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Reflexão de um potencial suicida.

Não tenho apego à vida, a largaria agora mesmo, se qualquer estranho me pedisse
isso. A vida está caótica, violenta, os extremos de irracionalidade e racionalidade dominam
nossos dias. Mas, se estivesse perfeita, não me sentiria bem, também, num lugar assim.
Adoro a minha profissão, professor de filosofia, fazer os alunos pensarem sob
diferentes perspectivas, virarem de cabeça para baixo suas antigas crenças, acrescentando a
elas outros argumentos, corrigindo-as, fortalecendo-as, destruindo-as e as reconstruindo, dá
sentido à vida. Vejo o pensamento nascer, crescer e dar frutos, mas percebo o quanto e
inevitável que até o pensamento morre como tudo no universo, até o próprio universo.
Acho que o suicida é alguém que pensa demais!
Vi uma mulher que me hipnotizou com sua beleza. Então, pensei que não tenho um
carro, moro em um apartamento de um dormitório, as contas mal fecham no mês, talvez ela
queira filhos e filhos precisam de quartos, escola, remédios, comida, roupas. A dor de
pensar que eu não poderia oferecer tudo isso me despertou a ideia de suicídio. Abreviar a
dor de pensar, fazer com que todas essas coisas que eu não poderia dar deixassem de
martelar minha memória. O problema é que nem sei se ela quer isso tudo? Para completar,
ela me olhou daquele jeito que as mulheres apaixonadas olham: com o olhar fixo,
congelado, como se existissem fios invisíveis de aço nos ligando. Coisa como essa faz eu
querer me apegar a vida!
Amo a vida e amar é querer cercar-se de algo, abraçar e ser abraçado por algo. É amar
uma árvore, um gato, um labrador, que espécie linda!, é amar a si. Não odeio nada, não do
jeito que as pessoas pensam em ódio: uma escolha para querer o mal a outros. Não odeio o
universo ou um possível criador. O ódio que sinto é uma dor profunda que atravessa como
agulhas cada centímetro de pele de um lado a outro do corpo! É uma dor passiva, sofro
calado, e que não quero para mais ninguém! Sei que a vida é assim, esse continuar de
encontros e desencontros. Não odeio perder, pois perder é achar para outros! Quantas
mulheres amei e sei que elas acharam pessoas mais interessantes para amar, embora por
mais interessantes, leia-se: ter carros, vida social, amigos para beberem até quase a perda de
consciência, e, antes disso, pronunciarem besteiras ou, então, terem filhos porque outros já
tiveram, como crianças que mostram a outras os brinquedos novos que ganharam!
A vida para um potencial suicida tem duas partes: a primeira consiste em aprender a
viver e a segunda, em aprender a morrer. O potencial suicida crê em regras fixas, como essa
divisão da vida, divisão abstrata, mental, não real.
O suicida pede desculpas pelo que ele não fez. Por ser raquítico, ter miopia, ter 1 e 60
de altura, por estar hipnotizado por alguém, por saber algo que os outros não sabem e por
não saber o que os outros sabem, por não poder salvar a vida de alguém, por ver tantos
desastres e não conseguir parar o movimento da crosta terrestre ou a força de um furacão!
Durkheim classificou o suicídio em egoísta e altruísta. Mas, onde acaba o eu e começa os
outros?
Enquanto escrevo, continuo vivo, nesse acordo frágil com a vida. A poesia é outra
forma de amar, de me abraçar à vida. Talvez o que o suicida queira não é a vida ideal, nem
ser heróis, nem ser o último que sabe de uma notícia, ele quer não querer, não precisar de
nada, ele quer parar a vida, ele quer viver em um único instante, ele quer ser aquele olhar
fixo, congelado, quando se diz para outra pessoa te amo sem palavras.
Antonio Jaques de Matos
Porto Alegre, 13 de março de 2010.

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