamentos com a paciente, etc. Diante da gravidade do caso (da possibilidade
de uma nova tentativa), foi marcada uma sessão para o dia seguinte e solicitada a
presença do pai da paciente.

2ª Sessão
A paciente apresentou-se com olhar triste, com aparente desinteresse e
cansaço, mas colaborativa com a entrevista.
T: Quando você tentou morrer?
P: No dia 19 de novembro.
T: Em que dia da semana?
P: Terça-feira.
T: A que horas?
P: 12:30
T: Onde?
P: No meu quarto.
T: Depois de que atividade?
P: Quando cheguei da escola. Na verdade eu fui pra escola, mas não
consegui ficar na sala de aula. Eu estava muito triste, querendo ficar sozinha e com
muita vontade de sumir. Fui pra casa e fiquei no meu quarto.
T: Havia mais alguém em casa?
P: Sim, meus avós estavam no quarto deles.
!109

T: Falou dessa vontade de morrer anteriormente para alguma pessoa?


P: Sim, no mesmo dia. Mas antes eu já tinha falado pra uma amiga minha que
não chegaria aos 17 anos, pois estaria morta antes de meu aniversário. Faço
aniversário no dia 28 de novembro.
T: Qual o tempo entre a tentativa de suicídio e a ajuda recebida?
P: Primeiro eu entrei para o meu quarto e comecei a furar meus braços com a
tesoura. E depois cortei os pulsos, mas quando eu vi sangrando peguei uma toalha,
fui pra casa de minha afilhada. Minha tia viu e me levou para o postinho.
T: Por que escolheu esse meio de tentativa?
P: Eu não tenho coragem de me enforcar. Mas, de me cortar, eu tenho.
Quando estou muito angustiada, sinto alívio ao me cortar.
T: Já tinha pensado em morte outras vezes?
P: Sim, várias vezes. A primeira vez que eu tentei, tinha 10 anos. Tomei duas
cartelas de Dorflex.
T: Então já houve tentativas anteriores?
P: Sim, antes de cortar os pulsos, há uns cinco dias tomei vinte comprimidos
que o médico tinha me passado, mas ninguém percebeu que era uma tentativa para
morrer. Meus avós acharam que era fraqueza, pois dormi muito. Como eu estou
muito fraca e magra, me levaram ao posto de saúde pra tomar soro.
T: Quais são suas intenções com essas tentativas de suicídio?
P: Deixar de ser um peso para os meus pais.
T: Em que circunstâncias você se sente um peso pra eles?
P: Quando eles brigam por minha causa ou quando estou triste no meu quarto
e fico pensando coisas ruins.
T: Quando essas ideias de morte vêm, tudo parece estar ruim na sua vida,
você pode contar com apoio de alguém, parentes e amigos?
P: A primeira pessoa que eu penso é na minha afilhada. Lembro-me do
sorriso dela, o quanto ela é importante pra mim. Lembro que quero acompanhar o
crescimento dela. E sei que posso contar com a irmã Cleusa, lá da Igreja. Ela que
me levou pra consultar.
T: E como está seu relacionamento com as pessoas da igreja?
P: Eu sou líder de jovens na Igreja Católica de Jussara. Em março deste ano
a Irmã Cleusa e o Bispo Aroldo descobriram que eu estava namorando escondido
!110

com um outro líder. Eu não contei do meu namoro pra ninguém e isso foi me
sufocando. Como eu e ele somos líderes, não podemos namorar. No primeiro
encontro de formação para coordenadores em Santa Fé de Goiás, o Bispo nos
chamou para conversarmos. Ele foi direto ao assunto, perguntou se éramos
namorados. Quando eu respondi que sim, ele falou que era pra fazer uma escolha
entre o namoro e a coordenação. Deu um prazo de 24 horas pra refletir e tomar uma
decisão. Foi muito difícil. Eu estava feliz como coordenadora de jovens e também
namorando alguém que gostava muito. Juntos tudo parecia um sonho, só que tinha
tornado um pesadelo. Eu não queria ficar longe dele, mas também não queria sair
da pastoral. Então, conversamos e decidimos terminar o namoro. No mês seguinte,
minha amiga desde pequena, que considero como irmãzinha, me diz que no meio do
ano mudaria para Belo Horizonte. A notícia caiu como uma bomba pra mim. Fiquei
sem saber o que fazer. O mundo parecia que estava desabando sobre a minha
cabeça.
T: Essas experiências têm sido muito dolorosas para você?
P: Você acha que é só isso? Em maio eu assisti à morte de um amigo de
infância. Como de costume, passei na casa dessa minha amiga Maria para irmos
juntas para o colégio. Ao chegarmos perto da rotatória, Evandro passou de moto
pela gente. Cumprimentou, dizendo: Oi! Quando dei fé, olho pra trás e ele já tá caído
no chão. Foi muito rápido, parece que bateu a moto na ilha, caiu e bateu a cabeça.
Foi um choque pra mim. Ele era meu melhor amigo e morreu.
T: Sente-se culpada pela morte dele?
P: Sim. Se ele não tivesse olhado pra nós pra cumprimentar, ele não teria
batido a moto na rotatória e não teria morrido. Desde a morte dele tenho ficado
muito nervosa. Pra falar a verdade, quando estou com raiva, ninguém chega perto,
porque senão é pior. Quando entro no meu quarto, quebrando ou rasgando algo,
ninguém se atreve entrar lá. Não sei o que foi pior se a morte dele ou a morte de
uma aluna da creche.
T: Quando aconteceu?
P: Tem pouco mais de um mês.
T: Como aconteceu?
!111

P: Ela foi atropelada por um carro. Chegou ir para o hospital, mas não resistiu
e morreu. No velório eu ia contar com o grupo da Igreja, mas não consegui ficar lá e
fui embora antes do enterro.
T: Parece que tem sido muito difícil lidar com tantas perdas?
P: É muito confuso pra mim. E sempre que estou confusa eu fico muito
nervosa.
T: Estando nervosa é comum quebrar objetos?
P: Já rasguei vários cadernos, já quebrei várias coisas no meu quarto. Já
perdi as contas de quantos celulares joguei na parede. Acho que já foi uns dez!
T: E como é o seu relacionamento com as pessoas quando está irritada?
P: Com meu avô é mais tranquilo, mas com a minha avó é só brigas. Brigo
muito com a minha avó, principalmente na hora de comer. Às vezes, eu como muito
e depois me arrependo. Quando estou muito ansiosa, como muitos doces e
chocolates. Assistindo TV já chupei um saco de balinhas, mas ultimamente não
tenho sentido fome. Mal tomo o café da manhã. Já emagreci onze quilos.
T: E a sua menstruação está regular?
P: Já tem dois meses que não menstruo. Tudo é tão confuso pra mim, não sei
o que fazer. Já chegaram a falar que estou grávida por causa das minhas tonturas.
Só se eu tiver grávida, deve ser do Divino Espírito Santo (diz com ironia). Essas
desconfianças me deixam muito nervosa. Só penso em morrer, pra acabar com isso.
T: Nesses momentos a vida perde o sentido?
P: Sim, não tem mais graça.
T: Está com dificuldades na escola?
P: Eu nunca tive dificuldades na escola, sempre tirei boas notas. É difícil ficar
quieta na sala, mas ultimamente estou sem energia, sem força, com dificuldade pra
ter atenção. Tenho faltado muito às aulas.

Após essa entrevista com a paciente, foi-lhe pedido a permissão para que o
seu pai entrasse no consultório. Foram realizadas as mesmas orientações dadas à
mãe da paciente. Quando questionado sobre sua relação com a filha e como estava
lindando com o fato de ela querer por fim à vida, ele ficou muito emocionado e a
abraçou. Relatou que pediu licença do seu trabalho em Jussara e viria para Goiânia
para cuidar dela.
!112

Após a primeira semana: A paciente apresentou leve melhora da ideação


suicida, mas estava com humor alterado, rebaixado, com o sono e o apetite
prejudicados. A paciente estava mais confiante no tratamento e segura de que
existia alguém que compreendia seu sofrimento psíquico. Os temas focados nesse
momento foram as Ideias de morte e as perdas. Esses temas foram trabalhados
utilizando principalmente a técnica do duplo. As sessões aconteceram do tipo
bipessoal (psicoterapeuta e paciente) e interpessoal (psicoterapeuta, paciente e um
terceiro elemento: a mãe ou o pai da paciente).
Após a segunda semana: A paciente apresentou-se um pouco melhor, com
uma leve diminuição das ideias de morte e sem gestos de automutilação, mas com
humor irritadiço, sem paciência e brigando muito com várias pessoas de seu átomo
social. Relatou vários episódios em casa com brigas com a mãe e o padrasto.
Decidiu que não iria mais voltar para Jussara (GO). Manifestou seu desejo de
continuar o tratamento no ambulatório. “Não sei como vai ser aqui. Eu e minha mãe
não nos batemos bem. Quero procurar uma igreja aqui em Goiânia, terminar o
ensino médio e prestar o vestibular para Enfermagem” (sic). O tema focado foi o
vínculo materno.
Após a quarta semana: Nesse período, foram tratados os pensamentos de
morte: a paciente fez a tomada de papel com os personagens de assassina e de
vítima. De cada um desses personagens foi explorada a estrutura de determinados
campos específicos de lógicas afetivas e de ação. Como personagens fictícias, a
paciente apresentou o intrapsíquico e interpsíquico (em sua forma culturalmente
desempenhada).
Após a sexta semana: A paciente manteve as queixas depressivas e de
ideação suicida. A intervenção psicoterápica buscou estabelecer uma abordagem de
apoio psicológico somado à intensificação dos contatos telefônicos e atendimentos
familiares nos atendimentos interpessoais em que a mãe da paciente esteve
presente. Foi utilizada a técnica de inversão de papéis.
Após dois meses: A paciente permanecia ainda com humor alterado, sono
diminuído, falando muito, irritabilidade acentuada, leve agitação psicomotora e
distraibilidade. Mesmo com a paciente se apresentando irritada, durante as sessões
chamou a atenção o fato de que em nenhum momento houve qualquer
comportamento inadequado com a psicoterapeuta. Chegava na sessão com muita
!113

raiva, mas não demonstrava a necessidade de “atacar” sua psicoterapeuta


(idealizada). A sua tentativa de conter-se na expressão da raiva era evidente. Era
comum sair da sessão ainda irritada, embora com menor intensidade. Nesse
período, o tema da raiva foi focado, sendo utilizada técnica do duplo e a tomada de
papel do personagem raiva. Foi uma época difícil, pois a distraibilidade e a alteração
de humor dificultavam a abordagem psicoterápica. Sendo assim, a paciente tinha a
liberdade de interromper sempre que fosse necessário.
Após três meses: A paciente aumentou significativamente a ideação suicida
e os sintomas depressivos. Passou a não ter mais planos para o futuro, com um
aumento significativo da desesperança: “não sei se vou viver até a Páscoa”. Na
consulta psiquiátrica, houve alteração na conduta medicamentosa e
encaminhamento para o Pronto Socorro Psiquiátrico Wassily Chuc. A paciente teve
sua primeira internação psiquiátrica, permanecendo internada por um mês. Durante
esse período de internação, a paciente manteve contatos telefônicos com a
psicoterapeuta.
Após o quarto mês: A paciente retornou ao atendimento ambulatorial com
humor mais estável e com diminuição da ideação suicida. Nesse interim, a
psicoterapia focalizou os seguintes temas: perdas e luto; disputas de papéis na
relação mãe-filha; dificuldades de habilidades interpessoais; internação psiquiátrica.
As técnicas utilizadas, de acordo com os temas, foram: o duplo, o espelho e a
tomada de papéis. Após essa internação, a mãe da paciente não compareceu mais
aos atendimentos familiares, mas seu pai, em algumas ocasiões, a acompanhou nos
atendimentos.
Após o sexto mês: A paciente teve uma recaída em parte por conflitos
familiares porque suspendeu os remédios por conta própria, além de que sua mãe
queria que ela parasse com o tratamento por considerar que não resolvia nada.
Como consequências, vieram as reações explosivas. Ela quebrou seu celular, assim
como a fechadura da porta de seu quarto quebrou de tanto batê-la; rasgou vários
cadernos da escola; etc... Nesse período, seu pai acompanhou a filha nos
atendimentos psicológicos. A psicoterapia focou orientações psicoeducativas.
Após sete meses: A paciente começou namorar um jovem que morava perto
de sua casa e frequentava a mesma igreja que ela. Iniciou o relacionamento bem.
Levou-o a uma sessão para que sua psicoterapeuta pudesse conhecê-lo. Durante
!114

esse tempo, o foco da psicoterapia foi o seu papel de mulher. De forma geral, foram
abordados temas como sexualidade, métodos contraceptivos, papel do homem e
papel da mulher na relação, etc. Os temas foram tratados com a técnica de tomada
de papel do outro.
Após dez meses: Um mês antes de Marta completar os dezoito anos,
começou a achar que estava grávida, uma vez que mantinha relações sexuais com
seu namorado. Iniciou-se uma nova recaída dos sintomas depressivos, mas sem
ideação suicida. Começou a se isolar, diminuiu a frequência escolar e as idas à
igreja. Embora tivesse recebido o resultado negativo de gravidez, manteve o mesmo
quadro de sintomas depressivos: humor deprimido, desinteresse, perda de peso,
perda de energia e isolamento social. A psicoterapeuta focalizou os aspectos
psicológicos da necessidade de repetir a história da mãe que ficou grávida dela na
idade de dezessete anos, próxima a completar dezoito anos. Foi utilizada,
principalmente, a técnica tomada de papel. Nesse período, seus pais não
comparecerem mais ao ambulatório de psiquiatria.
Após um ano: A paciente apresentava-se com humor estável, sem queixas,
tristeza ou desânimo e sem ideação suicida. Voltou a trabalhar em uma creche da
igreja. Para concluir o terceiro ano do Ensino Médio, foi feito um relatório médico e
psicológico a fim de que a paciente fizesse as avaliações escolares como aluna
especial. Passou no vestibular para Pedagogia já que tinha decidido que não queria
mais ser enfermeira. A disposição física e o prazer em realizar as atividades
cotidianas se recuperaram.
Após um ano e meio: As sessões psicoterápicas tinham intervalos cada vez
maiores: mensalmente e, depois, trimestralmente, pois os sintomas depressivos e a
ideação suicida foram desaparecendo. A desesperança e a ameaça viva de suicídio
cederam espaço a atendimentos quase sem demandas ou queixas. A paciente
apresentava-se mais autoconfiante e com o humor estável. Ela afirmava que nunca
tinha experimentado uma vida tão tranquila como naquele momento. Decidiu
firmemente que não queria mais voltar para Jussara (GO), embora seus pais
insistissem muito para que voltasse. Deixou de morar com sua mãe e foi morar com
uma madrinha. O contato com o pai foi diminuindo. A paciente manteve-se estável
por período superior a seis meses, algo que não havia ocorrido até o momento.
!115

CAPÍTULO V – DISCUSSÃO E RESULTADOS

Várias vertentes podem ser tomadas para a discussão do episódio depressivo


com comportamento suicida na clínica psicodramática. Pode-se anunciar que se
trata de clínica e não se pretende esgotar todas as possibilidades de discussão, ao
contrário, eleger algumas que parecem mais relevantes sem conseguir esgotar um
fenômeno tão complexo.
Primeiro, destaca-se o diagnóstico. Como foi amplamente abordado
teoricamente, há vários tipos de diagnósticos que permitem compreensões
diferentes de um mesmo caso clínico, lembrando que não são excludentes, mas sim
complementares.

Diagnóstico clínico:

As hipóteses diagnósticas apresentadas após avaliação clínica, segundo


DSM – IV – TR (1995) (ver p. 76), foram as seguintes:

Eixo I: Episódio depressivo maior.


Eixo II: Transtorno de personalidade borderline.
Eixo III: Exames complementares normais. Mudança de peso significativa
(informações médicas registradas no prontuário da paciente).
Eixo IV: Problemas com o grupo primário de apoio.

De acordo com os critérios diagnósticos da CID – 10 (ver p. 74-5), sugere-se


a hipótese diagnóstica de episódio depressivo grave sem sintomas psicóticos.
Atualmente, a depressão em adolescente é considera-se comum, debilitante e
recorrente. Envolve alto grau de morbidade e mortalidade. Os sistemas diagnósticos
atuais definem que os sintomas básicos de um episódio depressivo maior são os
mesmos em adolescentes e adultos, entretanto, existindo uma caracterização
sintomatológica predominante da faixa etária. De acordo com DSM-IV (1995),
destaca-se que a alteração do humor na criança e no adolescente pode ser irritável.
Adolescentes com depressão apresentam-se principalmente irritáveis e instáveis,
!116

podendo ocorrer crises frequentes de raiva e até mesmo comportamentos


explosivos.
Embora haja características próprias da fase adolescente, é necessária uma
especial atenção ao diagnóstico diferencial: transtorno de personalidade borderline e
depressão bipolar.
Transtorno de personalidade borderline: elege alguns traços deste
transtorno no caso de Marta:
• Comportamento suicida e gestos automutilantes;
• Um padrão de relacionamentos interpessoais instáveis e intensos;
• Perturbação da identidade (na autoimagem);
• Impulsividade;
• Recorrência de comportamento suicida;
• Raiva inadequada e intensa.
Depressão bipolar: pode-se dizer que essa é uma tarefa árdua – traçar uma
linha divisória entre o transtorno unipolar e bipolar – principalmente em casos
clínicos com sintomas depressivos que não evidenciam uma hipomania como um
estado patológico (MORENO e MORENO, 2005).
O comportamento suicida não pode ser atribuído somente à presença de um
transtorno mental, por isso que se destacaram, neste trabalho, os fatores de risco de
suicídio do caso clínico aqui apresentado. De acordo com os fatores de risco
elegidos por Botega (2002) e Meleiro, Teng e Wang (2004), encontram-se os
seguintes aspectos no caso de Marta:
• Sociodemográficos: a faixa etária adolescente.
• Psicológicos
- Solidão e isolamento social;
- Relações conflituosas;
- Perdas recentes de parente e amigos próximos;
- Abuso emocional;
- Reação ao aniversário.
• Comportamento suicida
- Tentativas prévias de suicídio;
- Desesperança;
- Impulsividade;
!117

- Ambivalência afetiva;
- Agressividade.
• Psiquiátricos
- Episódio Depressivo.
- Organização de Personalidade Borderline.
• Familiares
- História familiar de suicídio (tia suicidou-se);
- História familiar de doença psiquiátrica (mãe com depressão recorrente);
- Abuso emocional na infância;
- Instabilidade familiar.
De acordo com Corrêa e Barrero (2006), podem ser considerados, no caso de
Marta, os seguintes fatores:
• Fatores predisponentes
- Infância problemática;
- Abandono paterno;
- Morte de entes queridos;
- Condutas suicidas;
- Depressão materna;
- Mau-trato psicológico.
• Fatores reforçadores
- Preocupações sexuais em relação à religião;
- Mudanças físicas.
• Fatores precipitantes
- Ruptura de uma relação valiosa (amiga de infância comunica sua mudança de
estado);
- Morte de um amigo e uma aluna da creche.
Como fatores de proteção, de acordo com Meleiro, Teng e Wang (2004),
podem ser encontrados:
- Habilidade de avaliar a realidade (não há uma ruptura psicótica);
- Religiosidade;
- Suporte social positivo nas relações interpessoais da Igreja;
- Vínculo forte com crianças, principalmente a sua afilhada;
- Relação terapêutica positiva.
!118

Diagnóstico psicodinâmico

Em virtude de a autora deste trabalho não ter uma formação em psicanálise,


não foi possível aprofundar na análise psicodinâmica e estrutural do caso clínico
aqui apresentado. De todo modo, é válido lembrar que o objetivo principal foca-se na
clínica psicodramática que permite as buscas de um conhecimento multifacetado em
casos psicopatológicos.
Bloss (1985, p. 31) afirma que “o fato de o amor de menina pertencer à mãe,
predestina esta última a ser sempre considerada como um refúgio em momentos de
crise”. No caso de Marta, possivelmente ela estava buscando na mãe o refúgio
esperado durante a vivência de momentos de crise: mudanças na autoimagem,
perdas, luto, namoro, etc.

(...) isso se evidencia particularmente quando há o sentimento de falta de


amor materno, ou este é sentido como perigoso e antagônico, e é
desesperadamente buscado pela menina durante o resto da vida (BLOSS,
1985, p. 31).

As queixas de Marta em relação à mãe revelaram a busca do amor materno e


o lugar que perdeu (ou nunca teve) com o distanciamento materno. Adolescer,
crescer e tornar-se uma mulher geraram intensos medos em Marta.
Segundo Werlang e Botega (2004), quando aborda a perspectiva psicológica
do comportamento suicida, a pessoa dirige sua agressividade contra si mesma, mas,
na realidade, quer atacar um objeto exterior que está introjetado no seu ego. O
suicida identificado com o objeto perdido deseja desaparecer da vida. No caso
pesquisado nesta pesquisa, a paciente dirigiu a sua agressividade contra si mesma,
enquanto que, na verdade, queria atacar a figura materna. Marta atacou o objeto,
mas tratava-se de um objeto do qual ela dependia. É como se dissesse à mãe:
“Você tem leite bom e não me dá”. Marta precisava da mãe para contê-la, precisava
de ajuda para conter a sua própria impulsividade (o Id), não obstante, havia falhas
na relação, na função materna em satisfazer suas necessidades básicas para o
desenvolvimento egóico. Consequentemente, essa falha na díade mãe–filha refletiu
outro aspecto importante: o conflito edípico. Para Bloss (1985), os intensos
sentimentos edipianos reaparecem. Nessa trama edipiana, Marta buscou uma
!119

possível resolutividade para os conflitos internos através de algum método estável e


eficaz na tentativa de dominar os perigos derivativos de seus impulsos. Na medida
em que a psicodinâmica desse triângulo apresentou falha, houve esforço em conter
e controlar os impulsos agressivos, mas com falhas. Nesse cenário de
ambivalências, o apelo encaminhou-se para o suicídio. O desejo de morte nessa
trama triangular tornou-se inconsciente, embora a culpa fosse consciente. Marta
afirmou que “minha vida não tem mais graça. Acho que seria melhor se eu estivesse
morta, pois assim traria um alívio para os meus pais”.
Aparentemente, a figura masculina pareceu ser boa, pois exerceu uma função
apaziguadora. Marta definiu seu pai como “muito calmo, dócil e tranquilo. Quando eu
era bebê, ele me conta que só ele conseguia me fazer parar de chorar e me fazer
dormir”. Foi justamente essa impressão que se teve do pai de Marta: um pai calmo e
presente, principalmente quando, no acompanhamento psicológico familiar, disse
que iria pedir licença em seu trabalho para cuidar de sua filha. Apesar disso, no
decorrer do tratamento, sua assistência vai desaparecendo. Essa primeira imagem
foi substituída por uma ausência paterna, prejudicando, assim, a possível
resolutividade edípica.
Anna Freud (2006) considera que, em função do conflito existente na tríade
Id–Ego–Superego, o sujeito desenvolve os mecanismos de defesa que são
destinados a protegê-lo contra impulsos ou afetos que possam ocasionar os conflitos
que geram angústia. Embora tenha funções protetoras na busca de auxiliar na
integração egóica, pode-se formar de maneira inadequada ou mesmo destrutiva,
desenvolvendo-se, assim, os distúrbios psíquicos. Nesse sentido, Marta tentou
apoiar-se nos mecanismos de defesa, mas, como ocorreram repetidos fracassos,
emergiram os sintomas depressivos e suicidas.
Outra questão refere-se ao fato de que viver significa enfrentar várias mortes,
e essa adolescente deparou-se com uma sequência de perdas, gerando uma série
de lutos mal elaborados. De acordo com Bromberg (1996, p. 101), “o luto é a morte
do outro em si. Só existe luto quando tiver existido um vínculo que tenha sido
rompido”. Na fase adolescente, é difícil lidar com a concretude da morte. Diante de a
perda do vínculo, ela se culpa e se considera a pior pessoa do mundo. Freud
(1915/1969) considera a forma patológica do luto na melancolia. Seguindo essa
ideia do autor, Marta apresentou os sintomas da melancolia (ver p. 54-5) e três pré-
!120

condições da melancolia: perda do objeto, ambivalência e regressão da libido ao


ego.
No luto normal, especialmente durante os primeiros dois meses após a perda
de uma pessoa especial, pode haver, inicialmente, sintomas de depressão
(BROMBERG, 2000) que vão diminuindo, de forma gradual, com o passar do tempo.
Indicações de que uma pessoa em luto está desenvolvendo uma depressão incluem
a preocupação com a culpa, o sentimento de que a pessoa causou a morte do ente
querido, além de pensamentos suicidas (verificar quadro à p. 80 desta pesquisa).

Diagnóstico Estrutural:

De acordo com Bergeret e Cols (2006), é importante, ao tentar definir um


quadro clínico, buscar um ponto de apoio nas referências estruturais da
personalidade. Esse diagnóstico revela a organização psíquica do sujeito. Ao nascer
(talvez até antes), o sujeito, pouco a pouco, com a hereditariedade, com a relação
com os pais (ou quem cumpre a função materna e paterna), com os conflitos
encontrados e sua formação de defesas, etc. teria um formato de funcionamento
psíquico organizado de maneira cristalizada. No caso de Marta, foi possível perceber
uma organização de personalidade borderline onde o sintoma foi depressão e a
angústia foi a de perda do objeto. Por certo, ao experimentar fortes conflitos internos
e externos, mas tendo recebido um tratamento a tempo e com corretos cuidados,
favoreceu-se a organização intrapsíquica, evitando, assim, uma ruptura interna,
além de uma contribuição para o desenvolvimento. Com a remissão dos sintomas
depressivos, os fenômenos decorrentes de uma organização psíquica limítrofe
desapareceram, e, das autoagressões, só restaram cicatrizes físicas.

Diagnóstico do modo de ser

Esse é um diagnóstico de observação da singularidade do paciente. No caso


de Marta, ela revelou sua simplicidade proveniente de uma vida no interior de Goiás,
além de uma elevada inteligência para valores socioculturais limitados. A sua
religiosidade expressou a busca de uma compreensão axiológica da vida. Com
!121

temperamento forte e ciclotímico, teve seus extremos polarizados. Como premissa,


a psicoterapia considera que não se deve alterar esse modo de ser.

Diagnóstico Relacional

O diagnóstico relacional na clínica psicodramática tem seu método vinculado


à própria vida, levando em conta quatro universais em sua avaliação: o tempo, o
espaço, a realidade e o cosmos (MORENO, 2006).
Tentando buscar uma integralidade da discussão da clínica psicodramática, é
válido observar a figura 11.

Cosmos

4. Inversão de
o
tic

papéis – EU sou a
Tempo Kairós

o
tic
er

própria vida

en

er
o

en
rp
Co

o
rp
Co

3. Tomada de
papéis – ensaio a
PSICOTERAPEUTA PACIENTE vida
Espaço
Realidade Presente
Cosmos VIDA do MORTE Cosmos
Infra-Realidade Corpo físico Mistério Tempo Chronos 2. Espelho –
imagem viva – EU
sou o
Realidade Suplementar

TU saudável
Corpo Psicológico

o
tic

er
en

1. Duplo –
o
o

rp
tic

EU professo a
Co

er

vida
en
o
rp
Co

Cosmos

Figura 11: Processo de evolução para novas estratégias psicoterápicas – encontro clínico –
reanimação psíquica viabilizada pelo amor terapêutico.
Fonte: Autora deste trabalho.

A temporalidade, no caso de Marta, revelou-se deprimida e congelada pela


imobilidade corporal. Sem dúvida, o órgão vital pareceu atingido pelos pensamentos
!122

que indicavam um único caminho: o da morte. O passado tem o seu valor. Mas esse
debruçar excessivo para trás elegeu cenas que geraram culpa e débito para si
própria e para com o mundo.
Propor-se a ajudar alguém mergulhado nessa cena exige TEMPO CLÍNICO.
O psicoterapeuta não deve jamais ficar subjugado ao tempo Chronos, mas em
ações espontâneas, criativas, liberadas pelo tempo Kairós. São duas linhas de
tempos paralelos (o Kairós e o Chonos) que se entrecruzam. É nesse momento que
o mistério acontece na relação psicoterápica. As violências sofridas na vida de Marta
não permitiram uma adequada percepção do tempo no desempenho de seus papéis.
O clínico pode (e deve) permitir uma ação psicoterápica que resgata a integração do
tempo interno e externo. O psicodramatista torna-se o interlocutor para o solilóquio
depressivo. A lentificação no tempo exige TEMPO para essa cena protagonista de
ruminação da vida psíquica em um papel psicossomático incapaz de um projeto de
ação. O psicoterapeuta faz o duplo de VIDA – o EU professa a VIDA do TU ( EU
DUPLO do TU). A doença do tempo – a depressão – revela seus próprios campos
na relação psicoterápica, o bloqueio da plasticidade da mente percorre seu
desbloqueio através de intersubjetividade espontânea-criativa.
A vivência do espaço, experienciada por Marta, revelou-se também deprimida
e evidenciou uma esfera tímica de queda de si mesma e o despenhamento interior.
Essa sensação foi refletida no corpo (papel psicossomático) [de Marta] e gerou
muitas queixas psicossomáticas. Em um caos psíquico de indiferenciação do corpo
no espaço, é vivido como não sendo seu próprio corpo, ocorrendo, assim, um
despertencimento de si mesmo com esvaziamento do corpo energético. Marta
necessitou ver sua imagem refletida no espelho do olhar do psicoterapeuta com
VIDA. Uma imagem viva: EU sou o TU saudável (EU ESPELHO o TU). Dessa
maneira, tomando vários papéis da própria vida (raiva, tristeza, mãe, morte, etc), ela
ensaia sua própria reanimação psíquica (EU ENSAIO A VIDA).
A totalidade psíquica de Marta foi evocada por várias CENAS que forneceram
“encaixes” condizentes com a expressão dos sintomas depressivos e o
comportamento suicida. Bastava fechar os olhos que as fatídicas cenas se
manifestam num telão virtual de sua mente. E pior: o que mais agrava isso é o fato
de que geravam auto-agressões. Embora haja várias cenas fundamentais, relata-se
!123

aqui de forma sintética, por revelar de modo significativo o conteúdo a que este
trabalho se propõe.
Observou-se durante o tratamento, com relativa frequência, a cena em que
seus pais brigaram em sua tenra idade. Essa cena revelou a gravidade e a
intensidade das manifestações sintomáticas em sua desproporcionalidade reativa,
geralmente, não justificada pela cena atualizada desencadeadora, principalmente a
eclosão da estrutura do pensar tipo “minha vida não tem mais graça. Acho que seria
melhor se eu tivesse morta, pois traria alívio para os meus pais”.
Antes mesmo dessa cena de triangulação (pai-mãe-filha), havia uma mais
primitiva que é a da sua concepção. Desde antes do nascimento, adquire-se a
dimensão social do indivíduo. A falência na díade mãe-filha revelou um papel não-
compartilhado com seu ego auxiliar, provocando, assim, fantasias perturbadoras de
despertencimento no universo. Entende-se, com efeito, que evocar as cenas nas
quais revelam as condições da vinda à VIDA pode ser o fio condutor para
compreensão das cenas de ameaça de MORTE. A mãe de Marta, depressiva, que já
tinha falado várias vezes em se matar, embora nunca houvesse tido tentativas de
suicídio, desenvolveu o papel de violência psíquica, podendo evoluir para
agressividade, quer seja na ideação, nos gestos ou nas tentativas de suicídio de
Marta.
A cena mais impactante vivida por Marta em suas tentativas de morte foi
antes de seu aniversário de dezessete anos. Sua ameaça de morte foi socializada
para uma amiga íntima. Ao ser fornecida na psicoterapia, espaço e tempo clínico,
para que ela relatasse detalhes da cena, viabilizou o reviver de uma segunda vez,
libertadora da primeira (MORENO,1984). De forma espontânea, Marta vai
dissolvendo os “nós” existenciais, expressando suas “emoções tóxicas”.
Marta vivenciou várias cenas de perdas, dentre elas, nesse momento
destaca-se a perda de um amigo: “Em maio eu assisti à morte de um amigo de
infância. Como de costume, passei na cada dessa minha amiga Maria para irmos
para o colégio juntas. Ao chegarmos perto da rotatória, Evandro passou de moto
pela gente. Cumprimentou, dizendo: Oi! Quando dei fé, olho pra trás e ele já tá caído
no chão. Foi muito rápido, parece que bateu a moto na ilha, caiu e bateu a cabeça.
Foi um choque pra mim. Ele era meu melhor amigo e morreu.
T: Sente-se culpada pela morte dele?
!124

P: Sim. Se ele não tivesse olhado pra nós pra cumprimentar, ele não teria
batido a moto na rotatória e não teria morrido. Desde a morte dele tenho ficado
muito nervosa”.
Essa cena revelou sua ruminação psíquica de culpa. O julgo tão pesado que
impedia a sua própria respiração, pois nutria uma cascata de justificativas culposas.
Na clínica psicodramática, não trata apenas de descrição das cenas, mas de
fenômenos psíquicos fundamentais. A medida em que são reveladas permite
descortinar um universo vivo e sociodinâmico. Não há dúvidas de que a
compreensão das cenas está intimamente vinculada aos quatro universais: o tempo,
o espaço, a realidade e o cosmos (MORENO, 2006).
A avaliação diagnóstica da cena é realizada em cada ato psicoterápico. Na
jornada nossa de cada dia estão incluídos as três validações: a validação estética, a
validação existencial e a validação científica (MORENO, 1983). Aliás, espera-se
deixar claro no decorrer desta exposição que mais importante do nível I (ordinário)
da cena é o alcance do nível II (extraordinário).
A realidade oferece uma transposição do primeiro universo para o segundo
universo. O psicodrama pode ser dividido em dois níveis: o ordinário e o
extraordinário, ambos complementares. Não obstante, é possível que a relação
permaneça só no primeiro nível sem alcançar o segundo. No caso de Marta, seria
uma psicoterapia improdutiva e inútil, e que espelharia a sua própria morte.
Tem-se a ação dramática ordinária, no nível I, o cumprimento das regras do
método dramático, dando ordem à cena como um todo: nos contextos (social, grupal
e dramático); com seus instrumentos (o palco, o sujeito eu paciente, o diretor, o staff
de egos auxiliares e o público); suas etapas (aquecimento, dramatização e
compartilhar) (MORENO, 1975). As “regrinhas” deixam o psicodramatista mais
seguro, todavia, corre o risco de perder o fio condutor de espontaneidade-
criatividade na relação. O argumento é que quem considera o psicodrama apenas
um conjunto de técnicas (duplo, espelho, tomada de papéis, etc.), não entendeu
coisa alguma. A técnica viabiliza uma radiografia do problema, mas não é o
tratamento: o paciente não vai melhorar mexendo no RX. A RELAÇÃO é o “remédio”
para o problema. A abordagem focada na técnica ilude que o psicoterapeuta é
totalmente capaz de ajudar alguém que está deprimido e deseja morrer. A rigidez
!125

técnica, a cristalização do papel de psicoterapeuta transmite a ideia de que o mérito


é dele: “Eu consigo”... “Eu faço”... “Eu sou bom”.
Por outro lado, no Nível II, tem-se a ação dramática extraordinária.

Vivemos numa época extraordinária. Este é um livro extraordinário. É único


por suas premissas. Antes de ler uma única linha, antes de pesar seu
conteúdo, saibamos que sua premissa fundamental é: estas são as palavras
de Deus (MORENO, 1992, p.17).

Assim, Moreno introduz seu livro As palavras do pai. O criador do universo


está presente em uma infinita criação, em comunicação direta, aqui e agora, na
primeira pessoa: EU. Trata-se de um estado supremo, um nível inimitável de
experiência. A própria subjetividade criadora cria o universo e seus vários níveis do
universo além de o nosso (uma realidade suplementar). Sua objetividade participa
de nossa realidade presente, participa das pequenas misérias e sofrimentos de
milhões de pequenos “eus” que se espalham pelo universo. Sua extraordinária
presença aquece o universo de pequenos “eus” para experimentar um grande “EU”
que atua como agente transformador de seu próprio universo, isto é, no encontro
EU-TU. Nesse contexto, Marta experimentou a totalidade do EU na relação
psicoterápica: EU sou a própria VIDA, apesar da morte.
Moreno (1992) atribui uma interdependência de Deus com o universo. Para o
autor, se o universo se expande e cresce, Deus também se expande e cresce;
inversamente, se o universo é fechado, Deus necessariamente diminui e arruína-se.
Na verdade, mesmo que o universo se feche nele mesmo, não significa que deixou
de existir o potencial criador porque as ideias éticas e as normas de valores
universais jamais inexistirão. “Sem dúvida, o homem não pode existir sem um certo
sistema de valores, um sistema que traga uma explicação mais completa de todas
as suas experiências tanto internas como externas” (MORENO, 1992, p. 23). O
esquema existencial é pautado pela fome de criar, acima da razão, como uma força
dinâmica, uma corrente de criatividade. “A quintessência desse raio de criatividade é
Deus” (MORENO, 1992, p. 23).
Nessa linha de raciocínio, pode-se apenas concretizar com aquele que sofre
uma ação dramática ordinária em que todos os elementos em ordem se configuram,
ou, então, ir além e abrir o universo para a quintessência e ter uma ação dramática
extraordinária. Não obstante, o EU-TU jamais verá o extraordinário sem passar pelo
!126

ordinário. Uma não exclui a outra. São níveis no palco psicodramático que o
aquecimento direcionará para os outros níveis.

O psicodrama é, antes de mais nada, uma experiência. [...] afaste-se as


suas noções preconcebidas. Ouça com o coração, não apenas com a
mente. [...] é o que Moreno chamava de ‘tele’ ou ‘compreensão medial’. Se
você estiver aberto, ela aparece (MORENO, BLOMKVIST, RÜTZEL, 2001,
p. 92).

É uma vivência no centro do universo, na matriz de identidade global, uma


fonte que pode ser inesgotável, o cosmos. Moreno (1993, p. 15) partilha a “vontade
do valor supremo”.
Considerando o que foi dito até o momento em relação ao contexto de Marta
com comportamento suicida e alterações do humor, tem-se a necessidade de se
abrir a uma experiência extraordinária para uma possível reanimação da vida
psíquica. O encontro EU-TU toca o espiral da vida psíquica que antes caminhava,
perdendo o fôlego da vida, aparentemente estático, mas que jamais perdeu seu
potencial criador psicodinâmico (EU SOU A PRÓPRIA VIDA). Basta um toque de
ACEITAÇÃO e todo potencial da afetividade abre-se, movimenta-se, purifica-se. Por
um momento o EU-TU experimenta a solidão, a desventura, a dor, o desligamento
com o criador, enfim, a desesperança, o desespero, a morte em si mesmo.
Experimenta também, nesse momento, o tele, a ventura, o alívio, a ligação com o
criador, ou seja, a vida como ela é: ordinária e extraordinária.
A realidade social de Marta revelou, em todo processo psicoterápico, uma
desarmonia em seu grupo familiar (sociedade externa) e sua matriz sociométrica, ou
seja, um discurso constante de aceitação com ações veladas de constantes
rejeições. Seu átomo social escondeu uma cascata desagradável de desamparo,
configurando uma falência em seus pares (filha-mãe, filha-pai, filha-avó, etc.), de
modo que ela recorreu à sua matriz sociométrica: o isolamento. Quando a
sociometria está prejudicada, há um prejuízo na capacidade laborativa, afetiva e
cognitiva da pessoa. A medida em que, ao longo da relação psicoterápica, os pais de
Marta “sairam de cena”, ela abandonou “o mito da destinação” de sua família oficial,
privilegiando relações com mutualidades de aceitação, por exemplo, quando deixou
de morar com seus pais e foi morar com sua madrinha. Novas relações em pares
foram configurando-se, formando sua família sociométrica na busca de um novo
sentido da vida.
!127

É dentro desse cenário altamente complexo que Moreno (1983) vai


desenvolver um princípio fundamental do psicodrama: o amor terapêutico.

É um amor terapêutico, como já o define há quarenta anos: um encontro de


dois olhos nos olhos, face a face. E quando você estiver perto eu arrancarei
seus olhos e os colocarei no lugar dos meus e você arrancará meus olhos e
colocará em lugar dos teus. Então, eu olharei para você com os teus olhos e
você me olhará com os meus (MORENO, 1983, p. 22).

A ideia central dessa abordagem clínica concentra-se na interação


espontânea (MORENO, 1983). É dessa base que parte o mistério do encontro: o
amor apontado como causa de toda ação divina no palco psicodramático. Amor
como ação divina, seguindo a miríade clínica, aproximando-se, cuidando e, até
mesmo, defendendo. O psicoterapeuta oferece a si mesmo.
No amor terapêutico, proposto por Moreno (1983), constitui um poderoso
fator de tranquilidade, confiança e, principalmente, esperança. Viabiliza a integração
da identidade. Fornece um poderoso antiestresse. Promove a espontaneidade-
criatividade que não se encontra na lógica, e sim no amor. Não é possível viver sem
amor. A interação espontânea forma uma belíssima e altíssima base de suporte
emocional para afastar da relação EU-TU a desesperança, o medo, enfim, a morte.
“Não oferece imortalidade; oferece, antes, o amor da morte” (MORENO, 1975, p.
87). Na cena obscura, a relação de amor terapêutico tem o poder de ser farol de
toda produção psicodramática das dualidades: vida-morte, relação-separação,
saúde-doença, etc.
O manejo da clínica psicodramática é comparado por Moreno (1983) com um
jogo. Como participantes de um jogo, existem regras que oficialmente são prescritas.
Ainda que em todo jogo haja regras “ilícitas”, a orientação moreniana é obedecer
apenas às regras do jogo. Há papéis profissionais nos quais sua habilidade se
objetiva com mais facilidade, separando-se melhor daquele que a prática; já com o
psicoterapeuta é extremamente difícil, se não impossível, separar sua habilidade de
sua personalidade. Aqui, habilidade e personalidade são, pelo menos no ato do
trabalho, inseparáveis.
De acordo com Moreno (1983), em toda situação psicoterápica de dois,
independente do método, há quatro agentes presentes na cena: o paciente no papel
de paciente e no de pessoa individual, e o terapeuta no papel de terapeuta
profissional e no de indivíduo particular, sendo que a efetividade do processo
!128

psicoterápico vai depender da interação desses “quatro agentes” segundo seus


vários níveis de perfeição. O autor conclui seu raciocínio clínico com três tipos de
desempenho profissional:

• Habilidade sem amor;

• Amor sem habilidade;

• Habilidade com amor.

Nada mais trágico que habilidade sem amor. Talvez um sepulcro caiado seja o
amor sem habilidade. Por sua vez, é um profundo mistério cósmico, desafiando o
clínico no manejo do paciente com humor deprimido e com risco de suicídio,
desenvolver a habilidade com amor. Marta tem sua micro-história de vida, mas em
co-existência com uma história macro, uma história maior, universal, cósmica. Marta,
que antes estava tomada pelo sentimento de despertentencimento e aniquilamento
psíquico, aqui e agora está co-existindo nesse contexto cósmico.
Finalizo esse ciclo de clínica psicodramática dando palco à protagonista
dessa cena: Marta. Finalizando seu processo psicoterápico, ela deixou registrado
um depoimento do resgate de sua esperança em viver, o qual é transcrito conforme
foi redigido, exceto o nome dela:

“É muito difícil falar de mim. Ainda mais de coisas que aconteceram há tanto
tempo. De coisas que machucaram e que ainda machucam até hoje.
Eu queria muito conversar com alguém, mas tinha medo. Medo de me
machucar e também das pessoas me criticarem. Poderia até ser uma pessoa de
minha confiança, mas eu não tinha segurança em ninguém. Eu guardava as coisas
só pra mim e não gostava de compartilhar com ninguém.
Na maioria das vezes achava que o mundo tinha que girar em minha volta.
Quando eu estava nervosa irritada, não conseguia ficar perto de ninguém, porque o
que eu sentia, descontava nas pessoas. Só que nas pessoas erradas e no momento
errado. E assim foi se passando os anos e eu do mesmo jeito.
A minha família achava normal o meu nervosismo, o meu jeito de me isolar
das pessoas e do mundo e de não querer participar das coisas. Na maioria das
vezes eu queria dividir com a minha família o que estava acontecendo comigo, mas
!129

o medo era muito maior. Atrapalhava os meus relacionamentos. Os medos eram


tantos que me atrapalhava viver. E com o passar do tempo cheguei aonde cheguei.
Já não acreditava mais na vida. Não queria mais saber de viver. Sentia uma
angústia tão grande dentro de mim que me sufocava. A alimentação já não era mais
a mesma. Na escola estava cada vez pior e ninguém mais me suportava. Tinha
certeza que meus pais se separaram por minha culpa, e cheguei a um ponto que
não suportava ninguém e não queria ver ninguém. Não suportava barulho, e com
isso machuquei muitas pessoas.
O tratamento foi difícil, pois eu não queria. Não aceitava que estava doente, e
isso tudo foi muito difícil para mim. Assim, o tempo foi passando, e graças ao
tratamento eu fui começando a me reerguer de novo. Não tinha confiança em
ninguém e nem em mim mesmo. Tive várias recaídas que pensava que não iria mais
conseguir superar as coisas, e aos poucos fui conseguindo. O tratamento me ajudou
e me ajuda até hoje. Acho que se não fosse ajuda da psicóloga e dos remédios eu
não teria chegado até aqui.
Hoje eu consigo perceber a diferença entre a Marta de uns anos atrás e a
Marta de hoje. Hoje eu consigo viver. Eu não quero voltar a ser a pessoa que eu era
antes, triste e deprimida.
Tenho sonhos e quero alcançar todos eles. Quero construir uma família.
Continuar nos caminhos do Senhor. Ser feliz! Espero alcançar os meus objetivos”.
!130

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao final deste trabalho, diante do exposto, buscou-se compartilhar algumas


das respostas às questões clínicas levantadas inicialmente. Não foi o próposito fazer
uma interface completa e abrangente de todas as relações entre o episódio
depressivo e o comportamento suicida visto que a capacidade da autora é bastante
limitada frente a um fenômeno tão complexo. Não obstante, são verificados sinais
evidentes dessa íntima relação, observando um largo espectro de interface.
Primeiro, a interface entre os sintomas depressivos e o comportamento
suicida é um fenômeno multifatorial. É importante salientar a presença da
psicopatologia nesses quadros clínicos. Evidentemente a hereditariedade e o
aprendizado emocional fundamentam o comportamento suicida em pessoas
depressivas. Não há dúvidas de que o processo de crise gera o caos na
intersubjetividade, dando origem a uma dor psíquica permeada pela angústia e/ou
ansiedade psicopatológica. A constelação de sintomas presentes durante o processo
de crise tende a variar entre as pessoas, mas o nível de desesperança e sensação
de desamparo, permeados pelo desespero, servem de termômetro ao clínico para a
avaliação dos riscos do suicídio.
Quem está com sintomas depressivos e comportamento suicida tem
dificuldades no contato com a realidade externa, vivenciando, então, a experiência
de aniquilamento da vida psíquica. Tem dificuldades de examinar a si mesmo. A
autocrítica envolve a difícil tarefa de reconhecer os erros, ouvir reclamações, avaliar
seus limites pessoais e se dispor a ouvir, refletir, etc., aceitando certo tom de
!131

fracasso. Nesse cenário, há alteração cognitiva; os pensamentos são de ruínas,


perdendo, desse modo, sua comunicação subjetiva. Como consequência, tem-se
uma socialização prejudicada. A pessoa perde a visão de interdependência social,
criando uma ilusão de independência, um descolamento de seu lugar no universo
cósmico, gerando egoísmo já que não consegue pensar sobre o sofrimento de
ninguém de sua rede social. O foco está em si mesmo de modo indiferenciado, pois
a sensação principal é a de que “meu corpo não é meu corpo”. À luz dessas
observações, é importante não desmerecer os aspectos relativos às perdas e o luto,
uma vez que o enlutado pode desenvolver um tipo de “atuação”, “atuando fora”, ou
seja, o comportamento suicida ativada pelo estresse da perda. Por fim, quatro
universais, abordados por Moreno (2006), estão prejudicados: o tempo, o espaço, a
realidade e o cosmos.
Segundo, é possível identificar uma pessoa que tem pensado em suicídio.
Pessoas com comportamento suicida costumam sinalizar com gestos suicidas.
Considerando a importância clínica desse quadro, é importante que o clínico saiba
adequadamente diagnosticá-lo. Como foi abordado neste trabalho, há vários tipos de
diagnósticos que se entrelaçam no adoecimento psíquico. O diagnóstico deve levar
em conta não apenas os sintomas, mas o contexto sociocultural.
Terceiro, a maioria das pessoas que tenta o suicídio possui algum transtorno
psiquiátrico. De acordo com as recentes pesquisas, mais de 90% das pessoas com
comportamento suicida possuem transtorno psiquiátrico (WERLANG e BOTEGA,
2004). Além de a presença de um, ou até mais transtornos psiquiátricos, existe a
interação de diversos fatores: psicológicos, sociais, culturais e ambientais.
Quarto, suicídio é um tipo de morte evitável. Ao identificar o comportamento
suicida, possibilita-se uma avaliação adequada tão precocemente quanto possível,
promovendo o apoio psicossocial a pessoas com pensamentos de suicídio ou que já
tentaram o suicídio, bem como dar assistência psicológica aos familiares.
Quinto, a pessoa com comportamento suicida, na verdade, não tem a
intenção de morrer, mas revela um gesto de apelo à vida. Tentar salvar uma vida,
nesse quadro, é de uma resposta adequada a esse gesto, especialmente porque
existe uma série de mitos improdutivos que revelam o universo de desamparos que
essa pessoa se encontra inserida. O aumento da estatística é a foto mais real de
!132

que a sociedade está em pleno desequilíbrio ecológico, sendo que o autoextermínio


é o maior de todos os desastres no ecossistema.
Sexto, a clínica psicodramática pode, sim, ajudar uma pessoa com sintomas
depressivos e com comportamento suicida. O encontro clínico oferece um palco
para concretização do caos interno, viabilizando uma nova ordem através de
reanimação psíquica ao desbloquear o infinito processo de criação espontâneo-
criativo. Sem esperança, ninguém é espontâneo-criativo. Ninguém consegue
planejar e muito menos construir algo criativo. A verdade é que sem esperança, há
bloqueio do fator e, perdendo-se a integração com a realidade e ficando sem
direcionamento espacial, sem crítica na relação EU-TU. A pessoa é lançada à busca
de qualquer subterfúgio que a faça sentir-se aliviada e segura. Pouco a pouco, a
matriz sociométrica revela-se e denuncia a pessoa rejeitada. Não se trata de uma
fantasia de um só indivíduo, mas de experiências de vida de uma rede de pessoas
que, na verdade, perderam o sentido de viver.
O psicoterapeuta psicodramatista dispõe de tempo Kairós e um espaço
circular para a produção dessa ruminação psíquica na dualidade vida-morte.
Viabiliza a função psicoterápica, catártica, e auxilia a libertação das emoções
represadas. A liberação da temporalidade–espacialidade ajuda a pessoa a
reorganizar seu mundo interno e, principalmente, suas cognições. A relação EU-TU
produz as conexões mentais necessárias à reanimação psíquica. O processo é lento
e desgastante nas veredas da depressão que passa pelo vale da morte.
Sétimo, trata-se de uma responsabilidade social as buscas de mais
conhecimento sobre a interface do episódio depressivo com o comportamento
suicida. Assim, Moreno (1992, p. 11) salienta que “se existir responsabilidade, ela
deve necessariamente ir além de mera responsabilidade com a existência pessoal”.
De acordo com o autor, é a responsabilidade que nos une e que nos liga ao cosmos.
Dessa maneira, existe uma linguagem de esperança que direciona a vida e dá
sentido ao ser humano posicionado no cosmos “que nos ajuda a acreditar que este
mundo não é apenas um pântano ou uma avalanche de energias selvagens, mas
que é basicamente um processo infinito de criação” (MORENO, 1992, p. 13).
Oitavo, e finalizando, convém salientar e deixar claro a posição de Moreno
(1992) de que sobrevivem as pessoas espontânea-criativas. A sua aliança
incondicional é a de que todos devem sobreviver. O autor propõe realeza aos mais
!133

fracos deste mundo. Os miseráveis podem e devem ser revestidos de um manto de


glória viabilizado pela espontaneidade-criativa ao receberem a oportunidade da co-
criação na relação psicoterápica, dando ao universo psíquico uma nova ordem,
passando do primeiro universo para o segundo. O segundo universo está em
constante ciclo de criação, pois se trata de tudo aquilo que está em ordem, criar–
recriar. Como se vê, é tudo aquilo que deixou a condição de caos. No projeto
psicoterápico, passa-se do primeiro nível ordinário para o segundo nível
extraordinário.

Espera-se que as ideias aqui expostas possam contribuir para a discussão


interdisciplinar acerca do melhor manejo a ser adotado com vistas à elucidação
diagnóstica de uma pessoa que padece de sintomas depressivos com
comportamento suicida.
Não há título de Psicodramatista Didata Supervisora que compense a doação
de si mesma (saúde, lazer, convívio familiar), enfim, a doação da “vida” em prol de
uma pesquisa, mas, se a tarefa é assim tão árdua, questões podem ser levantadas,
como, por exemplo, por que não optar pela desistência? O fato é que a autora deste
estudo tem em seu modo de ser – a perseverança – o seu método de trabalho.
Revela uma pessoa muito insistente, teimosa, e o que contribuiu para essa teimosia,
quando no desenvolvimento desta pesquisa, foi exatamente o desejo de colaborar
com a comunidade psicodramática; mais ainda, com os novos aspirantes do
psicodrama.
!134

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!140

ANEXO I

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Você está sendo convidada para participar, como voluntária, de um estudo de caso para um
trabalho monográfico. Meu nome é Cláudia de Paula Juliano Souza, sou autora responsável
e minha área de atuação é Psicologia da Saúde e Hospitalar e Psicoterapia Psicodramática.
Após ler com atenção este documento e ser esclarecida sobre as informações a seguir no
caso de aceitar fazer parte do estudo, assine ao final deste documento que está em duas
vias. Uma delas é sua e a outra é da pesquisadora responsável, psicóloga Cláudia de Paula
Souza nos telefones (62) 3225-8110 e/ou (62) 9242-1650.

INFORMAÇÕES SOBRE A PESQUISA

1. Titulo: O episódio depressivo e o comportamento suicida na clínica psicodramática.


2. Pesquisadora responsável: psicóloga Cláudia de Paula Juliano Souza.
3. Este trabalho monográfico tem como objetivo um estudo de caso sobre como a
psicoterapia psicodramática pode tratar o paciente com sintomas depressivos e o
comportamento suicida.
4. Esclareço que sua participação será autorizar a apresentação dos dados fornecidos
para monografia como exigência parcial para obtenção do titulo de Psicodramatista
Didata Supervisora da Sociedade Goiânia de Psicodrama (SOGEP). Declaro que
estes dados serão utilizados exclusivamente em meios acadêmicos.
!141

CONSENTIMENTO DA PARTICIPAÇÃO

Eu,__________________________________________________________, número do
prontuário__________________, abaixo assinado, concordo em participar do trabalho “O
episódio depressivo e o comportamento suicida na clínica psicodramática”. Declaro que fui
informada e esclarecida pela pesquisadora sobre o trabalho, os procedimentos envolvidos,
assim como os possíveis riscos e benefícios decorrentes de minha participação. Foi-me
garantido que posso retirar meu consentimento a qualquer momento sem que isso leve a
qualquer penalidade ou interrupção de meu tratamento psicoterapêutico.
_________________________________________
Local e data

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