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GOIÂNIA
2012
CLÁUDIA DE PAULA JULIANO SOUZA
GOIÂNIA
2012
CLÁUDIA DE PAULA JULIANO SOUZA
Aprovada em:
BANCA EXAMINADORA
__________________________________________/__/_____
Profª. Drª. Célia Maria F. da Silva Teixeira – Presidente da Banca
Sociedade Goiana de Psicodrama – SOGEP
___________________________________________/__/_____
Profª. Ms. Elivar Martins Lopes
Sociedade Goiana de Psicodrama – SOGEP
___________________________________________/__/_____
Prof. Esp. Manoel Dias Reis
Sociedade Goiana de Psicodrama – SOGEP
DEDICATÓRIA
A DEUS, o autor da vida.
AGRADECIMENTOS
RESUMO
Based on the assumptions of psychodrama theory, this work aims to understand the
depressive episode and suicidal behavior in clinical psychodramatic. This one
presented here, grounds in four universals: the time, the space, the reality and the
cosmos. The study of the theme and of the clinical practice demonstrates the
necessity of a specific management for dealing with an altered mood patient and
suicidal behavior structured in a multi-faceted knowledge, seeking what different
authors say about the matter as well as several types of diagnosis. This work
presents the report of a clinical case with a depressive episode framework by means
of a suicide attempt. The study of this case allows recognizing an infimum
relationship between depressive symptoms and suicidal behavior. Besides electing
the efficacy of psychodramatic psychotherapy in the treatment of depressed patients
with suicidal behavior, it is possible to recognize this approach within an
extraordinary dimension through the clinical appointment where the psychotherapist
carries out her function.
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INTRODUÇÃO ...........................................................................................................12
CONSIDERAÇÕES FINAIS.....................................................................................128
REFERÊNCIAS .......................................................................................................132
ANEXO................................................................................................................... 138
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INTRODUÇÃO
entre a instância afetiva e essas funções. Mas se ocorre uma desarmonia entre elas,
há um adoecimento de uma forma prolongada, generalizada e comprometedora das
diversas esferas da pessoa, tais como o humor, a psicomotricidade, as funções
cognitivas e as funções vegetativas (DALGALARRONDO, 2008). Essas alterações
geram um sofrimento psíquico que mobilizam vários sentimentos os quais ameaçam
a sua integridade, uma vez que pode interromper o curso de uma relativa vida
saudável.
A terminologia depressão, de acordo com Moreno e Moreno (2000 apud
SENE-COSTA, 2006), pode ser usada como um estado afetivo normal, um sintoma,
uma síndrome ou como uma doença.
1.1.1 O tempo
experiência temporal diferente do homem já que nada sabem sobre o tempo. Seu
ritmo da vida está ligado ao ritmo solar e de acordo com a mudança deste ao longo
das estações (MORENO, BLOMTVIST e RÜTZEL, 2001).
Moreno (2006) considera o tempo um dos grandes universais, elegendo-o não
como conceito filosófico, místico ou fenomenológico, mas como conceito terapêutico.
Quando se considera que o homem vive no tempo passado, presente e futuro, o ser
humano pode revelar seu sofrimento psicopatológico relativo a cada um desses
tempos. Assim sendo, a psicoterapia necessita integrar as três dimensões no
tratamento. Nesse caso, a clínica psicodramática consegue superar qualquer outra
abordagem psicoterápica, uma vez que “as três dimensões do tempo – passado,
presente e futuro – são trazidas juntas para o psicodrama, tal como na vida, através
do enfoque de uma terapia funcional” (MORENO, 2006, p. 21).
Para Dalgalarrondo (2008), as vivências do tempo são fundamentais nas
experiências humanas. A vida psíquica, além de ocorrer e configurar-se no tempo,
possui uma legítima distinção temporal: o tempo subjetivo (interior, pessoal) e o
tempo objetivo (exterior, cronológico, mensurável), podendo, assim, ocorrer um
descompasso entre o tempo subjetivo e objetivo. Tal discrepância traça o quadro
psicopatológico na vida psíquica, sendo tanto um fenômeno primário – uma legítima
alteração da consciência do tempo – como um fenômeno secundário decorrente de
alterações da consciência, da memória, do pensamento, etc. De acordo com as
anormalidades da vivência do tempo, de modo geral, nas síndromes depressivas a
passagem do tempo é percebida como lenta e vagarosa; já nas síndromes maníacas
ela é percebida como rápida e acelerada. O ritmo psíquico também é oposto: na
maníaca, há aceleração de todas as funções psíquicas; na depressão, ocorre a
lentificação de todas as atividades psíquicas.
(atemporal)
VIDA Chronos (tempo cronológico) MORTE
Kairós
1.1.2 O espaço
1.1.3 A realidade
Moreno (2006) afirma que à medida em que a psiquiatria ganha mais espaço
na comunidade do que nos hospitais, a realidade tende a atingir novos significados.
Antes de abordar a realidade na saúde mental, faz-se necessário uma breve
elucidação do universo infantil para uma melhor compreensão do universal realidade
(MORENO, 1975). De uma maneira geral, o autor divide o desenvolvimento humano
em dois universos: primeiro universo e segundo universo.
A criança, a medida em que o tempo passa, abandona parte dela mesma para
concentrar-se na parte materna (ego auxiliar). Viabilizado por essa transação,
fundamenta-se não só todo o aprendizado emocional como, também, representa a
base psíquica para todos os processos de desempenho de papéis e para fenômenos
tais como a imitação, a identificação, a projeção e a transferência. Com a dissolução
da matriz de identidade, desenvolve-se no mundo infantil a diferenciação entre
coisas reais e coisas imaginadas. Com o início do segundo universo, a
personalidade divide-se e, como consequência, formam-se dois conjuntos de
processo de aquecimento: um de atos de realidade e outro de atos de fantasia. São
dois caminhos que exigem que a criança estabeleça meios que lhe permitam acesso
a um ou a outro segundo o estímulo do momento.
Moreno (1975) afirma que é impossível a pessoa abandonar um mundo da
fantasia em favor do mundo da realidade ou vice-versa. Ocorre a necessidade de
estabelecer meios que permitam ganhar o completo domínio da situação, isto é,
viver em ambos os caminhos, sendo capaz de transferir-se de um para o outro de
acordo com as exigências do momento. O que pode garantir esse domínio de
situação, para uma rápida transferência, é o fator e. Espontaneidade no sentido de
um princípio consciente e construtivo da identidade que facilite a mudança dos
processos de aquecimento preparatório: em relação aos atos reais e em relação aos
atos de fantasia. Sem a função da espontaneidade, a relação do indivíduo com
situações e objetos (reais ou imaginados) pode ficar prejudicada, uma vez que o
processo de aquecimento preparatório pode produzir uma disposição mental em um
caminho com detrimento do outro. A questão é que ninguém pode viver sempre em
um mundo inteiramente real ou em um mundo totalmente imaginário. Sendo assim,
o que pode ocorrer são bloqueios nas vias que permitem o livre trânsito (um
intercâmbio saudável) entre os dois mundos.
Com esse contexto como referência, a função da realidade atua mediante
interpolações de resistências que são impostas à criança por outras pessoas em
suas relações. Com o surgimento do fator tele, a criança começa a ser atraída para
pessoas e objetos ou a afastar-se deles, coisas e distâncias no espaço (não
distinguia o próximo e o distante de si mesma); atos e distâncias no tempo (antes
vivia em função de um tempo imediato).
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(Eu Psicológico)
VIDA Papel Social (EU Sociedade) MORTE
Papel Psicodramático
Figura 2: Totalidade psíquica do EU
Fonte: Autora deste trabalho
Moreno (1975) define que o papel de comedor, eliminador, dormente, etc. são
exemplos de papéis psicossomáticos. Os papéis de mãe, filho, filha, aluno, etc. são
denominados papéis sociais. Os papéis psicodramáticos são separados das
personificações de coisas imaginadas, tanto reais como irreais. Nestes, a pessoa
tem a liberdade de criar em cima do papel, ou seja, utilizar, em sua plenitude, o fator
e.
Os papéis são manifestações perceptíveis de um EU intuído, mas não
verificável por si. Em sua origem, o EU é o TU (papel complementar primário). A
formação da totalidade psíquica do EU ocorre por meio do desenvolvimento dos
papéis. Um fato essencial a ser mencionado nesse processo de desenvolvimento
dos papéis é a dissolução da matriz da identidade. O montante de assistência que o
ego auxiliar tem de prestar à criança torna-se cada vez menor, e a soma de
atividade em que ela participa é cada vez maior. A criança ganha autonomia,
consequentemente, começa a declinar a sua dependência dos egos auxiliares,
dando forma, assim, à diferenciação entre as coisas reais e coisas imaginadas.
Para essa diferenciação de papéis, torna-se necessária uma condição de segurança
na relação da criança com o ego-auxiliar.
A brecha entre a fantasia e a realidade também possibilita à criança a
descoberta da diferença entre instrumentos a ela ligados e instrumentos dela
separados. A medida em que ela se desenvolve, o nível de realidade experienciada
vai tornando-se mais complexo; gradualmente, vai experimentando a separação das
coisas fora dela. Separa-se uma parte de seu eu da outra, e aprende assim as
diferenças reais e as fantasias no mundo relacional.
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Outro fato interessante diz respeito aos sonhos infantis. A criança não sonha
durante o primeiro período (no primeiro universo) de identidade total onde as coisas,
pessoas e objetos, incluindo ela própria, não são diferenciados como tais, mas
experimentados como uma multiplicidade indivisível (MORENO, 1975). O fenômeno
onírico deve ter seu surgimento muito depois do período de realidade total começar
se decompondo, além de ser relacionado com a decrescente intensidade da fome de
atos da criança. Ainda, segundo o autor, a fome onírica será grandemente
estimulada quando se operar – na criança – a brecha entre a fantasia e a realidade,
retomando à realidade de que o desenvolvimento infantil percorre dois caminhos
emocionais em seu universo. Como eles ocorrerem independentemente, a criança
viverá em duas dimensões ao mesmo tempo, uma real e outra irreal, sem ser
perturbada pela divisão. A questão, à personalidade humana, é o infinito esforço de
reunir os dois caminhos na tentativa de eliminar a becha original, restabelecendo o
seu status original onde todos os processos de aquecimento preparatório da adoção
de papéis estavam centralizados e eram uniformes.
A questão é que esforços, como os acima citados, produzem consequências,
podendo provocar colisões entre os dois caminhos, produzir bloqueios e levar o fluxo
de espontaneidade à inércia.
• Formada por todos os grupos reconhecidos pela lei como legítimos (família,
escola, etc.), ilegítimos (encontro casual, multidão, etc.) e os neutros (mesmo
que não tenham sido classificados e organizados).
Matriz sociométrica:
• Estruturas sociométricas invisíveis ao olho macroscópico, mas que tornam
visíveis mediante o processo sociométrico de análise;
• Interna;
• Microscópia;
• Mais difícil de ser identificada;
• Consiste em várias constelações (tele, átomo social, etc.).
Realidade social:
• Síntese dinâmica e a interpenetração das duas tendências;
• Entrelaçamento e a interação da sociedade externa e a matriz sociométrica;
• Coexistência, isto é, não existe por si própria;
• Necessário conhecer a estrutura da sociedade oficial.
Na verdade, toda essa articulação de Moreno (1992) acerca do universo
social remete-se a um dos mais importantes conceitos da clínica psicodramática.
Sua importância não deve ser subestimada já que a realidade social determina a
configuração social das relações interpessoais. O universo social possui uma
estrutura externa e outra interna, entretanto, não se sabe ao certo se essa superfície
externa é reveladora e fiel à interna.
Para produzir condições pelas quais a estrutura interna possa tornar-se
visível, operacionalmente o indivíduo necessita torna-se “o ator in situ” (MORENO,
1992, p. 165), ator esse como representante de um critério em interação com o seu
ambiente. Desde o nascimento, desenvolve-se uma configuração social.
Inicialmente, na díade mãe e criança; progressivamente, estende-se às pessoas que
entram no círculo de familiares da criança que lhe são aceitáveis ou rejeitáveis.
A criança, durante seu processo de desenvolvimento, necessita de outras
pessoas para alcançar seu objetivo, e essas pessoas, por sua vez, precisam dela
para auxiliá-las na realização de seus objetivos. Sendo assim, o volume de pessoas
envolvidas com essa criança compõe seu átomo social. O átomo social é “a menor
unidade da matriz sociométrica” (MORENO, 1994, p. 215).
!32
! !
1.1.3.3 Infra-realidade
!35
É uma situação de duas almas a quem ninguém pode ajudar, nem qualquer
transformação do intelecto, da mente, do corpo, exceto o amor. Tudo o que
acontece, e que é tentado, é em vão. Vivem numa recorrência eterna e num
aprofundamento dos mesmos problemas. E até mesmo a auto-destruição
iria aqui provocar a negação e a eliminação da consciência, não do conflito.
O conflito é eterno. O nó é cortado ao invés de desmanchado. A casa em
que vivem é uma proteção contra a bisbilhotice; o corpo que os circunda,
uma barreira contra uma comunicação e um encontro indesejados. O
conflito é um pretexto interno para esconderem-se mais profundamente
(MORENO, 1984, p. 106).
Posto isso, é importante afirmar que Moreno (1993) criou uma psicoterapia
derivada da vida cotidiana. O tratamento possui estratégias pautadas na própria
vida. “Isto é o que o psicodrama e os métodos com ele apresentados oferecem ao
paciente: dotá-lo de conhecimentos e habilidades necessárias para uma vida
adequada e produtiva” (MORENO, 1993, p. 106).
Moreno (2006) afirma que cunhou esse termo influenciado pelo termo “mais
valia” de Marx, indicando aquilo que os capitalistas absorvem dos ganhos
excedentes dos trabalhadores.
Moreno achava que a realidade suplementar está “aí fora” em algum lugar,
deve ser concretizada e especificada, e devolvida ao centro do protagonista,
onde tem significado e propósito. Ele sabia que não poderia chegar
verdadeiramente ao psiquismo do protagonista a menos que ele habitasse,
junto com o protagonista, a realidade suplementar. E ele fez com que nós,
os membros do grupo e egos-auxiliares, igualmente a habitássemos, e nos
ajudou a viver confortavelmente em nossa própria realidade suplementar.
Uma vez que você penetra no psiquismo de uma pessoa, atinge uma
dimensão que vai mais além da realidade subjetiva e objetiva (MORENO,
BLOMBKIST e RÜTZEL, 2001, p. 45-46).
VIDA Infra-realidade
Realidade Infra-realidade
Presente MORTE
Realidade
Suplementar
Figura 4: A realidade na clínica psicodramática.
Fonte: Autora deste trabalho.
1.1.4 O cosmos
que o protagonista pode também incorporar animais e qualquer forma de seres reais
ou imaginários sem a pretensão de uma regressão (como outras abordagens
trabalham), mas como um envolvimento eminentemente criativo.
EU NÓS TU
Espaço do mistério
O lócus sagrado
Figura 5: Encontro: o espaço do mistério.
Fonte: Autora deste trabalho
Por conseguinte, o clínico não deveria focar o seu interesse somente pelos
indicativos da doença e, sim, precisa focar a saúde, isto é, o bem estar. Na verdade,
adotar uma concepção de natureza tão ampliada levaria a um estado de
indiferenciação total com o universo do processo saúde-doença. Neste momento,
tendo como base essa linha processual da saúde-doença, focaliza-se em duas
vertentes: uma norteada pela resposta do ser humano no ciclo de uma crise e outra
no ínterim do corpo físico, o corpo psicológico e o corpo energético diante do
adoecimento.
De acordo com o ciclo de uma crise, Caplan (1964 apud ANGERAMI, 2000)
define o processo de uma crise:
Co
C
rp
Corpo psicológico
o
en
o
er
gé
tic
o
VIDA Corpo físico MORTE
o
tic
gé
Co
er
en
rp
o
o
rp
en
Co
er
gé
tic
o
mesmo conceito é designado por termos diferentes. Essa falta de consenso, que
afeta alguns dos principais tópicos em psicopatologia, reflete-se inevitavelmente em
qualquer discussão de um caso clínico, prejudicando qualquer argumentação pela
ausência de uma linguagem comum.
Dalgalarrondo (2008) identifica duas posições extremas: uma que afirma que
o diagnóstico em psiquiatria não tem valor; outra em defesa do diagnóstico
psiquiátrico.
pessoa, cada uma é nivelada como igual a partir de sua vulnerabilidade no campo
da saúde mental.
Uma pessoa pode amar: (1) Em conformidade com o tipo narcisista: (a) o
que ela própria é (isto é, ela mesma); (b) o que ela própria foi; (c) o que ela
própria gostaria de ser; (d) alguém que foi uma vez parte dela mesma. (2)
Em conformidade com o tipo anaclítico (de ligação): (a) a mulher que a
alimenta; (b) o homem que a protege, e a sucessão de substitutos que
tomam o seu lugar (FREUD, 1915-1969, p. 107).
luto na melancolia. Para tal, considera que, enquanto no luto a pessoa chora à perda
do objeto amado, na melancolia faz o luto de seu próprio eu.
Se o amor pelo objeto – um amor que não pode ser renunciado, embora o
próprio objeto o seja – se refugiar na identificação narcisista, então o ódio
entra em ação nesse objeto substitutivo, dele abusando, degradando-o,
fazendo-o sofrer e tirando satisfação sádica de seu sofrimento (FREUD,
1915/1969, p. 284).
2.1 Definição
IDEAÇÃO SUICIDA
TENTATIVAS
DE SUICÍDIO
AMEAÇAS DE
SUICÍDIO
SUICÍDIO
4. Metade dos que morrem por suicídio foram a uma consulta médica em algum
momento do período de seis meses que antecederam a morte, e 80% foram a
um médico no mês anterior ao suicídio. No entanto, ainda permanece correto
que 50% dos que se suicidam nunca foram a um profissional de saúde
mental. Assim, é interessante pensar sobre a importância dos profissionais da
saúde em geral estarem conscientes dos diferentes perfis clínicos e aptos a
questionarem ativamente sobre sintomas mentais associados ao elevado
risco de suicídio.
5. Com base nas evidências proporcionadas por entrevistas com familiares e
amigos, bem como por documentos médicos e pessoais, um diagnóstico do
eixo I do DSM lll-R pode ser feito em 93-95% dos casos de suicídio,
notadamente transtornos do humor (40-50% dos casos de suicídio tinham
depressão grave); dependência de álcool (em torno de 20% dos casos) e
esquizofrenia (10% dos casos).
Outro aspecto importante levantado por Werlang e Botega (2004) são os
familiares de uma vítima de suicídio, pois se trata de um grupo de maior risco de
suicídio. Uma vez que soma os mecanismos psicológicos de identificação com uma
predisposição genética para determinadas doenças mentais, como é o caso dos
transtornos de humor, torna-se um grupo de risco.
Meleiro, Teng e Wang (2004) discutem os fatores familiares de uma maneira
bem mais abrangente.
Mito Realidade
Se alguém fala sobre Muitas pessoas que morreram por suicídio expressaram seus
suicídio é improvável que sentimentos e planos antes da morte.
faça realmente algo para
lesionar-se.
Pessoas que cometem Muitas pessoas que cometem suicídio sofrem de doenças
suicídio são fracas e mentais que podem ou não ter sido diagnosticadas.
egoístas.
Falar com uma pessoa Muitas pessoas deprimidas que têm planos ou pensamentos
deprimida sobre suicídio suicidas ficam aliviadas quando alguém toma conhecimento de
irá provavelmente fazê-la tais planos e é capaz de ajudá-las quanto a isso. Discutir a
cometer suicídio. tendência suicida com uma pessoa deprimida não irá levá-la a
cometer suicídio.
Não há nada que possa Muitos indivíduos que tentam o suicídio podem estar sofrendo
ser feito por uma pessoa de uma doença mental que irá responder a um tratamento
suicida. apropriado e efetivo. O tratamento apropriado de um transtorno
mental reduz significativamente o risco de suicídio. Por
exemplo, a tendência suicida associada à depressão
usualmente se resolve com o tratamento efetivo da doença
depressiva.
As pessoas que tentam o Para algumas pessoas a tentativa de suicídio é um evento que
suicídio estão apenas as leva a um primeiro contato com um profissional que possa
buscando atenção. ajudá-la. Um grito desesperado por socorro não é equivalente
a desejar atenção.
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Figura 8: Suicídio e transtornos mentais: distribuição dos diagnósticos em estudo de pacientes com
internação psiquiátrica.
Fonte: Werlang e Botega, 2004, p. 41.
vida, dando fim à vida da pessoa. Sendo assim, o desejo de morrer via suicídio está
relacionada a alguma deficiência na capacidade de desenvolver o amor (instinto
erótico). Parece que o desejo de morrer transforma a energia autodestrutiva em ato
(acting-out), servindo ao sujeito como um alívio de tensão. No início, parece algo
alheio ao próprio sujeito, mas aos poucos adquire uma autonomia dentro do ego.
Com relação ao segundo componente – o desejo de matar –, o referido autor
parte do princípio de que todo suicídio é um homicídio de si próprio. O desejo de
matar seria resultante de uma destrutividade primária
A pessoa quer destruir uma parte de sua psique, podendo estar vinculada à
soma ou parte do corpo. Há suicidas que querem matar sua cabeça
(pensamentos), coração (emoções), estômago (necessidade de receber
algo), pulmão (necessidade de expansão) ou então atitudes como dormir,
voar, mergulhar, queimar, etc. (DIAS, 1996, p. 79).
A dinâmica psíquica que está presente é uma divisão interna em que uma
parte atenta contra a outra. Embora todas as pessoas, de uma maneira geral,
passem por situações em que se acusem de algo e se defendam de sua própria
acusação, o suicida entra nessa dinâmica de uma maneira muito intensa. Enquanto
existe um diálogo entre essas partes, o risco de suicídio é menor, porém, quando o
acusado da dinâmica acusador/acusado está em comum acordo com o acusador,
transforma-se em uma dinâmica assassino/vítima, aumentando assim o risco. O
grau de intensidade dos afetos mobilizados, a situação real do conflito, o grau de
autocontinência e de continência externa desse sujeito necessitam de uma
intervenção imediata.
Dias (1996) sugere que, uma vez detectado o risco, cabe ao terapeuta tomar
duas atitudes:
• Restabelecer, de maneira artificial, a continência externa até que possa
desmontar, com o trabalho psicoterápico, a dinâmica suicida. A continência
externa envolve: hospitalização, atuação frente aos familiares e dentro da
estrutura social (amigos, vizinhos, etc);
• Identificar e trabalhar, psicoterapicamente, a dinâmica assassino/vítima.
A B
IA IB
T
!99
intimamente ligada à sua rede social. A rede social afeta a saúde do indivíduo e a
saúde do indivíduo afeta a rede social em espiral recíproca (SLUZKI, 1997).
Outro aspecto que também envolve o paciente e seus familiares diz respeito à
falta de informações adequadas, de uma maneira geral, sobre saúde mental, e, de
uma maneira específica, sobre os transtornos do humor e comportamento suicida.
Torna-se necessária uma proposta terapêutica que inclua a psicoeducação.
A psicoeducação é uma ferramenta importante, uma vez que é capaz de
otimizar o tratamento, reduzindo a sintomatologia, prevenindo recorrências e
melhorando a qualidade de vida do paciente. Ela pode basear-se em alguns itens
fundamentais (MORENO e MORENO, 2005), tais como:
• Informar sobre o adoecimento e a doença;
• Informar sobre os fatores de riscos da doença e saber como identificá-los;
• Informar sobre a importância de adesão no tratamento medicamentoso;
• Orientar sobre a manutenção de uma rotina (sono, alimentação, etc.);
• Treinar o manejo de sintomas;
• Informar e orientar sobre os riscos de suicídio;
• Treinar o manejo de situações de estresse;
• Treinar os padrões de comunicação;
• Estabelecer planos para lidarem com crise, doença, recaídas e cronicidade.
Nos tempos atuais, no meio de tantas informações, algumas corretas e outras
sem o menor fundamento, o psicoterapeuta precisa tomar também o papel de
professor, ensinando de forma simples, clara e confiante o que se passa com essa
pessoa e sua rede social.
!101
!102
4.1. Método
4.1.1 Sujeito participante
4.3. Procedimentos
Houve relatos de não dormir nem um pouco á noite e, no outro dia, sentir-se elétrica
e inquieta.
Com relação ao desenvolvimento sexual, a menarca ocorreu aos quatorze
anos e, desde então, com ciclos irregulares: ora tinha ausência de menstruação e
ora com hemorragias. Embora tenha recebido orientações sexuais na escola, Marta
apresentava dúvidas e pouco interesse no assunto. Ficava muito nervosa quando
seus familiares ou os líderes da Igreja demonstravam medo de que ela
engravidasse, mas afirmou que, até então, não havia tido experiência sexual.
Com relação à sua vida escolar, sempre foi uma boa aluna, com boas notas.
Apesar de ser inquieta e irritada, e brigar com facilidade, conseguia manter suas
notas estáveis mesmo em períodos em que estava impaciente. Relacionava-se bem
com os colegas e comentou que, em Jussara, todas as pessoas a conheciam pois
sempre foi muito comunicativa. Sua mãe comentou que era difícil sair com ela pelas
ruas da cidade já que ela sempre parava para conversar com as pessoas. Em tom
de ironia, sua mãe disse que ela podia até se candidatar.
Marta definiu seu jeito de ser como sendo uma pessoa instável, ora estava
muito alegre e ora estava muito triste. Havia momentos em que adorava estar no
meio de muitas pessoas; em contrapartida, havia aqueles em que não queria fazer
nada e detestava estar no meio de pessoas. Existiam períodos em que fazia muitos
planejamentos, as ideias fluiam com muita facilidade e tinha muita energia para fazer
as coisas, mas havia períodos em que, em razão de desânimo e falta de energia, só
queria ficar no quarto. Dizia que gostava muito de crianças e trabalhava na creche
da igreja que frequentava. Na igreja, era muito atuante e já havia feito vários cursos,
no entanto, quando se sentia triste e desanimada, era capaz de abandonar tudo.
Considerou que, naquela instância, estava passando por aquele momento. Não
estava trabalhando e faltava muito às aulas.
Dos antecedentes familiares, a mãe da paciente, S., que, no momento desta
pesquisa, contava 34 anos, estudou até a quarta série. Costureira, S. possui
estatura baixa e magra. Sempre teve problemas de saúde associada a quadros
depressivos. Sobre sua filha, segundo ela, “é muito nervosa e impaciente,
principalmente comigo”. Seu pai, B., também com 34 anos quando na realização
dessa investigação científica, estudou até a 8ª série (através do programa Acelera
Brasil). Naquele período da pesquisa, trabalhava na fazenda. Fisicamente falando,
!106
possui estatura baixa. Foi definido pela filha como “muito calmo, dócil e tranquilo.
Quando eu era bebê, ele me conta que só ele conseguia me fazer parar de chorar e
me fazer dormir”.
A mãe de Marta ficou grávida dela aos dezesseis anos e, quando Marta
nasceu, sua mãe já tinha completado dezessete anos. Eles se casaram poucos dias
antes de seu nascimento. Ela é filha única e seus pais separaram-se quando tinha
três anos de idade. Sua mãe voltou para casa de seus, em Jussara, e seu pai
mudou-se para Natal (RN). Após alguns meses, seu pai retornou para Jussara, mas
sua mãe já estava namorando outra pessoa. Com o retorno de seu pai, sua mãe
resolveu mudar-se para Pimenta Bueno junto ao seu novo companheiro e à sua
filha. Nesse período, sua mãe mudou-se várias vezes. Retornou para Jussara, após
um ano e meio, e foi morar com as tias de Marta e seus primos. Nesse tempo, o pai
de Marta retornou para Natal, permanecendo lá por uns quatro anos. Aos nove anos,
Marta foi morar com a madrinha, em uma casa próxima de sua avó materna, mas
acabou ficando cada dia em uma casa, ora na madrinha, ora na avó materna. Em
função dessa instabilidade de moradia, os avós paternos exigiram judicialmente a
sua guarda, alegando que ela não estava sendo bem cuidada. Ela morou com os
avós paternos por seis meses, onde ficou muito nervosa e agressiva, chorando
sempre muito. Devido a esse comportamento, ela passou a morar definitivamente
com os avós maternos. Seu avô materno, 65 anos, aposentado, foi definido por
Marta como “calmo, tranquilo, mas é muito chorão. Minha relação com ele é muito
boa, pois com jeitinho especial ele me acalma. Já minha avó é baixinha, gordinha,
muito estressada e nervosa, mas sorridente. Com ela eu brigo muito, principalmente
quando é ora de comer”.
Com relação aos antecedentes patológicos familiares, Marta teve uma tia
que tinha depressão e cometeu suicídio, enforcando-se. Ela não tinha contato com
esta tia, mas se lembra dela em um velório do tio, cuja morte foi em razão de cirrose.
Logo após esse velório, em um intervalo aproximado de 24 horas, sua tia suicidou-
se. Mesmo essa tia morando em Jussara, Marta não tinha contato com ela,
recordando apenas de ir ao velório dessa tia. Sua mãe, também depressiva, já falou
várias vezes em se matar, mas nunca houve tentativas.
!107
1ª Sessão
T: Qual o motivo de você estar aqui?
P: Tentei suicídio (mostrando seus dois braços com marcas de cortes nos
pulsos, além de várias marcas em ambos os antebraços).
T: Você está acompanhada?
P: Sim, minha mãe está lá fora, mas eu não quero que ela entre
(demonstrando irritabilidade e hostilidade).
T: Tudo bem! Neste momento, não vou chamá-la. Gostaria de tentar ajudá-la.
P: Minha vida não tem mais graça. Acho que seria melhor se eu tivesse
morta, pois assim traria alívio para os meus pais. Desde o meu nascimento sou um
peso pra eles. Mas eu nem moro com eles.
T: Com quem você mora?
P: Com meus avós em Jussara. São pais da minha mãe. Meu pai mora em
Jussara, mas trabalha em uma fazenda. Minha mãe mora aqui em Goiânia. Mesmo
separados eles brigam muito. Sempre acho que sou a razão das brigas deles.
T: E sempre que eles brigam sua vida perde o sentido?
P: Sim, perde a graça viver. Cheguei a falar pra uma amiga que não chegaria
aos 17 anos. Antes do meu aniversário estaria morta.
lhe ainda solicitado que não retornasse para sua cidade até que (a psicoterapeuta)
percebesse a sua melhora. Ela aceitou, mas disse que não queria ir para casa de
sua mãe, o que lhe foi questionado se havia algum parente com quem ela gostaria
de permanecer. Informou que seu pai estava vindo de Jussara e que gostaria que
ficassem juntos na casa de uma tia.
No final da sessão, quando aparentava estar bem mais calma, foi-lhe pedido
a permissão para falar com sua mãe. Esta entrou no consultório muito nervosa,
demonstrando um certo desespero por não saber como lidar com a filha naquela
situação. Foram realizadas orientações em relação aos cuidados necessários para
evitar uma nova tentativa de suicídio, além de um contrato com a mãe de Marta. Ela
se comprometeu com cuidados fundamentais como não deixar a paciente sozinha,
retirar objetos de risco de casa, administrar as medicações, jamais deixando os
medicamentos com a paciente, etc. Diante da gravidade do caso (da possibilidade
de uma nova tentativa), foi marcada uma sessão para o dia seguinte e solicitada a
presença do pai da paciente.
2ª Sessão
A paciente apresentou-se com olhar triste, com aparente desinteresse e
cansaço, mas colaborativa com a entrevista.
T: Quando você tentou morrer?
P: No dia 19 de novembro.
T: Em que dia da semana?
P: Terça-feira.
T: A que horas?
P: 12:30
T: Onde?
P: No meu quarto.
T: Depois de que atividade?
P: Quando cheguei da escola. Na verdade eu fui pra escola, mas não
consegui ficar na sala de aula. Eu estava muito triste, querendo ficar sozinha e com
muita vontade de sumir. Fui pra casa e fiquei no meu quarto.
T: Havia mais alguém em casa?
P: Sim, meus avós estavam no quarto deles.
!109
com um outro líder. Eu não contei do meu namoro pra ninguém e isso foi me
sufocando. Como eu e ele somos líderes, não podemos namorar. No primeiro
encontro de formação para coordenadores em Santa Fé de Goiás, o Bispo nos
chamou para conversarmos. Ele foi direto ao assunto, perguntou se éramos
namorados. Quando eu respondi que sim, ele falou que era pra fazer uma escolha
entre o namoro e a coordenação. Deu um prazo de 24 horas pra refletir e tomar uma
decisão. Foi muito difícil. Eu estava feliz como coordenadora de jovens e também
namorando alguém que gostava muito. Juntos tudo parecia um sonho, só que tinha
tornado um pesadelo. Eu não queria ficar longe dele, mas também não queria sair
da pastoral. Então, conversamos e decidimos terminar o namoro. No mês seguinte,
minha amiga desde pequena, que considero como irmãzinha, me diz que no meio do
ano mudaria para Belo Horizonte. A notícia caiu como uma bomba pra mim. Fiquei
sem saber o que fazer. O mundo parecia que estava desabando sobre a minha
cabeça.
T: Essas experiências têm sido muito dolorosas para você?
P: Você acha que é só isso? Em maio eu assisti à morte de um amigo de
infância. Como de costume, passei na casa dessa minha amiga Maria para irmos
juntas para o colégio. Ao chegarmos perto da rotatória, Evandro passou de moto
pela gente. Cumprimentou, dizendo: Oi! Quando dei fé, olho pra trás e ele já tá caído
no chão. Foi muito rápido, parece que bateu a moto na ilha, caiu e bateu a cabeça.
Foi um choque pra mim. Ele era meu melhor amigo e morreu.
T: Sente-se culpada pela morte dele?
P: Sim. Se ele não tivesse olhado pra nós pra cumprimentar, ele não teria
batido a moto na rotatória e não teria morrido. Desde a morte dele tenho ficado
muito nervosa. Pra falar a verdade, quando estou com raiva, ninguém chega perto,
porque senão é pior. Quando entro no meu quarto, quebrando ou rasgando algo,
ninguém se atreve entrar lá. Não sei o que foi pior se a morte dele ou a morte de
uma aluna da creche.
T: Quando aconteceu?
P: Tem pouco mais de um mês.
T: Como aconteceu?
!111
P: Ela foi atropelada por um carro. Chegou ir para o hospital, mas não resistiu
e morreu. No velório eu ia contar com o grupo da Igreja, mas não consegui ficar lá e
fui embora antes do enterro.
T: Parece que tem sido muito difícil lidar com tantas perdas?
P: É muito confuso pra mim. E sempre que estou confusa eu fico muito
nervosa.
T: Estando nervosa é comum quebrar objetos?
P: Já rasguei vários cadernos, já quebrei várias coisas no meu quarto. Já
perdi as contas de quantos celulares joguei na parede. Acho que já foi uns dez!
T: E como é o seu relacionamento com as pessoas quando está irritada?
P: Com meu avô é mais tranquilo, mas com a minha avó é só brigas. Brigo
muito com a minha avó, principalmente na hora de comer. Às vezes, eu como muito
e depois me arrependo. Quando estou muito ansiosa, como muitos doces e
chocolates. Assistindo TV já chupei um saco de balinhas, mas ultimamente não
tenho sentido fome. Mal tomo o café da manhã. Já emagreci onze quilos.
T: E a sua menstruação está regular?
P: Já tem dois meses que não menstruo. Tudo é tão confuso pra mim, não sei
o que fazer. Já chegaram a falar que estou grávida por causa das minhas tonturas.
Só se eu tiver grávida, deve ser do Divino Espírito Santo (diz com ironia). Essas
desconfianças me deixam muito nervosa. Só penso em morrer, pra acabar com isso.
T: Nesses momentos a vida perde o sentido?
P: Sim, não tem mais graça.
T: Está com dificuldades na escola?
P: Eu nunca tive dificuldades na escola, sempre tirei boas notas. É difícil ficar
quieta na sala, mas ultimamente estou sem energia, sem força, com dificuldade pra
ter atenção. Tenho faltado muito às aulas.
Após essa entrevista com a paciente, foi-lhe pedido a permissão para que o
seu pai entrasse no consultório. Foram realizadas as mesmas orientações dadas à
mãe da paciente. Quando questionado sobre sua relação com a filha e como estava
lindando com o fato de ela querer por fim à vida, ele ficou muito emocionado e a
abraçou. Relatou que pediu licença do seu trabalho em Jussara e viria para Goiânia
para cuidar dela.
!112
esse tempo, o foco da psicoterapia foi o seu papel de mulher. De forma geral, foram
abordados temas como sexualidade, métodos contraceptivos, papel do homem e
papel da mulher na relação, etc. Os temas foram tratados com a técnica de tomada
de papel do outro.
Após dez meses: Um mês antes de Marta completar os dezoito anos,
começou a achar que estava grávida, uma vez que mantinha relações sexuais com
seu namorado. Iniciou-se uma nova recaída dos sintomas depressivos, mas sem
ideação suicida. Começou a se isolar, diminuiu a frequência escolar e as idas à
igreja. Embora tivesse recebido o resultado negativo de gravidez, manteve o mesmo
quadro de sintomas depressivos: humor deprimido, desinteresse, perda de peso,
perda de energia e isolamento social. A psicoterapeuta focalizou os aspectos
psicológicos da necessidade de repetir a história da mãe que ficou grávida dela na
idade de dezessete anos, próxima a completar dezoito anos. Foi utilizada,
principalmente, a técnica tomada de papel. Nesse período, seus pais não
comparecerem mais ao ambulatório de psiquiatria.
Após um ano: A paciente apresentava-se com humor estável, sem queixas,
tristeza ou desânimo e sem ideação suicida. Voltou a trabalhar em uma creche da
igreja. Para concluir o terceiro ano do Ensino Médio, foi feito um relatório médico e
psicológico a fim de que a paciente fizesse as avaliações escolares como aluna
especial. Passou no vestibular para Pedagogia já que tinha decidido que não queria
mais ser enfermeira. A disposição física e o prazer em realizar as atividades
cotidianas se recuperaram.
Após um ano e meio: As sessões psicoterápicas tinham intervalos cada vez
maiores: mensalmente e, depois, trimestralmente, pois os sintomas depressivos e a
ideação suicida foram desaparecendo. A desesperança e a ameaça viva de suicídio
cederam espaço a atendimentos quase sem demandas ou queixas. A paciente
apresentava-se mais autoconfiante e com o humor estável. Ela afirmava que nunca
tinha experimentado uma vida tão tranquila como naquele momento. Decidiu
firmemente que não queria mais voltar para Jussara (GO), embora seus pais
insistissem muito para que voltasse. Deixou de morar com sua mãe e foi morar com
uma madrinha. O contato com o pai foi diminuindo. A paciente manteve-se estável
por período superior a seis meses, algo que não havia ocorrido até o momento.
!115
Diagnóstico clínico:
- Ambivalência afetiva;
- Agressividade.
• Psiquiátricos
- Episódio Depressivo.
- Organização de Personalidade Borderline.
• Familiares
- História familiar de suicídio (tia suicidou-se);
- História familiar de doença psiquiátrica (mãe com depressão recorrente);
- Abuso emocional na infância;
- Instabilidade familiar.
De acordo com Corrêa e Barrero (2006), podem ser considerados, no caso de
Marta, os seguintes fatores:
• Fatores predisponentes
- Infância problemática;
- Abandono paterno;
- Morte de entes queridos;
- Condutas suicidas;
- Depressão materna;
- Mau-trato psicológico.
• Fatores reforçadores
- Preocupações sexuais em relação à religião;
- Mudanças físicas.
• Fatores precipitantes
- Ruptura de uma relação valiosa (amiga de infância comunica sua mudança de
estado);
- Morte de um amigo e uma aluna da creche.
Como fatores de proteção, de acordo com Meleiro, Teng e Wang (2004),
podem ser encontrados:
- Habilidade de avaliar a realidade (não há uma ruptura psicótica);
- Religiosidade;
- Suporte social positivo nas relações interpessoais da Igreja;
- Vínculo forte com crianças, principalmente a sua afilhada;
- Relação terapêutica positiva.
!118
Diagnóstico psicodinâmico
Diagnóstico Estrutural:
Diagnóstico Relacional
Cosmos
4. Inversão de
o
tic
papéis – EU sou a
Tempo Kairós
gé
o
tic
er
própria vida
gé
en
er
o
en
rp
Co
o
rp
Co
3. Tomada de
papéis – ensaio a
PSICOTERAPEUTA PACIENTE vida
Espaço
Realidade Presente
Cosmos VIDA do MORTE Cosmos
Infra-Realidade Corpo físico Mistério Tempo Chronos 2. Espelho –
imagem viva – EU
sou o
Realidade Suplementar
TU saudável
Corpo Psicológico
o
tic
gé
er
en
1. Duplo –
o
o
rp
tic
EU professo a
Co
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vida
en
o
rp
Co
Cosmos
Figura 11: Processo de evolução para novas estratégias psicoterápicas – encontro clínico –
reanimação psíquica viabilizada pelo amor terapêutico.
Fonte: Autora deste trabalho.
que indicavam um único caminho: o da morte. O passado tem o seu valor. Mas esse
debruçar excessivo para trás elegeu cenas que geraram culpa e débito para si
própria e para com o mundo.
Propor-se a ajudar alguém mergulhado nessa cena exige TEMPO CLÍNICO.
O psicoterapeuta não deve jamais ficar subjugado ao tempo Chronos, mas em
ações espontâneas, criativas, liberadas pelo tempo Kairós. São duas linhas de
tempos paralelos (o Kairós e o Chonos) que se entrecruzam. É nesse momento que
o mistério acontece na relação psicoterápica. As violências sofridas na vida de Marta
não permitiram uma adequada percepção do tempo no desempenho de seus papéis.
O clínico pode (e deve) permitir uma ação psicoterápica que resgata a integração do
tempo interno e externo. O psicodramatista torna-se o interlocutor para o solilóquio
depressivo. A lentificação no tempo exige TEMPO para essa cena protagonista de
ruminação da vida psíquica em um papel psicossomático incapaz de um projeto de
ação. O psicoterapeuta faz o duplo de VIDA – o EU professa a VIDA do TU ( EU
DUPLO do TU). A doença do tempo – a depressão – revela seus próprios campos
na relação psicoterápica, o bloqueio da plasticidade da mente percorre seu
desbloqueio através de intersubjetividade espontânea-criativa.
A vivência do espaço, experienciada por Marta, revelou-se também deprimida
e evidenciou uma esfera tímica de queda de si mesma e o despenhamento interior.
Essa sensação foi refletida no corpo (papel psicossomático) [de Marta] e gerou
muitas queixas psicossomáticas. Em um caos psíquico de indiferenciação do corpo
no espaço, é vivido como não sendo seu próprio corpo, ocorrendo, assim, um
despertencimento de si mesmo com esvaziamento do corpo energético. Marta
necessitou ver sua imagem refletida no espelho do olhar do psicoterapeuta com
VIDA. Uma imagem viva: EU sou o TU saudável (EU ESPELHO o TU). Dessa
maneira, tomando vários papéis da própria vida (raiva, tristeza, mãe, morte, etc), ela
ensaia sua própria reanimação psíquica (EU ENSAIO A VIDA).
A totalidade psíquica de Marta foi evocada por várias CENAS que forneceram
“encaixes” condizentes com a expressão dos sintomas depressivos e o
comportamento suicida. Bastava fechar os olhos que as fatídicas cenas se
manifestam num telão virtual de sua mente. E pior: o que mais agrava isso é o fato
de que geravam auto-agressões. Embora haja várias cenas fundamentais, relata-se
!123
aqui de forma sintética, por revelar de modo significativo o conteúdo a que este
trabalho se propõe.
Observou-se durante o tratamento, com relativa frequência, a cena em que
seus pais brigaram em sua tenra idade. Essa cena revelou a gravidade e a
intensidade das manifestações sintomáticas em sua desproporcionalidade reativa,
geralmente, não justificada pela cena atualizada desencadeadora, principalmente a
eclosão da estrutura do pensar tipo “minha vida não tem mais graça. Acho que seria
melhor se eu tivesse morta, pois traria alívio para os meus pais”.
Antes mesmo dessa cena de triangulação (pai-mãe-filha), havia uma mais
primitiva que é a da sua concepção. Desde antes do nascimento, adquire-se a
dimensão social do indivíduo. A falência na díade mãe-filha revelou um papel não-
compartilhado com seu ego auxiliar, provocando, assim, fantasias perturbadoras de
despertencimento no universo. Entende-se, com efeito, que evocar as cenas nas
quais revelam as condições da vinda à VIDA pode ser o fio condutor para
compreensão das cenas de ameaça de MORTE. A mãe de Marta, depressiva, que já
tinha falado várias vezes em se matar, embora nunca houvesse tido tentativas de
suicídio, desenvolveu o papel de violência psíquica, podendo evoluir para
agressividade, quer seja na ideação, nos gestos ou nas tentativas de suicídio de
Marta.
A cena mais impactante vivida por Marta em suas tentativas de morte foi
antes de seu aniversário de dezessete anos. Sua ameaça de morte foi socializada
para uma amiga íntima. Ao ser fornecida na psicoterapia, espaço e tempo clínico,
para que ela relatasse detalhes da cena, viabilizou o reviver de uma segunda vez,
libertadora da primeira (MORENO,1984). De forma espontânea, Marta vai
dissolvendo os “nós” existenciais, expressando suas “emoções tóxicas”.
Marta vivenciou várias cenas de perdas, dentre elas, nesse momento
destaca-se a perda de um amigo: “Em maio eu assisti à morte de um amigo de
infância. Como de costume, passei na cada dessa minha amiga Maria para irmos
para o colégio juntas. Ao chegarmos perto da rotatória, Evandro passou de moto
pela gente. Cumprimentou, dizendo: Oi! Quando dei fé, olho pra trás e ele já tá caído
no chão. Foi muito rápido, parece que bateu a moto na ilha, caiu e bateu a cabeça.
Foi um choque pra mim. Ele era meu melhor amigo e morreu.
T: Sente-se culpada pela morte dele?
!124
P: Sim. Se ele não tivesse olhado pra nós pra cumprimentar, ele não teria
batido a moto na rotatória e não teria morrido. Desde a morte dele tenho ficado
muito nervosa”.
Essa cena revelou sua ruminação psíquica de culpa. O julgo tão pesado que
impedia a sua própria respiração, pois nutria uma cascata de justificativas culposas.
Na clínica psicodramática, não trata apenas de descrição das cenas, mas de
fenômenos psíquicos fundamentais. A medida em que são reveladas permite
descortinar um universo vivo e sociodinâmico. Não há dúvidas de que a
compreensão das cenas está intimamente vinculada aos quatro universais: o tempo,
o espaço, a realidade e o cosmos (MORENO, 2006).
A avaliação diagnóstica da cena é realizada em cada ato psicoterápico. Na
jornada nossa de cada dia estão incluídos as três validações: a validação estética, a
validação existencial e a validação científica (MORENO, 1983). Aliás, espera-se
deixar claro no decorrer desta exposição que mais importante do nível I (ordinário)
da cena é o alcance do nível II (extraordinário).
A realidade oferece uma transposição do primeiro universo para o segundo
universo. O psicodrama pode ser dividido em dois níveis: o ordinário e o
extraordinário, ambos complementares. Não obstante, é possível que a relação
permaneça só no primeiro nível sem alcançar o segundo. No caso de Marta, seria
uma psicoterapia improdutiva e inútil, e que espelharia a sua própria morte.
Tem-se a ação dramática ordinária, no nível I, o cumprimento das regras do
método dramático, dando ordem à cena como um todo: nos contextos (social, grupal
e dramático); com seus instrumentos (o palco, o sujeito eu paciente, o diretor, o staff
de egos auxiliares e o público); suas etapas (aquecimento, dramatização e
compartilhar) (MORENO, 1975). As “regrinhas” deixam o psicodramatista mais
seguro, todavia, corre o risco de perder o fio condutor de espontaneidade-
criatividade na relação. O argumento é que quem considera o psicodrama apenas
um conjunto de técnicas (duplo, espelho, tomada de papéis, etc.), não entendeu
coisa alguma. A técnica viabiliza uma radiografia do problema, mas não é o
tratamento: o paciente não vai melhorar mexendo no RX. A RELAÇÃO é o “remédio”
para o problema. A abordagem focada na técnica ilude que o psicoterapeuta é
totalmente capaz de ajudar alguém que está deprimido e deseja morrer. A rigidez
!125
ordinário. Uma não exclui a outra. São níveis no palco psicodramático que o
aquecimento direcionará para os outros níveis.
Nada mais trágico que habilidade sem amor. Talvez um sepulcro caiado seja o
amor sem habilidade. Por sua vez, é um profundo mistério cósmico, desafiando o
clínico no manejo do paciente com humor deprimido e com risco de suicídio,
desenvolver a habilidade com amor. Marta tem sua micro-história de vida, mas em
co-existência com uma história macro, uma história maior, universal, cósmica. Marta,
que antes estava tomada pelo sentimento de despertentencimento e aniquilamento
psíquico, aqui e agora está co-existindo nesse contexto cósmico.
Finalizo esse ciclo de clínica psicodramática dando palco à protagonista
dessa cena: Marta. Finalizando seu processo psicoterápico, ela deixou registrado
um depoimento do resgate de sua esperança em viver, o qual é transcrito conforme
foi redigido, exceto o nome dela:
“É muito difícil falar de mim. Ainda mais de coisas que aconteceram há tanto
tempo. De coisas que machucaram e que ainda machucam até hoje.
Eu queria muito conversar com alguém, mas tinha medo. Medo de me
machucar e também das pessoas me criticarem. Poderia até ser uma pessoa de
minha confiança, mas eu não tinha segurança em ninguém. Eu guardava as coisas
só pra mim e não gostava de compartilhar com ninguém.
Na maioria das vezes achava que o mundo tinha que girar em minha volta.
Quando eu estava nervosa irritada, não conseguia ficar perto de ninguém, porque o
que eu sentia, descontava nas pessoas. Só que nas pessoas erradas e no momento
errado. E assim foi se passando os anos e eu do mesmo jeito.
A minha família achava normal o meu nervosismo, o meu jeito de me isolar
das pessoas e do mundo e de não querer participar das coisas. Na maioria das
vezes eu queria dividir com a minha família o que estava acontecendo comigo, mas
!129
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
CORRÊA, H.; BARRERO, S. P. Suicídio: uma morte evitável. São Paulo: Editora
Atheneu, 2006.
DURKHEIM, É. O suicídio. Coleção a obra prima de cada autor. São Paulo: Martin
Claret, 2002 (originalmente publicado em 1897).
!136
ANEXO I
Você está sendo convidada para participar, como voluntária, de um estudo de caso para um
trabalho monográfico. Meu nome é Cláudia de Paula Juliano Souza, sou autora responsável
e minha área de atuação é Psicologia da Saúde e Hospitalar e Psicoterapia Psicodramática.
Após ler com atenção este documento e ser esclarecida sobre as informações a seguir no
caso de aceitar fazer parte do estudo, assine ao final deste documento que está em duas
vias. Uma delas é sua e a outra é da pesquisadora responsável, psicóloga Cláudia de Paula
Souza nos telefones (62) 3225-8110 e/ou (62) 9242-1650.
CONSENTIMENTO DA PARTICIPAÇÃO
Eu,__________________________________________________________, número do
prontuário__________________, abaixo assinado, concordo em participar do trabalho “O
episódio depressivo e o comportamento suicida na clínica psicodramática”. Declaro que fui
informada e esclarecida pela pesquisadora sobre o trabalho, os procedimentos envolvidos,
assim como os possíveis riscos e benefícios decorrentes de minha participação. Foi-me
garantido que posso retirar meu consentimento a qualquer momento sem que isso leve a
qualquer penalidade ou interrupção de meu tratamento psicoterapêutico.
_________________________________________
Local e data